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  • 217Revista Exitus Volume 02 n 01 Jan./Jun. 2012

    Vernica Lima CarneiroPrtica Docente e Avaliao 07

    AS AVALIAES ESTANDARTIZADAS E O PAPEL DO EXAME NACIONAL DO ENSINO

    MDIO (ENEM) NA ETAPA FINAL DA EDUCAO BSICA

    Vernica Lima Carneiro1

    RESUMO

    Este artigo resulta de um estudo bibliogr co e documental, com o objetivo de discutir a elaborao e implementao das avaliao estandartizadas, com foco no papel do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), voltado para egressos do ensino mdio, ltima etapa da avaliao bsica, destinado, dentre outros, segundo o discurso o cial do Governo, democratizao do acesso ao ensino superior e promoo da reforma curricular no ensino mdio, com vistas melhoria da educao bsica do pas. A partir da anlise dos dados, contudo, foi possvel evidenciar que o modelo de avaliao proposto pelo novo ENEM, contrariamente ao discurso da democratizao do acesso ao ensino superior, apresenta uma concepo ranqueadora de avaliao. No obstante a rmar contribuir com a qualidade do ensino, ao lanar mo de provas construdas sob Matrizes de Referncia, o novo ENEM, desenvolvido no bojo das polticas avaliativas implementadas no Brasil a partir da dcada de 1990, no contexto do Estado gerenciador e avaliador, est impossibilitado de fazer qualquer ligao concreta com a realidade cotidiana dos estudantes, das escolas, das regies e dos diversos estados brasileiros, contrariando os objetivos pedaggicos das avaliaes e se contrapondo, ainda, aos princpios defendidos por uma educao efetivamente emancipadora.Palavras-chave: Avaliaes estandartizadas. ENEM. Educao bsica.

    1. Doutoranda em Educao, na UFPA. Mestre em Educao pela UFPA. Professora Assistente de Polticas Educacionais na URCA/CE, no curso de Pedagogia. Email: [email protected].

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    As avaliaes estandartizadas e o papel do exame nacional do ensino mdio (enem) na etapa fi nal da educao bsica

    STANDARDIZED ASSESSMENTS AND THE ROLE OF THE NATIONAL SECONDARY EDUCATION EXAMINATION (ENEM) IN THE LAST STAGE OF BASIC EDUCATION

    ABSTRACT

    This article is the result of a bibliographic and documental study, aiming at discussing the development and implementation of standardized assessments, focusing on the role of the National Secondary Education Examination (ENEM), the last stage of assessment of basic education to be completed by high school exiting students. According to the Government, ENEM is a democratization tool for higher education access and promotion of curricular reform in secondary education, considering ultimately the improvement of basic education in the country. From the data analysis, however, it was possible to show that, contrary to the discourse of democratic access to higher education, the evaluation model proposed by the new ENEM is conceived as a ranking system. By resorting to tests based on reference matrixes, despite its stated objective of contributing to the quality of education, the new ENEM, which was developed as part of the evaluative policies implemented in Brazil since the 1990s under a system in which the State is a strategic manager and evaluator, is unable to make any concrete link with the daily reality of students, schools, regions and several Brazilian states, contrary to the educational goals of evaluations and in opposition also to the principles defended by an effective emancipatory education.Keywords: Standardized assessments. ENEM. Basic education

    INTRODUO

    O presente artigo resulta de um estudo de cunho bibliogr co e documental, com o objetivo de analisar o contexto de implementao das avaliaes estandartizadas nas instituies escolares, com foco no Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), aplicado para o pblico egresso da ltima etapa da educao bsica, que o ensino mdio.

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    Para a viabilizao do estudo, analisamos a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional N 9.394/96, a Portaria MEC n 438, de 28/05/1998, que criou o ENEM, o Programa de Reestruturao e Ex-panso do Ensino Mdio no Brasil, de 2008, o Programa Ensino M-dio Inovador, de 2009, a Portaria INEP n 04, de 11/02/2009, segundo a qual o ENEM passou a certi car a concluso do ensino mdio, dentre outros, luz de autores como Dias Sobrinho (2003), Barreto (2001), Afonso (2001) e Luckesi (2001), os quais vm se debruando no estudo referente nova regulao promovida na educao a partir do contexto de implementao do Estado gerenciador e avaliador, no qual se assen-tam as bases para a instituio das avaliaes estandartizadas ou em larga escala, nas instituies escolares.

    No obstante o discurso o cial hegemnico partir do pressuposto de que a importncia do ENEM reside em sua capacidade de promover a democratizao do acesso ao ensino superior, ampliando as oportunidades para ingresso, pelos alunos oriundos do ensino mdio, nas universidades, veri cou-se que, na realidade, o ENEM, a exemplo das avaliaes externas aplicadas aos demais nveis e modalidades educacionais, no vem promovendo a propagada democratizao, medida que seus indicadores desconsideram por completo as diversi cadas realidades e particularidades dos mais diferentes contextos educacionais do pas.

    O que se veri ca na prtica o aumento do controle do Estado sobre as questes curriculares, bem como sobre os recursos nanceiros aplicados no setor educacional, alterando substancialmente as formas de regulao do sistema educacional escolar, por meio da avaliao. Segundo Barreto (2001, p.57), a avaliao [...] ganha importncia nunca antes experimentada no cenrio educacional, tornando-se componente imprescindvel das reformas educativas.

    Assim, veri ca-se que o Estado avaliador vem se expressando, sobretudo, a partir da promoo exacerbada da competio imposta s escolas, pela via das avaliaes estandartizadas, exercendo forte presso sobre as instituies escolares, com a predominncia de um instrumentalismo mercantil que institui a supervalorizao dos indicadores e dos resultados, em detrimento das especi cidades dos processos educativos nos variados contextos educacionais (AFONSO, 2001).

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    A AVALIAO DO ENSINO MDIO NO BRASIL

    Especialmente a partir da dcada de 1990, com a implementao da Reforma do Estado Brasileiro, e com o Estado assumindo um carter mais gerencial e avaliador que propriamente executor (PERONI, 2003), passou-se a disseminar a ideia da importncia de se avanar na instituio de uma regulao centralizada, como condio para o to almejado xito na qualidade da educao pblica no Brasil. Com vistas a atingir este alvo, dentre outras iniciativas, o Estado passou a gerir um conjunto de medida-avaliao-informao a m de lhe possibilitar a de nio de uma nova poltica para a educao bsica e a ampliao de seu controle sobre os sistemas de ensino (FREITAS, 2005).

    As ferramentas de avaliao institudas so bastante conhecidas, sendo possvel destacar o Sistema de Avaliao da Educao Bsica (SAEB), implantado em 1990, a Prova Brasil, criada em 2005, o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM), implantado em 1998, o Censo Escolar anual, com a recuperao de dados iniciada a partir de 1995, e a implantao de uma base de dados educacionais online, na perspectiva da busca pela e cincia, pautada em uma gesto educacional gerencial, com forte vis de natureza contbil. Assim que, para Dias Sobrinho (2003), no Brasil, a dcada de 1990 foi chamada de dcada da avaliao, face a avaliao ter assumido um carter considerado altamente estratgico no contexto dos governos brasileiros que haviam aderido ao neoliberalismo e reforma do Estado.

    O processo de avaliao do ensino mdio iniciou-se, de forma mais efetiva, a partir de 1998, quando o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) foi criado, por meio da Portaria MEC n 438 de 28/05/1998, na gesto do ento Ministro da Educao, Paulo Renato de Souza, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O ENEM objetivava promover uma avaliao anual do processo de aprendizagem dos alunos egressos do ensino mdio em todo o pas, de modo a auxiliar o Ministrio da Educao (MEC) no planejamento, elaborao e aplicao de polticas voltadas para a melhoria da educao no Brasil, utilizando-se, para tal, os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Mdio e Fundamental, promovendo os ajustes necessrios nos mesmos, mediante a veri cao dos dados e informaes levantados nas pesquisas e resultados apresentados pelo ENEM.

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    Nesse sentido, pode-se a rmar que o ENEM constitui a primeira iniciativa de avaliao implantada para o ensino mdio (ltima etapa da educao bsica) no Brasil, sendo que, inicialmente, o modelo de prova adotado pelo ENEM, utilizado no perodo que vai de 1998 e 2008, con-sistia em 63 questes de mltipla escolha e uma redao, aplicadas em um dia de prova, nacionalmente.

    Vale ressaltar que o ENEM consiste em um modelo de avaliao previsto na legislao educacional brasileira desde 1996, de acordo com o prescrito no artigo 9 da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional N 9.394/96, ao de nir que a Unio incumbir-se- de asse-gurar processo nacional de avaliao do rendimento escolar no ensino fundamental, mdio e superior, em colaborao com os sistemas de en-sino, objetivando a de nio de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino (BRASIL, 1996).

    Em 2009, o Ministrio da Educao, por meio de seu Ministro Fer-nando Haddad, apresentou uma proposta com a nalidade de uni car o vestibular das universidades pblicas, por meio do acesso via Sistema de Seleo Uni cada (SISU), adotando-se um novo modelo de prova para o ENEM, tendo como principais objetivos a suposta democratiza-o do acesso s vagas do ensino superior pblico, principalmente nas federais, por meio da mobilidade acadmica e favorecer a reestrutura-o dos currculos do ensino mdio.

    Trata-se de um modelo de avaliao inspirado no Scholastic Aptitude Test / Scholastic Assessment Test - SAT, que consiste em uma das etapas para ingresso dos alunos no ensino superior nos EUA2, sendo que l, a prova chega a ser realizada 07 (sete) vezes durante o ano.

    O ENEM constitui a maior avaliao nessa modalidade em toda a Amrica Latina, e tida pelo governo como importante instrumento de

    2. O SAT um exame educacional padronizado nos Estados Unidos, existente desde 1901, aplicado a estudantes do 2 grau, como um dos requisitos para admisso nas Universidades norte-americanas. O exame aplicado sete vezes ao ano, nos meses de outubro, novembro, dezembro, janeiro, maro (ou abril), maio e junho. O exame dividido em dois tipos de provas: o SAT Reasoning Test, composto por 3 seces (matemtica, leitura crtica e redao); e o SAT Subject Test (antigamente SAT II) composto por questes de mltipla escolha de disciplinas como Literatura Inglesa, Histria e Estudos Sociais, Matemtica, Cincia (Biologia, Fsica e Qumica) e Lnguas. Porm, para ingresso em uma Universidade americana, a nota do SAT no o nico critrio levado em considerao. To ou mais importantes so as outras etapas do processo: a entrevista com o aluno, cartas de recomendao de professores, seu currculo escolar, sua participao em atividades extracurriculares, etc.

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    avaliao e melhoria da educao bsica no Brasil, servindo de base para o estabelecimento de prioridades e criao de novas polticas educacionais, bem como para alertar pais, alunos, professores, estudantes, diretores e gestores das redes de ensino para os desa os e di culdades de cada regio. A partir do seu desempenho individual, cada escola pode avaliar seu trabalho e planejar a melhoria do processo de ensino, alm de servir de referncia para o professor implementar a reforma do Ensino Mdio em sala de aula, desenvolvendo os contedos de forma contextualizada e interdisciplinar (http://www.fomezero.gov.br/noticias).

    A proposta do novo ENEM foi apresentada pelo MEC, fundamentada nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), realizada no ano de 2007, pelo Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatstica (IBGE), a qual revelou que somente 0,04% dos estudantes recm-matriculados no ensino superior residem no local onde estudam a menos de um ano, comprovando que tem sido extremamente reduzida a mobilidade de estudantes em diversas unidades da Federao, embora o Brasil possua elevados ndices de migrao interna.

    Ao se comparar esta realidade com a situao dos Estados Unidos, por exemplo, constata-se que, no ano de 1998, aproximadamente 19% dos estudantes norte-americanos mudaram de Estado para adentrar em instituies de ensino superior de sua escolha. De acordo com as estatsticas do censo efetuado pelo IBGE, no perodo entre 2006 e 2007, o nmero de estudantes no ensino superior permanece extremamente dspar entre a rede particular e a rede pblica de ensino, cujo nmero de matrculas so, respectivamente, de 4,7 milhes e 1,5 milho de alunos, em 2007.

    Portanto, pautado por essa realidade que o ministro Fernando Ha-ddad compreende que, a partir de um exame nacional estandartizado, aplicado com foco nas habilidades e contedos considerados mais rele-vantes, seria possvel se repensar uma poltica educacional voltada para a democratizao do ensino superior pblico, rede nindo-se, inclusive, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio.

    O EXAME NACIONAL DO ENSINO MDIO (ENEM) NA ATUALIDADE

    Para o MEC, o vestibular em seu formato tradicional desfavorecia candidatos que no dispusessem das condies nanceiras necessrias

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    para seu deslocamento com vistas realizao de provas em diferentes instituies do pas, tendo, assim, diminudas as suas potencialidades de acesso ao ensino superior. Aliado a esse fator, tem-se um contexto segundo o qual as vagas disponibilizadas nas universidades federais situadas nos Estados menores tm cado restritas a candidatos residentes nessas respectivas regies, o que seria para o MEC um grande inconveniente dos processos seletivos descentralizados, ao limitar o pleito e privilegiar candidatos que possuem maior poder aquisitivo e que, portanto, podem recorrer multiplicidade em suas opes no processo de disputa por uma das vagas oferecidas pelas universidades pblicas, sobretudo as federais. Outro inconveniente, aliado ao acima exposto, se refere restrio da capacidade de recrutamento pelas Instituies Federais de Ensino superior (IFEs), prejudicando especialmente as que esto situadas em regies menores.

    Desse modo, a alternativa apresentada ao suposto problema da des-centralizao dos exames de seleo para ingresso nas universidades em todo o pas, de acordo com a proposio do MEC consistiria na cen-tralizao da seleo, visando a racionalizao na disputa pelas vagas ofertadas, pois, segundo o MEC:

    democratizar a participao nos processos de seleo para vagas em diferentes regies do pas, uma responsabili-dade social tanto do Ministrio da Educao quanto das instituies de ensino superior, em especial as IFEs. A centralizao do processo seletivo nas IFES pode torn-lo mais isonmico em relao ao mrito dos participantes (www.portal.mec.gov.br).

    Assim, o MEC ao tempo em que insiste junto Associao Nacio-nal dos Dirigentes das Instituies Federais de Ensino superior (AN-DIFEs) quanto importncia da valorizao, reconhecimento e legiti-midade do vestibular, apresenta a proposta relacionada discusso das possveis vantagens da adoo de um processo de seleo uni cado e a possibilidade concreta de que essa nova prova nica aponte para a reestruturao curricular do ensino mdio.

    Desse modo, as universidades poderiam optar entre quatro possibilidades de formas de utilizao do ENEM enquanto processo seletivo, sendo: 1. como fase nica, com o sistema de seleo uni cada; 2. como primeira fase do processo seletivo; 3. articulado ao vestibular

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    da instituio; e, 4. como nica fase para preenchimento das vagas remanescentes do vestibular (http://inep.gov.br).

    Desde a sua implantao, o ENEM vem recebendo, a cada ano, um nmero maior de inscries para a realizao das provas. Veri ca-se que isso vem ocorrendo em funo das alteraes institudas nesse exame, quanto aos seus objetivos e nalidades principais. Quando implanta-do, em 1998, de carter voluntrio, com o simples objetivo de avaliar o desempenho individual do estudante ao trmino da educao bsica, o ENEM recebeu 157.221 inscries; a partir de 2009, entretanto, o novo ENEM, como o exame passou a ser chamado, assumiu uma crescente e signi cativa importncia ao tornar-se instrumento de seleo e classi ca-o para o acesso educao superior, chegando a receber, somente no ano de 2010, 4.611.441 inscries, conforme tabela abaixo, a qual apre-senta a progresso ao longo de 11 anos de realizao do referido exame:

    Ano N inscritos2010 4.611.4412009 4.576.1262008 4.018.0702007 3.568.5922006 3.742.8272005 3.004.4912004 1.552.3162003 1.882.3932002 1.829.1702001 1.624.1312000 390.1801999 346.9531998 157.221

    Fonte: http://inep.gov.br

    Visualiza-se, portanto, uma clara relao que vem se estabelecendo entre a utilizao dos resultados do ENEM por instituies de ensino superior, pblicas ou privadas, como critrio complementar ou substi-tuto aos tradicionais vestibulares, e a signi cativa ampliao do nmero de inscrio no referido exame.

    Alm desse fator, que muito tem alavancado o ndice de participa-o dos estudantes oriundos do ensino mdio no ENEM, importante

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    ressaltar que a nota do exame pode ser utilizada para efeito de certi ca-o de concluso do Ensino Mdio3, bem como para obteno de bolsa do Programa Universidade Para todos (Prouni)4.

    Adicionalmente, uma nova nalidade que vem sendo atribuda pelo MEC ao ENEM versa sobre a sua propagada capacidade de atuar enquanto instrumento de induo reestruturao curricular do ensino mdio. Segundo o Ministro de Educao Fernando Haddad5, a criao do novo ENEM faz parte do processo de reforma do Ensino Mdio. Para ele, o ENEM constitui um e ciente processo seletivo de ingresso nas universidades, alm da vantagem de que a prova vai permitir a organizao o currculo do ensino mdio (...) e a avaliao do desenvolvimento, tanto das instituies de ensino mdio quanto das de ensino superior, j que a prova vai ser comparvel ao longo do tempo.

    Desse modo, o Ministrio da Educao apela, ainda, para que, espe-cialmente as IFES, assumindo seus papis enquanto entidades autno-mas, protagonizem o processo de reviso do ensino mdio, na perspec-tiva de discutir a relao a ser estabelecida entre os contedos reque-ridos para ingresso no ensino superior e as habilidades necessrias ao desempenho acadmico no espao universitrio e formao humana do indivduo, de modo a manter uma relao de reciprocidade entre o ensino mdio e a educao superior.

    O MEC parte do pressuposto de que um exame centralizado nacio-nalmente, focado nos contedos de natureza mais relevantes e em um determinado conjunto de habilidades consideradas essenciais aos estu-dantes que concluem esse nvel de ensino, constituiria um instrumento de extrema importncia para a poltica educacional, ao favorecer, de

    3. De acordo com a Portaria INEP n 04, DOU de 11 de fevereiro de 2009, todos os candidatos que, tendo 18 anos ou mais na data de realizao do exame, atinjam 400 pontos em cada uma das reas de conhecimento e o mnimo de 500 na redao podero obter a certi cao de concluso do Ensino Mdio. Anteriormente a 2009, referida certi cao era oferecida pelo Exame Nacional para Certi cao de Competncias de Jovens e Adultos (Encceja).

    4. Criado pelo Governo Federal e institucionalizado pela Lei n 11.096, em 13 de janeiro de 2005, o Programa Universidade para Todos (Prouni) tem como nalidade a concesso de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduao e seqenciais de formao espec ca, em instituies privadas de educao superior. Em contrapartida, o Governo oferece iseno de impostos s insti-tuies de ensino que aderem ao Programa, voltado para estudantes egressos do ensino mdio da rede pblica e particular, com renda per capita familiar de at trs salrios mnimos. Os candidatos do Prouni so selecionados de acordo com as notas obtidas no ENEM.

    5. Entrevista realizada em maro de 2009, publicada pela TV MEC.

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    forma concreta, para o ensino mdio, informaes que podero orientar o seu currculo, tornando-o mais adequado s atuais demandas do mer-cado de trabalho. Assim, o novo exame proposto parte de uma matriz de habilidades e contedos associados a essas habilidades.

    A Matriz de Referncia para o denominado novo ENEM foi aprovada em 03 de maro de 2009. O documento est organizado segundo as quatro reas de conhecimento que passam a compor o Exame, quais sejam: Linguagens e cdigos e suas tecnologias; Cincias da natureza e suas tecnologias; Cincias humanas e suas tecnologias; Matemtica e suas tecnologias. O novo exame passou a ser organizado por quatro testes, sendo um para cada rea do conhecimento, cada um composto atualmente por 45 questes de mltipla escolha, totalizando, assim, 180 questes, alm de uma redao, aplicadas em 02 (dois) dias de prova.

    Em 14 de maio de 2009, o Comit de Governana do ENEM, composto por representantes do Conselho Nacional de Secretrios de Educao (CONSED) e do MEC, aprovou os seguintes princpios:

    1. O novo ENEM, no modelo proposto pelo MEC/INEP, foi consi-derado um importante instrumento de reestruturao do Ensino Mdio;

    2. Dever-se-ia vislumbrar a possibilidade de universalizao da aplicao do Exame aos concluintes do Ensino Mdio;

    3. A edio de 2009 deveria se fundamentar na organizao do Ensino Mdio e nos seus exames - ENEM e ENCCEJA, respei-tando-se o itinerrio formativo dos estudantes matriculados no Ensino Mdio.

    A atual con gurao do novo ENEM, de acordo com o MEC, apresenta uma preocupao especial quanto aos nveis de complexi-dade dos itens que compem o referido exame, pois, considerando-se a nalidade de seleo que o ENEM adotou e a expectativa de candidatos extremamente preparados, passou a ser imperativo que o desenho dos testes compreenda uma razovel quantidade de itens de alta complexidade, de modo a identi car aqueles concorrentes que possuem altssimo nvel de desenvolvimento, em relao queles que possuem um alto desenvolvimento.

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    Adotou-se, assim, para o ENEM, a Teoria da Resposta ao Item (TRI), na formulao da prova, de modo que as notas obtidas em edies diferentes do exame pudessem ser comparadas e at mesmo utilizadas para ingresso nas instituies de ensino superior. Por ser um modelo estatstico, a TRI agrega um valor a cada questo, dependendo da di culdade. Assim, as questes mais difceis valem mais do que as questes fceis ou de valor mdio. De acordo com Andrade & Valle:

    Tendo como elemento central os itens e no a prova como um todo, a TRI permite, por exemplo, a comparao en-tre populaes distintas submetidas a provas diferentes, mas com alguns itens comuns, ou ainda, a comparao entre indivduos da mesma populao que tenham sido submetidos a diferentes provas, com ou sem itens comuns (1998, p. 13).

    O exame se caracteriza pela construo de quatro escalas distintas, uma para cada rea do conhecimento. Cada escala tem por nalida-de classi car os estudantes conforme seu grau de pro cincia, sendo possvel s IFES estabelecer distintas ponderaes ou pontos de corte para seleo de seus candidatos. Nesse sentido, a expectativa que a reestruturao do ENEM atenda plenamente demanda das IFEs por um instrumento de alto poder preditivo de desempenho futuro, capaz de diferenciar estudantes em diferentes nveis de pro cincia.

    A metodologia da TRI, aplicada pelo INEP h mais de 10 (dez) anos no Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica (SAEB/Prova Brasi)l, se prope a aferir as habilidades de cada indivduo a partir da utilizao de itens no exame com variados graus de complexidade, de modo a averiguar o nvel de habilidade do candidatos com base no quadro de itens que ele acerta na prova.

    No caso do ENEM, a referida tecnologia avaliativa objetiva favore-cer a aplicao de um exame que venha a atender as necessidades das IFEs, as quais passam a exercer um papel de destaque no sentido de re-signi car o ensino mdio. Isso porque os pressupostos pedaggicos do ENEM, relacionados avaliao de competncias e habilidades, orien-tam novas diretrizes para o ensino mdio, estabelecendo indicadores para a elaborao de polticas pblicas e para atuao das escolas, ou

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    seja, uma das nalidades explcitas do novo ENEM consiste em pautar uma reforma geral do Ensino Mdio.

    Nessa perspectiva, contudo, possvel constatar uma inverso nas etapas do processo, a nal, est se colocando a avaliao no caso, o ENEM no papel de melhorar a educao bsica no pas, promovendo as transformaes consideradas necessrias na estrutura curricular do ensino mdio, quando o processo deveria ser o inverso. A nal, segundo Luckesi (2001), a avaliao deve ser colocada a servio da aprendizagem, e no a aprendizagem car merc da avaliao, ainda mais se essa avaliao externa e desconsidera o contexto local no qual ocorre o processo ensino-aprendizagem.

    Porm, de uma forma geral, a crena a de que a centralizao da avaliao poder promover a melhoria dos resultados da educao escolar bsica, por meio da (re)de nio da poltica e da gesto edu-cacional, subsidiadas pelas diversas ferramentas e estratgias de con-trole que aprofundam o poder regulador do Estado, que se mantm recrudescido em relao avaliao e monitoramento da educao bsica.

    CONSIDERAES FINAIS

    A partir da dcada de 1990, as polticas educacionais institudas no Brasil, apresentaram como caracterstica principal a marca da regula-o e do controle, com vistas a responder a um conjunto de ajustes de natureza econmica, resultando no crescimento do setor privado e na consequente reduo do pblico, no fomento competitividade e na tomada do mercado como principal referncia para a educao.

    Assim, as avaliaes estandartizadas, externas ou de larga escala passaram a assumir uma importncia estratgica para a educao no interior do Estado avaliador, como forma de aferir os dados e as infor-maes consideradas relevantes para a (re)de nio e a gesto das pol-ticas educacionais Nesse sentido, cabe destacar que o ENEM se insere no contexto das atuais polticas educacionais que vm sendo implemen-tadas como parte de um conjunto de reformas no campo educacional e, de forma mais ampla, de reformas do Estado brasileiro.

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    A partir da pesquisa realizada, foi possvel apreender que o modelo de avaliao proposto pelo novo ENEM, contrariamente ao discurso da democratizao do acesso ao ensino superior, apresenta uma concepo ranqueadora e produtivista de avaliao, se contrapondo aos princpios defendidos por uma educao emancipatria, que forme para uma so-ciedade de fato democrtica, que valorize uma educao pblica, gra-tuita e de qualidade social, refutando uma avaliao preocupada apenas com aspectos quantitativos do processo.

    Muitas vezes, avaliaes estandartizadas do tipo do ENEM, no obstante a rmem desejar contribuir com a qualidade do ensino, ao lan-ar mo de provas construdas a partir de determinadas Matrizes de Referncia, esto impossibilitadas de fazer qualquer ligao com a rea-lidade cotidiana dos estudantes, das escolas, das regies e dos diversos estados brasileiros.

    Assim que concordamos com Moretto (2002), quando o mesmo a rma que avaliar a aprendizagem est profundamente relacionada com o processo do ensino e, portanto, deve ser conduzido como mais um momento em que o aluno aprende. O modelo de prova do tipo do ENEM, entretanto, no se presta a essa nalidade, invertendo, assim, o objetivo da avaliao, que deve ser processual, alm de considerada mais um momento de aprendizagem.

    Concordamos tambm com Hoffmann (2000), quando a autora a r-ma que a avaliao s faz sentido se tiver como objetivo a busca de novas possibilidades para uma melhor aprendizagem, de modo que a avaliao baseada na lgica do exame no atende a essa premissa, mas, sim, a exigncias de natureza burocrtica, com vistas a veri car formal-mente a presena ou no de determinado conhecimento, porm, possui limitaes ao indicar quais saberes o educando possui ou indagar sobre quais os referenciais interpretativos do professor.

    Recebido em: setembro de 2011Aceito em: outubro de 2011

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    As avaliaes estandartizadas e o papel do exame nacional do ensino mdio (enem) na etapa fi nal da educao bsica

    REFERNCIAS

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