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eminário de Qualidade de Ensino e CONECOM As especificidades das habilitações na comunicação social

2000 - Seminário de Qualidade de Ensino e Conecom

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Relatório do Seminário de Qualidade de Ensino e Conecom, realizado na ECO-UFRJ.

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eminário de Qualidade de Ensino e CONECOM

As especificidades das habilitações na comunicação social

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3 REUNIR EXPERIÊNCIAS E AVANÇAR

J S. Faro

5 CORREDORES LABIRÍNTICOS, PERGUNTAS SEM RESPOSTA

Sylvia Moretzsohn

9 A SAÍDA É O DEBATE

João Brant

11 RETROSPECTIVA 99: TENSÕES, MUDANÇAS E POSSIBILIDADES

Victor Gentil/i

16 SHOPPINGS CENTERS E BARRACÕES

J S. Faro

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ESPECIFICIDADES das HABILITAÇÕES na comunicação social

REUNIR EXPERIÊNCIAS E AVANÇAR* J. S. Faro**

Tenho sido procurado, na condição de membro da Comissão de Especialistas de Ensino de Comu­nicação do MEC (CEE-COM), por várias instituições de ensino interessadas em saber como devem agir para a implantação ou refo rma de seus cursos. Ou po rque são projetos novos, ou porque são refo rmulações curriculares que entrariam em vigor a part ir do próximo ano, o que há em comum nessas interpelações é a mais absoluta insegurança sobre o caminho a ser seg uido. Afinal de contas, o que está valendo? As Diretrizes Curriculares encam inhadas pela CEE-COM ao Conselho Nacional de Educação estão disponibilizadas no site do MEC, mas elas já estão em vigor? Existe uma Comissão de Ensino de Jornalismo (CO-JOR) à qual devem ser encaminhados os projetos de novos cursos? Ou o que existe é uma Comissão de Avaliação das Cond ições de Oferta cujos parâmetros devem ser seguidos juntamente com os Padrões de Qualidade da CEE-COM? O parecer da conselh ei ra Silke Webe r, que negou a criação de uma CO-JOR, já foi homologado pelo ministro? Ou é desnecessário que o seja para fins de balizamento do ensino de Comunicação?

A todas essas perguntas- inevitavelmente difíceis de obter respostas pos itivas e categóricas ­tenho oferecido evasivas, e nem poderia ser de outra forma. Recomendo o bom senso e ... paciência, pelo menos até que a situação se torne mais clara. Mas ninguém pode reclamar: esse é o resultado da mais intensa, mais longa e mais rica polêmica que nossa área jamais viveu . O ano de 1999 pode muito bem passar à história do ensino de Comuni cação no Brasi l - e do ensino de todas as especificidades profis­sionais que a área engloba- como aquele que permitiu que viesse à tona uma variedade inumerável de concepções sobre a sua prática, aparentemente co locando em campos opostos duas grandes correntes qu e, de forma simplificada, podem ser reun idas entre aqueles que se puseram pela preponderância de um campo de "múltiplas linguagens" e entre aqueles que advogaram a autonom ia de uma dessas linguagens, a do jornal ismo, cujo arcabouço teórico-conceitual o configuraria como um campo específico.

Novo consenso No confronto entre estas duas interp retações, ass istimos de tudo, e não faltou nem mesmo

momentos em que a polêmica ganhou o perfil da desafeição pessoal , ou foi entendida ass im pelos que se desacostumaram do uso do argumento. Sob rou para todos os gostos, inclu sive para o autor deste texto que foi acusado de querer, autocraticamente , autorizar e desautorizar cursos ; e até para o edi tor da área acadêmica do Observatório da Imprensa, Victor Gent illi , que tem digna­mente mantido espaço aberto para que o debate frutifique.

Agora mesmo, como resultado da persistência desse quadro - não o do desafeto, mas o da divergência - é a Fenaj que resolve interpelar diretamente o próprio ministro Paulo Renato a respeito de suas demandas, segundo ela não contempladas no documento que a CEE-COM enviou ao CNE. Não demora muito, e vem por aí uma réplica -com o mesmo endereçamento -afirmando justamente o contrário. E é bom, porque não há neste conjunto todo uma única voz que não mereça reparos, venha de onde vier.

Exemplifico. Já no final do Congresso da lntercom, realizado no início de setembro, no Ri o, pude partic ipar do Encontro Nacional de Professores de Jornal ismo. Como era de se esperar, o tema central das discussões foi a questão das Diretrizes Curriculares, e chegamos

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ao seu final sem nenhuma pe rspec tiva. Não houve arrazoado que flze se qualquer um elo dois lados da mesa dobrar o discurso. Foi em torno desse quadro que fi z a única proposta ap rese ntada e aprovada ali: a de que houvesse o iníc io de um processo de consultas mútuas que visassem a superação do impasse. O documento da Fen aj é posterior ao Encontro do Rio, mas não há nada nele que faça menção à proposta contra a qual ela mesma não se opôs. É nessas condições, debaixo de um ensurdecimento de lado a lado que não abre espaço para qualquer alternativa que predomina a desinformação e - o que é pior - a estagnação que já começa a desarticular o ensino.

Estou convencido de que é preciso romper essa situação, e que a iniciativa desse rompimento, se não basta a proposta apresentada no Rio , deve vir da própria Secretaria de Ensino Superior do MEC (SESu), responsáve l, em boa medida, pe lo frac ionamento da CEE­COM, já que partiu dela, de forma extemporânea e precip itada, sem fundamento nas próprias normas do Ministério , a cri ação de uma Comi ssão de Ensino de Jornalismo. É à SESu, portanto, que cabe a responsabilidade de reunir as duas Comissões - a que existe e a que não existe para o fim que lhe foi an unciado - para que se chegue a um novo consenso sob re as Diretrizes Curriculares dos cursos de Com unicação, um consenso que reconheça as bases que foram consolidadas em cada uma das duas ve rtentes de toda a discussão que assistimos em 1999. Do jeito que está é que não pode fi car.

Hábito secular Esta minha sugestão tem cun l1 o absolutamente pessoal, e nem poderia ser de outra

forma. Mas ela se funda numa dupla constatação. De um lado, ainda que a CEE-COM tenha levado a cabo sua tarefa de formular a proposta das Diretrizes Curr iculares com base em ampla e inédita consulta feita a todos os segmentos acadêmicos e profiss ionais da área, é um equívoco supor que o próprio debate que ela gerou n o tenha feito emergir um espectro de projetos que vai além do resu ltado a que chegou, e isto é da própria dinâmica das idéias. Supor que este resultado é, de alguma forma , algo em que não se deve mexer é desconhecer a realidade criada ao cabo de todo o debate a que assistimos.

De outro lado , segmentos qu e n· o se se ntem co ntemplados com as Diretrizes já encaminhadas ao Con se lho Nacional de Ed ucação - como é o caso da Fenaj - estão transferindo para a órbita da avali açã o da oferta dos cursos de Jornali smo ex igências que se colocam no campo da com preensão de seu projeto pedagógico e de sua estru­tura curricular. A persistir tal situação, teríamos a curto prazo o maior dos paradoxos: o de ve r concebido como fim o in strumental que não deve ser mais que meio de capacitação no ensino unive rsitário , uma situação que ninguém quer, ou querem ape­nas aqueles que torcem indiscriminadamente pelo êxito dos cursos seqüenciais .

A hora, portanto, é de ensarilhar as armas. Venha da SESu - como me parece que é de sua responsabilidade - ou venha desses dois grupos que se formaram ao longo de toda a polêmica instaurada este ano, é preciso retomar a iniciativa do debate - e do entendimento, se houver fôlego. Mas sem o ministro, sem o CNE, sem esse hábito secular do recurso às demandas, ao cochicho do gabinete, à expectativa de uma pequena vitória amanhã para compensar a pequena derrota de ontem. Crescemos muito e podemos perfeitamente articu­lar neste nosso plano civil uma nova etapa da vida acadêmica da nossa área.

*Observatório da Imprensa. N, 71 20 de outubro de 1999.

**Professor da Universidade Metodista de S Paulo. Membro da Comissão de Especialistas de Ensino de Comunic,?ção do MEC

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as ESPECIFICIDADES das HABILITAÇÕES na comunicação social

CORREDORES LABIRÍNTICOS, PERGUNTAS SEM RESPOSTA* Sylvia Moretzsohn * *

Uma professora formada em Letras e com doutorado em Comunicação e Cultura não pode dar aula de Comunicação Social Comparada; uma professora graduada em Ciências Sociais e com doutorado na mesma área de Comunicação e Cultura não pode lecionar Estética e Cultura de Massa. Pior: um docente formado em História e com mestrado e doutorado em Antropologia não pode dar aula de Antropologia.

Pode parecer absurdo, mas é mais do que isso: pois este foi um dos episódios marcantes de nosso contato com a dupla de avaliadores do MEC, que, nos dias 1 O e 11 de novembro, esteve encarregada de verificar as chamadas "condições de oferta" da habilitação Jornalis­mo de nosso cu rso de Comunicação Social.

A cena se passou no momento em que os aval iado res checavam o item "adequação" do docente às disciplinas min istradas e, equivocadamente, apl icavam aos professores da área de fundamentos (chamada de "não-técnica") o mesmo crité rio estabelecido para os da área "técnica", em que prevalece a graduação do docente e se exige formação em jornalismo para a atuação em disciplinas específicas da profissão. Apesar de alertados para o absurdo daquela situação, os avaliadores só reviram sua posição no dia seguinte. Mesmo porque o próprio programa com o qual trabalhavam rejeitaria a ap licação desses critérios aos profes­sores da área "não-técnica": automaticamente, indicaria a opção "não se aplica" para esses casos .

Na chamada área "técnica", por pouco não tivemos desqualificados, como "não ade­quados", dois professores jornali stas, com larga experiência profissional: a graduação de­les não era em jornalismo - o que não era obrigatório à época em que se formaram -, e tampouco a experiência co mprovada em carteira foi suficiente: a comissão desejava ver o registro de cada um. Também por pouco outro professor escapou de ser considerado inade­quado, porque lecionava Diagramação e sua formação era em Comunicação Visual, o que, para um dos avaliadores, significava um vínculo com Publicidade, e não especificamente Jornalismo. Não conseguimos, porém, contornar a situação de um colega formado em Direito e doutor em Comunicação e Cultura. Poeta com vários livros publicados, ex-colabo­rador na enciclopédia Mirador e na coleção Os Pensadores, editor da Funarte por vários anos, ele foi declarado inadequado para lecionar Oficina de Textos, vista como disciplina técnica específi ca de Jornalismo. Nem se levou em consideração a orientação de nosso currículo, no qual já constam como obrigatórias quatro disciplinas de Técnica de Redação, e que re serva para Oficina de Textos uma perspectiva de abordagem mais alargada das possibilidades de criação no manejo da palavra escrita.

Mas esta será uma "inadequação" fatal: desde logo , antes mesmo dos resultados

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oficiais, podemos dizer que nosso curso não receberá o conceito máximo (CMB, condições muito boas) porque, para tanto, seria necessário obter A no item "adequação de docentes de formação específica para as disciplinas técnicas específicas de jornalismo". Tal conceito só se atinge com 100%, e não há intermediação: menos de 100% representa conceito D. Quem mandou botar um poeta (pior: formado em Direito!) para trabalhar as múltiplas possibilida­des do texto com alunos que precisam treinar lead e sublead?

Mas este foi apenas um item da "avaliação" . Que, aliás, foi feita tomando-se por base apenas o quadro do segundo semestre de 99. O que acabou revelando outra situação curiosa: no detalhamento das disciplinas lecionadas por cada professor, informávamos o semestre correspondente: 1/99 ou 2/99, por exemplo. Diante daqueles números, um dos avaliadores perguntou: mas ninguém está dando aula nenhuma agora? Como não, estava ali, primeiro semestre, segundo semestre ... Foi só então que ele entendeu o que chamou de "nosso" critério de classificação : pensava que os números 1 e 2 se referiam aos meses de janeiro e fevereiro. Também só então percebemos que nosso curso poderia ser considerado formalmente um curso de férias. Mas não será mesmo um caso a pensar?

Bomba, bomba Toda a "avaliação" tomava por base o Jornalismo, vi sto isoladamente, e não como uma

habilitação de um curso mais amplo. As distorções geradas por essa perspectiva foram inúmeras. Em primeiro lugar, os professores de outros departamentos deviam se encaixar nos mesmos critérios aplicados ao nosso curso. Assim, se fossem - como são - contrata­dos em regime de dedicação exclusiva, precisariam ter "metade da carga horária total em sala de aula, dedicando a carga horária restante a outras atividades no curso de Jornalismo" '(grifo nosso). Como são professores dos departamentos de Letras, História, Filosofia etc, evidentemente deixaram de cumprir esse quesito.

Em contrapartida, ficaram de fora os professores - e, conseqüentemente, os conteú­dos - de disciplinas optativas. Ao tocarmos no assunto, um dos avaliadores perguntou: são disciplinas que, se o aluno não fizer, não leva bomba? Bem, não leva bomba se não fizer esta ou aquela optativa em particular. Mas se não cursar um determinado número de optativas, não se forma. No entanto, não cabia con siderar esse ramo do currículo.

Logo a seguir, o mesmo avaliador perguntaria se oferecíamos algo além do currículo mínimo. Mas claro, se nosso currículo se divide em obrigatórias, optativas e eletivas ...

A universidade fragmentada Além de risos e surpresa, essa pequena amostra de nossa experiência com a dupla de

avaliadores deveria provocar indignação: afinal, é a pessoas com este tipo de preparo que o MEC confia a autoridade de atribuir de conceitos capazes de definir o futuro dos cursos . Mas, à parte os equívocos de responsabilidade exclusiva dos avaliadores, que revelaram total desconhecimento sobre o funcionamento e as rotinas de uma instituição pública, é preciso questionar o sentido mais geral dos critérios dessa "avaliação", definidos pela Comissão de Especialistas em Jornalismo.

Em primeiro lugar, seria preciso considerar a substituição da distinção tradicional, embora certamente falseadora e formalista, entre "teoria" e "prática", pela separação entre áreas "técnicas" e "não-técnicas", como se a mudança da nomenc latura e a inversão de prioridades valorizasse automaticamente a técnica, à qual a teoria deveria estar subordina­da. Vincula-se, portanto, o jornalismo a uma técnica (e não a uma "forma de conhecimento

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da realidade", como a própria comi ssão de especialistas costuma defender). Ao mesmo tempo, não se pergunta: que técnica? Mas há indicadores para a resposta: no debate trava­do nas edições eletrônicas do Observatório da Imprensa, entre os defensores da manuten­ção dos cursos de Comunicação Social para a formação de jornalistas e os postulantes à criação de cursos específicos, estes se referiam à excelência de sua proposta com argumen­tos do tipo: precisamos de jornalistas que saibam ao menos o que é lead e que consigam fechar o jornal na hora. Ou: os cursos específicos formam gente que é só ligar na tomada e começar a funcio nar. Ou ainda, como comentou informalmente um dos nossos avaliadores sobre a produção laboratorial na universidade: o fundamental é a periodicidade, o conteúdo se consegue com o tempo. Não é difícil , portanto, imaginar que estamos falando de uma concepção absolutamente restritiva da técnica.

Decorrente da mesma lógica, deparamos com a inaplicabilidade do conceito sobre "adequação" do docente à disciplina lecionada, caso se trate de área "não-técnica". À pri­meira vista, parece um humilde reconhecimento da autonomia desse setor. Talvez não: pode ser precisamente uma forma de desqualificar a priori os "acadêmicos". Não se lhes aplica o conceito, porque o que eles lecionam não importa. Ou melhor, só importará adiante, quando for considerada a "organização didático-pedagógica" do curso: então será preciso saber da "integração entre teoria e prática nas disciplinas e matérias", da "existência de disciplinas teóricas vinculadas ao jornalismo", etc. E aí ficará patente a "adequação" ou não desse setor.

Em segundo lugar, mas não menos impo.rtante , é preciso verificar as conseqüências dessa tentativa de vincu lar todas as atividades do curso ao campo do Jornalismo. Os crité­rios para progre ssão fun cional, por exem plo, deveriam contemplar titulação acadêmica e produção científica ou técnica na área de jornalismo (grifo nosso, novamente) para receber conceito A. Também a atividade de pesquisa deveria ter "relevância para a área de jornalis­mo" - ou, como mencionou um dos ava liadores, estar "adequada" ao jornalismo.

Entrar no mérito das pesquisas não nos parece nossa função, nem tampouco da comissão de avaliação. Mas não deixa de ser notável essa idéia de "adequação", que remete à noção de conhecimento útil, e envolve uma concepção também utilitarista do jornalismo.

E então chegamos à pergunta essencial e óbvia: que tipo de jornalismo estamos avaliando e desejando? Esse que nos faz funcionar automaticamente? Esse que se auto­intitula "técni co"?

Várias vezes nossos avaliadores procuraram distender o ambiente, argumentando que éramos todos colegas. Sem dúvida, embora uns avaliem, outros estejam sendo avaliados. Várias vezes, também, buscaram justificar o "rigor" de alguns itens dizendo que havia muita fraude nos cursos privado s. Sim, mas somos um curso público ... E ass im, a pretexto de "limpar" o ambiente (com todas as implicações éticas das metáforas do discurso sanitaris­ta) , a comissão vai impondo o seu modelo de jornal ismo e de ensino de jornalismo. E, junto com isso, a sua perspectiva de universidade, uma universidade fragmentada, zelosa de saberes específicos e do respeito a regulam entos profissionais, no melhor estilo das medievais corporações de ofício, e no sentido precisamente oposto ao da interdisciplinaridade que é a razão de ser da academia. Um enorme retrocesso, em suma, que revela uma visão de mundo onde tudo está com partimentado , classificado, "adequado", ligado na tomada e funcionando. Em benefício de quem ou de quê, ninguém pergunta, nem muito menos responde.

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A necessidade de reagir De acordo com o que escreveu, há alguns meses, um dos membros da Comissão de

Especialistas em Jornalismo, se o provão era de Jornali smo - e não de Comun icação Social em geral, ou de Comunicação Social/habilitação Jornalismo -, era lógico que se criassem comissões de avaliadores em Jornalismo, para avaliar os cursos de Jornalismo. Por esse raciocínio, poderíamos simplesmente ter-nos recusado a receber a dupla de avaliadores que esteve conosco por dois dias em novembro: afinal, não somos um curso de Jornalismo, mas de Comunicação Social , com habilitações em Jornalismo, Publicidade e Cinema. Podería­mos ter promovido uma rebelião em nome da lógica. Foi bom que não o tenhamos feito : assim pudemos perceber de que forma se pretende aplicar esse nefasto projeto de compartimentação do saber.

Essa experiência nos autoriza também a reconsiderar nossa presença nesse processo. Já prestamos contas regularmente ao MEC, na qual idade de instituição federal de ensino. Além disso , temos , na universidade, uma comissão encarregada de estabelecer nossos próprios critérios de avaliação. Não há motivo para nos submetermos a orientações que, além de tão restritivas, desconsideram as distinções fundamentais entre as instituições privadas e públicas. É em nome de nossa autonomia, da demarcação de nosso espaço como garantia da diversidade do pensamento e da preservação do sentido público de nossa atividade que devemos reagir.

'Observatório da Imprensa. N" 80. 5 de dezembro de 1999 .

.. Jornalista. Ex-chefe do Departamento de Comunicação Social do IACS!UFF.

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as ESPECIFICIDADES das HABILITAÇÕES na comunicação social

A SAÍDA É O DEBATE* João Brant **

A discussão acerca da va li dade do processo de Ava li ação das Condi ções de Oferta para os cursos de Jornalismo, rea lizada pela Sesu, mais uma vez nos mostra que o proble­ma deve se r anal isado a fundo, e não isoladamente. Em primeiro lu gar temos, realmente, que ter cuidado com as críti cas que apresentamos. A avaliação apresentada pela Sesu é um avanço em rel ação ao Provão, sobre o qual já discutimos dive rs as vezes apresentando incontáveis crít icas . No entanto ela revela a fragilidade de um processo que nasceu da cabeça de tecnocratas, que não foi (mais uma vez) discutido na área e que foi reali zado às pressas, numa clara tentati va do MEC de "mostrar serviço". Não contesto as boas inten­ções da Comissão indicada pela Sesu, se i que eram as melhores. Mas é lame ntável que os erros sejam repet idos , que tenhamos que estar sem pre discutindo as mesmas coisas.

O debate sob re avaliação não é novo, e a área de Comunicação é uma das que mais têm se dedicado a essa discussão. FENAJ , ENECOS, Compós e Movimento pe la Qualidade da Formação vêm, há tempos, formulando conceitos e parâmetros para um processo de ava li ação que seja amplo, dem ocráti co e que tenha como principal objetivo não punir, mas co nquista r qualidade nos cursos de Comunicação. Para isso, já apontáva­mos a neces-s idade de uma ava liação que abrangesse todo o processo, e não apenas o produto final, que fos se fei ta tanto externa quanto in ternamente, possibilitando uma abordagem mais com pleta, que privileg iasse o aspecto qual itativo no lugar do quantitativo.

Algun s passos nesse sentido são dados pela avaliação em questão. Mas ela peca num ponto que é fundamental, e que inclusive tira sua legitimidade: não é fruto de uma constru­ção ampla e aberta, que tenha como parâmetros aque les definidos por toda a área, e não apenas por quatro professores.

O que queremos destacar aqui são menos os detalhes do processo feito pela Sesu, mas as lições que podemos tomar deste processo. Parece claro que não dá mais para entidades e comissões da área de Comunicação tentarem ag ir de form a isolada. Isso só nos enfraquece e limita a eficácia de nossas ações. Uma avaliação de 92 cursos, por exemplo, que poderia ser uma grande oportunidade para op{Jrarmos mudanças significati­vas, acaba se transformando em mais um objeto de polêmica (entre os outros já conheci­dos) na áre a.

Pressa não ajuda E tudo isso por causa de sua fragilidade. E quem sai ganhando com isso, no entanto,

são os cursos "picaretas" que se benefi ciam cada vez que há um de se ntendimento entre aq ueles que batalham por cursos de qualidade. Essa fragilidade é reforçada

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quando vemos que , em virtude desse problema das comissões , dois parâmetros dife­rentes estão sendo utili zados pe lo mes mo MEC. A Comissão de Especiali stas em Co­municação, que conta in clu sive com alguns membros da Comissão de Jornalismo, estabelece alguns critérios pa ra abe rtura e recredenciamento. A Comissão de Jornalis­mo, em sua avaliação das co ndições de oferta, se utiliza de outros critérios. E os "picaretas" fazem a fest a.

Foi neste sentido que na reuni ão do Movimento pela Qualidade de Fo rmação ém Comunicação realizada em 16 de nove mbro na ECA-USP, FENAJ , ENECOS , Compós e lntercom enviaram uma soltcitação à Com issão de Especialistas em Comunicação (CEE­COM) . Em virtude das discussões ace rca das Comissões e das diretrizes estarem ainda gerando polêmicas, a CEE-COM retomari a a discussão desses dois pontos, convocan­do toda a área, em suas mais diversas form as de representação, para esse debate.

Ficou claro às entidades presentes que as di scussões são indissociáveis, e que é inviável que elas continuem sendo feitas num plano burocrático-institucional. O MEC não tem competência para definir se Comunicação deve ter uma. comissão unificada ou se deve haver comissões separadas. Todos esses assuntos deve m ser tratados ampla­mente por toda a área, sob o risco de continuarmos no s desentendendo e darmos espaço à proliferação de cursos sem nenhuma condição de funcionar.

Temos , então, que ir para esses debates dispostos a aceitar a decisão da maioria, e fazer valer a verdadeira vontade da área. Se já tivéssemos agido desta forma não estaríamos novamente envolvidos em polêmicas como esta. Parece claro que a pressa não nos ajudará em nada. Se novamente insistirmos em resolver os problemas sem um debate com toda a área e tentando impor pontos de vista, estaremos fadados ao fracasso e prejudicaremos aquela que parece ser a intenção de todos que têm partici­pado desta discussão: a melhoria dos cursos de Comunicação.

*Observatório da Imprensa. N' 81. 20 de dezembro de 1999. **Ex-coordenador geral da ENECOS.

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ESPECIFICIDADES das HABILITAÇÕES na comunica~ão social

RETROSPECTIVA 99: TENSÕES, MUDANÇAS E POSSIBILIDADES* Victor Gentil/i* *

Este ano de 1999, seja qual for o desfecho dos vários processos em andamento , terá sido um ano histórico para o ensino de jornalismo. Como afirmou o professor José Salvador Faro, em texto recente neste Observatório, "ninguém pode reclamar: esse é o resultado da ma'is intensa, mais longa e mais rica polêmica que nossa área jamais viveu. O ano de 1999 pode muito bem passar à história do ensino de Comunicação no Brasil - e do ensino de todas as especificidades profissionais que a área engloba - como aquele que permitiu que viesse à tona uma variedade inumerável de concepções sobre a sua prática, aparentemente colocando em campos opostos duas grandes correntes que, de forma simplificada, podem ser reunidas entre aqueles que se puseram pela preponderância de um campo de 'múltiplas liDguagens' e entre aqueles que advogaram a autonomia de uma dessas linguagens, a do jornalismo, cujo arcabouço teórico-conceitual o configuraria como um campo específico".

Será o ano em que os professores puderam falar e tiveram a oportunidade de refletir e conhecer a realidade na qual trabalham.

Provão O ano termina, por enquanto, com o anúncio do provão. Mais do que qualquer ranking,

a pior média de todos os cursos que fizeram o provão em 1999, algo próximo do 30 - em 100- mostra um quadro desalentador. Quem teve acesso à prova (disponível para download no site do lnep) fica ainda mais chocado. Como os estudantes foram ter um desempenho tão pífio numa prova tão simples e tão fácil?

Se a média geral desanima, temos as exceções, é claro. Das 12 escolas nota A, 9 são de universidades federais ; 1 O são públicas, já que a Uerj somou mais um A ao do ano passado.

Das privadas, o conceito A recebido pelo Centro Universitário de Votuporanga pode induzir a equívocos. Apenas 1 O alunos fizeram a prova. A Faculdade Cásper Líbero já é outra história. O primeiro curso de jornalismo de São Paulo reencontra sua vocação e está agora entre os melhores do Brasil. O trabalho desenvolvido pelo veterano Erasmo Nuzzi e pelo jovem Marco Antônio Araújo começa a mostrar seus resultados.

No meu primeiro artigo sobre o provão já chamava a atenção que as escolas públicas saem sempre na frente, pois seus vestibulares recrutam antes os melhores alunos, deixando para os cursos privados aqueles que não conseguiram acesso aos cursos gratuitos. Com o aumento da procura pelos cursos de jornalismo, fenômeno dos últimos anos , melhorou bastante o nível básico dos ingressantes nas universidades federais.

De todo modo, Sergipe não é surpresa: o trabalho que os jovens professores Carlos Eduardo Franciscato e Josenildo Luiz Guerra, entre outros, vêm fazendo não poderia resultar em outra coisa. São professores devotados, pesquisadores reconhecidos por seus pares e,

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principalmente, com um foco muito claro naquilo que desejam: o ensino de jornalismo.

Santa Catarina, com seu curso tão falado e tão "mal dito" cravou um A que deveria fazer seus críticos refletirem melhor sobre o que falam. O espírito de equipe, a vontade de acertar, a vocação específica para o jornalismo, o time de professores, tudo em Santa Catarina cont-ribui para este resultado. É sempre possível divergir dos colegas de Floripa, mas impos­sível desconhecer seus méritos.

A Universidade de Brasília repete o bom desempenho do ano passado. Agora sob a direção de Murilo César Ramos, tende a melhorar mais ainda. Santa Maria, pequena univer­sidade encravada no Rio Grande do Sul, com seu repeteco de A mostra que não é impossível manter bons cursos apesar das dificuldades que as universidades federais enfrentam.

O conceito A obtido pelos cursos de universidades federais do Rio de Janeiro, de Juiz de Fora, do Ceará, do Rio Grande do Sul mostram que aluqos e professores dedicados fazem muito por um curso. Não conheço suficientemente estas escolas, senão um ou outro pro­fessor. Mas vejo que não há receita de projeto pedagógico para um curso nota A. A pluralidade de visões nestes cursos é bastante ampla.

O fato indiscutível é que o provão pegou, definitivamente. E pegou no jornalismo, também. À medida que vai criando uma série histórica, vai permitindo que se conheça cada vez melhor a realidade do ensino de jornalismo no Brasil. Com a Avaliação das Condições de Oferta, o diagnóstico fica melhor ainda. Trato disso mais adiante.

O fim do velho currículo mínimo: as diretrizes Eis o grande enigma do ano. Já em fevereiro, o susto com a primeira versão das

diretrizes curriculares acordou os professores de jornalismo. O documento que viria a subs­tituir o caduco currículo mínimo de 1984 trazia algumas novidades interessantes, mas simplesmente retornava no tempo instituindo um comunicador social parecido com o velho polivalente de priscas eras de quem ninguém mais se recordava. Impossível distinguir a profissão de jornalismo nas diretrizes desta versão de fevereiro.

Não é para sermos ingênuos, o projeto de fevereiro era uma coisa articulada pelas entidades de pesquisa em Comunicação (Compós, lntercom), bancada pelos professores do velho tronco comum (os mais titulados, os mais articulados, os que mais freqüentam congressos e outros eventos, os mais ligados à academia e menos ligados ao mercado). Também interessava ao Conselho Federal de Relações Públicas (que ainda sonha em trans­formar Relações Públicas em Comunicação Institucional).

Mas igualmente não é para raciocinarmos em termos conspiratórios. Em ambos os campos, as pessoas são convictas de suas posições e acreditam que defendem o certo. Os excessos no debate, no entanto, não puderam ser evitados.

O "susto" com o documento de fevereiro foi tamanho que resultou no mais importante evento do ensino de jornalismo até então realizado no Brasil. Organizado em pouco tempo, mas com extrema dedicação, mais de 200 professores se reuniram no que viria a ser conhe­cido como Seminário de Campinas. Ali, discutiu-se exaustivamente, incorporou-se todo o acúmulo de debates que se tinha no passado e produziu-se o hoje conhecido como Docu­mento de Campinas.

Campinas só fez somar: primeiro, tomou como base dos debates o criticado trabalho de fevereiro . Poderia tomar outro caminho. Mas a opção por usar o documento de fevereiro como referência básica era um sinal claro de que se buscava um entendimento. Afinal , o

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documento tinha alguns méritos, particularmente nas definições pedagógicas, apesar das graves omissões.

Campinas foi , sobretudo, o corolário de uma série de encontros, extremamente produ­tivos. O movimento pela qualidade do ensino de jornalismo, que realizara um seminário em maio de 1998 em São Paulo , dando continuidade aos debates da Fenaj, que vinha de um Congresso específico sobre ensino de jornalismo em Vila Velha, em agosto de 1997, forne­ceu a matriz básica da formulação de um projeto nacional para o ensino de jornalismo. A incorporação de outros trabalhos e documentos, particularmente aqueles produzidos pela Comissão do Provão, permitiram que se produzisse um documento consistente sobre o ensino de jornalismo. ·

Não é à toa que o documento de Campinas se tornou um marco. Quem quer que trate do ensino de jornalismo, hoje, precisa remeter-se a ele. Afinal, ele somou, ele resultou num documento consistente e, sobretudo, ele é um documento legítimado pelas entidades e pelos professores que participaram de sua produção.

Durante todo o debate de diretrizes curriculares jamais se conseguiu um evento com tal magnitude e amplitude. Professores de todo o país estiveram em Campinas e puderam consa­grar, de forma unânime, as idéias centrais que viriam a ser expressas no documento final.

Novo susto Em junho, porém, quando a Comissão de Especialistas em Comunicação se reuniu para

redigir o documento final das diretrizes a ser encaminhado ao MEC, a essência de Campinas foi solenemente ignorada. Os redatores incorporam apenas a aparência, aquilo que o documento tem de ornamental.

O documento de junho, ao contrário daquele de fevereiro , reconhece as profissões vinculadas ao campo da comunicação. Mas a confusão entre liberdade e laissez-faire resulta num documento frágil e permissivo.

É este documento que foi encaminhado ao MEC e está neste momento na pauta do Conselho Nacional de Educação.

É este documento que as entidades que patrocinaram o Seminário de Campinas -Fenaj, Observatório da Imprensa, Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, GT de Jornalismo da lntercom - questionam. Em documento encaminhado a várias instâncias do MEC os signatários reafirmam que a versão final das Diretrizes Curriculares de Comunicação não contempla as principais idéias e formulações consagradas em Campinas.

O desenrolar dos acontecimentos dependerá basicamente da decisão do CNE. Espera­se que, nas audiências públicas, os jornalistas possam mostrar seu ponto de vista.

O imbroglio Aqueles que redigiram as Diretrizes entendem, simplificando uma questão complexa ,

que o problema ocorreu porque os jornalistas, por suas diversas entidades, não comparece­ram à reunião que fechou o documento final das diretrizes. É parte da verdade, até porque se eles compreendessem a legitimidade e a importância do Documento de Campinas o aceita­riam com ou sem a presença: de seus defensores.

É certo que, pouco depois do Seminário de Campinas, o MEC criava a Comissão de Especialistas no Ensino de Jornalismo. A criação desta Comissão gerou um enorme - e absolutamente desnecessário - mal-estar entre os professores de Comunicação e de algu-

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mas das habilitações da Comunicação (Publicidade e Propaganda, Radialismo, Relações Pú­blicas, Editoração e Cinema).

Viu-se o demônio nesta Comissão. E-mails circulavam aos borbotões. Falou-se em desagregação da área, falou-se em ruptura, em rompimento, falou-se em falta de legitimida­de e autoritarismo. Tudo por causa da criação da Comissão de Especialistas no Ensino de Jornalismo. Parecia que a pós-graduação ia acabar, que a lntercom e a Compós iam acabar, que o mundo ia desabar.

Os jornalistas querem também teoria de jornalismo; dizem que querem acabar com a teoria. Os jornalistas querem crítica de mídia nas escolas; dizem que estão se submetendo ao mercado.

Ninguém entendia um fato simples e banal: jornalistas iam cuidar do ensino de jorna­lismo. O debate ficou muito difícil, a delimitação de campos levou todos ao extremismo. Se os excessos no debate, no entanto, já não puderam ser evitados antes , agora então as posições se extremaram. Resultaram até em acusações graves que foram parar na Justiça.

O fato é que, em função desta pressão e deste lobby, a Câmara de Ensino Superior do CNE recusou a proposta da SESu de criação da Comissão. Diante disso, a SESu, que já programara a Avaliação das Condições de Oferta dos Cursos de Jornalismo - o primeiro contato sobre o assunto foi feito ainda em dezembro de 1998 -, criou uma Comissão Especial para a Avaliação das Condições de Oferta. Com os mesmos membros da Comissão de Jornalismo. Esta Comis­são ainda funcionou como assessora da SESu para verificação de autorização de novos cursos e reconhecimento de cursos que completavam o período inicial.

Avaliação O trabalho de Avaliação das Condições de Oferta se deu sob este clima. O trabalho foi

realizado de forma aberta e participativa, nas condições possíveis. Todas as variáveis foram concebidas pensando na maior pluralidade possível de alternativas dos cursos. Por exem­plo, num item com 1 O variáveis, se 7 estavam satisfatórias já era suficiente para obter o conceito A. Isso foi feito conscientemente, de modo a permitir que todas as alternativas de bons cursos fossem reconhecidas.

As condições de trabalho da Comissão eram limitadas. Mesmo assim, buscou-se tomar como referência básica o Documento de Campinas e desenhar modelos ideais de cursos de jornalismo. Desde as primeiras versões, o instrumento e outros programas estiveram disponibilizados na Internet.

Em agosto, cerca de 50 professores (todos jornalistas, todos professores e todos pelo menos mestres) foram treinados para dominar o instrumental do trabalho. De 1 O de outubro a 12 de novembro, cerca de 100 profes-sores visitaram 86 dos 92 cursos que fizeram o provão. Para quem participou do processo, foi uma experiência sem igual.

Como toda experiência nova, há certamente falhas, erros, problemas. Mas nada que comprometa o trabalho na sua essência.

Balanço e perspectivas Participei diretamente destes processos todos. Desde junho de 1997 venho escrevendo

de forma sistemática sobre o ensino de jornalismo aqui no Observatório. Vejo que minhas idéias continuam as mesmas.

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Defendi o provão para jornalismo assim de ele ser anunciado, em junho de 1997. Há quem critique, hoje , a avaliação dos cursos de jornalismo acusando o MEC de fazer as coisas apressadamente. Nada mais falso.

Combato a obrigatoriedade do diploma para todas as profissões que não implicam risco de vida, conforme o projeto Mauro Santayana, em debate em 1987/88. Neste aspecto, fiquei sozinho e continuo sozinho, mas permaneço defensor dos cursos. Em 1987, escrevi: "Publicidade não exige diploma, mas é nos bons cursos que vão se recrutar os bons profis­sionais; jornalismo não precisa ser diferente." Continuo com a mesma opinião

Fui o primeiro a mostrar a migração de mestres e doutores do ensino público para o ensino privado. Isso em junho de 1997, neste Observatório. O movimento continua e já tem até estatísticas. Mas a imprensa permanece tratando mal o caso.

Defendi o movimento dos estudantes. O "Fiscalize sua Escola" foi um dos mais impor­tantes movimentos que já se produziram nos cursos de Comunicação. Alertei, em 1997, que os estudantes deveriam continuar suas iniciativas somando-se àquelas do governo. Os estudantes perderam a iniciativa, porque priorizaram combater o governo. Deu no que deu.

Nenhuma destas posições é absoluta. Vejo o jornalismo como uma atividade pública cujo profissional deva ter amp la cultura geral, preferencialmente curso superior e principal­mente um curso de graduação em jornalismo.

Entendo que, com alternativas como um mestrado profissionalizante, poderemos ter uma boa formação profissional capaz de permitir a um economista, um engenheiro, um físico, um biólogo, exercer a profissão.

Já são quase três anos que venho escrevendo sistematicamente sobre o ensino de jornalismo neste Observatório. Ve jo que jamais abd iquei das minhas idéias. Mas vejo, prin­cipalmente, e com muito orgulho, que o Observatório soube abrigar todas as idéias e posi­ções. Jamais um texto deixou de ser publicado em função de seu conteúdo.

É com este espírito que vamos para o ano 2000. Estamos maduros para cont inuar o debate, Mas, sobretudo, para que a atividade central deste Observatório contamine todos os bons cursos de jornalismo com atividades regulares de crítica de mídia. Que no ano 2000 consigamos finalmente montar a Rede Nacional de Observatórios da Imprensa - RENOI, com postos avançados nas boas escolas de jornalismo do país.

*Observatório da Imprensa. N• 81. 20 de dezembro de 1999. **Jornalista. Editor da seção Diretório Acedêmico do Observatório da

Imprensa. Professor da UFES. Membro da Comissão de Especialistas em Jornalismo.

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ESPECIFICIDADES das HABILITAÇÕES na comunica~ão social

SHOPPINGS CENTERS E BARRACÕES* J S. Faro

Nossas caixas postais já começam a ficar congestionadas com os e-mails que estão discutindo os resultados da avaliação das condições de oferta dos cursos de jornalismo divulgados há poucos dias pelo próprio ministro da educação. Os resultados em si mesmo até que estão sendo pouco discutidos; o que tem circulado na rede é antes a polêmica em torno dos critérios da avaliação e a legitimidade de terem sido conceb idos por um grupo de professores que, sem sombra de dúvidas, expressou, através deles (dos critérios), a sua concepção do que deve ser o ensino de jornalismo no Brasil.

Quero entrar na discussão por vários motivos, mas um deles já me parece suficiente: o processo de discussões que emergiu da elaboração das diretrizes curriculares no ano passado. Como membro da Comissão de Especialistas (CEE-COM) que as elaborou e tam­bém como um dos responsáveis pela animação de boa parte da polêmica que se instaurou a partir da tentativa de criação de uma comissão específica de jornalismo, acompanhei à distânc ia a progressiva formatação do processo de avaliação. Agora, no entanto, quando tudo já foi implementado, aplicado e divulgado, sinto-me à vo ntade para discutir o que acontece u, eventualmente recuperando a compree nsão sobre alguns equívocos que con­sidero respons áve is pelo clima de insatisfação que pipoca de várias regiões do país e que envolve escolas privadas e públicas- um universo de queixas que não se observa em outras áreas também avaliadas pelo MEC.

Essas contestações dos resultados da avaliação sempre terão duas explicações bas­tante simples. De um lado, é possível atribuir sua existência a um "coro de in satisfeitos", o que não é totalmente verdade, especialmente se levarmos em conta que alguns sinais de descontentamento e críticas severas aos critérios da comissão surgiram durante o próprio processo de avaliação (me ocorrem pelo menos duas: a da Universidade Federal Fluminense e a da Universidade Luterana do Brasil , de Canoas, RS). De outro lado, também é possível encontrar na própria natureza da nossa área uma vocação irres istível para a polêmica acirrada, fato que é bastante plausível. Eu sinceramente acredito que, qualquer que fosse o resultado divulgado pelo ministro, não haveria nenhuma forma possível de contenta­mento generalizado, nem mesmo algum patamar consensual que reconhecesse que muita coisa nos cursos de Comunicação, seja a habilitação a de Jornalismo ou outra qualquer, precisa mudar. Nesse sentido, ainda temos um longo caminho a percorrer.

No entanto, descontadas as vozes dos eventuais "insati sfe itos" e a dos críticos da primeira hora, relevada a permanente idiossincrasia que nos desune desde sempre, alguns fatos podem, na minha opinião, aj udar a entender onde foi que a comissão de avaliação das condições de oferta cometeu alguns de seus pecados.

A primeira pista surge exatamente quando se recorda o momento em que essa comis­são foi formada. Sua composição final, essa mesma que conduziu todo o processo, só se deu depois da extraordinária polêmica em torno das Diretrizes Curriculares dos cursos de

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Comunicação, e os nomes escolhidos pela Secretaria de Ensino Superior do MEC eram oriundos da corrente surgida após o seminário de Campinas que passou a advogar a existência de uma comissão de ensino específica para Jornalismo, iniciativa que chegou a ser tomada pela Sesu junto ao Conselho Nacional de Educação, mas que foi posteriormen­te abortada pelo parecer contrário à pretensão oferecido pela conselheira Silke Weber. É cansativo agora lembrar de tudo isso, mas estou convencido de que esse fato está na base de muitos erros cometidos, já que a comissão de avaliação das condições de oferta adotou desde o início de seus trabalhos a postura de uma comissão de ensino, isto é, transferiu a sua proposta pedagógica e a sua própria concepção das Diretrizes Curriculares para a tarefa de avaliar o que os cursos de jornalismo estão fazendo. De outra forma: invadiu uma área que não era sua e marcou suas atividades com isso, passando essa visão a cada uma das equipes de avaliadores que visitou as escolas.

Extensão cultural Vale a pena suspirar um pouco e parar para a reflexão nesse ponto. Cursos de Jorna­

lismo autorizados a funcionar enquanto uma habilitação da Comunicação Social, com projetos pedagógicos pertinentes a essa natureza, jamais poderiam ter sido avaliados em suas condições de oferta através de uma outra perspectiva que não fosse exatamente essa. Estendendo ao universo das escolas, repito, a sua concepção do que deva ser o ensino do Jornalismo, a comissão que agora divulga os resultados a que chegou, operou com categorias subvertidas de análise, exigindo dos cursos aquilo que eventualmente eles não se propuseram a oferecer porque fundados em outro modelo. Essa inversão fica patente na avaliação das estruturas curriculares, por exemplo, um item que em nenhuma hipótese poderia ser integrado entre as "condições de oferta", já que os cursos foram autorizados a funcionar com base naquela estrutura que conceberam, e não em outra -essa outra, na verdade, uma expressão paralela à das Diretrizes que a comissão não queria. Tenho a impressão que esse equívoco é suficiente para colocar em xeque muitos dos resultados divulgados pelo MEC, porque invalida um parte substancial dos quesitos ava­liados, justamente os que envolvem as disciplinas dos cursos, sua integração, sua carga­horária, sua organização didático-pedagógica enfim.

A segunda pista decorre naturalmente dessa primeira e diz respeito à qualificação docente para a ministração do currículo dos cursos. Acredito que a proposta de criação de uma Comissão de Jornalismo apartada da Comissão de Especialistas de Ensino de Comu­nicação sempre foi feita com base em dois princípios nem sempre associados mas muito próximos um do outro: o primeiro, decorrente de uma concepção analítica segundo a qual o Jornalismo dispõe de densidade teórico-prática específica; o segundo, decorrente de uma forte tendência corporativa. Na avaliação das condições de oferta a presença desses dois princípios ficou evidente, ainda que oscilante: os dois foram colocados como filtro da estrutura curricular do curso e da adequação do corpo docente a uma determinada con­cepção do Jornalismo. O resultado disso foi o que se viu: a exigência do registro profissi­onal para o exercício da docência, em alguns casos; em outros, a busca de uma adequação linear entre disciplinas "não-profissionais" ou "não-técnicas" e a titulação do professor. Como o exercício do magistério não está vinculado a esses quesitos- no Brasil, a docência é provavelmente a profissão mais desregulamentada que existe -, a Comissão acabou operando com uma exigência não acadêmica, esquecendo-se do fato de que cursos de

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graduação, qualquer que seja a sua área, organ izam-se na academia e seguem as suas regras que, em muitos casos, não são coincidentes com aquelas que regem o exercício profissional. E mais: o critério do registro profissional como requ isito para a docência nunca foi sinônimo de qual idade no ensino.

A terceira pista talvez seja mais institucional do que qualquer outra coisa, mas pode servir de alerta para futuras incursões no estudo das condições de oferta de cursos supe­riores, quaisquer que sejam eles. Recentemente, em São Paulo, o proprietário de uma facu ldade particular, dessas que disputam o mercado a tapas e a golpes publicitários, proclamou uma máxima que pode muito bem ser escolhida como um sinal dos tempos vividos hoje pela educação superior no Brasil. Segundo ele , se as escolas particulares quiserem conquistar fregueses devem se transformar em extensões dos shoppings centers. A declaração, feita assim de sopetão, ficou no ar, e os que a ouviram nem tiveram tempo de perguntar sobre o que esse emp resário estava faland o. Uma extensão cu ltural dos shoppings? Uma extensão arquitetôni ca dos shopp ings? Uma extensão do padrão de consumo dos shoppings? Provavelmente, nos limites de sua compreensão rudimentar do universo dos problemas educacionais, ele se referiu a tudo isso de uma só vez. Faculdades como extensões dos shoppings centers

Cobertura pífia Aí é que está: na avaliação das condições de oferta dos cursos de jornal ismo, especi­

ficamente no quesito "instalações", um bom princípio teria sido o de distingüir as empre­sas de educação das instituições de ensino. As empresas de educação têm se esmerado na construção de templos e na compra de equipamentos de penúltima geração, em alguns casos com extraordinário desperdício porque ninguém sabe, ao final das contas, quem é que vai manusear tudo aquilo. No limite, são equipamentos (os edifícios e os laboratórios) que fotografam bem e ilustram folhetos de propaganda na guerra selvagem que declara­ram entre si pela disputa dos nichos de mercado, mesmo quando usam recursos do BNDES. Nada disso é sinônimo de ensino de qualidade. Já as instituições de ensino, aquelas que constru íram uma tradição em suas áreas e que fun dam sua existência em projetos educa­cionais consolidados e amadurecidos, comem o pão que o diabo amassou para suprir as carências técnicas de seus cursos [notícia publicada pe lo Estado de S.Paulo, ed ição de 23/ 02/00, informa que o Programa de Recuperação e Ampliação .dos Meios Físicos das Insti­tu ições de Ensino Superior Públicas e Privadas atingiu a soma de R$750 milhões de reais, "dos quais apenas R$250 milhões destinam-se a empréstimos para universidades públi­cas". As universidades públicas têm dificuldades em pôr a mão nesse dinheiro em razão das restrições do governo ao seu endividamento. O paradoxo é fácil de ser entendido: recursos sociais são disponibi lizados para empresas que operam com margens de lucros astronômicas, como é o caso da escola privada, que acaba sendo subsidiada pelo Estado. Já a universidade pública não dispõe do mesmo privilégio: ao contrário, vive à míngua -embora se exija dela a obediência aos mesmos critérios de avaliação. É um milagre que a rede pública de ensino superior ainda consiga fazer o sucesso que faz na geração de conhecimento e no oferecimento de cu rsos de graduação.]. Mas têm suas vantagens: dispõem de massa crítica docente e discente, de vida acadêmica, de bibliotecas condizen­tes com as exigências das aulas e, por conta disso, oferecem à sociedade alunos melhor formados, mais adequados às demandas civis de cada profissão, o que em absoluto não

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as desobriga do seu aperfeiçoamento laboratorial. Talvez seja isso o que expl ique como tem sido possível à Universidade Federal do Rio de Janeiro manter o seu A no Exame Nacional de Cursos e agora receber um "insuficiente" nas condições de oferta, justamente no quesito das instalações (a julgar pelas imagens publ icadas no Jornal do Brasil, espaços que são verdadeiros barracões e ruínas), o que é urna distorção porque o resu ltado da avaliação, nesse exemplo, aponta para o alvo errado dos problemas educacionais e alivia a culpa de quem deve responder pelo desmazelo em que se encontra a Universidade brasilei­ra, como se o oferecimento de bons jornalistas à sociedade estivesse na dependência do up to date das redações ou da esperteza dos que dirigem esses cursos.

No final das contas, o resultado da avaliação das condições de oferta dos cursos de Jornalismo serviu para evidenciar mazelas, é claro. Serviu para expor nas páginas dos jornais - que cobriram pifiarnente o fato, não indo nada além das declarações oficiais - os problemas em que estamos envolvidos. Se houver urna outra dessas, tenho duas suges­tões: primeira, é preciso discutir melhor os critérios de sua implementação; segunda, é preciso evitar que a avaliação seja um complexo simplificado - se é possível o paradoxo -em que o universo extraordinariamente rico e rnultifacetado das re lações entre a formação acadêmica e as exigências profissionais obedeça à leitura de urna única concepção.

*Observatório da Imprensa. 5 de março de 2000.

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