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1917-2007: 90 anos da Revolução Russa Setembro de 2007 Edição: Movimento Esquerda Socialista, tendência do PSOL. Textos: Bernardo Corrêa e Lisandro Moura. Ilustração e Diagramação: Bernardo Corrêa. Tiragem: 1000 exemplares. Impressão: RML Gráfica

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1917-2007: 90 anos da Revolução Russa

Setembro de 2007

Edição: Movimento Esquerda Socialista, tendência do PSOL. Textos: Bernardo Corrêa e Lisandro Moura. Ilustração e Diagramação: Bernardo Corrêa. Tiragem: 1000 exemplares. Impressão: RML Gráfica

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studar a Revolução Russa neste momento histórico pode parecer saudosismo, mas está longe disso.E

Após a traição da burocracia estalinista e a posterior queda do muro de Berlim, muitos se deixaram levar pela falácia de que a história havia acabado e de que “não havia mais alternativa” ao capitalismo. Professando a necessidade de humanizar o capital e, através da conciliação dos interesses da burguesia e dos trabalhadores, acreditaram ser possível amenizar a exploração capitalista sem, com isso, abandonar os “valores” que sempre orientaram a luta socialista. Em uma palavra, negaram a necessidade da mobilização de massas assumir um caráter revolucionário e anticapitalista.

Felizmente a história é sempre mais contundente e dinâmica que a vontade de alguns indivíduos. Desde a histórica mobilização de Seattle em 1999 que tomou as ruas contra a “vontade dos mercados”, representada pela OMC (Organização Mundial do Comércio), e impediu que esta fizesse sua reunião. Passando pelas inúmeras mobilizações contra o G8 (grupo dos oito países mais ricos do mundo) em Quebec, Gênova... até a construção do Fórum Social Mundial, mostraram que uma parcela importante da humanidade já havia cansado do modelo neoliberal, das mazelas do capitalismo e continuava disposta a lutar contra ele, apesar das dificuldades.

Esse processo se expressou em diversos momentos nos últimos anos. Como ápice, em 15 de fevereiro de 2003, presenciamos a maior mobilização coletiva da história da humanidade contra a agressão imperialista no Iraque que veio acompanhada do crescimento do sentimento antiimperialista.

Particularmente na América Latina, após inúmeras insurreições (Equador 2000-2005, Argentina 2001-2002, Bolívia 2003-2005...), a consciência antineoliberal e antiimperialista do povo se expressou nas eleições, processo que ainda não se encerrou. A Venezuela bolivariana, sem dúvida, foi a experiência que mais avançou nesse terreno. Como conseqüência do chamado “caracazo” em 1989, o desenvolvimento da luta antiimperialista levou a uma verdadeira “revolução democrática” que quebrou a antiga configuração partidária, modificou as instituições tornando-as mais participativas e após uma demonstração de força do povo ao derrotar um golpe militar e recolocar Hugo Chávez na presidência do país atacou em diversos momentos a propriedade privada da burguesia como na Lei de Terras e na nacionalização da principal empresa de petróleo do país - PDVSA. Mas não foi a única. Muitos processos eleitorais expressaram a busca por alternativas e um deles foi a eleição de Lula no Brasil em 2002, tragicamente traído pela conciliação com a burguesia e recheado de ataques à classe trabalhadora.

Pois bem, após a traição operada por Lula e o PT no Brasil, como forma de manter viva a chama do socialismo e defender os interesses da classe trabalhadora, construímos o Partido Socialismo e Liberdade. Sempre presente nas lutas e com um resultado eleitoral importante obtido em 2006 com a candidatura de Heloísa Helena à presidência da República, o PSOL cada vez mais se consolida como um pólo de atração a milhares de lutadores que não aceitam a idéia de que “não há alternativa” e propõe-se a ajudar a necessária revolução brasileira.

Por esse motivo, essa cartilha pretende ser um material que, por um lado, homenageia os 90 anos da Revolução Russa e, por outro, instrumentaliza os socialistas de hoje, adaptados às necessidades e tarefas atuais, a lutar por uma modificação do estado das coisas.

...“Embora, como é evidente, saibamos que cada povo, cada classe e até cada partido se educam principalmente a partir da sua própria

experiência, de modo nenhum isto significa que a experiência dos outros países, classes e partidos seja de pouca importância. Sem o estudo da grande Revolução Francesa, da Revolução de 1848 e da Comuna de

Paris, nunca teríamos realizado a revolução de Outubro, mesmo com a experiência de 1905. Mas, para o estudo da revolução vitoriosa de 1917, nem sequer realizamos um décimo do trabalho que dispendemos para a de 1905. É certo que não vivemos num período de reação, nem na emigração.

Em contrapartida, as forças e os meios de que atualmente dispomos não podem ser comparados com os desses penosos dias.(...) É preciso que todo o nosso Partido e particularmente as Juventudes, estudem minuciosamente a experiência de Outubro, que nos forneceu uma verificação incontestável do

nosso passado e nos abriu uma ampla porta para o futuro”.

Leon Trotsky, As Lições de Outubro.

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Rússia do século XIX era um país atrasado em muitos aspectos. Do ponto de vista econômico, tinha sua produção baseada, em grande Amedida, na agricultura pré-capitalista. Em seu primeiro censo

(1897) contava com 129 milhões de habitantes sendo que, no período de 1897 a 1914 sua população crescia mais de 2 milhões de pessoas ao ano. Desse contingente de pessoas, 87% viviam no campo e 81,5% eram agricultores.

Com poucas terras cultiváveis, instrumentos e técnicas de trabalho rudimentares e uma população em expansão, as dificuldades também eram crescentes. A fome, a miséria e as epidemias assolavam a vida dos mujiks (cavalos, em russo), como eram chamados os camponeses.

Em 1861, como resultado da inserção da Rússia na divisão internacional do trabalho e de inúmeras rebeliões camponesas, o czarismo (regime absolutista russo) institui o fim da servidão e começa um processo de industrialização utilizando os 47 milhões de libertos como força de trabalho para esse propósito. Com a construção da ferrovia Transiberiana, depois da fome e sem possibilidades de pagar os endividamentos com o governo ou conseguir novas terras, muitos camponeses rumam à Sibéria, lugar que passa a ser marcado pelas más condições de vida e palco de muitos exílios dos revolucionários russos.

Os processos revolucionários na Rússia, colocam um problema prático e, ao mesmo tempo teórico aos revolucionários. Seria possível fazer uma revolução socialista em um país que conservava formas feudais no campo, com uma industrialização promovida por um Estado autocrático, concentrada no centro do país e financiada pelos capitais estrangeiros? A fórmula de Marx e Engels não dava conta dessa explicação, pois apostava que

“É preferível abolir a escravidão partindo de cima do que esperar que a terminem por eles próprios partindo de baixo”

Czar Alexandre II

o carro chefe da Revolução Mundial deveria ser um país no qual o capitalismo chegasse ao máximo de seu desenvolvimento com uma classe operária numerosa e educada diretamentenas lutas contra o capital . Ou seja, naquele momento, França, Inglaterra e Alemanha.

Marx chegou a comunicar-se com os primeiros revolucionários russos que traduziram O Capital para o russo (Vera Zazulich e Georg Plekhanov) sobre este tema, porém a resolução do problema, em termos teóricos, vai se dar no calor dos acontecimentos, no interior do processo revolucionário. Lenin vai explicar o rumo dos acontecimentos dizendo que a corrente capitalista tende a romper no seu elo mais débil, onde a burguesia não teria condições de conceder aos trabalhadores e, dessa forma, não haveria conformação de uma “aristocracia operária”.

Trotsky, por sua vez, conseguiu de maneira mais clara apresentar uma teoria do desenvolvimento histórico que dá conta de explicar os acontecimentos da Rússia: a lei do desenvolvimento desigual e combinado.

Sob sua lógica, era compreensível que na Rússia se desse o prelúdio da revolução mundial, pois para superar o atraso de suas condições materiais seria necessário um salto. Salto que só poderia operar contra o czarismo que se configurava como um regime anacrônico ao sustentar a exploração do proletariado e o desenvolvimento nas cidades e, ao mesmo tempo, os latifundiários no campo, ficando, dessa forma no meio do caminho entre um desenvolvimento capitalista que pudesse inserir a Rússia na economia mundial e manter os privilégios de suas classes historicamente privilegiadas no campo.

A contradição entre as formas pré-capitalistas e a dinâmica capitalista que conviviam mediadas pelo Czar, em algum momento precisaria resolver-se, porém, tanto às classes dominantes do campo quanto às da cidade não era desejável uma ruptura social, à medida que se complementavam e lucravam cada vez mais. Obviamente, alguém pagava o preço da contradição: a grande massa empobrecida dos campos e o proletariado urbano. O salto de qualidade que poderia resolver a contradição, derrubar o Czar, controlar a produção e distribuir a terra, seria tarefa dos próprios trabalhadores russos, do campo e da cidade, por meio da atividade revolucionária.

“As leis da história não têm nada em comum com o esquematismo pedantesco. O desenvolvimento desigual, que é a lei mais geral do processo histórico, não se revela a nós, em parte alguma, com a evidência e a complexidade como no destino dos países atrasados. Açoitados pelo chicote das necesidades materiais, os países atrasados vêem-se obrigados a avançar por saltos. Desta lei universal do desenvolvimento desigual deriva outra que, na falta de um nomemais adequado, qualificaremos como lei do desenvolvimento combinado, aludindo à aproximação das distintas etapas do caminho e à combinação de diferentes fases, à amálgama de formas arcaicas e modernas. Sem utilizar esta lei, enfocada, naturalmente, na integridade de seu conteúdo material, seria impossível compreender a história da Rússia nem de nenhum outro país atrasado culturalmente em qualquer grau”. 4

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revolução de 1905 foi essencialmente uma revolução política.A

Por essa característica foi fruto da atividade de diversas classes sociais. Desde a burguesia liberal, passando pelo campesinato pobre e chegando até o incipiente proletariado revolucionário russo.

Partiam de um anseio comum que era a derrubada da Monarquia. Porém, ao passo que a burguesia enxergava na revolução a possibilidade de mais lucros através de uma industrialização que recém começara, o campesinato pobre e o proletariado buscavam uma mudança significativa de suas condições de vida que só poderiam ser conquistadas por uma mudança radical na economia, na política e na sociedade como um todo.

A autocracia czarista exercia um controle sobre a vida econômica e social do país, justificando seus métodos de coerção com uma ideologia paternalista baseada na graça de deus. Em uma circular de 1897 sobre a inspeção do trabalho, o Czar ameaçava com sanções os diretores de fábrica que satisfizessem reivindicações de grevistas. Convencido do caráter sagrado de suas funções, o Czar Nicolau II acreditava realizar sua missão divina ao proibir seus súditos de todo tipo de iniciativa, sem esperar deles a insubordinação; frente à situação revolucionária, se revelou impotente e indeciso. Estabelecendo um paralelo entre 1905 y 1789, entre Luis XVI y Nicolau II, Trotsky diria: “Seus fracassos provinham de uma contradição entre os velhos pontos de vista que herdara de seus antepassados e as novas condições históricas nas quais se encontrava”.

Além do fracasso na Guerra russo-japonesa, o principal que fato que determinou a ruptura das massas com o governo do Czar, foi o que ficou conhecido como Domingo Sangrento.

Devido à fome e escassez de alimentos, há um crescimento das greves e conseqüente fortalecimento dos Soviets (Conselhos Operários) particularmente o de São Petersburgo (atual Petrogrado), presidido por Trotsky.

Um padre defensor do Czar chamado Gapón, em meio à Greve Geral resolve chamar uma mobilização por pão, que caminhará até a frente do Palácio de Inverno (sede do Governo) para entregar uma carta ao Czar denunciando os funcionários do Governo. Na prática, sua tentativa é desmobilizar os grevistas que pouco a pouco evoluíam de uma greve econômica por melhorias salariais a uma greve política contra o Governo.

Já na construção da referida carta, o Pe. Gapón encontra problemas, pois muitos operários ligados aos Soviets forçam a carta a ter um conteúdo mais ácido, como nesta passagem: “... Ordene imediatamente a convocação dos representantes da terra russa de todas as classes e de todas as ordens (...). E para isto, eleições gerais se façam baseadas no sufrágio universal, secreto e igual. (...) São necessárias liberdade e inviolabilidade individuais, instrução pública universal, igualdade de todos perante a lei; abolição dos impostos indiretos e sua substituição pelo imposto direto e progressivo sobre a renda, retorno gradual da terra às mãos do povo, jornada de 8 horas (...), liberdade de luta do trabalho contra o capital...”

Os trabalhadores levam seu documento ao Czar na manhã de 9 de janeiro, quando então, por ordem superior, os cossacos atiram na multidão desarmada matando mais de mil, o que leva a gigantescas manifestações espontâneas. Pouco a pouco as mobilizações vão ganhando força e as greves vão se tornando políticas e chegam a envolver mais de 2 milhões de pessoas, que vão desde operários (metalúrgicos e têxteis com mais força) a grupos camponeses que ateiam fogo nas casas dos latifundiários e exigem que as gigantescas extensões de terra da nobreza passem imediatamente a seu controle. Esse processo também levou a um salto na consciência e na forma de organização dos trabalhadores em geral. Os soviets, inicialmente surgidos em cidades industriais, começam a contagiar os camponeses das cidades mais afastadas levando o povo a uma verdadeira experiência democrática na qual entre iguais definiam os próximos passos da luta de forma absolutamente independente do Governo. Isso significava uma ruptura brutal na tradição da Rússia, particularmente para os camponeses que se encontravam bastante afastados do epicentro político de Moscou e São Petersburgo e muito influenciados pelos sacerdotes da Igreja Ortodoxa. O fracasso da guerra imperialista entre Rússia e Japão e a greve de massas contagiou também as tropas do exército russo, particularmente a marinha formada em sua maioria por ex-operários. O caso mais conhecido foi o do Encouraçado Potenkin que foi tomado pelos marinheiros insurgentes e foi um dos últimos bastiões de resistência. Lênin, em janeiro de 1917, em um informe sobre a revolução de 1905, ilustra brilhantemente a situação revolucionária e a importância da greve de massas:

“Em Janeiro de 1905, primeiro mês da revolução, contou-se 440 000 grevistas. Ou seja, em apenas um mês, mais do que durante os dez anos anteriores!(...) O entrelaçamento das greves econômicas

com as greves políticas desempenhou um papel extremamente original durante a revolução. Não há dúvidas de que apenas a mais estreita ligação entre estas duas formas de greve poderia garantir uma

grande força ao movimento. A massa dos explorados nunca poderia ter sido arrastada para o movimento revolucionário se não tivesse sob os olhos exemplos diários a mostrar-lhe como os operários assalariados de diversos ramos da indústria obrigavam os capitalistas a melhorar,

imediatamente, na hora, a sua situação. (...) Foi só então que a Rússia da servidão, tolhida no seu torpor, a Rússia patriarcal, pia e submissa, despiu a pele do homem velho, foi só então que o povo

russo recebeu uma educação verdadeiramente democrática, verdadeiramente revolucionária”.5

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omo resposta à força das mobilizações, o Czar Cc o n v o c a a D u m a

(parlamento) e aceita o sufrágio universal através de uma nova constituição. Porém esta lei não passa de uma caricatura, pois logo em seguida (1906) é criado um conselho que restringe os poderes daquela e estabelece classes

sociais de eleitores. Na primeira Duma, o Partido Cadete (liberal), muito em função do boicote chamado pelos socialistas, elege um grande número de deputados e aquela ficou conhecida como Duma da Indignação Popular. Depois da primeira intervenção, a segunda Duma “Vermelha” tem um grande peso dos socialistas e tem o mesmo destino da primeira, a extinção. Logo a repressão viria de forma implacável novamente.

Conforme nos indica Roberto Robaina: “O ano de 1905 anunciou a mudança de época, o início da eclosão de uma nova onda revolucionária. Podemos dizer que a revolução russa de 1905 foi o primeiro sinal de que estava encerrando a época reformista do desenvolvimento do capitalismo, isto é, um período de acumulação que derramava muitos benefícios também para a classe trabalhadora, permitindo concessões econômicas estáveis, e abrindo-se uma nova época revolucionária, onde o choque entre as classes seria mais direto, com o capitalismo com menores margens de manobra e empurrando sobre as costas dos trabalhadores o peso da crise”.

Apesar da derrota, a revolução de 1905, tem uma importância singular. É neste processo que podemos ver, ainda de forma incipiente, a radiografia do movimento que vai mudar a história da Rússia e do mundo em outubro de 1917. Particularmente no surgimento dos Soviets (Conselhos em russo), principal instrumento de organização para a ação que, ao longo dos 12 anos que separam 1905 e 1917, constituíram-se como alicerce para um Estado de novo tipo.

A principal diferença entre 1905 e outubro de 1917 é que, em que pese a combatividade do povo russo, ainda não havia nem organização nem consciência suficientes para uma mudança mais radical em 1905. Seu principal órgão de centralização política era o Soviet de Petrogrado, ainda muito novo e inexperiente. O principal salto de outubro se dá na combinação entre este organismo democrático (neste momento já não somente o de Petrogrado, mas principalmente ele) e o Partido revolucionário encabeçado pela fração de Lênin.

Mobilização estudantil em 1905

Acompanhando todo o processo há uma intensa batalha entre os cinco grandes agrupamentos sócio-ideológicos existentes. O primeiro é o Movimento dos Cem Negros, grupo absolutista, terrorista e de organização paramilitar anti-semita, anti-operário e antiliberal.

O segundo, Partido Cadete, representação política da burguesia liberal que aceita o poder do Czar, desde que limitado pela Duma.

No terceiro grupo, provindo da tradição narodnik (populistas que durante o final do século XIX atuaram como animadores das revoltas camponesas através do terrorismo individual), está o Partido Social-Revolucionário (SR) que tinha duas correntes praticamente independentes. Uma partidária da democracia rural dos pequenos proprietários e contrários à socialização da terra, muito ligada aos Kulaks (grandes proprietários de terra). E outra dos maximalistas, partidários da tomada do poder e da imediata queda da nobreza e divisão das “terras pra quem nelas trabalha”, mais ligada aos intelectuais. No mesmo espectro ainda temos o grupo SR Trudovique do Partido Trabalhista dirigido pelo Advogado Kerenski, defensor da participação nos órgãos políticos legais para a conquista de reformas sociais.

O quarto grupo, no qual vamos nos deter com mais cuidado, é o de tradição marxista que tem como principal expressão o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), fundado em 1898, por revolucionários como Plekhanov e Vera Zazulich. Este grupo surge como expressão daqueles que rechaçavam o terrorismo como tática e defendiam o amadurecimento do capitalismo como condição para uma revolução socialista na Rússia.

Ainda jovem, Lênin colocaria a importância da fundação desse autêntico partido de trabalhadores: «Os social-democratas russos devem fazer um esforço imenso para satisfazer as necessidades do proletariado que está despertando, para organizar o movimento operário, fortalecer os grupos revolucionários, sua vinculação recíproca, dirigir aos operários a literatura de propaganda e de agitação, unir os círculos operários e os grupos social-democratas dispersos por todos os rincões da Rússia em um só partido operário social-democrata». Na busca de seu instrumento histórico, na construção de seu partido será onde, pela primeira vez, os marxistas poderão pôr à prova tanto suas forças como seus métodos.

Após longos debates, em 1903, o POSDR divide-se em bolcheviques (maioria em russo) e mencheviques (minoria) por questões de organização partidária. Os primeiros, naquele momento devido à perseguição da Monarquia e da necessidade das tarefas, defendem um partido de quadros selecionados, profissionais da Revolução. Já os mencheviques defendem um partido mais aberto, tarefa impossível em uma sociedade policial e autocrática como era o Czar.

Por fim, o quinto e último agrupamento os anarquistas não se organiza em partidos tendo como principais expoentes Bakunin e Kropotkin.

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Culturalmente, a Rússia preservava uma grande atividade intelectual concentrada nas classes dominantes e médias, esta última, muita vezes antipática ao regime absolutista, destacando-se intelectuais como Tolstoi, Dostoievski e Gorki. No entanto, a grande maioria do povo estava fora desta produção, condenada a índices de 80% de analfabetismo e 50% das famílias vivendo com rendimentos inferiores ao mínimo necessário. Além disso, as sucessivas guerras e anexações territoriais formaram um país de inúmeras culturas e etnias que seguiam subordinadas à dominação da Igreja Ortodoxa Russa desde o Império Romano. No entanto, este atraso cultural não tiraria em nada a força do proletariado russo, pelo contrário, só reservaria a tarefa de educação política e social a outro sujeito que não o Estado. Isto foi compreendido de forma muito especial pelos revolucionários russos e, de fato, o que sanou esta necessidade foi a existência do Partido Operário Social Democrata Russo, fundado em 1898.

Fundadores do POSDR

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amos nos deter um pouco aqui nas três posições sobre a preparação da revolução de 1905 existentes entre os revolucionários russos V

organizados no Partido Operário Social-Democrata (nome dos marxistas organizados e ligados a II Internacional Socialista, fundada sob a direção de Engels) a) Esquematicamente, os bolcheviques - tendência dirigida por Lênin - defendiam que a revolução para derrubar a autocracia czarista seria democrático-burguesa, isto é, a economia seguiria sendo dominada pelo regime da propriedade privada. Mas, diante da força social do proletariado concentrado em grandes fábricas e do temor da burguesia da mobilização revolucionária, a revolução deveria ser dirigida pelo proletariado em aliança com o campesinato, maioria da população, i n a u g u r a n d o u m a d i t a d u r a democrática revolucionária cujo objetivo, além da queda da autocracia e da conquista de amplas liberdades democráticas, seria o de adotar medidas de melhoria da vida do povo, sobretudo a reforma agrária, a partir do qual se desenvolveria um capitalismo não asiático, moderno, estimulando a industrialização, um novo regime político democrático, onde a luta do proletar iado diretamente pe lo socialismo se daria em melhores condições. Para tanto, o papel do partido era determinante. Em outras palavras, os bolcheviques e Lênin defendiam a realização de uma revolução burguesa conquistada por uma luta democrático-revolucionária, em que o proletariado defenderia um novo governo e um novo poder cuja característica seria a ditadura democrática do proletariado e do campesinato a partir do qual se inauguraria a luta direta pelo socialismo, cujas tarefas estariam mais próximas quanto mais profunda fosse a revolução democrática. Para o senso comum parecem antagônicas as idéias de ditadura e democracia. Mas o marxismo demonstrou que mesmo a mais democrática das repúblicas burguesas é uma ditadura da burguesia sobre o proletariado, uma ditadura no caso de uma classe minoritária submetendo uma maioria. Assim, a ditadura defendida por Marx e Lênin era a inversão do domínio de

classes, isto é, a ditadura da maioria sobre a minoria. No caso a maioria seria todo o povo contra os defensores da autocracia e da contra-revolução. Por isso o conceito de ditadura democrática, acrescida da especificação “proletariado e campesinato”, indicação dos sujeitos sociais dominantes politicamente no novo regime político.b) A posição dos mencheviques - tendência de oposição a Lênin - era de que a revolução também seria burguesa, e que por isso mesmo quem deveria dirigir a revolução era a burguesia, cabendo aos socialistas impulsionar a revolução, mas serem cautelosos para manter a burguesia na oposição ao czarismo para que a mesma não abandonasse a luta contra a autocracia e deixasse desamparado o proletariado(...). Toda sua estratégia, portanto, centrava-se na defesa da instauração de um regime parlamentar burguês estável onde eles fossem a oposição.

c) E havia a posição de Trotsky - na época um político independente das duas frações - de que a revolução contra o czarismo e a autocracia assumiria um caráter socialista porque os operários seriam a vanguarda da revolução, perspectiva reforçada por seu peso social, sua concentração industrial e, nesta condição, não aceitariam conquistar o poder e manter a exploração da burguesia, o que quer dizer que o poder operário teria como desdobramento a implementação de medidas socialistas, concretamente, a alteração do regime de

propriedade com a expropriação da burguesia. Nas palavras do próprio Trotsky, sua posição foi assim

resumida: “a revolução, que começará como uma revolução burguesa quanto às suas primeiras tarefas, depressa levará as classes hostis a enfrentarem-se e não poderá conseguir a vitória final se não transferir o poder para a única classe capaz de se colocar à cabeça das massas oprimidas, o proletariado. Uma vez no poder, este não só não quererá, mas não poderá limitar-se à execução de um programa democrático-burguês; (...) O programa democrático-burguês da revolução será ultrapassado, ao mesmo tempo que as suas limitações nacionais e a dominação política temporária da classe operária se desenvolverão numa ditadura socialista prolongada (...) Uma vez tomado o poder, o proletariado não poderá permanecer nos limites da democracia burguesa: terá que adotar a tática da revolução permanente, quer dizer, ultrapassar as barreiras entre programa mínimo e programa máximo da social-democracia (comunistas), realizar reformas sociais sempre mais radicais, e procurar um apoio

Trotsky, Lenin e Kamenev

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direto e imediato na revolução na Europa Ocidental.Como se vê, a posição de Trotsky se aproximava dos bolcheviques ao definir o

proletariado como a vanguarda da revolução, como sujeito social determinante do processo - separando-se, neste sentido, da posição menchevique. Por outro lado, separava-se dos bolcheviques que sustentavam o caráter democrático-burguês, não socialista da revolução, definição sociológica comum entre estes e os mencheviques, embora politicamente, como veremos, suas políticas eram opostas. A posição de Trotsky, entretanto, não era que a revolução era diretamente socialista, mas se transformava em socialista porque sua dinâmica de classe empurrava nesta direção. Ao mesmo tempo coincidia com os mencheviques em não defender a necessidade de um partido revolucionário centralizado(...).

Lênin identificava as posições dos mencheviques como expressão russa da ala oportunista da II Internacional e criticava Trotsky por sua posição de aliança com os mencheviques na questão do partido, criticando também a este por não hierarquizar a importância da aliança com o campesinato para a realização da revolução que se avizinhava, embora tal critica jamais tenha tido o conteúdo, como a atribuiu o aparelho estalinista, de modo calunioso, segundo o qual Trotsky se opunha a aliança operária e camponesa.

Não é ocioso discutir estas distintas formulações. Os defensores de uma política de conciliação com a burguesia nos processos revolucionários, sobretudo, na história recente, os PCs vinculados com as posições políticas da burocracia do Kremlin, ou da China, por exemplo, trataram de se apoiar na autoridade de Lênin para defender sua política de conciliação com a burguesia.

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90 anos da Revolução Russa

Os primeiros marxistas russos George Plekhanov, Vera Zazulich e Pavel Axelrod constituem o jornal Iskra (a centelha) juntamente com Vladimir Ilitch Ulianov (Lênin), Yuri Martov e Nadezhda Krupskaya (companheira de Lênin). Este jornal, como plataforma central propõe a o r g a n i z a ç ã o , e d u c a ç ã o e desenvolvimento da classe trabalhadora russa e oferece às organizações clandestinas da Rússia um programa e um plano de ação, consignas políticas e diretrizes práticas para a constituição de uma organização clandestina.

Os iskristas foram muito importantes para a difusão do pensamento marxista em escala internacional, já que, em função dos numerosos exílios os revolucionários mantinham contatos e tinham enviados em muitos países da Europa. Esta experiência serviu de base para a concepção de organização defendida pela fração bolchevique, organizada por Lênin posteriormente, a i n d a q u e a m a i o r i a d o I s k r a inicialmente não o tenha acompanhado.

Teoricamente, a sistematização dessa experiência vai aparecer no livro Que fazer? em 1902, no qual Lênin vai p o l e m i z a r c o m o s m a r x i s t a s “economistas” que ins is tem na necessidade de adaptar o marxismo ao atraso russo e assim negam as condições e a necessidade de um partido operário na Rússia. Lênin insistirá na necessidade de ter um veículo de organização e educação às massas, propondo assim o

jornal como órgão central do partido e principal veículo de propaganda e influência sobre as massas trabalhadoras. Já nesse momento Lênin esboçava sua concepção partidária com um núcleo central de revolucionários profissionais que, apesar de seu caráter conspirativo, muito inspirado no jacobinismo francês e fruto das próprias condições ilegais do partido, deveria orientar sua política ao movimento de massas sem separar-se dele j a m a i s . U m p a r t i d o q u e combinasse a ação legal e ilegal. Segundo ele mesmo vai escrever mais tarde, “O Part ido, a vanguarda da revolução socialista pode e deve estar um passo à frente dos trabalhadores, mas jamais dois”.8 Direção do Soviet de Petrogrado em 1906

Revolução Governo

Democrático-burguesa

Democrático-burguesa

Socialista

Burguês

Ditadura Democrática do Proletariado e

do Campesinato

Ditadura do Proletariado

Resumindo...

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uaisquer que tenham sido as responsabilidades de Lênin e de sua fração na cisão de 1903, vimos que não a haviam desejado, nem previsto, nem preparado, que lhes surpreenderam Q

intensamente e que, sem ceder a seus princípios, não por isso deixaram de trabalhar para conseguir uma reunificação que, certamente, esperavam colocar sob sua bandeira, mas que, sem dúvida, não podia dar origem senão a um partido mais amplo e menos homogêneo que o constituído durante todos aqueles anos pela fração “dura” dos bolcheviques. Desde 1894, Lênin afirmava em sua polêmica com o populista Mijailovsky:

“É rigorosamente certo que não existe, entre os marxistas, unanimidade completa. Esta falta de unanimidade não revela a debilidade, mas a força dos social-democratas russos. O consenso daqueles que se satisfazem com a unânime aceitação de “verdades reconfortantes”, essa terna e comovedora unanimidade, tem sido substituída pelas divergências entre pessoas que precisam de uma explicação da organização econômica real, da organização econômica atual da Rússia, uma análise de sua verdadeira evolução econômica, de sua evolução política e da do resto de suas superestruturas”.

A vontade de reunificação que surge imediatamente antes de 1905, se explica tanto pela confiança que deposita em suas próprias teses, como pela convicção de que os inevitáveis conflitos que surgem entre os social-democratas podem ser solucionados no seio de um partido que seja como a sede de todos eles:

“As divergências de opinião no interior dos partidos políticos ou entre eles, escreve Lênin em julho de 1905, se solucionam em geral não apenas com as polêmicas, mas também com o desenvolvimento da própria vida política. Em particular, as divergências a propósito da tática de um partido, costumam se liquidar pela adesão dos defensores das teses errôneas à linha correta, já que o próprio curso dos acontecimentos retira da própria tese seu conteúdo e interesse”.

A este respeito, manifesta uma grande confiança quanto à evolução ulterior dos mencheviques, ao escrever no final de 1906:

“Os camaradas mencheviques passarão pelo purgatório das alianças com os oportunistas burgueses, mas terminarão por voltar à social-democracia revolucionária”.

Segundo afirma Krupskaia, em 1910:

Lênin em 1897

Vladimir Illich não duvidava em absoluto que os b o l c h e v i q u e s f i c a r i a m c o m a maioria no seio do partido e que este t e r m i n a r i a p o r a d o t a r a l i n h a traçada por eles, sem dúvida, era necessário que tal decisão afetasse o partido inteiro e não somente sua fração.

A conferência de Praga de 1912 condenará unicamente os liquidadores, inimigos do trabalho ilegal. A colaboração com os “mencheviques do partido” se explica, portanto, não só como uma manobra tática, mas também como reflexo da convicção, expressada desde 1906, de que até a revolução social, a social-democracia apresentará inevitavelmente uma ala oportunista e uma ala revolucionária. Esta é a postura que defende Inés Armand em Bruxelas:

Com a única ressalva dos liquidadores, todo social

democrata tem lugar num partido onde, na Rússia

como no Ocidente, devem coexistir elementos

reformistas

e revolucionários, pois só a revolução, em sua

classe de expressão definitiva do

“desenvolvimento da vida política”, poderá

separá-los nitidamente.

Sugestões de leitura

León Trotsky * Balanço e Perspectivas

* História da Revolução Russa* A Revolução de 1905

Vladimir Illich Lênin*Que Fazer?

* Um passo à frente dois atrás*O Estado e a Revolução

*Duas táticas da Social-democracia*A falência da II Intenacional

Pierre Broué* O Partido Bolchevique

Isaac Deutcher* Trotsky: O profeta armado, O profeta desarmado e O profeta

banido.

John Reed*Os dez dias que abalaram o

mundo

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s revolucionários russos foram formados em uma tradição bastante internacionalista, como O

parte da II Internacional e com muita influência de Karl Kautsky, principal dirigente do Partido Social Democrata Alemão, fundado, entre outros, por Frederich Engels, um dos pais (junto com Karl Marx) do socialismo científico.

Sob essa moldura é que deputados mencheviques e bolcheviques votam juntos na III Duma contra os créditos de Guerra.

Lênin havia afirmado que a entrada da Rússia na guerra era um presente para a revolução. Sabia que constituiria uma fonte de tensões e ocasionaria um enorme desprestigio para o regime czarista acelerando seu fim. Pode-se dizer que o ponto chave das Revoluções de fevereiro e outubro que estavam por vir, era o tema da guerra.

No entanto, aquela seria uma prova pela qual o movimento operário teria de passar e, particularmente, a II Internacional, na qual crescia a tendência reformista. Nesse momento, muitas posições expressas por dirigentes e frações iriam mudar. A começar por Kautsky, considerado até então o “grande mestre do marxismo” do seu tempo, que passa defender uma posição “defensista” sobre a guerra, que implicava em considerar a necessidade da vitória da Alemanha na Guerra como importante para

os socialistas e passa a defender a vitória contra o “inimigo externo”, assumindo uma posição patriota e não de classe. Dentro do próprio Partido Alemão, vozes como a do então deputado Karl Liebknecht e da r e v o l u c i o n á r i a R o s a Luxemburgo, soam contrárias à fórmula defensista de Kautsky e

– juntamente com Lênin, Trotsky, Ovseienko, ex-mencheviques como Alexandra Kollontai e Mártov e outras correntes internacionalistas lideradas por Karl Radek e Angélica Balbanova – passam a defender o “derrotismo” que implicava em colocarem-se contrários à guerra, já que se tratava de disputas entre as burguesias imperialistas, e chamar os soldados a virarem suas armas contra os seus próprios generais em comum com os trabalhadores que encontravam-se nas trincheiras “inimigas”. Tratava-se de transformar a Guerra Imperialista em Guerra Revolucionária contra as classes dominantes. Evidentemente que a II Internacional, naquele momento comandada por Kautsky, estava falida como instrumento de classe e era necessária uma Nova Internacional. Definitivamente essa conclusão vai consolidar-se com o voto do Partido Social-democrata alemão nos créditos de guerra e a expulsão de Liebknecht e Rosa por não terem aceitado a traição. São os dirigentes dissidentes da linha defensista que irão formar o núcleo que construiu a III Internacional (Internacional Comunista), fortalecidos pelos acontecimentos de 1917 na Rússia.

Basta de frases, basta de «marxismo» prostituído a la Kautsky! Depois de 25 anos de existência da II Internacional, depois do manifesto de Basiléia, os operários não acreditarão mais em frases. O oportunismo mais do que amadureceu, passou definitivamente para o campo da burguesia, transformando-se em social-chauvinismo: ele rompeu espiritual e politicamente com a social-democracia. Romperá com ela também organizativamente. Os operários reclamam já uma imprensa «sem censura» e reuniões «não autorizadas», isto é, organizações clandestinas para apoiar o movimento revolucionário das massas. Só tal «guerra à guerra» é uma causa social-democrata e não uma frase. E a despeito de todas as dificuldades, das derrotas temporárias, dos erros, dos enganos, essa causa levará a humanidade à revolução vitoriosa

Rosa em seu escritório

Karl Liebknecht à frentedas mobilizações contraa Guerra

Rosa Luxemburgofala aos operários alemães - 1918

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guerra acentuou a situação de crise econômica e social crônica que passava a Rússia: a mobilização de 14 milhões de soldados, o desabastecimento do A

exército e das cidades, o aumento dos preços, a carência de matérias primas etc., aprofundaram as tensões sociais.

Ao mesmo tempo, as tropas russas, mal alimentadas, mal equipadas, dirigidas por oficiais sem autoridade e compostas em sua maioria por camponeses recrutados contra sua vontade, foram derrotadas sistematicamente pelos alemães. A desmoralização proliferou entre os soldados e as deserções estiveram na ordem do dia, fortalecidas pela propaganda bolchevique.

A monarquia czarista era representada por Nicolau II e estava sob comando de sua esposa, a czarina, e seu conselheiro, o monge Rasputín. Frente à crise, os membros mais progressistas do Parlamento tentaram buscar uma via democrática. Mas o imobilismo do czar e seus colaboradores reacionários fracassaram e deram lugar à revolução.

A revolução começou após a manifestação de 23 de fevereiro em comemoração ao Dia da Mulher em São Petersburgo, cujo lema se resumia a "paz e pão". Conforme nos informa Trotsky, Os social-democratas se propunham a festejá-lo de forma tradicional: com assembléias, discursos, manifestos etc. Não passou pela cabeça de ninguém que o Dia da Mulher pudesse converter-se no primeiro dia da revolução.

Apesar da excitação evidente das massas, nem mesmo os bolcheviques orientaram que se fizesse greve. Considerava-se, naquele momento, que o Partido não era suficientemente forte para dar

conseqüência às mobilizações que tendiam, dia a dia, ao choque aberto, além de não haver suficiente relação entre os operários e o s s o l d a d o s . N o e n t a n t o , e passando por cima das organizações revolucionárias,

greves foram declaradas tendo como principais atrizes as operárias do ramo têxtil (muitas delas esposas de soldados chamados à 1ª Guerra), fortalecidas pelas pessoas que engrossavam as kilométricas filas nas padarias. A multidão espontaneamente foi às ruas pedindo pão, o fim da guerra e a queda da autocracia. Era um movimento sem medo e era corrente o comentário de que os cossacos haviam prometido não atirar. E, de fato, não atiraram. O Dia da Mulher mobilizou pelo menos 90.000 pessoas com entusiasmo e sem vítimas.

No dia seguinte, ainda surpreendendo, o movimento grevista se fortalece ainda mais. Metade dos operários de São Petersburgo parou. Agora já se podia notar que crescia a organização e politizava-se o movimento. Os operários faziam reuniões em frente às fábricas, enfrentavam a polícia sem dispersar e, cercando os quartéis, buscavam o diálogo com os soldados do exército para que se somassem às forças revolucionárias. Em 24 de fevereiro, a Duma Nacional estava totalmente tomada pela multidão. Em 25 de fevereiro os trabalhadores declaram Greve Geral que em seguida se estende por outras cidades; No dia 26, se amotinam nos quartéis, as tropas se negam a disparar contra os grevistas. Insurgente,

a guarnição de Moscou torna-se um soviet de soldados, operários e

camponeses. Dia 27 cria-se o chamado Governo Provisório presidido pelo príncipe Lvov e Kerensky (advogado e membro do Partido Trabalhista) como ministro de Guerra e da Justiça. Nicolau II, que tinha se transferido ao front para dirigir as tropas, abdicou de sua posição em 3 de março, devido à falta de apoio no próprio exército. Em decorrência disso, estabeleceu-se a República e se pôs fim a uma dinastia, a dos Romanov, que governava o país há 300 anos. A República foi representada pelo Governo Provisório, composto por liberais b u r g u e s e s e s o c i a l i s t a s m o d e r a d o s (mencheviques). Tinham o objetivo de transformar a Rússia em um país democrático-burguês como os ocidentais.

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Governo Provisório foi uma tentativa de operar, através da conciliação das classes contrárias ao Czar, um governo O

democrático-burguês. Seguindo a linha que historicamente defendiam, os mencheviques (que no momento dirigiam o Soviet de São Petersburgo, agora Petrogrado) entraram no Governo em aliança com a burgeusia liberal.

Evidentemente, os mencheviques foram forçados a abandonar outras posições, também históricas, particularmente sobre a Guerra, à qual se opunham veementemente e, por pressão da burguesia decidiram continuar. Por outro lado, haviam prometido reformas que melhorariam a vida do povo e que a burguesia os impediu de realizar, com medo da mobilização popular.

Além da insatisfação popular, o Governo provisório teve de lidar com o patrimônio mais importante das lutas de 1905: os soviets. Estes surgem como organismos essencialmente anti-regime e se renovam pouco a pouco, almejando uma sociedade mais igualitária, não-burguesa e por fim, após anos de propaganda e educação da esquerda, acabam por defender o socialismo.

Em abril, cresce a onda de protestos contra a guerra, Lvov renuncia e é nomeado Kerensky como chefe do Governo Provisório. Neste momento é importante observar que o desfecho da revolução chegava a seu ponto mais importante. As manifestações chegavam a juntar 800 mil pessoas no enterro dos mortos de fevereiro, mais de um milhão no 1º de maio, e era evidente a fraqueza do Governo Provisório. Uma política audaz dos bolcheviques fez com que, pouco a pouco, fossem ganhando o movimento de massas. Mas isso não se deu naturalmente e, certamente, muito se deveu à política encabeçada por Lênin.

Lênin tinha a peculiaridade de ser, dentro do partido bolchevique, o único representante da antiga geração que fundou o POSDR, já que Mártov e Plekhanov eram direção dos mencheviques.

Devido à sua experiência e também à sua personalidade, na qual combinava a firmeza do

marxismo e da estratégia socialista à flexibilidade tática, era, por assim dizer, o grande mentor da fração bolchevique posteriormente convertida em Partido. Um partido fundado numa tradição de militantes profissionais, educados tanto nas lutas sociais quanto nas importantes lutas internas. Lênin, escrevendo a Bukharin e defendendo a necessidade de contestar os dirigentes, chega a afirmar que mais do que imbecis disciplinados o partido precisava dos inteligentes sem disciplina, ainda que sempre tenha sido um exemplo de disciplina, mesmo quando em minoria. Não é exagero dizer, que o estalinismo foi a própria negação do leninismo nesse aspecto.

Neste momento, Lênin encontrava-se exilado, porém muito atento à situação da Rússia. Os bolcheviques, no entanto, não enxergavam ainda a mudança da situação objetiva e continuavam com uma política de exigências ao Governo Provisório (Fora os Ministros Capitalistas!), inclusive propondo na Conferência de 1º de abril (através de Kamenev e Stalin) a reunificação da social-democracia sob esses marcos.

Eis que as famosas Teses de Abril de Lênin vão sacudir o Comitê Central bolchevique. Lênin que já havia mandado à direção do Pravda (jornal dos bolcheviques) as cartas de longe que esboçavam um programa que orientava a mudança do caráter da revolução russa, mas os bolcheviques não as publicaram por avaliarem que Lênin estava mal informado. Tratava-se de apontar diretrizes para uma revolução de conteúdo socialista e não mais democrático-burguês. Em seu discurso de retorno à Rússia, recebido por uma delegação gigantesca do Soviet de Petrogrado, anuncia a necessidade de combater a política de conciliação dos mencheviques. Em 7 de abril, no Pravda, coloca claramente o papel do Partido de ajudar as massas trabalhadoras a realizarem sua experiência com vistas à insurreição. A última “tese” de abril fala que é necessário “trocar a camisa suja” da social-democracia e propõe mudar o nome do Partido para Partido Comunista. Estavam programadas as eleições e não se poderia confundir com o governo cada vez mais desacreditado pelas massas. Trotsky chega em maio e, da mesma forma, na estação de trem anuncia a mudança do conteúdo da revolução

"Os Soviets, do modo mais perfeito, representam o povo, por sua

experiência revolucionária, suas idéias e seus fins. Apoiando-se diretamente

nas tropas do front, nos operários das fábricas e no campo, os Soviets

constituem realmente a espinha dorsal da revolução”.

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onfirmando muitas das previsões de Lênin e Trotsky, em julho, C

após grandes mobilizações e inclusive contrariando as orientações dos dirigentes bolcheviques, os operários promovem uma insurreição armada contra o Governo provisório.

Nesse momento o debate se intensifica no Partido e Lênin segue sustentando a necessidade de preparar a insurreição e tomar o poder. Também se intensifica a repressão: milhares de jornais confiscados, prisões, sedes bolcheviques fechadas... Enfim, frente a uma situação difícil, de um levante não programado, feito de forma desorganizada e sem direção política, o Partido decide mandar Lênin para a Finlândia, lugar onde ficará até outubro.

Evidentemente, em função de anos de preparação na clandestinidade e no trabalho ilegal, os bolcheviques não saíram tão golpeados como esperava o Governo, logo em seguida já estariam com jornais (legais e ilegais) circulando novamente. O governo acabou dando um “tiro no pé”, pois a solidariedade dos operários e soldados aos bolcheviques aumentou enormemente

à medida que foram os principais atacados e eram os únicos que n a q u e l e m o m e n t o c o n t i n u a v a m s e n d o conseqüentes na luta contra a Guerra e por uma paz democrática. Mais do que nunca assumia força a consigna Todo Poder aos Soviets!!

Manifestação dos Soviets

pós os acontecimentos de julho, o General Lavr Korni lov fo i A

apontado Comandante-em-Chefe do Exército Russo. Kornilov, assim como a maior parte da classe média russa, acreditava que o país estava se deteriorando e que uma derrota militar na guerra seria desastrosa para o orgulho e honra russas. Ele anunciou que Lênin e seus "espiões a lemães" dever iam ser enforcados, os sovietes eliminados, a disciplina mi l i tar restaurada e o Governo Provisório deveria ser “reestruturado”.Kerensky o demitiu em 9 de setembro, por suspeita de que este pretendia criar uma

d i t a d u r a m i l i t a r . Kornilov respondeu com um chamado a todos os russos para que “salvassem sua pátria moribunda” e o r d e n o u a s e u s cossacos e chechenos que avançassem sobre Petrogrado, com a ajuda de especialistas e equipamentos britânicos. Sem poder confiar em seu próprio exército, Kerensky buscou ajuda na organização militar bolchevique, os Guardas Vermelhos.A população da capital mobilizou algumas milícias populares para defender Petrogrado. Muitas delas foram criadas com a ajuda dos bolcheviques. Estes também enviaram comissários aos acampamentos de Kornilov para disseminar sua propaganda. A tentativa de golpe de Kornilov foi frustrada sem derramamento de sangue, pois seus cossacos desertaram.Aqui é importante ressaltar a política dos bolcheviques para a derrota definitiva do Golpe. Mesmo com a clareza de que era necessária a derrota definitiva de Kerenski, os bolcheviques, através de sua influência sobre os Soviets, sobre os sindicatos, sobre os marinheiros e soldados do front, chamam incansavelmente a unidade entre os setores da esquerda e inclusive com o Governo, apesar de suas vacilações. Lênin e sua fração agitam a palavra de ordem “Sobre o ombro de Kerenski, atiremos contra Kornilov!”Seu fracasso, no entanto, não deixou dúvidas sobre a debilidade do Governo de Kerensky. Às vésperas da Revolução de Outubro, a situação do Governo Provisório fica clara na fala de um soldado russo da 48º divisão, defendendo sua deserção e contra a pena de morte instaurada por Kerenski nas tropas:

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Camaradas! Os que ocupam o poder nos exigem sacrifício; mas deixa tranqüilos os que tudo possuem... Estamos em guerra com a Alemanha. Pedimos, por acaso, aos generais alemães que sirvam em nosso Estado Maior? Pois bem, estamos em guerra com os capitalistas e, no entanto, pedimos que nos governem... O soldado quer saber por que e por quem luta. Por Constantinopla, pela libertação da Rússia, pela democracia ou pelos bandidos capitalistas? Demonstrem-me que luto pela revolução, e então marcharei e combaterei, sem necessidade de que me ameacem com pena de morte... Quando a terra pertencer aos camponeses, as fábricas aos operários e o poder aos Soviets, então saberemos que temos algo e combateremos para salvá-lo.

Dentro do Partido, as opiniões também começavam a mudar. Ao p a s s o q u e L ê n i n i n s i s t i u veementemente na necessidade de tomar o poder, é a posição de Trotsky que parece ser mais plausível e começa a g a n h a r f o r ç a n a s f i l e i r a s bolcheviques, apesar deste não fazer parte do partido ainda. Trotsky, como já vimos, também era um defensor da insurreição (diferentemente de Kamenev, por exemplo, que pede demissão do Comitê Central e chega a combater publicamente a resolução favorável à insurreição com o argumento de que seria uma aventura já que os operários que os apoiavam e r a m p a c i f i s t a s e n ã o revolucionários), porém colocava a necessidade de que a tomada do poder fosse preparada para o Congresso pan-russo dos Soviets a realizar-se em outubro. E sua opinião tinha um peso decisivo já que após sua volta à Rússia em maio, havia se convertido no orador mais simpático às massas e acabara preso após as manifestações armadas de julho por isso.

Nesse momento convencidos da possibilidade real de dirigir o processo, os bolcheviques buscam a ampliação de sua influência sobre as massas russas. Participam das eleições municipais nas quais conseguem ótimos resultados, promovem a agitação permanente no exército e na marinha, constróem sindicatos e comissões de fábricas, quadruplicam a tiragem dos jornais (de 100 mil passam a 400 mil por semana) e lutam para consolidar, no jogo do duplo poder, a força dos Soviets e autoridade do Partido frente a estes.

A importância da Direção política na revolução de outubro

evolução da situação confirma dois aspectos fundamentais para compreender os acontecimentos posteriores: 1) que a Alinha apresentada por Lênin e Trotsky materializada nas

Teses de Abril era a mais correta para aquela situação. Ela permitia ganhar uma influência sobre as massas, naquele momento, indignadas com a Guerra, com a miséria, com a traição do Governo Provisório e, de forma prática, resolvia as polêmicas sobre o caráter da revolução.

Resolvia, particularmente, porque a Revolução de Fevereiro havia instaurado um governo de coalizão com a burguesia, com aspirações liberais, que acabou por provar o quão equivocados estavam os mencheviques. Não tanto com relação à natureza da Revolução Russa que continuava a ter tarefas democráticas por concluir mesmo em outubro, mas, fundamentalmente, com relação a qual o sujeito social e político que as realizaria. Pode-se dizer que a tomada do poder em outubro de 1917, confirmou o caráter submisso das burguesias dos países periféricos, e mais que isso, materializou uma síntese entre a tese da Revolução Permanente de Trotsky e a Ditadura Democrática do Proletariado e do Campesinato de Lenin e; 2) que apesar da Revolução ter sido feita por uma aliança entre o campesinato pobre e o proletariado urbano, a hegemonia proletária, no sentido da natureza socialista das tarefas, só seria garantida pelo peso da fração, agora Partido, bolchevique. Ou seja, que a construção encabeçada por Lênin desde 1898, com o POSDR, e particularmente o modelo de partido apresentado em 1903 por ele, se mostrara correto para estar à altura das tarefas, no momento decisivo. Era o Partido que sabia combinar a ação de massas com a clandestinidade, que conseguia combinar um núcleo “duro” de revolucionários profissionais com a propaganda e agitação, com vistas a um enraizamento no seio do proletariado e do povo. A fração bolchevique soube utilizar-se das manobras políticas necessárias para dividir a burguesia, para derrotar o oportunismo internamente e externamente ao proclamar a necessidade da III Internacional, sem jamais desviar-se de seus princípios, mas com uma flexibilidade tática impressionante. Talvez essa seja a maior lição que aqueles revolucionários deixaram para a nossa luta atual. É o VI Congresso que vai consolidar essa política, no qual é eleito o Comitê Central composto por 21 membros, sendo 16 da fração bolchevique: Lênin, Zinoviev, Trotsky, Kamenev, Reizin, Dzerzhínsky. Miliutin, Ríkov, Stalin, Svérdlov, Alexandra Kolontai, Bubnov, Muránov, Shaumián, Noguín, Bujarin, Sokólnikov, Artem Sergueiev, Uritsky, Yoffe e Smilgá. Conforme Pierre Broué: “Tal e como aparece então, representa já perfeitamente a imagem do jovem, mas já curtido partido: Lênin, com 47 anos, é o veterano do comitê central do qual onze membros têm entre 30 e 40 anos e três menos de 30 anos. Iván Smilgá tem 25 anos, é militante bolchevique desde 1907”.

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Os Soviets já controlavam uma parte importante do poder na Rússia, configurando-se uma verdadeira dualidade de poderes e o rumo dos acontecimentos favoreciam à posição de Lenin e Trotsky . Em 10 de outubro em meio a intensa agitação, Lênin retorna a Petrogrado, sede do Congresso dos Soviets. O Governo procura impedir a realização do Congresso, mas este já não reconhecia mais o governo. Um Comitê Militar Revolucionário é formado e, sob o comando de Trotsky, é reconhecido como “Estado Maior da Revolução”. Conforme carta enviada ao Comitê Militar Revolucionário: “A guarnição de Petrogrado já não reconhece o Governo Provisório. Nosso governo é o Soviet de Petrogrado. Não obedeceremos nenhuma ordem, afora as que venham do Soviet de Petrogrado conduzido por seu Comitê Militar Revolucionário”.Do final do mês de setembro ao dia 25 de outubro desenvolve-se uma verdadeira queda de braços entre os dois poderes instaurados: o Governo Provisório através da Duma municipal e o Soviet de Petrogrado em nome de todos os soviets do país. Conforme nos diz John Reed: A imprensa burguesa estava inquieta. A Birshevta Vie-domosti (Noticias da Bolsa) denunciava a propaganda bolchevique como um ataque contra "os mais elementares princípios da sociedade: a segurança individual e o respeito à propriedade privada". O Governo encontrava-se sem saída e havia forçado parte das tropas a defenderem o Palácio de Inverno. Instaura Estado de Sítio e as tropas Kornilovistas chamam a guerra civil, passam a desfilar os soldados da reação pelas ruas de Petrogrado, mas a mobilização

é intensa e trata de aplastá-los. O Comitê militar revolucionário bombardeava de cartas a reunião dos membros do governo pedindo que este renuncie para evitar o derramamento de sangue. O Governo ainda chamou uma negociação e enviou representantes ao Palácio da Táurida (sede do soviet) para tentar impedir a insurreição, mas já era tarde. Sob o Comando de N.I. Podvoisky, G.I. Tchudnovski e Antónov Ovseienko como um exemplo de disciplina revolucionária o Palácio de Inverno é tomado pelo povo sem que haja roubos ou destruição das “riquezas do povo”, como se referiam.À 1h da manhã um destacamento de marinheiros e soldados ocupou a central de telégrafos. À 1h e 35min foi

ocupado o edifício dos Correios. Ao amanhecer, tomou-se o hotel Militar, e às 5h a central telefônica. Às 10h da manhã formou-se um cordão de tropas em torno do Palácio de Inverno. Dos 650 deputados do congresso pan russo dos soviets, 390 são bolcheviques, 150 social-revolucionários, aproximadamente, votaram com eles. A presidência do novo comitê executivo compreendia 14 bolcheviques, de um total de 25 membros. Ao lado dos dirigentes do partido, os membros do comitê central - Lênin, Trotsky, Zinóviev, Kámenev, Rikov, Noguin e Kolontai, figuram veteranos militantes como Riazánov, Lunacharsky, Murálov, Stutchka, e os dirigentes da insurreição como Antónov Ovseienko, do comitê militar revolucionário, Krilenko e o jovem Skliansky.

O manifesto divulgado após a tomada do Palácio dizia:

Cidadãos da Rússia!

O Governo provisório foi derrubado. O poder passou às mãos do Comitê Militar

Revolucionário, órgão do Soviet de Deputados operários e soldados de Petrogrado, que se

encontra à cabeça do proletariado e da guarnição de Petrogrado.

A causa pela qual o povo se lançou à luta -proposição imediata de uma paz democrática,

abolição da grande propriedade da terra, controle da produção pelos trabalhadores, criação de um governo soviético - triunfou

definitivamente.Viva a revolução dos operários, soldados e

camponeses!

O Comitê Revolucionário do Soviet de Deputados

1ª Reunião dos Soviets de Toda a Rússia

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O Governo promulgou em 26 de outubro vários decretos fundamentais:

* Decreto sobre a terra: sancionou a nacionalização e divisão dos latifúndios do Estado, da nobreza e da Igreja. A grande propriedade foi abolida sem indenização. As terras dos pequenos agricultores não foram expropriadas.

* Decreto sobre a paz: assinou um armistício com a Alemanha como passo prévio à paz de Brest-Litovsk de março de 1918. Por este tratado, Rússia perdia Polônia, Estônia, Letônia e Lituânia, e concedia a independência à Finlândia e à Ucrânia. * Decreto sobre as nacionalidades: os povos do antigo império obtiveram o direito à autodeterminação.

* Decreto sobre as empresas e os bancos: o Novo Estado passou a controlá-los. Aboliu-se a propriedade privada.

* Convocatória de eleições e formação de uma Assembléia Constituinte. Entretanto, assumiu o controle do Estado um Governo de Comissários do Povo, provisoriamente. Após a realização das eleições em 25 de novembro, esta mesma foi dissolvida, rompendo definitivamente com o modelo do Estado burguês. O conselho de Comissários do Povo e o Congresso dos Soviets se converteram nos principais órgãos de representação, tal como estava previsto na Constituição de 1918. Um dos Grandes obstáculos encontrados pelos bolcheviques foi a constituição desse Estado de Novo Tipo e Lênin será um dos principais elaboradores sobre o tema, em seu célebre livro O Estado e a Revolução.

Em O Estado e a Revolução, Lênin faz a exposição mais completa e sistemática da teoria marxista do Estado, que fora deturpada por Kautsky e outros oportunistas. A obra é finalizada em agosto-setembro de 1917, no contexto da Revolução Russa de 1917. Além dos fatos concretos destes períodos, Lênin traz à tona os conceitos de Marx e Engels baseados na experiência de 1948-1952 e da Comuna de Paris. A análise desta obra é importante porque, com o amadurecimento da revolução socialista na Rússia e numa série de outros países, a questão do Estado se apresentava “como uma questão de ação imediata e, além disso, ação de massas”.Os ideólogos da burguesia, e também os oportunistas dentro dos partidos socialistas, apresentavam inúmeras teorias sobre o Estado que tinham por objetivo justificar a dominação das classes exploradoras e dissimular a natureza de classe do Estado Burguês. Vejamos a seguir como Lênin aborda a questão do Estado na Rússia revolucionária.

Quando Engels analisa o surgimento do Estado, ele ao mesmo tempo responde à pergunta sobre o que é o Estado. O Estado surge na medida em que os antagonismos de classes não podem mais ser conciliados. Ele é o resultado do antagonismo irreconciliável das classes. A existência do Estado prova, portanto, que o conflito entre as classes opostas chegou a um determinado ponto que a convivência pacífica entre elas é praticamente impossível. Onde há classes sociais diferentes, há também desigualdades e interesses diversos que não podem ser conciliados. Daí a necessidade da instituição de um poder público que se coloca aparentemente acima da sociedade, como um árbitro destinado a apitar as regras do jogo. Este poder público, ou seja, o Estado compreende não somente pessoas armadas (polícia, exército) e funcionários, como também prisões, tribunais, instituições (escolas, universidades, igrejas, etc.). Esta força que se chama Estado é a própria

O surgimento do Estado

sociedade, mas que se organiza de forma separada ou superior a ela, capaz de ditar as regras de uma determinada “ordem”. Os funcionários do Estado, por exemplo, considerados como órgãos da sociedade, são colocados acima da sociedade através do direito de cobrança dos impostos, pois para manter um poder público separado da sociedade e situado acima dela, os impostos e uma dívida pública são necessários. Como o Estado nasceu da necessidade de frear a luta de classes, resulta, em princípio, que o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, também graças a ele, torna-se a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada. Sendo assim, o Estado é o representante oficial da sociedade, mas só o é como Estado da própria classe que representa em seu tempo toda a sociedade: o Estado de cidadãos proprietários de escravos na Antiguidade; o Estado da nobreza feudal na Idade Média; e o Estado da burguesia de nossos dias. Portanto, o Estado é o órgão que legitima a dominação de classes e não, ao contrário, um órgão de conciliação de classes, como pensavam os idealistas. Ele é, isto sim, um instrumento de submissão de uma classe por outra. É a criação de uma “ordem de cima” que legaliza e consolida essa submissão, amortecendo a colisão das classes. Em 1917, quando a questão do Estado foi posta na prática, todos os socialistas-revolucionários e todos os mencheviques caíram na teoria burguesa da conciliação de classes pelo Estado. Inúmeras resoluções e artigos desses políticos estão impregnados dessa teoria oportunista. “Eles, dizia Lênin, são incapazes de compreender que o Estado seja o órgão de dominação de uma determinada classe que não pode se conciliar com a sua classe inimiga”.

Page 16: 1917-2007: 90 anos da Revolução Russa · 90 anos da Revolução Russa studar a Revolução Russa neste momento histórico pode parecer saudosismo, mas E está longe disso. Após

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O Estado, isto é, uma “força especial” de repressão do proletariado pela burguesia (ditadura da burguesia), de milhões de trabalhadores por um punhado de ricos, deve ser substituída por uma “força especial” de repressão da burguesia pelo proletariado. Isto corresponde à ditadura do proletariado, ou seja, a conquista da democracia, o ato de posse dos meios de produção em nome da maioria. A conclusão que podemos tirar da frase acima é a seguinte: a revolução proletária deve destruir o Estado Burguês, liquidar os seus principais instrumentos de opressão: o exército, a polícia o aparelho burocrático, etc. Contudo, a destruição do Estado burguês não significa de modo algum que a nova sociedade criada pelos trabalhadores p o s s a e x i s t i r e d e s e n v o l v e r - s e , primeiramente, sem um Estado, como afirmam os anarquistas. Para estes, o Estado deixaria de existir sem uma transição política, como se os resquícios da sociedade capitalista, e os próprios capitalistas, deixassem de existir num simples toque de mágica. Sobre a supressão do Estado os marxistas e os anarquistas estão em total acordo. Ambos querem a eliminação do Estado. Mas a experiência histórica das revoluções nos ensina que é necessário utilizar, provisoriamente, os instrumentos, os meios e os processos de poder político contra os exploradores, da mesma forma que é indispensável a ditadura do proletariado para suprimir as classes.Apesar das medrosas tentat ivas dos revisionistas-oportunistas em evitar a ditadura do proletariado, Lênin sublinhou como toda a energia que esta é o fundamento principal do marxismo: “Só é marxista aquele que alarga o reconhecimento da luta de classes até ao reconhecimento da ditadura do proletariado.”

Destruição do Estado eDitadura do Proletariado

Este Estado Proletário começará a desaparecer após a vitória dos trabalhadores, pois em uma sociedade onde não existam os conflitos de classes, o Estado torna-se inútil e impossível de existir. O Estado Proletário é da maioria dos cidadãos. Por ser uma força especial de repressão da maioria contra a minoria, ele torna-se o representante efetivo (e não aparente como é o Estado Burguês) da sociedade inteira.

Justamente por isso torna-se supérf luo. Isto é , durante a transição para o comunismo, a c lasse operária instituirá uma a s s o c i a ç ã o o n d e n ã o existirão as classes nem seus antagonismos. Uma vez que não haja mais nenhuma classe social a

oprimir, um poder de repressão, u m E s t a d o , d e i x a d e s e r necessário. A partir daí, o Estado não é abolido: ele morre.A abolição do Estado, ou seja, a revolução violenta, se refere ao Estado Burguês. Este só pode, em geral, ceder lugar ao Estado Proletário por meio da revolução violenta e não por meio do desaparecimento. Quando não houver mais distinção de classes, não haverá mais necessidade de e s m a g a r n e n h u m a c l a s s e ! Somente a partir daí podemos f a l a r e m l i b e r d a d e . P o i s “enquanto existir Estado não haverá liberdade; quando reinar a liberdade, não haverá mais Estado.”

A transiçãoao Comunismo

Estado Operário:Dificuldades e liçõesApós a tomada do poder muitos problemas, evidentemente, se colocaram. Em 1918, as classes dominantes amparadas nos capitais estrangeiros investem contra o Governo Soviético iniciando uma guerra civil que irá a t é 1 9 2 1 , g e r a n d o p e r d a s econômicas em um país que ainda conservava diversos elementos atrasados, perdas físicas, pois muitos dos principais dirigentes da revolução foram mortos no front e a classe operária foi praticamente eliminada. Junte-se a isso todos os problemas sociais que uma guerra traz, realmente as dificuldades cresceram bastante. Ainda assim o Governo, em conjunto com uma imensa parcela da população, através do chamado “comunismo de guerra”, conseguiu garantir o abastecimento e derrotar os exércitos burgueses, porém o custo disso foi uma hipertrofia do Partido em relação ao Estado e uma burocratização crescente. Após a derrota dos exércitos inimigos há, ainda, uma Nova Política Econômica (NEP) que ao mesmo tempo que desenvolve de

forma muito acelerada a produção de riquezas do país, por basear-se em uma propriedade mista, acaba por fortalecer a pequena burguesia de forma estrutural.Somado a isso, Lênin, a principal expressão do Partido e do Governo, sofre um atentado que debilita drasticamente sua saúde e o leva a falecer em 1924. Não vamos aqui detalhar o pós-revolução e a ascensão do Estalinismo, pois este será objeto de outro curso.A Revolução Russa nos ensina que é possível destruir o capitalismo se houver uma combinação entre uma ampla mobilização e organização das massas, munidas de seus organismos próprios, palavras de ordem simples que traduzam seus ânimos e necessidades, como foi “Terra, Pão e Paz” em 1917, e uma direção política que eduque e leve a frente sem vacilações, com combatividade e disciplina, estas necessidades. Sabendo manobrar politicamente para dividir a classe dominante e atuar para unir a classe trabalhadora rumo a seu truinfo final.

Funeral de Lenin