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Os métodos para ensino de violão erudito: uma perspectiva a partir do modelo C(L)A(S)P de Swanwick
Henrique André C. Rievers Universidade do Estado de Minas Gerais – Uemg
Resumo. Este estudo pretende investigar o desenvolvimento do pensamento pedagógico no ensino do violão erudito e sua relação com a ótica contemporânea de educação musical. Terá o ensino instrumental evoluído de forma coerente com as mudanças ocorridas na educação musical no século? O modelo C(L)A(S)P de Swanwick (1979) foi escolhido como referencial teórico e analítico por ser uma sistematização dos princípios contemporâneos de educação. Realiza-se então uma análise comparativa de dois livros didáticos: A Jugar e Cantar con Guitarra (1968), de Violeta Hemsy de Gainza e Eva Kantor, e O Equilibrista das Seis Cordas (2002), de Silvana Mariani de modo a averiguar as mudanças ocorridas no pensamento pedagógico. A partir desta análise comparativa, pode-se inferir que houve uma evolução coerente na metodologia empregada nos livros didáticos.
Introdução
A maioria dos livros didáticos destinados ao ensino de violão erudito se resume a uma
coletânea de peças organizadas de maneira “progressiva”, isto é, de acordo com o nível de
dificuldade técnica, e carecem de uma preocupação com o desenvolvimento da
compreensão e do fazer musical do aluno. Esta falta de um livro didático que possa
realmente incentivar o aluno a conhecer e aprender música através do violão faz com que,
muitas vezes, o instrumento seja considerado de difícil aprendizagem.
Ao entrar em contato com o Modelo C(L)A(S)P de Swanwick (1979), decidi voltar meu
olhar para os métodos de violão de uma maneira aprofundada. Utilizando este modelo
como referencial teórico, pode-se explicitar o pensamento pedagógico em que se baseia o
livro didático, assim como as suas falhas e qualidades. Esta pesquisa tem como objetivos
principais analisar o desenvolvimento do pensamento pedagógico no ensino do violão
erudito valendo-se do modelo C(L)A(S)P de Swanwick (1979) como ferramenta de análise
e identificar se os livros didáticos escolhidos foram formulados a partir de uma ótica
contemporânea de educação musical.
Foram selecionados dois livros didáticos para a realização deste trabalho: A Jugar e Cantar
con Guitarra (1968), de Violeta Hemsy de Gainza e Eva Kantor, e O Equilibrista das Seis
Cordas (2002), de Silvana Mariani. Tal seleção foi realizada através de indicações de
professores de violão e por serem livros voltados para o público infantil. Outro critério
empregado foi a diferença entre as datas de publicação para que se pudesse analisar o
desenvolvimento do pensamento pedagógico no ensino do violão erudito.
1- Pressupostos Teóricos
Entende-se por educação musical contemporânea, ou ótica contemporânea de educação, os
princípios pedagógicos desenvolvidos desde o início do séc. XX até a atualidade (Gainza,
1988 p.102). No início do século XX, ocorreram diversas transformações na prática
educacional. O foco muda da “disciplina musical, para o destinatário do ensino – o
educando – e seus processos de desenvolvimento” (Gainza, 1988, p. 104). A criatividade e
o jogo são explorados como ferramentas pedagógicas com o intuito de sensibilizar o aluno
para a experiência musical.
Na segunda metade do século XX, a exploração crescente de novos objetos sonoros
realizada pelos compositores se faz refletir nas salas de aula. Os novos conceitos e recursos
são absorvidos e utilizados encorajando cada vez mais a liberdade de expressão do aluno. O
método em sua forma total – rígido – é substituído pelo princípio pedagógico que norteará
o ensino de forma flexível, sem fórmulas prontas.
A educação musical contemporânea procura respeitar o desenvolvimento do educando e
despertar sua capacidade criativa. Outra grande ênfase desta ótica contemporânea de
educação é a vivência. O conteúdo deve ser, primeiramente, experimentado. As explicações
e a apresentação dos conceitos musicais podem e devem acontecer, mas não antes que o
aluno tenha tido sua experiência musical e vivenciado o conteúdo.
O modelo C(L)A(S)P de Swanwick (1979) consiste em uma sistematização destes
princípios e propõe um equilíbrio qualitativo através da inter-relação de parâmetros
relevantes a uma educação musical. Segundo Swanwick e França:
O modelo carrega uma visão filosófica sobre educação musical, enfatizando o que é central e o que é
periférico (embora necessário) para o desenvolvimento musical dos alunos. Implícita nos modelos há
uma hierarquia de valores e objetivos, na qual a vivência holística, intuitiva e estética nas três
modalidades centrais deve ser priorizada (Swanwick e França, 2002 p. 18).
Este modelo promove um envolvimento direto com a música através das modalidades
centrais, Composição, Apreciação e Performance, CAP (Swanwick, 1979 p. 42). O
equilíbrio entre estas três modalidades permite ao aluno o contato com a música em sua
plenitude. Estudos Acadêmicos (Literature Studies (L)) e Habilidades Técnicas (Skill (S))
são tópicos secundários, mas necessários, considerados atividades de suporte (Swanwick e
França 2002).
Composição é “o ato de criar um objeto musical através da organização de material sonoro
de uma maneira expressiva” (Swanwick 1979 p. 43) não importando o nível de
complexidade do objeto musical a ser produzido. O processo composicional é utilizado
como meio para os alunos “desenvolverem o julgamento musical e compreenderem a noção
do pensar musicalmente” (Paynter 1997 apud Swanwick e França, 2002, p. 10). A
Apreciação é a maneira pela qual é feito o primeiro contato com a música e é como se
conhece a maior parte da herança musical e envolve colocar-se no papel de audiência e em
um estado de contemplação a fim de se concentrar no todo da experiência estética
(Swanwick e França, 2002 p. 12). A Performance é muitas vezes vista como uma aquisição
de habilidades motoras e de leitura visando apresentações. Em uma educação musical
abrangente, a verdadeira função do performer é comunicar e ser o mediador entre a peça
musical e o ouvinte (Swanwick, 1979 p. 53). Habilidades Técnicas (Skill, S) e Estudos
Acadêmicos (Literature Studies, L) são muitas vezes o foco do estudo de muitos cursos de
música. No modelo C(L)A(S)P, estas são consideradas atividades de suporte. Habilidades
Técnicas abrangem os estudos técnicos, a familiaridade com a notação musical, a
habilidade de tocar em grupo. Estudos Acadêmicos referem-se não somente à análise de
partituras e performances ou estudos históricos, mas também à literatura sobre música,
histórica e musicológica (Swanwick, 1979 p. 45). Estas atividades são necessárias para o
desenvolvimento musical, mas não permitem um contato direto com a música, portanto
devem ser tidas como ferramentas do músico e do aluno de música para facilitar seu
envolvimento com a música e não para nortear o aprendizado.
Swanwick propõe, através do modelo C(L)A(S)P, uma integração de atividades tendo como
o foco da experiência musical as modalidades Composição, Apreciação e Performance. Na
prática, estes três pilares da educação musical se inter-relacionam com as modalidades
Habilidades Técnicas (S) e Estudos acadêmicos (L) de modo que o aluno tenha acesso a
uma experiência musical plena e seja capaz de se relacionar com diversos aspectos do fazer
musical.
2- Análise Comparativa
O livro didático O Equilibrista das Seis Cordas (Mariani, 2002) consiste em um método de
violão para crianças que propõe uma abordagem lúdica utilizando-se de jogos e canções
folclóricas para introduzir o aluno tanto ao instrumento quanto à linguagem musical. O
livro é dividido em cinco partes - Conhecendo o Violão, Aprendendo a Ler e Escrever,
Praticando no Violão, Acompanhando com o Violão e Construindo Escalas - e inclui um
Anexo para Professores no qual encontram-se instruções e comentários da autora que
servirão como guia para a execução das atividades em sala de aula e para compreensão de
sua proposta pedagógica.
A série A Jugar e Cantar con Guitarra (Gainza e Kantor, 1968) é formada por quatro livros
didáticos, Libro Preparatorio e Vol. I, II e III, nos quais as autoras desenvolvem uma
proposta de ensino do instrumento relacionado ao canto. O presente trabalho concentra-se
no Libro Preparatorio no qual é feita a iniciação ao instrumento. Segundo Gainza e Kantor
(1968, p.3), o método foi preparado visando um contato amistoso com o instrumento para
que o aluno se desenvolva de forma sadia. A relação instrumento-canto é desenvolvida por
todo o livro didático de modo que o aluno é encorajado a cantar o que toca ou utilizar o
violão como acompanhamento.
Em O Equilibrista das Seis Cordas, a composição é introduzida desde o primeiro contato
com o instrumento através de atividades de exploração de timbres e utilização dos mesmos
na sonorização de histórias. A autora, Silvana Mariani, recomenda que este trabalho seja
repetido e desenvolvido ao longo do aprendizado. Em A Jugar e Cantar con Guitarra –
Libro Preparatorio esta modalidade é pouco trabalhada. Em todo o livro existem apenas
duas atividades envolvendo improvisação e jogos de “pergunta e resposta”.
A modalidade Estudos Acadêmicos é a menos trabalhada nos dois livros. Em A Jugar e
Cantar com Guitarra, ela não é trabalhada, enquanto em O Equilibrista das Seis Cordas é
utilizada como parte da introdução ao instrumento na qual são citadas suas partes, sua
história e sua utilização em diversos estilos musicais.
A modalidade de Apreciação é uma das mais difíceis de serem analisadas, pois muitas
vezes está inserida em outra atividade ou como uma sugestão do autor. No livro A Jugar e
Cantar con Guitarra, de Gainza e Kantor (1968), não foi encontrada nenhuma atividade
cujo foco fosse a apreciação. Em O Equilibrista das Seis Cordas (Mariani, 2002)
encontram-se algumas atividades voltadas para esta modalidade, como apreciação de
diferentes timbres e dinâmicas e de histórias sonorizadas pelos colegas, mas de maneira
pontal. Considerando-se atividades que exigem um alto grau de concentração no objeto da
audição, pode-se afirmar que a apreciação é trabalhada de forma indireta por todo o livro,
isto é, sem uma orientação específica sobre tal modalidade. Jogos utilizando eco, no qual o
aluno repete o que o professor toca, e de pergunta e resposta, no qual o aluno deve criar
uma frase melódica que “responda” à frase tocada pelo professor, podem ser consideradas
atividades de apreciação indireta e estão presentes nos dois livros didáticos.
As modalidades Habilidades Técnicas e Performance foram trabalhadas de forma intensa
nos dois livros. A introdução de termos e simbologias foi considerada como aquisição de
habilidades técnicas, pois ocorreu de forma a facilitar a leitura. O mesmo fato ocorreu com
a introdução de células rítmicas. Em O Equilibrista das Seis Cordas, a autora teve o
cuidado de inserir atividades visando à aquisição de técnicas específicas no corpo do texto.
Em A Jugar e Cantar con Guitarra, Gainza e Kantor (1968) enfatizam o cantar com o
acompanhamento do violão, realizando um trabalho focado nos acordes e em técnicas de
mão direita, como o rasgueado.
A relação do conteúdo com o repertório é um ponto positivo nos dois livros, mas ocorre de
maneiras diferentes. Enquanto em A Jugar e Cantar con Guitarra (Gainza e Kantor, 1968)
os conteúdos técnicos, teóricos ou musicais são apresentados de acordo com as exigências
do repertório, em O Equilibrista das Seis Cordas (Mariani, 2002) ocorre o contrário: o
repertório é desenvolvido como aplicação dos conhecimentos musicais.
3- Considerações Finais
Nenhum livro didático ou método de ensino pode ser considerado perfeito. Eles são
simplesmente espelhos da visão pedagógica dos seus autores e, como estes, tendem a
priorizar certos aspectos ou modalidades diferentes. É necessário que este fato seja
observado quando um livro didático é adotado em sala de aula, pois esta escolha deve ser
coerente não só com a prática pedagógica do professor, mas também com as necessidades
do aluno. Através das análises realizadas neste trabalho, as diversas tendências
educacionais presentes no material didático selecionado puderam ser explicitadas.
Nos livros didáticos O Equilibrista das Seis Cordas (Mariani, 2002) e A Jugar e Cantar
con Guitarra (Gainza e Kantor, 1968) a integração entre as modalidades do C(L)A(S)P é
realiza por intermédio da modalidade Performance. Diversas atividades são inseridas
paralelamente à execução do repertório criando um elo entre o conteúdo técnico-teórico e a
prática instrumental. Deve-se enfatizar que no livro didático O Equilibrista das Seis Cordas
(Mariani, 2002) tais atividades são introduzidas de forma mais clara e freqüente do que no
livro A Jugar e Cantar con Guitarra (Gainza e Kantor, 1968).
Concluindo, o fator de similaridade entre os livros e a saturação nas modalidades Aquisição
de Habilidades e Performance ocorrem por se tratar de ensino instrumental, no qual estas
duas modalidades consistem em objetivos primários. Como ambos os livros são destinados
ao público infantil, é importante questionar a priorização dessas modalidades, pois, de
modo a proporcionar ao aluno uma educação musical abrangente, o instrumento deve ser
um veículo através do qual ele possa expressar suas idéias musicais e vivenciar a música de
maneira plena.
Por intermédio das análises apresentadas neste trabalho, pode-se perceber que houve uma
evolução no pensamento pedagógico no ensino do violão. A Jugar e Cantar con Guitarra,
que foi publicado em 1968, é um passo inicial em direção a uma forma de educação
instrumental coerente com a corrente filosófica de pedagogia musical contemporânea e O
Equilibrista das Seis Cordas, publicado em 2002, sua consolidação.
Referências Bibliográficas
GAINZA, Violeta Hemsy de. Estudos de Psicopedagogia Musical. São Paulo: Summus,
1988.
GAINZA, Violeta Hemsy de; KANTOR, Eva. A Jugar Y Cantar con Guitarra. Buenos
Aires: Codem, 1968.
MARIANI, Silvana. O Equilibrista das Seis Cordas. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.
SWANWICK, Keith. A Basis for Music Education. London: Routledge, 1988.
SWANWICK, Keith; FRANÇA, Cecília Cavalieri. Composição, Apreciação e Performance
na Educação Musical: teoria, pesquisa e prática. In: Em Pauta, Porto Alegre, v.13, n.21, p.
5 - 41 dez. 2002.