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  • GEOUSP - Espao e Tempo, So Paulo, N 20, pp. 31 - 43, 2006

    MUNDIALIZAO E RITMOS URBANOS:O COMRCIO E O CONSUMO 24 HORAS NA CIDADE

    Carlos Henrique Costa da Silva*

    *Professor do Curso de Turismo da UFSCar - Universidade Federal de So Carlos - Campus Sorocaba. Doutorando em Geografia pela UNESP/RioClaro. Pesquisador do NECC/UNESP/Rio Claro Ncleo de Estudos sobre o Comrcio e o Consumo. E-mail: [email protected]

    RESUMO:A leitura das grandes cidades hoje, sobretudo as cidades mundiais, nos faz perceber, principalmente, aquesto do movimento, da velocidade, do ritmo urbano. As pessoas esto sempre indo ou voltando para/dealgum lugar. Esse movimento constante, que hoje expresso pela imposio do processo de reproduo docapital, principalmente o capital financeiro, auxiliado pelas inovaes nos meios de transporte e nastelecomunicaes, insere-se como padro hegemnico na construo do cotidiano. A questo do comrcio edo consumo 24 horas nas cidades chega ao centro desta anlise, pois exemplo da busca incessante dolucro nos dias atuais. O objetivo deste artigo o de discutir o funcionamento 24 horas de algunsestabelecimentos comerciais - Shopping Centers (SC) - que permaneceram abertos mais de 32 horas duranteas proximidades do Natal e nas megaliquidaes de vero nos ltimos anos (2003 - 2005) na metrpolepaulista.PALAVRAS-CHAVE:Comrcio, Consumo, Cidade 24 horas, So Paulo, Shopping CenterABSTRACT:The reading of the big cities today, in particular the world cities, can make us notice, essentially, the movementmatter, the speed, the urban rhythm. People are always coming or going to/from somewhere. That constantmovement that today is expressed by the imposition of the capital reproduction process, mainly the financialcapital, aided by the technologies innovations in transport and telecommunications becomes a hegemonicpattern in the institution of daily. The 24 hours trade and consumption subject in the cities are the core of thisanalysis, because it is an example of the incessant seek for profits today. The aim of this article is to discussthe 24 hours operation of some commercial establishments - Shopping Centers (SC) - that kept more than32 hours open close to Christmas and the summer mega-sale in the last two years in So Paulo.KEY WORDS:Trade, Consumption, 24 hours City, So Paulo, Shopping Center.

    Introduo

    O presente artigo tem como objetivoanalisar o espao urbano no perodo atual apartir das relaes entre cidade (em nosso caso,a metrpole), comrcio e consumo, destacandoquestes referentes ao ritmo incessante quese impe no espao metropolitano a partir dabusca constante pelo lucro.

    O ponto de partida de nossa discussoconsidera que nossa rea de estudo ametrpole paulista entendida como umacidade mundial que participa ao lado deinmeras outras cidades, das principais decisesem ordem mundial sobre o funcionamento daeconomia globalizada. Seu destaque reflete opapel de comando que mantm no territriobrasileiro e sul-americano, a partir daconcentrao em seu espao dos maiores

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    representantes que direcionam a poltica, aeconomia e a cultura em escala global.

    O recorte metodolgico para esclareceresta discusso considera as modernas formasde comrcio e sua materializao no espaometropolitano a partir das grandestransformaes ocorridas nas relaes entrecomrcio, consumo e cidade ao longo dosltimos 150 anos em todo mundo 1 . Nestecontexto, selecionamos os estabelecimentoscomerciais que ficam abertos ininterruptamentena cidade de So Paulo, ou seja, o chamadocomrcio 24 horas. No entanto, elencamos comoobjeto de nossa anlise os Shopping Centers quepermaneceram funcionando 24 horas nosltimos 3 anos (2003, 2004 e 2005) durante operodo das festas de fim de ano (Natal eReveillon) e ainda em promoes especiais aolongo de todo o ano.

    O intuito principal , a partir dofuncionamento incessante dos estabelecimentoscomerciais no Brasil, lido atravs de So Paulo,discutir sobre o lugar do consumo no cotidianoda sociedade. O motivo que nos levou a fazertais consideraes se encontra em nossocontnuo interesse sobre o papel do comrcio edo consumo no processo de reproduo doespao urbano.

    O Comrcio na Cidade 24 horas

    So Paulo uma cidade mundial2 queparticipa das relaes econmicas globalizadase, por isso, tem seu espao permeado porvrios vetores que controlam e direcionam suavocao internacional, concentrando emalgumas partes de seu territrio as atividadesmais hegemnicas, carregadas de decisesestratgicas tanto poltica comoeconomicamente.

    tambm uma cidade fragmentada, poispossui segmentos de vrias partes do mundo,aproximando-se tanto de Nova York, Tquio,Londres ou Milo, como de Xangai, Nova Dlhi,Maputo ou Sarajevo.

    Seu vetor centro-sudoeste se conectacada vez mais a uma rede planetria de fluxosinformacionais conduzidos pelo mercadofinanceiro e por uma rede de servios e dedistribuio de mercadorias. J suas periferias,longnquas dos centros de deciso, possuempraticamente as mesmas caractersticas dascidades mais pobres da sia e da frica, onde oprocesso de excluso social marca a estruturabsica de funcionamento do espaometropolitano.

    Mas a leitura de So Paulo nos faz ver,tambm, a questo do movimento, davelocidade, do ritmo da metrpole. ConformeRolnik (2001, p.75)

    So Paulo impe uma ditadura domovimento no cotidiano da populao queutiliza ou frui a cidade, a partir de um ir-e-virconstante de carros, nibus, metr, vans,trens, ps, carroas. Estar em So Paulo estar sempre indo ou voltando para/de algumlugar.

    A citao acima indicativa dos ritmosdiferenciados que encontramos na Metrpole.Lefbvre (1982) nos faz compreender como sedesenvolvem no espao social esses variadosritmos. Para esse autor o ritmo contm o tempocsmico (planetrio), o tempo cclico (estaesdo ano), o tempo do cotidiano (com empregodeterminado) e o tempo das atividades einstituies. no cotidiano que se entrelaamos variados ritmos, surgindo aqueles repetitivoscclicos e os repetitivos lineares. O primeiro aquele das estaes do ano, do dia e da noite,dos ciclos mensais. O segundo se caracterizapela prtica social, ou seja, pela utilizao dotempo pela sociedade, tornando-o montono eimpregnado de gestos e caminhos impostos.

    Na metrpole, esses diversos ritmos seentrecruzam e se interferem. Lefbvre (1982)introduz nessa discusso a questo do corpo.Os ritmos naturais so produzidos e vivenciadospelo corpo humano, onde se tem um ritmonatural, biolgico, que cada vez mais sofreinterferncia dos ritmos racionais, ou seja,aqueles criados pela reproduo das relaes

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    sociais de produo, onde o tempo quantitativomarca e limita o ritmo social.

    Na metrpole, o ritmo racional aparececomo discurso hegemnico e padro desocializao, pois quem no vive nele est forado sistema que comanda e dirige a reproduosocial. Este um ponto chave para se discutir aquesto do comrcio e do consumo 24 horasna metrpole, pois acreditamos que foi a partirdessa idia de reproduo do sistema capitalistaque a velocidade das transaes tornou-se cadavez mais rpida e fluida, onde o tempoquantitativo introduziu-se e difundiu-se pelasociedade.

    No caso de So Paulo, podemosparticularizar, pois apesar de ser uma cidademundial possui caractersticas prprias quepermitem a reproduo de outras que s seencontram e se reforam a.

    O funcionamento 24 horas deestabelecimentos comerciais no Brasil,sobretudo em So Paulo, no algo que seiniciou nos ltimos cinco anos, como podeparecer. A Prefeitura Municipal de So Paulo temregistrado alvars de funcionamento comercialpara a permisso para uma loja da rede desupermercados Po de Acar ficar aberta 24horas j no ano de 1969. De l para c, inmerasforam as formas comerciais que aos poucosforam tomando o funcionamento incessantecomo uma de suas caractersticas bsicas. Nocaso dos Supermercados, conforme Silva (2003)a rede Po de Acar foi uma das pioneiras eminovar no funcionamento de suas lojas, poisalgumas ganharam o sufixo Special para indicaresse funcionamento com horrio estendido3 . Em1997, a Prefeitura autorizou a algunsestabelecimentos o funcionamento 24 horas e,entre estes, estavam supermercados,hipermercados, academias de ginstica,padarias, alm das lojas de convenincia quej surgiram no final da dcada de oitentafuncionando diuturnamente.

    Esta questo de que algunsestabelecimentos ganharam legalidade emfuncionar 24 horas no foi resolvida de modo

    to simples em So Paulo. As discusses entrea Associao Comercial, representantes delojistas, Sindicatos e poder pblico estenderam-se por, pelo menos, trs anos, at que foiregulamentada a abertura das lojas aosdomingos e tambm de lojas 24 horas. Esteprocesso foi bastante discutido e levou estetempo devido s conseqncias que traria paraa cidade, para os trabalhadores e tambm aosconsumidores.

    No caso dos servios, a primeiraacademia de ginstica do Brasil a ficar abertadurante toda a noite foi a Master Academi,alocalizada na Rua da Consolao, no bairro doJardim Paulista. Este estabelecimento de fitnessiniciou seu funcionamento em 1991, poca emque as academias de ginstica comearam afazer sucesso entre os brasileiros como umestabelecimento que impulsionava um estilo devida saudvel, devido beneficies que asatividades fsicas proporcionavam sade. Estaacademia passou a oferecer sua sala demusculao para aqueles que queriam treinardurante a noite. A justificativa empregada peloestabelecimento foi que a academia estavavoltada para um pblico bem segmentado queutiliza as academias de ginstica como formade lazer, que o pblico homossexual. Nascercanias do bairro dos Jardins h um grandenmero de homossexuais que residem,trabalham ou transitam por ali. Hoje, aps 15anos de funcionamento 24 horas, esta academiade ginstica tornou-se uma grande refernciapara o bairro e, alm de sua sala de musculao,as piscinas tambm esto disposio para osalunos treinarem a qualquer hora do dia e danoite. Alm disso, apesar de ainda conter umrtulo de lugar de forte presena dehomossexuais, no mais um espao de usomacio deste grupo de pessoas.

    Poderamos apresentar mais exemplosde estabelecimentos comerciais que passarama funcionar dia e noite, como floriculturas,livrarias, padarias, restaurantes, lanchonetes eoutros. No entanto, a justificativa geralapresentada e discutida entre lojistas,funcionrios e poder pblico era a de que em

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    So Paulo havia demanda suficiente para isto eque os encargos trabalhistas seriam mantidose pagos devido ao retorno que essa aberturaininterrupta traria para os comerciantes.

    Um fator que pesou na balana dedeciso de alguns estabelecimentos parafuncionar 24 horas foi a questo da segurana.Os assaltos, cada vez mais comuns ecorriqueiros no cotidiano da metrpole,principalmente nas reas mais perifricas,influenciaram muito as redes na hora de escolherquais de suas lojas ficariam 24 horas abertas.Para se ter um exemplo, dos 75 supermercadosPo de Acar existentes na cidade de So Pauloem 2005, 25 tem funcionamento 24 horas enenhum destes se localizam em distritosconsiderados de baixa renda em So Paulo(locais onde a violncia mais visvel). Apenas4 lojas se localizam fora do setor sudoeste dacidade que so as unidades dos distritos deSantana (com duas lojas), Penha e Tatuap,regies que nos ltimos anos passaram areceber investimentos imobilirios voltados paraas classes mdia, mdia-alta e possuem umavida noturna bem agitada, sobretudo nascercanias das principais avenidas.

    Os hipermercados Extra tambm nos doalguns indcios para pensar no funcionamento24 horas dos estabelecimentos comerciais. Das20 unidades da cidade de So Paulo, 13funcionam 24 horas, e, destes, apenas 2 estolocalizados em regies distantes de rodovias oudas avenidas marginais dos rios Tiet ePinheiros, mas esto no centro de uma regiobem populosa como o caso das unidades doExtra Aricanduva e Cidade Dutra. Das demaislojas, 7 esto localizadas na regio sudoestede So Paulo e 4 esto em grandesentroncamentos rodovirios unidades do ExtraRaposo Tavares, Freguesia do , Penha eAnhanguera, sendo que estas trs ltimaslocalizam-se na Marginal Tiet.

    Atualmente, funcionar durante dia e noitesem parar algo que j faz parte da paisagemda metrpole paulistana. Opes de comrciono faltam. H estabelecimentos vendendo

    desde flores e material de escritrio, passandopelos servios para carros, livrarias, farmcias,at os grandes hipermercados, restaurantes,lanchonetes e academias de ginstica. Pode-se cuidar do corpo e da sade a qualquermomento do dia ou da noite. Fazer as comprasdo ms no tem mais horrio, to pouco comprarum presente de aniversrio.

    Vale uma ressalva no sentido de precisaronde estes servios 24 horas vo estarpresentes na cidade de So Paulo. Quando seconfecciona o mapa dos estabelecimentoscomerciais que permanecem 24 horas abertosem So Paulo, a regio sudoeste aparece coma maior concentrao, ficando as demais reasda cidade com poucos estabelecimentos,localizados, principalmente, nas grandes vias decirculao que cruzam estes bairros maisperifricos4 . Os distritos de Moema, Perdizes,Jardim Paulista, Pinheiros, Vila Mariana, Alto dePinheiros, Consolao, Campo Belo, Bela Vista,Repblica, Tatuap, Santo Amaro e Morumbi soaqueles que mais possuem lojas 24 horas desupermercados, hipermercados, restaurantes,lojas de convenincias, livrarias, padarias efloriculturas. Alguns destes distritos so,tambm, os que mais concentram as pessoas commaior renda da cidade, conforme a tabela 1.

    Os dados apresentados na tabela 1 nosauxiliam a verificar que os estabelecimentos 24horas esto vinculados aos consumidores quemais tm potencial de consumo (maior renda) eque, provavelmente, so as pessoas que maisrequerem servios diferenciados para gastaremseu dinheiro. Fazer compras noite necessitafundamentalmente do automvel, sobretudonuma cidade onde at durante o dia otransporte pblico deficitrio, e os distritosde residncia desta populao mais abastadacoincide com o de localizao destes servios.Ou seja, o comrcio vai oferecer a esta parcelada populao a oportunidade de realizar ascompras em um tempo indeterminado, j quefica aberto ininterruptamente. O automvelapresenta-se, assim, como acessrio primazpara o consumo nos estabelecimentos 24horas.5

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    preciso questionar, tambm, como ocomrcio 24 horas ganha lugar de destaque navida da metrpole.

    Tabela 1: Concentrao das Famlias maisRicas por Bairros do Municpio de So Pauloem 20036 .

    O Consumo 24 horas

    Duas horas da manh, msica, luzes,gente sorrindo e fazendo compras. Compras?Afinal, o mais normal seria pensar que, diantede todo esse agito, se trata de uma festa numaboate, j que, pelo horrio, meio imprpriopara fazer compras. No entanto, nos ltimosanos nas principais cidades brasileiras, emalgumas datas especiais, uma festa estconcorrendo com as tradicionais discotecas, essa a festa do varejo.

    Verdadeiras raves (festas que durammais de 12 horas) animadssimas, com direito aDJ, banda de jazz e boa comida, ocorreram nasproximidades do Natal e nas liquidaes devero, em 2004 e 2005.

    Quem achou que o funcionamento dosShopping Centers de madrugada era apenas umaoportunidade para melhor organizar o tempodas compras enganou-se pensando que tudoficaria s moscas durante a noite. Os clientesforam verdadeiramente surpreendidos peloesforo dos lojistas e administradoras de

    Shopping Centers (SC) com as reais maratonasde compras produzidas. Pelas palavras de umgerente de SC da cidade do Rio de Janeiropercebe-se claramente o que foi o Natal de2004: Os clientes faziam compras e danavamnos corredores. A impresso que se tinha ade que voc estava chegando a uma festa.Tenho 25 anos de varejo e foi uma dasexperincias mais gratificantes que j vivi

    Para propiciar esse ambiente, os SClanaram mo de duas estratgias bem claras,que focavam o lojista e o cliente.

    A primeira tratou de treinar osfuncionrios e prepar-los para agentar asmaratonas de vendas de mais de 30 horas. Paraisso, lanches e bebidas energticas foramconsumidos pelos funcionrios para estaremdispostos a vender bem. Promoes internaspara o vendedor com maior cartela de vendas esorteios entre eles davam um novo impulso parao trabalho. Claro que para o funcionrio, se nohorrio estendido conseguisse vender mais,significaria maior salrio devido s comisses,e um provvel natal, ano novo ou vero maisgordo.

    A segunda tratou de mimar ao mximo epreencher completamente a noite doconsumidor, com uma diversidade deacontecimentos. O marketing tratou de divulgarbem o horrio estendido do empreendimento eatrair a ateno do consumidor com a divulgaode variadas promoes. Nos diversos SC, ogrande slogan era Promoes e Atraes dePerder o Sono.

    Entre as atraes podemos citar:workshops de beleza, maquiagem, cabelo,patchwork, trabalho com argila, encontros degrupos de adolescente que jogam RPG, msicaao vivo na praa de alimentao, bandas dejazz pelo corredores, teles com vdeoclips eshows, espetculos circenses, pirofagia, danado ventre, apresentao de sistemas deginstica, feira de antiguidades, medio depresso arterial, nvel de glicose, dicas de sadee nutricionismo, palhaos, malabares, lavagemde veculos, vos panormicos em bales, alm

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    de sorteios nas mais diversas lojas, como porexemplo a do centsimo cliente que comprassecom uma especfica bandeira de carto decrdito, e muitas outras.

    O resultado de tudo isso mostrou que ocomrcio 24 horas no Brasil tem um mercadoenorme a explorar em diversas ocasies. Asmegaliquidaes e as preparaes para o Natalj so datas fixas para este funcionamento emalguns grandes empreendimentos, pois osresultados financeiros mostraram que asvendas neste perodo representaram 19% dofaturamento e aumento de 15%, em mdia, emrelao a 2003. Em comparao com 2004, em2005 houve um crescimento mdio em torno de20% em todos os SC que funcionaram durantea madrugada. Ou seja, lucro estas empresastiveram.

    Este fato especfico dos SC funcionarem24 horas em algumas datas escolhidas mostraque esta estratgia tem se difundido para outrasformas comerciais. Os SC aderiram a este horrioporque viram que, nos ltimos anos, fazer ascompras de natal se tornava para o consumidorum grande martrio devido superlotao naslojas, congestionamentos nas vias prximas aosempreendimentos, pressa em todos osconsumidores e vendedores.

    Do mesmo modo que o comrcio quertrabalhar mais para faturar mais, as empresasde servios e as indstrias tambm trabalhama mil por hora para honrar seus pedidos eentreg-los em tempo nesta poca do ano,ficando os funcionrios tambm pressionadospor todos os lados, instalando uma situao deno ter tempo, e um ambiente de caosgeneralizado parece tomar conta dosconsumidores nesta poca do ano.

    Assim, a alternativa encontrada pelosadministradores de SC foi mant-los abertosentre os dias 22, 23 e 24 num horrio bemestendido, com a finalidade de propiciar maiscalma para as compras de final de ano.

    Vale aqui destacar a questo da data.Natal hoje virou sinnimo de consumo. De trocar

    presentes, trocar de carro, trocar a decoraoda casa, comprar roupas, sapatos, bolsas,celulares, dvds, tudo novo, para comear o anoque se anuncia com uma nova vida (pelomenos cheia de artefatos novos, ou melhor, danova coleo, mais modernos, mais caros, maisexclusivos). Ou seja, o funcionamento 24 horasdos SC serve para refletirmos sobre a realnecessidade instalada na sociedade doconsumo exacerbado nas comemoraes definal de ano. Natal no Natal se no houvertroca de presentes. Todo mundo tem que ganharuma lembrancinha pelo menos. Este o discurso,ou melhor, rtulo que foi dado ao Natal na maiorparte dos pases cristos e capitalistas.

    O objeto de anlise so os SC, masdestacamos que estes no so os nicos aestarem disposio dos consumidores emhorrio estendido. Para a populao com rendamensal mais baixa, a mesma situao de umpossvel caos se instala. Basta ir, no caso deSo Paulo, Rua 25 de Maro, famosa peloconsumo popular em suas lojas de importados.O trnsito nas redondezas que j difcil ficaimpraticvel. Os estacionamentos super-inflacionam, as caladas, que j so tomadaspelos ambulantes, se ampliam at o leito dasruas e tudo entra na esfera da troca. A gritariade vendedores, ambulantes, camels constante, e para o mais conservador dosconsumidores parece que voc est numa praade guerra onde as mercadorias so atiradas atodos em todas as direes.

    O caso da exploso de uma bomba,ocorrido no Natal de 2005 na Rua 25 de Maro,deixou ainda mais evidente essa situao defora de controle instalada, onde o consumorege a sua continuidade.

    Os Shopping Centers j se tornaramelementos marcantes do cotidiano urbano nasgrandes cidades para uma parcela da populaobrasileira e esto, assim, utilizando-se daferramenta de funcionar 24 horas paraampliarem o seu raio de atuao, congregandomais consumidores.

    A primeira experincia de um SC

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    funcionar 24 horas ocorreu em Salvador BA,em 1999. Em So Paulo e no Rio de Janeiro estaexperincia mais recente, j que somente foiutilizada para as compras de natal em 2003,2004 e 2005. O sucesso foi to grande que osmesmos que ficaram no final de 2003 e 2004abertos, alm de outros empreendimentos,utilizaram desta estratgia para as promoesde vero entre o final de janeiro e incio defevereiro de 2005. Em Campinas - SP, a RodoviaDom Pedro (SP-65) ficou congestionada durantepelo menos 45 minutos entre as onze horas emeia noite, quando o Parque D. Pedro Shoppingrealizou sua megaliquidao de vero na ltimasemana de janeiro de 2005. Nos corredores, ofluxo de consumidores na madrugada era iguala um sbado s oito da noite, ou seja, muitocheio. As praas de alimentao apresentavam-se congestionadas, com fila de espera parasentar-se. Sesses de cinema entre meia noitee seis da manh foram colocadas para seremopes de lazer.

    As cidades de Taubat, Sorocaba, SoJos dos Campos e Ribeiro Preto, em SoPaulo, e Belo Horizonte, em Minas Gerias,tambm tiveram SC funcionando 24 horas emespecficas ocasies em 2005, conforme aAbrasce Associao Brasileira de ShoppingCenters.

    Em So Paulo, apenas os SC AnliaFranco e Morumbi funcionaram 24 horas em2004. Em 2005, esse nmero ampliou-se paranove SC, sendo estes: Anlia Franco, Morumbi,Eldorado, Metr Tatuap, ABC Plaza (SantoAndr), International Guarulhos (Guarulhos),Ibirapuera, Center Norte e Metrpole (SoBernardo do Campo). Ademais de Market Placee Iguatemi, que optaram por horrios flexveispara a noite do dia 23. Ou seja, o lojista tinha aopo de trabalhar at as 3 da madrugada dodia 24, ou fechar no horrio normal s 23h:00.

    Conforme a Abrasce, a maratona defuncionar mais de 24 horas durante os dias 23e 24 de dezembro aos poucos vai se tornandoum referencial para o consumidor. Segundo estaAssociao, o movimento em 2005 foi superior

    ao de 2004 porque o consumidor que foi ao SCem 2004 fazer suas compras pela madrugadavoltou em 2005 e ainda trouxe a famlia e osamigos. As promoes que aconteceram em2004 voltaram com toda a fora em 2005 e commais novidades tambm, o que auxiliou oaumento no fluxo de pessoas comprando emSC durante toda a madrugada.

    Os vendedores tambm estavam maisadaptados ao ritmo de trabalhar mais de 24horas nestes dias. Muitos no viam a hora depoder trabalhar de madrugada, pois seria maiora oportunidade de aumentar suas comisses.Os gerentes e donos de loja organizaram-sede modo a incentivar toda a equipe de vendasno bom atendimento e mostrar que o trabalhoseria recompensado com as comisses quepoderiam alcanar trabalhandoininterruptamente. Fizemos uma escala dosnossos funcionrios. Vamos respeitar a jornadade trabalho e vamos pagar hora-extra, senecessrio, conforme o gerente de uma lojade roupas masculinas do Shopping Morumbi ementrevista para a Abrasce. Este mesmo gerentefala sobre seu prprio esforo em trabalhar maisde 24 horas por dia: A princpio quero ficar. amelhor poca do ano e no posso perder essashoras. Alm disso, h toda uma questo deincentivo da equipe que s o gerente poderesolver. No perco as 32 horas nem pordecreto. A mesma opinio tem a gerente deuma loja de artefatos eletrnicos e livros doBarra Shopping no Rio de Janeiro: o melhordia do ano. Conseguimos vender mais que oano todo. No h como ficar de fora. como verum filme, prestar ateno em todos osmomentos e, de repente, perder a cena final.Nem penso em ficar longe de minha loja. Vouparticipar at o final feliz(www.abrasce.com.br).

    Vendedores, gerentes, proprietrios econsumidores convivendo, ou melhor,organizados de modo a reproduzirem o capitalatravs do consumismo exacerbado. Os lojistastreinados para vender de maneira eficaz e osconsumidores exercitados a comprarem tudoque podem. O que o dinheiro vista no

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    comporta, as parcelas do financiamento nocheque ou no carto de crdito permitem.

    Esta poca do ano evidencia, de formaclara, a fora do consumo na sociedadecapitalista atual. O ato de comprar se tornamecnico e imposto. No se sabe por quaismotivos se compra, mas o ato se repete deforma frentica. O ser humano quer presentearporque sabe que tambm vai ser presenteado,e isso garante a reproduo do consumo nestasdatas.

    Deste modo, cabe uma pergunta: Comopodemos explicar esse sucesso do varejodurante a madrugada? Alguns elementos nosso dados pelas prprias caractersticas dobrasileiro que, segundo a cultura popular, umpovo festeiro, amigo e claro, e deixa tudo paraa ltima hora. S isso j pode servir como umaprimria garantia de funcionamento no Nataldestes estabelecimentos. No entanto, h outrosfatores que devemos incluir em nossa anlise.

    Mundializao e Ritmos Urbanos

    O atual estgio de desenvolvimento domodo capitalista de produo que, aliceradonum funcionamento mundial e simultneo desuas engrenagens econmicas e financeiras,obriga a busca pelo lucro de forma incessante,pois a produo e o consumo nunca dantesestiveram to conectados em seus vnculos. OECR7 nos auxilia a pensar sobre isso.

    A sociedade capitalista tem sua basefundamental na busca do lucro e, nas ltimasdcadas do sculo XX, o mundo vislumbrou oaprofundamento das relaes internacionaisatravs do processo de mundializao, onde,em sua etapa atual, as finanas, astelecomunicaes, a cincia, a tecnologia e aexacerbao do consumo, formam seu pilar. Alucratividade maior no obtida apenas pelaconquista do mercado consumidor. Ela alcanada pela rapidez com que os produtoschegam e saem das prateleiras, gndolas,gavetas, araras, cozinhas, geladeiras, etc. A esterespeito, David Harvey (1992) trata dos

    processos de acelerao do tempo dizendoque este fenmeno fruto de novas formasorganizacionais e novas tecnologias produtivas,como a desintegrao vertical das indstrias,as entregas just in time, as desqualificaes erequalificaes de regies, cidades, empresasou pessoas a partir da maior utilizao dainformao e do conhecimento cientfico.

    O comrcio, como integrante do processode produo, condio e produto dastransformaes que vo ocorrendo nodesenvolvimento do capitalismo, introduzindonovas tcnicas de administrao, formascomerciais diferenciadas, tipos personalizadosde atendimento, maior eficcia na entrega evenda das mercadorias. Alm disso, asmodificaes no processo produtivo e noshbitos de consumo so o grande laboratriopara o comrcio criar suas novidades e garantirsucesso na obteno do lucro.

    O comrcio 24 horas, assim, se constituicomo um meio eficaz de obteno do lucro nasociedade hoje, pois seu processo desurgimento est inserido no plano maior dereproduo do sistema, envolvendo o tempo eo espao da produo e do consumo, alm daproduo de um novo modo de vida, ondeeconomia de tempo e reduo das distnciassurgem como discursos hegemnicos.

    Virillio (1993) observa o fato do tempocontnuo, cronolgico e das interrupes que seprocessavam nele como sendo elementos dopassado. Pois hoje, dia e noite se artificializaramatravs da constituio de um novo processode reproduo do espao, no qual informao,velocidade, competitividade, surgem como oselementos que direcionam a vida humana. Opensamento deste autor, no entanto, considerauma sobreposio e vitria do tempo sobre oespao, o que no consideramos correto, j quepensamos que o espao fortificou-se com aacelerao da produo de novos contedostemporais, ligados informao, informtica,aos meios de comunicao e de transporte8 .

    Segundo David Harvey (1992, p.257),

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    A acelerao do tempo de giro na produoenvolve aceleraes paralelas na troca e noconsumo. Sistemas aperfeioados decomunicao e de fluxo de informaes,associados com racionalizaes nas tcnicasde distribuio (empacotamento, controle deestoques, conteinerizao, retorno domercado, etc.), possibilitaram a circulao demercadorias no mercado a uma velocidademaior.

    Atravs da citao acima, que exemplificaum dos momentos que o autor considera comode acelerao do tempo, percebe-se que h ummovimento de transformaes tambm noespao, j que circulao, troca, consumo eproduo se do, sobretudo, no espaomaterial. As distncias no ficaram menores emtermos fsicos e to pouco o tempo ganhou maishoras. O que presenciamos uma acelerao,isto , um aumento na velocidade doselementos que conformam o sistema capitalista,incluindo as relaes sociais que se desenrolamno cotidiano. O ponto central desse pensamento a rapidez dos processos, ou seja, a velocidadedas transformaes. Nesta direo, estamos deacordo com Carlos (1996, p.28) quando afirmaque

    O que se busca a diminuio do tempo dopercurso e no do espao do percurso quecontinua sendo um dado inquestionvel, osfluxos, sejam eles materiais ou imateriais,deslocam-se num espao concreto a serpercorrido. O que efetivamente ocorre queo desenvolvimento das comunicaes tornouo espao contnuo, o que permite abolir otempo.

    O espao dessa maneira ganhou muitomais importncia. Se o tempo passa a ser umdado adicional para a reproduo do sistema e,atravs de movimentos sucessivos dedescobertas e desenvolvimento em tcnicas decomunicao e transporte, acelera-se em termosde transferncia de dados, informaes epessoas, o espao no, pois sua materialidade real e concreta. No entanto, a relao que seprocessa entre espao e tempo reflete-se em

    termos de fluidez, ou seja, as trocas de fluxosde informaes e pessoas tendem a produzirum novo ritmo no espao urbano, fazendo surgirnovas funes. Estas acabam dando novasformas ao urbano, j que se reproduzem noespao. Este movimento, que na metrpolepode ser visto com mais intensidade devido asimultaneidade de acontecimentos, apolicentralidade e a massiva concentrao,torna-se discurso hegemnico, tornando asmetrpoles um espao em mutao constante,onde novas formas e funes surgem e dorazo para o surgimento de outras sucessivas.

    A partir dessa nova dinmica que temgarantido atualmente a reproduo do espaourbano metropolitano, Carlos (2001) afirma queesses novos contedos surgidos a partir daacelerao do ritmo da produo e daconstituio de novos contedos sociaisadvindos da reproduo das relaes sociais deproduo, tornam o tempo efmero e o espaoamnsico.

    O tempo como uso, isto , como durao daao no espao, revelado nos modos deapropriao, , hoje, um tempo acelerado,comprimido, imposto pelo quantitativo. Aquantificao do tempo e do espaoatravessa as relaes presentes nasociedade, penetra o universo da vidacotidiana do cidado, no s pela constituiode uma rotina organizada, mas pelos atos,gestos, modos de uso dos lugares da vida,perfeitamente homogneos. Com aquantificao do tempo, o capitalismo invadea sociedade, a necessidade de um novotempo de produo atinge as relaescotidianas e transforma os usos, porque oprprio espao, condio e produto daproduo, tambm se transforma. Espao etempo abstratos redefinem constantementeos usos. (CARLOS, 2001, p.249)

    Espao e tempo tornados abstratos,esvaziados de sentido devido a imposio deum novo ritmo que se gesta atravs dosavanos tcnicos, contribuem para a formaode uma nova identidade, com a perda de

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    referenciais e empobrecimento das relaessociais, frutos do desenvolvimento e expansodo mundo da mercadoria, definido pelos padresda reproduo capitalista do momento atual.

    Deste modo, o funcionamento 24 horasdo comrcio encontra a suas justificativas, jque a produo exige maior rapidez na circulaodas mercadorias e, na outra ponta, o consumidorexige maior flexibilidade e facilidade para o atode consumir. Isto deixa o comrcio muito vontade em acreditar no funcionamento 24horas em alguns ramos, tornando-o condio eproduto de transformaes no espaogeogrfico.

    Os grandes estabelecimentos comerciaisque hoje ficam com suas portas abertas para oconsumo ininterruptamente se encaixam,perfeitamente, no perodo atual, em um espao-tempo determinado e determinando umconsumo incessante, pois fazer compras no mais um momento da reproduo da vida, setornou o centro desta, atravs das palavras deDebord (1997), j que a sociedadeespetaculariza-se, onde os objetos tornam-sesmbolos sociais, signos, onde a vitria do valorde troca pelo de uso conclamada a todos oscantos. Baudrillard (1995) analisa este processodiscutindo questes referentes sociedade doconsumo, afirmando que no h nada nasociedade, atualmente, que no possa entrarno processo de troca, o dinheiro, a felicidade, asade, a beleza, a saudade pode ser consumida,via a espetacularizao da vida.

    Esta espetacularizao encontra umimportante aliado que a justifica, que a moda.O movimento de lanamento, em cadatemporada, de novos objetos, costumes,tendncias, comportamentos, lugares, pessoas,cria a necessidade de sempre estar-serenovando de maneira rpida. A velocidade doconsumo, assim, tambm se instala. Estemovimento fornece um novo mecanismo paraacelerar o ritmo do consumo e a conseqentereproduo do sistema. Lypovetsky (1991)discute a questo da moda dizendo que aefemeridade se reproduz como discurso

    dominante nos padres atuais de socializao,pois a partir do imprio da moda tem-se auniversalizao dos costumes. medida emque o efmero invade o cotidiano, as novidadesso cada vez mais aceitas. (LYPOVETSKY, 1991,p.154)

    Harvey (1992) contribui nesta discussointroduzindo a questo da passagem doconsumo de objetos para o consumo de servios,ou seja, o consumo passa a ter umatemporalidade ainda menor, pois so serviosligados ao mundo do lazer, dos eventos, dasdiverses, que acabam sendo impostos pelavelocidade das trocas e pelo nascimento denovas necessidades. Conforme Lypovetsky(1991, p.176) j no gostamos das coisas porelas mesmas ou pelo estatuto social queconferem, mas pelos servios que prestam, peloprazer que tiramos delas, por umafuncionalidade perfeitamente mutvel.

    Consideraes Finais

    O comrcio 24 horas se torna umelemento importante para se estudar oprocesso de mundializao em seu estgioatual, pois reflete a dinmica contemporneaonde o discurso da velocidade, rapidez, fluidez,personalizao, transforma-se em grandesemblemas da competitividade e da lucratividadeno meio empresarial e tambm social. Nestesentido, produo de imagens, modos de vida,ritmos de consumo, so levados para o centroda vida cotidiana, e consumir apresenta-secomo um dos grandes imperativos do perodoatual.

    Este processo de totalizao dofuncionamento das cidades, onde estas noparam nunca, ou pelo menos no podem parar,reflete, ao mesmo tempo, um empobrecimentodas relaes sociais e uma diversificao paraa busca do lucro.

    Empobrecimento, pois os espaos defuncionamento 24 horas, hoje, esto ligados aoconsumo de mercadorias, j que a violncia um dado inquestionvel na sociedade brasileira,

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    onde praas e ruas no so os lugares primazesdesta sociabilidade, e sim locais privados ouprivativos a um estrato social especfico, nopermitindo a todos os cidados o encontro, oconversar com a vizinhana, caminhar pelo bairro esentar-se no banco da praa com amigos, namorada,esposa, como ainda ocorria nas grandes cidadesh um tempo atrs, no muito distante na memriacoletiva. Fazer isso durante a noite, um ato degrande coragem ou loucura para alguns, hoje. Omotivo de utilizar um estabelecimento que funcione24 horas hoje, fica restrito ao consumo demercadorias ou de utilizao de algum tipo deservio.

    Diversificao, pois o estgio atual docapitalismo exige, cada vez mais a busca pelaprodutividade, lida como a busca da produoincessante e a aplicao de novos sistemasprodutivos onde o homem apenas uma ferramentapara a reproduo do sistema. E como, no seudesenvolvimento, o capitalismo tem buscado ahomogeneizao do espao, mas que se fragmentaa partir do contato entre o local e o global, o 24

    horas se torna um diferencial, pois simboliza aestratgia do capital internacional na atualidade que a busca pela produtividade mxima. Deste modo,o funcionamento 24 horas se torna uma ferramentapara a fidelizao do cliente e uma boa estratgiade marketing, j que se forma no imaginrio doconsumidor, principalmente, o consumidor mais-que-perfeito, nas palavras de Milton Santos (1987, p.40),que ele no precisa fazer suas compras de natalcom pressa, pois o Shopping Center tal ir funcionarnas proximidades desta data 24 horas e, assim, elepode organizar melhor seu tempo, planejar suascompras e ainda ter uma opo de lazer.

    Entender a cidade no seu ritmo 24 horasnos permite assim, sinalizar em direo ao ritmoincessante do capital que est cada vez maisimpregnado no cotidiano das pessoas, e, poresta razo, muito importante discutir at queponto estes estabelecimentos significam a(ps)modernidade para as cidades ou seconstituem a perda de referenciais urbanos parao habitante.

    1 Estamos considerando como modernas formas decomrcio, as Lojas de Departamentos,Supermercados, Hipermercados, Franquias, Lojas deConvenincia e Shopping Centers. No Brasil, osurgimento e desenvolvimento destesestabelecimentos comerciais nos remontam ao inciodo sculo XX, sobretudo na cidade de So Paulo e doRio de Janeiro, conforme Pintaudi (1981). Esta autoraapresenta em seu trabalho de mestrado e em suatese de doutorado (PINTAUDI, 1989) uma discussosobre as transformaes processadas no territriobrasileiro que gestaram estas modernas formas decomrcio e consumo no Brasil. Em outra ocasio(SILVA, 2005) j expusemos o processo de difusodos supermercados e hipermercados no Brasil aolongo do sculo XX.

    2 Estamos trabalhando com esta noo, pois concordamoscom Carlos (2005), Alves (2005), Silva (2005), Silva(2001), Levy (1997), Ferreira (2003).

    3 Nem todas as lojas Po de Acar Special permaneciam24 horas abertas toda semana. Algumas abriamapenas aos finais de semana e outras ganharam essesufixo para indicar que l, existiam produtos

    diferenciados das demais lojas, principalmentemercadorias mais exclusivas, destinadas a pessoasde renda mensal mais alta.

    4 Para visualizar este mapa, consultar: SILVA, C. H. C. Otempo e o espao do comrcio 24 horas na metrpolepaulista. Rio Claro: UNESP, 2003. 230p. Dissertao(mestrado em geografia), IGCE/UNESP, 2003.

    5 Nesta discusso, vale ressaltar que as lojas deconvenincia j surgiram com funcionamento 24 horase o objeto que dita o tempo de consumo nelas oautomvel. As demais formas comerciaisaprofundaram essa necessidade do automvelvinculadas a questo da segurana na cidade.

    6 Famlia Rica significa aquela que tem renda mensalsuperior a 10 mil reais.

    7 ECR a sigla em ingls de Efficient Response Consumer.Em portugus este conceito foi traduzido paraResposta Eficiente ao Consumidor que ummtodo de logstica para as empresas dedistribuio de mercadorias.

    8 No caso do comrcio um elemento deve ser

    Notas

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    considerado que o e-commerce e as trocas viainternet. No incio das operaes de compra pelarede, houve um verdadeiro boom de empresascom operaes neste setor, acreditando no rpidoe consolidado crescimento neste tipo denegociao. No entanto, hoje, cinco anos aps osurto o que se v um lento crescimento e com

    operaes bem segmentadas e concentradas.Segundo o jornal Valor Econmico, as comprasvia internet representam menos de 3% de todoo faturamento do comrcio no Brasil. Em algunspaises esses ndices so um pouco maiores, masno ultrapassam 10%.

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    Trabalho enviado em maio de 2006

    Trabalho aceito em agosto de 2006??