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CapítuLo ii - CoNCeitoS e DiStiNçõeS FuNDameNtaiS

 CAPÍTULO II - CONCEITOS E DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS

2.1. A DESARMONIA DOS CONCEITOS

A expressão assistência judiciária vem sendo empregada ao longo dos anos sem o necessário apuro técnico. Embora ela se refira a uma atividade, o que se constata é que a legislação ordinária, a doutrina e a jurisprudência também a uti-lizam como sinônimo de justiça gratuita ou, mais raramente, como sinônimo do órgão estatal que tem a incumbência de prestá-la (a atividade). Assistência judiciária seria o nome genérico que poderia ser utilizado como justiça gratuita ou, então, como o órgão responsável por prestar o serviço público, assim como a palavra “decisão” seria o gênero do qual se extrairiam as espécies “sentença”, “decisão interlocutória” e “acórdão”.

O problema é que sentença, decisão interlocutória e acórdão são, de fato, espé-cies do gênero decisão, ao contrário da assistência judiciária, que não é gênero do qual são espécies a justiça gratuita e o órgão estatal. Cada um deles designa um instituto jurídico diferente e que, por conseguinte, dispõe de disciplina jurídica própria.

Apesar das diferenças entre tais institutos, especialmente intensificadas pela Constituição de 1988, a legislação ordinária ainda costuma se equivocar com relação ao uso correto das expressões, assim como também negligenciam a doutrina e a jurisprudência. Como resultado, há o completo embaralhamento acerca da incidência e da aplicação de cada um deles.

O tema será melhor ventilado adiante, demonstrando-se as distinções e as peculiaridades de cada um dos institutos, mas antes é importante que se faça o registro de como eles se encontram misturados pela doutrina e pela jurispru-dência.

2.1.1. Quando a assistência judiciária é sinônima de justiça gra-tuita

A discrepância mais intensa ocorre com relação aos termos assistência judi-ciária e justiça gratuita, pois são utilizados com frequência como se encerrassem o mesmo significado. Angelo Maraninchi Giannakos explica de forma perspicaz a razão pela qual há esse embaralhamento:

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“Em geral, os conceitos de assistência judiciária e de justiça gratuita são confundidos. Tal situação ocorre em virtude de sua utilização como sinô-nimos, sem que, na verdade, o sejam. Talvez isso aconteça por causa da própria legislação brasileira referente a este assunto, que normalmente utiliza as palavras como sinônimas. Assim nos mostra Lei n.º 1.060/50, que, por várias vezes, utiliza a expressão assistência judiciária para referir-se ao benefício da justiça gratuita.”3

O mesmo autor prossegue:“É possível notar que em todos os artigos citados [3º, 6º, 7º e 9º] a ex-pressão assistência judiciária é utilizada no sentido do benefício da justiça gratuita. No entanto, encontramos assistência judiciária utilizada com seu significado correto no artigo 1º da lei anteriormente citada [1.060/50].”4

Na jurisprudência, a utilização da expressão assistência judiciária gratuita como sinônima de justiça gratuita é encontrada abundantemente. É perceptível que não há separação entre os dois institutos, de modo que o tratamento jurídico dispensado a eles é, em regra, o mesmo. Daí porque assistência judiciária gratuita e justiça gratuita, na leitura dos Tribunais, nada mais são do que nomes distintos de um mesmo fenômeno jurídico. São expressões intercambiáveis, pois tanto é válido se empregar assistência judiciária gratuita como justiça gratuita, de modo que a escolha de uma das duas expressões ficaria ao gosto do operador do Direito.

O aresto colacionado abaixo, oriundo do Superior Tribunal de Justiça, per-mite perceber a semelhança com que são tratadas a assistência judiciária gratuita e a justiça gratuita:

“PROCESSUAL CIVIL. JUSTIÇA GRATUITA. HONORÁRIOS ADVOCATÍ-CIOS. CONDENAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. CABIMENTO. OBRIGAÇÃO SOBRESTADA. ART. 12 DA LEI 1.060/50. 1. A parte beneficiada pela As-sistência Judiciária, quando sucumbente, pode ser condenada em honorá-rios advocatícios, situação em que resta suspensa a prestação enquanto perdurar o estado de carência que justificou a concessão da justiça gratuita, prescrevendo a dívida cinco anos após a sentença final, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50. 2. É que ‘O beneficiário da justiça gratuita não faz jus à isenção da condenação nas verbas de sucumbência. A lei assegura-lhe apenas a suspensão do pagamento pelo prazo de cinco anos se persistir a situação de pobreza.’ (REsp. 743.149/MS, DJU 24.10.05). Precedentes: REsp. 874.681/BA, DJU 12.06.08; EDcl nos EDcl no REsp. 984.653/RS, DJU 02.06.08; REsp 728.133/BA, DJU 30.10.06; AgRg no Ag 725.605/RJ, DJU 27.03.06; REsp. 602.511/PR, DJU 18.04.05; EDcl no REsp 518.026/DF, DJU 01.02.05 e REsp. 594.131/SP, DJU 09.08.04. 3. Recurso especial a que se dá provimento.” (REsp 1.082.376/RN, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 17/02/2009)

3. Assistência Judiciária no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 22.

4. Ob cit., p. 23.

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O Supremo Tribunal Federal, em muitas oportunidades, também assevera que assistência judiciária gratuita e justiça gratuita são expressões idênticas:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. AUSÊNCIA DE PEÇA ESSENCIAL. PRECEDENTES. 1. O bene-fício da assistência judiciária gratuita implica a isenção de despesas, não de ônus processuais de outra natureza, como o de indicar as peças a serem tras-ladadas e o de fiscalizar a correta formação do instrumento. 2. A cópia do julgado dos embargos declaratórios e da certidão de publicação da decisão agravada é de traslado obrigatório, nos termos do artigo 544, § 1º, do Código de Processo Civil. Incidência da Súmula nº 288/STF. 3. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que a oportunidade para instruir o agravo é a de sua interposição. 4. Agravo regimental desprovido.” (AI 580.880 AgR, Rel. Min. Menezes Direito, Primeira Turma, julgado em 07/04/2009)

No acórdão adiante transcrito, a referência a um termo é feita imediata-mente após o outro, na própria ementa, a denotar mais uma vez que, na visão do Supremo Tribunal Federal, ambos são iguais:

“EMENTAS: 1. JUSTIÇA GRATUITA. Assistência Judiciária. Benefício não concedido. Ausência de pedido e de afirmação, pela parte, de insuficiência de recursos. Não recolhimento de preparo. Deserção. Recurso extraordi-nário não conhecido. Jurisprudência assentada. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. A concessão do benefício da assistência judiciária gratuita está condicionada à afirmação, feita pelo próprio interessado, de que a sua situação econômica não permite vir a Juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Justiça gratuita. Equívoco na juntada de petição. Falha atribuída ao serviço judiciá-rio. Renovação do pedido. Agravo Regimental improvido. É ônus exclusivo da parte o correto protocolamento da petição.” (RE 550.202 AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 11/03/2008)

Na legislação, a Lei 11.636/07, que trata das custas judiciais devidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, fornece este exemplo do uso do termo assistência judiciária gratuita como se fosse justiça gratuita:

Art. 13. A assistência judiciária, perante o Superior Tribunal de Justiça, será requerida ao presidente antes da distribuição, e, nos demais casos, ao relator.

Parágrafo único. Prevalecerá no Superior Tribunal de Justiça a assistência judiciária já concedida em outra instância.

Este é o cenário mais comum, encontrado com abundância na jurisprudên-cia, na legislação e até mesmo em provas de concursos para a Defensoria Pública.

2.1.2. Quando a assistência judiciária é sinônima de órgão estatalAntes da Constituição de 1988, os Estados não eram obrigados a constituir

um órgão específico voltado à tarefa de prestar assistência judiciária aos necessita-dos. As Constituições anteriores apenas previam o serviço (assistência judiciária)

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que os Estados deveriam prestar, mas não diziam quem se incumbiria de concre-tizá-lo5. É o que ainda acontece com inúmeras outras atividades estatais, que são atribuídas a um dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municí-pios) sem a especificação dos órgãos que deverão desempenhá-las. As leis de cada um destes entes é que definirá a repartição interna das atribuições. A Constitui-ção de 1988, por exemplo, conferiu à União a competência para manter o serviço postal (art. 21, X, CF), mas não atribuiu diretamente tal função à Empresa Brasi-leira de Correios e Telégrafos. A legislação ordinária é que o fez.

O mesmo ocorria com relação ao serviço de assistência judiciária, que era atribuído aos Estados sem a designação do responsável por prestá-lo. O que aconteceu na prática foi que se costumava identificar o órgão que realizava esta função como o órgão de Assistência Judiciária (ou, simplesmente, a Assistência Judiciária). Embora pareça estranho, o certo é que, antes de 1988, a Assistência Judiciária (órgão público) seria a responsável por prestar assistência judiciária (serviço) aos necessitados.

O cenário anterior à Constituição de 1988 é bem elucidado por Luís Alber-to Thompson Flores Lenz, secundado pelas lições de Pontes de Miranda:

“Quem consegue identificar com extrema felicidade os contornos desses dois institutos é o imortal Pontes de Miranda, que, com a propriedade que lhe é habitual, assevera que justiça gratuita é o direito à dispensa provisó-ria das despesas exercíveis em relação jurídica processual, perante o juiz que promove a prestação jurisdicional, enquanto aquela – assistência judi-ciária – é a organização estatal que tem por fim proporcionar aos carentes, ao lado da dispensa provisória das despesas, também a indicação de advo-gado para o processo.” 6

O processualista gaúcho Araken de Assis assinala em sentido similar:“No assunto, impõe-se distinguir três institutos: primeiro, a assistência jurídica integral, acima referida, e que compreende consulta e a orientação extrajudiciais, representação em juízo e gratuidade do respectivo proces-so; em seguida, a assistência judiciária, ou seja, o ‘serviço público organi-zado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades não-estatais, conveniadas ou não com o Poder Público’; e, finalmente, a gratuidade de justiça, ‘a gratuidade todas as custas e despesas, judiciais ou não, relativas a atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos do beneficiário em juízo’, objeto da Lei 1.060, de 05.02.1950, sucessiva-mente alterada.”7

5. Atualmente, sabe-se que tal função é atribuída à Defensoria Pública.

6. Da Concessão da Assistência Judiciária Gratuita às Pessoas Jurídicas e aos Entes Benefi-centes. Revista dos Tribunais n.º 674.

7. Doutrina e Prática do Processo Civil Contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 76.

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A jurisprudência também faz alusão à assistência judiciária como sendo o órgão encarregado de prestá-la:

“CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E PORTE DE ARMA DE FOGO. NULIDADE. FALTA DE INTIMAÇÃO DA DEFENSORA DA SESSÃO DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO. PROCURADORA DO ESTADO. CAR-GO EQUIVALENTE AO DE DEFENSOR PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL OBRIGATÓRIA. NULIDADE ABSOLUTA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. PLEITO DE AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGA-MENTO. QUESTÃO NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRES-SÃO DE INSTÂNCIA. PROGRESSÃO DE REGIME. INCONSTITUCIONALI-DADE DO ART. 2º, § 1º DA LEI N.º 8.072/90 DECLARADA INCIDENTER TANTUM PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OR-DEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, CONCEDIDA. I. A teor do art. 5º, § 5º, da Lei n.º 1.060/50, acrescentado pela Lei n.º 7.871, de 08 de novembro de 1989, é obrigatória a intimação pessoal do defensor público ou de quem exerça cargo equivalente de todos os atos do processo, caso dos Procuradores da Assistência Judiciária do Estado. II. Não realizada a in-timação pessoal da Procuradora da Assistência Judiciária do Estado do São Paulo, a qual possuía atribuições de Defensora Pública, para o julgamento da apelação criminal, evidencia-se a ocorrência de nulidade absoluta na decisão. Precedentes. III. (...) IV. (...) V. (...) VI. (...) VII. (...) VIII. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, concedida, nos termos do voto do Relator.” (HC 66.989/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 13/02/2007)

A legislação recente ainda traz exemplos de utilização do termo assistência judiciária como sinônimo de órgão estatal, como é o caso da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha:

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

O art. 56 da Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais – também possui disposição que ilustra o que vem sendo dito:

Art. 56. Instituído o Juizado Especial, serão implantadas as curadorias ne-cessárias e o serviço de assistência judiciária.

O serviço de assistência judiciária referido pela lei nada mais que o órgão do Estado encarregado de exercer tal espécie de atividade. Se a redação do dispo-sitivo estivesse em consonância com a Constituição de 1988, ao invés de “ser-viço de assistência judiciária”, teria dito simplesmente “Defensoria Pública”.

2.1.3. A Constituição de 1988, a Defensoria Pública e a assistência jurídica: novos conflitos conceituais

A Constituição de 1988 positivou a Defensoria Pública na ordem constitu-cional. Distinguiu-se o serviço – assistência jurídica – de quem seria o responsá-vel por prestá-lo – Defensoria Pública.

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Como visto, antes da Constituição atual não havia essa separação, razão pela qual o termo assistência judiciária8 acabava por servir a mais de um pro-pósito. Ele representava, a um só tempo, o serviço, o órgão que o prestava e o benefício processual (justiça gratuita).

Não é preciso fazer um grande esforço para entender que esta mistura era explosiva, resultando em sérias dificuldades hermenêuticas, tanto doutrinária como jurisprudencialmente. Graças a ela, por exemplo, muitos defenderam que o art. 4º da Lei 1.060/50, que permite a fruição do benefício processual da justiça gratuita a quem alega insuficiência financeira, fora revogado pelo art. 5º, LXXIV, da Constituição, uma vez que este dispositivo passara a exigir a comprovação da carência econômica (“O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”), e não mais a simples alegação. Se assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita fossem uma só coisa, o raciocínio seria absolutamente correto, de tal modo que seria certo dizer que, de-pois da Constituição de 1988, a justiça gratuita (ou a assistência judiciária, ou a assistência jurídica) passaria a ser usufruída somente por quem comprovasse a situação de incapacidade financeira. Não bastaria, portanto, a mera alegação.

Foi o que concluiu, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, que chegou a adotar esse posicionamento:

“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - Pedido formulado com base em simples afirmação da própria requerente de que é pessoa pobre na acepção legal do termo - Contudo, o Estado só prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal) - Decisão mantida - Recurso não provi-do. A parte interessada na assistência judiciária, para obter esse favor legal deve instruir os autos com cópia das últimas três declarações de Imposto de Renda, posto que esse documento contém informações que permitem se avaliar com mais segurança a sua real situação patrimonial e econômi-ca.” (AI 1.276.319-0/9, Rel. Des. Antônio Maria, Vigésima Sétima Câmara de Direito Privado, julgado em 16/06/2009)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também trilhou essa mesma interpretação:

“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. JUSTIÇA GRATUITA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. INDEFERIMENTO. A Lei 1.060/50, em seu art. 4º dispõe sobre a concessão do benefício da justiça gratuita a quem não possua condições de arcar com as despesas processuais. Tal dispositivo foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, art. 5°, inciso LXXIV, o qual condicionou a concessão do benefício a quem comprovar sua necessidade. Assim, diante da ausência de comprova-ção da alegada necessidade, inviável o deferimento do benefício pleiteado.” (AC 70022231419, Rel. Des. Nelson José Gonzaga, Décima Oitava Câmara Cível, julgado em 10/04/2008)

8. Ainda não existia à época assistência jurídica.

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Esta interpretação somente se sustenta, é bom repetir, se se chegar à con-clusão de que tais expressões (justiça gratuita, assistência judiciária e assistên-cia jurídica) são sinônimas, de modo que todas elas apenas enunciariam nomes diferentes para um mesmo objeto.

Mas, como veremos com mais calma adiante, estes termos estão longe de expressar um único instituto jurídico. Cada qual representa uma realidade ju-rídica própria, com regimes jurídicos distintos e com particularidades que os extremam uns dos outros. Logo, não podem ser confundidos.

2.1.4. Síntese inicial É possível afirmar, em uma breve síntese, que o uso diversificado da ex-

pressão assistência judiciária resultou na existência de três sentidos distintos:

a) assistência judiciária como órgão estatal, ao invés de Defensoria Pública;b) assistência judiciária como espécie de serviço público – sentido correto;c) assistência judiciária como benefício de isenção de despesas processuais, ao

invés de justiça gratuita.

É preciso que se fique atento para o fato de que o termo assistência judiciária gratuita (ou, simplesmente, assistência judiciária), mesmo após a Constituição de 1988, ainda pode ser encontrado na legislação, na jurisprudência e nas provas de concursos públicos com os significados acima descritos (órgão estatal, servi-ço público ou justiça gratuita).

Desde que se tenha cautela na leitura do enunciado ou da decisão, não é difícil identificar em que sentido o termo é empregado.

2.2. JUSTIÇA GRATUITA2.2.1. Conceito e natureza jurídica

O benefício da justiça gratuita (ou gratuidade judiciária) constitui, pura-mente, a dispensa do pagamento adiantado das despesas processuais, em favor de quem não dispõe de recursos para custeá-las sem prejuízo do sustento pró-prio ou do de sua família (art. 2º, parágrafo único, Lei 1.060/50).

↘ DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO (FCC – 2007)É beneficiário da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei no 1.060/50, todo aquele

A) cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

B) que tem renda familiar mensal de no máximo 3 salários mínimos.

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C) que não possuir nenhum bem imóvel ou aplicação financeira.D) que não tiver vínculo empregatício formal.E) que optar pelo serviço oferecido pelos poderes públicos federal ou

estadual. A alternativa “A” está correta

Resume-se ao fato de a parte – autor ou réu – não adimplir antecipada-mente os custos decorrentes do processo judicial. Quem desfruta da gratuidade judiciária não precisa pagar previamente custas, honorários sucumbenciais, despesas com diligências, gastos com perícias etc. (art. 3º, Lei 1.060/50).

Como se denota, é instituto tipicamente processual, pois é inerente ao pro-cesso judicial, uma vez que está dentro dele. Noutros termos, não há justiça gratuita sem a existência de processo judicial.

Ela se revela como um dos mecanismos que propicia um maior acesso à justiça, visto que autoriza que a parte hipossuficiente ajuíze demandas judiciais sem que tenha que arcar antecipadamente com as despesas que naturalmente despenderia, caso fosse possuidora de recursos materiais.

O direito à isenção, além disso, não possui barreira com relação à matéria que será tratada, nem tampouco há impedimento no que toca ao órgão judicial que irá analisá-lo. O seu deferimento ocorre em qualquer situação e em qual-quer ramo do Poder Judiciário.

↘ DEFENSORIA PÚBLICA DO MATO GROSSO DO SUL (VUNESP – 2008)Assinale a alternativa que está de acordo com o disposto na Lei n.o 1.060/50.

A) Gozarão dos benefícios dessa Lei os nacionais ou estrangeiros, resi-dentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil ou do trabalho, excluída a Justiça Militar.A alternativa está errada

2.2.2. O que é necessário para obtê-laPara ter direito à justiça gratuita (gratuidade judiciária), é suficiente que se

alegue na petição inicial9 que não se dispõe de meios para arcar com as despe-sas do processo (art. 4º, Lei 1.060/50). Compete ao juiz deferi-la, uma vez que encerra presunção juris tantum de veracidade:

9. Ou na contestação, caso o pedido seja feito pelo réu.

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“JUSTIÇA GRATUITA. LEI 1.060/50. ALEGAÇÃO DE CONDIÇÃO DE PO-BREZA. PRESUNÇÃO “JURIS TANTUM”. INDEFERIMENTO DO PEDIDO COM BASE NAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NESTA CORTE. SÚMULA 07/STJ. I - O benefício da justiça gratuita é conce-dido mediante a simples afirmação da parte de que não está em condição de arcar com as custas do processo. Entretanto, tal afirmação possui presunção juris tantum, podendo ser confrontada por outras provas lançadas aos au-tos, nos termos do § 1º do art. 4º da Lei 1.060/50. II - A decisão do Tribunal a quo que indefere pedido de justiça gratuita com base nas provas dos autos não pode ser revista nesta Corte ante o óbice previsto na súmula 7/STJ. III - Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 1.052.158/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 17/06/2008)

↘ DEFENSORIA PÚBLICA DE ALAGOAS (CESPE – 2009)Se a parte requerente deixar de juntar provas de que não possui con-dições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo próprio ou de sua família, o juiz indeferirá o pedido de assistência judiciária. A alternativa está errada

↘ DEFENSORIA PÚBLICA DO MATO GROSSO DO SUL (VUNESP – 2008)Assinale a alternativa que está de acordo com o disposto na Lei n.º 1.060/50. A parte que pretender gozar os benefícios da assistência judiciária re-quererá ao Juiz competente lhes conceda, mencionando, na petição, o rendimento ou vencimento que percebe e os encargos próprios e os da família.A alternativa está errada

↘ DEFENSORIA PÚBLICA DO ESPÍRITO SANTO (CESPE – 2012)Presume-se ser pobre, até que se prove o contrário, aquele que afir-ma não estar em condições de pagar as custas do processo e os hono-rários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família, sob pena de pagamento de até dez salários mínimos.A alternativa está errada

Não obstante, em caso de dúvida fundada, há a possibilidade de que o magis-trado determine a produção de provas do estado de carência:

“DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCA-ÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. ESTADO DE MISERABILIDADE. COM-PROVAÇÃO. EXIGÊNCIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DISSÍDIO

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JURISPRUDENCIAL. NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, havendo dúvida quanto à veracidade da alegação do beneficiário, pode o magistrado ordenar a compro-vação do estado de miserabilidade, a fim de avaliar a presença dos requi-sitos para o deferimento ou não do benefício da assistência judiciária gra-tuita. Precedentes. 2. ‘Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’ (Súmula 83/STJ). 3. Recurso especial conhecido e improvido.” (REsp 827.083/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julga-do em 06/09/2007)

Como se percebe, para desfrutar da gratuidade de justiça, a parte não pre-cisa estar representada no processo pelo Estado, o que em regra ocorre por in-termédio da Defensoria Pública. Aliás, é bastante comum na vida forense ad-vogados que patrocinam graciosamente os interesses de partes necessitadas, e que consequentemente postulam, em favor delas, o benefício da justiça gratuita. É o caso – extremamente corriqueiro – do advogado particular que, por razões humanitárias, auxilia juridicamente o cidadão necessitado (advocacia pro bono).

Nesta última hipótese, é bom que se diga, a atuação do advogado privado é inteiramente livre, isto é, não depende de autorização estatal para que possa postular em juízo direitos dos hipossuficientes. Do mesmo modo, não se lhe im-põe a obrigação de comprovar que não recebe (ou recebeu) honorários contratuais do constituinte. Isto porque o contrato de mandato, ajustado entre o advogado e o seu constituinte, e o benefício da justiça gratuita, previsto pela Lei 1.060/50, também são institutos jurídicos inconfundíveis.

Sob estes ângulos, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro fixou o enten-dimento de que o benefício da justiça gratuita pode ser concedido independen-temente de a parte estar sendo representada pela Defensoria Pública, e que a escolha de advogado particular para representá-la não implica na necessidade de demonstração de que não há cobrança de honorários.

A Súmula 40 desta Corte de Justiça está assim vazada: “Não é obrigatória a atuação da Defensoria Pública em favor do beneficiá-rio da gratuidade de Justiça, facultada a escolha de advogado particular para representá-lo em Juízo, sem a obrigação de firmar declaração de que não cobra honorários.”

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também destaca que o con-trato de honorários não influi no pleito de concessão da gratuidade de justiça:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ARBITRA-MENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BENEFICIÁRIO DA AS-SISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA QUE PLEITEIA A ISENÇÃO DO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS CONTRATUAIS DE SEU PRÓPRIO ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE. - Se o beneficiário da Assistência Ju-diciária Gratuita opta por um determinado profissional em detrimento

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