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1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR
1
Autos n. 0002777-19.2013.8.16.0086
Vara da Fazenda Pública – Comarca de Guaíra /PR
Ação Civil Pública
Autor: Ministério Público do Estado do Paraná
Requerido: Estado do Paraná
Impugnação à Contestação pelo Ministério Público
Meritíssimo Juiz,
I – DO RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado do Paraná propôs ação civil pública contra o Estado
do Paraná, visando à interdição da Cadeia Pública local e a adoção de todas as providências
legais, na esfera administrativa e orçamentária, para a implementação de prédio adequado ao
funcionamento da Delegacia de Polícia e Cadeia Pública da cidade de Guaíra/PR, observada a
legislação vigente (evento 1.1).
A inicial veio instruída com os documentos constantes nos eventos 1.2 a 1.27.
Ademais, ainda pugnou-se pela antecipação da tutela, medida que, após a oitiva prévia
do Estado do Paraná (evento 10.1), foi deferida por este ilustre Juízo, através de despacho
constante no evento 15.1, para o fim de proibir a entrada de novos presos no ergástulo
público, bem como para que fosse realizada a transferência de todos os presos para outros
estabelecimentos prisionais e a implantação dos presos provisórios ou já sentenciados no
sistema prisional.
Após, juntou-se decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (eventos
19.1 e 19.2), a qual estendeu os efeitos da decisão proferida nos autos de pedido de suspensão
de liminar n. 1.093.443-5, suspendendo, assim, até o trânsito em julgado da decisão de mérito
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a ser exarada, os efeitos da medida liminar proferida nos presentes autos.
Por fim, o Estado do Paraná apresentou contestação (evento 25.1), oportunidade em
que juntou documentos (eventos 25.2), sendo que em seguida, os autos vieram com vistas ao
Ministério Público para impugnação.
Em breve síntese, é o relato dos fatos. Passa-se a impugnação.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO
Analisando os autos, não obstante os respeitáveis argumentos deduzidos pelo
requerido, entende o Ministério Público do Estado do Paraná que nenhuma das alegações
trazidas merece acolhida, devendo o processo seguir sua regular tramitação até final sentença
de mérito. Senão vejamos:
II. 1) Da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido
Requer o Estado do Paraná seja reconhecida a impossibilidade jurídica do pedido, com
a consequente resolução do mérito, com base no art. 267, inciso VI, do Código de Processo
Civil, sob o argumento, em síntese, de que não se encontram entre as atribuições do
Ministério Público e do Poder Judiciário a instrumentalização de políticas públicas, pois as
mesmas competiriam unicamente aos Poderes Legislativo e Executivo.
Contudo, à luz da Carta Magna, a preliminar merece ser prontamente rechaçada.
Tem-se que, em síntese, os presos na Cadeia Pública local foram privados de suas
liberdades e, ao mesmo tempo também, da dignidade, da saúde, do respeito às suas
integridades físicas e mentais, de qualquer forma de assistência, dentre outros. Essa privação
afronta o princípio da dignidade humana, estampado na Constituição da República Federativa
do Brasil como um imperativo de justiça social.
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Assevera-se que a submissão dos presos a essa constante degradação humana é
inadmissível, exigindo a pronta intervenção do Ministério Público, por ser a Instituição
responsável pela fiscalização da execução da pena e da medida de segurança.
Ainda, tem-se que a Cadeia Pública local está infectada por doenças respiratórias, tais
como tuberculose, além de um surto de sarna, doença de pele facilmente transmitida entre
aqueles encarcerados, sendo que as referidas doenças podem ser transmitidas para toda a
cidade de Guaíra, já que os presos não ficam apenas em suas celas, mas também saem para ir
às audiências nos fóruns, têm contato com seus familiares, policiais civis e policiais militares.
Esta situação calamitosa está plenamente registrada nos autos de Pedido de Providência nº
0330-24.2014.8.16.0086, em trâmite na Vara Criminal e de Execução Penal desta Comarca.
Ademais, conforme informação solicitada junto à Delegacia de Polícia local e
fornecida por meio do ofício 995/2014 (em anexo), apenas desde o início deste ano de 2014,
ou seja, em pouco mais de 05 (cinco) meses, já ocorreram 08 (oito) tentativas de fuga do
ergástulo público e 02 (duas) fugas, sendo que 06 (seis) detentos obtiveram êxito em seu
intento, evadindo-se.
Portanto, o Estado brasileiro, atuando de forma irresponsável em relação àqueles que
estão à margem da sociedade, afastados de seu meio social, expõe a risco esta própria
sociedade, por tornarem os presos cada vez mais perigosos, já que em regra a ressocialização
do preso não é alcançada. Por seu turno, as autoridades públicas encarregadas da execução
penal não podem, sob pena de crime de responsabilidade, deixar de agir contra a
administração pública omissa no cumprimento de seus deveres para com a pessoa privada de
liberdade.
Desta feita, quando a escassez de vontade política estatal leva à ausência de recursos
humanos, à deterioração do estabelecimento prisional, ao aviltamento da condição humana do
encarcerado, em suma, ao completo desrespeito às normas de execução penal – a ponto de
tornar insuportável o cumprimento das penas e expor a risco toda a sociedade – outro remédio
não resta senão a inadiável interdição da carceragem e o fechamento das celas.
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Convém consignar que o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento, no
sentido de que se a Administração deixar de promover as políticas públicas essenciais, o
Ministério Público possuiria legitimidade para discutir tais demandas através da ação civil
pública, ao que o Poder Judiciário poderia discutir o próprio mérito administrativo, conforme
segue:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SANEAMENTO
SANITÁRIO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PRECEDENTES DO STJ. PRETENSÃO RECURSAL QUE ENCONTRA ÓBICE
NA SÚMULA N. 7 DO STJ. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO DO ART.
535 DO CPC. SÚMULA N. 284 DO STF. 1. O Ministério Público detém
legitimidade ativa para o ajuizamento de ação civil pública que objetiva a
implementação de políticas públicas ou de repercussão social, como o
saneamento básico ou a prestação de serviços públicos. Nesse sentido: REsp
743.678/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe
28/09/2009; REsp 855.181/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma,
DJe 18/09/2009; REsp 137.889/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins,
Segunda Turma, DJ 29/05/2000. (...) 3. A verificação da presença dos requisitos
que autorizam o deferimento da liminar, no caso, depende do exame fático-
probatório do que consta dos autos, o que, em sede de recurso especial, encontra
óbice no entendimento contido na Súmula n. 7 do STJ. 4. Agravo regimental não
provido. (STJ. AgRg no AREsp 50.151/RJ. Rel.: Ministro Benedito Gonçalves. 1ª
Turma. j. em 03/10/2013. DJe 16/10/2013).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TARIFA
DE LIGAÇÃO INTERURBANA. REGIÃO METROPOLITANA. ÁREAS
CONURBADAS. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO
CONFIGURADA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ANATEL. MÉRITO
ADMINISTRATIVO. ACÓRDÃO QUE RECONHECE A CONURBANIDADE,
AMPARANDO-SE NA PROVA DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÕES
DE CERCEAMENTO DE DEFESA, DE DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-
FINANCEIRO DO CONTRATO E DEVER DE INDENIZAR NÃO
CONHECIDAS POR ÓBICES SUMULARES. (...) 3. Ao Poder Judiciário não é
vedado debater o mérito administrativo. Se a Administração deixar de se valer
da regulação para promover políticas públicas, proteger hipossuficientes,
garantir a otimização do funcionamento do serviço concedido ou mesmo
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assegurar o "funcionamento em condições de excelência tanto para o
fornecedor/produtor como principalmente para o consumidor/usuário", haverá
vício ou flagrante ilegalidade a justificar a intervenção judicial. 4. Hipótese em
que o Tribunal de origem reconheceu, com base na prova dos autos, que o
Município da Lapa pertence à Região Metropolitana de Curitiba em virtude de
conurbanidade, "não apenas em termos urbanísticos mas também administrativos e
sobretudo econômicos, comungando da movimentação regional". A revisão desse
entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula
7/STJ. 5. A mesma orientação deve ser aplicada em relação à análise do
cerceamento de defesa. 6. Veda-se a apuração de eventual desequilíbrio econômico-
financeiro, em razão da Súmula 5/STJ. 7. É inadmissível Recurso Especial quanto a
questão inapreciada pelo Tribunal a quo, a despeito da oposição de Embargos
Declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ. 8. Recursos Especiais não conhecidos.
(STJ. REsp 1176552/PR. Rel. Ministro Herman Benjamin. 2ª Turma. j. em
22/02/2011, DJe 14/09/2011).
No mesmo sentido é o posicionamento exarado pelo próprio Supremo Tribunal
Federal:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURANÇA PÚBLICA. LEGITIMIDADE.
INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. 1. O Ministério
Público detém capacidade postulatória não só para a abertura do inquérito civil, da
ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e
social do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos [artigo
129, I e III, da CB/88]. Precedentes. 2. O Supremo fixou entendimento no sentido
de que é função institucional do Poder Judiciário determinar a implantação de
políticas públicas quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com
tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou
coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de
cláusulas revestidas de conteúdo programático. Precedentes. Agravo
regimental a que se nega provimento. (STF. RE 367432 AgR. Relator(a): Min.
Eros Grau. 2ª Turma. j. em 20/04/2010. DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-
05-2010 EMENT VOL-02401-04 PP-00750).
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Assim sendo, vislumbra-se que é entendimento pacífico de que o Ministério Público
pode intervir quando o Estado se omite na implantação de políticas públicas, as quais
envolvem a transgressão de direitos basilares.
Por tais considerações e pelos motivos já expostos na inicial, o Ministério Público
pugna pelo afastamento da preliminar alegada, no sentido do reconhecimento da ausência de
condição da ação, por impossibilidade jurídica do pedido, devendo o presente feito seguir seu
regular trâmite.
Das Alegações Trazidas No Mérito
II. 2) Das alegações quanto a remoção de presos e das providências para
normalização da situação carcerária na Comarca de Guaíra. Da ausência de vagas.
Impossibilidade Fática de Remanejamento
Alega o requerido, em síntese, que existe a impossibilidade fática de remoção dos
presos, porquanto há ausência de vagas, trazendo diversos argumentos que buscam
unicamente legitimar a omissão estatal no que se refere à disponibilização das vagas.
Todavia, embora o Estado venha a demonstrar que está em suposta via de efetivar
melhorias em diversas Penitenciárias e Cadeias Públicas da região, bem como realizar novas
construções, o debate em torno da péssima situação observada na Cadeia Pública local ficou
reduzido a segundo plano.
Por tal, o Ministério Público reitera integralmente os argumentos dispostos na inicial,
ressaltando-se que os diversos problemas observados na Cadeia Pública local não podem
simplesmente esperar por mais tempo, demandam, outrossim, de uma resposta imediata e
efetiva por parte do Estado, porquanto a precariedade da situação prisional é latente, e clama
por uma solução definitiva.
A omissão estatal até então verificada quanto aos presos locais, não pode perdurar
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indefinidamente, sob o argumento da falta de recursos, bem como de discursos genéricos de
que se está trabalhando para que a situação possa melhorar.
Ademais, a título de exemplificação, é sabido que vultosos são os gastos por parte do
requerido com propaganda institucional, sendo certo que tais valores poderiam muito bem ser
melhor empregados a exemplo da reivindicação objeto da presente demanda.
A inação estatal ofende direitos humanos fundamentais e inalienáveis dos presos
previstos em lei; não proporciona ao encarcerado as condições de reinserção social; e, ao
contrário, os conduzem para a reincidência criminosa, na medida em que lhe retira a crença na
Justiça e nas autoridades públicas, as quais, elas próprias, não vêm cumprindo a lei. Tornam
os encarcerados cada vez mais perigosos, pois aprendem condutas mais graves na
“universidade do crime”, trocando “experiências” com os presos que praticam infrações de
maior lesividade.
Na realidade, os anos têm passado e a situação infelizmente não só não foi melhorada,
como tem piorado constantemente, o que causa extrema indignação ao Ministério Público e a
toda sociedade local. O ambiente dessa delegacia é insalubre e estão ausentes as condições
básicas de conforto, higiene, iluminação e aeração, conforme se constata dos laudos juntados;
a umidade relativa do ar é bastante elevada, pois praticamente não há incidência de luz solar e
ventilação adequada, já sendo o clima de Guaíra notoriamente úmido em decorrência da
proximidade com o Rio Paraná; as instalações elétricas são precárias e existe risco de curto-
circuito; os banheiros são infectos; há imundície de toda a espécie pelo chão e o odor causa
náuseas e outros incômodos nos segregados. Há surtos de sarna e outras doenças.
Ademais, conforme ofício de nº 995/2014 enviado nesta data à Promotoria de Justiça,
desde o início deste ano de 2014, ou seja, em pouco mais de 05 (cinco) meses, já
ocorreram 08 (oito) tentativas de fuga do ergástulo público e 02 (duas) fugas, sendo que
06 (seis) detentos obtiveram êxito em seu intento, evadindo-se. (doc. anexo).
A Cadeia Pública local conta atualmente com 240 (duzentos e quarenta) presos,
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sendo que a lotação seria apenas para 64 (sessenta e quatro). Além disso, noticia a
Autoridade Policial que nesta semana (de 12 a 16 de maio de 2014) foi veiculada a suspeita
de que no interior da Cadeia haveria explosivos, situação que ensejou a realização de
buscas e vistorias com cães farejadores e policiais treinados, enviados pela Polícia
Federal de Foz do Iguaçu/PR. Como resultado da diligência, noticia-se, felizmente, que
nenhum explosivo foi detectado, porém uma enormidade de telefones celulares, drogas e
barras de ferro, além de um grande buraco descoberto antes que ocorresse uma fuga em
massa, conforme documento e fotografias anexadas nos autos.
Por fim, no referido ofício, a Autoridade Policial é simples e direta, relatando que,
nada obstante as incontáveis tentativas e medidas já adotadas pelo Juízo da Execução criminal
de Guaíra (veja-se, por exemplo, os inúmeros ofícios requisitando vagas e a implementação
de detentos nos aludidos autos de pedido de providência nº 2014.144-7), neste ano de 2014
nenhum preso da Cadeia Pública de Guaíra, repita-se, nenhum, foi implantado no
sistema penitenciário.
Ora, diante desta informação, considerando que já vencemos o primeiro quadrimestre
do ano de 2014, cabe questionar ao requerido sobre as “1.893 vagas não preenchidas em
Unidades Penitenciárias do Estado” e que seriam disponibilizadas (v. item 03, fl. 08 da
contestação juntada no evento 25.1). Veja-se que não se trata de uma tentativa de diminuir as
alegações tão bem lançadas pela diligente Procuradoria Estadual, mas antes uma constatação
de que a inércia Estatal, o desrespeito para com a dignidade dos presos, esta evidenciada nos
autos e tende a se prolongar indefinidamente.
Por tal circunstância, denota-se que a situação observada na Cadeia Pública local é
deverás particular, que envolve não somente a ressocialização do preso, que é problemática
em diversas unidades prisionais do Estado, mas a estrutura do local é propícia para a
ocorrência de fugas, e até mesmo de eventual rebelião, acarretando, ademais, o próprio
agravamento da saúde dos presos, que vem a incidir de forma reflexa na população local.
Portanto, os argumentos lançados pelo Estado são vazios, e não relevam a situação
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particularmente observada na Cadeia Pública local, que é degradante, demandado
urgentemente pela efetiva implantação de uma nova unidade prisional local.
No presente caso, embora relevantes os fundamentos do Estado, esses devem ser
analisados a luz da situação observada na Cadeia Pública local, e por tal, não merecem ser
acolhidos, posto que em nada ilidem a omissão estatal até então existente, de forma a
melhorar a estrutura prisional local.
Pelo exposto, diante dos argumentos elencados, devidamente fundamentos, pugna-se
pelo afastamento das teses levantadas pelo requerido, ao que se mostra imprescindível o
deferimento dos pleitos deduzidos na inicial.
II. 3) Quanto à aplicação da Lei de Execução Penal em relação às prestações
exigidas
Ainda, o requerido argumenta que a Lei de Execução Penal não pode ser utilizada para
legitimar as prestações exigidas.
Ocorre que a referida legislação é federal, e, por tal, de aplicabilidade plena em todas
as unidades federativas. O requerido busca afastar a eficácia da Lei n. 7.210/84, através do
simples argumento da impossibilidade estatal de prover a construção de uma nova Cadeia
Pública local.
Todavia, ressalta-se a seriedade da Lei de Execução Penal, que em nada é
inconstitucional, sendo que ela apenas busca garantir um mínimo de dignidade para o preso,
que já é desprovido de sua liberdade, e por tal, deveria ao menos estar recolhido em local com
estrutura adequada.
Nesse sentido, tem-se que os estabelecimentos prisionais devem observar as
disposições dos artigos 83 a 85 da Lei de Execução Penal, assim como as Cadeias Públicas
devem atender também ao disposto nos artigos 88 e 102, da legislação referida, que
prescrevem:
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“Art. 83 – O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em
suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação,
trabalho, recreação e prática esportiva.
Art. 84 – O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada
em julgado.
Parágrafo primeiro – O preso primário cumprirá pena em Seção distinta daquela
reservada para os reincidentes.
Art. 85 – O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua
estrutura e finalidade.
Art. 88 – O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,
aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único – São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de seis metros quadrados.
Art. 102 – A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.”
O requerido, diante dos fundamentos lançados, busca afastar a aplicação de tal lei,
contudo, acrescenta-se que é princípio constitucional o respeito à integridade física e moral do
preso (artigo 5°, inciso XLIX, da Constituição Federal), sendo certo que não se privará o
condenado de qualquer outro direito que não aquele atingido pela sentença ou pela legislação
em vigor, o que é dever das autoridades públicas garantir (artigos 3° e 40, da Lei de
Execuções Penais).
Não há, portanto, qualquer legitimação extraordinária que tenha o condão de afastar os
direitos e garantias mínimas asseguradas pela Lei de Execução Penal aos presos, posto que ela
tem aplicabilidade imediata e é imprescindível que os direitos e garantias nela previstos sejam
assegurados, para que não seja violado principalmente o princípio da dignidade da pessoa
humana.
Assim sendo, a escassez de vontade política estatal não pode legitimar a
inaplicabilidade dos dispositivos da Lei de Execução Penal, razão pela qual se pugna pelo
afastamento dos argumentos lançados pelo requerido.
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II. 4) Da ofensa ao princípio da separação dos poderes. Da lesão à ordem pública
e à ordem econômica. Da ofensa ao princípio da reserva do possível
Aduz o requerido que é necessário observar ao princípio da separação dos poderes,
segundo o qual se delimita a atuação de cada Poder a fim de se evitar conflito de competência
entre eles e a prevenção a sérios riscos à ordem pública e a segurança jurídica, o que também
se confunde com eventual ofensa ao princípio da reserva do possível.
Conforme ensina Luiz Roberto Barroso1:
“O conteúdo nuclear e histórico do princípio da separação de Poderes pode ser
descrito nos seguintes termos: as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a
órgãos diversos e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de
modo a proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto. A
separação de Poderes é um dos conceitos seminais do constitucionalismo moderno,
estando na origem da liberdade individual e dos demais direitos fundamentais. Em
interessante decisão, na qual examinava a possibilidade de controle judicial dos
atos das Comissões Parlamentares de Inquérito, o Supremo Tribunal Federal
identificou esse sentido básico da separação de Poderes com a vedação da
existência, no âmbito do Estado, de instâncias hegemônicas, que não estejam
sujeitas a controle”.
Nesse mesmo sentido expôs o Desembargador Relator Sidney Romano dos Reis em
seu voto proferido na Apelação Cível nº 994.06.096464-8, TJ-SP, senão vejamos:
“A separação dos poderes é justamente a técnica pela qual o Poder é contido pelo
próprio poder. Ê o sistema de freios e contrapesos (checks and balances, ou método
das compensações), uma garantia de que os dogmas inseridos na Constituição
Federal e que representam a vontade da maioria do povo serão cumpridos inclusive
pelo Poder Público. Superada a fase do absolutismo, época marcada pela célebre
frase de Luís XIV V etat c' est rríoi (o Estado sou eu), a administração do Estado
passou a ser tripartida”.
1 BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Costitucional Contemporâneo – Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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Em que pese a conceituação ser clara sobre a independência dos poderes, no mesmo
voto, o Desembargador Sidney Romano dos Reis expõe sobre sua relativização:
“De outro lado, o apelo da Fazenda do Estado, como de hábito, se sustenta na
pretensa invasão da seara administrativa pelo, Judiciário, olvidando, todavia, e
também como sempre, que não se pode deixar de garantir direitos que a
Constituição afirme como inalienáveis, mormente quando o Poder Público não
cumpra com sua obrigação legal, de sorte que, em havendo violação a direitos
individuais ou coletivos, pode e deve o Judiciário compelir a Administração à
observância do texto legal, nada havendo nisso de ativismo judicial, senão de
cumprimento irrestrito da missão de entregar a tutela jurisdicional, até porque
respeitado o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório”.
Neste mesmo sentido é a jurisprudência pátria, senão vejamos:
MANDADO DE SEGURANÇA - INTERDIÇÃO DA CADEIA PÚBLICA PELO
JUIZ DA EXECUÇÃO - DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS
PODERES - INOCORRÊNCIA - ESTABELECIMENTO QUE NÃO GARANTE
OS DIREITOS À SAÚDE E SEGURANÇA DOS DETENTOS - OFENSA AO
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ART. 66, VIII, DA LEI
Nº. 7.210/1984 - APLICABILIDADE. - A Administração não atua de forma
isolada e totalmente independente na execução penal, sendo certo que o Poder
Judiciário tem participação importante em tal atividade.
- A Constituição da República impõe, em seu art. 5º, XLIX, o respeito à
integridade física e moral dos presos, competindo, ao juiz da execução,
interditar estabelecimento penal que estiver funcionando em condições
inadequadas. (TJMG. Mandado de Segurança - Cr 1.0000.13.059355-1/000.
Relator(a): Des.(a) Cássio Salomé. 7ª C. Criminal. j. em 19/09/2013. Publicação da
súmula em 26/09/2013).
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR.
REFORMA E CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIO ESTADUAL. MUNICÍPIO DE
ITAQUI. DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
FUNDAMENTO DE UM ESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO.
INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO PENAL. INCOMPETENCIA DO
JUÍZO CÍVEL. LIMINAR CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE.
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1. Liminar contra a Fazenda Pública. A Constituição Federal de 1988 estabelece e
atenta para o postulado de que o cidadão tem direito à adequada tutela jurisdicional -
aí incluídas as liminares - como decorrência do princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional, estabelecendo em seu art. 5º, inc. XXXV, que "a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Isso quer
dizer que nenhuma lesão ou mera ameaça de lesão de direito individual ou não, pode
ser por lei infraconstitucional subtraída do conhecimento do Poder Judiciário, pena
de inconstitucionalidade. 2. Incompetência do juízo cível. A competência para a
interdição de presídios é do juiz da execução penal (art. 66, inciso VIII, da Lei de
Execuções Penais). Tem legitimidade o órgão do Ministério Público para, nos autos
da Ação Civil Pública, buscar a condenação do ente público a solucionar os
problemas encontrados na instituição penal, inclusive a realizar obras para
melhoramento das instalações, mas não o tem para pedir ao juízo cível, competente
para a análise e julgamento da Ação Civil Pública, a interdição do estabelecimento
penal, haja vista que a competência para interditar presídios, nos termos do que
disciplina o art. 66, VIII, da LEP, é do juízo da execução penal. Competência
absoluta e, portanto, improrrogável. 3. Mérito. Evidenciados os requisitos para o
deferimento parcial da liminar que vem expressamente autorizada na Lei da Ação
Civil Pública (art. 12 da Lei nº 7.347/85). 3.1 Direitos fundamentais e Dignidade
da Pessoa Humana. Fundamento de um Estado que se diz Democrático e Social
de Direito. Sem prejuízo dos princípios da Tripartição do Poderes e da Reserva
do Possível, o enfoque a ser dado nestes autos deve ser outro, no plano dos
Direitos Fundamentais, que jamais podem ser desvinculados do conceito de
Estado Democrático e Social de Direito. Viola substancialmente o postulado
constitucional da dignidade da pessoa humana a aglomeração sub-humana de
presos na Penitenciária Estadual de Itaqui, em número muito superior às vagas
existentes, e a precariedade das instalações. Localização do Presídio - no centro
da cidade - que agrava ainda mais a situação caso levada a efeito uma rebelião,
cuja possibilidade, haja vistas as insustentáveis e indignas instalações, sem
quaisquer condições de higiene e segurança, inclusive com um numero menor
de camas do que de presos, é cada vez mais iminente. Trata-se, ainda, de uma
questão de segurança pública; logo, de proteção não apenas à dignidade dos
encarcerados, mas da segurança de toda a coletividade. 3.2 Tutela de Direitos
Fundamentais por meio de Ação Civil Pública. Em nome da garantia do acesso à
justiça, todos os meios previstos na Constituição para a tutela dos direitos
fundamentais devem ser permitidos, enquadrando-se, nestes, portanto, a Ação Civil
Pública, observadas, por evidente, as disposições da Lei nº 7.347/85 e da própria CF
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(art. 129, III). 3.3 Tripartição dos Poderes. Poder Discricionário. Limites.
Proibição de Retrocesso. A despeito da alegação do Estado de que há violação
ao poder discricionário da Administração Pública, em que pese não se possa
desconsiderar a conveniência e oportunidade, de forma a relegar qualquer
interferência judicial, pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, a
violação de direitos fundamentais, sobretudo a uma existência digna, haja vista
a inércia do Poder Executivo, legitima o controle judicial. 3.4 Da Reserva do
Possível. O princípio da reserva do possível não se aplica quando se está diante
de direitos fundamentais, em que se busca preservar a dignidade da vida
humana, consagrado na Constituição Federal de 1988 como um dos
fundamentos do nosso Estado Democrático e Social de Direito (art. 1º, inciso
III, da Constituição Federal). 3.5 Da astreinte. Natureza coercitiva, e não
punitiva. Visa um fazer por parte do Poder Público. Incidente, portanto, a
regra do art. 461, §4º, do Código de Processo Civil. Valor adequado, haja vista
a natureza do direito em discussão. REJEIÇÃO DE UMA PRELIMINAR E
ACOLHIMENTO PARCIAL DA OUTRA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
(TJRS. Agravo de Instrumento nº 70034484964. 1ª C. Cível. Relator: Carlos
Roberto Lofego Canibal. j. em 26/05/2010).
E M E N T A – APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – MELHORIA DA
SEGURANÇA PÚBLICA – PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE
AFASTADA – ALEGAÇÕES DE NULIDADE DA SENTENÇA –
INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO,
FALTA DE INTERESSE DE AGIR – AFASTADAS – POSSIBILIDADE DO
JUDICIÁRIO ADENTRAR NO ÂMBITO DA DISCRICIONARIEDADE DA
ADMINISTRAÇÃO – DEVER DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS
NORTEADORES – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA – VALOR
REDUZIDO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A alegação de
incompetência do juízo falece de fundamento, pois a competência do juízo a quo
possui respaldo expresso na Lei que disciplina a Ação Civil Pública - art. 2º da Lei
7.347/85. Evidente o interesse do Ministério Público resguardar que a segurança
pública seja promovida com eficiência e, de outro lado, a Ação Civil Pública se
mostra instrumento adequado para tanto, nos termos da respectiva legislação, o que
reflete, inclusive, na possibilidade jurídica do pedido, que encontra respaldo na
LACP. Diante do conjunto fático apresentado nos autos, mormente em relação
às condições precárias da segurança pública de Camapuã/MS, mostra-se
correta a sentença de primeiro grau em acolher o pedido inicial e determinar as
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR
15
melhorias necessárias à sua efetivação. O STJ já assentou entendimento no
sentido de ser possível ao Judiciário adentrar ao âmbito discricionário da
Administração quando seus atos se afastarem de seus princípios basilares,
como moralidade, razoabilidade, eficiência, etc. A mera alegação de falta de
recursos não pode ser utilizada para, por si só, afastar o dever estatal previsto
constitucionalmente. É possível a aplicação de multa cominatória m face do Estado,
que, no presente caso, mostra-se excessiva, impondo-se sua redução. Recurso
parcialmente provido. (TJMS. Apelação n. 0500622-87.2006.8.12.0006. Camapuã.
2ª C. Cível. Relatora: Des. Tânia Garcia de Freitas Borges. j. em 29/01/2013).
EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER
POLÍTICA PÚBLICA - Superlotação de cadeias públicas da comarca de Cerqueira
César - Pretensão de obrigar o Estado à remoção e à limitação de presos de
estabelecimento prisional Sentença que julgou o pedido prejudicado com relação a
uma das cadeias, por carência superveniente, e procedente o pedido com relação à
outra Reexame necessário e apelação do réu. CONTROLE JURISDICIONAL DA
POLÍTICA PÚBLICA. Possibilidade. Conceitos e limites. Hipótese em que a
omissão estatal é persistente e duradoura. A crise de superpopulação carcerária
não pode significar a falta de solução do problema. Deficiência da política
pública que deve ser corrigida perante o Judiciário. SENTENÇA MANTIDA.
Reexame necessário e recurso desprovido. (TJSP. Apelação nº 0003828-
77.2006.8.26.0136. Cerqueira César. 8ª C. de Direito Público. Relator: João Carlos
Garcia. j. em 14/11/2012).
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 45, atribuiu a seguinte
interpretação ao Princípio da Separação dos Poderes:
“É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do
Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de
formular e de implementar políticas públicas, pois, nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao
Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal
comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos
impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas
revestidas de conteúdo programático”.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR
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Segundo o Ministro Relator Celso de Mello, [...] se tais Poderes do Estado (referindo-
se ao Executivo e Legislativo) agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara
intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e
culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um
abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um
conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à
própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já
enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a
possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso
aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
Nesta mesma linha de raciocínio, o Ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial (AgRg no REsp nº
1136549 RS 2009/0076691-2)2, assim proferiu:
“[...] se prevalecesse o entendimento de que, em face do princípio da separação dos
poderes, estaria o Judiciário impedido de corrigir distorções em matéria de
políticas públicas, a efetivação de outros princípios igualmente constitucionais
ficaria comprometida, o que contraria a hermenêutica atual que privilegia a
harmonização das normas e princípios constitucionais conflitantes, de modo a
buscar a máxima eficácia possível de ambos, e assim evitar que a aplicação de um
implique na exclusão total de outro.
Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição, em
relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico da máxima
efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem suas normas
em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o conteúdo.
Nesse sentido, a correta interpretação do princípio da separação dos Poderes, em
matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação
do judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos
pela lei.
Fora daí, quando a Administração extrapola os limites da competência que lhe fora
atribuída e age sem sentido, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada,
2 Disponível em <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14602763/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1136549-rs-2009-0076691-2/inteiro-teor-14602764>. Acesso em 05/09/2013.
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR
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descabe a aplicação do referido princípio, e autorizado se encontra o Poder
Judiciário a reconhecer que o Executivo não cumpriu com sua obrigação legal,
agredindo com isso, direitos difusos e coletivos, e a corrigir tal distorção
restaurando a ordem jurídica violada.
O sistema jurídico deve ser analisado sob a premissa de que todos os seus
postulados estão em harmonia, sob pena de se quebrar a lógica intrínseca do
próprio sistema. Ora, diante de um ordenamento jurídico que consagra o princípio
da separação dos Poderes, e que também impõe ao Poder Público a prática de
atividades positivas destinadas a efetivar os direitos sociais, a melhor interpretação
é aquela que se coaduna com os dois postulados.
Em suma, a atuação do Poder Judiciário no controle das políticas públicas não se
pode dar de forma indiscriminada, pois isso violaria o princípio da separação dos
Poderes. No entanto, quando a Administração Pública, de maneira clara e
indubitável, viola direitos fundamentais por meio da execução ou falta injustificada
de programas de governo, a interferência do Poder Judiciário é perfeitamente
legítima e serve como instrumento para restabelecer a integridade da ordem
jurídica violada.”
Firmando o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS –
POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE –
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE –
OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA
RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os
direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de
fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da
atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da
separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos
direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização
dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito
fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho
jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública
nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver
comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal [...]”.
(STJ - AgRg no REsp: 1136549 RS 2009/0076691-2, Relator: Ministro
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR
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HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/06/2010, T2 - SEGUNDA
TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2010).
Assevera-se, por tal, que se está diante de Direitos Fundamentais, ao que deve se
sobressair a Dignidade da Pessoa Humana, e sem prejuízo das argumentações levantadas pelo
requerido, o enfoque a ser dado nestes autos deve ser outro, no plano dos Direitos
Fundamentais, que jamais podem ser desvinculados do conceito de Estado Democrático e
Social de Direito.
Portanto, evidencia-se que viola substancialmente o postulado constitucional da
dignidade da pessoa humana a aglomeração sub-humana de presos na Cadeia Pública local, o
que também gera sérios riscos de saúde para os presos e a sociedade, repercutindo até mesmo
na segurança pública, ante a eminência de rebeliões e fuga de presos, ameaçando
sobremaneira a tranquilidade e segurança da população de Guaíra.
Desta forma, a alegação do requerido de que a remoção dos presos e construção de
nova unidade prisional local, implicaria consequente ofensa a tripartição dos poderes e geraria
grave lesão à ordem administrativa, ofendendo também o princípio da reserva do possível,
ante os fundamentos lançados, tem-se que a argumentação é descabida de qualquer razão, ao
que se pugna sejam os pleitos indeferidos.
II. 5) Das astreintes cominadas ao Estado do Paraná
Aduz o requerido que a Administração se sujeita a regras próprias e por conta disso a
imposição de multas diárias como instrumento de eficácia das decisões judiciais não pode ser
aplicada contra a Fazenda Pública.
Tal fundamento também não merece prosperar.
Destaca-se que inexiste qualquer impedimento quanto à aplicação da multa diária
cominatória contra a Fazenda Pública nos feitos que envolvem o descumprimento de
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR
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obrigação de fazer. Muito pelo contrário, tal cominação se mostra como instrumento eficaz de
coerção para que o gestor estatal cumpra com as obrigações determinadas judicialmente.
Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica:
PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. VIOLAÇÃO DO ART. 557
DO CPC NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 282/STF. MULTA CONTRA A FAZENDA. POSSIBILIDADE. LEI
LOCAL. APRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. 1. A competência para apreciar o
recurso de Agravo é do Relator, mediante decisão monocrática, como se observa no
RISTJ. Ademais, o art. 557 do CPC instituiu a possibilidade de, por decisão
monocrática, inadmitir recurso, entre outras hipóteses, quando manifestamente
improcedente ou contrário a súmula ou entendimento já pacificado por
jurisprudência de Tribunal ou de Cortes Superiores. Ademais, eventual nulidade na
decisão monocrática do Relato fica superada com a reapreciação da matéria, na via
do Agravo Regimental, pelo órgão colegiado. Precedentes do STJ. 2. Não se
conhece de Recurso Especial quanto a questão não especificamente enfrentada pelo
Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incidência, por analogia,
da Súmula 282/STF. 3. É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação
de multa diária (astreintes) como meio executivo para cumprimento de
obrigação de fazer (art. 461 do CPC). Precedentes do STJ. 4. Ao STJ não cabe
dirimir controvérsia com base em lei local (Lei Municipal 11.722/1995). Aplicação,
por analogia, da Súmula 280/STF 5. Agravo Regimental não provido (grifo nosso).
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MUNICÍPIO. OBRAS DE
AMPLIAÇÃO DE CEMITÉRIO. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. EXCLUSÃO
PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA
7/STJ. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. A possibilidade de aplicação de
astreintes à Fazenda Pública é pacifica na jurisprudência desta Corte; o cerne
da discussão no caso vertente é a decisão do Tribunal de origem, que afastou a multa
fixada em primeira instância. 2. Rever a decisão do acórdão recorrido importaria no
revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, pois necessário seria reavaliar
as razões que levaram o Tribunal de origem a afastar a multa aplicada, o que
encontra óbice na Súmula 7/STJ.Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp
1305496/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,
julgado em 15/05/2012, DJe 21/05/2012) (grifo nosso).
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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA.
MULTA DIÁRIA IMPOSTA À FAZENDA PÚBLICA POR
DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.POSSIBILIDADE. 1. Cuida-
se, originariamente, de agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeira
instância que estipulou multa diária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), caso
fosse descumprido o prazo de 60 (sessenta) dias para a entrega do estudo
antropológico respeitante à identificação e à delimitação da Terra Indígena Mato
Preto. 2. É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa
diária - astreintes - como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de
fazer (fungível ou infungível) ou para entrega de coisa. Precedentes: AgRg no Ag
1.352.318/RJ, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe
25/2/2011; AgRg no AREsp 7.869/RS, Relator Ministro Humberto Martins,
Segunda Turma, DJe 17/8/2011; e AgRg no REsp 993.090/RS, Relatora Ministra
Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/11/2010. 3. No caso sub
examine, o Tribunal a quo, ao dar provimento parcial ao agravo de instrumento, para
reduzir o valor da multa diária para R$ 1.000,00 (um mil reais), asseverou que a
ação originária "[...] foi ajuizada em junho de 2006, sem que, até o momento, tenha
sido concluído o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra
Indígena Mato Preto, única e exclusivamente em razão da mora da FUNAI, que
recebeu inúmeras vezes a prorrogação de prazo para a conclusão do seu trabalho [...]
(fl. 168). 4. Agravo regimental não provido.”(AgRg no AREsp 23.782/RS, Rel.
Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em
20/03/2012, DJe 23/03/2012) (grifo nosso).
Assim, tal alegação merece indeferimento. Sem mais.
III) DO PEDIDO
Ante todo o exposto e por tudo mais que dos autos consta, o Ministério Público do
Estado do Paraná requer seja julgada totalmente procedente a ação, pelos motivos fáticos e
jurídicos expostos nesta impugnação e na petição inicial.
Rebatidas também as alegações de mérito, requer-se o prosseguindo da ação até a
1ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE GUAÍRA - PR
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sentença final.
Por fim, o Ministério Público se manifesta pela desnecessidade de especificação de
provas a serem produzidas, haja vista que os fatos dispostos na inicial estão fartamente
comprovados através da prova documental juntada aos autos, sendo que o próprio requerido
reconhece os problemas existentes na Cadeia Pública local.
Guaíra/PR, 15 de maio de 2014.
José Carlos Mendes Filho
Promotor de Justiça