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IV SENAFE – UFSM - 21 a 23 de maio de 2012 Mesa: Formação crítica, interatividade e mundo comum MUNDO COMUM E FORMAÇÃO CRÍTICA EM PERSPECTIVA PÓS- METAFÍSICA 1 José Pedro Boufleuer 2 Resumo: Assumindo um modo de pensar pós-metafísico, o texto visualiza um modo de realização crítica dos processos de mediação cultural empreendidos em espaços educativos, considerando suas vinculações com o mundo humano comum. Sustentando-se como referencial crítico vinculado aos pressupostos do entendimento linguístico, a perspectiva pós-metafísica potencializa sentidos e dimensões que dignificam a condição humana, como a liberdade, a igualdade, a democracia, dentre outros. Estruturado linguisticamente em formas culturais, modos de sociabilidade e como expressões de identidade, o mundo comum se mantém e se renova através de processos de formação, como os desenvolvidos em espaços institucionalizados de educação. A forma discursiva como se legitimam os conhecimentos no âmbito das “comunidades especializadas” sugere a forma pedagógica de sua comunicação. Assim, no próprio processo de apresentação dos conhecimentos em espaços educativos devem ser considerados os motivos que os tornam válidos, num debate em que professores e alunos passam a participar com vistas a uma aprendizagem sustentada em boas razões para compreender. Todo pensar que se pretende crítico implica em algum parâmetro a partir do qual a crítica seja feita. Ocorre que 1 Texto apresentado no IV SENAFE – Seminário Nacional de Filosofia e Educação: Confluências, realizado nos dias 21 a 24 de maio de 2012, na UFSM, em Santa Maria - RS. Publicado em: TREVISAN, Amarildo L.; ROSSATO, Noeli D. Filosofia e educação: interatividade, singularidade e mundo comum. Campinas: Mercado de Letras, 2013, p. 75-95. 2 Doutor em Educação pela UFRGS e professor da UNIJUÍ.

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IV SENAFE UFSM - 21 a 23 de maio de 2012

Mesa: Formao crtica, interatividade e mundo comum

MUNDO COMUM E FORMAO CRTICA EM PERSPECTIVA PS-METAFSICA

Jos Pedro Boufleuer

Resumo:

Assumindo um modo de pensar ps-metafsico, o texto visualiza um modo de realizao crtica dos processos de mediao cultural empreendidos em espaos educativos, considerando suas vinculaes com o mundo humano comum. Sustentando-se como referencial crtico vinculado aos pressupostos do entendimento lingustico, a perspectiva ps-metafsica potencializa sentidos e dimenses que dignificam a condio humana, como a liberdade, a igualdade, a democracia, dentre outros. Estruturado linguisticamente em formas culturais, modos de sociabilidade e como expresses de identidade, o mundo comum se mantm e se renova atravs de processos de formao, como os desenvolvidos em espaos institucionalizados de educao. A forma discursiva como se legitimam os conhecimentos no mbito das comunidades especializadas sugere a forma pedaggica de sua comunicao. Assim, no prprio processo de apresentao dos conhecimentos em espaos educativos devem ser considerados os motivos que os tornam vlidos, num debate em que professores e alunos passam a participar com vistas a uma aprendizagem sustentada em boas razes para compreender.Todo pensar que se pretende crtico implica em algum parmetro a partir do qual a crtica seja feita. Ocorre que em boa parte de nossas manifestaes pretensamente crticas o parmetro acaba no sendo explicitado e, por isso, tambm no tematizado. Assim, a base referencial da crtica permanece no nvel das suposies implcitas, dos dados apriori, comprometendo, assim, o prprio alcance do que poderia ser um pensar crtico. Como mote desta exposio consideraremos fundamentais dois tipos de explicitao no que se refere atitude crtica. Em primeiro lugar, a necessidade de que se diga a partir de onde ou de que base referencial o pensar crtico se estabelece. Em segundo, a necessidade de uma avaliao acerca do potencial dessa base referencial para a constituio de um mundo humano comum em que a convivncia dos indivduos se paute pelo princpio do menor nvel de violncia possvel de uns sobre outros. O percurso argumentativo principiar com uma meta-reflexo acerca da criticidade, vista aqui como constitutiva da prpria condio humana, orientando-se desde logo por um modo de pensar ps-metafsico. O mundo comum e as condies de sua crtica

O mundo comum um daqueles temas sempre pressupostos, mas poucas vezes tematizado. Ele to antigo quanto o homem, que se constituiu como tal ao desgarrar-se dos condicionantes instintivos, assumindo comportamentos de deliberada desobedincia a esses. E foi exatamente por adotar padres de interao com o meio e com os demais j no determinados instintivamente que a espcie humana se constituiu em espcie cultural e social, ou seja, passou a ter um mundo. Assim, coletivos de espcies animais, como alcateia, cardume, bando, manada, dentre outros, tm os seus padres de interao fechados, determinados geneticamente. J, e de forma distinta, o coletivo da espcie humana, a sociedade, tem padres de interao abertos e, por isso, dependentes de continua deliberao. O que as demais espcies tm de comum como padres de interao no factvel pr-se em questo, uma vez que se trata de um dado da natureza que se impe necessariamente. J o que configura o comum da espcie humana, as interaes que articulam os indivduos e estes com o meio, se pauta pela contingncia e, como tal, permite ser posto em questo.

E como possvel por em questo o mundo comum? Em que sentido ele poderia ser objeto de crtica e de reviso?

A crtica e a eventual reviso pressupem a possibilidade de um distanciamento terico em relao aos padres culturais e sociais existentes. Sem o exerccio desse distanciamento o mundo se impe de forma inexorvel, suprimindo, na prtica, sua caracterstica de abertura para sempre novas definies. Fazer jus ao diferencial de espcie requer, portanto, esse esforo terico, entendido como estabelecimento de um tensionamento dialtico em relao ao mundo existente, permitindo, por sua vez, a reflexividade. A reflexividade crtica, por sua vez, requer o estabelecimento de um parmetro a partir do qual alguma considerao acerca do mundo se torne possvel. Ao longo da tradio do pensamento filosfico foi essa a questo que, de alguma forma, sempre esteve no centro das preocupaes. Afinal, qual parmetro adotar para sugerir revises, ou fazer novas projees em relao ao mundo que constitumos como espcie, cujos modos de ser e de interagir no se encontram pr-estabelecidos? E, alm disso, tal parmetro permitiria uma soluo para a incmoda multiplicidade de percepes sobre os mesmos fatos ou situaes? Em funo desses desafios que aparecem de modo recorrente as tematizaes acerca da subjetividade e da objetividade, do particular e do universal, desdobrando-se, por sua vez, em questes como as da verdade e da justia, da tica e da poltica. Enfim, pe-se para a filosofia a questo do homem em sua dramtica condio em que j no possvel viver sem um acerto de perspectivas com os demais humanos.

Enredado nesse dilema fundamental de sua existncia, feito castigo pela ousadia de ter-se inventado pela desobedincia aos ditames de sua natureza instintiva, correspondente ao cometimento de um pecado original, ao homem no sobrar alternativa a no ser continuar se inventando. Isso significa, na prtica, contar uma historinha sobre a sua condio no mundo, ao modo de uma narrativa, tomando-a como verdadeira, no sentido de efetiva. Assim, e como partcipes dessa trajetria que se estende ao longo dos tempos, j contamos mitos, inventamos a metafsica, projetamos a subjetividade, sendo que atualmente acreditamos ser a cincia a melhor expresso de nossas possibilidades e, por isso, a indicadora do caminho que nos compete seguir. Essas e outras tantas narrativas sempre operaram como instncias referenciais para que algo sobre o mundo pudesse ser dito, sempre na perspectiva de revises que em sua tica se percebiam como importantes ou desejveis. E foi assim que nos diferentes perodos histricos comportamo-nos e perseguimos metas de acordo com as possibilidades sinalizadas nessa contao de histrias. Ou seja, sempre acabamos nos fazendo, de alguma forma, imagem e semelhana de nossa prpria narrativa.Como que se essa observao no fosse suficientemente intrigante em face da autoimagem racionalista e objetivante de nossa poca, acrescente-se a que, em regra, esquecemos que fomos os prprios inventores das histricas que contamos. E quanto mais adultos ficamos mais dificuldades vamos tendo para nos desvencilhar ou conseguir relativizar o que apenas um jogo que montamos para organizar nossas vidas, o nosso mundo comum. Salvam-se as nossas crianas que, a exemplo dos adultos, tambm montam os seus jogos, brincam em estrita obedincia s regras que se colocam, mas no encontram qualquer dificuldade de desmontarem o cenrio na hora de almoar ou de dormir, para num momento seguinte mont-lo com base em parmetros novos, brincando, ento, de outra coisa. Afinal, elas sabem que se trata apenas de um jogo.

Na impossibilidade de contar a verdadeira e definitiva histria ficamos na dependncia daquelas que nos parecem mais plausveis e potencializadoras de sentidos e dimenses que, a nosso ver, dignificam a condio humana, como a liberdade, a igualdade, a democracia, dentre outros. Mesmo que a percepo da dignidade de tais sentidos e percepes deva ser vista como uma construo histrica, pode-se visualizar neles a expresso de um esforo em constituir um mundo humano baseado no menor grau de violncia possvel, o que, diramos, pode-se afirmar com base no estatuto universal da razoabilidade.

Ressoam em nossas mentes narrativas como a da criao do mundo do livro do Gnesis, da Alegoria da Caverna de Plato, do Discurso do Mtodo de Descartes, dentre outras tantas que tm inspirado e condicionado o modo humano de ser em tempos e contextos distintos. Nesse mesmo sentido temos narrativas que expressam, tambm no campo da arte, certa percepo de poca, como ocorre no incio emblemtico do filme 2001 uma Odisseia no Espao. Referimo-nos aqui parte do filme que, numa ambientao de quatro milhes de anos atrs, retrata o que seria a transformao do macaco em humano pelo desenvolvimento de uma capacidade instrumental, no caso, pelo uso de um osso como ferramenta de domnio para a disputa de um naco de carne com outro macaco. Osso que, arremessado ao alto, se transforma na nave que conquista o espao no ficcional incio do terceiro milnio.

Em relao narrativa do filme no o caso de especular acerca do acerto ou no dessa imagem quanto aos fatos histricos da evoluo da espcie, mas, sim, acerca do seu potencial de reforo de uma autoimagem do homem de nosso tempo como algum que se constituiu mediante um ato instrumental, de violncia, inclusive. A ttulo de contraponto, e como antecipao do que trataremos no prximo tpico, sugerimos aqui uma narrativa ligeiramente distinta, mas igualmente referida ao que seria o momento da transformao do macaco em humano. Nessa narrativa, hipottica e alternativa quela do filme, a conquista do alimento, seja ele uma carne ou uma fruta, obtida atravs de uma ao colaborativa com os demais, viabilizada com base no desenvolvimento de uma capacidade comunicativa. com base nessa imagem de um animal que se faz humano atravs da linguagem que encetaremos, a seguir, uma argumentao terica que se pe em perspectiva ps-metafsica. Assentado no pressuposto de que a emergncia do humano ocorre de modo concomitante ao desenvolvimento de uma competncia comunicativa, o pensar ps-metafsico ser proposto, na sequncia, como parmetro e/ou narrativa para uma possvel empreitada crtica acerca do mundo comum e, mais especificamente, acerca dos modos de concepo e de realizao da educao. A humanidade que se inventa inventando a linguagem

Podemos dizer que boa parte do atual pensamento filosfico converge no entendimento de que o jogo da vida humana se define fundamentalmente no mbito da linguagem. Mas o que seria assumir a linguagem como de fato constitutiva da condio humana, tomada como a marca antropolgica por excelncia? Ao responder a essa pergunta nos deixaremos conduzir por uma linha de reflexo que compreende a linguagem como acontecimento humano primeiro, fundante de tudo o que possa ser considerado humano. Em termos filosficos a reflexo dever subscrever, por sua vez, uma compreenso de filosofia primeira em que a linguagem efetivamente assuma a preponderncia na constituio do modo especificamente humano de ser.

certo que a linguagem sempre teve lugar destacado no mbito da filosofia. Mas nem por isso a ela se atribua a centralidade que atualmente assume nesse campo de reflexo. Ao longo da tradio do pensamento incumbiam linguagem funes num plano derivado, geralmente de carter instrumental, como para designar isso ou para simbolizar aquilo, sendo vista, assim, capaz de transmitir ou de expressar algo do mundo humano que se acreditava existir antes dela. Esse papel secundrio da linguagem agora repensado para que ela possa aparecer em todo o seu potencial constituinte do modo humano de ser. Abandonam-se, nesse sentido, as perspectivas ontolgicas em que a linguagem aparece como instncia de expresso simblica de uma pretensa captao fidedigna de um mundo preexistente, isto , ao modo de uma adequao do intelecto realidade, como se pretendia no mbito da filosofia das essncias. De outra parte, abandonam-se, tambm, as perspectivas modernas em que a linguagem representa e/ou espelha o mundo que se erige como obra de uma pretensa faculdade da razo, que em si mesma encontraria as garantias de fidedignidade de sua representao. Abandonam-se, ainda, as perspectivas em que a linguagem aparece como expresso superestrutural de uma ordem que se constituiria em outro mbito, como, por exemplo, no mbito da produo material. Abandonam-se, inclusive, aquelas perspectivas em que a linguagem expressaria primeiramente uma atitude tica de reconhecimento recproco, pressupondo um sentido de alteridade que se acredita possvel antes mesmo de o humano se constituir na linguagem e no seu operar em busca de entendimento.

Na perspectiva que aqui traamos, e que se distingue daquelas que entendemos necessrio abandonar, a linguagem, alm de configurar o jogo da vida, expressa tambm o modo como o fenmeno humano se constitui. Nossa reflexo considera, nesse sentido, que a emergncia do humano, notadamente ao que se refere capacidade de modificao dos padres de interao com o meio e com os outros humanos, bem como ao desenvolvimento de uma capacidade inventiva e criadora, se d de modo concomitante ao surgimento da linguagem. Assim, tudo o que denominamos como desenvolvimento de um modo inteligente de ser e de interagir, caractersticos da espcie humana, aqui tomado como resultante do desenvolvimento de uma competncia lingustica. Conforme Gadamer,... em todo conhecimento de ns mesmos e do mundo, sempre j fomos tomados pela nossa prpria linguagem. aprendendo a falar que crescemos, conhecemos o mundo, conhecemos as pessoas e por fim conhecemos a ns prprios. Aprender a falar no significa ser introduzido na arte de designar o mundo que nos familiar e conhecido pelo uso de um instrumentrio j dado, mas conquistar a familiaridade e o conhecimento do prprio mundo, assim como ele se nos apresenta (2002, p. 176).

Com base nesse entendimento acerca do lugar fundamental da linguagem na constituio da vida humana buscaremos, na sequncia, visualizar como se estabelecem os modos de ser e de interagir tipicamente humanos. Modos esses que configuram, por sua vez, o mundo humano comum. E se esse esforo de configurao for considerado adequado ou plausvel, teremos, ento, um parmetro terico para uma possvel crtica de aspectos ou dimenses presentes no mundo comum. Parmetro que emergir do prprio modo de a linguagem estruturar-se com vistas ao entendimento, qualificando-se, assim, como fato da razo (Cf. HABERMAS, 1989, p. 418).

A linha de reflexo que busca no modo de operao da linguagem o aparecimento das caractersticas tipicamente humanas, expressas por aquilo que representa um modo inteligente de interao com o meio e com os demais, deve descartar, para todos os efeitos, as alternativas que vinculam esses fenmenos a algum tipo de interveno na ordem natural das coisas, operada ou no por alguma fora externa. A opo, por isso, ter que ser por uma linha de reflexo que toma por base a experincia humana ao modo como ela se revela em cada um de ns. Importa, nesse sentido, cogitar acerca do modo como chegamos a ter algo como uma percepo, a ter um modo diferenciado (humano) de interao com o meio e com os demais humanos. A busca por uma resposta a esse questionamento nos conduzir ao modo peculiar de operar da linguagem. Para essa reflexo com vistas configurao do modo humano de ser e de interagir seguiremos Habermas na sua compreenso do mundo da vida estruturado em modelos culturais, ordens sociais e personalidades, bem como o modo de sua constituio atravs de condensaes e sedimentaes dos processos de entendimento, da coordenao da ao e da socializao, os quais passam atravs do agir comunicativo (HABERMAS, 1990, p. 96).

Comecemos pela nossa autopercepo, com aquilo que pressupomos ser a nossa identidade pessoal, nossa personalidade. Pensemos no que acreditamos ser, no que entendemos serem nossas virtudes ou defeitos, nossas capacidades ou fraquezas, enfim, qualquer coisa que configure o nosso eu. Afinal, de que forma tudo isso se nos revela? Ser que essas percepes poderiam vir a nossa conscincia sem que outros tivessem nos dado a entender que isso que somos, que so essas as caractersticas que nos constituem? Certamente que no, pois a nossa experincia indica que a mediao do outro, atravs de algum tipo de linguagem, verbal ou no verbal, que nos permite alguma conscincia ou convico acerca de nossa identidade. Assim, pode-se dizer que so os outros que nos do referncias para sabermos quem somos. Sem a defrontao com a manifestao do outro, seja como aprovao ou reprovao, nada conseguimos pensar acerca de ns. Muito bem sabemos que ignorar o outro, negando-lhe nossa manifestao, uma forma eficaz de destru-lo, de feri-lo em seu ser, de deixa-lo em crise de identidade. Por isso, falar de autopercepo ou de algo como uma identidade nossa pressupe a presena do outro que, com sua manifestao, corrobora ou no alguma convico que venhamos a ter acerca de ns.

No nosso modo humano de ser tambm estabelecemos interaes com os demais humanos e que transcendem ou mesmo assumem um sentido contrrio ao das inclinaes biolgicas. E o que a nossa experincia revela acerca da constituio de nossas sociabilidades? Como padres de interao tipicamente humanos so estabelecidos? E o que confere legitimidade s formas de sociabilidade institudas na convivncia que temos com os demais? Como no existe um modo natural de sermos uma comunidade humana, j que o humano tudo o que se ergue sobre e para alm da base natural, e em boa medida de forma tensional em relao a ela, as sociedades humanas necessitam ser estabelecidas por obra e risco dos prprios homens. E esse estabelecimento ocorre no mbito das percepes compartilhadas dos diferentes participantes adscritos a uma coletividade. O compartilhamento que possibilita o ordenamento de um mundo social comum requer processos linguisticamente mediados, em que determinadas proposies de regulao das interaes so acolhidas no mbito das coletividades, conferindo-lhes a legitimidade enquanto formas de interao. A proposio do que possa ser justo ou vlido transcende as competncias do sujeito individual para tornar-se prerrogativa dos grupos que se comunicam com vistas ao entendimento. Assim, em ltima instncia, a pertinncia ou no de alguma proposio de regramento da vida coletiva acaba sendo definida tambm no mbito de um entendimento simbolicamente mediado.

O modo humano de ser tambm caracterizado pela capacidade de estabelecer padres de interao com o meio natural que vai alm de um modo reflexo ou meramente adaptativo. Ao homem facultado colocar-se objetivos de ao que permitem a transformao da paisagem natural. Mais do que simplesmente se ajustar ao meio natural, o homem interage com ele, manipulando-o com vistas produo de sua subsistncia e obteno de uma vida mais confortvel. Tambm sob esse ponto de vista, o de suas relaes com o meio natural, preciso perguntar de que forma o homem produz essa inteligncia no trato com o meio em que se encontra. Intencionar implica conseguir pensar, em fazer-se uma ideia, em antecipar um possvel resultado da ao. Esse tipo de interao s factvel sob a forma de um pensar que se articula ao modo de uma construo lingustica. Para uma interao que j no seja de mera adaptao ao meio requer-se um sujeito capaz de traduzir, consciente ou inconscientemente, o seu modo de agir em termos de proposies de pretensa eficcia. De alguma forma a ao do sujeito movida pela capacidade de antecipao de possveis efeitos, de sucesso ou de insucesso com relao ao seu intento. E esse modo de reflexividade implica a experincia lingustica que s a mediao do outro capaz de proporcionar.

Tomar a experincia lingustica como fundante da condio humana implica em recusar, pelo motivo de sua insuficincia, toda noo de mundo ou de sujeito que se pretenda anterior s ligaes intersubjetivas produzidas pela linguagem. Assume-se, aqui, que a intersubjetividade lingustica fundante de tudo o que venha a ser da esfera propriamente humana. Contrariamente s perspectivas ontolgicas, no se pressupe aqui um mundo feito que o homem pudesse vir a conhecer ou a manipular. Tambm, contrariamente tradio da filosofia moderna da conscincia, no h algum que possa entender-se como sujeito cognoscitivo, autnomo e autorreferente, sem uma constituio sua pela mediao do outro. Inclusive a capacidade de o homem trabalhar e produzir sua subsistncia, na perspectiva aqui delineada, tambm j no o seu trao fundante, mas algo que se tornou possvel porque adquiriu uma reflexividade graas aos laos intersubjetivos que estabeleceu sob a forma de linguagem. Por fim, tambm no possvel pressupor um sujeito tico, capaz de uma atitude alterativa de acolhida do outro, sem que esse sujeito tenha se constitudo intersubjetivamente pelo operar da linguagem em que uns do a entender algo a outros.

At aqui duas coisas parecem ter ficado evidentes. A primeira que ao homem, e s a ele, facultado pr em questo a sua existncia, includas a todas as suas interaes, ou seja, o seu mundo comum. A segunda que esse pr-se em questo se d na linguagem e s nela possvel, j que implica um grau de reflexividade a que o homem s tem acesso no mbito de um defrontar-se linguisticamente com algum outro.

Formao crtica em perspectiva ps-metafsica

A reflexo que aqui estamos fazendo se expressa como um pensar ps-metafsico, entendido como modo de filosofar que assume o humano na radicalidade de sua finitude temporal, implicando o abandono de quaisquer referncias que no aquelas produzidas pelo homem em sua experincia mundana. Como modo de pensar implica a renncia aos saltos para pressupostos no justificveis, ou na direo de certezas que a experincia humana no possa endossar.

Essas perspectivas tericas impactam decisivamente o modo de pensar questes de educao. Isso porque todo processo de formao humana pode ser entendido como insero/aprendizagem no/do mundo humano que, por sua vez, se estrutura como linguagem. Compreender o modo de operar da linguagem, portanto, torna-se uma questo fundamental. De sua anlise pode-se visualizar como a nossa espcie se tornou criativa e capaz de produzir mundo comum, estruturado em modos de ser, de conviver e de interagir com o meio. Ou seja, possvel compreender como a linguagem, por um lado, permite essa ousadia criativa, ao modo de uma desobedincia aos padres instintivos, e, por outro, a organizao dos indivduos em coletividades com base em padres por eles estabelecidos. No operar da linguagem, portanto, compreende-se no s a emergncia do fenmeno humano, mas, tambm, toda a dramaticidade de uma existncia sem um sentido posto, embora possvel de ser proposto. Enfim, possvel abarcar, no modo de operar da linguagem, a origem de todos os nossos problemas e de todas as nossas possibilidades, numa perspectiva em que a razoabilidade de nosso viver s pode contar com parmetros finitos.

No que se refere ao operar da linguagem necessrio desfazer a crena de que ela possa constituir um mecanismo de transmisso, no sentido de oportunizar uma operao de passagem de algo que esteja num indivduo para outro. Isso porque no mbito da linguagem todo possvel efeito implica em capacidade de interpretao, impossibilitando o que seria uma simples transferncia de um para outro. Assim, por exemplo, qualquer enunciado que faamos, seja sob a forma de uma ordem, de um elogio ou de uma ameaa, s produzir algum efeito no interlocutor caso este tenha como interpret-lo. A linguagem, mesmo aquela que se realiza por vias no verbais, implica essa reciprocidade, tornando seu efeito sempre dependente do interlocutor, bem como do contexto capaz de oferecer elementos para essa interpretao.

A necessidade de a linguagem sempre ser interpretada a coloca no mbito de uma peculiar produtividade que ocorre entre o enunciado e a sua interpretao. Essa produtividade, de carter imprevisvel, porque no de todo deduzvel nem da perspectiva de quem enuncia e nem da perspectiva de quem interpreta, o que podemos chamar de criao. Trata-se de uma criao porque permite a produo do indito, resultante j no de algum tipo de soma de elementos pr-existentes. Assim, ao final de uma interao lingustica, em que enunciados so emitidos e interpretados por um e por outro, os interlocutores resultam transformados, sem que essa transformao constitua algo que um tenha recebido do outro. A linguagem nessa sua condio fundante do humano aparece tambm como indispensvel para ns nos percebermos como sujeitos de conhecimento. Isso porque algo como um conhecimento, ou como um saber que se sabe, s possvel de ser alcanado pela mediao do outro, por uma aprovao ou desaprovao diante de alguma manifestao que fazemos. Essa certificao que o outro nos confere, e que tendemos a buscar nos demais indivduos com quem estamos ou interagimos, constitui o princpio de tudo o que temos como conhecimento. tambm esse outro, com seu sim ou no, que nos motiva e impulsiona na direo do incremento do conhecimento, o que buscamos atravs de novas aprendizagens. Nesse sentido, Sellars entende que a caracterizao de um episdio ou estado como sendo de conhecimento implica em coloc-lo no espao lgico das razes, da justificao e da capacidade para justificarmos aquilo que dizemos (apud RORTY, 1988, p. 149).Os aprendizados resultam em conhecimentos que acabam produzindo um mundo humano comum, constitudo de padres, sempre abertos e passveis de modificao, relativamente ao meio natural, no que se refere s relaes dos sujeitos entre si e no que concerne aos modos de ser e de se expressar dos indivduos. O mundo comum compreende todo o contexto de vida que se articula desde o nascimento, passando pelos grupos de convivncia mais prximos, pelo trabalho da escola na transmisso do legado cultural, at chegar ao espao mais amplo que a sociedade. Os pais, e os educadores em geral, necessitam apresentar as criaes e crenas legadas pelas geraes anteriores queles que esto chegando a esse mundo. E isso ocorre atravs do processo de transmisso/reconstruo dos conhecimentos, que passa a ter a funo de um elo humanitrio, ao modo de um concerto de cumplicidades, como diria Savater (2000, p. 44), articulando os que aqui estiveram antes, os que esto aqui agora e os que viro depois. Assim posta a questo da educao em seus vnculos com o mundo comum importa visualizar de que modo uma formao crtica em bases ps-metafsicas possvel. Nesse sentido preciso dizer que nesse pensar ps-metafsico assume-se tambm um modo de filosofar que expressa a opo por um paradigma filosfico que considera a intersubjetividade lingustica como o lcus potencial da produo da razoabilidade do modo humano de ser no mundo. Situado no mbito da tradio crtica, esse paradigma pressupe um operar da razo que permite identificar situaes patolgicas como resultantes de dficits de comunicao. De outra parte, considera-se a via do entendimento baseado em argumentos como indicativa de situaes de maior razoabilidade. , assim, sob o crivo de uma razo que opera nos moldes de uma linguagem voltada ao entendimento que podem ser postos em questo os modos de compreender e de realizar a educao, bem como os temas do mundo comum que ela prope como contedos de ensino-aprendizagem. Questes como a da poltica, da tica, da verdade, dentre outras, passam a ser referidas a essa compreenso paradigmtica que pressupe tratar-se de dimenses de um mundo social e cultural que se estruturaram atravs de processos lingusticos e que, exatamente por isso, podem ser avaliados pelo maior ou menor nvel de argumentao presente em sua pretensa validade.A criticidade que se articula com o pensar ps-metafsico se realiza ao modo de uma inquirio de como determinadas configuraes do mundo, como conhecimentos, valores, regramentos etc., sustentam a sua pretensa validade. No caso da educao, esse modo de crtica emerge sob a forma de um procedimento inerente prpria aprendizagem, que s se torna efetiva mediante o acesso s condies de validade dos conhecimentos ministrados, condies essas que so geradas, via de regra, em espaos discursivos que se constituem no mbito das comunidades cientficas ou da sociedade em suas formas de organizao poltico-social.

Como construes histricas os conhecimentos se mantm enquanto as geraes que vo se sucedendo os aprendem. E como o aprender implica em compreender razes, a apresentao desses conhecimentos em contextos educativos requer a indicao dos critrios de sua aceitabilidade, o que sugere a recorrncia ao modo como esses conhecimentos se constituram. Ou seja, a recorrncia quele discurso que resultou no processo de sua validao, luz do qual o educador deve extrair os motivos de sua aceitabilidade, apresentando-os aos seus educandos para que possam fazer a sua compreenso. O discurso consiste num procedimento comunicativo que no mbito das comunidades cientficas e das organizaes sociais e polticas opera como mecanismo de avaliao crtica da validade dos contedos culturais e das demais dimenses que so incorporadas no mundo comum. Conforme Habermas,Os discursos so como mquinas de lavar: filtram aquilo que racionalmente aceitvel para todos. Separam as crenas questionveis daquelas que, por um certo tempo, recebem licena para voltar ao status de conhecimento no-problemtico (HABERMAS, 2004, p. 63).

Sendo que a validade de um conhecimento, sua adequao ou pertinncia, se sustenta num discurso sempre aberto no mbito de uma comunidade cientfica ou num mbito poltico-social, sua comunicao e aprendizagem implica a reconstruo (desmontagem e remontagem) desse discurso. Ou seja, a aprendizagem de um conhecimento pressupe de certo modo um ingresso na comunidade discursiva que sustenta a sua validade, o que abre, inclusive, a possibilidade de que novos pontos de vista sejam agregados nessa reconstruo.Valrio Rohden (2000), ao se perguntar sobre o significado de uma educao crtica, indica para uma relao professor-aluno em que o ensino de contedos desenvolvido com uma conscincia dos constantes limites factuais do conhecimento (p. 165). Assim, em seu entender, preciso reconhecer perante o aluno que a cincia se faz e refaz continuamente; que, portanto, os conhecimentos tm de ser ensinados como algo de cuja produo o aluno convidado a participar (p. 166). A formao crtica, que inclui a formao de uma autonomia de cunho epistemolgico, ao mesmo tempo em que pressupe a comunicao dos contedos supostamente atualizados, deve despertar no educando a conscincia de que a cincia no parou, despertando o desejo e a aptido para participar de sua criao (p. 166).Michael Young (2011), num artigo em defesa de um currculo centrado em disciplinas, distingue o que considera a viso tradicionalista de um currculo de acatamento daquilo que ele prope como currculo de engajamento. Nesse sentido ele afirma que......ao adquirirem conhecimentos das disciplinas, os estudantes no apenas acatam as regras e os contedos especficos como se fossem instrues... [e sim] esto ingressando naquelas comunidades de especialistas, cada uma com suas diferentes histrias, tradies e modos de trabalhar (p. 617)., pois, essa vinculao da aprendizagem dos conhecimentos com as respectivas comunidades de especialistas que demanda uma dinmica discursiva tambm no mbito dos espaos pedaggicos. Isso significa que no ensino de algum conhecimento preciso refazer, em certo sentido, o percurso argumentativo mediante o qual esse conhecimento se validou. A dimenso crtico-reflexiva da educao se pe, portanto, como necessidade absoluta de argumentar e de dispor-se s objees, enfim, como necessidade de um dilogo com aqueles que desejamos faam parte do mundo humano comum. dessa forma que se visualiza a educao e as instituies que dela se ocupam como espaos de oxigenao das tradies sociais e culturais, j que a sua validade s se mantm ao preo de entendimentos compartilhados com as novas geraes.Pela realizao de um discurso pedaggico no prprio processo de apresentao dos conhecimentos a educao assume uma dimenso crtica da cultura e da sociedade. Tem-se, assim, um freio para o que seria uma mera reproduo da sociedade, j que os valores, os conhecimentos e as regras s se mantm em funo das razes que atestam a sua razoabilidade, a sua adequao, a sua pertinncia. Vincula-se esse entendimento convico, e tambm experincia de cada um de ns, de que ns humanos aprendemos teimosamente, isto , s com base em convencimento atravs de razes. essa a condio que, por sua vez, se coloca para que haja algum tipo de xito na mediao cultural, algum sucesso na empreitada educacional, uma vez que a aprendizagem, assim entendida, se realiza ao modo de uma convico e no de mera adeso. essa, tambm, a forma possvel de vincular conhecimento com transformao que humanamente valha a pena. assim, por fim, que se concebe uma formao orientada para a autonomia e que na perspectiva do pensamento moderno e iluminista se torna fundamental para a vida numa sociedade democrtica. De alguma forma a prpria educao se pe como filtro que no deixa passar o que no digno de ser mantido, o que no se justifica mais, aquilo para o que no h razes suficientes para ser acreditado, ser reconhecido como vlido. A filtragem ocorre medida que proposies de conhecimento so feitas e, tambm, consideradas luz dos argumentos que lhe conferem legitimidade. O professor opera esse filtro, e, num certo sentido, esse filtro, apresentando o legado da cultura e da sociedade, os chamados contedos de ensino, esforando-se em encontrar os melhores motivos que os tornam vlidos e, por isso, dignos de serem aprendidos. Em cada especfica disciplina ele apresenta uma janela do mundo, testemunhando sua pertinncia e, tambm, assumindo o risco de eventualmente no conseguir convencer os alunos acerca de sua importncia e validade. Talvez os alunos o deixem em crise, obrigando-o a refazer os seus argumentos e, inclusive, a questionar o seu prprio ensinamento, caso no tenha como sustentar a validade dos contedos constantes do seu programa de ensino. Enfim, pensar a formao crtica em termos ps-metafsicos sugere uma conduta pedaggica que se assenta em pressupostos da hermenutica. Sob esses pressupostos o acolhimento da tradio implica em interpretao. Esta, por sua vez, exige razes medida que aprender significa compreender razes capazes de atestar a validade daquilo que se apresenta como pretenso conhecimento. Tudo isso sugere o acerto de pensar o espao da educao como o espao do dilogo argumentativo enquanto forma de realizao de sua dimenso crtica. Referncias bibliogrficas:GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo II: complementos e ndice. Petrpolis: Vozes, 2002; Bragana Paulista: Editora Universitria So Francisco, 2002.

HABERMAS, Jrgen. Teoria de la accin comunicativa: complementos y estdios prvios. Madrid: Ctedra, 1989.

___. Pensamento ps-metafsico: estudos filosficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.

___. A tica da discusso e a questo da verdade. S. Paulo: Martins Fontes, 2004.

ROHDEN, Valrio. Sobre a ideia de educao para a autonomia. In: TAVARES, Jos Antnio Giusti. Totalitarismo tardio: o caso do PT. 2. Ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000, p. 163-191.RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza. Lisboa: Dom Quixote, 1988.

SAVATER, Fernando. O valor de educar. So Paulo: Martins Fontes, 2000.TUGENDHAT, Ernst. Antropologia como filosofia primeira. In: POMMER, Arnildo; FRAGA, Paulo Denisar; SCHNEIDER, Paulo Rudi. Filosofia e crtica Festchrift dos 50 anos do Curso de Filosofia da UNIJU. Iju: Ed. UNIJU, 2007, p. 183-200.

YOUNG, Michael F. G. O futuro da educao em uma sociedade do conhecimento: o argumento radical em defesa de um currculo centrado em disciplinas. Revista Brasileira de Educao, v.16, n.48, set.-dez. 2011, p. 609-623.

Texto apresentado no IV SENAFE Seminrio Nacional de Filosofia e Educao: Confluncias, realizado nos dias 21 a 24 de maio de 2012, na UFSM, em Santa Maria - RS. Publicado em: TREVISAN, Amarildo L.; ROSSATO, Noeli D. Filosofia e educao: interatividade, singularidade e mundo comum.

Campinas: Mercado de Letras, 2013, p. 75-95.

Doutor em Educao pela UFRGS e professor da UNIJU.

De acordo com Tugendhat, a pergunta pela maneira como devemos viver a mais bsica que nos podemos fazer como seres humanos, j que, no sendo feitos de arame rgido, temos a necessidade de colocar em questo a nossa vida, podendo, com isso duvidar do que estamos fazendo e, por conseguinte, tambm de como conduzimos a nossa vida (2007, p. 188).

A noo de ps-metafsica pode ser explicitada em relao noo de metafsica que, em termos gerais, consiste no tipo de pensamento que supe algum sentido previamente posto, de certa forma anterior ao que constitui a experincia humana neste mundo. A metafsica , dessa forma, uma soluo para as questes cruciais da vida humana, como as que se referem a possveis princpios ou finalidades, e que, de outra forma, dependeriam sempre de decises dos indivduos ou das coletividades. Trata-se do desejo de pisar em cho firme, numa espcie de fundamento ltimo, para alm das dvidas, as controvrsias e incertezas experimentadas ao longo de uma vida humana. como que se diante da experincia do catico da vida se buscasse visualizar princpios ordenadores para esta e para o mundo. Ou, ainda, se diante da experincia do aparente e do transitrio se buscasse algo de essencial, de imutvel. A atitude metafsica enquanto busca de solues transcendentes para os problemas imanentes pode ser considerada como uma tentao de obter um tipo de tranquilidade e de certeza que no existe.

Gadamer, ao tratar do fato de que nossos pensamentos e conhecimentos j sempre so precedidos pela interpretao feita na linguagem, refere uma progressiva integrao no mundo sob a forma de um crescer. Depois de referir o fato de que a linguagem j sempre nos ultrapassou, diz que o parmetro para medir seu ser no a conscincia do indivduo. No existe conscincia individual que pudesse conter sua linguagem. Mas como existe ento a linguagem? Com certeza no sem a conscincia individual. Mas tambm no pela mera reunio de muitas conscincias individuais (2002, p. 178).

Para Gadamer a linguagem o centro do ser humano, quando considerada no mbito que s ela consegue preencher: o mbito da convivncia humana, o mbito do entendimento, do consenso crescente, to indispensvel vida humana como o ar que respiramos. (...) Tudo que humano deve poder ser dito entre ns (2002, p. 182).

No dizer de Habermas, sem a apropriao hermenutica e sem o aprimoramento do saber cultural atravs de pessoas, no se formam nem se mantm tradies (1990, p. 100).