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ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015. Trecho da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Foto: Danna Merril, 1910.

20151 Volume Completo

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Periódico Zona de Impacto. ANO 17 Vol. 1 - 2015 - Janeiro/Junhowww.revistazonadeimpacto.unir.br/20151volumecompleto.pdf

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  • ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Trecho da Estrada de Ferro Madeira Mamor. Foto: Danna Merril, 1910.

  • ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Corpo Editorial

    Editores

    Alberto Lins Caldas

    Prof. Dr. Departamento de Histria - UFAL

    Eliaquim Timteo da Cunha

    Centro de Documentao e Estudos Avanados sobre Memria e Patrimnio de

    Rondnia CDEAMPRO (http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9070107951585272)

    Conselho Editorial

    Caesar Sobreira Antropologia UFPE

    Inara do Nascimento Tavares - Antropologia INSIKIRAN/UFRR

    Jean-Pierre Angenot - Letras - UFRO

    Jacinta Castelo Branco Correia - Comunicao - UFRO

    Jos Carlos Sebe Bom Meihy Histria USP

    Lilian Maria Moser Histria UFRO

    Michel Zaidan Filho - Histria UFP

    Miguel Nenev Letras UFRO

    Nilson Santos Educao UFRO

    Pedro Rapozo Sociologia - UEA

    Raiana Ferrugem Antropologia UFOPA

    Xnia de Castro Barbosa Histria - IFRO

    www.revistazonadeimpacto.unir.br

    https://www.facebook.com/pages/Revista-Zona-de-Impacto/161448780689967?ref=hl

  • Sumrio

    Apresentao ...................................................................................................................................... 6

    Eliaquim Timteo da Cunha............................................................................................................. 6

    Dossi ................................................................................................................................................... 8

    O Primeiro Sculo da Cidade de Porto Velho ................................................................................. 8

    Apresentao ............................................................................................................................... 9

    Xnia de Castro Barbosa (Org.)................................................................................................. 9

    Porto Velho: notas para uma geo-histria.............................................................................. 11

    Xnia de Castro Barbosa .......................................................................................................... 11

    Ulian Nogueira Lima ............................................................................................................... 11

    Reginaldo Martins da Silva de Souza ....................................................................................... 11

    Migrao e identidade do negro em Rondnia ...................................................................... 18

    Simeia de Oliveira Vaz Silva .................................................................................................... 18

    A funo da educao no campus Porto Velho Calama e o ideal de homem que se est

    formando ................................................................................................................................... 28

    Iranira Geminiano de Melo ...................................................................................................... 28

    Liliane Barreira Sanchez .......................................................................................................... 28

    Histria e patrimnio: os desafios da conservao da Estrada de Ferro Madeira-Mamor

    .................................................................................................................................................... 47

    Xnia de Castro Barbosa .......................................................................................................... 47

    Laura Borges Nogueira ............................................................................................................ 47

    Ulian Nogueira Lima ............................................................................................................... 47

    Movimentos sociais e escravistas na construo do real Forte Prncipe Da Beira 1776

    1783 ............................................................................................................................................ 55

    Lourismar da Silva Barroso ..................................................................................................... 55

    Cincia e Sade na Amaznia: uma anlise das expedies do Instituto Manguinhos ao

    vale do Madeira e ao vale do Amazonas ................................................................................. 68

    Xnia de Castro Barbosa .......................................................................................................... 68

    Maria Ensia Soares de Souza .................................................................................................. 68

    Lucas Mariano Dias ................................................................................................................. 68

  • Uma anlise do perfil econmico de famlias impactadas pela cheia do Rio Madeira de

    2014 residentes nos bairros Baixa Unio, Tringulo e Balsa ................................................ 77

    Carlos Miguel Teixeira Ott....................................................................................................... 77

    Jos talo Oliveira dos Santos .................................................................................................. 77

    Josenaldo Santos Porto ............................................................................................................ 77

    Xnia de Castro Barbosa .......................................................................................................... 77

    Violncia no trnsito uma abordagem da problemtica na cidade de Porto Velho ........... 82

    Tiago Lins de Lima ................................................................................................................... 82

    Maria Ensia Soares de Souza .................................................................................................. 82

    Xnia de Castro Barbosa .......................................................................................................... 82

    Madson Silva de Souza Junior.................................................................................................. 82

    Artigos ............................................................................................................................................... 95

    Histria e Realidade ....................................................................................................................... 96

    Alberto Lins Caldas ................................................................................................................... 96

    Culturas em movimento Antropologia e Literatura entre o Saara e Paris .................................. 105

    Ricardo Moreno de Melo ......................................................................................................... 105

    O desenvolvimento econmico no contexto da industrializao na paraba: engenhos, curtumes e

    tecelagens ..................................................................................................................................... 123

    Luciano Bezerra Agra Filho ................................................................................................... 123

    Os artefatos: um reflexo do habitus das elites alagoanas do sculo XIX .................................... 139

    Jarisson Lima Dos Santos Albuquerque ................................................................................ 139

    Monografias .................................................................................................................................... 157

    Como as instituies de microcrdito promovem a autonomia das mulheres em Moambique.

    Estudo de caso da Tchuma, cooperativa de crdito e poupana (Parte II) ................................. 158

    Catarina Casimiro Trindade ................................................................................................... 158

    Amor s de me: drama e estigma de mes de adolescentes privados de liberdade (Parte I) .... 175

    Simone de Oliveira Mestre ...................................................................................................... 175

    Ensaios............................................................................................................................................. 200

    A ditadura em que vivemos .......................................................................................................... 201

    Rafael Ademir Oliveira de Andrade ........................................................................................ 201

    Notas preliminares sobre como escrever nas cincias sociais .................................................... 209

  • Maryelle Inacia Morais Ferreira ............................................................................................ 209

    Traduo ......................................................................................................................................... 214

    A autoridade em desejo. Algumas reflexes sobre sujeio e sexualidades ................................ 215

    Aina Prez Fontdevila (Universitat Autnoma de Barcelona) .............................................. 215

    Traduo de Brena Barros (Graduanda Arqueologia UNIR) ............................................... 215

    Ensaio Fotogrfico ......................................................................................................................... 221

    Glacial Perito Moreno: um olhar sobre o glido azul na Patagnia .......................................... 222

    Simone Gomes Marques .......................................................................................................... 222

    Sobre as autoras e os autores ........................................................................................................ 228

  • 6

    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Apresentao

    Eliaquim Timteo da Cunha

    Neste dcimo stimo ano a Zona de Impacto apresenta o primeiro volume dividido em seis

    sesses. A primeira composta pelo dossi, O primeiro sculo da cidade de Porto Velho,

    somando-se sete artigos. Os ttulos so: Porto Velho: notas para uma geo-histria; A funo da

    educao no campus Porto Velho Calama e o ideal de homem que se est formando; Histria e

    patrimnio: os desafios da conservao da Estrada de Ferro Madeira-Mamor; Movimentos

    sociais e escravistas na construo do real Forte Prncipe da Beira 1776 1783; Cincia e

    Sade na Amaznia: uma anlise das expedies do Instituto Manguinhos ao vale do Madeira e ao

    vale do Amazonas; Uma anlise do perfil econmico de famlias impactadas pela cheia do Rio

    Madeira de 2014 residentes nos bairros Baixa Unio, Tringulo e Balsa e Violncia no trnsito

    uma abordagem da problemtica na cidade de Porto Velho.

    A reunio desses trabalhos ocorreu no mbito do colquio Cidade e Histria Porto Velho,

    cem anos; esse espao de discusso foi organizado pelo Ncleo de Estudos Histricos e Literrios

    do IFRO Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Rondnia em parceria com o

    Centro de Hermenutica do Presente, da Universidade Federal de Rondnia. Partindo de uma

    perspectiva interdisciplinar temos contato com temas diversificados, no entanto, complementares no

    que se refere ao exerccio de uma leitura crtica sobre a construo de unidades sociais.

    A segunda sesso formada por trs artigos, eles so: Histria e Realidade Alberto Lins

    Caldas; Culturas em movimento: Antropologia e Literatura entre o Saara e Paris, Ricardo Moreno

    de Melo e Os artefatos: um reflexo do habitus das elites alagoanas do sculo XIX, Jarisson Lima

    dos Santos Albuquerque.

    Dois ensaios compem a terceira sesso. A ditadura em que vivemos assinado por Rafael

    Ademir Oliveira de Andrade; Notas preliminares sobre como escrever nas cincias sociais sob

    autoria de Maryelle Inacia Morais Ferreira.

    As duas monografias, desse volume, configuram a quarta sesso, assim damos continuidade

    ao projeto publique seu TCC. A primeira, Como as instituies de microcrdito promovem a

    autonomia das mulheres em Moambique. Estudo de caso da Tchuma, cooperativa de crdito e

    poupana, uma pesquisa realizada por Catarina Casimiro Trindade; nessa oportunidade segue a

    segunda parte do trabalho publicado no segundo volume do ano de 2014.

    Na sequncia encontramos a primeira parte da pesquisa Amor s de me: drama e estigma

    de mes de adolescentes privados de liberdade, realizada por Simone de Oliveira Mestre.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Na sesso traduo compe-se a quinta sesso deste volume. O texto traduzido : A

    autoridade em desejo. Algumas reflexes sobre sujeio e sexualidades, assinado por: Aina Prez

    Fontdevila, a traduo foi realizada por Brena Barros.

    Encerrando este primeiro volume de 2015 trazemos o ensaio fotogrfico: Glacial Perito

    Moreno: um olhar sobre o glido azul na Patagnia, um olhar apresentado por Simone Gomes

    Marques.

    Boa leitura!

    Janeiro de 2015

  • 8

    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Dossi

    O Primeiro Sculo da Cidade de Porto Velho

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Apresentao

    Xnia de Castro Barbosa (Org.)

    Em dois de outubro de 2014 a cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondnia,

    completou seu primeiro centenrio de instalao. Formada a partir de terras dos territrios do Mato

    Grosso e do Amazonas, a cidade se desenvolveu a partir do incio do sculo XX, com a retomada de

    esforos para a edificao de uma estrada de ferro a Madeira-Mamor, tambm conhecida como

    ferrovia do diabo, e cuja construo tinha sido abandonada em decorrncia da crise financeira

    resultante da Guerra Franco-prussiana (1870-1871), que inviabilizou a aplicao de capitais no

    projeto.

    A estrada de ferro, que facilitaria o transporte da borracha dos seringais bolivianos e

    brasileiros da regio de Guajar Mirim e Santo Antonio do Madeira, possibilitou a vinda de

    milhares de trabalhadores de diferentes pases, que nas interaes com a populao nativa, formaria

    o primeiro ncleo urbano.

    Tpica cidade amaznica, Porto Velho experimentou nesses primeiros 100 anos um

    desenvolvimento desigual, expresso em suas formas, que alternam bairros e residncias de alto

    padro a aglomerados subnormais, e expresso tambm nas condies de acesso de sua populao a

    bens e servios, como educao e sade.

    O desenvolvimento desigual e a modernidade incompleta repercutem no s em sua

    paisagem, como tambm na qualidade de vida, nos perfis epidemiolgicos e nos desafios

    educacionais e polticos de sua histria presente.

    Com o intuito de promover o debate sobre os dilemas e desafios de Porto Velho, o Ncleo

    de Estudos Histricos e Literrios do IFRO Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia

    de Rondnia, em parceria com o Centro de Hermenutica do Presente, da Universidade Federal de

    Rondnia organizou colquio com a temtica Cidade e Histria Porto Velho, cem anos, no qual

    docentes e estudantes dos diversos nveis do ensino puderam refletir, a partir de estmulos

    interdisciplinares, sobre o espao onde vivem.

    Os textos que seguem, diversos e plurais, registram algumas das reflexes tecidas durante o

    colquio, e entrelaam histria, geografia e literatura na busca de construo de um discurso

    inteligvel e claro acerca da histria do tempo presente, uma histria que , sobretudo, poltica, em

    seu sentido clssico de enfrentamento dos problemas da vida da polis. Esses textos no se limitam,

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    contudo, a abordar questes relativas formao histria de Porto Velho, mas posicionam-se

    tambm quanto educao e a educao para o convvio tnico racial, o trabalho, os movimentos

    sociais escravistas e desafios urbanos presentes na cidade, como a violncia no trnsito ou os

    impactos causados pela cheia fluvial do primeiro trimestre de 2014. So textos abertos e

    convidativos para a leitura e para a reflexo.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Porto Velho: notas para uma geo-histria

    Xnia de Castro Barbosa

    Ulian Nogueira Lima

    Reginaldo Martins da Silva de Souza

    Resumo: Esse ensaio uma proposta de reflexo sobre a formao de Porto Velho na perspectiva

    da geo-histria. Nele convidamos o leitor a pensar sobre a interao entre os elementos naturais e

    sociais que constituem essa cidade, e as possibilidades de anlises abertas pela obra de Fernand

    Braudel, com vistas a uma cincia nova e mais adequada investigao da complexidade emergente

    do mundo vivido.

    Palavras-chave: geo-histria. Porto Velho. Cincia.

    Abstract: This essay is a proposal of reflection about the foundation of Porto Velho city in a geo-

    history perspective. The reader is invited to reflect about the interaction between the social and

    natural elements that constitute this city as well the possibilities of analysis presented by Fernand

    Braudels work in order to get a new and modern science toward the investigation of the emergent

    complexity of the world we live in.

    Keywords: Geo-history. Porto Velho. Science

    Em tempos de crise nada mais confortvel do que reler os clssicos. E que isso no seja

    visto, apressadamente, como simples subterfgio, mas como deleite necessrio para os

    enfrentamentos diversos.

    Diante da crise da razo, em que operamos a fragmentao do conhecimento e transitamos

    por disciplinas esfaceladas, a busca por um conhecimento mais abrangente, integrador e plural

    demanda esforos de conexo entre as sociedades, o tempo e o espao que as formaram,

    intercalando produo material e simblica com vistas a snteses mais inteligveis.

    Em sua Lio de Histria, Braudel (1989, p. 164) dizia que a verdadeira histria, a

    histria biolgica, a histria profunda, a histria bem antes de Cristo, bem antes do primeiro ou do

    segundo milnio, indicando para elementos geogrficos de longa durao que atuaram sobre o

    desenvolvimento de civilizaes milenares.

    O Egito foi considerado por Herdoto, historiador grego do sculo V a.C, como uma

    ddiva do Nilo, sendo esse rio, com seus ritmos alternados e repetitivos o fornecedor de gua,

    alimentos e hmus para que a civilizao egpcia, uma das mais sofisticadas que jamais existiu,

    pudesse se desenvolver. O Nilo comeava sua enchente por volta do ms de junho, elevando o

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    volume de suas guas em cerca de sete a oito metros, inundando as terras ribeirinhas. A partir de

    outubro, quando iniciava a estiagem, essas terras que haviam sido inundadas estavam repletas de

    matria orgnica, prontas para receber o plantio de cereais, frutas e leguminosas que abasteciam as

    mesas de sacerdotes, escribas, escravos, fels e faras.

    Na Europa, o Mediterrneo possibilitou o florescimento da Frana, da Itlia, da Grcia, da

    Espanha e da Turquia, dentre outros, integrando culturas, promovendo a circulao das riquezas,

    constituindo a base material da vida desses povos. Por sculos, a vida seguiu aos ritmos e

    movimentos desses atores geogrficos e os chamamos de atores porque no s as pessoas

    desenvolviam suas existncias em sua base, mas eles prprios protagonizaram fatos e processos

    histricos que em grande medida definiram as condies de vida daqueles povos.

    A geo-histria, perspectiva analtica exposta por Fernand Braudel em 1945, uma sntese

    entre Geografia e Histria, que se alimenta tanto da geografia alem ps-ratzeliana quanto da

    geografia francesa, da escola vidaliana, para configurar uma nova resposta dialtica entre base

    geogrfica e processo civilizatrio (AGUIRRE ROJAS, 2013, p.20).

    Essa nova episteme historicisou os elementos geogrficos, apresentando-os no mais como

    simples cenrio onde se passa a histria, mas como elementos modeladores e atuantes em seus

    processos. Essa ideia foi exposta, pela primeira vez na em 1947, na tese de doutorado de Fernand

    Braudel, intitulada O mediterrneo e o mundo mediterrnico na poca de Filipe II, publicada dois

    anos depois. Nessa obra o pesquisador submeteu anlise histrica as interaes entre homem,

    meio ambiente e paisagem, redimensionando o valor das formas e estruturas espaciais para a

    formao do mundo mediterrnico e invertendo a ordem tradicional da narrativa histrica, que

    costumava colocar em primeiro plano os acontecimentos polticos. Filipe II deixou de ser, portanto,

    a personagem central da trama, para dar lugar ao mar mediterrneo e as relaes engendradas pelas

    pessoas em funo do mesmo.

    Fernand Braudel, contudo, no limitou sua inovao nova abordagem historiogrfica do

    meio fsico, contribuindo decisivamente para uma nova concepo de tempo e de fazer

    historiogrfico. Se antes dos Annales e, especialmente, de sua segunda gerao, da qual Braudel foi

    o representante mais ilustre, o tempo histrico privilegiado nessa construo discursiva era o tempo

    curto, o tempo do evento, da poltica, centrado nos indivduos, e ocasionalmente, um tempo de

    mdia durao, de anlise de influncias de acontecimentos mais recuados em fenmenos

    contemporneos, Braudel apresentou o tempo da longa durao. Esse tempo, geogrfico por

    excelncia, tambm pode indicar permanncias espaciais de mentalidades, de interpretaes

    culturais.

    Em o Mediterrneo (BRAUDEL, 1953) foram apresentados, portanto, trs tempos

    diferentes: o da longa durao, tempo quase imvel, o da mdia durao, que mais tarde seria

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    chamado pelo autor de tempo da conjuntura (BRAUDEL, 1992) - o tempo da histria,

    propriamente dita -, e o tempo de curta durao, ou seja, dos eventos e paixes passageiras.

    Esses mltiplos tempos so atuantes sobre os fenmenos sociais, e a ttulo de exemplo da

    longa durao, possvel imaginar fenmenos de ampla abrangncia temporal, como as prticas

    agrcolas e comerciais, que por milnios se desenvolveram sem grandes transformaes na Europa,

    ou a cultura milenar dos povos da Amrica andina. O tempo da mdia durao o da conjuntura

    histrica, da formao das estruturas sociais e econmicas e a curta durao pode ser pensada como

    os acontecimentos contemporneos que no encontram vnculos com fenmenos e estruturas mais

    profundas - o tempo das notcias de jornais, da propaganda, da poltica, da biografia.

    A geo-histria representou, em meados do sculo XX uma forma privilegiada de produo

    de conhecimentos acerca da vida poltica, econmica e cultural dos povos, perdendo espao na

    medida em que o desenvolvimento do capitalismo impunha a necessidade de especializaes, que,

    se por um ngulo permitiram conhecimentos aprofundados, por outro promoveram fragmentao no

    saber e em nossa capacidade cognitiva, nos tornando limitados na elaborao de conexes entre as

    diversas reas e perspectivas educacionais.

    O modelo de cincia do sculo XX o da chamada cincia normal (KUHN, 2011),

    aprofundada e detalhista quanto a reas bastante delimitadas. Para o autor, essa cincia

    [...] parece ser uma tentativa de forar a natureza a encaixar-se dentro dos limites

    preestabelecidos e relativamente inflexveis fornecidos pelo paradigma. A cincia normal

    no tem como objetivo trazer tona novas espcies de fenmeno [...] Em vez disso, a

    pesquisa cientfica normal est dirigida para a articulao daqueles fenmenos e teorias j

    fornecidos pelo paradigma.

    Para alm do campo ou do laboratrio, na vida social comum, essa forma de gesto do

    conhecimento moldou nossas estratgias de estudo e compreenso do mundo, contribuindo para a

    formao de uma cultura visual que apenas enxerga o bvio e l o que est explcito. Perdidos nas

    formas, esquecemo-nos da Geografia, da geomorfologia, dos movimentos de longa durao que,

    junto com as aes humanas, formam o espao, as paisagens e diferencia as regies e as vidas dos

    povos.

    Embora tenhamos nos distanciado dessa forma de produo do conhecimento, destacamos

    que alguns dos mais brilhantes exemplares da historiografia brasileira foram produzidos na esteira

    da geo-histria, ou pelo menos, concatenadas com a discusso da importncia dos elementos

    geogrficos na formao histrica do Brasil: Mones, de Srgio Buarque de Holanda (1990

    [1945]), Caminhos e Fronteiras (2001 [1957]) e Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil, de

    Capistrano de Abreu (1982 [1930]).

    Esse ensaio uma proposta de reflexo sobre a formao de Porto Velho na perspectiva da

    geo-histria. Nele convidamos o leitor a pensar sobre a interao entre os elementos naturais e

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    sociais que constituem essa cidade, uma vez que Porto Velho no seria Porto Velho se no fosse o

    seu rio fonte de alimentos, de riquezas e estrada lquida que liga os diversos mundos amaznicos,

    o seu clima quente e mido, o seu relevo pouco acidentado, a sua populao, que aprendeu a viver

    nessa terra, a interagir com esses elementos, incrementando-a com beleza e funcionalidades

    socialmente produzidas. Entende-se, portanto, que Porto Velho resultado de conjunes

    complexas entre o meio fsico e o meio social, ambos favorecedores da vida nesse espao, e que

    para compreend-la no podemos negligenciar nenhum desses aspectos.

    Porto Velho localiza-se na parte oeste da Regio Norte do Brasil, na rea abrangida pela

    Amaznia Ocidental. Situa-se no vale do rio Madeira, margem direita deste rio, entre a plancie

    amaznica e o planalto central brasileiro, na coordenada geogrfica 8 54' 46'' de latitude Sul e 63

    40' 00'' de longitude Oeste (AGRA, 2012).

    O municpio faz fronteira, ao Norte, com o Estado do Amazonas, ao Sul com os municpios

    de Buritis e Nova Mamor, a Leste com o municpio de Candeias do Jamari e a Oeste com os

    Estados do Amazonas e Acre. Abriga trs Terras Indgenas e quatorze Unidades de Conservao,

    dispondo de um Plano Diretor, institudo pela Lei Municipal n. 311, de 30 de junho de 2008 que

    orienta quanto poltica urbana, o ordenamento territorial e a mobilidade urbana, dentre outros.

    O clima de Porto Velho apresenta perfil quente e mido, sendo sua temperatura mdia anual,

    mnima e mxima respectivamente de: 25,2C; 20,9C e 31,1C (BRASIL, 1992), conforme registro

    do Instituto Nacional de Meteorologia para o perodo 1961-1990. Sua topografia indica relevos

    ondulados a fortemente ondulados e acidentados. Com relao vegetao, h nas partes mais

    altas extensas reas de cerrado e nos vales e encostas, predominam formaes florestais tipicamente

    amaznicas. Ocorrem, ainda, grandes reas de transio entre o cerrado e a floresta. Domina a

    Floresta Ombrfila Aberta Submontana (46%), apresentando ainda: Vegetao de Contato

    Savana/Floresta Ombrfila (18,3%), Savana Arborizada (8,8%), Savana Densa (8,05%), Savana

    Parque (7,8%), Floresta Ombrfila Densa Submontana (6%), Savan Gramnea-Lenhosa (1,6%), e

    outras (AMBIENTE BRASIL, 2014).

    A bacia hidrogrfica do Rio Madeira tem como principais afluentes, em sua margem direita

    os rios Mutum-Paran, Jacy-Paran, Caracol, Jamari e Machado, destacando-se ainda outros

    importantes rios como: Candeias, Jacund, Garas, Preto do Jacund e muitos outros de menor

    porte. Pela margem esquerda do rio Madeira afluem os rios Abun, Caripunas e Cuni, alm do rio

    Marmelo e o So Sebastio.

    A cidade possui 34.068,50 km de extenso e considerada a maior capital brasileira em

    termos de rea territorial, alm de uma das cidades que mais cresce atualmente no Brasil, devido a

    investimentos do Programa de Acelerao do Crescimento Econmico do Governo Federal PAC.

    Segundo dados da Federao das Indstrias do Estado de Rondnia (FIERO, 2011), esse Estado

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Nortehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Amaz%C3%B4nia_Ocidentalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Madeira

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    concentra hoje a maior taxa de ocupao da populao economicamente ativa da regio norte

    (94,6%) e a segunda menor taxa de desemprego do Brasil. Sua populao, segundo o ltimo censo

    de aproximadamente 428 mil habitantes (IBGE, 2010), distribuda entre 66 bairros em permetro

    urbano, trs reservas indgenas (Karitiana, Kararaxi e Karipuna) e de 12 distritos na zona rural e

    ribeirinha.

    A vida nesse espao existe a milhares de anos, muito antes da chegada de exploradores

    europeus, de seringueiros, de engenheiros construtores de ferrovia, de militares construtores de

    linha telegrfica ou de tcnicos empenhados na produo de energia eltrica. Embora todos esses

    atores sociais tenham contribudo para a formao de Porto Velho, para uma nova modelao de seu

    espao e cultura, no podemos nos esquecer de que povos indgenas habitavam a floresta amaznica

    desde tempos imemoriais. Esses povos, conforme Meggers (1987) constituam civilizaes bem

    adaptadas ao meio natural, habitando tanto as vrzeas quanto as terras firmes. Esses grupos

    indgenas, cuja histria desconhecemos, foram definidos pela autora (op. cit.) como povos do

    milho e povos da mandioca, sendo o primeiro identificado pelo seu principal produto alimentcio

    o milho -, que costumava ser plantado nos planaltos andinos e tambm na plancie amaznica, nas

    regies de terra firme; e o segundo, os povos da mandioca, tinham esse produto como principal

    referncia de sua dieta e de sua cultura, utilizando-o tanto no cotidiano quanto nos momentos

    festivos, transformando-o em bebida fermentada.

    Devido dizimao sofrida por essas sociedades indgenas no contexto da colonizao do

    Brasil e mesmo no sculo XX, com a expanso da fronteira agrcola do pas (a chamada corrida

    para o oeste), no possumos fontes suficientes para traar um perfil desses povos e sua cultura,

    tendo de nos basear apenas em dados arqueolgicos (campo que recebe poucos incentivos na

    cincia brasileira) e relatos de viajantes estrangeiros (em geral estereotipados e preconceituosos

    acerca dos modos de vida das populaes tradicionais amaznicas). Perdemos em conhecimento,

    perdemos em possibilidades de outro tipo de vida, qui mais consciente da importncia da

    preservao ambiental para a sustentao da vida.

    Porto Velho se formou no incio do sculo XX, a partir da instalao da empresa Madeira-

    Mamor Railway Company, que visando superar o trecho encachoeirado do Rio Madeira para a

    escoao do ltex produzido nos seringais da regio, retomou trabalhos para a construo de uma

    ferrovia, popularmente conhecida como ferrovia do diabo, devido grande quantidade de

    trabalhadores mortos em decorrncia das limitaes da ateno sade, aos acidentes de trabalho e

    ao contato com povos nativos que resistiam ocupao de seus territrios. Antes de se tornar

    cidade, no entanto, a vida nesse espao j manifestava suas cores. Centenas de indgenas, caboclos,

    ribeirinhos e viajantes transitavam ou habitavam seu espao, muito antes de 1914.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Primeiramente, gostaramos de lembrar que o que corresponde hoje a Porto Velho nasceu

    como um porto natural, onde viajantes e aventureiros atracavam seus barcos para descarregar seus

    produtos, descansar ou contornar, por terra, o trecho encachoeirado do Rio Madeira. Apenas no

    sculo XX esse atracadouro natural passou a ser trabalhado pela engenharia de forma a funcionar

    organizadamente, para atender as demandas crescentes de transporte de produtos entre os diversos

    municpios amaznicos.

    Em segundo lugar, destacamos que, em face de poucas estradas os rios so as principais vias

    de transporte e conexo entre as pessoas e os lugares, permitindo a ocupao espacial, mas na

    cultura amaznica tradicional esses rios no so apenas instrumentos de uso, meios para se chegar

    de um ponto a outro, mas elemento com o qual se convive em simbiose:

    O rio, sempre o rio, unido ao homem, em associao quase mstica, o que pode comportar a

    transposio da mxima de Herdoto para os condados amaznicos, onde a vida chega a

    ser, at certo ponto, uma ddiva do rio, e a gua uma espcie de fiador dos destinos

    humanos. Veias do sangue da plancie, caminho natural dos descobridores, farnel do pobre

    e do rico, determinante das temperaturas e dos fenmenos atmosfricos, amados, odiados,

    louvados, amaldioados, os rios so a fonte perene do progresso, pois sem ele o vale se

    estiolaria no vazio inexpressivo dos desertos. Esses osis fabulosos tornaram possvel a

    conquista da terra e asseguraram a presena humana, embelezaram a paisagem, fazem girar

    a civilizao - comandam a vida no anfiteatro amaznico (TOCANTINS, 1998, p.278)

    O Madeira, assim como outros rios amaznicos, possibilitou a fixao da vida na floresta e

    sua gradual transformao em espaos urbanos. A relao tecida pelas sociedades que habitavam

    suas margens antes dos ciclos recentes de explorao econmica demonstrava certo respeito e

    harmonia com esse elemento marcante da paisagem, que se estende por cerca de 1.460 km.

    Sem desconsiderar as dificuldades enfrentadas pelos povos habitantes da plancie amaznica

    especialmente a partir do sculo XVII, de quando datam os principais registros do contato entre

    indgenas e colonizadores ibricos, e sem querer reproduzir uma viso romntica sobre a vida em

    espao selvtico, considera-se que a relao das populaes tradicionais com o rio e o meio

    ambiente, de modo geral, seguiam, positivamente, contramo da histria. Isso por que, enquanto

    na Europa se vivia a ciso entre natureza e cultura, colocando-se o homem como superior a todos os

    elementos naturais, na Amaznia a cultura se desenvolvia de maneira integrada aos recursos

    naturais, com usos mais racionais desses recursos e possivelmente, com uma postura de

    humildade, de reconhecimento das limitaes humanas frente s foras telricas.

    A lgica europeia que dissociava natureza e cultura e conferia ao homem o direito de se

    sobrepor aos diversos ecossistemas e explor-los ao seu bel prazer desencadeou uma das maiores

    crises da razo jamais enfrentadas, vez que, aps a Segunda Guerra Mundial, os limites de nossa

    racionalidade e de nosso modelo de desenvolvimento econmico mostraram-se insustentveis.

    Sabemos que os recursos naturais so limitados, que sua renovao, quando possvel, obedece a um

    tempo de longussima durao e que nosso modelo de crescimento econmico coloca em risco a

    continuidade da vida no planeta. Vivemos, portanto, uma era de complexidades crescentes, na qual

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    as leis e princpios da cincia normal j no so suficientes, tendo em vista os contornos qualitativos

    dessa complexidade. Para Porto (2012, p. 138),

    A complexidade emergente essencialmente qualitativa, dialtica, histrica e plural, e a

    existncia de leis atemporais ou independentes do contexto que regem os fenmenos

    fisicalistas e, em parte, os biolgicos no se aplica da mesma forma aos fenmenos sociais

    e humanos. A complexidade do viver humano eleva a dimenso qualitativa ao mximo,

    pois traz no seu centro questes teleolgicas e ticas relacionadas conscincia humana,

    aos valores e objetivos dos seres humanos em suas culturas e organizaes.

    Com base no exposto, fica evidente a necessidade de uma nova cincia, ou pelo menos, da

    renovao de seus mtodos e abordagens, e nesse contexto, a geo-histria se mostra um campo frtil

    de possibilidades para a produo de anlises que buscam um conhecimento integrado entre as

    interaes do meio social com o meio fsico.

    Referncias

    ABREU, Capistrano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Brasilia: EDUNB, 1982.

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    1988.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Migrao e identidade do negro em Rondnia

    Simeia de Oliveira Vaz Silva

    RESUMO: O presente artigo tem a princpio algumas pretenses, sua proposta inicial compreender como a populao atual do estado de Rondnia foi formada com uma grande contribuio de negros, uma vez que Rondnia

    no faz parte da rota do Atlntico e no tem tradio no comrcio de escravizados negros africanos, e assim entender a

    identidade negra rondoniense dentro desse processo migratrio. A segunda pretenso do artigo ao comear a esboar

    esse entendimento, dar incio primeira parte do projeto O ensino da Histria e da Cultura afro-brasileira em Porto

    Velho-RO: a aplicao da Lei 10.639/20031. Para compreender esse processo de formao da populao local buscou

    vislumbrar mais detalhadamente importantes momentos histricos constituintes dessa identidade sendo o perodo de

    formao do Estado, a vinda dos afro-caribenhos e os momentos de intensa migrao para o Estado. Esses perodos

    distintos podem nos ajudar a compreender a formao dessa populao e como a identidade rondoniense foi se

    caracterizando ao longo desses processos. E assim, abordando a primeira parte do projeto de pesquisa acima citado ao

    dar contornos ao quadro local ao qual a Lei 10.639/2003 ir se permear; partindo do ponto de sancionamento da lei, aos

    seus antecedentes como os PCNs e ao lanamento da DCN - Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da

    Histria e Cultura Afro-Brasileira e a busca por uma identidade.

    Palavras-chave: Rondnia identidade- Lei 10.639/2003.

    ABSTRACT: The present article has some claims at first, its initial proposal is to understand how the current population of Rondnia State was formed with a large contribution of blacks, once Rondnia is not part of the route of

    the Atlantic and has no tradition in trade in enslaved black Africans, and so understand the Black identity rondoniense

    within this migration process. The second claim of the article when you start sketching this understanding, is to begin

    the first part of the project the teaching of history and of Afro-Brazilian culture in Porto Velho-RO: law enforcement

    10,639/2003. To understand this process of forming local population sought to glimpse more important historical

    moments constituents see this identity being the period of formation of the State, the advent of the Afro-Caribbean and

    moments of intense migration to the State. These distinct periods can help us understand the formation of this

    population and how the identity rondoniens.

    Keywords: Rondnia-identity-Law 10,639/2003.

    INTRODUO

    O presente artigo resultado da proposta avaliativa do seminrio sobre Migraes e

    Identidade ministrado pela Prof. Tas Campelo no curso de Mestrado em Histria da Pontifcia

    Universidade Catlica do Rio Grande do Sul em parceria com a Faculdade Catlica de Rondnia. O

    projeto de pesquisa O ensino da Histria e da Cultura afro-brasileira em Porto Velho-RO: a

    aplicao da Lei 10.639/2003 nasce da vontade de entender como as escolas pblicas de Porto

    Velho-RO se adaptaram ou no para atender lei, uma vez que nosso Estado tem uma populao

    1 O projeto visa compreender a como se d o processo de migrao do negro para o Estado de Rondnia, para analisar o

    impacto da aplicabilidade da Lei 10.639/2003 nas escolas pblicas de Porto Velho. O problema a ser analisado se os

    contedos apresentados nos livros didticos adotados pelo Estado de Rondnia possibilitam a aplicabilidade da Lei

    10.639/2003 ou no. Se a viso da Histria e Cultura Afro-brasileira apresentada na Lei oportunizada pelo livro

    didtico, que a ferramenta imediata da implantao da Lei.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    negra imensa, e tentar entender isso ver e analisar muitos pontos ainda no vistos, tentando dessa

    forma preencher algumas lacunas.

    preciso analisar, por exemplo, que a histria dos escravizados no Brasil foi marcada pelos

    maus tratos, trabalho forado, pela violncia e pela discriminao racial. Ao longo dos anos, mesmo

    aps a abolio da escravatura, o negro foi colocado s margens da sociedade, a ponto de nosso ex-

    presidente, Lus Incio da Silva e sancionador da Lei 10.639/2003 e afirmar que o Brasil tem uma

    dvida histrica com os negros, o que gerou muitos protestos e crticas, segundo algumas opinies

    nossa dvida como nao com os indgenas, os negros deviam cobrar essa dvida dos europeus

    portugueses. Sculos de subjugao conduziu o negro, que foi escravizado ou seus contemporneos

    e descendentes a estar sempre um passo atrs do restante da sociedade, salvo as excees. O que a

    referida lei busca, em sua intencionalidade resgatar a contribuio do que a Lei chama de povo

    negro2 nas reas social, econmica e poltica pertinente Histria do Brasil e para isso tornou

    obrigatrio no calendrio escolar o Dia Nacional da Conscincia Negra (20 de novembro) e o

    ensino sobre a Histria e Cultura Afro-brasileira, de maneira interdisciplinar e principalmente nas

    reas de Histria, Educao Artstica e Educao Fsica.

    A Diretriz Curricular Nacional para a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino

    da Histria e Cultura Afro-Brasileira parte da concepo da obrigatoriedade do Estado em

    contribuir com polticas pblicas afirmativas no combate discriminao do negro. A escola ,

    portanto, o ponto de partida, no cotidiano escolar, tendo como base o ensino das reas de Histria,

    Educao Artstica e Educao Fsica como determina a Diretriz, que novos princpios devem ser

    estabelecidos para nortear os pressupostos pedaggicos na construo dessas aes afirmativas.

    MIGRAO E MOVIMENTO DO NEGRO

    a partir de 1985, no perodo em que se convencionou chamar de ps-redemocratizao que

    o movimento negro ganhou fora na sociedade brasileira e representatividade em fora de lei com a

    aprovao de dois grandes documentos os PCNs (Parmetros Curriculares Nacionais), em 1996,

    que introduziram no ensino, em seus temas transversais os contedos de histria africana e a DCN

    (Diretriz Curricular Nacional) para a Educao das Relaes tnico-raciais e para o ensino de

    histria e cultura afro-brasileira que tornou obrigatrio o ensino da Histria e Cultura Afro-

    2 Entendemos aqui a problemtica do conceito. Povo negro um conceito que indica a uniformidade de uma nao, de

    um povo que se identifica como negro, que tem uma histria, uma identidade. A Lei no leva aqui em considerao as

    mltiplas etnias e cultura africana, nem suas afinidades. Todavia, usamos o termo aqui, porque fazemos meno a

    trechos da Lei.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    brasileira nas disciplinas j acima citadas. Esses documentos, embora resultantes de uma trajetria

    de movimentos negros apontam para lados opostos. Os PCNs, ao abordar o tema da diversidade

    cultural, trabalham a ideia de construo de uma identidade nacional atravs da miscigenao das

    trs raas, o branco, o negro e o ndio que juntos formariam a nossa atual sociedade, uma vez que

    esses grupos se miscigenaram e formaram a nossa populao, e portanto, buscam valorizar essa

    sociedade, valorizar isso resgatar essa identidade nacional. Os Parmetros ento fazem parte da

    formao de um discurso sobre a origem da populao brasileira, da construo de um discurso

    oficial sobre a nao3. O papel do negro ganha destaque a partir da gesto poltica de Getlio

    Vargas que, no seu governo ps 1937, deu incio a um projeto de formao de nao e foi buscar na

    cultura negra esse trao considerado genuinamente brasileiro, assim, por exemplo, que se valoriza

    o samba. Entretanto, a Diretriz Curricular Nacional aponta para a valorizao da histria e cultura

    afro-brasileira, levando a entender ento que, se h a necessidade do ensino, ento no h

    valorizao dessa cultura. , portanto, o resultado de uma longa discusso poltica em torno das

    questes tnicas, discusses essas que ganharam espao desde 1930.

    Desde o final da dcada de 1990, as noes de cultura e diversidade cultural, assim como

    de identidades e relaes tnico-raciais, comearam a se fazer presentes nas normatizaes

    estabelecidas pelo MEC com o objetivo de regular o exerccio do ensino fundamental e

    mdio, especialmente na rea de histria (...) (ABREU e MATTOS, 2008, p. 2).

    Dessa forma, a Diretriz Curricular Nacional nasce nesse ensejo e dentro dessa perspectiva de

    discusso sobre etnia, e apresenta em seu seio avanos e retrocessos, que se manifestam em

    permanncias e descontinuidades. Ela vem atender aos objetivos propostos pela Lei de Diretrizes e

    Bases (Lei 9.394/96) e pela 10.639/00 que programavam no ensino bsico o ensino da Histria e

    cultura afro-brasileira, cumprindo dessa maneira a legislao federal e muitas outras vozes4. Vozes

    essas que se tornam relevantes na construo dessa frica e seus significados, e nesse sentido o

    Movimento Negro ganha destaque na busca por compreender e difundir essa frica no Brasil,

    principalmente a partir de 1970. Por isso, a Lei de Diretrizes e Bases de 1996 considerada para

    esses movimentos uma vitria e tambm o incio de uma nova luta, dessa vez para sua implantao

    de modo efetivo: habilitando professores, produzindo material didtico ou paradidtico, enfim,

    3 SANSONE. Da frica ao afro: uso e abuso da frica entre os intelectuais e na cultura popular brasileira durante o

    sculo XX. 4 A DCN atende aos propsitos do CNE/CP6, buscando cumprir a Constituio Federal nos seus Art. 5, I; Art.210; Art.

    206, I, 1 do Art. 242; Art. 215; Art. 216; e os Art. 26, 26A e 79B da Lei 9.394/96. Alm disso, responde a

    Constituio Estadual da Bahia (Art. 275, IV e 288), do Rio de Janeiro (Art. 306) e Alagoas (Art. 306); as Leis

    Orgnicas de Recife (Art. 138), Belo horizonte (Art.182, IV) e Rio de Janeiro (Art. 321, VIII); as Leis Ordinrias de

    Belm (Lei Municipal n 7.685, de 17/01/94), de Aracaju (Lei Municipal n 2.251, de 30/11/94) e a de So Paulo (Lei

    Municipal n 11.973 de 04/01/96). Atende tambm ao Estatuto da Criana e do adolescente (Lei 8.096, 13/06/90), do

    Plano nacional de Educao (Lei 10.172 de 09/01/01) e as reivindicaes e propostas do Movimento Negro.

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    viabilizando o cumprimento da Lei. E nessa busca de viabilizao da Lei que se encontra o objeto

    de pesquisa.

    Definido ento o projeto de pesquisa e sua relevncia, podemos compreender sua relao

    com o tema do atual artigo. Se h uma lei federal que nos atinge diretamente, no apenas porque se

    estabelece em nossas escolas, mas tambm porque busca resgatar o valor de uma populao de

    nmero expressiva em nosso Estado, entender como essa parcela da sociedade rondoniense se

    formou importante. Todavia, voltamos para a pergunta inicial: como entender a dispora negra em

    Rondnia se esse territrio no fazia parte da rota do Atlntico? Porque pensar isso, pensar como

    se constitui essa identidade cultural em suas mltiplas complexidades,

    De forma mais geral, esse debate torna-se um problema terico a partir da modernidade

    quando a identidade passa a ser encarada como algo sujeito a mudanas e inovaes. Esse

    tema est relacionado (...) como nos constitumos, percebemo-nos, interpretamos e nos

    apresentamos para ns mesmos e para os outros (...) (ESCOTEGUY, 2001, p. 139).

    Entender, portanto, essa identidade negra algo extremamente complexo voltil, no um

    conjunto de smbolos fechados. Como afirmou Hall,

    contraditrio, portanto, sugerir uma relao sincrtica, porque os elementos de igualdade

    so inscritos diferentemente pelas relaes de poder, principalmente as de dependncia e

    subordinao do colonialismo (HALL, 2011, p. 34).

    Passamos a perceber ai uma relao hbrida cuja migrao tornou-a mais forte. A migrao

    um evento histrico mundial que colocou essas questes como raa, etnia, identidade entre outras

    mostra para serem discutidas, analisadas e refletidas; e segundo Hall, tornou-se a prpria

    experincia da diaspra. Entender essa identidade em Rondnia uma pretenso que no alamos

    voo pleno neste artigo, apenas discutiremos alguns conceitos tericos, uma vez que para se pensar

    sobre isso era necessrio entender a identidade rondoniense, que no tarefa fcil, ao contrrio

    uma tarefa rdua e longnqua que este trabalho no tem como demarcar em absoluto o seu territrio,

    mas pode e ir no decorrer demarcar alguns pontos para posteriormente se definir algumas

    fronteiras e alguns limites. Isso , vislumbrar pequenos voos. O Estado de Rondnia como tantos

    outros lugares resultado de um intenso processo migratrio e, portanto, diasprico que torna quase

    que impossvel identificar uma identidade prpria. Somos o exemplo do hibridismo e da

    ambiguidade.

    O primeiro desse momento histrico est relacionado com a formao do estado. Rondnia

    que foi constitudo com o desmembramento de terras pertencentes ao Mato Grosso e Amazonas, a

    partir do sculo XVII. Nesses lugares do vale do Guapor, a colonizao portuguesa no diferiu do

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    restante do pas, baseou-se no trabalho escravo, na explorao de riquezas, nesse caso a minerao

    de ouro, mas com um diferencial apenas: o fato de que a Amaznia serviria como ocupao militar

    para garantir as fronteiras portuguesas No incio do sculo XVII, foi dada a ordem para construo

    de diversas fortificaes na regio:

    So Jos de Macap, na foz do rio amazonas; Tabatinga, no rio Solimes; Marabitanas, no

    rio Negro; So Joaquim, no rio Branco; Real Forte Prncipe da Beira, no rio Guapor; Forte

    de Coimbra, no rio Paraguai (...) (PINTO, 2003, p. 66).

    para essa regio que vieram os escravos africanos que mesmo aps o fracasso dessas

    empreitadas coloniais se mantiveram aqui. Emanuel Pontes Pinto5, ao escrever sobre a capital da

    Capitania de Mato Grosso, Vila Bela da Santssima Trindade de Mato Grosso em seu processo

    inicial, afirma que havia (...) no povoado, nessa poca, somente 80 homens brancos (...)

    (PONTES PINTO, 2003, p. 47). A grande maioria era sem dvidas de escravizados africanos, cujo

    trabalho fez andar a mquina colonial portuguesa no vale do Guapor e cujos descendentes fixaram

    aqui sua residncia aps a falncia da empresa mineradora quando foram abandonados por seus

    senhores ou, pelo fato de fugirem e constiturem comunidades quilombolas ao longo do rio

    Guapor, algumas delas reconhecidas hoje como remanescentes quilombolas. claro que, nesse

    grupo, nos deparamos com as marcas e tradies da colonizao portuguesa como o catolicismo por

    exemplo. Esse grupo se fez um pouco mais recluso, mas veio, portanto, a ser a primeira onda

    migratria negra para o Estado.

    Um segundo momento a ser observado o da chegada dos primeiros afro-caribenhos, mais

    especificamente os que vieram de Barbados e que aqui foram carinhosamente chamados de

    barbadianos,

    (...) Esse contingente de trabalhadores especializados foi deslocado para o vale do Madeira

    e do Mamor a fim de atuar na construo da ferrovia e das cidades que surgiram em

    funo da mesma (...) (TEIXEIRA, FONSECA, MORATTO, 2011, p. 1).

    Vieram, portanto, para a construo da Estrada de Ferro Madeira-Mamor (1873-1912) e se

    tornaram um grupo mpar na histria de Porto Velho, uma vez que foram primordiais para reas

    como a educao e a sade. Ao palestrar sobre a dispora caribenha para o Reino Unido, e como

    essas comunidades caribenhas visualizavam sua terra natal, Stuart Hall escreveu que para os

    caribenhos a identidade uma questo histrica, a noo de Caribe nasce pela violncia gerada pela

    conquista, expropriao, genocdio, escravido, tutela colonial, mas que nem por isso os caribenhos

    deixaram de procurar sua terra prometida, que pode nunca ser encontrada. Talvez isso explique

    5 Professor mestre em histria pela UFRJ, autor de vrios livros sobre a Histria de Rondnia.

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    porque muito barbadianos retornaram a sua terra e outros permaneceram. o que Benedict

    Anderson chama de comunidade imaginada.

    Depois desse momento, tivemos outros momentos de migrao caribenha no Estado,

    De fato, para alm deste perodo de construo da EFMM, tambm foi assistida a migrao

    de negros denominados barbadianos, antilhanos ou West-indians, como eram

    identificados os procedentes da Amrica Central, em diversas regies da Amaznia,

    notadamente nas reas em que o fenmeno da urbanizao se fazia sentir, como eram os

    casos de Belm, Manaus e Porto Velho. Portanto, ao longo da primeira metade do sculo

    XX, ainda por conta da ao de empresas estrangeiras que mantinham forte presena em

    toda a Amaznia, a entrada de afro-caribenhos, denominados barbadianos foi um

    processo relativamente comum na regio, estando sujeita s oscilaes dos investimentos e

    da produo da economia urbana em questo (TEIXEIRA, FONSECA, MORATTO, 2011,

    p. 8).

    Os autores acima citados destacam o isolamento social desse grupo que embora, ocupando

    cargos de destaque e sofrendo discriminao formaram grupos fechados, parcialmente isolados,

    contudo isso no parece ser caracterstica exclusiva de Rondnia uma vez que em outros pases o

    mesmo aconteceu com comunidades caribenhas, o caso do Reino Unido. L esse processo

    migratrio se d em 1948, e em 1998 quando Hall proferiu a palestra esse ainda era um sentimento

    forte, to forte que afirmou o pensamento de Lamina, de que a sua gerao tornou-se caribenha,

    no no Caribe, mas, em Londres. O oposto, o contraditrio, o diferente a fez se afirmar dentro de

    uma identidade comum ao ponto de formarem comunidade de no Reino Unido. o que Hall chama

    de identificao associativa. Onde d primeira at a terceira gerao buscava elos de associao

    para se identificarem, para formar uma identidade, portanto, a formao de novas formas de

    identidade est ligada ao recontar o passado atravs da memria e afirmao da diferena.

    (HALL, 1996, p. 140). E mesmo quando o local de origem no mais a nica fonte de identificao

    outros fatores ou pontos sero levantados, buscando o que Hall chama de elo umbilical. Buscar

    aquela comunidade imaginada que Benedict Anderson cita, onde sentimento de pertencimento, de

    reconhecimento e de identidade podem ser encontrados.

    E por fim, chegamos ltima leva de migrao. Esse grupo constitui-se num grupo muito

    variado e chegou em momentos diferentes, mas todos ligados a grandes ciclos de explorao do

    Estado, importantes em sua formao,

    O terceiro segmento populacional negro de Rondnia muito mais difuso e variado.

    Constitui-se de afrodescendentes provenientes de diversas regies do Brasil que migraram

    para as terras que hoje formam o Estado de Rondnia em diferentes momentos a partir do

    Ciclo da Borracha (1870/1945), das mineraes de cassiterita, pedras preciosas e ouro

    (1950/1990) e para as frentes de colonizao agropastoril (1960/1990) (TEIXEIRA,

    FONSECA, MORATTO, 2011, p. 9).

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Logo esse grupo encontrou seu espao como seringueiros, soldados da borracha,

    mineradores e agricultores. Este ltimo, em sua maioria nos projetos de colonizao do Estado que

    nos remete aos projetos nacionais de integrao desse espao ao espao nacional, onde a mquina

    pblica foi utilizada para atrair ao Estado gente no sentido de encaminhar a vocao agrcola de

    Rondnia e ocupar esse territrio e assim garantir a soberania nacional. Como resultados desses

    projetos, muitas cidades do interior do estado surgiram. Esse foi um processo muito difcil e que

    marginalizou essas populaes. Quando o ciclo da borracha ou da minerao, por exemplo, faliu,

    no houve uma organizao por parte do Estado para acolher essa populao, muitos ficaram aqui

    por no ter condies de retornarem. Muitos vieram enganados por propagandas inverdicas de uma

    terra extremamente frtil de um eldorado amaznico, que na prtica no correspondia exatamente

    ao prometido, fazendo nascer em pouco tempo uma populao expulsa do campo, de sua pequena

    propriedade por um pecuarista dotado de muito mais recursos tendo que ir para a cidade.

    Acredito que por causa dessa migrao to intensa no Estado de Rondnia, a implicao na

    identidade tambm foi forte e emblemtica. H uma recproca relao entre migrao e identidade.

    A globalizao tem implicaes com a identidade (Hall, 2011, p. 34),

    Portanto, importante ver essa perspectiva diasprica da cultura como uma subverso dos

    modelos culturais tradicionais orientados para a nao. Como outros processos

    globalizantes, a globalizao cultural desterritorializante em seus efeitos. Suas

    compresses espao-temporais, impulsionadas pelas novas tecnologias afrouxaram os laos

    entre a cultura e o lugar. Disjunturas patentes de tempo e espao so abruptamente

    convocadas, sem obliterar seus ritmos e tempos diferenciais. As culturas, claro, tm seus

    locais. Porm, no mais to fcil dizer de onde elas se originam (...) (HALL, 2001, p.

    36).

    Se a globalizao em seu carter migratrio torna a identidade algo hbrido e ambguo, essa

    complexidade torna-se ainda mais explcita quando percorremos a definio de Hall de que essa

    identidade afirmada ou reafirmada se contando o passado e afirmando as diferenas. Isso o que

    Stuart chama de Mito Fundador6. Esse mito fundador levaria a uma noo exclusiva de ptria

    (aquele sentimento de pertencimento de um lugar) e assim criaria um paradoxo, porque a

    globalizao em seus efeitos desterritorializante, ela faz uma disjuntura da cultura em seu tempo e

    espao, tornando assim, a cultura uma produo daquilo que fazemos com nossas tradies que,

    como muito bem descreveu Hobsbawn e Ranger, so inventadas e construdas para dar sentido aos

    smbolos do nacionalismo e a construo da nao.

    6 Para Stuart Hall, o mito fundador uma concepo fechada de tribo, dispora e ptria. Essa identidade seria

    imutvel e atemporal, isso seria tradio.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    Todavia, nesse sentido a memria torna-se o fio condutor dessa histria. Como ento, ver

    essa memria construtiva dessa identidade social? Acredito que as reflexes de Michael Pollack

    sobre Memria e Identidade Social vm nos fornecer uma lente para essa anlise,

    A priori, a memria parece ser um fenmeno individual, algo relativamente ntimo, prprio

    da pessoa. Mas Maurice Halbwaschs, nos anos 20-30, j havia sublinhado que a memria

    deve ser entendida tambm ou, sobretudo, como um fenmeno construdo coletivamente e

    submetido a flutuaes, transformaes, mudanas constantes (POLLACK, 1992, p. 202).

    Ento, a memria individual tambm uma memria coletiva, e logo faz parte de uma

    identidade social que pode ser construda e reconstruda e dessa forma a identidade pode ir se

    transformando em meios a esses fluxos. Sendo assim, como encontrar ento algo que possa ser

    entendido como um marco? Para Pollack isso perfeitamente possvel. No porque a memria

    sofre variaes, que no podemos encontrar marcos, pontos invariveis. Assim sendo essa memria,

    (...) individual ou coletiva, pode ser flutuante, e mutvel, mas, pode apresentar pontos

    invariveis e imutveis que so percebidos numa entrevista em momentos que mesmo

    perdendo-se na fala sempre volta a um (s) determinado (s) ponto(s) (POLLAK, 1992, p.

    203).

    Logo, existem elementos que so constitutivos dessa memria individual ou coletiva, que

    so os acontecimentos vivenciados pessoalmente e os acontecimentos que foram vivenciados

    atravs dos outros. Alm disso, as pessoas, os personagens, os lugares fsicos bem como os lugares

    de apoio da memria como as comemoraes so elementos que constroem essa memria coletiva

    que pode ser projetada e transferida. Essa memria tem caractersticas como a seletividade, ela

    seletiva, porque escolhe os fatos a serem armazenados; algo herdado e construdo quer seja na

    esfera do individual quer seja do social, mas em funo de preocupaes pessoais e polticas.

    Vale perceber que as flutuaes da memria no a diminuem, mas nos chama a ateno ao

    dito e no dito da histria, se toda pesquisa historiogrfica se articula com lugar de produo

    socioeconmico, poltico e cultural, a escolha desse lugar ou a sua no escolha to significativo

    quanto, logo este lugar deixado em branco ou escondido pela anlise (...) uma instituio do saber

    (CERTEAU, 1982, p. 68).

    E essa instituio da memria como afirmou Cartroga, ser sempre axiolgica, fundacional,

    socializadora, reatualizadora de um passado que tende a fundir no presente, a subjetividade com a

    objetividade (CARTROGA, 2001, p. 40). E nesse caso o trabalho quase cientfico do historiador

    que vai separar memria e historiografia. Nesse ponto, Paul Ricouer nos traz luz ao identificar que

    em seus prprios campos a memria e a historiografia se encontram na conscincia da dvida,

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    conscincia essa que o princpio de um trabalho cientfico. Estabelecer esses limites uma tarefa

    complexa, que se torna ainda mais tnue quando nos lembramos de que para Paul Veyner de certa

    forma a histria filha da memria, uma vez que a historiografia legitimadora da memria,

    todavia o oposto tambm verdade: a histria um produto da memria. A grande diferena que

    enquanto a memria julga a historiografia pretende explicar e compreender os fatos.

    CONSIDERAES FINAIS

    A identidade algo construdo dentro de uma memria coletiva e social que se utiliza de

    valores como uma unidade fsica que nos d o valor de pertencer a um lugar; a ideia de

    continuidade dentro de um perodo de tempo seja ele fsico, moral ou psicolgico e o valor de

    unidade e identificao entre as pessoas. Isso trabalho da memria. Uma vez que,

    (...) A construo da identidade um fenmeno que se produz em referncia aos outros, em

    referncia aos critrios de aceitabilidade, de admisissibilidade, de credibilidade, e que se faz

    por meio da negociao direta com os outros (...) (POLLAK, 1992, p. 204).

    Foi nesse sentido ento de aceitabilidade, de se passar uma imagem de si para ou outros e

    para ns mesmos que essa identidade social foi sendo forjada no emblemtico fluxo migratrio

    rondoniense. Dessa maneira, a aplicabilidade da lei 10.639/2003 e sua efetividade no estado de

    Rondnia corresponderia inteno da lei? Iria ao encontro das disparidades de identidade desse

    Estado? Esses so questionamentos ainda em abertos que nos convida reflexo.

    Referncias

    ABREU, Marta e MATTO, Hebe. Em torno das Diretrizes curriculares nacionais para a educao

    das relaes tnico-raciais e para o ensino de histria e cultura afro-brasileira e africana: uma

    conversa com historiadores. Estudos histricos. v.21, n 41 (janeiro-junho de 2008), p. 5-20.

    Rio de Janeiro.

    ABREU, Marta e SOIHET, Rachel. Ensino de histria: conceitos, temticas e metodologia.

    organizao. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009

    CATROGA, Fernando. Histria, memoria e historiografa. Coimbra: Quarteto, 2001.

    CHARTEU, Michel de. A escrita da histria. Rio de janeiro: Forence Universitria,1982. (esp.

    Cap. 2: A operao Historiogrfica, p. 65-119)

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    DCN - Educao das Relaes Etnico-raciais e para o enino de Histria e Cultura Afro-

    Brasileira e Africana. MEC. Braslia- DF: 2004

    ESCOSTEGUY, Ana Carolina. "Identidades culturais: uma discusso em andamento". In:

    Cartografias dos estudos culturais: uma verso latino-americana. Belo Horizonte:

    Autntica, 2001. p. 139-185 e p. 217-219 (notas)

    HALL, Stuart. Da dispora: identidades e mediaes culturais. Org.:Liv Sovick. 1. ed. Belo

    Horizonte. Editora UFMG, 2009.

    HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. Inveno das Tradies. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.

    271-316

    OLIVEN, Ruben. "Cultura brasileira e Identidade Nacional (O Eterno Retorno)". In: MICELI, Srgio

    (org). O que ler na cincia social brasileira? 1970-2002. V. 4 So Paulo: Sumar: 2002. p.

    15-43

    VERDERY, Katherine. "Para onde vo a 'nao' e o 'nacionalismo"?". In: BALAKRISHNAN, Gopal

    (org). Um mapa da questo nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. p. 239-247

    VERENE, Alberti e PEREIRA, Amilear Araujo. Qual frica? Significados da frica para o

    movimento negro no Brasil. Estudos Histricos, n 39, (janeiro-junho de 2007), p. 25-56.

    Rio de Janeiro.

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    A funo da educao no campus Porto Velho Calama e o ideal de homem que se est formando

    Iranira Geminiano de Melo

    Liliane Barreira Sanchez

    Resumo: Este artigo tem por objetivo elucidar a funo da educao no Instituto Federal de Rondnia, Campus Porto

    Velho Calama, na viso dos educadores e dos alunos, explicitando o ideal de homem que esse Instituto acredita estar

    formando. Para proceder coleta de dados utilizamos a metodologia do grupo focal. Assim, fizemos o convite aos

    professores e alunos via email com o propsito de discutir a educao no IFRO, realizando um grupo focal com quatro

    docentes e outro com 20 discentes. Durante a realizao dos grupos utilizamos dois gravadores de voz, um moderador e

    um anotador. As falas foram transcritas e interpretados com base nos princpios da hermenutica e da teoria crtica. No

    olhar dos estudantes predominou o entendimento de que a Instituio tem a funo de formar para o mercado de

    trabalho. A viso dos professores se focou nas diretrizes, apontando, a preocupao em formar o tcnico e o cientista

    como funo institucional. As opinies foram divergentes em relao ao homem que est sendo formado, ficando

    evidentes preocupaes em no estar formando nem o tcnico, nem a pessoa com os conhecimentos necessrios

    continuao dos estudos.

    Palavras-Chave: Educao, ideal de homem, formao.

    Abstract: This paper aims is to analyze the role of education in IFRO, Campus Porto Velho Calama, in the view of

    teachers and students, demonstrating the ideal man that this Institute believes to be forming. For collection of data we

    use the methodology of the focus group. So did the invitation to teachers and students via email in order to discuss

    education in IFRO, a focus group with four teachers and another with 20 students being held. During the

    accomplishment groups we used two voice recorders, a moderator and a recorder. The discussions were transcribed and

    interpreted based on the principles of hermeneutics and critical theory. In the view students predominated the

    understanding that the institution has the function form for the labor market. The vision of the teachers focused on the

    guidelines, pointing to concern form the technical and institutional role as the scientist. Opinions differed on the man

    being formed and were evident concerns are not forming neither the technical nor the person with the knowledge to

    continue their studies.

    Keywords: Education, ideal man, formation.

    Introduo

    Este artigo resultado de parte da dissertao desenvolvida pela primeira autora, sob

    orientao da segunda. O objetivo elucidar a funo da educao no Instituto Federal de

    Educao, Cincia e Tecnologia de Rondnia (IFRO), Campus Porto Velho Calama, na viso dos

    educadores e, dos alunos, demonstrando o ideal de homem que esse Instituto acredita estar

    formando e estabelecendo uma relao com o que a Instituio se prope.

    As inquietaes com relao funo da educao no Campus Porto Velho Calama sugiram

    dos constantes debates presenciados em reunio de professores e conselhos de classe envolvendo a

    dicotomia formao humana versus formao tcnica. frequente a preocupao dos professores da

    formao bsica com a educao para o exerccio da cidadania, o acesso ao ensino superior e a

    emancipao do aluno. Enquanto aqueles da rea tcnica argumentam a necessidade de essas

    disciplinas serem desenvolvidas em consonncia com as matrias tcnicas para que a formao

    profissionalizante seja mais efetiva.

    As propostas pedaggicas dos cursos Tcnicos Integrados ao Ensino Mdio destacam o

    ensino como uma atividade de compartilhamento de contedo, e a aprendizagem como um processo

    de construo de conhecimentos. Nesse processo, os estudantes e os professores sero sujeitos em

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    constante dialtica, ativos nos discursos e efetivos para interferir nos processos educativos e no

    meio social a partir de contedos que associam o mundo do trabalho, a escola e a sociedade de

    modo contextualizado e trabalhados com recursos tecnolgicos e estratgias inovadoras, mediados

    por relaes afetivas, interacionais e transformadoras (IFRO, 2010, p. 12).

    Com base nesses princpios, surgem alguns questionamentos: transformar o ensino mdio

    em muleta para uma formao profissional efetiva no atende a amplitude da misso institucional e

    compromete o desenvolvimento integral do aluno e a possibilidade de acesso ao ensino superior,

    aumentando as possibilidades de se ter como resultado um mero tcnico, sem condies de realizar

    reflexes crticas e de transformar a realidade social em que est inserido? Se a falta de recursos

    tecnolgicos compromete as estratgias inovadoras, no se estaria incorrendo no risco de

    comprometermos o compartilhamento de contedo, a aprendizagem e a construo do

    conhecimento e com isso a formao cidad e tcnica do aluno? Esses so dois dos principais

    questionamentos que motivaram a realizao desse estudo, que envolve tambm aspectos relativos

    educao que estamos fazendo e educao que queremos.

    Em termos conceituais a palavra educao tem uma diversidade de definies na literatura.

    Aqui, consideramos necessrio apontar que, no modelo atual, ela surge com a Revoluo Burguesa,

    que, dentre seus objetivos, elencava a educao como um direito universal, assumindo,

    particularmente, a inculcao cultural. Ela abrange os processos formativos que se desenvolvem na

    vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos

    movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais (BRASIL,

    2010, p. 7).

    Assim, a educao apresenta tambm uma variedade de atores e elementos atuando no

    processo, que no deve ser visto apenas como a mera transmisso de conhecimentos ou de cultura

    de uma gerao para outra, bem como um instrumento que assegura a reproduo cultural, poltica,

    econmica e social de determinada sociedade. Vista apenas destas formas, podem-se aumentar as

    possibilidades de evitar que a educao seja um instrumento de fortalecimento do poder da classe

    dominante. Embora, como destaca Sanchez (2012, p. 123) pensar a educao como transmisso do

    patrimnio cultural e de formao de valores implica pensar os projetos pedaggicos dos diferentes

    contextos sociais e histricos, que so, tambm, projetos polticos, portanto, so institudos pela

    sociedade, com objetivos e finalidades especficas.

    Em relao aos objetivos e finalidades da educao, Sarti (1979, p. 38) afirma que a escola

    (assim como o processo educativo em geral) exerce uma funo dupla: formar mo de obra

    qualificada e transmitir os valores da classe dominante, sendo que ambos os aspectos dessa dupla

    funo se unificam na necessidade de expanso (econmica) e manuteno (ideolgica) do

    sistema.

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    Sobre a formao de mo de obra qualificada, Althusser (1996, p. 105) entende essa

    qualificao como indispensvel para a reproduo do status quo vigente: para existir, toda

    formao social, ao mesmo tempo em que produz, para poder produzir, tem que reproduzir as

    condies de sua produo - reproduzir as foras produtivas e as relaes de produo existentes.

    Dessa forma, o referido autor destaca que a condio suprema da produo a reproduo das

    condies de produo.

    E para reproduzir as condies de produo necessria a reproduo das foras produtivas,

    que para Althusser (1996, p. 107) assegurada em se fornecendo fora de trabalho os meios

    materiais para sua reproduo: atravs de salrios. Mas, o autor observa que para a fora de

    trabalho se reproduzir, no basta assegurar as condies materiais de sua reproduo, pois a mo de

    obra disponvel deve ser competente apta a ser posta no mercado de trabalho para trabalhar no

    complexo processo de produo.

    Silva (2006, p. 1-2) enfatiza que, na sociedade capitalista, cada vez mais os valores

    materiais sobressaem-se aos valores humanos, a individualizao, a competio e a concorrncia,

    essenciais ao desenvolvimento do capitalismo, levam o homem a atitudes subumanas que retratam a

    barbrie instaurada por esse sistema. Nesse contexto, a educao assume duplo papel: o de

    denunciadora da educao burguesa como instrumento da ideologia dominante e o de repdio

    categrico s propostas reformistas a serem implementadas pelo Estado burgus, reconhecendo os

    atributos da educao em termos de meio de conscientizao e revelando seu potencial

    transformador (SARTI, 1979, p. 9).

    Nesse sentido, importante destacar que a educao escolar (institucional) sempre ser uma

    ferramenta de conformao ideolgica, independentemente do sistema poltico-econmico vigente.

    Isso salientado tanto por Sarti (1979), ao analisar Lnin, que, aps conquistar o poder na Rssia,

    teria destacado a necessidade dos membros do partido conquistarem os professores e promoverem

    uma reeducao nos espaos culturais e de ensino; como por Souza (1987), para quem a educao

    uma ferramenta para construir e consolidar outros tipos de estrutura social, seja por meio de uma

    reforma ou de uma revoluo. Nesse caso, ela se transforma em um mecanismo utilizado para se

    criar as condies subjetivas que possam personificar relaes econmicas e ideolgicas nos

    grupos sociais que constituem a estrutura social (p. 29).

    Assim, os resultados da educao que se est promovendo no Campus depender das aes

    sistematizadas pelos professores, as quais esto sintonizadas aos projetos pedaggicos dos cursos.

    Projetos esses que foram institudos de forma pouco democrtica, ou melhor, importados de outras

    realidades, cujos contextos sociais e histricos so bastante diferentes. Por isso, esto, na segunda

    metade do ano de 2014, sendo reformulados. Ainda assim, perceptvel que pouco se alterar de

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    fato, pois, ainda estaro orientados pelo projeto poltico, ou melhor, sero institudos por uma

    sociedade capitalista e neoliberal em relao a sua forma, objetivos e finalidades especficas.

    Material e Mtodos

    Esta uma pesquisa qualitativa, realizada a partir de estudo bibliogrfico, coleta e

    interpretao de dados, obtidos a partir da realizao de grupos focais e aplicao de questionrios.

    Desse levantamento resultaram reflexes de cunho sociofilosfico a respeito da educao que se

    desenvolve no Campus Porto Velho Calama, do IFRO.

    Para desenvolver este trabalho, optamos por nos limitar a um determinado grupo de

    professores e outro de alunos e pelo uso de um referencial bibliogrfico que constituiu o aporte

    terico que dialoga com os dados coletados e ajuda a compreender, numa perspectiva

    sociofilosfica, a viso de professores e estudantes em relao funo da educao no IFRO,

    Campus Porto Velho Calama e ao ideal de homem que esse Instituto est formando.

    Para proceder coleta de dados foi feito o convite aos professores e alunos via email para

    participarem de um grupo focal com o propsito de discutir a educao no IFRO. Compareceram ao

    grupo docente quatro professores, e ao grupo discente vinte alunos, com os quais foi aplicada a

    metodologia do grupo focal. Durante a realizao dos grupos, utilizamos dois gravadores de voz,

    um moderador (que direcionou as discusses de acordo com as respostas e com um roteiro

    previamente elaborado) e um anotador de informaes relacionadas s expresses corporais que

    passam despercebidas aos gravadores de voz. Ao trmino de cada grupo, os colaboradores

    responderam a um questionrio, resumindo suas opinies sobre os aspectos discutidos. Os dados

    foram transcritos e analisados textualmente e organizados em ilustraes confeccionadas com o

    emprego do Software NVivo 10, que facilitaram a visualizao dos resultados.

    Para interpretarmos as falas surgidas no grupo focal e as respostas dadas aos questionrios

    recorremos aos princpios da hermenutica e da teoria crtica, que fundamentam as nossas reflexes

    sociofilosficas. Para assegurar o anonimato, os professores receberam uma letra: Professor A,

    Professor B, Professor C e Professor D; Estudante A, Estudante B, e assim por diante.

    Resultados e Discusso

    A nuvem de palavras a seguir representa os vocbulos pronunciados pelos professores ao

    falarem sobre o que entendiam por educao. Observamos que os termos professor, educao,

    escola e processo so as palavras mais frequentes. A educao, para existir no modelo que temos,

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    requer professores em uma instituio de ensino (escola) e um processo, que o meio, o caminho

    que tem de ser trilhado para se chegar formao do homem.

    Figura 1: A educao no IFRO e o ideal de homem, Porto Velho, 2013.

    Fonte: Melo e Sanchez, 2013.

    O termo educao foi descrito pelo professor A como um processo informativo que tem

    como finalidade, que tem ou que deveria ter, como uma das suas finalidades uma formao o mais

    abrangente possvel e o mais humanstico possvel, isso o conceito. Agora, o significado pra mim,

    educao uma prtica transformadora.

    Para o Professor B, ao se considerar a educao formal, a escola tem o papel de produzir

    mudanas, provocar mudanas no sujeito, no estudante, na pessoa que procura a escola. Quanto

    transformao, ele afirmou que ela discutvel, por que transformar o qu? Quando? Por qu? Que

    a educao precisa, tem esse papel, tem esse significado de transformadora. E a que entra a

    questo mais complexa a respeito, possivelmente, do papel da escola e a escola s vezes se perde

    nisso.

    A transformao, para o Professor A, uma ao voltada para formar esse sujeito. Esse

    estudante na maneira como ele v o mundo e na maneira como ele se posiciona no mundo. Ou pelo

    menos fornecer para esse estudante os instrumentos bsicos pra ele poder se comportar perante os

    desafios.

    O Professor C destacou que a educao o processo formativo. Mas em relao educao

    escolar, a gente sabe que a escola, ela se enquadra dentro dos mecanismos de controle. Acrescenta

    que no caso dos Institutos Federais o nosso processo formativo, ele se enquadra na questo tcnica,

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    o que limitaria muito essa amplido que o processo geral. O ideal seria que o aluno chegasse

    compreenso e vivncia do conceito de cidadania. [...] Mas, ao mesmo tempo, a gente sabe que

    essa mesma educao vai controlar algumas coisas na vida dele. E nesse sentido, educao no visa

    formar para o mercado, no visa... Ento, ela tem um significado, tambm, de abrir os horizontes

    para a pessoa que passa por esse processo. E nesse caso, a pessoa teria condies de tomar

    decises autnomas e no a partir de coisas que sejam exteriores a ela. Nesse caso, a educao

    como processo formativo estaria criando novas posturas, novas possibilidades para a pessoa diante

    do que se apresenta no dia-a-dia, socialmente, ou em outras categorias que venham a se apresentar

    para a pessoa. Que embora a gente seja envolvido em formar, mas a gente tambm formado nisso

    a, nesse processo.

    Observamos que na fala do Professor C, h um ideal de educao que no est sendo

    atingido e que no processo educativo do ensino tcnico integrado ao mdio parece ainda mais

    distante essa criao de novas posturas e possibilidades. Pensando em educao como processo

    formativo, o professor nega que ela vise formar para o mercado de trabalho, mas sim desenvolver a

    autonomia nas tomadas de decises. Outro aspecto importante na fala anteriormente citada que

    para o professor, quando se pensa em educao escolar como processo formativo, no considera-se

    essa formao apenas para o estudante, mas, assim como Freire e Shor (1986), ele v o professor

    tambm sendo formado por esse processo.

    O Professor D falou da educao escolar como uma relao complexa, que pode agir na

    reproduo do sistema, mas tambm como agente da transformao. Para ele esses

    questionamentos que levam a uma educao que para criar um cidado pleno, mas ela tambm

    reproduz a sociedade em que ela t inserida: A sociedade do capital. Estando a escola presa ao

    sistema surgem as teorias que debatem: de um lado a hegemonia do capital e do outro lado a contra

    hegemonia do capital. Como parte de sua argumentao, esse educador cita a fala de seu colega no

    grupo: como o Professor B falou: Como a gente vive nesse fio da navalha, como a escola tambm

    pode reproduzir o capital, mas ela tem outro papel, como ela pode tambm ser o agente da

    transformao, o agente da mudana.

    Na fala anterior do Professor C e agora tambm na fala do Professor D, parece haver uma

    preocupao com o carter reprodutivo da educao e com a sua possibilidade de ser um agente de

    transformao. E nesse debate surge o ideal de homem que se pretende formar, pois se estamos

    desenvolvendo uma educao reprodutora, ela deve ser a garantia da reproduo da fora produtiva.

    Na perspectiva dos professores, o ideal de homem que o Instituto pretende formar : Um

    homem trabalhador, eficiente, mas pouco crtico (professor A); A pretenso do IFRO formar um

    cidado (professor B). No entanto, parece aos professores ser complicado o alcance deste ideal de

    homem, uma vez que os cursos integrados ao ensino mdio possuem uma matriz curricular

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    Zona de Impacto - ISSN 1982-9108. ANO 17, Volume 1 janeiro/junho, 2015.

    constituda por muitas disciplinas (tcnicas, bsicas e diversificadas), sendo poucas aulas por

    semana de cada uma, principalmente de matrias que possibilitem discusses sobre a cidadania,

    sobre como exerc-la, como sociologia e filosofia. Busca-se oferecer uma educao que contribua

    para a autonomia da pessoa, de tal forma que ela exera a cidadania (professor C). O Instituto

    Federal de Rondnia espera o homem (o cidado pleno) consciente do mundo em que vive,

    reflexivo da sociedade capitalista, porm capaz de desenvolver habilidades e competncias para o

    mercado de trabalho (professor D). Mesmo no destacando a formao para o trabalho como uma

    preocupao, os professores reconheceram essa tarefa como funo institucional.

    Os estudantes apontaram como funo da Instituio formar o homem: Crtico e tico;

    Tcnicos em algum curso; Consciente de que o mercado de trabalho precisa dos melhores

    profissionais; Pessoas qualificadas para o mercado de trabalho, convvio com a sociedade;

    Pessoas de tica, moral e carter, que sabero atuar de forma certa no local onde trabalhar;

    Profissional t