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UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA
A REGULARIZAO FUNDIRIA NO PARQUE NACIONAL DASERRA DA CANASTRA E A EXPROPRIAO CAMPONESA:
DA BAIONETA PONTA DA CANETA
So Paulo2013
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UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI FERREIRA
A REGULARIZAO FUNDIRIA NO PARQUE NACIONAL DASERRA DA CANASTRA E A EXPROPRIAO CAMPONESA:
DA BAIONETA PONTA DA CANETA
Dissertao apresenta Faculdade de Filosofia, Letras eCincias Humanas da Universidade de So Paulo paraobteno do Titulo de Mestre em Geografia.
rea de Concentrao: Geografia Humana.
Orientador: Profa. Dra. Larissa Mies Bombardi.
So Paulo2013
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Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meioconvencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na PublicaoServio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
FERREIRA, GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINI
F383 A Regularizao Fundiria do Parque Nacional da Serra daCanastra e a expropriao camponesa: da
Ferrei baioneta ponta da caneta/GUSTAVO HENRIQUE CEPOLINIr FERREIRA; orientadora Larissa Mies Bombardi. - So Paulo, 2013.
261 f.
Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Filosofia,Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo. Departamento
de Geografia. rea de concentrao: Geografia Humana.
1. Regularizao Fundiria. 2. Unidade de Conservao. 3. ParqueNacional da Serra da Canastra. 4. Conflito. 5. Campesinato. I. Bombardi,Larissa Mies, orient. II. Ttulo.
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Ficha de aprovao
Autor: Gustavo Henrique Cepolini Ferreira
E-mail: [email protected]
Ttulo: A Regularizao Fundiria no Parque Nacional da Serra da Canastra e aexpropriao camponesa: da baioneta ponta da caneta.
Orientadora: Profa. Dra. Larissa Mies Bombardi
Dissertao apresentada ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras eCincias Humanas da Universidade de So Paulo, sob a orientao da Profa. Dra Larissa MiesBombardi, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre na rea de GeografiaHumana.
Banca Examinadora
Prof. Dr. (a) __________________________ Instituio: ________________________Julgamento: __________________________ Assinatura: ________________________
Prof. Dr. (a) __________________________ Instituio: ________________________
Julgamento: __________________________ Assinatura: ________________________
Prof. Dr. (a) __________________________ Instituio: ________________________Julgamento: __________________________ Assinatura: ________________________
Aprovado em:____________________________
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Para Eliana
E aos camponeses da Babilnia e Canastra.
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AGRADECIMENTOS
Alm da dedicatria para minha amada e companheira esposa Eliana, quero registrar
que a referida problemtica na Serra da Canastra vivida por dentro pela sua famlia
nossa famlia, que vive na regio h muitos anos. Agradeo-lhe imensamente por me
apresentar a Canastra e a Babilnia suas histrias e estrias.
Agradeo aos meus pais Marly e Nilson pelo incentivo nessa jornada. Quero registrar
ainda, meus sinceros agradecimentos ao meu irmo Pedro, Juliene, ao Vicente que
acompanharam diretamente essa trajetria e meus familiares que mesmo de longe, esto
presentes com muita alegria.
Professora Larissa, pelos anos de convivncia, amizade, aprendizagem e, sobretudo,
pelo profcuo dilogo em diferentes momentos dessa jornada, minha eterna gratido.
Agradeo tambm aos Professores Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Marta Inez
Medeiros Marques durante as aulas e debates em 2010 e 2011.
Profa. Marta e Profa. Valria de Marcos, agradeo-lhes pelos apontamentos iniciais
no Colquio do Laboratrio de Agrria no tocante regularizao fundiria e a ao do
Estado para legitimar algumas Unidades de Conservao (UCs). Tais contribuies
permitiram enxergar muitas contradies no bojo das polticas fundirias no Brasil.
Agradeo ainda as contribuies realizadas durante o exame de qualificao, composto
pelas Profas Marta Inez Medeiros Marques e Sueli Furlan, que abriram novas perspectivas e
ressaltaram outras que j constavam na pesquisa, mas no as enxergava.
Ao CNPq pela bolsa de estudo a partir do segundo ano da pesquisa. E ao
Departamento de Geografia da FFLCH, pelo auxlio financeiro em alguns trabalhos de campo
e pela participao no Simpsio Internacional e Nacional de Geografia Agrria - SINGA em
2011 na cidade de Belm-PA; reitero minha profunda gratido.
Aline Guedes e Eliana agradeo-lhes pela leitura valiosa que fizeram da verso
inicial dessa pesquisa, e, sobretudo, pelas sugestes s quais fizeram com que esse processode aprendizagem fosse ainda mais enriquecedor.
Aos amigos Ricardo Venturelli, Michell Tolentino e Soraya do Carmo que partilharam
suas experincias e estudos no decorrer dessa jornada. Agradeo tambm aos velhos amigos
na estrada geogrfica da vida: Adriano Skoda, Joo Arajo, Roberta Bezerra, Jeferson Silva e
Eraldo Batista que acompanharam e sempre escutaram minhas inquietaes no decorrer da
pesquisa, valeu Josus!
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Agradeo ainda aos meus alunos e amigos educadores das instituies que lecionei
nesses ltimos anos, pelos saberes cotidianos, lutas e conquistas construdas por um mundo
mais justo.
Por fim, agradeo aos camponeses que partilharam suas trajetrias e fizeram com que
esse trabalho fosse uma troca recproca de tempo, histrias, angstias, resistncias e alegrias.
Espero no cometer equvocos ao esquecer alguns, por isso, fao o registro a partir das
cidades em que iniciei os trabalhos de campo.
Em Delfinpolis: Amauri, Alessandra, Evandro, Gisele, Lima, Luiz, Tonho do Nego
Luiz, Reinaldo, Gervsio, Manoel, Toninho, Sanzio, Sr. Zezico, D. Gasparina, Z da Tonha,
Maria, Z Bernardes, Wilson, Reizinho, Idalina, Tonho, Wanda, Cludia, Belinha, Vinicius,
Prof. Zez, Sr. Pepe, Rosalva, Messias, Bete, Sr. Hlito e D. Mariameus sogros.
Em So Roque de Minas: Z Chibiu, Ronin, Jos Timteo, Cidinha do Tot Gabriel,Rafael, Vicente, Elza, Palmira, Adrielly e Darlan. No Glria: Vilma e Nen Custdio, Z
Geraldo, Michele, Paola, Maria Jos e em Passos: Antonio Grilo, Hlio Negro, Ricardo,
Egno, Mayla, Eduardo e Juliana.
Meus sinceros agradecimentos a todos!
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=3277509701116&set=a.3277509501111.161717.1368708083&type=1http://www.facebook.com/photo.php?fbid=3277509701116&set=a.3277509501111.161717.1368708083&type=1http://www.facebook.com/photo.php?fbid=3277509701116&set=a.3277509501111.161717.1368708083&type=17/23/2019 2013_GustavoHenriqueCepoliniFerreira
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Nada mais realQue aprender maneira simples de viver
Tudo to normalSe a gente no se cansa nunca de aprender
Sempre olhar como se fosse a primeira vezSe espantar como criana a perguntar por qus?
Vamos flutuar em um baloQue sobrevoa o amanhecer
Vamos navegarEntre os navios no horizonte a se perder
Nos lembrarQue tudo tem sua razo de ser [...]
Maneira Simples
Almir Sater e Paulo Simes
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RESUMO
A regularizao fundiria no Brasil est engendrada nas contradies do modo capitalista de
produo, as quais impulsionam os conflitos e disputas territoriais no campo como uma dasmarcas do desenvolvimento e da ocupao territorial no pas. A partir dessa premissa, essa
pesquisa visa analisar o histrico do Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC),
localizado na regio sudoeste de Minas Gerais, reconhecendo o encontro e desencontro da
luta pela terra e as Unidades de Conservao (UC) no pas, assim como procura desvendar as
irregularidades e pressupostos que nortearam a implantao dessa UC atravs do Decreto
Federal de 1972 e as diferentes estratgias para regularizar o PNSC desde ento. Nesse
contexto, os camponeses - sujeitos sociais do territrio da Canastra sofreram expropriaes e
restries em funo do modelo de conservao sem pessoas, apregoado predominantemente
nas polticas pblicas. Por isso, as disputas entre territorialidades, aumentam constantemente
sob discursos antagnicos, os quais resultam em propostas que afetam diretamente o modo de
vida campons ao favorecer a conservao ambiental (leia-se sem pessoas), a minerao e
mais recentemente o prprio agronegcio. Nesse sentido, as estratgias para regularizao
fundiria do PNSC agravam as tenses entre territorialidades e mantm inmeras famlias
camponesas com o futuro incerto na Canastra, restando-lhes resistir na terra de trabalho e
vida.
Palavras-Chave: Regularizao Fundiria. Unidade de Conservao. Parque Nacional daSerra da Canastra. Conflito. Campesinato.
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ABSTRACT
The landing regularization in Brazil is tangled in contradictions of the production capitalist
way which thrive the conflicts and land disputes in the rural area as a mark of the countrys
development and land occupation. From this premise, this research aims to analyse the history
of the National Park of the Serra da Canastra (PNSC), located in the southest region of Minas
Gerais, not only recognizing the rights and wrongs of the fight for the land and for the
Conservation Units (UC) in the country but also this research seeks to unveil the irregularities
and the objectives which aimed the implantation of this UC through the Federal decree of
1972 and the different strategies to regulate the NPSC from that. In this context, the peasants -
social subjects of Canastra land suffered expropriations and restrictions due to the model of
conservations without people, based predominantly on the public policies. Thats why thedisputes between lands increased constantly under antagonic discourses which resulted on
proposals which affected directly on the peasant lifestyle for favoring the environment
conservation (without people), the mining e more recently the agribusiness. On this way, the
strategies for landing regularization of the PNSC worsen the tensions between lands disputers
and give a number of peasant families a uncertain future on the Canastra, leaves them to
struggle on the land and life.
Keywords:Land Regularization. Conservation Unit. National Park of Serra da Canastra.Conflict. Peasantry
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Escritura de compra da propriedade de Orlando Luiz de Freitas em 1962...............98
Figura 2: Escritura de desapropriao da propriedade de Orlando Luiz de Freitas em 1976...99
Figura 3: Convite da comerao dos 40 anos do PNSC em abril de 2012............................202
Figura 4: Intimao do ICMBio para campons de So Roque de Minas .............................208
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LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1: Tilcio e Joana no Vale da Babilnia..................................................................77
Fotografia 2: Z Chibiu e seu scio no garimpo em 1953........................................................80
Fotografia 3: Explorao de garimpo nas margens do rio So Francisco, em Vargem Bonita
dcada de 1940..........................................................................................................................80
Fotografia 4: Entrada da Minerao do Sul no Vale do Boqueiro em 1998...........................84
Fotografia 5: Ptio da Mineradora, mquinas e tambores com cascalhos em 1998.................85
Fotografia 6: Vista geral da mineradora Minerao do Sul - SAMSUL..................................86
Fotografia 7: Escavaes para pesquisa e explorao de diamantes (Kimberlito Canastra-1)
em 1998.....................................................................................................................................87
Fotografias 8 e 9: Localizao da placa referente aos levantamentos realizados no Vale da
Babilnia...................................................................................................................................90
Fotografia 10: Tonho do Nego Luiz com a escritura do Chapado, atualmente PNSC.........116
Fotografia 11: Folia de Reis no Vale da Babilnia.................................................................169
Fotografia 12: Esclarecimentos sobre os projetos para o PNSC.............................................169
Fotografia 13: Apresentao musical do Trio Babilnia .......................................................169
Fotografia 14: Cartazes elaborados pelos alunos da Escola Municipal Padre Anchieta Valeda Babilnia............................................................................................................................170
Fotografia 15: Fogo no cupim nos dias de festa na regio da Canastra................................170
Fotografia 16: Fogo no Chapado da Babilnia em agosto de 2010......................................190
Fotografia 17: Mato na propriedade do Sr. Z Bernardes em agosto de 2010.......................192
Fotografia 18: Capim brotando aps fogo no Chapado Babilnia em agosto de 2010.........193
Fotografia 19: Manejo de pastagem na regio da Serra da Canastra......................................198
Fotografia 20: Curral de pedra Mozinha no Chapado da Canastra..................................200
Fotografia 21: Casa do Sr. Zezico e D. Gasparina no Vale da Babilnia...............................217
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Causas de incndios no perodo de 1987 a 2001 no PNSC...................................187
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LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Localizao do Parque Nacional da Serra da Canastra...............................................24
Mapa 2 : Licenas de pesquisa Mineral na regio do PNSC....................................................89
Mapa 3: Parque Nacional da Serra da Canastra com 71.525 haPlano de Manejo 1981.....108
Mapa 4: Municpios abrangidos pelo PNSC e pela Zona de Amortecimento........................120
Mapa 5: Parque Nacional da Serra da CanastraMG...........................................................123
Mapa 6: Proposta de redefinio do Parque Nacional da Serra da Canastra e criao da
APA.........................................................................................................................................138
Mapa 7: Localizao das Bacias higrogrficas do rio Grande e So Francisco paracompensao de reserval legal no PNSC...............................................................................145
Mapa 8: reas doadas ao ICMBio para compensao de reserva legal.................................160
Mapa 9: Proposta inicial para o PNSC e MONA dos Vales da Canastra2011...................173
Mapa 10: Proposta para o PNSC e MONA dos Vales da Canastra2011............................174
Mapa 11: Propostas para o PNSC em 1972, 2010 e 2011......................................................175
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Unidades de ConservaoProteo Integral e de Uso Sustentvel......................58
Quadro 2: Cronologia do Parque Nacional da Serra da Canastra de 1972 a 2012...................96
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuio dos PARNAs brasileiros e UCs por bioma em 2013...........................63
Tabela 2: Distribuio das terras brasileiras em 2003..............................................................63
Tabela 3: Distribuio das terras brasileiras em 2006..............................................................64
Tabela 4: Situao fundiria dos Parques Nacionais Brasileiros em 2000 e 2012...................66
Tabela 5: Municpios abrangidos pelo PNSC segundo Decreto de 1972 e ZA de 2005........121
Tabela 6: rea da APA da Serra da Canastra por municpios................................................136
Tabela 7: reas desafetadas do decreto original do PNSC.....................................................137
Tabela 8: Perfil da ocupao territorial nos municpios que compem o PNSC....................150
Tabela 9: reas adquiridas por meio de doao ao ICMBio de 2010 a 2012.........................157
Tabela 10: Relatrio de Execuo Financeira - Recursos de Compensao Ambiental para
compensao ambiental no PNSC..........................................................................................165
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AGBAssociao dos Gegrafos Brasileiros
AIRCAAssociao Instituio Representativa dos Canastreiros
APArea de Preservao AmbientalARIErea de Relevante Interesse Ecolgico
CMAComisso do Meio Ambiente
CMADSComisso de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel
CMAPComisso Mundial das reas Protegidas
COCAMCoordenao de Compensao Ambiental
COPAMConselho Estadual de Poltica Ambiental
CPTComisso Pastoral da TerraCRICartrio de Registro de Imveis
CSRLCompensao Social da Reserva Legal
DIEESEDepartamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos
DEMDemocratas
DNOSDepartamento Nacional de Obras e Saneamento
DNPMDepartamento Nacional de Produo Mineral
DOUDirio Oficial da Unio
DOPSDepartamento de Ordem Poltica e Social
EMATEREmpresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
ESECEstao Ecolgica
FBCNFundao Brasileira para a Conservao da Natureza
FEANFundao Estadual do Meio Ambiente
FLONAFloresta Nacional
FJPFundao Joo Pinheiro
FUNATURA - Fundao Pr-Natureza
FUNAIFundao Nacional do ndio
GEFFundo Global para o Meio Ambiente
GERAGrupo Executivo da Reforma Agrria
GETATGrupo Executivo das Terras do Araguaia/Tocantins
GETSOPGrupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paran
GOAGrupo de Operaes da Amaznia
GTIGrupo de Trabalho Interministerial
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HAHectares
IBAMAInstituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis
IBGEInstituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBRAInstituto Brasileiro de Reforma Agrria
ICMBioInstituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
IDBFInstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
INDAInstituto Nacional de Desenvolvimento Agrrio
INCRAInstituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INPAInstituto Nacional de Pesquisa da Amaznia
IPEANInstituto de Pesquisa Agropecuria do Norte
ISAInstituto Socioambiental
ITR - Imposto Territorial RuralMASTERMovimento dos Agricultores Sem Terra
MDAMinistrio de Desenvolvimento Agrrio
MMAMinistrio do Meio Ambiente
MMEMinistrio de Minas e Energia
MNMonumento Natural
MONAMonumento Natural
MPMedida ProvisriaMSTMovimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NUPAUB Ncleo de Apoio Pesquisa sobre Populaes Humanas e reas midas
Brasileiras
ONGOrganizao No Governamental
PARNAParque Nacional
PFLPartido da Frente Liberal
PIProteo IntegralPLCProjeto de Lei da Cmara
PMPlano de Manejo
PMDBPartido do Movimento Democrtico Brasileiro
PARNA - Parque Nacional
PNParque Nacional
PNSCParque Nacional da Serra da Canastra
PROVALEPrograma Nacional para o Vale do So Francisco
PSBPartido Socialista Brasileiro
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PTPartido dos Trabalhadores
RDSReserva de Desenvolvimento Sustentvel
REBIOReserva Biolgica
REFAUReserva de Fauna
RPPNReserva Particular do Patrimnio Natural
RESEXReserva Extrativista
REVISReserva de Vida Silvestre
RLReserva Legal
SAMSULSamsul Mineradora do Sul Ltda.
SEBRAEServio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SEMASecretaria Especial do Meio Ambiente
SIAMSistema Integrado de Informao AmbientalSINGASimpsio Internacional e Nacional de Geografia Agrria
SISBIOSistema de Autorizao e Informao em Biodiversidade
SISNAMASistema Nacional do Meio Ambiente
SNCRSistema Nacional de Cadastro Rural
SNUCSistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza
SOPEMISociedadede Pesquisa e Explorao de Minrios Ltda.
SOPRENSociedade de Preservao aos Recursos Naturais e Culturais da AmazniaSUDAMSuperintendncia de Desenvolvimento da Amaznia
SUDENESuperintendncia do Desenvolvimento do Nordeste
SUPRASuperintendncia de Reforma Agrria
TACTermo de Ajuste de Conduta
TDATtulo da Dvida Agrria
TERRA BRASILISInstituto Terra Brasilis de Desenvolvimento Scio-ambiental
UCUnidade de ConservaoUFMGUniversidade Federal de Minas Gerais
UICNUnio Internacional para a Conservao da Natureza
ULTABUnio dos Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do Brasil
USPUniversidade de So Paulo
ZAZona de Amortecimento
ZEEZona Econmica Ecolgica
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SUMRIOIntroduo................................................................................................................................ 21
CAPTULO I - A LUTA PELA TERRA E AS UNIDADES DE CONSERVAO NOBRASIL....................................................................................................................................35
1.1
- A militarizao da questo agrria e os conflitos sociais no campo brasileiro.................371.2- A gnese das UCs no contexto mundial............................................................................411.3- Correntes do movimento ambientalista brasileiro............................................................451.4- As UCs no Brasil: vises
dissonantes..................................................................................501.4.1 - O Sistema Nacional de Unidades de ConservaoSNUC..................................561.4.2 - A regularizao fundiria dos Parques Nacionais brasileiros.................................61
CAPTULO II - O PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CANASTRA E ASDISPUTAS
TERRITORIAIS........................................................................................................73
2.1- Ocupao, produo e transformaes camponesas no territrio da Canastra.................752.2- Breve histrico do Parque Nacional da Serra da Canastra...............................................91
2.2.1- A expropriao camponesa para fins de Reforma Agrria.................................972.3 - Plano de Manejo de 1981...............................................................................................1182.4 - Plano de Manejo de 2005...............................................................................................1192.5 - Grupo de Trabalho Interministerial - PNSC de 2006.....................................................126
CAPTULO IIIAS PROPOSTAS PARA O PARQUE: UMA TRAVESSIA INCERTA
NA CANASTRA....................................................................................................................129
3.1 - Os Projetos de Lei para o PNSC a partir de 2007...........................................................1313.2 - APA da Canastra.............................................................................................................1353.3- Regularizao fundiria e Compensao de reserva legal e ambiental o agronegcioentra emcena....................................................................................................................................143
3.3.1 - reas adquiridas por meio de doaes ao ICMBio.........................................1543.3.2 - Compensaes descompensadasmeu confrontante o Parque....................166
3.4 - Monumentos Naturais dos Vales da Canastra................................................................1673.4.1 - Mosaico de UCs...............................................................................................177
CAPTULO IV - MANEJO, LIES E RESISTNCIAS CAMPONESAS.................179
4.1 - Modo de vida e reproduo camponesa na Canastra......................................................1814.2 - O manejo campons do fogo e as queimadas.................................................................1864.3 - Multas, disputas judiciais e a terrorialidade camponesa.................................................204
CONSIDERAES FINAIS..................................................................................................211
REFERNCIAS......................................................................................................................219
ANEXOS................................................................................................................................230
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INTRODUO
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Sou o homem da CanastraRepare minha feio
Carrego marcas do tempoDo sol quente de vero
Com muito orgulho fao
A minha apresentaoMinha marca registrada
So as minhas mos calejadasTrabalho lavrando o cho.
Mas de um tempo pra cEu vivo preocupado
O destino de um cabocloNunca pode se mudadoNo tenho escolaridadeSei o que certo e errado
Pra garantir o sustento
Semeio o mantimentoNesse solo abenoado.
Eu tambm acho importantePreservar essa beleza
Mas tm gente arroganteCom instinto de grandezaPois sou muito conscientePosso dizer com firmeza
No sabem que o matutoQue planta e colhe o fruto
Que vai para sua mesa.
Aos senhores que competemToda a administrao
Que cuida da fauna e floraQue envolve essa regio
Mas o homem da CanastraTambm merece atenoSe ele muda para cidade martrio e crueldade
Por essa adaptao.
Msica: O homem da Canastra (Nengo, Adilson e Ernandes)
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Neste estudo, procuro caracterizar e analisar as disputas territoriais no tocante a
regularizao fundiria do Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) luz das
implicaes para os camponeses organizados, ou no, que viviam e vivem na regio da
referida Unidade de Conservao (UC).
Nessa anlise, destaca-se a ao do Estado em relao aos impasses na constituio
dessa UC de Proteo Integral em diferentes momentos histricos; analisarei,
especificamente, as aes que visam a regularizao fundiria a partir de interesses
sobrepostos, os quais agravam os conflitos na regio e tencionam as disputas territoriais entre
UC, camponeses, minerao e agronegcio h mais de quatro dcadas.
O contato com a rea estudada ocorreu em 2009;muitas foram as viagens e trabalhos
de campo na Canastra e no Vale da Babilnia, esse ltimo localizado no municpio deDelfinpolis. Foi no Vale da Babilnia que concentrei os esforos iniciais para entendimento
da regularizao fundiria do Parque Nacional da Serra da Canastra a partir do histrico dos
camponeses que vivem ali h anos, e, nesse processo, so conhecedores das contradies
oriundas da criao da UC na dcada de 1970, comumente denominada tambm de Parque
do IBAMA ou simplesmente Chico Mendes1.
Somam-se, nesse cenrio, os impasses sobre o entendimento da rea real do PNSC e as
propostas de redefinio por meio dos Projetos de Lei em andamento2
, os quais seroanalisados no decorrer desse estudo, bem como a atuao dos rgos ambientais,
especialmente o Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio), que
desde 2007 responsvel pelas UCs no Brasil3.
Para estruturar as discusses desenvolvidas nesta pesquisa, apresento algumas
reflexes terico-metodolgicas que auxiliaram na construo do trabalho, e, sobretudo, na
compreenso dos inmeros conflitos territoriais materializados na realidade.
Como toda pesquisa feita de trajetrias de estudo, posso afirmar que desde oslevantamentos bibliogrficos iniciais para elaborao do projeto tive um significativo avano
ao debater, ler e enxergar novas possibilidades interpretativas nessas idas e vindas do campo.
Nesse sentido, ressalto que meu caminho do projeto pesquisa em si bem enriquecedor, por
1 O PNSC abrange seis municpios: Sacramento, So Roque de Minas, Vargem Bonita, Capitlio, So JooBatista do Glria e Delfinpolis; se considerarmos a Zona de Amortecimento (ZA), temos onze municpios, osseis anteriores acrescidos dos seguintes: Alpinpolis, Cssia, Ibiraci, Passos e Piumhi.2Projetos de Lei da Cmara (PLCs) 147/2010 e 148/2010, apresentados, inicialmente, em 2007, e uma Proposta
alternativa aos projetos que cria um Monumento Natural dos Vales da Canastra de novembro de 2011.3O ICMBio foi criado em 28 de agosto de 2007 pela Lei n. 11.516, sendo vinculado ao Ministrio do MeioAmbiente (MMA) e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).
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seguir percursos no vistos anteriormente, e, sobretudo, por j ter um contato prvio com
grande parte dos camponeses, os quais partilharam ideias, anlises e projetos, gerando flego
e novos estmulos fundamentais nos percursos no previstos inicialmente.
Nesse sentido, um dos desafios da pesquisa foi utilizar o arcabouo terico e
metodolgico para realizao dos trabalhos de campo, e, sobretudo, embas-los como objeto
geogrfico. Nesse contexto, buscou-se, desde a elaborao inicial do projeto de pesquisa,
refletir sobre a multiplicidade envolvendo a temtica pesquisada, bem como as estratgias
para ir a campo, considerando os saberes epistemolgicos e metodolgicos da Geografia,
colocando-os em constante movimento com a realidade estudada, ou seja, os conflitos
oriundos da regularizao fundiria para constituio do Parque Nacional da Serra da
Canastra na regio sudoeste de Minas Gerais (Mapa 1).Mapa 1: Localizao do Parque Nacional da Serra da Canastra
Fonte: (BRASIL, 2006, p. 27).
Mitidiero Jr. (2008), ao discutir os princpios metodolgicos para Geografia, afirma
que o esforo intelectual na busca por um mtodo nico para a cincia geogrfica poderia
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conduzir essa disciplina a abordar a realidade por um ponto de vista prprio e unitrio.
Consequentemente, a Geografia teria vrios objetos. Todavia, vistos de um ponto nico4.
A distino entre mtodo de interpretaoe mtodos de pesquisa, apresentada por
Moraes e Costa (1993, p. 27; grifo nosso), clara ao afirmar que:
O primeiro diz respeito concepo de mundo do pesquisador, sua viso darealidade, da cincia, do movimento etc. a sistematizao das formas dever o real, a representao lgica e racional do entendimento que se tem domundo e da vida. O mtodo de interpretao refere-se, assim, a posturasfilosficas, ao posicionamento quanto as questes da lgica e, por que nodizer, ideologia e posio poltica do cientista [...] J o mtodo depesquisa refere-se ao conjunto de tcnicas utilizadas em determinadoestudo. Relaciona-se, assim, mais aos problemas operacionais da pesquisaque a seus fundamentos filosficos. Pode-se dizer que a utilizao de ummtodo de pesquisa no implica diretamente posicionamentos polticos ou
concepes existenciais do pesquisador, resultando muito mais dasdemandas do objeto tratado e dos recursos tcnicos de que dispe.
Essa breve distino relevante frente a alguns equvocos existentes e, sobretudo, por
incorporar a responsabilidade social da pesquisa ora desenvolvida, pois o [...] mtodo de
interpretao uma concepo de mundo normalizada e orientada para a conduo da
pesquisa cientfica; a aplicao de um sistema filosfico ao trabalho da cincia(MORAES;
COSTA, 1993, p. 27).
A defesa e a constante busca por um caminho metodolgico de suma relevncia paraa construo da pesquisa, entendendo as contradies existentes na realidade e,
consequentemente, na necessidade de um dilogo sobre o fazer cientfico.
Portanto, frente pluralidade metodolgica, o materialismo histrico-dialtico assenta-
se como opo para desvendar os processos sociais, manifestando-se nos conflitos de classe
pela posse e uso da terra.
A compreenso da realidade no bojo do marxismo tem relevante papel, especialmente
no mbito da Geografia Agrria, e est atrelada ruptura da neutralidade cientfica. Para
Oliveira (1999, p. 69):
[...] a dialtica como corrente de pensamento da Geografia Agrria est nabase de um conjunto de trabalhos de Orlando Valverde, Manuel Correia deAndrade, Pasquale Petrone, La Goldenstein, Manuel Seabra, entre outros.Essa influncia tem sido marcada por princpios que sustentam esta escola de
4Sobre esse contexto Moraes e Costa (1993, p. 33; grifo dos autores) afirmam: [...] Existiro, assim, tantasdefinies do objeto geogrfico, quantas forem as perspectivas metodolgicas capazes de abordar o temriodessa disciplina [...] Finalizando, cabe apenas reforar a idia de que a opo por um determinado mtodo e seuestudo representam apenas o ponto de partida na construo de uma Geografia nova. Alguns autores, includos
na vertente crtica do movimento renovador, parecem acreditar que a adeso a uma perspectiva metodolgicaresolve, de imediato, os problemas com que se defronta a pesquisa geogrfica atual. Tomam a opo de mtodo
por ponto de chegada e no de partida.
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pensamento. Pode-se destacar entre os mesmos o condicionamento histricoe social do pensamento, portanto seu carter ideolgico de classe. Com omarxismo comea a batalha pelo desmascaramento do discursopretensamente neutro e objetivo presente no positivismo e no empirismolgico e mesmo no historicismo.
A ntida relao teoria e prtica encontram-se na unidade e totalidade do processo de
conhecimento, cuja Realidade condiciona o Pensamento que elabora Conhecimento que
informa o Pensamentoe dirige a PrticaRealidade5.
Essa sistematizao se faz necessria, pois, na concepo dialtica, deve-se submeter
teoria realidade:
[...] Na dialtica, a teoria no pode se constituir de modo isolado da prticaporque esta que fornece contedo para o pensar. A prtica tambm no
pode estar desvinculada de uma teoria, razo pela qual o acerto terico denosso trabalho depende da prtica social (CAMPOS, 2001, p. 88).
Oliveira (1993) salienta ainda que a concepo materialista dialtica pressupe uma
concepo igualmente materialista dialtica da matria e do movimento, ou seja, a matria em
movimento a base de tudo que existe. Por isso, deve-se reconhecer que no h nada no
mundo do que a prpria matria em movimento em suas diversas formas e manifestaes.
Nesse contexto, partilho da fundamentao ora apresentada que concebe [...] a realidade
como ponto de partida e de chegada (BOMBARDI, 2010, p.110).
Tal perspectiva fundamental para entendermos o PNSC que envolve uma
multiplicidade de fatores, os quais estimulam-nos a enxergar o que est por trs, ou seja,
como o Estado atua para legitimar determinadas situaes em tempos distintos, que refletem
majoritariamente nos camponeses da regio da Canastra. Por isso, conviver com o tema da
pesquisa exige algumas rupturas, dentre elas no ficar como espectador ou plateia, preciso
transpor o palco.
Penetrar num outro momento que permita dar conta de estruturas e cdigos
internos que constituem a vida social de um grupo, ou dos atores em cena.Entrar nos bastidores significa ter o contato direto e ntimo com a realidadesocial da qual, os indivduos participam e constrem seus cdigos, condutase crenas - e atravs dos quais se representam (CASTRO OLIVEIRA, s/d, p.4).
Essa perspectiva norteou a pesquisa e estabeleceu um fecundo dilogo dos saberes, os
quais permitiram a sistematizao das contradies vividas, permitindo demonstrar que:
5
Esquema apresentado nas aulas do Professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira em setembro de 2010. Bombardi(2007) tambm sistematizou tal dimenso unidade totalidade do processo de conhecimento ao analisar adialtica e a Geografia Agrria na obra de Oliveira.
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[...] tanto nosso conhecimento quanto nossas emoes so resultado daforma de vida social e da histria do povo ao qual pertencemos". Dai, ocuidado de no analisarmos outros povos a partir de referncias prprias denosso universo cultural; ou seja, a no transpor modelos analticosmecanicamente (Ibidem, p. 6-7).
A interlocuo realizada revela que a mediao entre pesquisados e pesquisador um
ato de reciprocidade prestaes totais onde a obrigao de dar no menos importante
que a de receber (CASTRO OLIVEIRA, s/d, p. 7). Esse entendimento reitera que o meio do
caminho importante novas questes surgem, outras se vo; concepes que se
transformam e so transformadas pela realidade investigada. Todavia, o compromisso com a
problemtica continua, e os resultados dos trabalhos de campo devem servir para desvendar as
mscaras sociais e apropriaes concretas no cotidiano dos camponeses da Canastra e doprprio Parque.
A partir desse cenrio, a pesquisa participante torna-se elemento central nas reflexes
e aes da pesquisa de campo, pois permite:
Conhecer a sua prpria realidade. Participar da produo deste conhecimentoe tomar posse dele. Aprender a escrever a sua histria de classe. Aprender areescrever a Histria atravs da sua histria. Ter no agente quepesquisa umaespcie de gente que serve. Uma gente aliada, armada dos conhecimentoscientficos que foram sempre negados ao povo, queles para quem a
pesquisa participante - onde afinal pesquisadores-e-pesquisados so sujeitos
de um mesmo trabalho comum, ainda que com situaes e tarefas diferentes- pretende ser um instrumento a mais de reconquista popular (BRANDO,1999, p. 11; grifo do autor).
Pesquisar , portanto, uma forma de ler o mundo, contribuindo para a sua
transformao6. A partir desse contexto, a pesquisa participante reitera esse compromisso por
uma sociedade mais democrtica e justa.
Para relatar os recentes acontecimentos que compem essa pesquisa, destaco a
relevncia da pesquisa participante, [...] como enfoque e movimento ao mesmo tempo
(GAJARDO, 1986, p. 11).
A pesquisa participante faz referncias, portanto, s experincias que procuram
conhecer transformando7. Para cientistas sociais europeus, os processos da pesquisa
participante possuem os seguintes aspectos:
6 Para Paula, Brando e Cleps Jr. (2006), com quem estabeleo um dilogo nessa passagem, afirmam que:pesquisar incorporar-se a um dilogo de saberes, permeado pela percepo e aes de sujeitos plurais queatuam e alteram determinados cenrios.7
O termo de cunho recente e chega-nos do norte. Ainda que se tenha popularizado na Amrica Latina, foicriado por cientistas sociais americanos e europeus, como resultado de sua participao em programas dedesenvolvimento do Terceiro Mundo. Em geral, utilizado para designar esforos diversos para desenvolver
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a) So baseados nas necessidades de grupos social e politicamentemarginalizados. Seu objetivo o de trabalhar com os grupos excludos, emsituaes comuns de trabalho e estudo e trocar informaes para colaborarna mudana das condies de dominao. Procura realizar este objetivo emcolaborao com grupos relativamente homogneos, do ponto de vista sociale local.b) O ponto de partida, o objeto e a meta da pesquisa participante so oprocesso de aprendizagem dos que fazem parte da pesquisa. Suposiestericas no so examinadas. Pelo contrrio, o trabalho cientfico entendido como contribuio prtica para a transformao social, comocontribuio democratizao. Incentiva-se uma tomada de conscincia dosgrupos sociais marginalizados, em relao sua situao e necessidades,para que estas possam melhorar, mediante a organizao e a ao poltica.c) Ao invs de se manter distncia entre o pesquisador e o grupo que vai serexaminado, tal como se exige nas cincias sociais tradicionais, prope-se ainterao. Isso significa, para o pesquisador, trabalhar, talvez viver, no grupo
escolhido, a fim de elaborar perspectivas e experimentar aes queperdurem, inclusive depois de terminado o projeto.d) No desenrolar do estudo, aspira-se a uma comunicao o mais possvelhorizontal entre todos os participantes. Isso pressupe que as metas e odesenvolvimento do projeto no sejam previamente determinados, mas quese elaborem com a interveno de todos os participantes e que, no decorrerda pesquisa, possam ainda ser mudados.e) Utiliza o dilogo como meio de comunicao mais importante no processoconjunto de estudo e coleta de informao. Tenta, por isso, desligar-se dalinguagem das cincias sociais, acessvel somente aos iniciados. Sustentaque a cincia exerce poder e que a informao e o conhecimento sosuscetveis de manipulao, com o fim de legitimar situaes de dominao
ou criar estados de dependncia (GAJARDO, 1986, p. 45-46).
Nesse cenrio, destaca-se uma ruptura do que se denomina monoplio do saber e do
conhecimento8. Gojardo (1986) afirma que conhecimento e saber constituem-se fonte de
poder, as quais podem ser superadas com a pesquisa participante; por isso, exige-se do
pesquisador aes combinadas de tcnicas de pesquisa, processo de ensino-aprendizagem e
programas/estratgias de ao educativa.
Fals Borda (1999), ao apresentar os aspectos tericos da pesquisa participante, aponta
seis princpios metodolgicos que norteiam sua fundamentao: 1. Autenticidade ecompromisso; 2. Antidogmatismo; 3. Restituio sistemtica (Comunicao diferencial,
Simplicidade de comunicao, Autoinvestigao e controle, Popularizao tcnica); 4.
Feedbackpara os intelectuais orgnicos; 5. Ritmo e equilbrio de ao-reflexo; 6. Cincia
modesta e tcnicas dialogais.
prticas de pesquisa que incorporem os grupos excludos das esferas de deciso produo e comunicao deconhecimentos, como s aes que disso possam derivar (GAJARDO, 1986, p. 44).8Sobre a formulao do conhecimento, Martins (1982) relembra que o modo capitalista de produo tambm o
modo capitalista de pensar, e, nesse devir, a produo de ideias, desde o senso comum ao conhecimentocientfico, so indissociveis. Por isso, a responsabilidade da pesquisa participante torna-se essencial ao decifrar
parte das contradies materializadas na realidade.
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Esses princpios, alm de nortearem a pesquisa participante, correspondem postura
crtica com relao cincia clssica, bem como seu compromisso tico que conduzira as
experincias reais em campo. Trata-se de um caminho onde o conhecimento est a servio da
transformao social e da justia social.
Santos et al. (2005) tambm tecem uma anlise relevante sobre metodologias
participativas, afirmando que tais procedimentos permitem aos sujeitos sociais participarem
de maneira ativa das decises em espaos pblicos. Destacam, ainda, que as escolhas por
determinadas metodologias em detrimento de outras uma escolha poltica, carregada de
intencionalidades. Esse cenrio ser abordado na anlise das reunies promovidas pelo
Conselho Consultivo do PNSC, cuja centralidade, em partes, rompe com os dilogos entre
camponeses e o rgo ambiental, leia-se ICMBio9.Essa leitura da realidade estudada, dado o envolvimento prvio do pesquisador com os
camponeses e a rea de estudo, nos fazem consider-los para alm de sujeitos pesquisados.
No que tal postura rompa com o rigor ou objetividade da pesquisa, pelo contrrio, assume-se
um compromisso pleno com a problemtica, e, em partes, contribui-se com um desfecho da
atual situao conflitiva que deslegitima a condio camponesa em detrimento de uma
proposta conservacionista que os v como inimigos e invasores, assim como as polticas de
governos autoritrios10
.Nesse contexto, participar de uma frao da histria dos camponeses e dos demais
sujeitos sociais em defesa da terra de trabalho foi de suma relevncia para a construo da
pesquisa. Por isso, partilho das ideias de Caldart (2004) ao afirmar que o eu estava l,e,
nesse devir, os trabalhos de campo proporcionam:
[...] uma vantagem, que a de estar participando diretamente dosacontecimentos e poder perceber certas relaes que pesquisadores distantes,no tempo ou na realidade, teriam mais dificuldades em acessar. Ou seja, o euestava l pode ajudar em algumas anlises, alm de permitir, exatamente
pela recentidade, que se possa cotejar depoimentos entre si, depoimentos edocumentos, relativizando a fragilidade que se costuma atribuir memriaoral, geralmente o principal recurso utilizado na historiografia popular(CALDART, 2004, p. 61; grifo da autora).
Trata-se de um esforo para interpretar a realidade e, consequentemente, utilizar-se de
uma metodologia, cuja dimenso participativa se faz presente em todos os momentos do
9Um caminho apontado por Santos et al. (2005, p. 47) est baseado no movimento democratizar a democracia,cuja origem remete ao III Frum Social Mundial e traz consigo, [...] concepes e mtodos que tm em comum,
j a princpio, um carter inclusive, participativo e emancipador. Em termos metodolgicos, esse j era o
caminho traado, desde a dcada de 1960, por iniciativas da sociedade civil (inicialmente, bastante isoladas, masdepois crescentes), em torno de diversas experincias de educao popular .10Refiro-me ditadura militar brasileira de 31/03/1964 a 15/03/1985.
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trabalho, permitindo, assim, um olhar amplo dos sujeitos investigados e, por conseguinte, do
pesquisador.
As leituras iniciais sobre os trabalhos de campo foram essenciais para a sua construo
e (re)construo no decorrer da pesquisa11. Destaco os seguintes autores que contriburam
nessa jornada: Kayser (1985), Lacoste (1985), Duarte (2002), Marcos (2006), Paula, Brando
e Cleps (2006).
Embora no tenha utilizado plenamente dos instrumentos da histria oral e de vida,
destaco algumas leituras que auxiliaram nas entrevistas bem como na anlise das mesmas,
durante e aps os trabalhos de campo, so elas: Montenegro (1994), Thompson (2002), Bosi
(2003) e Alberti (2010).
Alm das entrevistas nos trabalhos de campo, uma ampla fonte documental foiconsultada, em destaque: teses, dissertaes, artigos, legislaes federais, estaduais e
municipais, panfletos, processos judiciais, jornais locais, revistas, DVDs, CDs12, cadernetas
de campo etc. A anlise do material foi feita a partir das anotaes e gravaes realizadas
durante os trabalhos de campo e reunies com os camponeses, ICMBio, polticos e demais
sujeitos sociais que atuam nos municpios abrangidos pelo PNSC, contando com
aproximadamente quarenta famlias entrevistadas em seis municpios.
Por isso, ressalto que alm da possibilidade de conviver com o tema/objeto dapesquisa a conheci detalhadamente com suas angstias, vitrias e lutas cotidianas, sejam nos
mutires, rezas e festas. Por vrias vezes ouvi dos camponeses menes ao impasse do Parque
e a f de continuarem nas suas terras, marcada por uma lgica camponesa que respeita a
natureza nos ciclos naturais e culturais.
As disputas e tenses territoriais analisadas neste trabalho esto cunhadas na trajetria
histrica do PNSC a partir da sua regularizao fundiria, bem como das reas do entorno,
que possuem usos diversos; numa dada viso dos rgos ambientais, muitos desses sujeitossociais, em sua maioria famlias camponesas que pertencem ao territrio da Canastra13, devem
sair da rea para constituio do Parque Nacional (PARNA).
11Conforme destacado anteriormente, inmeras foram as viagens para regio da Canastra. Todavia, considerocomo trabalhos de campo centrais para a pesquisa nove viagens realizadas, respectivamente em: dez (2010), jan.,abr., jul. e nov. (2011), jan. e abr. (2012) e jan. e mar. (2013).12Os DVDs e CDs, em sua maioria, foram organizados por donos de pousadas, prefeituras municipais e msicoslocais, divulgando a regio da Canastra para fins tursticos e religiosos, como, por exemplo, as Folias de Reis. E,mais recentemente, com a criao da AIRCAAssociao Instituio Representativa dos Canastreiros, observa-
se a preocupao com os impasses do PNSC por meio de documentrios educativos cuja centralidade est nosprprios camponeses que relatam suas histrias e angstias com as incertezas em relao ao Parque.13Termo comumente utilizado pelos camponeses que moram no entorno do Parque.
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Para acompreenso dos processos e conflitos territoriais abordados nessa pesquisa,
faz-se necessrio identificar e, sobretudo, conceituar, o que se entende por territrio. Para
tanto, utiliza-se a perspectiva de Raffestin (1993) ao considerar o territrio como interao de
trs fatores: tempo, espao e relaes sociais. Importante salientar que espao no sinnimo
de territrio.
[...] o territrio se forma a partir do espao, o resultado de uma aoconduzida por um ator signatrio (ator que realiza algum programa) emqualquer nvel. Ao se apropriar de um espao, concreta ou abstratamente(por exemplo, pela representao), o ator territorializa o espao(RAFFESTIN, 1993, p. 143).
O territrio, nessa perspectiva, indica que as relaes sociais, assim como o tempo e o
espao, no ocorrem isoladamente, ou seja, h uma apropriao social constante, por meio deaes histricas, determinadas no arcabouo do modo capitalista de produo, as quais nos
remetem s hierarquias e s relaes de poder existentes na construo de um territrio.
Oliveira (1999a, p. 12) define territrio como:
[...] sntese contraditria, como totalidade concreta do processo de produo,distribuio, circulao e consumo, e suas articulaes e mediaes polticas,ideolgicas, simblicas, etc. , pois, produto concreto da luta de classestravadas pela sociedade no processo de produo e reproduo de suaexistncia. So, pois, as relaes sociais de produo e o processo contnuo econtraditrio de desenvolvimento das foras produtivas que doconfigurao histrica especfica ao territrio.
Essas relaes sociais, que marcam e condizem a perspectiva e anlise do territrio
travada cotidianamente pela sociedade, foi interpretada novamente por Oliveira (2009),
entendendo-a a partir da teoria do territrio e da compreenso da agricultura mundializada,
retomando a viso materialista dialtica da realidade para Claude Raffestin (1993), ao
ressaltar que o [...] espao e, certamente o tempo, so as propriedades inalienveis,
indissolveis e indissociveis, que todo ser, coisa ou fenmeno tm e possuem. J o territrio
uma construo histrica (OLIVEIRA, 2009, p. 5).
Nesse contexto Oliveira (2009, p. 5-6; grifos do autor) reafirma que:
O territrio assim, produto concreto da luta de classes travada pelasociedade no processo de produo de sua existncia. Sociedade capitalistaque est assentada em trs classes sociais fundamentais: proletariado,burguesia e proprietrios de terra. Dessa forma, so as relaes sociais deproduo e o processo contnuo/contraditrio de desenvolvimento das forasprodutivas que do a configurao histrica especfica ao territrio. Logo oterritriono um priusou um a pri ori, mas, a contnua luta da sociedadepela socializao igualmente contnua da natureza. O processo de construo
do territrio, pois, simultaneamente, construo / destruio / manuteno/ transformao. em sntese a unidade dialtica, portanto contraditria, da
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espacialidade que a sociedade tem e desenvolve. Logo, a construo doterritrio contraditoriamente o desenvolvimento desigual, simultneo ecombinado, o que quer dizer: valorizao, produo e reproduo.
O territrio e a formao territorial exigem a compreenso histrica dos processos,
entendendo-os, ainda, como uma sntese contraditria da luta de classes. Pois, com a
mundializao do capitalismo, [...] mundializa-se tambm o territrio que forjado, em um
movimento constante e contraditrio. O territrio construdo a partir das relaes capitalistas
visivelmente e mundialmente desigual (BOMBARDI, 2004, p. 49).
Andrade (2004), ao analisar a questo do territrio no Brasil, salienta que:
O conceito de territrio no deve ser confundido com o de espao ou delugar, estando muito ligado idia de domnio ou de gesto de determinadarea. Assim, deve-se ligar sempre a idia de territrio idia de poder, querse faa referncia ao poder pblico, estatal, quer ao poder das grandesempresas que estendem os seus tentculos por grandes reas territoriais,ignorando as fronteiras polticas (Idem, p. 19).
A perspectiva do territrio est, portanto, ligada s relaes de poder que movem a
sociedade capitalista. No mbito da formao do Parque Nacional da Serra da Canastra, pode-
se verificar uma sobreposio de poderes, ora pblico, ora privado. E, mais recentemente,
com os Projetos de Lei que visam a regularizao fundiria e/ou redefinio de sua rea,
observa-se a sobreposio de interesses pblicos e privados; relao essa marcada, ainda, por
grandes corporaes ligadas explorao de minerais, especialmente de diamantes
Kimberlitos, encontrados em grande quantidade na regio Serra da Canastra14.
As disputas territoriais a partir do territrio enquanto produto do trabalho humano,
resultante de diferentes domnios, delimitaes e do vivido pelos sujeitos sociais da Canastra,
nos permite reconhecer as territorialidades que assumem inmeras formas: sociais, culturais,
econmicas, jurdicas entres outras.
Nesse contexto, vale ressaltar que o poder e o direito dos camponeses, responsveis
pela construo de uma frao significativa do territrio, se fazem presentes. Contudo,
contraditoriamente, na sociedade capitalista so, por vezes, expropriados sob prerrogativas
polticas desiguais e incoerentes, que agravam os conflitos socioambientais, os quais sero
denominados nesta pesquisa por tenses de (ou entre) territorialidades, como props
Mazzetto Silva (2006, p. 38), pois, considera que a: [...] desterritorializao leva ao
empobrecimento no s da populao camponesa, mas do conjunto da humanidade que perde
diversidade de saberes, de modos de vida e de formas de relao com a natureza.
14Sobre esse cenrio ver: Brasil (2006) e Chaves et al. (2008).
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Por isso, esses conflitos entre territorialidades so e continuaro cada vez mais
frequentes no mundo contemporneo, em funo do acesso aos recursos naturais numa escala
mundialmente desigual. E, nesse devir, o acirramento das disputas territoriais exige a luta pela
democratizao do controle sobre os recursos naturais, visto a lgica da privatizao do meio
ambiente, baseada na mercantilizao capitalista, pois [...] o territrio (na sua totalidade) no
'outro' com relao ao 'processo capitalista', mas, ao contrrio, ele usado e se transforma
em funo daquele processo geral (CALABI; INDOVINA, 1973, p. 1).
Essas transformaes territoriais no processo capitalista manifestam-se tambm na
problemtica das Unidades de Conservao no Brasil, uma vez que as populaes no interior
e no entorno dessas UCs, principalmente aquelas de Proteo Integral, como os Parques
Nacionais, so tratadas, e, constantemente expulsas dessas reas. Mesmo sabendo que essaspopulaes tradicionais e camponesas muitas vezes auxiliam na preservao desses recursos
naturais e dominam prticas de manejo por geraes e sofrem processos de expropriao de
suas terras, territrios, modos de vida e, sobretudo, perdem parte da sua cultura.
A respeito da estruturao da dissertao, optei pela seguinte: no primeiro captulo
analiso a luta pela terra do Brasil relacionando-a aos conflitos sociais no campo e seu
encontro com a temtica ambiental a partir da institucionalizao das Unidades de
Conservao no pas.Para estabelecer tal dilogo, apresento o iderio mundial das UCs, procurando
desvendar as correntes do movimento ambientalista no Brasil. Tal cenrio ser analisado com
base nas UCs existentes no pas por meio do Sistema Nacional de Unidades de Conservao
(SNUC). Nesse contexto, retomo as reflexes sobre os Parques Nacionais a partir de um
quadro geral sobre a sua catica regularizao fundiria e os desafios histricos frente
reforma agrria em consonncia com as UCs no pas visto os dados sobre as terras devolutas
existentes historicamente no Brasil, as quais deveriam ser instrumentos de umdesenvolvimento territorial mais justo e democrtico.
No segundo captulo discuto o PNSC a partir da ocupao, produo e transformao
camponesa no territrio da Canastra. Teo um paralelo entre a minerao e a agropecuria na
regio da Canastra como uma marca registrada h sculos. A partir dessa perspectiva, retomo
a trajetria que antecedeu a criao do PNSC, bem como analisoos Planos de Manejo dessa
UC de 1981 e 2005. Evidencio, tambm, a expropriao camponesa de forma truculenta pelo
Estado, assim como as marcas desse processo.
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Neste captulo analiso, ainda, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) de 2006, que
apresenta algumas alternativas para o PARNA da Serra da Canastra a fim de regularizar sua
rea e permitir a explorao de minerais na regio.
No terceiro captulo apresento e analiso os Projetos de Lei para o PNSC a partir de
2007, os quais propem a criao da APA rea de Preservao Ambiental da Canastra e a
proposta alternativa que cria os Monumentos Naturais dos Vales da Canastra, constituindo,
assim, um mosaico de UCs. A anlise das propostas ser desenvolvida a partir das
implicaes para os sujeitos sociais que compem o territrio da Canastra, principalmente os
camponeses, cujas lies, manejos e resistncias so construdos cotidianamente na labuta da
terra de trabalho e vida.
Neste captulo analiso, tambm, os impasses com a entrada do agronegcio naregularizao fundiria do PNSC a partir da Compensao de Reserva Legal (RL), bem como
de Compensao Ambiental previstas em leis, a partir da compra de terras no entorno do
Parque, as quais so doadas ao ICMBio para compensar a RL e eventuais danos ambientais
oriundos de empreendimentos licenciados pelo IBAMA. Essa estratgia est retalhando o
PARNA, fazendo com que novas tenses territoriais venham tona, pois, alm dos discursos
do rgo ambiental de que esses camponeses esto dentro ou no entorno de um PARNA de
forma irregular, agora alguns camponeses so confrontantes com as novas reas do Parque oumesmo com o PNSC.
No quarto e ltimo captulo, intitulado Manejo, lies e resistncias camponesas,
procuro analisar o modo de vida campons, relacionando-o s prticas camponesas de manejo
do fogo e aos incndios registrados no PNSC e no seu entorno. Essa anlise foi baseada,
majoritariamente, nas entrevistas com os camponeses, cujas falas foram transcritas para
facilitar a compreenso histrica dessa prtica secular na regio da Canastra, que,
sistematicamente, criminalizada pelos rgos ambientais, rompendo, assim, com qualquerdilogo entre os saberes tradicionais e cientficos.
Nesse sentido, teo uma reflexo sobre a ausncia da etnoconservao no mbito do
PNSC, visto os inmeros exemplos do autoritarismo do ICMBio, principalmente em relao
aos camponeses. Nesse processo, a resistncia dos camponeses e demais sujeitos sociais do
territrio da Canastra est materializada em lies mpares, cunhadas na defesa da terra de
trabalho e vida, que propicie a justia e a equidade social.
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CAPTULO 1
A LUTA PELA TERRA E AS
UNIDADES DE CONSERVAO NO BRASIL
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Vou contar uma histria que a natureza retrataSo de dois protagonistas da regio da Canastra
Ambos chamam Velho Chico com destinos semelhantesUm um rio to bonito; o outro o saudoso Francisco
De uma famlia importante
Morador do p da serra de frente a uma cachoeiraPaz e amor no faltavam junto a sua companheira
At que uma surpresa chocou o seu coraoUm carro ali parava
Bem equipado estava pra uma demarcao
A sua primeira queda foi uma queda fatalPor ser desapropriado por uma Lei Federal
Tendo que deixar sua sede, um lindo carto postalUm projeto desenhado para ali ser transformado
Em um Parque Nacional
Primeira queda do rio uma queda proporcionalPor toda sua grandeza e o seu valor cultural
Uma linda cachoeira por nome de Casca DAntaFamosa pela estatura
Duzentos metros de alturaTodos que a v se encantam
Mais o rio Velho Chico aqui ele pequeninoE vai correndo pr cima o que aprendi no ensinoDo velho Chico Bastiana um dia foi um menino
Recebem est homenagem por essa bela passagemDe cumprir com o seu destino.
Msica: Velho Chico (Nengo)
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1.1- A militarizao da questo agrria e os conflitos sociais no campo brasileiro
A longa e duradoura marcha do campesinato brasileiro deve ser compreendida a partir
da territorializao do capital de forma desigual e contraditria, conforme salienta Oliveira(2001). Acrescenta-se nessa perspectiva, a consonncia com as polticas pblicas, as quais
inibem a Reforma Agrria no pas e constantemente inserem os camponeses em conflitos e
disputas territoriais. Contudo, esses camponeses, contraditoriamente, criam estratgias que
permitem sua reproduo no capitalismo; tratam-se das relaes sociais no capitalistas de
produo no campo, as quais Santos (1978), Martins (1996) e Oliveira (1991a) abordam, e
subsidiam nossa compreenso dessa classe social, que se reproduz dentro do capitalismo. E,
justamente por isso, enfrentam inmeros conflitos, muitos dos quais marcados pelaexpropriao e violncia15.
A histria do Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) no foge ao cenrio
conflitivo e contraditrio apresentado. Neste, verifica-se, ainda, os iderios conservadores da
Ditadura Militar (1964-1985), e, de certo modo, a especulao futura dos recursos minerais
existentes na regio16 e a resistncia de camponeses, indgenas e quilombolas que
historicamente habitaram a regio (IBDF, 1981; GRILO, 1999; SOARES, BIZERRIL e
SANTOS, 2008).
As mudanas ocorridas no cenrio poltico brasileiro no perodo analisado remetem
postura autoritria do regime militar, e, nesse cenrio, temos alguns desafios ao situar um
processo complexo que envolve a legitimao de um PARNA e as estratgias utilizadas,
como a desapropriao para fins de Reforma Agrria, permitindo, assim, a expropriao
camponesa.
Para compreenso da criao do PARNA da Serra da Canastra preciso percorrer o
iderio que o cerca no bojo da Ditadura Militar. Nesse processo, o Estatuto da Terra, de
novembro de 1964, aparentemente indicava que a Reforma Agrria entraria em cena no pas.
No entanto, isso no ocorreu; visto que o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrria s foi
elaborado em 1985 durante o governo de Jos Sarney (OLIVEIRA, 1996 e 2001). O que nos
remete s intencionalidades implcitas, uma vez que as Ligas Camponesas ganhavam
15Oliveira (1996) indica que entre 1964 a 1985, registrou-se 1079 vtimas assassinadas em conflito no campobrasileiro, muitas perderam a vida na luta por um pedao de terra no territrio do latifndio. Essa um marca daditadura militar que perdura na nossa histria como nos revelam continuamente os dados da Comisso Pastoralda Terra (CPT).16
Na regio da Serra da Canastra h registro de garimpo de diamantes, atualmente sem licena e, tambm,explorao de caulim e quartzitos. Nos captulos 2 e 3 irei analisar essa problemtica, atrelada regularizaofundiria do PNSC e a excluso de reas para pesquisa e explorao desses recursos minerais.
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importncia nas reas onde haviam camponeses expropriados devido expanso da cana-de-
acar, e, por isso, sacudiam as reivindicaes pela Reforma Agrria (ANDRADE, 1989).
Contra essa crescente mobilizao de esquerda, representando uma efervescente oposio, os
militares criaram o referido Estatuto que, segundo Oliveira:
[...] foi selado entre os latifundirios e o governo militar. S recentementefoi revelado que o ento Ministro Roberto Campos garantia aoslatifundirios que o Estatuto aprovado no seria implantado. Passado vinteanos descobriu-se a realidade do acordo: o Plano Nacional de ReformaAgrria no havia sido elaborado. Dessa forma, o regime militar duranteseus mais de 20 anos de vigncia, conviveu/consentiu/promoveu umverdadeiro leilo das terras pblicas deste pas entre latifundirios eempresrios do Centro-Sul industrial. Soldou uma aliana entre a burguesiaindustrial e os latifundirios atravs da transformao daquela burguesia emlatifundirios, territorializando, portanto, a burguesia industrial j
mundializada (1996, p. 88).
O Estatuto da Terra, portanto, deve ser compreendido dentro das relaes
desenvolvimentistas impostas pelos militares, os quais integravam para no entregar17, em
constante meno, as crescentes mobilizaes favorveis reforma agrria. Por isso,
O Estatuto da Terra, tornado lei pelo regime militar, era lei morta. Acolonizao na Amaznia aparecia como autntica contra-reforma; comoescreveu Octavio Ianni, aps 20 anos, os militares no permitiram sequerque do Estatuto sasse um plano nacional de Reforma Agrria. Foi a NovaRepblica que se incumbiu dessa misso histrica, sem entretanto obter oapoio de sua base aliada no PMDB, no PFL, e dos latifundirios, enfim,esqueceu-se que para o Estatuto se tornar Plano havia de ser superado ofosso controlado pelos especuladores rentistas. Alis, mais que isto, o fossoestava controlado pela aliana entre os setores nacionais do capitalmundializado e, agora, territorializados (OLIVEIRA, 2001, p. 192).
Ainda no contexto da Ditadura Militar, Oliveira (1991) aponta as estratgias utilizadas
com o golpe militar de 1964, entendendo o Estatuto da Terra e os demais desdobramentos,
tais como os projetos na Amaznia, cuja doutrina da fronteira ideolgica foi substituda
pela doutrina da fronteira geogrfica,e [...] esta nova doutrina passava a constituir-se num
instrumento para pilhar as riquezas nacionais (PEREIRA, 1967 apud OLIVEIRA, 1991, p.
25).
As represses, as intimidaes, as injustias, em consonncia com os grandes projetos
de integrao nacional, fizeram com que a questo agrria entrasse num rpido processo de
militarizao na dcada de 1970.
17Refiro-me aqui leitura feita pelos militares brasileiros sobre a ideologia das fronteiras ideolgicas do ps2 Guerra Mundial, e, por conseguinte, a disputa travada durante a Guerra Fria e a luta capitalista contra o
comunismo que moldou as escolas militares estadunidenses, bem como a tese do controle das reservas minerais.Nesse contexto, [...] os militares brasileiros fizeram a leitura geopoltica da ideologia norte-americana: 'O queno entregar aos Estados Unidos entregar-se- Unio Sovitica' (OLIVEIRA, 1991, p. 10).
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Bernini (2008), ao analisar a problemtica ambiental e seu ambguo encontro com a
luta pela terra, salienta que a partir do regime militar nos quatro cantos do pas, os
camponeses lutavam com a expropriao resultante da expanso de infraestrutura viria,
projetos agropecurios, hidreltricos, minerao e especulao imobiliria gerada pelas
diretrizes desenvolvimentistas, as quais foram marcadas pela expropriao e apropriao de
terras pblicas para a elite agrria brasileira com incentivos do governo.
Bombardi (2006), ao estudar a apropriao da terra no estado de So Paulo, afirma que
os conflitos no campo so de ordens divergentes, ou seja, de classes sociais antagnicas, as
quais so oriundas da produo e reproduo do capital e a lgica da reproduo do
campesinato.
Por isso, a ao do Estado durante a ditadura militar, por vezes teve um papelsignificativo na expulso e deslegitimao de camponeses. Tal situao agravou os conflitos
sociais no campo, resultando em resistncias e intensas retaliaes.
Martins (1984) demonstra que atravs da criao do Ministrio Extraordinrio para
Assuntos Fundirios em 1982, o mesmo assume a poltica fundiria, leia-se: Quartel da
Terra, cujo controle ficou nas mos do general Danilo Venturini, portanto, assumia-se que
era um problema de ordem militar.
A escolha desse general para ministro fcil de entender: ele , por assimdizer, como que um especialista nos problemas de terra e, particularmente,segundo vrios indcios, tem sido encarregado do estudo, doacompanhamento e das decises militares sobre o carter social e poltico daluta pela terra [...] A criao do Ministrio Extraordinrio para AssuntosFundirios inseparvel da sua entrega direo de um general e de umgeneral que vai acumular a funo de secretrio do Conselho de SeguranaNacional, o laboratrio onde so produzidas as decises relativas tutelamilitar sobre amplos setores da sociedade brasileira. A criao desseMinistrio, e o carter militar que ele assume, est perfeitamente na linha ena lgica da progressiva e definida militarizao da questo agrria noBrasil. Est tambm, na lgica da crescente federalizao das terras
devolutas e do problema da terra (MARTINS, 1984, p. 20).
O controle sobre a sociedade estava posto, assim como os interesses de classes. Nesse
sentido, as lutas sociais no campo e o fortalecimento dos trabalhadores apresentavam um
conflito eminente, por isso, trataram logo de extingui-los e/ou reduzir suas aes. Um
exemplo apresentado por Martins (1984) a criao do GETSOP (Grupo Executivo de Terras
do Sudoeste do Paran), matriz para o GETAT (Grupo Executivo das Terras do
Araguaia/Tocantins) e o prprio Ministrio Extraordinrio para Assuntos Fundirios,
revelando, assim, o envolvimento militar direto na questo da terra.
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Nesse cenrio conflitivo, destacam-se tambm as Ligas Camponesas estudadas por
Castro (1967) e Andrade (1989), as quais foram organizaram no nordeste brasileiro. E, por
lutarem pela terra, foram desorganizadas na fora do Ministrio do Quartel da Terra, e
algumas lideranas at hoje esto desaparecidas (MORISSAWA, 2001).
Alm das Ligas Camponesas, lideranas da ULTAB, MASTER, Guerrilha do
Araguaia entre outros, tambm foram perseguidos quando o regime militar de 1964 assumiu o
controle do pas, desarticulando os movimentos sociais e lideranas.
Tal situao conflitiva ocorreu com outros movimentos organizados e, tambm, com
os camponeses de forma isolada, como o caso da expropriao vivenciada no Chapado da
Serra da Canastra, no incio da dcada de 1970. Por isso, compreendemos que:
[...] a terra, na sociedade brasileira, uma mercadoria toda especial.Muito mais do que reserva de valor, reserva patrimonial. A retenoda terra no feita com fins de coloc-la para produzir, motivo peloqual a maioria das terras deste pas mantm-se improdutiva. Mais doque isso, esta terra improdutiva retida com a finalidade de constituirinstrumento a partir do qual se vai ter acesso por parte, evidentemente, daselites s polticas do Estado. Assim, as elites no tm permitido que o Estadoimplemente qualquer poltica de Reforma Agrria no Brasil. Analisando-seas polticas do Estado brasileiro e as possibilidades e/ou tentativas deReforma Agrria, encontra-se um quadro bastante interessante. Tomando-sea dcada de 60 como recorte histrico, verifica-se que naquela poca ocampo estava sacudido pelas Ligas Camponesas. O governo Joo Goulart,pressionado politicamente, criou a SUPRA, iniciou um processo de ReformaAgrria, um dos motivos de ter sido derrubado em abril de 64. O governoCastelo Branco e seu ministro do Planejamento, Roberto Campos sancionou o Estatuto de Terra, o instrumento legal da Reforma Agrria noBrasil. Roberto Campos informou previamente os deputados de que iriamaprovar o Estatuto da Terra, de que ele seria aprovado, porm noimplantado. Passado o perodo do governo militar, pode-se verificar que, defato, ele no foi implantado. Coube a Jos Sarney elaborar o 1 PlanoNacional de Reforma Agrria, previsto no Estatuto da Terra aprovado pelosmilitares (OLIVEIRA, 2001, p. 199-200; grifo nosso).
Essas polticas do Estado esto territorializadas no processo histrico brasileiro,manifestadas sob inmeras formas e argumentos, favorecendo a elite agrria, numa escala
mundializada. E, nesse processo, os camponeses lutam pela terra de que necessitam para
trabalhar; ao resistirem expulso e expropriao, eles se fortalecem do ponto de vista
poltico para a conquista de uma frao do territrio capitalista. H, portanto um conflito de
classes sociais antagnicas (BOMBARDI, 2006).
Nesse cenrio, possvel compreender os camponeses como uma classe social da
sociedade capitalista. Por isso, trata-se de uma frao e no o territrio na sua amplitude. Da
a relevncia de resgatarmos parte das lutas vivenciadas no campo brasileiro, nas quais, muitas
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vezes, esquecemos-nos de grupos de camponeses que atuam isoladamente nos mais remotos
rinces, sertes e chapades do Brasil.
1.2
- A gnese das UCs no contexto mundial
A primeira rea natural protegida no sentido moderno18 do termo foi o Parque
Nacional de Yellowstone, criado em 1872 nos Estados Unidos, seguido do Parque de
Yosemite em 189019. Contudo, essas ideias preservacionistas j estavam em discusso desde o
incio do sculo XIX nos EUA (DIEGUES, 1998 e 2004).
Para Diegues (1998) esse modelo de criao de reas naturais protegidas surge nos
EUA, em meados do sculo XIX, se constituindo como uma das polticas conservacionistas20
mais utilizadas em outros pases, inclusive no Brasil.
Para o autor:
Parte da ideologia preservacionista subjacente ao estabelecimento dessasreas protegidas est baseada na viso do homem como necessariamentedestruidor da natureza. Os preservacionistas americanos, partindo docontexto de rpida expanso urbano-industrial dos Estados Unidos,propunham ilhas de conservao ambiental, de grande beleza cnica, ondeo homem da cidade pudesse apreciar e reverenciar a natureza selvagem(DIEGUES, 1998, p. 11).
Nesse contexto, entende-se que as reas naturais protegidas constituem-se em propriedade ou
espao pblicos, as quais no permitem a presena de moradores. Essa perspectiva,
[...] entrou em conflito com a realidade dos pases tropicais, cujas florestaseram habitadas por populaes indgenas e outros grupos tradicionais quedesenvolveram formas de apropriao comunal dos espaos e recursosnaturais. Mediante grande conhecimento do mundo natural, essas populaesforam capazes de criar engenhosos sistemas de manejo da fauna e da flora,protegendo, conservando e at potencializando a diversidade biolgica(Ibidem, p. 11).
18Aps a Revoluo Industrial.19Em 1885 o Canad criou seu primeiro Parque Nacional, seguido da Nova Zelndia, em 1894, e da frica doSul e Austrlia em 1898. A Amrica Latina foi um dos primeiros continentes a copiar o modelo de parques semmoradores. O Mxico criou sua primeira reserva florestal em 1894, a Argentina em 1926 e o Brasil, em 1937,cria o PARNA de Itatiaia nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, cujo objetivo similar a Yellowstone,ou seja, proteger reas naturais de grande beleza cnica para visitantes de fora da rea. Na Europa os PARNAs,como dos Alpes de 1914, tm, dentre os seus objetivos, manter as reas naturais para pesquisas de flora e fauna(DIEGUES, 1998; ROCHA, 2002).20 Vale ressaltar que h divergncias entre os dois conceitos. Salienta-se, contudo, que convertem quanto necessidade das reasprotegidas. Se a essncia da 'conservao dos recursos' o uso adequado e criterioso dos
recursos naturais, a essncia da corrente oposta, a preservacionista, pode ser descrita como a reverncia anatureza no sentido da apreciao esttica e espiritual da vida selvagem (wilderness). Ela pretende proteger anatureza contra o desenvolvimento moderno, industrial e urbano [...] (DIEGUES, 1998, p. 30).
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A discusso feita por Diegues (1998) de suma relevncia para compreender as
prticas camponesas, as quais convivem com a natureza, sem necessariamente destru-la.
Nesse contexto, no fazem distino da natureza, pois concebem a mesma com parte de si.
A imposio de neomitos (a natureza selvagem intocada) e de espaospblicos sobre os espaos dos comunitrios e sobre os mitosbioantropomrficos (o homem como parte da natureza) tem gerado conflitosgraves. Em muitos casos, eles tm acarretado a expulso dos moradorestradicionais de seus territrios ancestrais, como exige a legislao referentes unidades de conservao restritivas. Na maioria das vezes, essas leisrestringem o exerccio das atividades tradicionais de extrativismo, caa epesca dentro das reas protegidas (Ibidem, p. 11).
Diegues (1998 e 2008) afirma, tambm, que as leis transpostas para o Brasil acabam
deslegitimando algo que histrico, ou seja, as atividades agroextrativistas dentro ou no
entorno de UCs. Tal situao se agravou,
Mas recentemente, no Brasil, sobretudo aps o perodo autoritrio quandose criou a maioria dessas reas protegidas, algumas populaes tradicionaiscomearam a resistir expulso e desorganizao de seu modo de vida,recriando, sua maneira, as formas de apropriao comum dos recursosnaturais. Isso somente foi possvel com o estabelecimento de alianas commovimentos sociais mais amplos (como o dos seringueiros), comorganizaes no-governamentais nacionais e internacionais, com agradativa mudana do conceito de reas naturais protegidas por entidadesconservacionistas de mbito mundial, como a UICN UNIO
INTERNACIONAL PARA A CONSERVAO DA NATUREZA(DIEGUES, 1998, p. 11-12).
Esse modelo de parques nacionais sem moradores para a preservao da vida
selvagem sofreu inmeras crticas, principalmente no tocante s motivaes de sua criao, e,
sobretudo, por recriar a dicotomia entre povose parques. No cenrio brasileiro, pode-se
afirmar que as reas de uso indireto, sem habitantes, esto em crise, crise essa nitidamente
ligada falta de recursos para desapropriao, falta de investimento pblico, de fiscalizao,
de informaes ao pblico etc. (DIEGUES, 2004).
A crtica ao modelo de conservao estadunidense, adotado tambm no Brasil e em
outros pases da Amrica Latina, sia e frica, est centrada na busca do mundo selvagem
a wilderness, que representava a salvao da humanidade, na viso romntica de seus
propositores John Muir e Henry David Thoreau (DIEGUES, 2004).
Nesse mesmo perodo, Aldo Leopold, cientista graduado em cincias florestais,
tornou-se administrador de parques nacionais em 190921, possuiu uma viso abrangente sobre
as reas protegidas: "[...] uma deciso sobre o uso da terra correta quando tende a preservar
21Foi tambm professor na Universidade de Wisconsinde Manejo da Vida Silvestre a partir de 1933.
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a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade bitica que inclui o solo, a gua, a
fauna e flora e tambm as pessoas" (LEOPOLD, 1949 apud DIEGUES, 2004, p. 10). Essa
viso foi sendo preterida a outros enfoques, os quais seguiram a tendncia de
compartimentalizao das cincias naturais, e, consequentemente da conservao.
No final dos anos 60, os ecologistas-preservacionistas, propositores dosparques sem habitantes, encontraram um forte aliado filosfico na emergenteecologia profunda que, com base numa viso biocntrica, afirma que anatureza deve ser preservada, independentemente da contribuio que possatrazer aos seres humanos. A necessidade de expanso do modelo dominantede parques nacionais e de controle da populao, cujo crescimento tidocomo o fator mais destruidor da natureza, passou a fazer parte do dogma daecologia profunda, que encontrou nos Estados Unidos terreno propcio parasua expanso (DIEGUES, 2004, p. 10; grifo do autor).
A perspectiva da ecologia profunda contou, nesse mesmo pas na dcada de 1980, com
o respaldo da Biologia da conservao, cuja preocupao central est ligada biodiversidade.
Diegues (2004) ressalta que o objetivo inicial dos PARNAS no era a
biodiversidade22, essa preocupao posterior. Por isso, necessrio entender as correntes
ambientalistas, as quais concebem a ecologia e os demais paradigmas da preservao e
conservao responsveis pelo direcionamento das polticas pblicas sobre as Unidades de
Conservao no Brasil.
A partir desse cenrio, h de se concordar com Diegues (1998, 2004) ao afirmar queh outro tipo de cincia e prtica da conservao chamada de ecologia social ou ecologia dos
movimentos sociais, ou seja, aquela que argumenta e luta com os excludos a partir da
construo da justia social. Parte das suas reflexes e aes baseia-se na constatao do
insucesso de muitos parques e reas protegidas de uso indireto, e outros argumentos de ordem
tica, poltica, cultural e ecolgica.
Sob o ponto de vista tico, argumentava-se ser injusto expulsarcomunidades que vivem nas reas de florestas h tantas geraes e que, dado
o seu modo de vida e uso tradicional dos recursos naturais, so responsveispela qualidade dos hbitats transformados em reas protegidas. Sob o pontode vista cultural, esses estudos mostram que o manejo e gesto das reasnaturais podem estar profundamente ligados viso de mundo e s prticasculturais e simblicas das chamadas comunidades tradicionais e no,exclusivamente, a conceitos e prticas cientficas, em sua acepo moderna(DIEGUES, 2004, p. 12; grifo nosso).
22A biodiversidade na teoria conservacionista pressupe a ausncia humana, reforando, assim, o paradigma
moderno da separao homem-natureza. Na contramo dessa tendncia, Arruda e Diegues afirmam: [...]biodiversidade no s produto da natureza, mas, em muitos casos, produto da ao das sociedades e culturashumanas, em particular das sociedades tradicionais no-industriais (2002, p. 15).
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No tocante ao ponto de vista social e poltico, o modelo preservacionista apresenta alto
custo, pois seu enfoque autoritrio de cima para baixo -, deslegitima o modo de vida das
populaes residentes, muitas vezes sequer consultada sobre as reas naturais protegidas. Esse
modelo de conservao possui interesses contraditrios, como ser discutido nos prximos
captulos em que ser analisado o caso do PARNA da Serra da Canastra.
H, tambm, nesse processo conflitivo da criao das reas naturais, o entendimento
que nos pases tropicais, leia-se subdesenvolvimento, as reas protegidas so viveis em
grande parte atravs de auxlio externo dos bancos multilaterais e de algumas
megaorganizaes conservacionistas (DIEGUES, 2008). Acrescenta-se aqui, os interesses
mais recentes no ecoturismo e a negociao futura de contratos de venda da biodiversidade
com multinacionais (DIEGUES, 2004).A partir da dcada de 1970, quando as populaes atingidas pela criao de reas
naturais protegidas passaram a resistir expulso ou transferncia de seus territrios
ancestrais, como apregoa o modelo preservacionista, os conflitos ficaram mais visveis.
Nesse perodo, h, tambm, vrias conceituaes das correntes ambientalistas, as quais
dialogam com a problemtica atual.
Um exemplo a ecologia social, ou dos movimentos sociais, analisada por Diegues
(1998), e a ecologia socialista (ou neomarxista). Acrescenta-se, tambm, uma novamodalidade de conservao surgida entre os movimentos sociais que lutam pela terra e pelo
acesso aos recursos naturais, tais como camponeses, pescadores, ribeirinhos, povos da floresta
e de setores do ambientalismo dos pases emergentes, para os quais a crise ambiental
consequncia do modelo de desenvolvimento, misria crescente e degradao ambiental.
A luta desses movimentos chamada tambm, segundo Viola e Leis (1991), de
ecologismo campons, e sua crtica est justamente nas ideias importadas dos pases
industrializados com relao separao entre homem e natureza.As rupturas em torno da proteo da natureza e as leituras do ecologismo esto
ancoradas em movimentos ativistas nos anos 1960 nos EUA e Europa, as quais remetem s
bandeiras de luta ao lado do antimilitarismo/pacifismo, direitos das minorias etc. Trata-se,
portanto, de uma luta por justia social, as quais possuem alguns desdobramentos nos
movimentos ambientalistas brasileiros.
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1.3- Correntes do movimento ambientalista brasileiro
Dentre as correntes do pensamento ambientalista ou ecologista23, iremos apontar
alguns autores e correntes analisadas por eles, salientando as principais divergncias
existentes.
No mbito desta pesquisa, compreendendo que o ambientalismo sofreu fortes
influncias ideolgicas da viso estadunidense, que considera a natureza selvagem intocada e
intocvel. Devendo, portanto, ficar isolada da sociedade em UCs de proteo integral.
Na contramo dessa perspectiva o ecologismo popular, dos pobres ou dos movimentos
sociais no Brasil emerge em meados da dcada de 1980 no bojo da democratizao e apia-se
na crtica ao modelo de desenvolvimento econmico altamente concentrador de renda e
destruidor da natureza (DIEGUES, 1998).Nesse contexto, os movimentos ecologistas, de conotao social e ambientalista,
reafirmam h necessidade de se repensar a funo de parques e reservas, valorizando e
respeitando seus moradores tradicionais.
Por isso, entendo que essa corrente que respeita, e, sobretudo, dialoga com os saberes
e prticas tradicionais a priori a mais adequada frente realidade brasileira, como traduzida
pelos seringueiros acreanos ao serem denominados como defensores do meio ambiente e
ecologistas, respondiam: Mas ns no queremos defender s meio, ns queremos defendero ambiente inteiro...24 (AMNCIO, 2004, p.307).
A viso da totalidade histrica, da vida e do ambiente inteiro, nos permite uma
contextualizao desse momento e, sobretudo, salient-lo como o movimento ecologista
brasileiro denominado genericamente tambm de novos movimentos sociais, que surgem
aps um perodo de relativa desmobilizao social em torno