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140 3 A mensagem cristã e sua contribuição ética Introdução Neste último capítulo de nosso trabalho, com a contribuição preciosa de alguns expoentes na reflexão teológica cristã, iremos apontar alguns aspectos da fé cristã que servem de suporte para uma fundamentação ética em nossos tempos. Buscaremos apontar alguns elementos da mensagem cristã que, em nossa opinião, podem dar ao homem pós-moderno uma resposta às suas inquietações, dinamizando princípios autenticamente humanos, em vista de uma sociedade mais justa e fraterna. Veremos que, em conformidade com o Novo Testamento, a vida de Jesus aparece como critério determinante para toda experiência cristã. E aí estaria a essência da ética cristã. Mediante as palavras e práticas de Jesus, como revelação plena do Pai, o Reino de Deus se realiza e é oferecido livre e gratuitamente a todos. A partir dessa iniciativa divina depreende-se a certeza de que Deus é amor e que deseja a salvação de todos. Cabe a cada ser humano responder positiva ou negativamente, acolhendo ou não a proposta salvífica. A acolhida, que se dá mediante a fé, implica um processo de conversão, de abertura e fidelidade à vontade de Deus, a exemplo de Jesus. O seguimento de Jesus, mediante a prática do amor-serviço, é apresentado como caminho de salvação, de concretização do Reino de Deus. Sem dúvida, um caminho profundamente ético. O compromisso com o Reino se expressa, sobretudo, em atitudes de caridade para com os pobres e sofredores. Atitudes assim implicam, naturalmente, um empenho na luta pela justiça, que é inerente à caridade. Há, no entanto, a possibilidade de uma resposta negativa ao Reino, o que implica no fechamento e na prática da injustiça. Superar esse fechamento egoísta e impulsionar sempre mais uma abertura solidária é o grande desafio para a fé cristã. Na parte final deste capítulo, abordaremos brevemente a dificuldade de uma vivência autêntica da fé na pós-modernidade, em consonância com a configuração própria deste tempo, como vimos no capítulo primeiro. Observaremos

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A mensagem cristã e sua contribuição ética

Introdução

Neste último capítulo de nosso trabalho, com a contribuição preciosa de alguns

expoentes na reflexão teológica cristã, iremos apontar alguns aspectos da fé cristã que

servem de suporte para uma fundamentação ética em nossos tempos. Buscaremos

apontar alguns elementos da mensagem cristã que, em nossa opinião, podem dar ao

homem pós-moderno uma resposta às suas inquietações, dinamizando princípios

autenticamente humanos, em vista de uma sociedade mais justa e fraterna. Veremos

que, em conformidade com o Novo Testamento, a vida de Jesus aparece como critério

determinante para toda experiência cristã. E aí estaria a essência da ética cristã.

Mediante as palavras e práticas de Jesus, como revelação plena do Pai, o

Reino de Deus se realiza e é oferecido livre e gratuitamente a todos. A partir dessa

iniciativa divina depreende-se a certeza de que Deus é amor e que deseja a salvação

de todos. Cabe a cada ser humano responder positiva ou negativamente, acolhendo ou

não a proposta salvífica. A acolhida, que se dá mediante a fé, implica um processo de

conversão, de abertura e fidelidade à vontade de Deus, a exemplo de Jesus. O

seguimento de Jesus, mediante a prática do amor-serviço, é apresentado como

caminho de salvação, de concretização do Reino de Deus. Sem dúvida, um caminho

profundamente ético. O compromisso com o Reino se expressa, sobretudo, em

atitudes de caridade para com os pobres e sofredores. Atitudes assim implicam,

naturalmente, um empenho na luta pela justiça, que é inerente à caridade. Há, no

entanto, a possibilidade de uma resposta negativa ao Reino, o que implica no

fechamento e na prática da injustiça. Superar esse fechamento egoísta e impulsionar

sempre mais uma abertura solidária é o grande desafio para a fé cristã.

Na parte final deste capítulo, abordaremos brevemente a dificuldade de

uma vivência autêntica da fé na pós-modernidade, em consonância com a

configuração própria deste tempo, como vimos no capítulo primeiro. Observaremos

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como a fragilidade da fé na pós-modernidade é uma das conseqüências da

supervalorização subjetiva, constituindo-se, assim, empecilho para uma verdadeira fé

cristã. Colaboram para isso as características marcantes da sociedade neoliberal, onde

os valores interpessoais assumem um caráter mais personalista e menos solidário.

Veremos como uma fé meramente subjetiva mais dificulta do que colabora para a

edificação do Reino. Por fim, buscamos mostrar como uma fé vivida de maneira

amadurecida, integral, comprometida, pode colaborar significativamente na

instauração de uma sociedade mais justa e mais humana. A proposta cristã, quando

aceita de forma esclarecida, se torna um eficaz meio de dinamização de valores e

princípios que fomentarão a esperança para a sociedade pós-moderna. A abertura a

Deus impulsiona o homem ao seu semelhante, e o faz solidário. É a base cristã para

uma ética mundial.

3.1. A Proposta Salvífica de Deus

O Deus cristão é um Deus que anseia pela salvação do ser humano. É um

Deus que se compadece e, movido por amor, se aproxima e revela seu projeto

salvífico. Nossa salvação é uma iniciativa de Deus, uma iniciativa totalmente gratuita

Dele.399 Dizer que é totalmente gratuita é dizer que não é movida por condição

alguma. Nada forçou, nem pode forçar e nem tem porque forçar essa aproximação,

visto que ela é dom e graça.400 A única justificativa dessa iniciativa divina é o amor.

A salvação humana é uma caminhada conjunta do homem com Deus. É Ele quem a

propõe e quem dá o primeiro passo também. Essa aproximação divina alcança sua

plenitude em Jesus Cristo. A partir da proposta divina chegamos, por meio da fé, a

reconhecer que nosso Deus é um Deus de Amor. Quem no-Lo revela assim é o

próprio Jesus.

399 FRANÇA MIRANDA, M., A Salvação de Jesus Cristo - a doutrina da Graça, p. 83. 400 SOBRINO, J., A Fé em Jesus Cristo - ensaio a partir das vítimas, p. 301.

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3.1.1. Jesus Cristo: revelação plena de Deus

“Quem me viu, viu o Pai!” (Jo 14,9). A partir dessa afirmação bíblica, a fé

cristã reconhece em Jesus a revelação mais autêntica de Deus. O Filho de Deus que

apresenta a proposta salvífica de Deus, o Messias que vem salvar. Se Jesus é, para os

cristãos, o Salvador, certamente “tudo o que podemos afirmar sobre a salvação tem

sua fonte na pessoa, na vida e na pregação de Jesus Cristo”.401 Ele é o único caminho

para a salvação: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não

ser por mim!” (Jo 14,6). Segundo as Escrituras, Jesus viveu em constante sintonia

com aquela que, segundo ele, era a verdadeira vontade divina, e ensinou a todos a

fazerem o mesmo (Mc 3,35; Jo 15,15b), em vista da própria salvação (Mt 7,21b). A

fé de Jesus implica deixar-se conduzir pela vontade de Deus, entregando a Ele sua

própria existência. Essa entrega pressupõe a experiência do Pai como Alguém que o

ama infinitamente.402 A partir da certeza desse amor, Jesus vive uma obediência filial,

descentrado de si mesmo e centrado no Pai. Todo seu agir, toda sua vida, girou em

torno dessa certeza.

Essa maneira de viver, no entanto, preserva a liberdade de Jesus. Sua vida

está perpassada pelo espírito de liberdade e discernimento.

“Ao serviço daquilo que discerne está a liberdade de Jesus. A lei, o templo, as tradições religiosas foram relativizados, denunciados ou abolidos, conforme o caso. E o importante é que o exercício dessa liberdade não foi para defender um ideal liberal, mas para defender o amor, a justiça, a misericórdia”.403

Uma vida em conformidade com a vontade do Pai necessariamente exigia

de Jesus constante discernimento diante das situações concretas na sociedade onde

estava inserido. Uma sociedade humana que amargava situações de maldades e

injustiças que, para Jesus, se opunham à vontade do Pai. Alimentado e movido pela

experiência amorosa com o Pai, Jesus faz de sua vida uma existência para os outros,

uma doação constante aos pobres, pecadores e marginalizados. Sua relação com estes

está fundamentalmente sintonizada à sua relação com o Pai. “Se Jesus foi um homem

401 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 32. 402 Ibid., p. 72. 403 SOBRINO, J., op. cit., p. 485.

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para os outros, isto se deveu a que Ele fosse primeiramente um homem para Deus”.404

O modo como Jesus tratava os que estavam à sua volta, seus semelhantes,

correspondia à sua imagem de Deus.

“Sua vida foi coerente com sua imagem de Deus, um Deus cuja bondade e misericórdia a ninguém exclui. Um Deus que aceita o ser humano por ser tal, e não pelo que ele realiza no campo religioso ou moral. O agir concreto de Jesus demonstra e revela o agir e o ser de Deus”.405

Havia uma conexão profunda, uma sintonia perfeita, entre a fé de Jesus,

que o levava a confiar no Pai, e sua prática, que o levava a fazer a vontade do Pai.

Seu agir libertador, aliado à denúncia de toda injustiça, e sua mensagem de esperança

delineavam a proposta do Reino de Deus como uma novidade absoluta, a Boa Nova.

Seu anúncio por meio de palavras e seu testemunho prático chamaram atenção,

suscitando seguidores e perseguidores.

“Os pobres encontraram em Jesus alguém que os amava e os defendia, que procurava salvá-los simplesmente porque estavam em necessidade. Seus seguidores, discípulos, homens e mulheres próximas sentiram o impacto de sua autenticidade, verdade, firmeza e, em última instância, de sua bondade”.406

Para o povo sofrido, Jesus representava uma esperança de libertação, de

salvação. Em Jesus Cristo está o sublime exemplo de que a ação salvífica de Deus se

dá pela mediação humana.407 Em seu agir encontram resposta os apelos do próximo,

da viúva, do órfão, do pobre, do injustiçado, do oprimido, do marginalizado, do

egoísta solitário, do inimigo, enfim, de todo necessitado. Em cada ação libertadora de

Jesus, Deus revela sua essência, seu modo de ser: amoroso, misericordioso. Muito

mais do que um mero sentimento, essa misericórdia é uma reação ao sofrimento que

alguns seres humanos infligem a outros. É um assumir o sofrimento das vítimas.408

Essa ação salvífica de Deus se manifesta em sua plenitude na ressurreição de próprio

Jesus, núcleo central de nossa fé. Visto que o ressuscitado é uma vítima, produto da

404 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 77. 405 Ibid., p. 35. 406 SOBRINO, J., op. cit., p. 320. 407 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 139. 408 SOBRINO, J., op. cit., p. 132.

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opressão, a partir daí pode-se chamar a Deus de “o Deus das vítimas”.409 Dessa

forma, a mensagem cristã é esperança de salvação para todos os sofredores. Em

Jesus, essa proposta divina se revela plenamente.

À luz da fé cristã, a salvação que Deus nos propõe só tem sentido em

consonância com a pessoa de Jesus. Desvinculada da existência concreta de Jesus de

Nazaré, a salvação não passa de uma expressão formal, vazia e insignificante.410 Jesus

é o amor de Deus tornado visível na história e assim provocando o nosso amor.

“Jesus é não só a manifestação, mas também a realização histórica do amor incondicionado de Deus para com a humanidade. Essa realização implicou não somente assumir nossa condição humana, não somente solidarizar-se com os pecadores, pobres e excluídos, mas ainda a entrega da própria vida por nós pecadores”.411

A totalidade da vida de Jesus, nesse sentido, é manifestação plena da

misericórdia divina, que assume a humanidade para salvá-la. A partir da vida de

Jesus, de seus feitos e de suas palavras, até sua morte e ressurreição, chega-se à idéia

de que ele é o Filho enviado ao mundo pelo Pai, no qual o próprio Pai se dá a

conhecer.412 O Evangelista João apresenta as obras de Jesus como “sinais” que

expressam a realidade de Deus e exprimem Seu amor (Jo 5,19-20). No entanto, para

reconhecer em Jesus a presença do próprio Deus (Jo 10,38), é preciso estar em

sintonia com Deus, isto é, estar disposto a amar como Ele ama.413 Dizer que Jesus é a

revelação plena de Deus não significa dizer simplesmente que as palavras e ações de

Jesus apontam para Deus. Muito mais do que alguém que fala sabiamente de Deus ou

que realiza fielmente a Sua vontade, Jesus é “a carne de Deus em nossa história”.414

Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado “como homem aos homens”, “fala” portanto

“as palavras de Deus (Jo 3,34) e consuma a obra de salvação que o Pai lhe mandou

realizar (Jo 5,36; 17,4).”415 Não fosse assim, não teria sentido a afirmação evangélica

“Quem me viu, viu o Pai!” (Jo 14,9).

409 SOBRINO, J., op. cit., p. 133. 410 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 74. 411 Ibid., p. 79. 412 LADÁRIA, L. F., O Deus Vivo e Verdadeiro - O mistério da Trindade, p. 57. 413 SOBRINO, J., op. cit., p. 281. 414 Ibid., p. 303. 415 Dei Verbum, n. 04.

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“Em palavras que todos podem entender, quando Jesus acolhe os pobres e pecadores, Deus os acolhe; quando Jesus fustiga os opressores, Deus os fustiga; quando Jesus se alegra comendo com publicanos e prostitutas, Deus se alegra; quando Jesus sofre na cruz, Deus sofre na cruz... Quando nos perguntamos intelectual e existencialmente quem é Deus, a resposta é ‘olhemos para Jesus’”.416

Nesse sentido, para a fé cristã, Jesus é a máxima expressão histórica da

realidade de Deus. E não há outro acesso ou ponto de partida para o conhecimento de

Deus que não a economia salvífica, isto é, a proposta de salvação divina revelada a

nós por Jesus. Imprescindível para isso é o que nos diz o Novo Testamento sobre

Jesus. Só podemos, então, conhecer a misteriosa realidade divina mediante a

revelação salvadora que Jesus faz de si mesmo. “O modo como a Trindade se

apresenta a nós na economia da salvação deve refletir como é em si mesma”.417 Em

Rahner encontramos uma preciosa contribuição à reflexão da unidade entre a

manifestação de Deus na história, isto é, sua comunicação, e a realidade divina em si

mesmo, imanente.418 Segundo ele, Deus se autocomunica, se revela, assim como é em

si mesmo. Dessa forma, não é uma representação divina, mas o próprio Deus

existindo em condição humana. É Deus que amorosamente sai de si e se aproxima do

ser humano, encarnando-se e assumindo a história humana.

“O âmbito da aproximação de Deus é a vida e a história dos seres humanos em tudo aquilo que estes têm de necessitados: de perdão e de cura, de pão e de esperança, de verdade e de justiça, como aparece na vida e na atividade de Jesus. Deus não se aproxima separado dessa vida e dessa história, mas nelas; nem outorga a salvação separando o ser humano dessa vida e dessa história, mas

416 SOBRINO, J., op. cit., p. 303. 417 LADÁRIA, L. F., op. cit., p. 39. 418 Para entendermos melhor a relação entre a Trindade em si e a Trindade que se revela na história, citamos uma explicação de Rahner: “Se pressupormos e retermos radicalmente que a Trindade na história da salvação e revelação é a Trindade ‘imanente’, visto que, na autocomunicação de Deus à sua criatura pela graça e encarnação, Deus realmente se doa a si mesmo e surge realmente como é em si mesmo, então, tendo em vista o aspecto histórico e econômico-salvífico presente na história da auto-revelação de Deus no Antigo e no Novo Testamento, podemos dizer: na história da salvação, quer coletiva quer individual, vêm ao nosso encontro imediato não quaisquer forças numinosas que representem a Deus, mas nos vem ao encontro e nos é dado na verdade o próprio Deus único, que em sua absoluta singularidade – que nada pode substituir ou representar – advém ele próprio onde nos achamos e onde o recebemos a ele próprio e como ele próprio em sentido estrito”. RAHNER, K., Curso Fundamental da Fé, p. 168.

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curando-o, humanizando-o, revigorando-o e comunicando-se a si mesmo nelas”.419

A fé cristã reconhece nesse gesto de Deus uma motivação especificamente

divina: Ele se aproxima porque é bom e porque deseja a salvação da humanidade. É

assim que Jesus apresenta a Deus, como alguém que perdoa os pecados, cura,

humaniza e plenifica. Nesse sentido, a aproximação de Deus é ativa (não meramente

“ficar aí”), permanente (não só esporádica) e irrevogável (não depende da resposta do

ser humano).420 Com sua atuação salvífica, Deus convida o ser humano à mesma

ação. Perdoando, convida a perdoar; amando, convida a amar; solidário, convida à

prática da caridade. Em Jesus encontra-se o sublime exemplo para todo homem e toda

mulher: sua obediência até a morte é mostra de sua perfeita acolhida do amor do

Pai.421 Com sua vida, Jesus responde ao amor paterno e ao mesmo tempo manifesta o

amor que o Pai tem por nós. Em várias de suas parábolas, Jesus fala desse amor

incondicional de Deus pelo ser humano, e em todas as suas atitudes ele o pratica. O

Reino de Deus, essência de todo anúncio de Jesus, se concretiza em seu agir.

3.1.2. O Reino de Deus

Como revelação plena de Deus, Jesus anuncia e realiza a salvação

mediante sua fidelidade à vontade do Pai. Essa fidelidade, a que todos os seus

discípulos e seguidores são chamados, supõe a acolhida de Sua proposta salvífica,

que torna possível o Reino de Deus. Fazer a vontade de Deus é professar a soberania

do perdão e da misericórdia, estruturando as relações humanas a partir do amor.

Entendemos, assim, que o centro de todo anúncio e prática de Jesus foi o Reino de

Deus, que ele acolheu e ensinou a acolher como dom, como gratuidade total da parte

de Deus. Ele não é fruto do esforço humano ou de suas realizações históricas, mas da

iniciativa amorosa de Deus. “O ser humano pode pedir sua vinda (Mt 6,10), buscá-lo

(Lc 12,32), estar preparado para sua chegada (Mt 24,44; 25,13), mas é o Pai quem o

419 SOBRINO, J., op. cit., p. 199. 420 Ibidem. 421 LADÁRIA, L.F., op. cit., p. 319.

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dá (Lc 12,32)”.422 O Reino de Deus é a configuração de um mundo novo, permeado

de relações novas, onde os famintos são saciados, os que choram são consolados, os

pecadores são perdoados, enfim, onde o sofrimento é afastado.

“Implica um mundo novo em que o mal e o sofrimento são vencidos; um mundo novo onde prevalecem a justiça, a fraternidade e a paz. A imagem do paraíso talvez seja a mais indicada para ilustrar o que seria a novidade do Reino de Deus. A harmonia com Deus propicia relações dialógicas entre os seres humanos, um relacionamento responsável entre estes e o meio ambiente, bem como uma relação de cada ser humano consigo próprio vivida na verdade e na sinceridade”.423

O Reino de Deus é iniciativa exclusiva da parte de Deus, é dom valioso

que não pode ser conquistado ou comprado, pois é oferecido gratuitamente a todos.

Da parte do ser humano, no entanto, espera-se abertura e alegre acolhida. Sempre que

Deus é acolhido e aceito como Deus surge o Seu reinado.424 Falar do Reino de Deus,

que se realiza em Jesus, é falar do próprio Deus, que se revela em Jesus. A Sagrada

Escritura apresenta a vinda do Reino como a manifestação da glória de Deus, o que

não implica um conjunto de leis a serem observadas, mas a soberania do amor e da

misericórdia.425 Quem mais necessita de amor e misericórdia, que se revela no

perdão, na solidariedade, na prática da justiça é, sobretudo, o carente e sofredor.

Embora seja um convite a todos, o Reino de Deus tem como destinatários

privilegiados aqueles que não têm “vida em abundância” (Jo 10,10), isto é, os pobres,

as crianças, os pecadores, os doentes. Esses, que certamente estavam longe da

salvação segundo a lei, poderão encontrar na gratuidade do Reino um caminho para a

salvação. A gratuidade do Reino se evidencia nos seus destinatários: eles não têm

como pagar, não são merecedores, mas são necessitados, sofredores. Então, felizes

são eles, pois o Reino lhes pertence! (Lc 6,20; 4,18; Mt 11,4-5).

Ao apontar o pobre como destinatário do Reino, o evangelista Lucas leva

em conta a situação objetiva de marginalização e de injustiça em que este se encontra.

Imbuído de compaixão e misericórdia, e sem levar em conta merecimento da parte

422 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 33. 423 GARCIA RUBIO, A., O Encontro com Jesus Cristo Vivo: um ensaio de cristologia para os nossos dias, pp. 37-38. 424 Ibid., p. 38. 425 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 33.

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dos destinatários, Deus ouve o clamor dos sofredores e, por meio de Jesus, os convida

a participar gratuitamente do Reino.

“O pobre é convidado a participar do Reino não porque seja melhor, mais hospitaleiro ou mais solidário do que o rico. O pobre pode ser tudo isso, mas Lucas não está falando no merecimento nem nas qualidades dos pobres. É a situação miserável e injusta em que a pessoa do pobre se encontra que faz com que o Deus do Reino intervenha em seu favor”.426

Condicionado ao critério de merecimento, o ser humano tem dificuldade

em aceitar que a proposta do Reino seja expressão total de gratuidade. Da mesma

forma como geralmente procuramos méritos nos pobres para justificar a afirmação

evangélica, também o fazemos em relação às crianças, a quem Jesus afirma pertencer

o Reino (Mc 10,13; Mt 11,25-26). Jesus também surpreende a todos com um

comportamento radicalmente novo em relação aos pecadores e necessitados (Mt

21,31; Mt 9,12-13): prostitutas, cobradores de impostos, doentes, paralíticos, etc. O

Reino de Deus se destina a eles, que eram desprezados e marginalizados. Excluídos

pela lei e pela sociedade “sem pecado”, restava-lhes serem acolhidos pela bondade

divina. Agindo divinamente, Jesus se aproxima deles, cura-os, vai à casa deles, come

com eles, perdoa-os.

“Este comportamento de Jesus, em conexão com a reconciliação e o perdão, gratuitamente oferecidos, constitui um sinal dos mais importantes da atuação do Reino de Deus no coração da história humana”.427

Movido por tão nobres sentimentos, Jesus ensina que os pobres, as

crianças, os pecadores, e todo tipo de sofredores vítimas da injustiça, são destinatários

da intervenção graciosa do Deus do Reino.428 Ao mesmo tempo, lança o desafio de

aceitar o Reino de Deus como um dom, um presente, uma realidade estupenda que

vai muito além de qualquer merecimento humano, como uma realidade assombrosa

que só o amor de Deus pode oferecer!429 Na atuação de Jesus, o Reino de Deus é mais

do que palavras. É realidade, é vida nova, é salvação.

426 GARCIA RUBIO, op. cit., p. 40. 427 Ibid., p. 45. 428 Ibid., p. 41. 429 Ibid., p. 42.

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“De fato, a salvação que Jesus faz acontecer diante das insuficiências humanas se revela pluriforme: cura doenças, reintegra leprosos na sociedade, prega a Boa Nova aos pobres, restitui ao ser humano o seu lugar diante da Lei, perdoa pecados, revela a misericórdia de Deus, possibilita experiências que despertam esperança e amor, numa palavra, traz vida a seus contemporâneos”.430

Em Jesus, o anúncio da chegada do Reino de Deus vem acompanhado de

sinais que demonstram já, agora, a atuação desse reinado. O Reino manifesta-se na

própria pessoa de Cristo, que veio “para servir e dar sua vida em resgate de muitos”

(Mc 10,45).431 A meta é a libertação e conseqüente salvação de cada ser humano,

especialmente os marginalizados, em quem a dor é maior. A libertação, no entanto,

implica a luta pela justiça. Se, por um lado, quem abraça a causa da justiça sofre

perseguição, por outro lado há uma certeza: deles é o Reino (Mt 5,10). A partir do

Sermão da Montanha, onde Jesus revela a gratuidade do Reino, podemos

fundamentar uma nova experiência de vida, que torna possível pagar o mal com o

bem, amar o próximo com um pouco mais de gratuidade.432 Aberto à escandalosa

gratuidade do amor de Deus, o ser humano é interpelado a amar como Jesus, irmão

primogênito que nos deixou o caminho que ele mesmo percorreu, o caminho do

Reino.433 Em cada ensinamento, em cada gesto seu, em cada milagre realizado, Jesus

espalhou sementes de esperança que, ao germinarem tornam presente o Reino de

Deus.

O Reino de Deus é uma proposta que nos ensina a olhar para além de

qualquer merecimento e reconhecer na vontade de Deus um caminho de vida nova,

capaz de fazer este mundo mais fraterno, mais justo e mais humano. A maravilhosa

novidade do Reino com sua radical gratuidade é a sublime manifestação de um Deus

que transborda de amor pela humanidade.

430 FRAÇA MIRANDA, op. cit., p. 19. 431 Lumen Gentium, nº 05. 432 GARCIA RUBIO, op. cit., p. 56. 433 SOBRINO J., op. cit., p. 215.

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3.1.3. Um Deus de Amor

A proposta salvífica de Deus é uma atitude amorosa. Iniciativa divina

incondicional. Jesus no-la revelou, como vimos anteriormente, através de sua própria

vida. Em suas palavras e ações realizou em tudo a vontade do Pai, mediante o amor-

serviço. Sua atuação, até a morte de cruz, foi sempre impulsionada por um amor

profundo e verdadeiro, como nos relatam as Sagradas Escrituras: “Assim como meu

Pai me amou, eu também amei vocês” (Jo 15,9). Como afirmávamos anteriormente,

Jesus é a revelação plena de Deus. É por meio dele que chegamos à afirmação

evangélica: Deus é amor!

“Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é amor. Nisto manifestou o amor de Deus por nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. Amados, se Deus assim nos amou, devemos, nós também, amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,7-11).434

A fé cristã reconhece em Deus a fonte de todo amor. Um amor que

transborda generosamente, sem qualquer motivação externa. Deus ama porque amar

faz parte de Sua essência, e não porque possamos ser merecedores de Seu amor. A

iniciativa amorosa de Deus se dá mediante o envio de Seu Filho com a missão de

salvar. Seu desejo de salvar é expressão de Seu amor. Seu amor, assim manifesto, “é

benevolência primigênia, e não é reação a algo de bom que sejamos ou façamos nós

seres humanos”.435 A gratuidade desse amor está sempre na origem da ação divina. É

iniciativa amorosa. É ação de amor. O que caracteriza nosso agir é expressão do que

caracteriza nosso ser. Claro está que um Deus que age movido por um amor tão

gratuito e verdadeiro, só pode ser um Deus de amor. O que impressiona é a

gratuidade escandalosa do gesto de Deus. Criação e salvação são iniciativas livres e

sem condicionamentos.

434 BÍBLIA DE JERUSALÉM, São Paulo, Paulus, 2002. 435 SOBRINO, J., op. cit. p. 301.

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“O querer divino não pode ser movido por motivo algum, já que é a liberdade absoluta, a absoluta autodeterminação. Assim não é levado por algo que provocasse essa sua liberdade, nem por algo que a necessitasse para nos criar e salvar. Nesse sentido, nada pode ser causa ou motivo, ocasião ou condição da criação ou da salvação: nem o ser humano, nem o pecado e nem mesmo Jesus Cristo. Nada tendo a ganhar com a criação e a salvação, sendo perfeitamente livre ao nos criar e salvar, identifica-se o ‘motivo’ da ação divina com o amor gratuito, livre, desinteressado, amor infinito”436.

A mais pura e verdadeira manifestação de amor encontra-se em Deus. Um

amor que se torna parâmetro para o amor humano (“assim como eu vos amei!” – Jo

15,12). Como vimos na proposta do Reino de Deus, o Deus cristão age movido

exclusivamente por amor. Um amor que não pode prescindir de mediações concretas

que o plasmem e expressam.437 Conteúdo fundamental da revelação divina, o mistério

do amor de Deus é algo que não podemos abarcar. Em Cristo, no entanto, se dá a

máxima manifestação do amor de Deus pelos homens.438 A partir de Cristo podemos

haurir a imagem de um Deus apaixonado pelo ser humano, que o ama sem impor

condições. Na prática de Jesus a “lei do amor” sempre foi absoluta.

“A vida concreta de Jesus, sua práxis e sua proclamação, demonstra que lei ou mandamento, sábado ou culto, prescrições ou tradições, são relativizadas diante do amor de Deus pelo ser humano, especialmente pelo mais pobre e necessitado. Esse, e não mais a Lei, é o livro sagrado onde se exprime a vontade de Deus”.439

Nas palavras e nas ações de Jesus é visível sua preocupação em manifestar

a todos o amor misericordioso do Pai, ao mesmo tempo em que interpela a amar da

mesma forma: “Sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no céu” (Mt

5,48); “se vocês obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor,

assim como eu obedeci aos mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor” (Jo

15,10). Seus seguidores e discípulos são chamados a cultivar o mesmo amor que

provém de Deus. A maior prova de amor, no entanto, está em dar a vida pelos amigos

(Jo 15,13). E essa prova de amor se concretiza no mistério pascal, momento

fundamental da revelação do mistério de Deus amor. Na morte de Jesus manifestou-

436 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 42. 437 Ibid., p. 132. 438 LADÁRIA, L.F., op. cit., p. 25. 439 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 34-35.

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se o amor que ele nos tem, mas também o amor do Pai por nós pecadores.440 Se no

agir de Jesus se revelava o agir de Deus, na cruz se realiza a doação total de Deus.

Nessa entrega se concretiza o supremo momento de amor. O amor mais profundo e

verdadeiro. Amor até as últimas conseqüências. Para o cristão, a cruz de Jesus está no

centro da revelação amorosa de Deus.441 Ela não representa uma derrota, e sim a mais

radical prova de amor. É a partir da atuação amorosa de Jesus que conhecemos o ser

amoroso de Deus.

“A partir da definição de Deus do Novo Testamento podemos dizer que Deus é amor, e para os seres humanos o amor tem também um como, sem o qual não é amor, ainda que fosse algo benéfico e libertador. Esse como que possibilita que Deus seja conhecido como amor é o modo de ser de Jesus e, reciprocamente, esse modo de Jesus é em si mesmo boa notícia”.442

Em seu modo de amar, Jesus nos mostra até onde pode chegar o amor

humano quando inspirado pelo amor de Deus. É importante uma diferenciação entre o

modo humano de amar e o modo divino. Geralmente o amor humano surge porque o

outro é digno de amor, ao passo que em Deus o amor é expressão de gratuidade total.

Em Jesus o amor chega ao seu cúmulo, à máxima realização, assim como chega ao

cúmulo a revelação da Trindade.443 A meta de toda pessoa deve ser o amor divino,

pois só assim é possível uma convivência verdadeiramente humana, onde há respeito,

perdão, solidariedade, justiça e fraternidade. “Ninguém jamais contemplou a Deus. Se

nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu Amor em nós é

realizado. Nisto reconhecemos que permanecemos Nele e Ele em nós: ele nos deu seu

Espírito” (1Jo 4,12-13). Se o amor humano é tão limitado em relação ao amor de

Deus, é porque não o acolhemos plenamente. Em Jesus de Nazaré, plenamente

humano, o amor de Deus encontrou acolhida e o Espírito Santo o fez capaz de amar

“como o Pai” (Jo 15,9). Uma verdadeira experiência de Deus supõe uma relação de

amor: “... e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (1Jo 4,7b).

440 LADÁRIA, L.F., op. cit., p. 83. 441 Ibid., p. 92. 442 SOBRINO, J.,op. cit., p. 319-320. 443 LADÁRIA, L.F. op. cit., p. 93.

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“Deus, como transcendente, inacessível, é mistério para o ser humano, e nunca pode ser experimentado na forma de um ‘objeto’. Sua ação salvífica em nós, que nos leva ‘para fora’ de nós mesmos em direção ao outro, que nos faz realizar o amor, é onde Deus pode, de algum modo, ser por nós ‘atingido’, ‘experimentado’. Como o amor acontece sempre entre pessoas, é nessa relação interpessoal que Deus se faz presente e, de certo modo, percebido pelo ser humano”.444

Nesse sentido, o amor autêntico a Deus não pode prescindir da experiência

do amor humano autêntico. O real significado do amor a Deus só pode ser captado

numa verdadeira relação amorosa com o outro. “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’,

mas odeia seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a

Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20). A prática do amor é o centro da

vida do cristão, pois testemunha concreta e visivelmente sua fé na Trindade. O perigo

fundamental da fé cristã se encontra exatamente na incoerência de se afirmar uma fé

na Trindade que não corresponda à prática do amor aos irmãos.

“O ágape cristão é simultânea e necessariamente amor a Deus e amor ao próximo. O ato de amor a Deus está fundamentado nessa experiência mais primordial do amor fraterno. Só nessa experiência sabemos se o amor a Deus é autêntico ou se não passa de palavras vazias”.445

Um Deus que age movido pelo amor só poderia ter como primeiro e

fundamental mandamento o amor, que se materializa na prática da caridade àqueles

que necessitam. Paulo vê no amor ao próximo o cumprimento pleno da lei, já que

todos os mandamentos se resumem no amor (Rm 13,10). João estabelece como o

grande mandamento de Jesus que nos amemos uns aos outros da mesma maneira

gratuita, generosa, livre e extrema, como ele nos amou (Jo 13,34). Tal maneira de agir

é salvífica porque expressa o jeito divino de agir, revelado por Jesus. O amor

concretizado em atitudes é o maior desafio da fé cristã para os nossos tempos.

444 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 132. 445 Ibid., p. 133.

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3.2. Acolhida Humana e Conversão

Diante da amorosa proposta salvífica de Deus, revelada por Jesus, o ser

humano precisa livremente dar uma resposta. Uma resposta positiva, de acolhida,

implica uma atuação em vista do Reino. Uma resposta negativa significa a rejeição da

salvação. Em Jesus o cristão encontra o exemplo mais autêntico de abertura e de

acolhida da salvação. Fazendo de sua existência uma vida para os outros, Jesus

testemunhou, com suas palavras e ações, o Deus de amor a quem se entregava todo e

a quem invocava como seu Pai.446 Essa atitude certamente contagiava aos discípulos,

que se sentiam aceitos e radicalmente amados por Deus e também experimentavam o

apelo a viver como Jesus, respondendo ao amor do Pai na entrega aos semelhantes.

Mais do que nunca, hoje o amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nos estimula

a uma resposta positiva a Deus.

Embora o ser humano seja livre para acolher ou rejeitar a oferta salvífica

de Deus, sua aceitação é graça de Deus. A graça torna o homem capaz de dar os

passos necessários para sua salvação.447 Nesse sentido, tudo o que ele realiza em vista

de sua salvação é dom de Deus. A aceitação da graça salvífica não é um simples ato

de escolha, mas se dá no nível da orientação profunda da vida para Deus. Essa

orientação se manifesta em opções concretas de acordo com a vontade de Deus.

Aceitar Sua proposta é fazer Sua vontade, o que supõe a conversão. Conversão, aqui,

entendida como mudança de vida, abandonando atitudes “velhas”, injustas,

desumanas, e assumindo atitudes “novas”, fomentadas pelo amor. Nesse sentido, a

conversão está a serviço da humanização. Em seu apelo à conversão (Lc 3,8-14), João

Batista aponta para a necessidade de se produzir frutos que provem essa conversão. A

profissão de fé deve estar enraizada numa prática correspondente.448 Dessa forma, a

autenticidade da fé supõe a conversão, isto é, assumir atitudes novas em relação a

Deus e aos semelhantes. A expressão concreta de uma verdadeira fé cristã é uma vida

em conformidade com a vontade de Deus.

446 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 56. 447 Ibid., p. 101. 448 GARCIA RUBIO, op. cit., p. 28.

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3.2.1. A fé cristã

A confissão de fé cristã aponta para Jesus e tem nele seu fundamento, a

“pedra angular” (At 4,12), onde os cristãos encontram um sentido definitivo e

universal para a sua compreensão de Deus e para a sua salvação.449 Por meio dele, os

cristãos conhecem os desígnios de Deus e, vivendo como discípulos seus, buscam

responder concretamente Seu apelo salvífico. O cultivo da fé cristã implica viver

segundo a vontade de Deus, isto é, assumir uma prática sintonizada com a prática de

Jesus, que foi obediente ao Pai até a morte (Fl 2,8). Dessa forma, a vitalidade da fé

cristã se manifesta em atitudes concretas, em frutos de justiça, sem os quais a fé está

completamente morta (Tg 2,17).

Assumir a fé em Jesus como único caminho para a salvação não foi

tranqüilo para o cristianismo primitivo. Para a cultura judaica a Lei era o caminho

“oficial” para a salvação. Reconhecendo que o homem não se justifica pelas obras da

Lei, mas pela fé em Jesus Cristo (Gl 2,16), Paulo apresenta a fé como “alternativa

salvífica” à Lei: significa acolher o gesto de Deus oferecendo-nos gratuitamente, em

Jesus Cristo, a salvação.450 Não mais mediante as obras da Lei, mas mediante as obras

da Fé é que o cristão responde positivamente à proposta salvífica de Deus. A fé

apresenta-se como atitude básica, ou abertura total, para acolher a salvação (Rm 3,21-

31) e vivê-la na prática.

“A fé não é uma simples formulação doutrinal, dogmática. Não se restringe nem se entende prioritariamente como adesão às verdades reveladas. Ela é a práxis do cristão no conjunto de toda a sua vida. Envolve espiritualidade, liturgia, prática pastoral, luta pela justiça, compromissos sociais, vida moral etc. É dela que se parte em vista de mais lucidez, quer reforçando práticas anteriores, quer abandonando outras, quer criando novas.”451

Embora essa práxis se vê fortemente questionada nos tempos atuais, é

fundamental reconhecer que a autêntica fé cristã está intrinsecamente unida a atitudes

449 SCHILLEBEECKX, E., Por uma Igreja mais humana: identidade cristã dos ministérios. Coleção Teologia Hoje, São Paulo, Paulinas, 1989, p. 41. 450 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 109. 451 LIBANIO, J.B., Eu Creio, Nós Cremos, p. 12.

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concretas. A fé é uma resposta do homem a Deus que se revela e a ele se doa.452 No

entanto, uma resposta que não se restringe às palavras, mas que ressoa no

compromisso com a prática do amor-serviço, a exemplo de Jesus. A fé, nesse sentido,

é o segundo momento da relação humana com Deus. O primeiro passo, como vimos,

a iniciativa, é sempre de Deus que age livremente e amorosamente. Pela fé o cristão

se mostra receptivo e acolhe livremente essa proposta, assumindo uma prática sempre

articulada com a caridade. A fé se põe a serviço da caridade, iluminando-a, salvando-

a de falsas interpretações. E a caridade, por sua vez, impede que a fé se perca na

abstração, na alienação.453 Não há uma verdadeira fé sem práxis, não há uma doutrina

correta (ortodoxia) que não implique uma práxis correta (ortopráxis).454

Diferentemente da obrigatoriedade das obras da Lei, a fé é um ato de dupla liberdade:

de Deus e do ser humano.455 Deus criou o homem em liberdade e respeita essa

prerrogativa no diálogo que estabelece com ele. Assim como é livre a proposta

salvífica de Deus, deve ser livre a resposta humana.

A fé cristã tem como certeza fundamental o amor de Deus. Se o medo

suscita temor, insegurança, a fé suscita confiança e permite entregar a própria vida

para que Deus a conduza por meio do seu Espírito, como conduziu a vida de Jesus.

Cultivando a fé, o cristão busca superar as inevitáveis tensões e fragilidades de sua

condição humana iluminando sua vida com a luz do Evangelho. Assumida de maneira

autêntica, a fé ajuda o cristão a continuar sua caminhada mesmo quando o caminho

lhe parece difícil.

“A fé cristã é profundamente positiva e otimista. Sem desconhecer o pecado, a tendência egocêntrica presente no ser humano, as conseqüências desastrosas do egoísmo, ela afirma primariamente a Boa Nova de um Deus que nos ama e nos aceita, que se alegra em nos perdoar, que se revela como amor e misericórdia, suplantando assim o pecado humano”.456

Vivendo de maneira autêntica sua fé, o cristão não foge aos desafios do

mundo em que está inserido, mas se torna protagonista de iniciativas em vista de uma

452 Catecismo da Igreja Católica, nº 26. 453 LIBANIO, J.B., op. cit., p. 288. 454 Ibid., p. 165. 455 Ibid, p. 214. 456 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 11.

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sociedade sempre mais justa e fraterna, onde se cultiva o respeito e o diálogo com o

diferente. Enfim, procura manter-se fiel ao precioso mandamento divino do amor,

ciente de que “uma atitude só é atitude cristã se for gestada e dinamizada pelo

amor”.457 Há uma relação intrínseca e profunda entre a fé professada e o amor vivido

na prática das relações cotidianas. Segundo a Sagrada Escritura, a fé é determinante

para a salvação humana na medida em que se materializa em atitudes de caridade

para com o necessitado.

“O evangelista São Mateus faz girar o juízo final, com o duplo sentido definitivo de salvação e condenação, em torno da caridade prestada ao faminto, sedento, estrangeiro, nu, doente, encarcerado (Mt 25). A parábola do samaritano encarna, de outra forma, o mesmo ensinamento. Não são o levita e o sacerdote que se tornam modelo da fé cristã, mas o cismático samaritano que pratica a caridade (Lc 10, 29-37)”.458

Quer dizer, o ser humano pode até reconhecer a Deus como “Senhor” mas

se não fizer a vontade desse mesmo Deus que, como vimos, consiste no amor, não

participará do Reino (Mt 7,21). Não porque o Reino lhe é negado, mas porque não

assumiu a radicalidade da fé em sua totalidade. Acolher a gratuidade da proposta

salvífica, assumindo atitudes de amor, é imperativo da fé cristã. A luta contra todo

tipo de injustiça é, também, uma exigência da fé cristã. “É um passo primeiro para

que o projeto de Deus possa armar sua tenda entre os homens”.459 Dessa forma, a

eficácia salvífica, como nos lembra Paulo (Gl 5,6), vem pela fé em Jesus que se

transforma em caridade. No impulso da fé, o desafio do cristão está em assumir a

prática do amor como único caminho de salvação.

3.2.2. Prática do amor: caminho de salvação

Talvez já nos tenha ficado claro que o caminho da salvação implica

necessariamente uma atitude de amor em relação ao semelhante, como expressão

concreta da fé cristã no Deus de amor. Vimos que a iniciativa salvífica da parte de

Deus é uma atitude impulsionada pelo amor e que a fé, como acolhida da salvação, é 457 Ibid., p. 131. 458 LIBANIO, J.B., op. cit., p. 282. 459 Ibid., p. 203.

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uma resposta livre e amorosa. Fé em Deus e amor a Deus são correlatos. Não há, no

entanto, amor a Deus sem a mediação do próximo, do necessitado, daquele no qual o

próprio Deus se faz necessitado (Mt 25,40). Nesse sentido, a caridade é constituída de

atos que nos arrancam de nosso egoísmo e nos tornam solidários. Essa “conversão” é

fruto da fé, dom de Deus. Fé e caridade são realidades inseparáveis, que se

complementam mutuamente.

“A fé salva a caridade ao apresentar-lhe o modelo normativo do amor na maneira como Deus ama a humanidade e no modo como Jesus historicamente vivenciou o amor. E a caridade salva a fé no sentido de que não a deixa perder-se na ortodoxia, no dogmatismo”.460

A acolhida da proposta salvífica de Deus suscita conversão, mudança de

atitudes. Nesse sentido, de acordo com o apelo de João Batista (Lc 3,8), a conversão

se comprova com frutos, isto é, com atitudes práticas. A caridade, então, é a

“verificação” da fé, a prova concreta da conversão. Verificamos, na passagem bíblica

de Mt 21,28-32, que fazer a vontade do Pai implica a conversão. Em vez de palavras,

o que agrada a Deus é a disposição para trabalhar em Sua vinha. Aí compreendemos,

também, o que significa amar a Deus: fazer sua vontade. Respondemos, então, ao Seu

imenso amor, amando ao próximo. E o próximo, segundo as Escrituras, é o

necessitado que está “à beira do caminho” (Lc 10,29-37). O amor fraterno é, assim,

critério de autenticidade do nosso amor a Deus. Confirma-se, assim, que, para a fé

cristã, segundo o ensinamento de Jesus, o amor a Deus (“com todo o seu coração,

com toda sua alma, com toda a sua força e com toda a sua mente”) e ao próximo

como a si mesmo (Lc 10,27) é garantia de vida eterna: “faça isso e viverá!”.

“Do ponto de vista salvífico, que é o mais central para a fé cristã, o amor fraterno (que inclui necessariamente o amor a Deus) se reveste de tal importância que todos os demais atos bons, todas as demais expressões cristãs lhe são subordinadas e dele recebem sentido e pertinência. Como expressa magistralmente Santo Agostinho: o fim de tudo é a caridade, e Deus é caridade.

Este é o fim, o objetivo. O resto é caminho. Não te prendas ao caminho com o

risco de não chegares ao fim. Busca onde passar, não onde ficar”.461

460 LIBANIO, J.B., op. cit., p. 289. 461 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 133.

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Não se destitui de importância a prática da oração, os exercícios de

piedade e tantas outras “manifestações de fé”, mas tudo é relativo diante da absoluta

primazia do amor para a fé e conseqüente salvação cristã. Àqueles que não põem em

prática suas palavras Jesus dirá: “nunca vos conheci!” (Mt 7,23). Nesse sentido, até

mesmo o reconhecimento de Jesus como “Senhor” é menos importante do que a

prática do amor. Um ato de fé, por mais admirável que seja, é vazio e sem sentido se

não for acompanhado da caridade.

“O Deus de Jesus Cristo se encontra menos nos recintos sagrados do que no compromisso desinteressado do homem com seu semelhante. Essa importante conclusão vem claramente confirmada no Novo Testamento. O mandamento do amor a Deus aparece sempre unido ao mandamento do amor ao próximo (Mt 22,39s; Mc 12,31). Mais ainda, o nosso comportamento diante do nosso semelhante necessitado será critério decisivo para nossa salvação, pois Deus com ele, de certo modo, se identifica, como nos mostra a cena do juízo final (Mt 25,34-46)”.462

O compromisso desinteressado com aquele que necessita, a exemplo do

bom samaritano, é expressão visível de uma prática verdadeiramente cristã, agradável

a Deus. Segundo Rahner, o amor ao próximo não é apenas mandamento a ser

cumprido, mas é a realização pura e simples do cristianismo.463 “Foi a mim que o

fizeste” dirá Jesus àqueles que, desinteressadamente, praticaram a caridade. A

verdadeira meta cristã é anunciar a proposta amorosa de Deus como caminho

salvífico ao qual todos são chamados. A caridade é constitutiva de toda ação cristã.

“O objetivo último de toda e qualquer ação pastoral da Igreja só pode ser o de levar homens e mulheres a viverem, sempre com maior verdade e autenticidade, o amor fraterno. Uma ação evangelizadora que não seja movida por essa finalidade nem merece o nome de cristã, por mais que possa impressionar pela sua organização perfeita, formação teológica, beleza litúrgica ou prática sacramental”.464

Como sacramento de salvação, a Igreja não foi constituída para buscar

glórias terrenas, mas para dar a conhecer, também em seu exemplo, a humildade e a

abnegação. A exemplo de Cristo, enviado pelo Pai ao mundo “para evangelizar os

462 Ibid., p. 133. 463 RAHNER, K., op. cit., p. 364. 464 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 134.

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pobres... proclamar a remissão dos presos” (Lc 4,18), “a procurar e salvar o que

estava perdido” (Lc 19,10), também a Igreja deve estar condicionada a orientar sua

missão em vista desses sujeitos sociais que mais sofrem.465 A Igreja deve elucidar

qual é o caminho que o ser humano deve seguir para chegar à salvação. Neste sentido,

o Novo Testamento nos oferece uma síntese: “a salvação depende fundamentalmente

do amor”.466 E a Igreja, imbuída de caridade, humildade e abnegação, tem a missão

de apresentar a todos o caminho da salvação que conduz ao Reino, sendo ela mesma

germe e início desse reino.467 Esse compromisso com o Reino é conseqüência de um

autêntico amadurecimento da fé, na adesão incondicional à vontade divina.

3.2.3. Compromisso com o Reino

Acolhendo a proposta salvífica de Deus, mediante a fé, o ser humano se

abre à prática da caridade, edificando um mundo mais justo e fraterno. Assim, ele se

compromete com o Reino de Deus, anunciado e realizado por Jesus. Aderir à

proposta do Reino significa fazer sua aquela atitude fundamental que caracterizou a

vida de Jesus, como vimos anteriormente: uma vida de abertura à vontade do Pai na

prática do amor-serviço aos irmãos. A gratuidade do Reino está relacionada ao amor

divino e à situação de sofrimento daqueles que são seus destinatários privilegiados: os

pobres, pecadores, crianças, doentes.

Assumir a proposta do Reino implica um olhar solidário na direção dos

empobrecidos, acompanhado de atitudes de caridade, bem como um compromisso

pela transformação das estruturas que estão na origem da desfiguração do rosto do

pobre.468 Diante das flagrantes injustiças que fazem sofrer o pobre, o amor a Deus

desafia ao compromisso na luta contra toda injustiça que ameaça a vida dos mais

fracos. Assim foi a vida de Jesus, assim deve ser a vida de todo aquele que deseja

seguir seus passos e fazer parte do Reino por ele anunciado. O compromisso com o

465 LUMEN GENTIUN, nº 08. 466 GARCIA RUBIO, A., Teologia da Libertação, p. 120. 467 Lumen Gentium, nº 05. 468 GARCIA RUBIO, A., Unidade na Pluralidade, p. 457.

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Reino faz parte da identidade cristã, e seu esquecimento é motivo de profundas

preocupações.

“Desaparecendo da preocupação do cristão o Reino de Deus, desvirtua-se a proposta de Jesus e, conseqüentemente, se distorce a realidade de Deus. Enfim, desaparece a identidade cristã. Isso acontece quando é ignorada a centralidade dos pobres na proposta do Reino”.469

A possibilidade de esquecer os pobres é um grave risco à própria essência

do cristianismo e à concretização do Reino de Deus. Por um lado, o ser humano é a

mediação necessária para que o Reino de Deus se concretize na história, na medida

em que acolhe a proposta salvífica de Deus, sintonizando sua vida à vida de Jesus.

Por outro lado, esse mesmo ser humano pode se tornar obstáculo ao Reino, na medida

em que rejeita a salvação e assume atitudes injustas. O Reino de Deus é “já” e “ainda

não”. Ele já se concretiza em Jesus e nas atitudes e iniciativas humanizantes por parte

de cada pessoa. Mas ainda não se realiza plenamente, visto que ainda está presente o

anti-reino: injustiça, maldade, exploração, opressão, etc. O Reino é ação conjunta de

Deus, enquanto promessa, e do ser humano, enquanto realização histórica concreta.

“O Reino de Deus é captado em um conceito de esperança, mas é também um conceito práxico, de modo que não pode ser apreendido só como o esperado, mas tem que ser também captado como o que se deve construir, algo a cujo serviço se deve estar”.470

O compromisso com o Reino supõe uma espera ativa e “vigilante”,

lutando contra todo anti-reino, isto é, tudo o que não está de acordo com a vontade de

Deus porque desumaniza e faz sofrer. Nessa vigilância o cristão, e todo ser humano, é

chamado a permanecer firme na fé, cultivando a esperança e fazendo tudo com amor

(1Cor 16,13-14). “A esperança surge do amor, e onde há esperança se põe o amor a

produzir”.471 Podemos dizer que o Reino de Deus se edifica sobre as bases da fé, da

esperança e do amor, sinais da ação do Espírito Santo em nós. O amor é o que

permanece, quando tudo passa (1Cor 13,13). O compromisso com o Reino, dessa

forma, possibilita a experiência salvífica.

469 SOBRINO, J., op. cit., p. 494. 470 Ibid., p. 75. 471 Ibidem.

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“A experiência da ação salvífica de Deus em nós é uma experiência da ação do Espírito que nos leva a sair de nós mesmos, a superar nossos limites, a comprometer-nos e entregar-nos aos outros. Essa foi a ação do Espírito em Jesus Cristo. Assumir sua vida é obedecer a essa ação como Ele obedeceu, é experimentar na doação de si a ação do Espírito que nos capacita a tal doação. O fruto do Espírito é o amor.”472

Como manifestação de total gratuidade por parte de Deus, o Reino precisa

ser acolhido como dom. O próprio Espírito é quem capacita para isso, assim como

capacitou e conduziu Jesus (Lc 4,1) e seus discípulos (At 4,8.31; 2,4; Ef 3,16). Na

vida de Jesus o cristão encontra o sentido último e a realização plena de sua vida, já

que “ele é a plenitude do humano e a presença do divino entre nós”.473 Suas palavras

e ações são normativas e inspiradoras para a vida cristã e para um autêntico

compromisso com o Reino.

3.3. Desafios à Vivência Cristã na Pós-modernidade

Vários fatores dificultam uma autêntica vivência cristã na pós-

modernidade. Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, a configuração social

pós-moderna assumiu valores muitas vezes opostos ao espírito cristão. Mas nem por

isso a mensagem cristã não encontra eco em nosso tempo. Pelo contrário, mais do que

nunca, a proposta salvífica revelada ao mundo há dois mil anos continua com seu

inigualável valor e importância para o ser humano. Os anseios e as buscas mais

profundas de cada homem e de cada mulher de nosso tempo, envolvidos por suas

inquietações e fragilidades, podem encontrar na Boa Nova cristã um ‘porto seguro’,

um sentido para a vida, a plenitude humana.

O que torna maior o desafio cristão é exatamente as grandes resistências

que, naturalmente, encontra em um mundo onde valores laicos, mas não

necessariamente negativos, ganharam uma considerável importância. Se nos tempos

hodiernos o desafio é grande, não o é, certamente, comparável ao desafio inicial, dos

primeiros cristãos, quando surgiu, à margem da religião judaica, a novidade cristã. Na

472 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 183. 473 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 271.

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coragem, perseverança e testemunho dos primeiros seguidores de Jesus a humanidade

pode encontrar verdadeiros exemplos. O desafio é buscar inspiração nas “fontes” sem

esquecer da realidade na qual estamos inseridos. Para isso, naturalmente, se faz

necessária uma fé amadurecida que seja capaz de integrar os aspectos positivos da

cultura pós-moderna e os preciosos valores da mensagem cristã. A partir disso,

afirma-se a proposta cristã como uma preciosa contribuição ética à sociedade atual,

tendo como meta central a humanização integral do ser humano e a garantia de sua

sobrevivência.

3.3.1. A subjetividade pós-moderna e a fé cristã

Temos visto, anteriormente, que a pós-modernidade é profundamente

marcada por uma acentuada valorização do indivíduo e de suas buscas subjetivas.

Diante de uma sociedade marcantemente individualista, Lipovetsky aponta para a

necessidade de fomentar um individualismo mais responsável, em vista de um

compromisso maior com a superação das injustiças e com a garantia de sobrevivência

das futuras gerações. Mediante a indiferença e o narcisismo, frutos de um eficaz

processo de personalização, o indivíduo pós-moderno se fechou em si mesmo, não

deixando de ser solidário, mas promovendo uma “pseudo-solidariedade” não

comprometida. Na ótica cristã do amor-serviço, comprometido e transformador, é

flagrante a necessidade de uma urgente articulação entre as dimensões humano-

sociais, principalmente no que tange à centralidade dos pobres no anúncio do Reino.

Por conta do neoliberalismo e de muitos fatores culturais da pós-modernidade,

cresceu o risco do esquecimento do pobre e do acirramento de uma subjetividade

egocêntrica desligada de todo compromisso social.

“Propugna-se aqui um caminhar para um momento novo, em que a subjetividade é afirmada em seu valor insuperável de autonomia, mas em construção com a história, com a sociedade, com o cosmos em articulação com o compromisso com os pobres. Não se trata de negá-la pelo social, mas de perceber que o social, que o olhar de compromisso com os pobres lhe são um momento intrínseco e permanente”.474

474 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 23.

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É compreensível que a subjetividade pós-moderna esteja dominada por

uma avidez de satisfação em todos os campos, inclusive no religioso. Como vimos, o

modelo consumista se estende a toda a realidade humano-social. E aí, o pobre não é

foco, mas problema. Quando a religião entra no jogo do mercado, certos valores e

princípios cristãos vão sendo esquecidos ou sofrem uma radical transformação. A

caridade, por exemplo, não desaparece da prática cristã, mas assume uma

configuração pós-moderna descomprometida. Há mais assistencialismo e menos

comprometimento com a luta pela justiça social. Se a opção preferencial pelos pobres

está implícita na fé cristológica, os cristãos são chamados a contemplar nos rostos

sofredores o rosto de Cristo475, pois eles também são criados à imagem e semelhança

de Deus.476 Esse caráter subjetivista da pós-modernidade não é apenas uma clara

barreira à vivência autêntica da fé cristã, mas é também um empecilho à verdadeira

maturidade humana.

“A tendência da pós-modernidade é exacerbar a subjetividade até as raias do puro subjetivismo, relativismo. Dessa maneira, tanto o compromisso com a história e com a realidade social, quanto a autêntica vivência da fé cristã tornam-se impossíveis. Esse encurtamento da subjetividade humana é prejudicial ao ser humano”.477

Essa característica da pós-modernidade se reflete no comportamento do

indivíduo pós-moderno, que assume uma atitude de ceticismo, de dúvida e, até

mesmo, de niilismo perante a modernidade.478 Religiosamente, não se confirmou o

arrefecimento da dimensão religiosa por parte da modernidade extremamente racional

e técnica. O que se percebe são manifestações religiosas, sempre mais incontidas,

com uma característica própria, onde se busca saciar os desejos espirituais “vivendo

momentos de gratuidade lúdica e festiva em ambiente religioso, como verdadeira

terapia e desafogo de tanta repressão imposta pela sociedade moderna”.479

Conseqüência natural desse tipo de manifestação religiosa é uma fé desvirtuada,

475 DOCUMENTO DE APARECIDA, n. 393. 476 DOCUMENTO DE PUEBLA, n. 1142. 477 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 89. 478 Ibid., p. 53. 479 HERVIEU-LÉGER, D., Vers un nouveau christianisme? Introduction à la sociologie du christianisme occidental, In: LIBANIO, J. B., op. cit., p. 53.

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fragilizada e incapaz de ajudar o sujeito humano a assumir autenticamente o projeto

do Reino apresentado por Jesus.

3.3.2. A fragilidade da fé

Como expressão da cultura humana, a fé também assume um caráter mais

subjetivo na pós-modernidade e sente o peso desafiador de um mundo cada vez mais

secularizado.

“Desafia-nos aprofundar essa subjetividade moderna e pós-moderna e seu impacto sobre a nossa fé. Emergem novas tendências na maneira de viver a fé nos dias de hoje. Acentuam-se a decisão, a ecumenicidade, a vivência do cotidiano, a dimensão simbólica, estética e comunicativa, o lado emocional-carismático. Muitos fatores históricos e culturais têm influenciado a mudança de orientação e prática da fé”.480

O acentuado valor da subjetividade incidiu de forma significativa no

âmbito da fé, suscitando manifestações religiosas cada vez mais estranhas à

religiosidade tradicional. Assim, surgem conflitos entre as mais distintas

manifestações da fé. Claro está que, se por um lado a fé cristã não pode prescindir da

subjetividade, por outro lado também não pode esquecer da dimensão social e do

compromisso com os pobres. Revela-se estéril uma fé que não se compromete com a

libertação humana diante de situações e estruturas injustas.481 E a fé cristã desvirtuada

corre sério risco de desvirtuar a proposta do Reino, compactuando com uma realidade

social desumana. A experiência social latino-americana de injustiças e pobreza

extrema é um sinal acusador de que, historicamente, a fé não teve a força necessária

para penetrar os critérios e as decisões dos setores responsáveis da liderança

ideológica e da organização de nossos povos.482 É questionador reconhecer que se

impuseram estruturas geradoras de injustiças em povos de arraigada fé cristã.

É necessário reconhecer a fé como expressão do universo cultural onde

estamos inseridos, pois o ser humano que responde a Deus vive dentro de um

480 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 22. 481 Ibid., p. 50. 482 DOCUMENTO DE PUEBLA, n. 437.

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determinado contexto social.483 E as transformações a que ele está sujeito

socialmente, também o influenciam em matéria de fé, pois não há como separar as

dimensões humanas.

“Seus sentimentos, experiências, desejos, problemas, perguntas, movimentos afetivos e emocionais ocupam lugar fundamental na vivência da fé. E, mesmo quando praticam obras de caridade, as pessoas procuram aquelas em que o lado afetivo e emocional próprio e do destinatário desempenha papel decisivo”.484

A virada antropocêntrica que atingiu o homem moderno, também atingiu

sua fé, deslocando o pólo dinamizador desta mais para a experiência pessoal do que

para o simples acolhimento da tradição e da doutrina já formulada. O sujeito que crê

anseia por experiências novas, marcantemente emocionais e subjetivistas. Assim,

assistimos a uma “inflação do sagrado”, numa linha terapêutica, de curas e

libertações.485 Na medida em que o sagrado é usado a serviço próprio, o espírito

comunitário fica ameaçado e fica visível a carência de marcos sólidos para estruturar

a existência humana. Há, nos tempos pós-modernos, uma busca precipitada por

referências vitais, sobretudo de cunho religioso. É uma tentativa de superar aquele

vazio de que nos falava Lipovetsky. Muitas vezes, no entanto, ao deixar-se levar

pelos apelos da sociedade neoliberal, a fé carece de clareza e revela-se ingênua.

“A sociedade neoliberal oferece ao ser humano, como alívio e analgésico para suas frustrações, entretenimentos múltiplos e consumismo desenfreado, que contrastam com as carências e os sofrimentos dos pobres e marginalizados nesta sociedade de enormes desigualdades sociais. Contudo, a sede profunda do ser humano por felicidade, paz, segurança, sentido, amor, permanece sem resposta, traduzindo-se no crescimento da indústria da droga e da violência, na crise da família e da ética profissional e política”.486

A fé não pode abrir mão da lucidez, sob o risco de se tornar uma atitude

infantil. Quando os elementos ideológicos são capazes de perturbar a pureza da fé é

sinal de que falta a essa uma verdadeira fundamentação. As constantes preocupações

com questões supérfluas revelam uma fé epidérmica, sem raízes profundas, sem uma

483 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 41. 484 Ibid., pp. 64-65. 485 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 14. 486 Ibid., p. 14.

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verdadeira fundamentação teológica. Dentre os reais perigos a que a fé está

submetida, há duas ameaças preocupantes: capitularmos totalmente diante das

imposições da sociedade sem nenhum discernimento crítico ou querermos viver –

alienados da sociedade – expressões de fé de outras eras.487 Claro está que nenhum

dos extremos é producente no que diz respeito à maturidade da fé. Esta, às vezes,

precisa ser contra-cultural, sem deixar de ser contemporânea.

3.3.3. A dimensão ética da proposta salvífica cristã

A ética já foi expressão da fé, na era do dever categórico, quando agir

eticamente era sinônimo de agir de acordo com as orientações religiosas. Como

vimos no início deste trabalho, esse tempo tinha sérias lacunas e seria impensável um

retorno, submetendo a ética à dimensão religiosa. No entanto, neste tempo que carece

de referenciais éticos, acreditamos que a proposta cristã do Reino aparece como um

caminho eficaz na busca por um mundo mais justo e mais humano. Não seria absurdo

afirmamos também que o nível ético-histórico pode ser vivido num contexto

religioso, visto que, para muitas pessoas, a religião é o espaço em que a ética adquire

sentido absoluto.488 Como vimos no segundo capítulo deste trabalho, a partir de Hans

Küng, somente o incondicional pode fundamentar incondicionalmente valores éticos.

E nas religiões proféticas, o único incondicional é Deus.489 Para os cristãos, como

vimos acima, é a vontade de Deus que ganha contornos de “incondicional”,

fundamentando todo seu viver.

Certamente as religiões possuem uma grande força no que diz respeito à

orientação ético-moral. Em sua essência, elas possuem princípios e valores

autenticamente humanos, que orientam para a humanização e realização plena da

pessoa humana. Na mensagem cristã, a vida em plenitude assume um posto de

destaque: “eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância!” (Jo 10,10).

Como fundamento do cristianismo encontramos a preocupação divina com aqueles

487 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 125. 488 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 269. 489 Supra item 2.3.1.

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que têm a vida ameaçada, os pobres e oprimidos.490 A dignidade humana,

preocupação ética fundamental, é também a preocupação cristã fundamental. No

entanto, historicamente a preocupação com os pobres e necessitados nem sempre

esteve no centro das preocupações cristãs. Eis o desafio de “voltar às fontes” e

fortalecer esse compromisso essencialmente cristão.

Mais do que nunca, em nosso tempo o ser humano permanece com

dúvidas, questionamentos, insuficiências e anseios. Buscas às quais nem sempre ele

encontra respostas satisfatórias. Porque não se basta a si mesmo, o homem busca algo

que vai além de si próprio. É nisso que as religiões encontram sua razão de ser.491 O

Cristianismo, com base na gratuita proposta salvífica de Deus, revelada em Jesus,

oferece ao ser humano a possibilidade de encontrar sentido para sua vida na

fidelidade à vontade de Deus, a exemplo de Jesus. Na mensagem evangélica os

cristãos são convidados e desafiados a assumir atitudes novas, semelhantes às do

próprio Deus, que, em Jesus, se aproxima da humanidade, movido por Seu imenso

amor.

“O fato de Deus se aproximar e participar na condição e no destino das vítimas e isso ocorrer para salvá-las é visto como algo de bom, e algo que inclusive confirma suas lutas, algo que infunde ânimo e esperança, que não é paralisante nem alienante”.492

Em Jesus, os Evangelhos nos revelam o jeito de Deus agir como protótipo

para todo agir humano. Agindo como Ele, o ser humano colabora com a salvação que

Deus realiza. Embora seja expressão de total iniciativa e bondade divina, a salvação

cristã não se realiza no ser humano fechado em si mesmo, pois “só acontece quando o

ser humano se volta para seu semelhante, especialmente o mais necessitado”.493 Em

nosso tempo, diante das perceptíveis ameaças à sobrevivência humana, a prioridade

salvífica estendeu-se também à natureza, diante da qual também faz-se necessário

uma atitude de conversão. A grave crise ecológica desenha um novo rosto necessitado 490 Levando em consideração a ambivalência do termo “pobre”, mas sempre reconhecendo aí uma referência ao sofredor e necessitado, citamos algumas das inúmeras referências bíblicas que situam esta como uma das maiores preocupações cristãs: Mt 19,21; Lc 4,18; 6,20; 7,22; 14,13; Rm 15,26; 2Cor 9,9. 491 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 10. 492 SOBRINO, J.,op. cit., p. 140. 493 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 11.

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e nos desafia a reconhecer que a salvação cristã está intimamente relacionada com a

defesa do meio ambiente.

“A destruição acelerada da natureza nos faz temer pelas condições de vida das gerações futuras, tal o grau de deteriorização que pode alcançar seu habitat vital. Resulta assim evidente que a salvação cristã tem também uma dimensão ecológica, como conseqüência do imperativo evangélico do amor ao próximo”.494

Claro está, a partir do que vimos sobre a iniciativa salvífica de Deus, que a

salvação é ação divina em benefício do ser humano. Movido por compaixão, como

nos sinais realizados por Jesus, Deus age em favor do ser humano necessitado.

Acolhendo gratuitamente a proposta amorosa de Deus, e cultivando atitudes de

caridade, o ser humano torna-se colaborador de Deus. Esse empenho pessoal se dá

mediante a força do Espírito, como acontecia com os discípulos (At 2,4). A vivência

autêntica da fé cristã tem necessariamente uma dimensão social e política, que lhe é

intrínseca, que deve ser expressa e da qual depende hoje sua credibilidade.495 Isto

posto, é critério de autenticidade para a fé cristã a luta contra todo tipo de injustiças e

o compromisso com um mundo de paz. Dessa atuação no mundo depende a

credibilidade da fé cristã. Em um mundo de injustiças, guerras e violência, onde se

faz ouvir o clamor pela paz, a mensagem cristã se apresenta como um caminho de

esperança, um autêntico caminho na busca pela paz.

“A paz buscada é a paz positiva, orientada por valores humanos como a solidariedade, a fraternidade, o respeito ao ‘outro’ e a mediação pacífica dos conflitos, e não a paz negativa, orientada pelo uso da força das armas, a intolerância com os ‘diferentes’, e tendo como foco os bens materiais.”496

A busca pela paz, abrindo mão de todo tipo de violência, implica o

compromisso com a justiça. “A paz é fruto da justiça”.497 Se a proposta cristã oferece

bases fundamentais para a promoção de uma cultura da paz nas pessoas, na família,

na sociedade, é porque também nos oferece orientações fundamentais para a prática

da justiça (Mt 6,33). No entanto, a busca pela paz tem seu preço. A fé, vivida na

494 Ibid, p. 26. 495 Ibid, p. 27. 496 CNBB – Campanha da Fraternidade 2009 – Texto-Base, p. 15. 497 Lema da Campanha da Fraternidade 2009, da CNBB.

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fragilidade da condição humana, não torna o cristão imune aos conflitos, às tensões,

às tentações e a possíveis desvios e retrocessos.498 Ao assumir a radicalidade da fé,

ele precisa ter consciência de que é uma opção de vida que lhe trará realizações, mas

também acarreta riscos e grandes tribulações. Em Jesus está o exemplo maior: sua

morte é uma conseqüência histórica do tipo de vida assumido por ele – messianismo

de serviço – em conformidade com a vontade do Pai.499 Claro está, no entanto, que

essa opção de Jesus é expressão de sua liberdade, que o Pai respeita e valoriza.

A liberdade é um direito absoluto para o homem pós-moderno. A proposta

cristã não vai contra essa liberdade, mas pode impregnar-lhe um caráter enriquecedor:

o amor. Para o cristianismo, “o homem livre é aquele que ama e afinal de contas só

ama, sem que nenhuma outra perspectiva o desvie do amor”.500 Como vimos, é livre

o amor de Deus pelos homens, pois nada lhe impõe limites ou obstáculos. O desafio

do cristão é “amar como Deus ama”, isto é, não permitir que algo o impeça de poder

amar: nem as tribulações, nem as angústias, nem a fome, os perigos ou a espada (Rm

8,35). Um amor assim, plenamente sintonizado com a proposta do Evangelho, é fruto

de uma abertura total à vontade de Deus, e de um compromisso radical com o

próximo, com a sociedade, com o mundo em que se vive. Na vida de Jesus encontra-

se o fundamento para uma vida cristã de amor-serviço, e em sua ressurreição o cristão

encontra fundamento maior para sua esperança.

“O egocentrismo nunca é princípio hermenêutico cristão, e menos o é o egoísmo. Com certeza é o amor. Quem ama as vítimas, quem sente última compaixão para com elas, quem está disposto a entregar-se a elas e a correr o seu mesmo destino, este pode ver também na ressurreição de Jesus uma esperança para si”.501

A pós-modernidade é marcada por um expressivo individualismo, onde o

“eu” tem status de absoluto e são legítimas suas buscas subjetivas. A mensagem cristã

reconhece e valoriza a subjetividade, mas rechaça todo tipo de fechamento,

ensimesmamento e manifestações egoístas. Fomentar um “individualismo

responsável” tem sua validade inquestionável, conforme nos propõe Lipovetsky, mas

498 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 223. 499 GARCIA RUBIO, O Encontro com Jesus Cristo Vivo, p. 93. 500 SOBRINO, J.,op. cit., p. 123. 501 Ibid.,, p. 74.

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uma autêntica compreensão da fé cristã supera essa proposta e aponta para uma

perspectiva de humanização integral da pessoa, isto é, à realização da plenitude

humana. Em sua obra Evangelização e Maturidade Afetiva, o teólogo Alfonso García

Rubio tece uma interessante reflexão acerca desse tema, distinguindo duas

manifestações humanas possíveis: a “subjetividade fechada” e a “subjetividade

aberta”.502 Vejamos resumidamente a distinção proposta:

“Fechado em si mesmo, o ser humano coisifica e instrumentaliza todo tipo de relação. Se for uma pessoa religiosa, aceitará Deus só na medida em que este responde à sua expectativa. Utiliza o divino apenas para o interesse próprio, tal como utiliza as relações com os seres humanos. O outro só é ‘aceito’ quando pode responder às suas necessidades; e seu relacionamento com a natureza também é meramente utilitário. Quer dizer, o outro (Deus, homem, mulher, natureza, etc.) não é aceito como outro”.503

Essa reflexão parece sintonizada com a caracterização do homem pós-

moderno, como vimos no primeiro capitulo deste trabalho. A preocupante realidade

humano-social que ameaça a existência humana é conseqüência natural dessa

subjetividade fechada, que instaura e desenvolve relações desumanizantes. Uma

autêntica humanização, e conseqüente salvação, bem como a garantia de

sobrevivência às gerações futuras, dependerá de uma mudança substancial por parte

do ser humano. E a proposta cristã tem uma inestimável contribuição a dar. No

tocante ao sujeito humano, a Boa Nova do Evangelho propõe uma “subjetividade

aberta”, capaz de fomentar a vivência autêntica da alteridade.

“Na subjetividade aberta, o ser humano vivencia a alteridade, isto é, o reconhecimento, a aceitação e a valorização do outro como outro, na sua diferença. Na relação com Deus, a pessoa é capaz de abrir-se à Sua novidade, de aceitar a Sua transcendência e de acolher a Sua interpelação. Deus não é manipulado nem instrumentalizado. Na relação com Ele, o ser humano pode encontrar resposta às carências de ser criado. Mas, o prioritário é sempre Deus. (...) A pessoa, nas suas relações interpessoais, se abre aos outros seres humanos, respeitados e aceitos como diferentes. Todavia, no primeiro plano está a pessoa do outro. É superada, assim, a tentação de coisificá-la ou instrumentalizá-la. Na relação com o meio ambiente, a pessoa supera a perspectiva meramente utilitária e mecanicista e visa a uma utilização responsável dos recursos naturais,

502 GARCÍA RUBIO, A., Evangelização e Maturidade Afetiva, pp. 35-39. 503 Ibid., p. 36.

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respeitando o ritmo da natureza e colocando-se a serviço da preservação da vida”.504

Podemos dizer que aí está refletida a proposta cristã de salvação. A mesma

abertura que se propõe a cada pessoa, a fé cristã encontra em Jesus. Em seu

ensinamento e em suas ações, Jesus demonstra uma abertura radical a seus

contemporâneos, sem distinções e reservas, sem discriminações e diferenças,

atropelando, muitas vezes, costumes e tradições moralizantes.505 A proposição cristã

mais coerente com a mensagem bíblica é aquela que desafia cada pessoa a superar

todo tipo de atitudes egoístas e empenhar-se na luta contra todo tipo de injustiça,

assim como Deus, que “se manifesta através da vida, mas defendendo-a da morte;

através da justiça, mas contra a injustiça; através da libertação, mas agindo contra a

escravidão”.506 Tão nobre proposta não se restringe aos cristãos, mas se revela como

um caminho necessário, pelo qual deverá trilhar a humanidade toda, se desejar manter

viva a esperança de um mundo melhor.

A salvação trazida por Jesus Cristo não se confina aos limites da Igreja

institucional e nem mesmo do Cristianismo. Nos relatos bíblicos é perceptível como a

pregação de Jesus sobre o Reino ultrapassava as fronteiras do povo judeu (Jo 4,39-

40). Uma ação salvífica que corresponde à vontade de Deus pode ser realizada por

qualquer um, como mostrou Jesus com a parábola do bom samaritano (Lc 10,30-35).

Isso quer dizer que mesmo aqueles que não professam a fé cristã podem agir em

conformidade com o Evangelho e fazer, assim, experiências salvíficas.

“Os adeptos de outras religiões fazem experiências salvíficas, chegam à paz interior, à felicidade, à liberdade de espírito, à temperança, ao respeito pelo semelhante ao amor fraterno. Seus itinerários salvíficos podem ser diversos das rotas cristãs, pois a ação do Espírito não pode ignorar o contexto em que atua, a visão religiosa dominante e a ética que lhe corresponde. Práticas diferentes das cristãs podem também conter autêntica ação do Espírito. O que chamamos atitude fundamental de Cristo pode se configurar de um modo que não nos é familiar”.507

504 Ibid., p. 38. 505 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 71. 506 SOBRINO, J., op. cit., p. 136. 507 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 211.

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Toda atitude de caridade se identifica com a proposta de Jesus, revelada

no Evangelho. Para a fé cristã, toda obra boa é inspirada pelo Espírito Santo e é

caminho de salvação (Rm 2,6-7).508 A partir disso, entende-se a afirmação cristã de

que Cristo, como único e universal salvador da humanidade, se faz presente e atuante,

por intermédio de seu Espírito, também nas demais religiões.509 Em vista de um

mundo de paz, como abordamos no capítulo anterior, faz-se necessário buscar, por

parte da fé cristã, o diálogo com as demais religiões e também com os não-crentes.

“Em diálogo com os que estão mais distantes na expressão da fé, a saber, com os não-crentes, busca-se encontrar um ponto comum no referente aos direitos e valores fundamentais do ser humano. Com as religiões, o diálogo nasce da plataforma comum da fé em Deus, de suas revelações, verdades, experiências, tradições. A partir dos elementos comuns, busca-se avançar para um mútuo enriquecimento e reconhecimento”.510

Toda sociedade humana passa a ser beneficiada quando se viabiliza um

horizonte de paz e se busca, das mais diferentes formas, concretizá-lo. O diálogo

inter-religioso amadurecido e respeitoso só tende a enriquecer as religiões. Por parte

do Cristianismo certamente aperfeiçoaria e purificaria certos conteúdos da tradição e

dinamizaria uma universalização maior da própria mensagem cristã.511 Claro está que

o diálogo sempre é possível, desde que se tenha pré-disposição para tal e que se leve

em consideração sempre mais o que une as religiões do que aquilo que as separa e

divide. Com os não-crentes, por sua vez, o diálogo deve ter como base o próprio ser

humano e sua dignidade fundamental. Tanto adeptos de outras religiões quanto não-

crentes, podem encontrar no cristianismo preciosa base para fundamentar novos

valores e princípios éticos para a sociedade pós-moderna.

É necessário, no entanto, que tanto crentes quanto não-crentes reconheçam

a urgência em assumir atitudes novas, como expressão de caridade, em favor dos

mortos da sociedade.512 Só um compromisso transformador será capaz de superar de

vez as ameaças catastróficas que atingem homens e mulheres de nosso tempo.

508 Dei Verbum, n º 03. 509 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 212. 510 LIBANIO, J. B., op. cit., p. 61. 511 FRANÇA MIRANDA, op. cit., p. 215. 512 SOBRINO, J., op. cit., p. 78.

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Page 35: 3 A mensagem cristã e sua contribuição ética · conversão, de abertura e fidelidade à vontade de Deus, a exemplo de Jesus. O seguimento de Jesus, mediante a prática do amor-serviço,

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Dinamizada pelo espírito evangélico, traduzido no amor-serviço, a sociedade humana

terá menos necessidade de leis, pois saberá conviver pacificamente.513 Enfim, a lei do

amor, cerne da revelação divina em Jesus Cristo, é parâmetro ético para qualquer

povo, raça ou nação. Onde há convivência humana é possível instaurar qualquer um

dos preciosos imperativos éticos cristãos: “Tudo o que vocês desejam que os outros

façam a vocês, façam vocês também a eles” (Mt 7,12) ou “Amai-vos uns aos outros

como eu vos amei!” (Jo 15,12).

Conclusão

Concluindo esta última parte de nosso trabalho, queremos afirmar a

pertinência da reflexão acerca da mensagem cristã, bem como da valorosa

contribuição que ela pode dar à sociedade pós-moderna. Carente de valores e

princípios que respondam suas inquietações mais profundas, o ser humano encontra,

na mensagem do Evangelho, uma proposta de vida plena. Vimos que Jesus, como

revelação plena de Deus, mediante suas palavras e práticas, desafia todos a um

autêntico compromisso com o mundo que aí está. Esse compromisso supõe a luta pela

superação de toda maldade e de todo sofrimento, em vista da justiça e da paz, bases

para um autêntico e integral desenvolvimento humano. Essa é a vontade de Deus que,

em seu infinito amor, nos chama à conversão em vista da salvação. Na proposta do

amor se revela a universalidade do Reino. Não há cultura, povo ou raça que não seja

chamado à prática da caridade.Na busca por um mundo mais justo, fraterno e

solidário, a proposta cristã fornece as bases sólidas do Evangelho, destacando a

necessidade de se cultivar entre todos as mesmas atitudes de Jesus. Dessa forma, fica-

nos claro que assumir autenticamente a proposta cristã é dar passos significativos no

caminho ético. No entanto, é grande o desafio à fé cristã, que vê na marcante

subjetividade fechada em si uma resistência à prática do amor-serviço. Mais do que

promover uma responsabilidade descomprometida, a reflexão cristã busca sensibilizar

toda humanidade ao clamor dos injustiçados deste mundo, interpelando-a em vista de

uma prática transformadora. Assim são semeadas as sementes do Reino, germina a

esperança e floresce um mundo mais humano para todos

513 GARCIA RUBIO, Encontro Com Jesus Cristo Vivo, p. 58.

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