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C A P Í T U L O 2

O DIREITO: CONCEITO E FUNÇÕES. OS PRINCIPAIS SISTEMAS JURÍDICOS DA

ATUALIDADE

Por mais que eu abra os olhos observo sempre em toda a parte o mesmo fenômeno: ninguém existe só para si; cada um existe ao mesmo tempo para outros, para o mundo (IHERING, 1956, p. 84).

A compreensão do Direito e das suas funções é indispensável -

risdicional dos direitos assegurados pela ordem jurídica.

2.1. A vida em sociedade e a necessidade do DireitoO homem é um ser individual e social. Ou seja, considerado em

si mesmo, ele é único, mas, ao mesmo tempo, necessita do seu se-melhante para sobreviver e se completar.

Neste sentido, os “homens estão em relações uns com os ou--

na, a tal ponto de que esta seria impossível e mesmo inconcebível

ser que precisa se comunicar, amar, receber, dar, trocar etc.. Isso equivale a dizer que “é ‘essencialmente coexistência’, pois não exis-te apenas, mas coexiste, isto é, vive necessariamente em companhia

Os relacionamentos humanos são estabelecidos por meio da comunicação, ocorrendo inicialmente em família, depois na esco-la, no trabalho e entre amigos, por exemplo. Esses relacionamentos

homem é um ser social, que vive em sociedade, que não pode viver

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8 apud MORAES FILHO, 1997, p. 132). Dentre essas regras sociais, podem ser mencionadas as de cortesia, as mo-rais e as religiosas.

André Franco Montoro ensina que as relações sociais podem apresentar-se de diferentes formas, quais sejam:

1ª) relações de integração ou sociabilidade por fusão parcial – nas quais podemos encontrar três graus ou tipos de relaciona-mento: a ‘massa’, que é a modalidade mais fraca de integração,

individuais, como no caso da ‘massa’ dos consumidores, dos desempregados, dos pedestres, unidos apenas pela consciência

ao grau médio de integração ou fusão de consciência, é a forma mais equilibrada, difundida e estável da sociabilidade por inte-gração, tal como ocorre nas organizações sindicais, associações, clubes, famílias, partidos, etc.; a ‘comunhão’, que representa o grau mais intenso de integração das consciências individuais, em um ‘nós’ coletivo, é o tipo que se realiza em raros momen-tos de entusiasmo ou vibração coletivos, como nos períodos de crise ou reivindicações mais sentidas de uma coletividade; 2ª) de delimitação ou sociabilidade por oposição parcial. As de inte-gração caracterizam-se pelo aparecimento de um ‘nós’ enquan-to as de delimitação implicam a existência de um ‘eu’, ‘tu’, ‘ele’, etc. São sempre relações com outros – quer individuais, quer intergrupais – e apresentam-se sob três modalidades: de ‘apro-ximação’, como as decorrentes de amizade, da atração sexual, da curiosidade, das doações, etc.; de ‘separação’, como as lutas de

as trocas, contratos, etc. (MONTORO, 1972, p. 363-364).

A sociedade humana é um “complexo de relações pelo qual vá-rios indivíduos vivem e operam conjuntamente, de modo a forma-

Assim, a sociedade humana é um conjunto das organizações ou as-sociações inter-relacionadas, de tipos bem variados, em que ocor-rem interações entre indivíduos, entre indivíduos e grupos, entre grupos e de indivíduos com bens materiais, bem como, levando-se em consideração as religiões, a relação do homem com o Criador ou Deus.

8 DUGUIT, Leon. Traité de Droit Constitutionnel. 3. ed. Paris: [s.n.], 1927, v. I, p. 3.

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Para Talcott Parsons, “uma sociedade é um tipo de sistema so-cial, em qualquer universo de sistemas sociais, e que atinge o mais

“o núcleo de uma sociedade, como um sistema, é a ordem normativa padronizada através da qual a vida de uma população se organiza

valores, bem como normas e regras diferenciadas e particulariza-

O homem almeja em suas relações sociais conviver de modo har-monioso com os seus semelhantes, porquanto “a pessoa humana re-presenta a combinação de dois elementos inseparáveis – o indivíduo

como requisito indeclinável da vida social, como imposição inevitável do princípio da solidariedade entre os homens, têm estes de sujeitar-se, nas suas múltiplas relações, a regras, a pre-ceitos de conduta, pelos quais a expansão da personalidade de

-meras limitações, adequadas à sua situação no meio e no mo-mento em que se encontra. (LIMA, 1958, p. 59).

individualidade e da sua natureza social, “tendo necessidades, ten-dências e aspirações próprias; compreende, também, que estas ne-cessidades não pode satisfazê-las, nem realizar essas tendências e

(DUGUIT, 2005, p. 19).Destarte, o homem precisa viver em harmonia com os membros

de uma sociedade, unidos por vínculos de solidariedade e de inde-pendência, possibilitando a sobrevivência do grupo social e a reali-

Anota Miracy Barbosa de Souza Gustin que as necessidades do homem sempre se constituíram com natureza social e cultural, mas que existem outras necessidades “humanas básicas generalizáveis não só aos membros de determinado grupo social, mas a todo ser

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humano dotado de uma potencialidade de atividade criativa e in-

quais sejam:1ª) Os indivíduos necessitam sobreviver: a segurança da

sobrevivência tem sido enfocada como a mais funda-mental de todas as necessidades. Mesmo essa necessi-dade, genérica a todos os seres vivos, no ser humano é constrangida pelas determinações socioculturais e

socioculturais e jurídicas.2ª) Os indivíduos dependem de integração societária: as

pessoas necessitam trocar experiências, relacionar-se e participar de uma alocação social de bens e serviços que seja distributiva e justa. Essa é uma característica que se opõe à condição do indivíduo só ou segregado. A integração societária é, também, algo que se constrói historicamente dentro de um corpo de regras diferen-ciado para cada modo de organização social.

3ª) As pessoas necessitam de uma identidade: há que se individualizar os atores, há que se distinguir os papéis

do ser-no-outro. A alocação de responsabilidade com seu grupo ou sociedade, própria do ser humano e importante para a esfera jurídica plural e multicultural, é uma das formas utilizadas para essa individualização. Em certo

-ça de que as ações dos indivíduos decorrem diretamente das escolhas que realizam em determinado contexto.

4ª) A sociedade humana demanda a maximização das competências coletivas e individuais de atividade cria-tiva: a superação das limitações naturais e ambientais e das diversidades culturais do ser humano só é pos-sível a partir de sua capacidade criativa. Para que isso se realize é imperioso que o homem e seu grupamento

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cultural se autodeterminem e se emancipem no senti-do do múltiplo desenvolvimento das potencialidades e possibilidades humanas para superação das restrições. Nesse sentido, é preciso sustentar um patamar mínimo de desenvolvimento humano que permita a atualização e recomposição desse potencial à vista dos direitos hu-manos e de um constitucionalismo transversal. (GUS-TIN, 2010, p. 405-406).

Existem necessidades humanas que ultrapassam a esfera indi-vidual e de determinado grupo social, atingindo toda a espécie hu-mana, sendo preciso para o seu atendimento “um patamar mínimo de desenvolvimento das potencialidades e possibilidades huma-

De outro lado, a necessidade que o homem tem de conviver com seus semelhantes traz a consciência da sua dependência do outro e da sua fraqueza como ser isolado, condenado a viver em constante contradição e ambivalência, ocasionando uma tensão implícita com a sociedade. Isso porque,

se eu preciso dos outros, quer dizer que dependo deles, ou seja, que estou sujeito aos outros. Por outro lado, uma vez que me sirvo dos outros para satisfazer as minhas necessidades – que,

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sociais, se por um lado dá origem ao direito como instrumento

que o próprio direito assuma, como veremos a seguir, o caráter de ambivalência característico das relações entre os indivíduos e a sociedade. (LUMIA, 2003, p. 24).

A vida social é, desta feita, uma necessidade. Contudo, apesar da existência de regras sociais e de o homem almejar viver em har-

convivência, colocando-a em risco.9

ultrapassam a necessidade em sentido estrito) e a incapacidade individual e social de satisfazê-los plenamente, quer pela ineliminável interdependência entre os homens, quer pela escassez de bens apropriáveis ou produzíveis em quantidade e condições

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A vida em sociedade é uma necessidade, sendo preciso prevenir

ao surgimento do Direito, com a edição de normas de condutas vol-tadas para a disciplina das relações humanas, objetivando garantir a sobrevivência da espécie humana e criar as condições inerentes à consecução dos objetivos individuais e sociais. Logo, o Direito exis-te porque ocorrem ou podem ocorrer comportamentos contrários às regras sociais de conduta, prescritas ou socialmente toleradas. 10

A vida em sociedade exige um mínimo de certeza e segurança quanto aos comportamentos sociais. Caso contrário, a paz e a felici-dade de seus membros restariam seriamente comprometidas.

Há, portanto, uma íntima relação entre homem, sociedade e Di-reito, entre relações humanas e Direito, entre norma social e Direi-to. Ensina Edmond Picardi que:

O Homem, o ser humano, apresenta-se no primeiro plano. Fato normal, pois que é nas sociedades humanas que o Direito prin-

-dade. Onde quer que houve homens reunidos, houve Direito, rudimentar nos tempos primitivos, mas manifestando-se fa-talmente: Ubi societas, ibi Jus. O Direito é antropocêntrico [...]. Porque o Eu humano não é somente um produto dos nossos próprios órgãos, é, sobretudo, um produto social, uma resul-tante do complexo dos fatores sociais passados e presentes, da mesma sorte que toda a civilização, toda a riqueza econômica são as resultantes do múltiplo esforço das gerações mortas e da geração viva. (PICARDI, 2004, p. 74).11

10formulado senão com a previsão de que certos dados permanecerão constantes dentro de limites de tempo razoáveis: é evidente que, dentre esses dados, o comportamento

11 O homem “age não como meio ou veículo das forças da Natureza, mas como ser

pela ordem dos motivos, mas como dominador deles; não como pertencente ao mundo sensível, mas como partícipe do inteligível; não como indivíduo empírico (homo phaenomenon homo noumenontuas determinações, do absoluto e universal de teu ser, e, portanto (pois outra coisa

(DEL VECCHIO, Giorgio. . v. I, p. 435, apud REALE, 1998, p. 43).

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Outrossim, “o homem, em sua realidade coletiva, inclui dentro de si a totalidade das leis que regem o mundo; e, também, a humani-dade, ou espírito humano, em seu desenvolvimento histórico, absorve

Como anota Miguel Reale, o Direito é “um manto protetor de orga-

Conclui-se, em sintonia com Vicente Ráo12, Gregorio Peces-Bar-ba, Eusebio Fernández e Rafael de Asís13, que o Direito possui ori-gem e desenvolvimento sociais, observando-se, de outro lado, que “o direito é regra social não somente enquanto supõe um meio so-cial, mas enquanto ele existe na e pela sociedade, como regra desta

concebido tendo como destinatário os homens em coexistência.

2.2. O conceito de Direito

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ser, primeiro, conceituado. Ou, dito de outra forma, “toda investi-gação sobre as origens de um objeto e sobre suas transformações

(STAMMLER apud TELLES JÚNIOR, 2004, p. 179).14

12 Assevera Vicente Ráo que, “encontra-se, pois, a origem do direito na própria natureza do homem, havido como ser social. E é para proteger a personalidade deste ser e disciplinar-lhe sua atividade, dentro do todo social de que faz parte, que o direito procura estabelecer, entre os homens, uma proporção tendente a criar e a manter a

13“sabemos que o indivíduo é um ser social que convive em um determinado ambiente com outros seres humanos. A ordenação da mera coexistência dos seres humanos e a obtenção dos objetivos comuns são elementos que explicam a natureza social do Direito. A socialidade do ser humano e a consequente convivência constituem o dado a

el individuo es un ser social que convive en un determinado entorno com otros seres humanos. La ordenación de la mera coexistência de los seres humanos y la obtención de objetivos comunes son elementos que explican la naturaleza social del Derecho. La socialidad del ser humano y la consiguiente convivência constituyen el dado a partir

14 STAMMLER, Rudolf. . Madrid: Editorial Reus, 1930, p. 21.

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