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  1 Ivan Seibel IMIGRANTE NO SÉCULO DO ISOLAMENTO / 1870 -1970 1ª edição São Leopoldo-RS TRAÇO Produções Gráficas Ltda. 2010

30-12-11-Imigrante-no-seculo-do-isolamento1.pdf

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1ª edição
São Leopoldo-RS
O presente livro tem por base o
Relatório de pós-doutorado apresentado
em Teologia e História, como requisito
parcial para a obtenção do título de pós-
doutor em Teologia,
São Leopoldo-RS
1. 2. S457i Seibel, Ivan
Imigrante no século de isolamento : 1870 - 1970 / Ivan Seibel. – São Leopoldo : EST/PPG, 2010.
350 f. : il. ; 30 cm.
Relatório (Pós-Doutorado) – Escola Superior em Teologia. Programa de Pós-Graduação. Pós- Doutorado em Teologia. São Leopoldo, 2010.
Orientação: Prof. Dr. Wilhelm Wachholz.
1. Pomerânios – Espírito Santo. 2. Imigrantes –  Espírito Santo. 3. Luteranos  – Espírito Santo. 4. Pomerânios – Cultura – Brasil – História. 5. Pomerânios – Religião. I. Wachholz, Wilhelm, orient. II. Título.
ISBN 978-85-62186-03-5
 
 
 A execução dos trabalhos que viabilizaram a presente
Pesquisa de Pós-Doutorado em Teologia foi possível com o apoio e
a contribuição de inúmeras pessoas. Cabe em especial o meu
agradecimento para:
Meu pai,
que me alfabetizou e me iniciou na ânsia da permanente procura do
saber.
condução segura e pela disponibilidade em ajudar, esclarecer,
ensinar, ouvir e orientar.
Minha mulher Stela,
Pela paciência com que suportou minhas idas e vindas até a
Universidade.
Sr. Ivan Luiz Saibel e o Sr. Joel Velten
de Domingos Martins,
Sra. Ana Maria Röpke da Silva e o Sr. Jéferson Rodrigues
Santa Leopoldina,
Pastor Ito Port,
pelas idas e vindas às tantas localidades de Santa Maria Jetiba,
Itarana e Santa Joana
e do Sr. Evandro Carlos Seibel
por ter acompanhado as inúmeras visitas pelo interior de
Laranja da Terra
 
 
No presente estudo o autor sistematiza e analisa fatos relacionados
ao dia a dia da vida da população das colônias teuto-brasileiras no
Estado de Espírito Santo, dentro de um cenário social, religioso,
político, econômico e educacional, em uma época compreendida
entre os anos de 1870 e 1970. No seu foco principal estão os
descendentes dos imigrantes pomerânios que lá chegaram. No final
do trabalho de campo foram contabilizadas cinquenta entrevistas, as
quais mostraram que os protagonistas deste processo de
povoamento passaram por muitas dificuldades, porém obtiveram
bons resultados. A pesquisa resgata relatos históricos dos
imigrantes e de seus descendentes neste estado, que adotaram um
modelo de vida social muito fechado e que, durante praticamente
um século, os levou a um relativo distanciamento da população
brasileira. O presente relato tem como foco a visão do imigrante ou
do seu descendente. Além disto, o estudo traz uma série de
questionamentos que não puderam ser respondidos. A imigração
capixaba foi uma importante fase do extenso processo de imigração
européia no Brasil e hoje, o pomerânio que aqui vive, antes de
qualquer coisa, é um brasileiro, mas que também cultiva suas
tradições européias. É um cidadão brasileiro com um grande
potencial de trabalho, que quer conservar seus valores culturais,
 
 
desenvolvimento.
Espírito Santo. 3. Luteranos – Espírito Santo. 4. Pomerânios – 
Cultura – Brasil – História. 5. Pomerânios – Religião.
 
 
In the present study, the author systematizes and analyzes facts
related to the daily life of the population of the German-Brazilian
colonies in the state of Espírito Santo, in a social, religious, political
and educational context, in a period of time between the years 1870
and 1970. In its main focus are the descendents of Pomeranian  
immigrants that arrived there. In the end of the field work fifty
interviews were counted, which showed that the protagonists of this
process had many difficulties, but also had many good results. The
research ransoms historical testimonies of immigrants and their
descendents in this state and which adopted a model of social life
very enclosed, which during almost a century took them to a
relatively distance to the Brazilian population. The present testimony
has as focus the vision of immigrants or their descendents. Besides
that, the study brings up a series of questions and which could not
be answered. The immigration in the state of Espírito Santo was an
important phase of the long process of European immigration in
Brazil and today, the Pomeranians   that live here, above anything
else, are Brazilian, but also cultivate their European tradition. They
are Brazilian citizens with a great work potential, who want to
maintain their cultural values, but need to find new ways to their
development.
 – History. 5. Pomeranian  – Religion.
10
ZUSAMMENFASSUNG
In der vorliegenden Arbeit handelt es sich um eine Analyse des
täglichen Lebens in deutsch-brasilianischen Kolonien im
Bundesland Espirito Santo, und zwar in sozialer, religiöser,
politischer, wirtschaftlicher und schulischer Hinsicht. Die
Untersuchung umfasst den Zeitraum von 1870 bis 1970. Im
Mittelpunkt der Forschung stehen die Nachkommen der früheren
Einwanderer aus Pommern. Für die Feldforschung wurden 50
Interviews durchgeführt, darin wurden die anfänglichen
Schwierigkeiten der Pioniere deutlich, aber auch die guten Resultate
ihrer Arbeit. Durch die Untersuchung wurden geschichtliche Berichte
der Immigranten und ihren Nachkommen im Lande dokumentiert und
gesichert. Die Berichte zeigen ein ziemlich geschlossenes
Lebensmodell, und dadurch eine relative Distanzierung von der
brasilianischen Bevölkerung während des vergangenen
Jahrhunderts. Die Untersuchung hat aber auch eine Reihe von
Fragen aufgeworfen, die noch erforscht werden müssen. Die
Capixaba-Einwanderung war eine wichtige Phase im langen
europäischen Einwanderungsprozess in Brasilien. Heute jedoch sind
die Nachkommen der Einwanderer aus Pommern an erste Stelle
Brasilianer, aber sie pflegen auch ihre europäischen Traditionen. Sie
wollen diese kulturellen Werte erhalten, aber auch neue Wege für
eine Entwicklung finden.
 
 
2 Mapa da Pomerânia ……………………………………..  65
3 Colonização teuta em Espírito Santo ………………….  78
4 Palmeiras e palmitos …………………………………….  87
5 Entrada parcialmente soterrada da caverna que abrigou a família de Adam Seibel nos seus primeiros tempos em Espírito Santo ……………………………… 
88
7  Altas montanhas do Vale do Rio Farinhas ……………  93
8 O pilão e o monjolo ………………………………………  108
9  A Bíblia “Pomerana” exposta em museu ……………...  116
10 Início da migração interna ………………………………  118
11 Jacob Seibel e esposa Luise Sarter Seibel …………  121
12 Primeira capela e casa paroquial da Colônia de Santa Leopoldina na região de Luxemburgo. Disponível em: Lopes,A …………………………………………………… 
135
13 Um casal de colonos indo para o seu culto dominical .   136
14 Primeira igreja luterana de Espírito Santo, na localidade de Luxemburgo atual ……………….……….  138
15 “Gemeindeschaul” (Escola da Comunidade) de Serra Pelada ……………………………………………………..  143
16 Santa Leopoldina no início do século vinte. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) …….………  149
17  Ampliação do processo de migração interna ….………  157
18 Casa Verflut, a primeira grande casa comercial no interior da Colônia de Santa Leopoldina, na localidade de Luxemburgo ………………………..…………………  179
19 Caderneta da “venda”, ano 1926  …………….………… 182
20 Café “em flor” …………………………………………….  186
 
 
22 Porto Cachoeiro – Transporte em canoas ……………  189
23 O ancoradouro de Porto Cachoeiro nos dias atuais …  190
24 O Rio Farinhas nos dias atuais …………………………  193
25 Jacob Seibel e esposa com seus 10 filhos ……………  195
26 O Moinho de milho de Heinrich Seibel, na cascata do Rio Santa Joana …………………………………………  196
27  A transposição do Rio Doce ……………………………  199
28 Paisagem bucólica da “Mata Fria” capixaba  ………….  200
29 Primeiro coral de trombones de Laranja da Terra ……  219
30 Sede de uma “colônia” em Serra Pelada em 1950  …..  223
31 Imagem da família do Kaiser, encontrada em muitas casas de imigrantes ……………………………………..  246
32  A imagem do Kaiser era vista com respeito …………..  247
33 Desenterrando o abrigo subterrâneo do P. Grotke na localidade de Laranja da Terra …………………………  266
34 Escadaria do abrigo depois da remoção dos entulhos 267
35  Abrigo do P. Grotke. Acesso restaurado ………………  268
36 O abrigo do P. Grotke  – fogão e cama restaurados …  269
37 Túmulo destruído na “luta contra os nazistas” de Espírito Santo ...…………………………………………  270
38 Escola Agrotécnica transformada em “Tiro de Guerra”   281
39 São João de Petrópolis com sua tropa do “Tiro de Guerra” …………………………………………………….  282
40 “Fogão de chapa” – restaurado e novamente em uso .  297
41  A migração para Rondônia e outros estados ………...  305
42 Casa paterna do autor …………………………………..  314
43 Os “caminhos” em meio à selva, hoje ainda utilizados   315
44 Casa típica pomerana com as cores azul e branco …  318
45 O “Schutzbraif” – carta de proteção – em uma versão original muito antiga ………………………..……………  332
46 Carta de Proteção manuscrita e carregada no bolsa como um precioso amuleto ………………….………….  333
47 “Casa dos Klems” depois da tormenta. Apenas destroços e à noite, o medo de “assombrações” .........  336
 
 
49 Um detalhe da carta dos céus ………………………….  358
50 O anjo protetor e o “Hausspruch”. (Texto de conotação religiosa em que é pedido a proteção da casa) .............................................................................   361
51 Casamento pomerano: Os noivos de preto…………....  368
52 O autor (D) sendo alfabetizado em casa ………………  396
53 Professores e alunos da Escola Bíblica de Serra Pelada, em 1960 ………………..………………………..  404
54 Lourenço Seibel, durante 35 anos presidente da Paróquia Luterana de Serra Pelada …………………....  408
55 Propaganda eleitoral de candidatos pomeranos ……...  486
56  A Venda. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) ………………………………………………………  537
57  Anton Laurett- Alto Jequitibá. (Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) …………………………...  540
58 Mulheres pomeranas.(Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) ………………………………………..  547
59 Engenho de Farinha.(Imagem gentilmente cedida por P. Anivaldo Kuhn) ………………………………………...  549
 
 
2 Caracterização dos entrevistados quanto à etnia ……...  41
3 Qualificação das entrevistas ……………………………...  42
4 Caracterização dos entrevistados quanto à idade …….. 43
5 Caracterização dos entrevistados quanto à procedência 45
6 Caracterização dos entrevistados quanto ao sexo ..……  46
7 População da Pomerânia ………….………………………  63
8 Descendentes germânicos ………………………………..  191
 
 
1.1 Introdução ao estudo................................................. 25
A FORMAÇÃO DA ETNIA POMERANA  2.1 A origem dos pomerânios ......................................... 48 2.2 A Pomerânea da Europa Central: uma retrospectiva
histórica...................................................................... 56 2.3 A religiosidade do pomerânio primitivo ..................... 66 2.4 A Cristianização ........................................................ 69 2.5 Reforma luterana e a questão confessional na
Pomerânea ............................................................... 70
OS PRIMEIROS ANOS DA IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO 1856 -1880 
3.1 Colonização da província de Espírito Santo ............. 74 3.2 Controvérsia sobre o primeiro assentamento em
Porto Cachoeiro......................................................... 77 3.3 Uma promessa de fartura ......................................... 81 3.4 Os primeiros anos das colônias ............................... 86 3.5 Relatos sobre a vida dos primeiros imigrantes ......... 96 3.6 Hábitos alimentares nos primórdios da imigração
capixaba……………………………………………..…..  104 3.7 A língua dos imigrantes ............................................ 113
A EXPANSÃO DA IMIGRAÇÃO NO ESPIRITO SANTO 1880 – 1930 
 
 
16
4.5 A igreja e seu papel como fonte de informação ........ 133 4.6 O papel da igreja na escolarização da colônia ........ 140 4.7 A emancipação de Santa Leopoldina ....................... 148 4.8 Do império para a república .................................... 151 4.9 A segunda fase da migração interna ...................... 155 4.10 As novas colônias ................................................... 160 4.11 O gradativo predomínio do pomeranismo ................. 165 4.12 Um trabalho infantil ................................................... 167 4.13 A virada do século..................................................... 173 4.14 Florescimento do comércio e o papel dos vendistas 179 4.15 A lenta diversificação do trabalho ............................. 184 4.16 Santa Leopoldina rumo ao seu apogeu .................... 188 4.17 Uma saída para o Vale de Santa Joana ................... 191 4.18 Um retorna para Santa Joana.................................... 194 4.19 A terceira fase da migração interna .......................... 198 4.20 A difícil coexistência das comunidades luteranas ... 205 4.21 A década de 1920 .................................................... 211 4.22 O difícil contato com os “brasilioner” ........................ 213 4.23 A colonização de Laranja da Terra ........................... 218 4.24 Florestas devastadas ............................................... 223 4.25 Santa Leopoldina: O apogeu e a queda.................... 227
IMIGRACAO NO ESPIRITO SANTO E A FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA TEUTO-
CAPIXABA 1930 – 1940  5.1 O pangermanismo .................................................... 232 5.2 Uma cultura teuto-capixaba ...................................... 239 5.3 Os colonos e a consciência de grupo ....................... 244 5.4 As facções do luteranismo e coesão dos teutos .... 248 5.5 O getulismo .............................................................. 252 5.6 A propaganda nazista ............................................... 254 5.7 O nacionalismo brasileiro e o troar dos canhões na
Europa ...................................................................... 256 5.8 Uma geração sem escola ......................................... 258 5.9 Proibido não falar português ..................................... 262 5.10 A prisão dos pastores alemães e a destruição nos
 
 
OS REFLEXOS DE UMA GRANDE GUERRA 1940 – 1950 
6.1 São João de Petrópolis é transformado em quartel .. 281 6.2 Um sofrido preparo para a guerra ............................. 283 6.3 O final da guerra e a nova repressão aos teuto-
brasileiros .................................................................. 288 6.4 Revolta em Laranja da Terra e em Lagoa ................ 291 6.5 A colônia no pós guerra ............................................ 294 6.6 A implantação de novas técnicas agrícolas .............. 300 6.7 A quarta fase da migração interna: Paraná e
Rondônia ……………………………………………..... 304 6.8 O quadro sanitário na Colônia .................................. 306 6.9 A assistência médica ................................................ 309
HÁBITOS E COSTUMES NAS COLÔNIAS TEUTO-CAPIXABAS 1950 – 1960 
7.1 A década de cinquenta.............................................. 313 7.2 A definição da arquitetura pomerana ........................ 317 7.3 Hábitos e costumes dos pomerânios ........................ 322 7.4 A superstição ............................................................ 329 7.5 O curandeirismo ...................................................... 337 7.6 Os benzimentos......................................................... 342 7.7 A religiosidade do povo ............................................ 355 7.8 O canto e a música instrumental .............................. 362 7.9 O casamento pomerânio ........................................... 367 7.10 A herança .................................................................. 375 7.11 A comercialização de produtos ................................. 378 7.12 A evolução da vida social do Pomerânio .................. 379 7.13 O rádio como meio de comunicação com o mundo .. 382 7.14 A persistente falta de escolas ................................... 384 7.15 As últimas derrubadas .............................................. 386
A URBGANIZAÇÃO DAS COLÔNIAS TEUTO- CAPIXABAS 1960 – 1970 
 
 
18
8.8 O Agricultor Modelo .................................................. 406 8.9 O MOBRAL chega à Colônia ................................... 409 8.10 O dia a dia de uma Comunidade Luterana ............... 411 8.11 Os filhos que só falam português ............................. 415
DISCUSSAO DOS RESULTADOS ......................... 421 9.1 A coleta de dados...................................................... 425 9.2 O dia a dia na vida da população das colônias
teuto-brasileiras no estado de Espírito Santo............ 436 9.3 A história dos imigrantes teutos e de seus
descendentes no estado de Espírito Santo............... 442 9.4 A avaliação do efeito da sua vida reclusa sobre o
processo de isolamento de toda esta população ...... 449 9.5 O papel da igreja no processo e adaptação dos
imigrantes destas novas colônias e no desenvolvimento da sua bagagem cultural................ 455
9.6 O “movimento nazista” nas “colônias” do estado de Espírito Santo.......................................................... 460
9.7 A evolução sócio-econômica dos teuto-brasileiros capixabas.................................................................. 461
9.8 O efeito da ausência do Estado no processo de integração dos imigrantes europeus e seus descendentes, no estado de Espírito Santo ............. 464
9.9 O processo de aculturação........................................ 469
CONCLUSOES E PERSPECTIVAS FUTURAS……………………………………………….  476
REFERÊNCIAS.........................................................  489
 ANEXO C - Primeira parte das entrevistas efetuadas por Anivaldo Kuhn..................................... 507
 
 
19
PRIVILÉGIO
O telefone tocou e do outro lado, a ligação tinha origem na
cidade gaúcha de Venâncio Aires e a voz era do médico Ivan Seibel,
um capixaba que, ainda criança, na década 1960, deixou a
comunidade de Serra Pelada, Afonso Claudio, para ir à busca do
seu futuro. Ivan é um amigo dos tempos da modernidade, nos
conhecemos por meio da internet e estamos no mesmo caminho e
na mesma estrada, na rota dos nossos antepassados. Temos a
mesma mania: Historia de gente. Ivan me fez um pedido: queria que
eu desse uma lida e um parecer sobre o extenso, complexo e
profundo material que acabara de escrever para atender ao seu
compromisso com o Curso de Pós-doutorado em História, nas
Faculdades EST de São Leopoldo. De pronto aceitei e assumi o
compromisso. Naquela noite a internet me trouxe uma imensidão de
páginas, com registros sobre a trajetória da vinda e da vida dos
pomerânios ao Espírito Santo. Nos registros uma dose inebriante de
quem ao escrever nos passa uma sensação e um sentimento de
prazer e orgulho por estar registrando a sua própria História. Uma
alegria por saber estar contribuindo com a perpetuação da força,
coragem e determinação de um povo, que é o seu povo, que há
 
 
muito interessante e instigante ler um texto que sabemos de
antemão, foi pensado, escrito e marcado pela paixão. Num primeiro
momento parece um saldar uma dívida. Mas na realidade Ivan é
uma pessoa que tendo condições e conhecimentos, retorna a terra
que acolheu os seus antepassados, para dizer presente: somos da
mesma família, mas uma família de verdade. Lá fui eu andar na
velha Europa e ter informações que Ivan Seibel vai passando num
texto claro, direto e didático. Fico sabendo sobre a formação da
etnia pomerana e toda sua trajetória até o Espírito Santo. Sabendo
que num determinado momento chegaremos ao final do texto,
ficamos de antemão lamentado o seu término. O que é bom não
deve terminar. Um conjunto de 50 entrevistas com 113
questionamentos foi aplicado num público com idade de 30 a 90
anos. De posse de um conteúdo, Seibel nos fornece um texto
repleto de dados e informações históricas, geográficas e
econômicas. Uma viagem onde vemos passar em poucas horas um
filme com anos e anos de idade. Ivan nos recorda os primeiros e
duros anos da imigração, bem como a sua expansão ainda no
Espirito Santo. Temos ainda informações sobre a formação da
consciência teuto-capixaba, os reflexos da segunda guerra e o
processo de urbanização. Ivan nos desembarca na década de 1970,
quando o fluxo de capixabas de uma maneira geral, tomava o
destino de Rondonia. Certamente que neste vácuo fica o espaço
para novas incursões e novos estudos. Posso garantir que como
leitor privilegiado e convocado compulsoriamente, nada a reclamar,
apenas agradecer. Que outros trabalhos falando de nossa História e
novas convocações apareçam! Espero que em breve a comunidade
 
 
21
receber de Ivan Seibel a missão ou incumbência de ler o seu
trabalho de pós doutorado. Há 50 anos Ivan Seibel saiu das terras
capixabas e foi adotado pelas terras gaúchas, como os seus
antepassados foram adotados pelas terras capixabas. Ivan foi em
busca do seu futuro. Agora ele volta e coloca luz no nosso passado,
nos ajuda a enxergar, ver e entender o futuro de todos nós...
Jornalista Ronald Mansur – A Gazeta – Vitória - ES
Todo o estudioso da imigração capixaba se depara com o
mosaico cultural que se formou a partir da grande diversidade de
origens dos seus pioneiros. O grupo mais numeroso foi o italiano e o
segundo em número de imigrantes e também em importância
econômica e social foi o dos pomerânios1. Aqui logo surge a
pergunta: De onde vieram os pomerânios que se fixaram no Estado
de Espírito Santo? O que aconteceu com estes imigrantes ao longo
dos anos subsequentes? Chegaram a se diferenciar dos outros
europeus, talvez até mesmo daqueles originários das mesmas
paragens, porém, que colonizaram outros estados brasileiros?
Como registrar esta história dos imigrantes capixabas? Todo
povo tem a sua história. Pode não ter história escrita. Mas tem a sua
história. Então a pergunta é pela concepção inicial do que é história.
Será a mesma pergunta que, por exemplo, se poderia fazer com
relação aos indígenas. Os indígenas seriam um povo sem história?
Só porque não tem história escrita? Como explicar os mitos, todo o
conhecimento do uso das ervas e da sua arquitetura? Tudo isto é
 
 
23
uma história diferente, porém é uma história. Não existe povo que
não tenha os elementos que constituem a sua cultura2. Todo povo
tem cultura. Todo povo tem a sua história e os pomerânios de
Espírito Santo também têm a sua história.
Certamente, muitos detalhes devem levar o observador
atento a identificar, entre os diferentes grupos éticos, a diferença no
próprio processo de retomada de seu local de trabalho, a terra, na
qual se fixaram e onde também preservaram suas diferentes
bagagens culturais. Estas diferenças certamente ficarão mais
marcantes à medida que se forem comparar as colônias capixabas
com a colonização européia nas diferentes regiões do Brasil.
 A história dos diferentes povos3  pode ser registrada por
diferentes observadores4. Alguém poderia procurar conhecer o seu
dia a dia, sentir suas manifestações de alegria e de tristeza e passar
a descrever o que observou. Um outro, na medida em que estivesse
convivendo com este povo, poderia assimilar suas angústias e
hábitos de vida para depois passar a relatar suas lutas e
dificuldades. Desta mesma forma, um terceiro, saído de suas
fileiras, poderia manifestar em textos, seus sonhos, suas alegrias e
suas frustrações. Ao registrar as vivências que lhe tiveram sido
repassadas de geração em geração, poderia ainda descrever o
choro triste dos seus instrumentos musicais, alegrar-se com os seus
2 Cultura (do  latim cultura, cultivar o solo, cuidar) é um conceito desenvolvido inicialmente pelo antropólogo Edward Burnett Tylor para designar o todo complexo metabiológico criado pelo homem. São práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço. Refere-se a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identificam uma sociedade. Explica e dá sentido à cosmologia social; É a identidade própria de um grupo humano em um território e num determinado período. Cf.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura 3  Povo dentro do conceito de um conjunto de indivíduos que, em regra falam a mesma língua,
tem costumes e hábitos idênticos, juma história e tradições comuns. 4  Modelo de sistematização sugerido pelo autor , para uma melhor compreensão do processo
de coleta de dados e sua posterior reprodução em texto.
cantos e suas danças e exteriorizar seus sentimentos, contando a
história do seu próprio povo.
 
 
1.1 Introdução ao estudo
Santo? Há também quem diga que Pomerânio não é cabeçudo.
Cabeçudo é quem insiste em discutir com pomerânio. 5  Há quem
confunda a tenacidade deste povo com teimosia.
Na realidade este grupo populacional tem peculiaridades
muito distintas e deveria ser estudado com muito cuidado, com
muito respeito aos seus hábitos, à sua sensibilidade e às suas
tradições. Ao longo destes mais de cento e cinquenta anos de
colonização capixaba, os pomerânios quase nada escreveram,
muito pouco documentaram e, ainda hoje, muito pouco falam do que
foi a vida dos seus antepassados na Europa, a luta dos pioneiros
nestas terras capixabas.
[...] O pomerânio é muito retraído. Há um sentimento de que, se alguém contar alguma coisa, o ouvinte pudesse levar aquilo embora. Isto é algo meu. É meu por direito e não há necessidade de outros chegarem a tomar conhecimento. É mais desta forma que vejo o “jeito de ser pomerânio”.6  
[...] em primeiro lugar, porque eles não escreviam em  pomerânio, em segundo lugar, eles não sabiam português e
 
 
26
nem alemão, eles só tinham algumas coisas escritas em bíblias ou hinários como eu também tenho aqui. 7  
Ninguém escreveu qualquer coisa. Eu estava até pensando em começar a fazer isto. Anotar em um caderno comum
 para ter uma ideia melhor das coisas. Aqui somente os [...] e os [...] sabem de alguma coisa dos antigos. O resto não sabe nada. O colono daqui não sabe mais nada. 8  
Muito do que se sabe sobre os primórdios da colonização
teuta no Espírito Santo deve-se a autores de outras épocas como
Johann Jakob von Tschudi9, Gustav Giemsa & Ernst Nauck10., Ernst
Waagemann11, Levy Rocha12, Jean Roche13, apenas para citar
alguns dos mais conhecidos. Vale ainda citar outros pesquisadores,
não menos importantes, como a Princeza Therese von Bayern 14,
Frederico Herdmann Seide 15, Gotthard Grottke16, Regina Mees
Carvalho17  além de toda uma série de nomes importantes com
publicações já bem mais atuais.
7  Cf. Quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 8  Cf. Nona entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08. 9  TSCHUDI, J. J. Viagem pela Província de Espírito Santo (1860).   Trad. de Erlon José
Paschoal. Espírito Santo: Arquivo Público do Estado de Espírito Santo. 10  GIEMSA G.; NAUCK G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo  – Generalidades sobre o
Espírito Santo. Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/giemsa_nauck/capitulo_2.html.  Acesso em: 5 jun. 2010.
11  WAGEMANN, Erst. A colonização alemã no Espírito Santo. O Trabalho. Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capityulo_2html.
12  Rocha, L. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971. 13  ROCHEW, Jean. A Colonização Alemã no Espírito Santo. (Tradução de Joel Rufino dos
Santos). Difusão Européia do Livro. Editora da Universidade de São Paulo. XXVIII, Outubro dwe 1968.
14  Therese von Bayern. Meine Reise in den Brasilianischen Tropen. Berlin. Dietrich Reimer, 1897. p. 30.
15  SEIDE, Frederico Herdmann. Colonização alemã no Espírito Santo. Texto inédito produzido em 1980, por encomenda de Fernando Achiamé para a Enciclopédia Histórica Contemporânea de Espírito Santo, não editado. Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/seide/alemaes.html.  Acesso em: 22 jan. 2004.
16  GROTTKE, G. Aus der Geschichte einer lutherischen Gemeinde in Espírito Santo: Laranja da Terra. São Leopoldo: Rotermund, 1955.
17  CARVALHO, R.M. Santa Maria de Jetibá – Uma Comunidade Teuto-Capixaba. [Dissertação de Mestrado]. Apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e
Toda a bagagem de conhecimento que vem sendo
repassada de geração em geração está sujeita a toda falha da
transmissão oral. A sua documentação não deixa de ser um
importante elemento de comparação entre o que foi descrito em
outras épocas e a própria fidelidade da preservação da informação
oral.
é dificultada pela atitude evasiva do pomerânio. Assim, para
exemplicar, no dia a dia do interior da colônia teuta frequentemente
um diálogo com pessoas estranhas começa com uma pergunta
muito direta: “Você não é pastor ou, você é da policia? “ A resposta
negativa costuma ser saudada com boas risadas e com grande
descontração. O ambiente se torna ainda mais descontraído quando
o interlocutor pode falar na língua que mais lhe convém, seja
pomerânio, holandês, alemão ou mesmo português. Muitas vezes
ainda se ouve a resposta: “Eu somente aprendi pomerânio e o alto
alemão”.18 
Santa Leopoldina19, em plena selva da Província de Espírito Santo,
localizada a mais de setecentos quilômetros da cidade do Rio de
Janeiro, logo se deram conta de que sua vida viria a ser muito
penosa20. A região se localizava em meio a montanhas e vales de
difícil acesso, em que o cultivo de terras nunca antes habitadas e o
clima inóspito certamente lhes trariam muitas dificuldades. Além
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (História). São Paulo. 1978.
18  Cf. trigésima quinta entrevista realizada na cidade de Itarana, no dia 31/07/08. 19 Nome original da localidade que anos mais tarde passou a ser a sede do Município de Santa
Leopoldina. 20  Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios
 
 
disto, nesta época, qualquer recém-chegado, ao cultivar suas
próprias terras e confessar outros credos que não o da fé católico-
romana, passava a ser considerado indivíduo de segunda classe 21,
quase comparável aos servos da sua pátria de origem.
Eles vieram da Pomerânea com muitas promessas. Saíram de uma vida desgraçada, mas com a promessa de uma vida nova e diferente. Na verdade, ao chegarem, nada encontraram daquilo que lhes havia sido prometido. Isto fez com que tivessem que se proteger, em um país estranho e de língua estranha [...] Por isto também não houve muito interesse em documentar qualquer coisa.22  
O estado miserável em que a maioria dos recém-chegados
se encontravam, a corrupção da administração da Colônia com que
se depararam e a falta de uma adequada supervisão nos trabalhos
de divisão dos  prazzos (lotes de terras), do assentamento nos anos
de 1860-1870, trouxeram fome, decadência e mortes 23. Mas, como
depois da chuva torrencial tende a aparecer o sol, depois de um
trabalho inicial muito penoso, também, aqui mesmo muito
lentamente, começaram a aparecer os primeiros bons resultados.
E, como escreveu o Professor Schmahl24, da Universidade
de Mainz, em “Replantado, porém não desenraizado”, os imigrantes
logo passaram a organizar o dia a dia da sua vida 25. Com o passar
21  Cf. quadragésima entrevista realizada com M.B. na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 22  Cf. Vigésima segunda entrevista realizada com H.C.F.B. na cidade de Santa Maria, no dia
26/07/08. 23  Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios
familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo. 24  SCHMAHL, H. Verpflanzt, aber nicht entwurzelt: Die Auswanderung aus Hessen-
Darmstadt (Provinz Rheinhessen) nach Wisconsin im 19 Jahrhundert. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2000
 
 
professores e até pastores leigos, os quais foram remunerados com
os seus próprios recursos26.
Toda e qualquer comunicação com a cidade do Rio de
Janeiro, a capital do Império do Brasil, era feita por navios da frota
costeira, os quais, nesta época, nem sempre costumavam
apresentar boas condições de navegabilidade. Desta forma,
qualquer destas viagens logo se transformava em uma apavorante
aventura27. Qualquer transporte por terra também dependia da
abertura de “picadas” ou tortuosos caminhos que eram feitos pelos
próprios desbravadores. “Vale lembrar que a estrada é de 1817 [...]
foi aberta trinta anos antes da criação da colônia. Os mineiros já
passavam por aqui e isto representou uma grande influência sobre a
colônia daqui [...]”. 28 
Santa Leopoldina [...] durante um bom tempo foi a cidade mais importante do ES por causa da Estrada de Minas. Esta estrada de Minas tinha dois ramais. Um partia da Ilha das Caieras de Vitória, subia o rio Santa Maria, portanto era um caminho fluvial, até Santa Leopoldina que chamavam de Porto Cachoeiro, depois Cachoeira de Santa Leopoldina. Era um rio navegável e todas as mercadorias, inclusive as que chegavam da Europa, vinham pelo rio29.
Com isto, qualquer tentativa de um maior contato dos
imigrantes com a representação de seus países de origem tornava-
se extremamente difícil. A conseqüência lógica foi o estabelecimento
26  Cf. quadragésima entrevista realizada com M.B. na cidade de Santa Maria, no dia 01 08 08. 27  Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios
 
 
recém-desmatadas30. Por outro lado, seu instinto de sobrevivência
fez com que organizassem o seu dia a dia com os recursos de que
dispunham31.
conseguiu ambientar-se bem no novo país. A inteligência prática
rendeu-lhes um crescimento, tanto pessoal, como comunitário 32.
Pelos relatos disponíveis sabe-se que alguns até vivenciaram um
imponente florescimento de empreendimentos comerciais,
especialmente na cidade de Santa Leopoldina 33. Outros se tornaram
viajantes para tratar de negócios na capital Vitória, chegando a falar
um bom português. Também as mulheres logo assimilaram o duro
trabalho dos primeiros anos do povoamento das novas áreas da
Província de Espírito Santo. Os que aqui chegaram, cresceram,
casaram-se e destas uniões nasceram filhos e filhas e muitos deles
passaram a desenvolver um surpreendente vigor empreendedor.
 A minha avó contava algumas coisas de lá. Na época era costume na Alemanha que a filha mais velha sempre
 precisava trabalhar na casa do latifundiário. Ela era  justamente a filha mais velha da sua família. Ela trabalhava na casa do patrão. Plantavam trigo, batatas e a noite tinha
30  Anotações feitas pelo autor baseado em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
31  Cf quadragésima entrevista realizada com M.B., no dia 01 08 08. O relato mais ilustrativo refere-se à organização criada no assentamento de Belém, presumivelmente estabelecido na segunda metade da década de cinqüenta.
32  Como exemplo podem ser citados alguns nomes como Jacob Seibel, de Rio Farinhas e Guilherme Seibel, de Laranja da Terra, pelo seu trabalho como desbravadores, educadores e liderança.
 
 
31
que ir à escola. Aprendiam a costurar, remendar, fazer tricô e assim por diante.34 
Lá havia os grandes proprietários de terras. Minha avó sempre contava como era por lá. Era tudo plano. 35  
 A vida era muito difícil por lá e o Brasil queria gente para a colonização. Foi D. Pedro II queria trazer imigrantes. Foi assim que chegaram ao Brasil. Como lá não tinha terras, vieram ao Brasil. 36  
 Aos poucos, sua velha Pátria foi-se transformando em uma
terra de antigas lembranças, que realimentava a garra e a sempre
renovada vontade de vencer dos habitantes deste interior capixaba.
 As gerações seguintes das famílias pomeranas logo foram
se misturando com as de origem renana, suíça, austríaca, belga e
outras. Com isto também se consolidou a característica comum à
cultura pomerana e que, segundo Heinemann 37, consistia em “amar
a Deus, trabalhar bem para onde quer que se fosse designado,
relacionar-se bem com os vizinhos, amar a terra, pois dela vem o
sustento, preservar as matas, cuidar dos animais, não maltratar o
próximo e ficar sempre unido às pessoas mais próximas ”.
Da memória nascem as histórias  –  como escreveu a
professora Loraine Slomp Giron38, da Universidade de Caxias do
Sul. As histórias, muitas vezes são transmitidas oralmente de
geração em geração. Assim, estas podem estar descrevendo
quadros ou imagens de um cotidiano.
34 Cf. Décima entrevista realizada com P.H.B. na cidade de Santa Maria, no dia 23/07/08 35 Cf. Segunda entrevista realizada com T.K. na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 36 Cf. Décima oitava entrevista realizada com A.L. na cidade de Santa Maria, no dia 24/07/08. 37 FACHIN, Patrícia. Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do Instituto
Humanitas Unisinos. Edição 271. Página 8. 01/09/08. São Leopoldo. 38 Loraine Slomp Giron é professora, historiadora, pesquisadora e escritora brasileira. Natural de
Caxias do Sul, é docente da UCS e coordena o grupo de pesquisa Cultura e Comunicação.
32
 A história acontece em todos os lugares e não fica restrita
aos livros. Para alguém entender o seu significado será preciso
aproximar-se da mesma. Será preciso compreender a realidade
retratada. Quem sabe, será preciso passar a figurar como
integrantes do seu roteiro. Assim, com a coleta de mais informações
os novos conteúdos conduzirão a uma crescente bagagem de
conhecimentos sobre o passado, subsidiando as discussões do
presente para que se possa planejar um futuro. Este enriquecimento
também poderá englobar outras manifestações como sociais,
artísticas e comportamentais, hábitos alimentares e até de
arquitetura. Desta forma, a própria história já poderá registrar uma
bem definida expressão cultural que dificilmente poderia ter
acontecido não fosse pelas suas mais diferentes formas, seja oral
ou escrita, da história daqueles que a originaram. Portanto, será
preciso documentar a história de um povo para se poder mostrar a
cultura do mesmo.
O passado pode revelar fatos pitorescos ou tristes. É por
meio da literatura que se pode resgatar um pouco da história e da
religiosidade daqueles imigrantes que, na segunda metade do
século dezenove, chegaram ao Estado de Espírito Santo e
constituíram importantes núcleos habitacionais com características
muito próprias.
No momento em que estas mesmas imagens são
repassadas a um texto temos um título que insinua o roteiro de uma
trama, dificilmente imaginável, antes da sua leitura e que se refere à
Segunda e à Terceira parte de uma Trilogia e que versa sobre o
IMIGRANTE, no século do isolamento /1870-1970.
 
 
 Ainda não há muitas publicações sobre a epopéia deste
povo que passou a cultivar os vales e as montanhas da região
central do estado capixaba. Há alguns estudos feitos sobre um corte
de um determinado momento da vida destes colonos39  40  41  42.
Entretanto, para podermos compreender melhor sua vida e sua
cultura, pode-se recuar alguns séculos na história dos povos da
Europa para tentar identificar sua origem entre aqueles que durante
a idade média povoaram a costa do Mar Báltico.
Uma outra característica dos habitantes da Pomerânea
também foi o seu estreito vínculo com o mar, com os lagos e com a
natureza. Tanto que uma boa parte dos seus habitantes vivia da
pesca. Historicamente esta também sempre foi uma região de
grandes conflitos entre o Ocidente e Oriente. Toda vez que uma
força expansionista procurava pontos estratégicos para o
intercâmbio marítimo com outros povos desta região, sua população
pagava elevado preço, tanto pelas catastróficas destruições como
também pelas perdas de milhares e milhares de vidas humanas 43.
Depois da guerra napoleônica todo o povo (da Pomerânea) continuava em uma quase escravidão. Trabalhavam como diaristas. Eles (os antigos imigrantes) contavam historias sobre as suas grandes dificuldades. Para Santa Leopoldina
39  BAHIA, Joana. Práticas Mágicas entre as Pomeranas.  Porto Alegre: Ciências Sociais e Religião, ano 2, n.2.p.153-176, st. 2000.
40  CARVALHO, Regina Mees. Santa Maria de Jetibá  –  Uma Com unidade Teuto-Capixaba. Dissertação de Mestrado da Professora, apresentada ao Departamento de História, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, no ano de 1978. Uma obra, infelizmente muito pouco divulgada porém muito rica em informações e que descreve, especialmente a vida do pomerânio nos anos de 1970.
41 RÖLKE, Helmar Reinhard. Descobrindo Raízes – Aspectos Geográficos, Históricos e Culturais da Pomerânea. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural, 1996.
42  ROCHA, Levy. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Editora de Brasília, 1971. 43 Por se tratar de uma região muito plana e sem quaisquer obstáculos naturais, esta condição
 
 
34
 já nos primeiros anos da imigração, tinham vindo alguns  pomerânios, mas a grande maioria chegou principalmente entre 1871 e 1873. Isto foi depois de Guerra da Prússia, isto é, da Alemanha. Nesta época a Prússia se tornou província da Alemanha Imperial. Isto foi no tempo do Bismark. Nesta época chegaram imigrantes de diversas nacionalidades, holandeses, belgas, ingleses...44 
Baseados nestes pressupostos foram levantados dados
fornecidos por cerca de cinquenta entrevistados com os quais se
conseguiu fazer um importante relato do dia a dia da vida dos
pomerânios radicados no estado de Espírito Santo. No foco inicial
estavam os primeiros habitantes da região de Santa Leopoldina e
Santa Maria de Jetibá. Já dentro de um contexto mais amplo o
estudo foi gradativamente expandido para as regiões adjacentes,
seguindo o fluxo migratório em sua trajetória durante a segunda
metade do século dezenove e primeiros setenta anos do século
vinte.
O estudo descreve fatos ralacionados ao dia a dia da vida
da população das colônias teuto-brasileiras no Estado de Espírito
Santo, como foco principal os descendentes dos imigrantes
pomerânios que lá chegaram, dentro de em um cenário social,
religioso, político, econômico e educacional, especialmente, na
época compreendida entre os anos de 1870 e 1970. A pesquisa
resgata relatos históricos dos primeiros imigrantes e de seus
descendentes no Estado de Espírito Santo.
Qualquer pessoa que quer entender o processo da
emigração européia do século dezenove precisa situar-se no
contexto histórico daquela época. Neste aspecto é preciso
 
 
35
compreender as razões que levaram à vinda de tantas famílias da
Europa Central, onde a falta generalizada de oportunidades de
trabalho na Europa trouxeram fome e miséria e que resultaram em
um gigantesco movimento migratório a partir do velho mundo.
Tenho a história que ouvia falar. O que eles contavam. [...]. Parece que este pessoal chegou da Pomerânea e que era um pessoal sem terras e que teriam sido colocados nos navios com a promessa de que aqui no Brasil passariam a ter terras. Teriam sido, meio que exportados de lá. Vieram
 para cá e perderam alguns traços da sua cultura. 45  
Não havia estradas e tiveram que abrir picadas e caminhos no meio da mata. Os pomerânios eram todos luteranos. Aqui receberam algumas ferramentas. Os antigos contavam que a vida era muito difícil e que vieram com grandes navios onde tinham sido colocados grandes lençóis. (velas). Alguns levavam ate três a cinco meses. Muitas crianças morriam durante esta longa viagem. Os mortos eram simplesmente
 jogados no mar.46  
confirmar de que aqueles que possuíam algum tipo de recurso
teriam seguido para os Estados Unidos da América e os que não
tinham reservas financeiras, teriam sido embarcados “com destino
aos Estados Unidos”; porém, no trajeto, teria havido um
redirecionamento da viagem para o Brasil. Este procedimento
ocorreu inclusive com o navio no qual os antepassados do autor
chegaram em Vitória. Estes, conforme documentação disponível
saíram de Hessen-Darmstadt com o consentimento de emigração
45 Cf. trigésima primeira entrevista realizada na cidade de Afonso Cláudio, no dia 30/07/08. 46 Cf. Segunda entrevista realizada na cidade de Domingos Martins, no dia 19/07/08 47 Informação colhida pelo pesquisador na cidade de Hamm am Rhein, Alemanha, por ocasião do
 
 
para “a América”  e na metade da travessia foram redirecionados
para a América do Sul. Não há provas da prática habitual desta
política de emigração, porém há documentos sobre definição do
destino para os que saíram da Europa. Especialmente os mais
pobres e os politicamente indesejáveis48.
Uma é que eles (os pomerânios) eram dominados pelos alemães [...] na verdade eram da Prússia. Do outro lado havia um pouco de inveja. As terras deles eram das melhores que tinha por lá. Os pomerânios eram muito difíceis de serem conduzidos... Isto teria gerado muitos conflitos e culminado com a expulsão de muitos. 49 
Eles foram mandados embora de lá. Não havia terras por lá e por isto foram mandados embora. 50  
 A população das “colônias” de Espírito Santo, mesmo com o
passar das décadas, manteve-se essencialmente como população
rural51. Apesar de já ter sido planejado um núcleo urbano em 1864,
por ocasião da construção da primeira igreja luterana em
Luxemburg, com praça, escola e casario, o projeto nunca chegou a
ser concretizado52. As capelas e igrejas continuaram sendo
construídas sobre os “Pfarrerland”, isto é, as terras do pastor, onde,
não poucas vezes, este e sua família cuidavam da vaca de leite, das
galinhas e da montaria utilizada para o deslocamento do pastor no
48 Informação colhida pelo pesquisador na cidade de Hamm am Rhein, Alemanha, por ocasião do levantamento de dados para a preparação do livro “Imigrante, a duras penas”.  
49  Cf. quadragésima entrevista realizada na cidade de Santa Maria, no dia 01/08/08. 50  Cf. Sétima entrevista realizada na cidade de Santa Leopoldina, no dia 22/07/08 51  Em todas as entrevistas se identificou os elementos relacionados a vida restrita na pequena
propriedade rural. 52  Nos dias atuais permanece apenas a pequena igreja construída há quase cento e cinqüenta
 
 
comunidade53. Isto era tido como um exemplo a ser seguido.
 Ao contrário do que acorreu nas “colônias” do sul do Brasil,
onde associações esportivas, recreativas e culturais exerciam um
importante papel aglutinador da população germânica 54, os
“Kolonisten” (colonos) de Espírito Santo adotaram um modelo de
convivência baseado em três pontos características e que se
mantiveram durante mais de um século55:
1. Os encontros aos domingos nas igrejas, antes ou mesmo
depois dos ofícios religiosos constituíam-se em oportunidades de
troca de informações ou até de fechamento de negócios56.
2. Não havia “clubes” ou entidades associativas, para
encontros sociais. Valia a máxima: “a consertina faz a festa”   57  58.
Em outras palavras, casamentos, aniversários ou encontros festivos
informais animados por este instrumento tão familiar aos imigrantes
pomerânios capixabas aconteciam em dia claro nas casas dos
53 Todas as sedes paroquiais antigas localizavam-se na área rural. O Pfarrerland, isto é, as terras da Comunidade deveriam servir de retaguarda para o necessário subsídio alimentar do pastor e da sua família.
54 Os “Turnervereine” (Sociedade Ginástica) e os “Schützenvereine” (Sociedade de Tiro e Caça), aglutinadores dos imigrantes teutos, eram conhecidos em todas as regiões de colonização dos estados do sul do Brasil.
55  Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
56 Estes são costumes que em muitas localidades persistem até a atualidade. As longos distâncias até a igreja precisam ser percorridos em caminhadas, a cavalo, em charette, de bicicleta ou veículo auto motor. Com isto muitos chegam bem antes do inicio dos ofícios religiosos. Este importante encontro social se constituia em uma boa oportunidade para troca de informações, fechamento de nogocios e estabelecimento de novas amizades. (Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo).
57  Pelo costume popular o som da concertina animava as tardes de domingos e as festas nas casas de muitos agricultores. O costume persiste até mesmo depois da chegada da eletrificação rural.
 
 
“colonos” ou, quando de noite, em ambientes iluminados por
lamparinas de azeite de baleia ou de querosene 59.
3. Por último, o hábito da visitação entre familiares e amigos
fazia com que as tardes de domingo se transformassem em
momentos de um próspero intercâmbio social, quem sabe, para
compensar o isolamento vivido nas suas respectivas propriedades.
 Apenas a partir de 1950, em poucos lugares como em Santa Maria
de Jetibá ou mesmo em Laranja da Terra, começou uma tímida
urbanização60  de alguns descendentes de imigrantes, ao mesmo
tempo em que também a adoção da língua portuguesa passou a
favorecer um melhor convívio com imigrantes italianos e a própria
população luso-brasileira.
O relativo afastamento da população brasileira se manteve
por muito tempo. Isto em parte pode ser atribuído à própria
geografia acidentada de toda esta região, como também pela
persistente dificuldade de aprendizagem da língua portuguesa. Em
função disto, os “Dütsche” (alemães), como os descendentes dos
imigrantes se autodenominavam, na sua absoluta maioria, mesmo
depois de sessenta ou setenta anos continuavam se comunicando
no idioma dos seus antepassados61. Enquanto isto, os “brasilioner ”62 
rechaçavam os imigrantes e seus descendentes por verem neles
59  Anotações feitas pelo autor baseadas na própria vivência e também em informações repassadas pelos seus familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
60  Uma das primeiras famílias a se transferir para Afonso Cláudio foi de Bernardo Seibel, da segunda geração nascida no Brasil.
 
 
39
indivíduos que se recusavam a aceitar os usos e costumes da nova
pátria63.
Pelo planejamento inicial cerca de vinte a trinta pessoas
com idade superior a setenta e cinco deveriam ter participado do
presente estudo no Estado de Espírito Santo. Seriam indicados
pelas suas respectivas comunidades e deveriam dispor de uma boa
bagagem de informações sobre a história dos imigrantes capixabas
e deveriam conseguir expressar-se de forma lógica e coerente e que
espontaneamente tivessem concordado em documentar e divulgar
estes dados64. Entretanto, com o andamento das primeiras
entrevistas surgiram algumas dificuldades que levaram a uma
modificação do próprio seguimento da pesquisa. Para isto devem
ser salientados diversos fatos:
apresentavam condições para ler ou assinar o consentimento
informado.
Caracterização quanto à instrução Entrevistados
Escolaridade mínima 25
Instrução básica 4
Instrução nível médio 6
Instrição nível superior 15
Total de entrevistados 50
63  Anotações feitas pelo autor baseadas em informações repassadas pelos seus próprios familiares, sobre a vivência destes nas comunidades do interior do Estado de Espírito Santo.
 
 
2. Um consagrado hábito pomerânio de apagar a memória
de um familiar, ao queimarem, depois do sepultamento, os
documentos e outros papéis do falecido, também pode ter
contribuído para que muitos tivessem evitado produzir qualquer tipo
de documento escrito e muito menos assinado. Alguns diziam que,
durante um século e meio, teriam sido enganados por uma
autoridade exploradora e por vezes depravada, cuja maneira de
falar não entendiam, resultando em diversos tipos de perdas morais
ou materiais65. Ao final, no presente estudo, muitos pomerânios
forneceram informações por terem confiado no que lhes foi proposto
pelo estudo, entretanto, nada assinaram, nem mesmo um
consentimento livre e informado.
para estas entrevistas pelas lideranças das comunidades locais
conheciam o pai do pesquisador, além disto, quase um terço destes
mesmos entrevistados apresentava diferentes graus de parentesco
com o referido entrevistador.
4. Ao contrário de que já foi relatado em diversos outros
estudos66  com alguma semelhança com a presente pesquisa, os
que aqui foram entrevistados, comunicaram-se com muito mais
espontaneidade com este pesquisador, possivelmente por ser
65  A imagem das cobranças de taxas aviltantes reproduzida em ”CANAÔ de Graça Aranha, continuou transparecendo em diversas entrevistas. Muitos agricultores ainda hoje mostram o medo e o receio ao se falar em autoridade ou mesmo em advogado.
 
 
41
parente e, quem sabe, por ser filho de um carismático personagem
muito conhecido entre os descendentes dos imigrantes de Espírito
Santo67. Além disto, precisou “sentar no banco debaixo das árvores
do pátio das casas”, conversar sobre os velhos tempos, em
pomerânio, em hunsrück, em alemão e até em português, tomar
algumas xícaras de café com melado para somente depois falar na
tal da entrevista.
Caracterização quanto à etnia Entrevist
ados
5. Todos os entrevistados concordaram com a divulgação
por meio de uma publicação da Faculdade de Teologia, das
informações fornecidas, entretanto, poucos assinaram o
Consentimento Informado. O pedido de assinatura deste documento
em uma ou duas ocasiões chegou a crioar uma situação de
constrangimento com risco de interrupção do diálogo que até lá
vinha se desenrolando de forma absolutamente descontraída.
 
 
Qualificação das entrevistas Entrevistados
 Assinaram o consentimento 16
Não Alfabetizados. Consentimento com testemunha
8
6. Apesar desta dificuldade já ter sido identificada e
compartilhada com o Professor Doutor Wilhelm Wachholz, no início
do trabalho de campo, as entrevistas continuaram sendo feitas em
grupos e com a participação de lideranças locais.
7. Ao final de uma exaustiva jornada reuniu material de
cinquenta pessoas (Tabela número 01), um número bem superior ao
que previa o planejamento inicial do projeto. Conversou-se com
muitos pomerânios analfabetos. Mas também foram entrevistados
seis pastores, dos quais quatro eram descendentes de pomerânios,
quatro jornalistas, professores, secretários de educação e
secretários de cultura. Apesar do estudo não o ter previsto
inicialmente, terminou-se incluindo informações obtidas nos
depoimentos de brancos e pretos, de luteranos, calvinistas, católicos
e ateus.
Caracterização quanto à idade Entrevistados
30 a 40 anos 2
40 a 50 anos 3
50 a 60 anos 12
60 a 70 anos 6
70 a 80 anos 13
80 a 90 anos 14
Total de entrevistados 50
Enfim, foram coletadas mais de trezentas páginas de um
riquíssimo material proveniente de muitos diálogos cheios de
lembranças pessoais e de vivências dos entrevistados. Foram
informações muito ricas e que passaram a ser transcritas em texto.
Em resumo, foram informações transcritas a partir de informações
orais, cuja autorização de divulgação também, em grande parte foi
dada verbalmente. Foram dados repassados oralmente e cuja
divulgação também foi autorizada oralmente e comprovada por
escrito pelas assinaturas das testemunhas que dela tomaram parte.
É importante considerar que a partir dos capítulos que abordam a
segunda metade da década de 1950, muitas reminiscências do
próprio autor, sempre assinalados em observações em rodapé,
integram os relatos aqui descritos.
 
 
perguntas feitas constituíram-se em peça fundamental para o
levantamento das informações pleiteadas. Foi um processo de
interação entre o entrevistador e o entrevistado, sempre realizado na
presença de outro(s) integrante(s) da comunidade local, o que
contribuiu para o estabelecimento de uma boa relação de confiança
com o autor. Eram momentos em que os entrevistados traduziam
em palavras simples as suas próprias vivências ou lembranças de
informações a eles repassadas por outras pessoas.
Os primeiros contatos com a população alvo do estudo já
mostraram que, uma significativa parcela dos emigrantes europeus,
Figura 1: O autor (E) durante uma entrevista.
 
 
apesar de todas as dificuldades enfrentadas, havia se transformado
em exemplos de destino bem sucedido. A maior parte deste grupo
populacional ainda vive nas regiões de Domingos Martins, Santa
Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Itarana, Afonso Cláudio, Laranja
da Terra e em um grande número de municípios do norte do estado.
Pelos diálogos que logo se estabeleceram identificaram-se muitas
ramificações destas famílias em Minas Gerais, Rondônia, Bahia, Rio
de Janeiro, São Paulo, Paraná. Santa Catarina, Rio Grande do Sul,
Europa e Austrália. Nesta situação encontram-se familiares do
próprio pesquisador.
Caracterização quanto à procedência Entrevistados
Rural 26
Urbano 24
No final do trabalho de campo foram contabilizadas
cinquenta entrevistas, e que passaram a ser divididos em quadro
subgrupos.
muito o aproveitamento das informações colhidas. A restrição daqui
resultante para apenas dezesseis depoimentos, talvez tivesse
 
 
46
perder muito do seu conteúdo histórico, já que as informações mais
ricas foram encontradas justamente nos outros dois grupos.
Tabela 6 – Caracterização dos entrevistados quanto ao sexo
Caracterização quanto ao sexo Entrevistados
Masculino 38
Feminino 12
Certamente, uma forma alternativa de reprodução de
resultados desta pesquisa na qual seriam referenciados apenas os
depoimentos do primeiro grupo (dezesseis entrevistados) e,
eventualmente citados de maneira informal os relatos dos outros
dois grupos (vinte e quatro e oito entrevistados) teria levado a uma
significativa perda.
Dentro desta ótica o pesquisador propôs ao Comitê de Ética
em Pesquisa a validação de depoimentos realizados na presença de
testemunhas. A argumentação apresentada foi aceita e o trabalho
teve seguimento.
Desta forma, a explanação e a discussão dos resultados da
presente pesquisa estão sendo feitos ao longo desta obra,
mostrando que os teuto-brasileiros capixabas, a partir de
lembranças transmitidas oralmente de geração em geração,
desenvolveram uma cultura muito própria, criaram imagens
saudosistas hoje relembradas em canto e verso e visualizadas em
suas danças folclóricas.
capixaba foi um empreendimento com características muito próprias
e que seus protagonistas passaram por muitas dificuldades. Os
dados obtidos neste estudo também sinalizaram com bons
resultados obtidos com o povoamento da região central do Estado
de Espírito Santo, mas também trouxe questionamentos que não
puderam ser respondidos, por isto merecem ser descritos com
fidelidade, até por se tratar de uma importante fase da História da
Imigração Européia no Brasil.
2.1 A origem dos pomerânios
 Aqui cabe uma importante pergunta? O que os atuais
pomerânios capixabas sabem da vida dos seus antepassados? O
historiador Ismael Tressmann faz uma referência ao aspecto da
narrativa dos imigrantes e da historiografia considerada oficial ao
referir que
na terceira parte da minha Tese eu fiz uma análise das razões que os levaram a virem para cá. Naquela parte da Tese estava preocupado com a questão das narrativas. O que eles contam, a oralidade, é controvertido. Analisei vários destes relatos que a historiografia oficial refere e o que os
 pomerânios relatam.68  
Quem vai analisar a história, os personagens e os fatos
relacionados aos imigrantes assentados em terras capixabas, na
segunda metade do século dezenove, logo passa a identificar os
diferentes aspectos culturais daqueles que aqui chegaram.
Quem eram realmente os imigrantes que aqui chegaram?
De onde vieram?
de setenta quando foram “descobertos" pela mídia. Até lá, durando
praticamente cem anos, viveram em um ambiente bastante fechado
 
 
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e de uma relativa tranquilidade. E é este fato que deu origem ao
título do presente trabalho, em função da importância que teve no
desenvolvimento deste segmento populacional do estado de Espírito
Santo.
transmitidas a partir da primeira geração de imigrantes são muito
limitadas, mesmo que isto não possa ser generalizado.
Os depoimentos não são tão divergentes do que as fontes oficiais reportam. Os pomerânios falavam muito nos aspectos do trabalho duro para os donos das terras. Do tipo,
 poderiam produzir um bem, mas não tinham acesso ao mesmo. Até já o relato de que faziam aguardente de beterraba, mas não podiam tomá-la. São depoimentos e que são mais simbólicos. Enfim, produziam coisas que eles mesmos não podiam consumir. Havia uma crise geral em toda a Europa. Não era apenas na Pomerânea. 69  Minha avó sempre contava que tiveram uma viagem muito difícil. Inclusive a comida era muito escassa. As carnes (dat fuhl Flaisch) devia esta deteriorada, já praticamente podre naqueles barris. Na realidade era uma carne salgada. A mãe dela contava para ela que era uma carne deteriorada. Outra dificuldade foi quando chegaram em Espírito Santo, desembarcaram em Vitória e quando chegaram em Santa Leopoldina existia uma estalagem subumana. Sem condições de higiene e de tudo. Ela sempre dizia que sua mãe contara que haviam saído de um lugar difícil para chegar a outro que havia sido pintado como um paraíso, mas infelizmente [...] 70  
Pelos depoimentos dos entrevistados mais antigos que hoje
ainda vivem em Espírito Santo facilmente se pode constatar que no
decorrer dos anos houve um gradativo desaparecimento de
 
 
informações, por estes não terem sido documentadas em textos e
sim repassadas oralmente. Isto se identifica, sobretudo, na perda de
detalhes observadas em muitas descrições.
Um albergue grande, um tipo paiol e lá se hospedavam uma semana ou duas até o governo indicar-lhes os lotes. Era uma construção de estuque. Até hoje ainda não consegui descobrir para qual lote de terra em Luxemburgo ou Caramuru tinham sido enviados. Mas era naquela região de lá. 71 
 A riqueza dos relatos foi diretamente proporcional ao grau
de instrução ou seja ao crescimento cultural havido nos diferentes
entrevistados. Como se pode deduzir destes relatos, nos dias atuais,
o alcance da cronologia da história das famílias em muitos casos
mal ultrapassa duas ou três gerações. Desta forma as tentativas de
um seguimento mais fiel da cronologia dos acontecimentos
envolvendo a história oral, por vezes ficam seriamente prejudicadas.
 Além disto, ao longo de quase uma centena de anos, uma série de
acontecimentos levaram a profundas modificações dos hábitos de
vida dos descendentes dos pomerânios, muitas vezes, tão mal
compreendidos pelo expectador não pomerânio. Como relatar os
hábitos de vida e os costumes à primeira vista tão estranhos a este
mesmo expectador, porém tão próprios deste povo?
Em uma rápida análise poderíamos adotar três formas
distintas para descrever o seu cotidiano. Em um primeiro momento
poderíamos tomar uma série de depoimentos, quem sabe, por meio
de intérpretes, analisá-los e transcrever os resultados. Desta forma
estaríamos criando um quadro do dia a dia da vida deste grupo
 
 
Joana Bahia.73 
com muita sensibilidade e de uma grande empatia, que durante
muitos anos conviveram com o cotidiano deste povo. Desta forma
assimilaram toda a sua filosofia de vida e seus traços culturais. Com
isto poderiam descrever com extraordinária precisão seus hábitos de
vida e sua maneira de pensar. Seria o relato do dia a dia da sua
convivência com este povo.
alguém do próprio povo, que sentiu suas angústias, teve suas
preocupações e que viveu como este povo, para depois relatar o
que viveu e o que sentiu.
Para continuar em seu propósito, o estudioso teria que fazer
uma ampla análise histórica, rever o maior número possível de
fontes, entre livros, documentos, objetos, imagens, além de ouvir
muitos relatos orais. Teria que procurar conhecer a história dos
indivíduos que deram origem aos antepassados deste grupo
populacional e caracterizar os seus traços culturais. Em se tratando
dos pomerânios, teria que entender o povo que habitou daquelas
terras banhadas pela extensa costa do Mar Báltico e entrecortadas
72 CARVALHO, R.M:. Santa Maria de Jetibá - Uma Comunidade Teuto-Capixaba. [Dissertação de Mestrado] Universidade de São Paulo. São Paulo. 1978.
73 BAHIA, J: Práticas Mágicas entre as Pomeranas. Porto Alegre: Ciências Sociais e Religião, ano 2, n.2.p.153-176. 2000.
74 RÖLKE, H.R.: Descobrindo Raízes. Vitória: UFES. Secretaria de Produção e Difusão Cultural, 1996.
75 PORT, I: Altos de Itarana. 2004. Port, D. C.; Port, I. Alto Santa Joana  – 100 Anos de História. Santa Maria de Jetibá: Gráfica e Editora Follador Ltda, 2007.
 
 
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por tantos lagos. Pois o estreito vínculo com o mar, com seus lagos
e com a natureza sempre foi uma das marcas desta população da
antiga Pomerânea77.
possíveis primeiros habitantes daquelas terras, na época, ainda
cobertas de densas florestas. Poderia identificar um grupo
populacional com traços culturais já próprios. Poderia conhecer um
pouco mais daquele grupo populacional que deu origem à etnia por
ser estudada.
populacional. Pode-se nascer com características específicas como,
por exemplo, a cor dos olhos, a cor da pele, a cor dos cabelos e
certas peculiaridades cutâneas ou aspectos faciais. Estas, portanto,
seriam marcas individuais daquela pessoa.
Por outro lado, na medida em que este indivíduo passar por
uma adaptação em um outro ambiente, poderá vir a se identificar
com este novo grupo, diferente do seu próprio, adotando dele seus
hábitos, seus costumes e sua filosofia de vida. Desta forma irá
adquirir características que o identificarão com o novo grupo. Com
isto se terá um indivíduo com características individuais próprias,
mas com características comportamentais comuns aos demais da
77 Pó Morju, palavra sorábica, que traduzido significa, habitantes junto ao mar. Em Fachin Patrícia. Bons soldados e excelentes agricultores. IHUON-LINE. Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edição 271. Página 5. 01/09/08. São Leopoldo.
78 FOETSCH, Alcimara Aparecida. Refletindo sobre as identidades culturais, a raça e a etnicidade. Parte adaptada do Segundo Capítulo da dissertação de Mestrado. Revista Espaço
 Acadêmico – Nr. 69 – fevereiro/2007 – Mensal – Ano VI. Ri Disponível em: http:///www.espacoacademico.com.br/-69/69foetsch.htm.  Acesso em 12/03/08. p. 1.
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sua comunidade. Na medida em que isto estiver ocorrendo com os
diferentes indivíduos de uma determinada área geográfica ou, ainda,
dentro de uma área com um regime político próprio poderemos vir a
ter uma identidade regional.
Não se pode falar em raça pomerana, até porque, sob o
aspecto antropológico79  esta denominação estaria se referindo a
uma classificação bem mais ampla. Pois se refere a uma das
grandes subdivisões da espécie humana estabelecendo grupos
relativamente separados e distintos, com características biológicas e
organização genética próprios. Neste aspecto temos a raça branca,
a raça negra e a amarela. Portanto, estes três grandes grupos
teriam aspectos biológicos definitivos, ou seja, características físicas
peculiares.
O processo de formação de uma etnia pressupõe
desenvolvimento de uma prática de tradições culturais por
intermédio da assimilação de estilos de vida, de normas e de
crenças a partir de outras comunidades com as quais uma
determinada população convive. Estas não são estáticas e sim
dinâmicas, ou seja, adaptáveis às influências do seu meio. A partir
do momento em que uma prática cultural passar a ser localizada
dentro de um determinado espaço físico habitado por um grupo
étnico especifico poderíamos vir a ter uma identidade nacional80.
Com base nestes pressupostos, poderíamos falar em etnia
pomerana, pois, apesar do processo de miscigenação cultural pela
qual passou ao longo de praticamente um milênio, logrou
79 Ibidem, p. 2. 80 Ibidem, p. 1.
 
 
mesmo que, com autonomia por períodos transitórios82.
Mas, quem realmente era o “povo pomerânio”?
Muito pouco de antes da grande migração dos povos pode
ser comprovado ou explicado com base em dados históricos. A
Pomerânea parece ter sido habitada por grupos &eac