16-Geografia e Geopolitica_A Contribuicao de Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro

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    Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro do Planejamento, Oramento e GestoPaulo Bernardo Silva

    INSTITUTO BRASILEIRO

    DE GEOGRAFIA E

    ESTATSTICA - IBGE

    PresidenteEduardo Pereira Nunes

    Diretor-ExecutivoSrgio da Costa Crtes

    RGOS ESPECFICOS SINGULARES

    Diretoria de PesquisasWasmlia Socorro Barata Bivar

    Diretoria de GeocinciasLuiz Paulo Souto Fortes

    Diretoria de InformticaPaulo Csar Moraes Simes

    Centro de Documentao e Disseminao de InformaesDavid Wu Tai

    Escola Nacional de Cincias EstatsticasSrgio da Costa Crtes(interino)

    UNIDADE RESPONSVEL

    Centro de Documentao e Disseminao de Informaes

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    Ministrio do Planejamento, Oramento e GestoInstituto Brasileiro de Geograa e Estatstica - IBGE

    Centro de Documentao e Disseminao de Informaes

    Documentos para Disseminao

    Memria Institucional 16

    Geograa e Geopoltica

    A contribuio de Delgado de Carvalhoe Therezinha de Castro

    Rio de Janeiro2009

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    Instituto Brasileiro de Geograa e Estatstica - IBGEAv. Franklin Roosevelt, 166 - Centro 200021-120 Rio de Janeiro - Brasil

    ISSN 0103-6335 Documentos para disseminaoISSN 0103-6459 Memria institucional

    Divulga textos sobre o IBGE e personalidades que contriburam para a hist-ria do Instituto.

    ISBN 978-85-240-4079-5 (CD-ROM)

    ISBN 978-85-240-4084-9 (meio impresso)

    IBGE. 2008

    CapaMarcos Balster Fiore

    Ilustrao- Aldo Victorio FilhoCoordenao deMarketing/Centro de Documentaoe Disseminao de Informao - CDDI

    Este volume foi organizado por Marco Aurelio Martins Santos, mestre em Estudos Populacionaise Pesquisas Sociais (ENCE/IBGE), analista em planejamento e gesto de informaes no IBGE,assistente de pesquisa no Projeto Histria das Estatsticas Brasileiras do Centro de Documentao eDisseminao de Informaes-CDDI do IBGE.

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    151 Fronteiras do Brasil no regime colonialDelgado de Carvalho

    169 Colonizao e ncleos de expansoDelgado de Carvalho

    183 A excurso geogrcaDelgado de Carvalho

    195 Atlas de GeopolticaDelgado de Carvalho

    209 Evoluo da Geograa humanaDelgado de Carvalho

    221 Uma concepo fundamental da Geograa moderna: a regionatural

    Delgado de Carvalho

    233 Antrtica - o assunto do momentoTherezinha de Castro

    243 Gana independenteTherezinha de Castro

    249 Recursos minerais do SaaraTherezinha de Castro

    259 Notas sbre a cidade do Rio de Janeiro

    Therezinha de Castro

    267 Oceano ndico: regionalizao e globalizaoTherezinha de Castro

    289 frica Sub-Sahariana: estudo sobre uma caracterizao geopo-ltica com ns didticosTherezinha de Castro

    341 Amrica do Sul: vocao geopolticaTherezinha de Castro

    367 Antrtica

    Therezinha de Castro

    399 Geograa Poltica e GeopolticaDelgado de Carvalho e Therezinha de Castro

    411 A questo da AntrticaDelgado de Carvalho e Therezinha de Castro

    419 Anexo

    Painis do Seminrio Geograa e Geopoltica: a contribuio deDelgado de Carvalho e Therezinha de Castro

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    Apresentao

    O IBGE e a geograa brasileira relembram com orgulho e saudade amemria de dois cientistas de renome internacional que militaram durantemuitos anos nesta Casa. Carlos Delgado de Carvalho (1884-1980) e Therezinha deCastro (1930-2000) deixaram obras seminais nas reas de Geograa, Geopol-tica e Relaes Internacionais, que sero por muito tempo referncia para oestudo e a anlise do Estado como organismo geogrco.

    Delgado de Carvalho, gegrafo, historiador, professor, considerado comoo mestre dos mestres, esteve ligado ao IBGE desde seus primrdios, porintermdio do Conselho Nacional de Geograa, onde teve signicativa parti-cipao. Boa parte de seus 49 livros foi editada pelo Conselho e vrios deles seencontram no acervo de nossa Biblioteca Central. Vale lembrar a sua intensacolaborao com a Revista Brasileira de Geograa, que completa 70 anos e con-

    tinua sendo editada.Therezinha de Castro, el discpula do mestre Delgado de Carvalho, apo-sentou-se como funcionria do IBGE, aps muitos anos de bons servios pres-tados. Entre livros e artigos, publicou diversos trabalhos no IBGE, especial-mente na Revista Brasileira de Geograae no Boletim Geogrco, compondo umarobusta bibliograa. Em 1992, o Centro de Documentao e Disseminao deInformaes do IBGE editou seu livro Nossa Amrica: geopoltica comparada,obra ainda em catlogo e bastante procurada. Em sua especialidade, a Geo-poltica, era citada entre os maiores conhecedores do assunto no Brasil e nomundo, sendo frequentemente convidada para ministrar palestras e aulas so-bre o tema.

    Ambos comearam a profcua parceria no IBGE, gerando um sem-n-mero de trabalhos em conjunto, com destaque para oAtlas de relaes interna-cionais, lanado em 1960, e continuamente atualizado at ns da dcada de1970. Eram guras humanas admirveis, dois ibgeanos que bem serviram Ptria com sua inteligncia e cultura exemplares.

    A realizao do Seminrio Geograa e Geopoltica: a contribuio deDelgado de Carvalho e Therezinha de Castro e a publicao deste volumeda srie Documentos para Disseminao. Memria Institucional, editado peloCentro de Documentao e Disseminao de Informaes do IBGE, vm ressal-tar e celebrar a importncia destes insignes mestres da geograa brasileira.

    David Wu Tai

    Coordenador-Geral do

    Centro de Documentao e Disseminao de Informaes

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    Mensagem de congratulaesdo Instituto Rio Branco

    Em nome do Instituto Rio Branco, do Ministrio das Relaes Exterio-res, desejo cumprimentar a Direo do Instituto Brasileiro de Geograa e Es-tatstica - IBGE pela to oportuna homenagem a Delgado de Carvalho.

    A Academia Diplomtica brasileira no poderia deixar de emprestarseu entusistico apoio a esse gesto, tendo em vista a sabida ligao de Delga-do de Carvalho com o Instituto Rio Branco. Seu nome se junta memorvellista do corpo docente do Instituto Rio Branco nessa poca, que inclua en-tre outros nomes como Hlio Viana, Hildebrando Accioly, Haroldo Teixei-ra Valado, Jos Honrio Rodrigues, Mrio Pedrosa, Francisco Mangabeira,

    Aurlio Buarque de Holanda, Fbio de Macedo Soares Guimares, HilgardStemberg e Americo Jacobina Lacombe.Foi a partir de 1955 que Delgado de Carvalho assumiu no Instituto a

    ctedra de Histria diplomtica do Brasil, o que representou para ele prprio oincio de uma nova carreira. O prprio Delgado assim se referiu a esta mudan-a: At ento eu me havia especialmente dedicado Geograa do Brasil, maso desejo de continuar a conviver com a excelente turma de rapazes aos quaiseu havia lecionado Histria Diplomtica Mundial, me levou a aceitar umatarefa nova para mim. Se a vida comea aos quarenta, pensei eu, um simplestrabalho novo pode comear aos setenta.

    A experincia de Delgado como docente do Instituto Rio Branco est naraiz da elaborao de sua Histria diplomtica do Brasil. Depois de uma relutnciainicial, o dedicado Professor aceitou publicar um compndio com o teor de suasaulas. Para tanto, contou com a colaborao de seus alunos, pois foi preciso reunirnotas e textos de seu curso. O livro teve sua primeira edio em 1959.

    A obra permanece como importante referncia sobre a matria para osestudiosos de modo geral e para os diplomatas brasileiros em particular. Oestilo simples e direto de Delgado no esconde a solidez da argumentao eo encadeamento lgico dos eventos discorridos. A combinao do pensamen-to do gegrafo, do historiador e do analista de relaes internacionais, fazdo autor um precursor do pensamento moderno nas relaes internacionais,multidimensionais por natureza.

    O Instituto Rio Branco reitera assim suas congratulaes aos respons-veis pela iniciativa do IBGE, qual augura pleno xito.

    Fernando Guimares ReisEmbaixador

    Diretor-Geral do Instituto Rio Branco

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    Delgado de Carvalho:umgentlemancartesiano

    Marco Santos*

    Na galeria de guras clebres da Geograa do Brasil, um espao nobredeve ser reservado para um nome fulgurante, que muito contribuiu para aconstruo do pensamento geogrco nacional. Um homem de cincias, queexpandiu largamente o conceito de multidisciplinaridade, atuando sempre como mesmo brilho em outros campos do saber. Alm de gegrafo, ele foi eminente

    educador, historiador, jornalista, socilogo, professor, mestre de mestres.Carlos Delgado de Carvalho1foi considerado como o pai da moderna Ge-ograa brasileira. Construiu uma obra slida, resistente ao

    tempo e s mudanas de ventos tericos. Seus quase 50livros versam no s sobre geograa, mas tambm sobreeducao, histria, diplomacia, meteorologia, sociologia,

    relaes internacionais entre outros temas. Por suasabedoria e cavalheirismo, era, no dizerdo diplomata Paulo Roberto de Almeida,umgentlemancartesiano.

    Delgado veio luz na cidade-luz, capital da Frana, em 10 de abril de1884. Filho de Carlos Dias Delgado deCarvalho e Ldia Tourinho Delgado deCarvalho, seu pai era neto do Viscondecom grandeza de Itabora. Carlos DiasDelgado tornou-se diplomata e serviuao Pas trabalhando em Portugal, Rssia,Blgica e Frana. Quando o lho nasceu,ele exercia o cargo de secretrio na repre-

    1Em alguns documentos ou textos possvel aparecer o nome dele grafado como Carlos Miguel Delgado deCarvalho, embora ele tenha sido batizado como Carlos Delgado de Carvalho. A explicao para isso que

    to logo ele comeou a escrever sobre o Brasil, seu pai, que tinha o mesmo nome que ele e era um monarquistaconvicto, renegando o novo pas republicano, rompeu com ele e pediu que no utilizasse o mesmo nome queele. Delgado, ento, resolveu incluir um Miguel em seu nome para diferenci-lo do pai. Posteriormente, elevoltaria a assinar com seu nome original.

    *Analista em Planejamento e Gesto de Informaes Geogrca e Estatstica no IBGE, mestre em EstudosPopulacionais e Pesquisas Sociais e assistente de pesquisas no Projeto Histria das Estatsticas Brasileiras doCentro de Documentao e Disseminao de Informaes IBGE/CDDI.

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    sentao consular brasileira em Paris. Monarquista convicto, Delgado pai decidiu queno retornaria ao Brasil Repblica ps-acontecimentos de 15 de novembro de 1889. Maistarde, Delgado lho contaria que a av e seu pai lhe apresentaram ao prprio imperador

    D. Pedro II e princesa Isabel, com quem conviveu durante o exlio da Famlia Real.O menino Carlos fez seus primeiros estudos em colgio suo e depois dos 11anos, foi para a Frana, estudar num internato em Lyon, desde as primeiras letras, pas-sando pelo correspondente ao segundo grau como bachelier de lEnseignement secondai-re classique(1905), chegando at a faculdade, graduando-se e doutorando-se (1908) nacole Libre de Sciences Politiques. Precisou vir ao Brasil para estudar in locoo tema desua tese sobre Geograa. Embora tivesse a cidadania brasileira, nunca estivera na ptriade seus pais. Chegou ao Brasil, aos 23 anos, sem conhecer ningum, a no ser o colegade escola, o eminente gelogo Mathias Gonalves de Oliveira Roxo. Ao visitar o amigo,conheceu sua irm, Maria Vera, por quem se apaixona primeira vista e de quem seconsidera imediatamente noivo. Casam-se no ano seguinte, e, do casamento, nascem oslhos Carlos Alberto e Lydia.

    Em 1905, Delgado foi convidado a dar aulas de Histria no Colgio Champitet,

    na Sua. Por esta poca j escrevia artigos sobre poltica e relaes internacionais parajornais suo e francs. Quando chegou ao Brasil, prosseguiu sua carreira jornalsticapublicando suas anlises em O Jornale no clebreJornal do Commercio. Como no sabiase expressar corretamente em portugus, escrevia em francs, sendo posteriormentetraduzido. Por conta desta diculdade, escreveu seu famoso livro Le Brsil meridional em 1910, na lngua de Molire, a partir de sua tese de doutoramento.

    Por insistncia de um amigo, fez concurso para a cadeira de Ingls, no ColgioPedro II e foi aprovado. Todavia, na primeira oportunidade, passou a ministrar aulasde Sociologia naquele respeitvel estabelecimento de ensino, onde inclusive foi diretor,nomeado por Getlio Vargas, em 1933. O professor Delgado fez parte de outros corposdocentes: Instituto de Educao (desde 1923, na cadeira de Sociologia), Colgio Benne(desde 1925, na cadeira Histria Contempornea), Universidade do Distrito Federal (a

    partir de 1936, tambm Histria Contempornea), Faculdade Nacional de Filosoa daUniversidade do Brasil (desde 1939, como professor catedrtico em Histria Modernae Contempornea) e no Instituto Rio Branco, ligado ao Ministrio das Relaes Exterio-res, a partir de 1958.

    Ao tomar contato com o ensino da Geograa no Brasil ca admirado com o es-tado das artes desta disciplina por aqui. Conforme armou ao ser entrevistado para aRevista do Gs, de junho de 1975, a geograa brasileira ainda era estudada por Estado.Em nenhum pas se estudava geograa assim. Ento achei que devia fazer alguma coi-sa. Escrevi, em 1913, Geograa do Brasil (UM PRMIO..., 1975, p. 31). Posteriormente,ele publicaria outros livros sobre assuntos geogrcos, com destaque paraMeteorologiado Brasil(1916), Geograa econmica da Amrica do Sul(1921), Fisiograa do Brasil(1922),Metodologia do ensino da Geograa(1925), Corograa do Distrito Federal(1926),Atlas pluvio-mtrico do Nordeste(1931), Geograa Humana, Poltica e Econmica(1934), Geograa ginasial(1943), Geograa Humana, Poltica e Econmica(1960, em co-autoria com Therezinha deCastro) e Leituras geogrcas(1960).

    Em 1937, foi criado o Conselho Nacional de Geograa - CNG, rgo colegiadodo qual faziam parte reparties federal, estadual e municipal. E Delgado de Carvalhofoi escolhido como representante especial do Ministro da Educao para o Conselho,desde a sua instalao, em 23 de maro de 1937. Em julho deste ano, o CNG concordoucom a fuso com o Conselho Nacional de Estatstica - CNE, gerando, assim, o InstitutoBrasileiro de Geograa e Estatstica - IBGE, assim denominado desde janeiro de 1938.Delgado de Carvalho trabalhou para o Instituto at 1978, dois anos antes de falecer.

    Carlos Delgado de Carvalho recebeu diversas homenagens e honrarias, mas valea pena destacar a Condecorao da Legion dHonneur, que ele recebeu do governofrancs, e a Medalha David Livingstone, outorgada em 1952 pela American Geogra-

    phic Society,sendo o nico brasileiro a possu-la.Em 1922, o ento ministro da Agricultura Ildefonso Simes Lopes o convida para

    participar da Comisso Organizadora da Exposio Internacional Comemorativa do

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    Centenrio da Independncia do Brasil. Vale lembrar que entre os muitos pavilhes cons-tantes na Exposio, um fora dedicado Estatstica, que, inclusive, um jornalista annimona revistaA Exposio de 1922chamou, em um arroubo ufanista, de Pavilho da cincia

    da certeza (SETE..., 1922, p. 3). No seria ocioso imaginar que Delgado de Carvalho tal-vez tivesse participao na deciso de se erigir um espao onde os resultados do Recense-amento Geral de 1922 fossem exibidos pela Diretoria Geral de Estatstica.

    Ao completar 35 anos de trabalho ele faria jus a merecida aposentadoria. Toda-via, isso no fazia parte de seus planos, resolvendo ento esconder a idade de seus pa-res. S dois anos depois seu estratagema foi descoberto e compulsoriamente teve de seaposentar, fato que o deixou contristado por algum tempo. Para sua surpresa, a direoda Faculdade de Filosoa deu-lhe o ttulo de Professor Emrito, facultando-lhe a opor -tunidade de continuar trabalhando no magistrio at o incio dos anos 1960, quandouma calosidade nas cordas vocais o impediu de prosseguir dando aulas.

    Mas suas atividades no foram interrompidas por um mero calo. No IBGE, lan-ou, em 1960, em conjunto com sua assistente e discpula a gegrafa Therezinha de Cas-tro, com quem comeou a trabalhar desde os anos de 1950, a obraAtlas de relaes inter-

    nacionais, possivelmente a grande obra que ambos realizaram no Instituto. Ao longo dosanos, os dois ainda fariam vrias atualizaes noAtlas, lanando diversos suplementosna Revista Brasileira de Geograa.

    Ele deixou 49 livros, mas no dizia t-los escrito. Com seu senso de humor pecu-liar, quando mimoseava algum com alguma de suas obras, dizia: vou agredi-lo comum livro meu (UM PRMIO..., 1975, p. 34).

    Delgado foi professor de guras proeminentes da Histria recente do Brasil. To -davia, se os reencontrava, no costumava reconhec-los. Certa vez, um dignatrio visi-tou o Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro - IHGB e o reconheceu. Foi at o mestredemonstrando sua admirao: Ol, professor, como vai? Sabe, eu fui seu aluno. Del -gado lhe respondeu de pronto: Meus psames, meu lho. E virando-se para sua elcolaboradora Therezinha de Castro perguntou: Quem esse a? E ela lhe disse aita:

    o presidente da Repblica Castello Branco!.O grande mestre parecia viver somente para seus estudos, distanciado dos as-suntos palpitantes do cotidiano. Em 1940, numa de suas viagens a New York, ondeministraria um curso sobre o Brasil, foi recebido por um reprter norte-americano que,de chofre, lhe perguntou o que ele pensava de Carmen Miranda, a pequena notvel,a brazilian bombshell, que tanto sucesso fazia em terras ianques. E ele prontamente res-pondeu: Who is Carmen Miranda? (MENEZES, 1980, p. 113). Sua declarao inusitadaacabou sendo o ttulo da entrevista publicada por aquele jornal.

    Delgado apreciava as artes e consta ter escrito peas de teatro, que lia para ami-gos de sua intimidade. Uma delas, o Canto da sereia, chegou a ser publicada. Asoutras, permanecem inditas.

    Ele no gostava de andar de automvel, preferindo o bonde, e, posteriormenteo lotao, que ele chamava de tlburi. Mas sua preferncia, com certeza, era porcaminhar.

    Seu bom humor e sua bonomia eram verdadeiramente uma marca pessoal. Seusnetos contam que ao m da tarde, mesmo rondando os 90 anos, ele apreciava passearpelo calado da Avenida Atlntica, no que fazia vestindo terno e gravata, ostentandochapu e bengala. Em certa ocasio, uma conhecida o viu e se dirigiu a ele: Como estelegante! Onde o senhor vai? E ele, com o sorriso matreiro que lhe era caracterstico,respondeu, divertindo-se: vou visitar minha av.

    Um de seus netos, Paulo Delgado de Carvalho, conta que morou com ele por mais de

    dez anos, tendo convivido mais com o av do que com o prprio pai, que cedo faleceu. Nosns de tarde, antes do passeio habitual, era frequente sentarem-se na varanda do apartamentoem que moravam, diante do belo mar de Copacabana, para conversarem. O av se dirigia aele como Paulo Meu Neto Delgado de Carvalho, e contava histrias vindas de sua memria

    prodigiosa, repleta de muitos ensinamentos. E o grande mestre costumava dizer: No mintonunca, mas no por virtude e sim por preguia. Ele justicava armando ser muito difcile exaustivo manter uma mentira.

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    Tinha enorme senso de organizao, aliando-o sua memria prodigiosa. Nos intervalosdo almoo, costumava fazer uma espcie de jogo com Therezinha de Castro. Ela lhe dizia um

    nome de livro e seu autor e ele imediatamente apontava a sua exata localizao.

    Desde 1962, passou a trabalhar em sua casa, junto com Therezinha, com a autorizao dapresidncia do IBGE, que lhe destacara uma datilgrafa e uma mquina de escrever. Ele prprioescrevia a mo, com letra rme e sem errar. At o dia em que depositou a caneta sobre a mesa,confessando no conseguir mais produzir.

    Faleceu em 4 de outubro de 1980 e foi sepultado no Cemitrio So Joo Batista, no bairrode Botafogo, no Rio de Janeiro. Finalmente, ia ao encontro de sua amada esposa Vera, que dei-xara o mundo dos vivos no dia 9 de setembro de 1962. Desde esta data ele s trajaria ternos detecido preto, guardando respeitoso luto. Ele, que por conta de um infarto no pode sair do hospi-tal e velar a esposa, se reuniria a ela na eternidade, deixando seu bom nome, sua vasta produointelectual, e as eternas saudades nos que conviveram com o gentleman cartesiano que era.

    RefernciasMENEZES, Eurpedes Cardoso de. Carlos Delgado de Carvalho: idias e ideais. Revista doInstituto Histrico e Geogrco Brasileiro, Braslia; Rio de Janeiro, 1980, v. 329, p. 105-118.

    UM PRMIO rende homenagem delidade e constncia. Revista do Gs, So Paulo:Associao Brasileira dos Distribuidores de Gs Liquefeito de Petrleo, v. 5, n. 29, p.29-34, jun. 1975.

    SETE de setembro.A Exposio de 1922. Rio de Janeiro, p. 3, set. 1922.

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    Therezinha de Castro:uma extraordinria mulher

    Manuel Cambeses Jnior

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    CAMBESES JNIOR, Manuel. Therezinha de Castro: uma extraordinria mulher. Rio de Janeiro, 2006. Dispon-vel em: . Acesso em: ago. 2009.

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    THEREZINHA DE CASTRO:

    UMA EXTRAORDINRIA MULHER

    * Manuel Cambeses Jnior

    Foi com imenso pesar que o mundo acadmico, de uma

    forma abrangente e, em particular, a Escola Superior de Guerra, asEscolas de Aperfeioamento de Oficiais e de Comando e Estado-Maior - do Exrcito e da Aeronutica - bem como a Escola deGuerra Naval, receberam a triste notcia do falecimento da ilustreProfessora Therezinha de Castro, ocorrido em Portugal, em

    fevereiro de 2000, onde participava, como conferencista convidada,de um Simpsio, no Instituto de Defesa Nacional, naquele pas.

    Com o desaparecimento da insigne mestra, perdeu o Brasilum de seus mais ilustres e valorosos filhos.

    Foi ela uma figura humana mpar. Cultura extraordinria,inteligncia brilhante, historiadora, gegrafa, pesquisadora,escritora, professora e profunda conhecedora de Geopoltica.

    Therezinha de Castro era de uma personalidade tomultifacetada e rica em sua abrangncia, que com extremafacilidade encontramos adjetivos laudatrios para definir a suaintensa vida intelectual e a brilhante trajetria percorrida durantevrias dcadas no exerccio da dignificante arte de ensinar etransmitir seus profcuos conhecimentos a vrias geraes debrasileiros.

    No seria difcil distinguir-se entre as vrias nuanas de suamarcante personalidade a de maior significao. Destacava-se,entretanto, o seu devotado amor ao magistrio, seu acendradopatriotismo e seus inquebrantveis dotes morais.

    H pessoas que se identificam com a Histria pelodesempenho extraordinrio de sua misso, nas exigncias de cadapoca. Therezinha de Castro foi uma delas. Gegrafa do IBGE;Professora do Colgio Pedro II e da Faculdade FAHUPE;conferencista das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exrcitode da Aeronutica, da Escola de Guerra Naval, das Escolas deAperfeioamento de Oficiais da Aeronutica e do Exrcito, daEscola Superior de Guerra e das Delegacias da Associao dosDiplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), espraiadas portodo o Pas. Ademais, freqentemente, era convidada para realizarconferncias, versando sobre Geopoltica, em vrios pases da

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    Amrica do Sul e em Portugal destacando-se, nessasoportunidades, por seu reconhecido talento, pelo brilho de suasidias e por sua imensa bagagem cultural.

    Como renomada autoridade em Geopoltica, reconhecidainternacionalmente, perseguiu a tese de que o Brasil deveriareivindicar o seu espao no Continente Antrtico, atravs de umbelssimo trabalho intitulado: Antrtica: Teoria da Defrontao.Anos mais tarde veria sua luta coroada de xito e hoje a presena doBrasil na Antrtica uma feliz realidade.

    De maneira anloga instigou, atravs de inmeros trabalhos,o despertar do Brasil para a importncia estratgica do Atlntico Sulno contexto da segurana hemisfrica.

    Seus inmeros livros publicados no Brasil e no exteriorconferem-lhe especial destaque no meio acadmico, e uma notvelrepercusso como intelectual da mais alta envergadura, a nveisnacional e internacional.

    A par de suas inmeras virtudes intelectuais, a inolvidvelprofessora tinha como paradigma de vida a transparncia e asinceridade. Porte altivo, coragem e determinao, integridademoral e honestidade, aliados a um corao terno e generoso, lheoutorgaram uma personalidade muito especial, tal qual o rarobrilho de um cristal puro e radiante de luz.

    O Brasil deve professora Therezinha de Castro oreconhecimento pela dedicao, competncia e patriotismo quedemonstrou durante toda a sua extraordinria carreira, sem mediresforos para elevar e honrar a imagem de nosso Pas no cenriointernacional.

    Estamos certos de que a nossa querida mestra morreutranqila quanto ao julgamento de seus concidados. A Ptriasaber honr-la, quando a perspectiva do tempo permitir umaavaliao mais exata de sua obra e um conhecimento perfeito de suapureza de intenes.

    poca de seu desenlace, sentimos e compartilhamos comseus entes queridos a amargura deste momento inexorvel daexistncia humana, ltima parte do desenrolar de uma vida em queo gnero humano a exemplo das brilhantes e inolvidveis

    conferncias proferidas pela insigne mestra realiza umaintroduo, deslancha um desenvolvimento e, finalmente, vchegado o momento de sua concluso.

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    Therezinha de Castro: uma extraordinria mulher ...................................... 19

    Esteja onde estiver Professora Therezinha, receba os nossosagradecimentos pela prestimosa ateno e carinho dispensados cultura nacional. Que seus edificantes atributos intelectuais eintensa dedicao ao Magistrio, ecoem por muito tempo em todasas instituies acadmicas e em todos os rinces deste nosso Brasil.

    Descanse em paz querida mestra.

    * O autor Coronel-Aviador R/R

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    Carlos Delgado de Carvalho*

    Therezinha de Castro**

    No o posto que honra o homem; o homem que honra o posto.

    Periandro

    O livro Pedro II e a condessa de Barral, escrito pelo neto desta ltima, mar-qus do mesmo nome, baseado em cartas trocadas no nal do Sculo XIX poresses dois personagens, nos traz a seguinte informao. A esposa de Carlos Dias

    Delgado de Carvalho, nascida Lydia Tourinho, havia dado luz ao seu primeirolho; era um menino to fraquinho, que por certo no iria vingar. Prognsticoerrado - o menino viveria a plenitude de seus 96 anos, e quem na realidade nosobreviveria seria a me, que 20 dias depois expirava, vtima da febre puerperal.

    Originalmente elaborado para publicao nesta mesma Srie, Memria Institucional, em 1995.Gegrafa do IBGE e Professora do Colgio Pedro II.

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    Continuaria Rio Branco no Consulado de Liverpool, enquanto retomava o meni-no Delgado de Carvalho para Londres com sua av.

    Viveria ainda por algum tempo naquela Inglaterra, que valendo-se de seu espln-

    dido isolamentodeixava de participar, pelo menos mais diretamente daquelas atribula-es que assolavam a Europa Continental. Daquela Europa, que em inmeras guerrasdeixara nos receosos pases profundas marcas de invases, que a Inglaterra, pelo menosdesde 1066 desconhecia. Viveria Delgado de Carvalho, ainda em sua primeira infncia,numa Inglaterra, maior produtora de carvo, o combustvel nobre da poca que lhe con-feria primazia na metalurgia e indstria txtil. Nela se encontrava o grande entrepostopara o qual uam matrias-primas enviadas de outros continentes e gneros aliment-cios coloniais que o comrcio ingls redistribua para a Europa Continental.

    Neste cenrio de prosperidade econmica, numa Londres que era o centro nan-ceiro do Mundo, viveu com todo conforto, cercado de carinho na casa do tio BarletJames. Mas... esse seu destino sofreria brusca transformao quando Delgado de Car-valho completou sete anos de idade.

    Em 1891, casava-se seu pai pela segunda vez, e o menino, retirado do convvio

    dos familiares de Londres, era levado para Montreux, na Sua. Sua av, profundamen-te abalada, faleceria pouco depois.

    Ia o menino, ainda em tenra idade, viver no continente j bastante conturbado.De um lado, o novo colonialismo da expanso pela frica, que o Congresso de Berlim(1893-1894) havia repartido desigualmente, sem acalmar os nimos; do outro lado, a Rs-sia procurando tirar proveito da fraqueza do Imprio Otomano - o homem doente da Europacaminhava para os Balcs a m de obter, no Mediterrneo, acesso a um mar livre.

    Os motivos geoestratgicos eram invocados naquela ordem mundial nos nsdo Sculo XIX. A expanso colonial era indispensvel, pois permitiria a aquisiode pontos de apoio naval dos quais dependia a segurana das comunicaes. Nestecontexto, as potncias da poca tinham favorecidas as suas respectivas expansespara a frica, sia e Oceania, pois nem a Alemanha, nem o Japo, e muito menos os

    Estados Unidos participavam dessa nova partilha do Mundo, que se preparava paraenfrentar um grande conito. Era este o cenrio poltico no qual viveria, e nessaHistria viva, viveria repartindo seu tempo de infncia e pr-adolescncia entre ascidades de Montreux e Lyon.

    A primeira, pacata cidade da Sua, no Canto de Vaux, na margem direita doLago de Genebra, formada por duas Comunas: Montreux-Chtelard, a mais populosae Montreux-Planches, onde seu pai morou por algum tempo. J a Cidade de Lyon, naconuncia dos Rios Rdano e Sana, bem mais movimentada, se destacava pela prs-pera indstria da seda.

    Na Sua, passava as frias em casa do pai que no lhe devotava grandes simpa-tias, e da madrasta (cujo nome evitava mencionar quando dela falava), mais velha doque ele apenas oito anos, e que tambm no o admirava. Observando-se a o grandecontraste com o lar afetuoso que tivera em Londres.

    Para fugir talvez ao ambiente de certo modo hostil, costumava dar grandes pas-seios a p pelas margens do lago3. O costume das caminhadas, manteve-o depois. Decerta feita, j beirando os 70 anos foi de Copacabana, pelo aterro do Flamengo, at aAvenida Beira-Mar, 436, onde, no 8 andar do Conselho Nacional de Geograa, tinha asua sala de trabalho; foi a que se iniciou a longa srie de fascculos do Atlas de relaesinternacionais, que produziu para o IBGE. Em Petrpolis, costumava ir de Valparazo,

    bairro onde possua uma casa na Rua Visconde do Uruguai, at pontos bem longn-quos, inclusive o Museu Imperial.

    Em Lyon, dos 11 aos 18 anos passaria o perodo escolar no internato dos Domi-nicanos. Essa estadia, contou-me, transformou-o num agnstico; e, mesmo adepto dadoutrina que declarava inacessvel o absoluto ao esprito humano, foi sempre admira-

    3Num desses passeios bem mais prolongado, em 1898, aos 14 anos, avistou Elizabeth Amalie Eugenie, popularizada comoSissi, e chegou a cumpriment-la quando tomava o barco para ir at Genebra, onde seria assassinada pelo anarquista Luc-cheni. Ela era a esposa de Francisco Jos I, Imperador da ustria.

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    dor dos Dominicanos, tendo, no Rio, sido grande a sua amizade com Frei Pierre Secon-di, que o visitava para longas conversas em francs, nos seus ltimos anos de vida.

    Recordavam ento o passado j distante, em bom e uente francs, levando o

    frade a dar boas gargalhadas, quando passava para o dialeto marselhs, e desse mecaram algumas palavras como cadiera(cadeira) e cachimbau(cachimbo).Recordao at certo ponto dramtica era sempre a de seu ingresso, aos 11 anos,

    naquele imenso e vetusto educandrio dos padres dominicanos de Lyon. O momentoseria contrastante, pois a liberdade de que gozara na Sua, e o passeio de trem quezera sozinho pela Alemanha4, poucos meses antes, e que classicava como o canto docisne, chocavam-se frontalmente.

    Praticamente recluso no colgio, sua famlia passaria a ser os colegas e os padres.Mas, sempre de bom-humor ainda conseguia destacar alguns prazeres, sobretudo nossbados, quando era servido aos alunos o bife com batatas fritas, seu prato preferido ato m da vida. Contava que costumava barganhar esse repasto com colegas desejosos deescapar do banho mensal obrigatrio; assim, era comum um do grupo escalado contra-tar o Carls, como era chamado, para substitu-lo como voluntrio.

    Marcante foi o seu dilogo com o Diretor Dominicano, ao ser entrevistado nocolgio, onde seria entregue por seu pai. Perguntado sobre os idiomas que falava, o me-nino de 11 anos mencionou o francs, o ingls; dominava tambm o alemo e o treinarana viagem h pouco realizada, j o portugus, lngua de seus ascendentes, entendiaalguma coisa, mas no sabia falar, pois no lhe haviam ensinado. Esse fato caracterizabem o profundo desprezo que seu pai nutria pelo Brasil, por haver substitudo o regimemonarquista pelo republicano.

    Inquirido sobre o que sabia de Histria, foi pronta a sua resposta: Sei tudo desdeAdo at Sady Carnot. Bem atualizado, pois Sady Carnot, presidente da Frana, haviasido assassinado em 1894, ou seja, no ano anterior, naquela mesma cidade de Lyon, peloanarquista Caserio. Observando-se que a Histria seria, ao lado da Geograa e lnguasestrangeiras, as suas matrias preferidas.

    A Frana do seu perodo escolar atravessaria uma fase dinmica e turbulenta.Entrava em cena o General Boulanger vrias vezes eleito deputado pelos realistas, don-de sua disposio de fazer brecha na repblica para implantar a monarquia do antigoregime. Mas, como chefe do Partido Bonapartista no Colgio, Delgado de Carvalhotendia bem mais para o regime imperial. Em contrapartida se dizia socialista, pois nessemesmo ano de 1894 uma lei permitia a formao de Sindicatos exigidos pelos comunis-tas, que daria, no ano seguinte, origem Confederao Geral do Trabalho - CGT qualcaberia a imposio das leis trabalhistas.

    Ainda em 1894 era acusado de espionagem e traio o Capito Dreyfus, ocialfrancs de origem israelita. Condenado, provocou a diviso da opinio pblica gerandocrise entre Revisionistas, entre os quais se incluam ele e seu pai, e Anti-Revisionistas.Contou-me, ento, que, muitas vezes, para provocar o pai declarava-se Anti-Revisionis-ta; a rebeldia j comeava a penetrar na formao de sua personalidade. Justicava oato com grias que sempre usava - achei que poderia conquistar meu pai mostrando-meesprito de porco, j que nada havia conseguido mantendo-me como vaquinha de pre-spio; mas, infelizmente enganei-me.

    Estudante em Lyon viu se desenvolver a poltica anti clerical lanada j h algunsanos por Jules Ferry, quando Ministro da Instruo Pblica; poltica dirigida principal-mente contra as Congregaes, que, como a dos dominicanos, seus educadores deti-nham a maioria dos estabelecimentos secundrios.

    Em 1902, aos 18 anos, j iniciado o Sculo XX, deixa o Colgio para participar deum Mundo em ebulio; a opinio pblica voltava-se para a poltica exterior, pois j erantida a rivalidade franco-alem. Impunha-se o problema da defesa nacional que leva-ria o pas, posteriormente, a uma reorganizao militar sob a autoridade do General Jo-re, para nalmente fazer frente chamada Primeira Guerra Mundial. O fato histrico

    4Contou-me que o pai comprou-lhe um passe com direito a visitar vrias cidades alems... levou-o at o trem, esozinho ele circulou por esse pas, onde pde treinar o idioma que aprendera na Sua.

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    do momento, levando no bojo o seu desajuste familiar, inclinaria Delgado de Carvalhopara a carreira militar.

    Toda essa Histria por ele presenciada era contada e revivida nos mnimos de-

    talhes, em nossas conversas para descanso do almoo em seu apartamento na SiqueiraCampos, n 75. Sentado na sua bergrepredileta, num ngulo entre duas estantes delivros, coincidentemente, relativos ao Brasil, entre baforadas do seu cachimbo, alimen-tado pelo fumo Half and Half, ele me transportava para esse passado to remoto paramim, mas sempre presente para ele.

    E... seu destino mudaria mais uma vez.Para no ter que ir morar na Sua, sentaria praa no Exrcito Francs. E, com

    esse ato, sem que o soubesse, perderia a sua nacionalidade brasileira at ento de di-reito, por haver nascido em Paris, mas na Legao do Brasil, com seu pai em serviodiplomtico.

    Viveria ento anos de intensa paixo pela carreira militar, tendo na Cavalaria a suaArma predileta; mais um desencontro, pois o pai o desejava na carreira diplomtica.

    A dura vida no Exrcito associada eterna carncia afetiva, ligaram-no intensa

    e singularmente Bagace. Falava de sua Bagace com saudades, carinho e muita emoo.Era uma gua muito mansa que o servia, e em cujo dorso dormiu vrias vezes quandoem manobras.

    Numa dessas manobras militares, em pleno vero, o destino daquele jovem deci-dido a seguir carreira militar transmudaria outra vez, por conta de um fato que poderia,mas no seria evitado.

    O ano - 1904; o local - Marselha, na boca do Rdano, que a recente abertura do Canalde Suez transformara em grande centro comercial. Era ento bem forte o calor e muita asede da soldadesca aps vrias horas de exerccio forado. Eis que, a frente dele e de algunscolegas, surge num buraco, atraente poa dgua. Alguns a ela se atiraram com avidez, e en-tre eles, o jovem sargento Carlos Delgado de Carvalho, contrariando as ordens do Capito,que procurando impedir o ato insensato, chicoteava os que teimavam em matar a sede. O

    resultado: contrairia o tifo, que levaria para o tmulo vrios de seus companheiros.Recordando o fato, mostrava-me, j ento bem idoso, quase na casa dos 90, masainda redigindo OAtlas de relaes internacionais, que na juventude as iluses e esperan-as vs caam sobre ele como folhas mortas, mas que em compensao as altas verdadesapareceriam com muito mais brilho.

    Com tifo, seria internado no Hospital Militar de Marselha, onde durante algunsmeses esteve entre a vida e a morte, chegando mesmo a receber a extrema-uno. Caiu-lhe todo o cabelo, cou magro e debilitado; estava denitivamente cancelada a carreirana Cavalaria que pretendia seguir cursando Saint-Cyr. Falou-me vrias vezes do grandesonho de ingressar na Escola Especial Militar de Saint-Cyr, criada em 1803, em Fontai-nebleau, por aquele que no Colgio de Lyon fora o seu dolo - Napoleo Bonaparte.Contava-me sobre suas antigas instalaes na Casa Real de S. Luiz; aps o armistciode 1940, foi transferida para Aix-en-Provence e, depois para Chercell (1943-1945), quevisitou quando de uma de suas viagens a Paris. A Segunda Guerra Mundial havia des-trudo as edicaes de Saint-Cyr instalada em Coetquidan depois de 1946. Foi rever asua perdida Saint-Cyr que sempre seguiu de longe - no espao e no tempo.

    No entanto, a carreira militar ainda iria ser tentada. E quando se recordava dessateimosia, citava Andr Gide - quando se jovem, escolhe-se um caminho entre cem...depois, passa-se o resto da vida na nostalgia da vida dos outros noventa e nove.

    Iria tentar a carreira militar via batalho suicida que operava na Arglia; note-se, a ainda, por falta de estmulo familiar, o desejo de desaparecer desse Mundo quedenia como uma bola para onde viera sem ser cheirado nem consultado. Maneirabastante desdenhosa de se referir ao prprio nascimento e vida solitria da adolescn-cia e incio da juventude.

    5 A idade avanada, o desejo de prosseguir na elaborao doAtlas de relaes internacionaispara o IBGE, levaram o ConselhoNacional de Geograa, onde eu j era gegrafa, a consentir que o nosso Setor de Geopoltica, ado na gesto de Deoclciode Paranhos Antunes como Secretrio Geral, passasse a funcionar na residncia de Delgado de Carvalho, a partir de 1962.O termo Geopoltica, suprimido pouco depois, foi ocializado como Setor de Geograa Internacional.

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    Cada trecho de sua vida era uma lio de Histria envolvida na sua estria. Jque a Legio Estrangeira que estava pleiteando era formao do Exrcito Francs criadana Arglia em 1831, composta por soldados voluntrios para o servio do pas. Com-

    preendia entre outros Regimentos, o da Cavalaria, cujo Quartel Central se situava emSidi-bel-Abbs. A divisa - Honneur et Fidlit (honra e delidade), o quepe branco, asdragonas nas cores verde e vermelha passaram a fazer parte de seus sonhos to logotivera alta do Hospital Militar de Marselha. Estava beira do Mediterrneo e dali paraa Arglia seria apenas um passo; passo que no deu, pois l tambm no o aceitaram. Acarreira militar passava a ser apenas um caminho entre cem... teria, pois, que optar porum dos outros noventa e nove.

    Um ideal perdido difcil de se aceitar, conjecturava visivelmente emocionado,pois ele no cresce como a unha cortada. Mas... havia sobrevivido ao tifo, teria ainda quecontinuar nessa bola, e um rumo deveria tomar. Mais uma vez mudava o seu destino!

    Foi para Lausanne, no Canto de Vaud, j na margem norte do Lago de Genebra,para onde mudara-se seu pai. A lecionou, por pouco tempo, Histria moderna no Col-gio de Champitet, pois ainda no ano de 1905 retomava a Paris, ingressando na cole Li-

    bre des Sciences Politiques. Na capital francesa, onde nascera, dizia-me, sentia-se comose em casa estivesse; conhecia palmo a palmo. Sem nada ter visto, conheci tambmParis, tantos eram os detalhes que ele me trazia e os postais que mostrava, muitos dosquais legendados e comigo ainda guardados.

    Na Ilha da Cit, a famosa Notre Dame, e a entrava em cena o Victor Hugo, escritormonarquista francs, que falecera no ano seguinte ao seu nascimento. Esse o havia inspi-rado no modo de comer; como o escritor, dedicava amor fsico ao prato no qual comearaa comer e no permitia que no o trocassem aps a salada; tambm, como o autor de Osmiserveis, gostava de misturar todos os pratos oferecidos na refeio. A sobremesa... nun-ca como os brasileiros, sempre como os franceses - o doce antes da fruta. Toalha na mesa...jamais; o jogo americano era no s prtico, como bem mais higinico.

    Sentia naquele universitrio o Sena deslizar - a vida nanceira e comercial dos

    boulevardsna margem direita. As valsas dolentes dentre as quais a sua preferida quecantarolava muito desanado e que assim comeava: - Rien ne si bleu ... que le bleu de tesyeux. O Soneto DAnvers que declamava, ainda, guardo-o numa folha de papel por elemanuscrita.

    Fazia-lhe muito bem recordar... e muito me fez aprender nos 23 anos que juntostrabalhamos para o IBGE. Sem que ele o percebesse, depois das conversas procuravatudo anotar; seu passado cava comigo neste caderno de notas; o presente ele mesmoresumia em pequenas agendas anuais que chamava de calepin.

    De seu passado em Paris, familiarizei-me com o Palais-Royal, com a Rue Rivoli esobretudo com a pera, que frequentou comopenetra, de fraque e cartola emprestados,pois para viver dispunha apenas da pequena herana que a me lhe deixara. Descrevia-me a Paris dos Champs-Ellyses que lhe mudara a vida, mas no lhe roubara o doloBonaparte; as largas avenidas abrindo-se em leque ao redor do Arco do Triunfo que,com orgulho frisava, nascera graas a um decreto de Napoleo em 1806, embora sinaugurado em 1832, curiosamente no ano em que falecia tuberculoso em Viena, seunico lho. E, nessa Histria viva cava-se sabendo porque na Frana no se teve umNapoleo II - apenas o primeiro e deste o sobrinho, que foi o Napoleo III.

    Na margem esquerda do Sena pululava o centro da vida poltica, artstica e in-telectual; ali as livrarias atraam aquele jovem sequioso do saber. Universitrio que vi-via numa Paris de prdios muito antigos, alguns mal conservados, e casas individuais,muitas das quais insalubres. Mtodos rudimentares de higiene s comeam a ser im-plantados aps a Primeira Guerra Mundial. Muito nesse setor deveu-se aos EstadosUnidos, que, como europeu, desdenhava; depois arrependeu-se e confessava que muitosentiu s hav-lo visitado depois dos 40 anos.

    Na velha Paris, dividia um quarto com o maior amigo e quase irmo Pierre Da-

    niel. Mudava a sua expresso quando dele falava com um carinho poucas vezes de-monstrado; das tardes quando voltavam de suas escolas (Pierre Daniel cursava me-dicina), trazendo uma garrafa de vinho e bisnaga de po debaixo do brao, que sem

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    nenhuma higiene era vendida desembrulhada. O trao comum na feliz convivnciaestava no fato de serem ambos muito organizados; razo pela qual no davam muitotrabalho el empregada que lhes arrumava o quarto. Desta nunca lhe soube o nome,

    pois ele a apelidara de Curigane; nunca lhe perguntei a origem de tal nome.Foi metdica a vida universitria em Paris, e para melhor sobreviver teve que seimprovisar em jornalista, escrevendo artigos sobre poltica internacional para jornaissuo e francs. Da adviria mais um choque com o pai. Apesar de bonapartista, Del-gado de Carvalho acatara a repblica como fato consumado, sobretudo no Brasil, peloqual j comeava a se interessar. Esse seu conformismo desagradava profundamente omonarquismo ferrenho do pai, que mesmo nos nobres jantares luz de vela em sua casade Lausanne, nas raras vezes em que via o lho, o impedia de mencionar, perguntar ouquestionar sobre o Brasil. Pas que por certo j estava na mira de sua futura tese, poiscabia perfeitamente na mxima de Napoleo que sempre me repetia - S os imbecis que no mudam.

    Ali era o reduto dos monarquistas e, consequentemente, de descontentes. Era,pois, preciso averiguar, sobretudo experimentar, tal como sugeria Bacon, pois todas as

    cores esto de pleno acordo no escuro. Assim, Delgado de Carvalho seria tomado do intensodesejo de conhecer aquele Brasil to vilipendiado. Anal, neste Pas haviam nascidoseus pais, seus avs e foram famosos os seus bisavs - o visconde do Uruguai e o viscon-de de Itabora. O primeiro, por linha materna, chamava-se Paulino Jos Soares de Sou-za; fora hbil diplomata, organizador do corpo diplomtico e, entre outras atividades,negociara em Paris (1855) a questo de limites com a Guiana Francesa. O segundo, pelolado paterno, apresentava muita semelhana fsica com o bisneto, at mesmo no gestode sustentar a cabea com um dedo apoiado no queixo e dois na face; seu nome - Joa-quim Jos Rodrigues Torres, o criador do Banco do Brasil (1853) e que Pandi Calgerasdeniu como um dos mais eminentes nancistas que o Brasil tem possudo. Logo no halldeentrada de seu apartamento em Copacabana havia uma mesinha console junto paredecontgua porta (de ferro e vidro) - ali, lado a lado em porta-retrato a gura desses seus

    dois ancestrais brasileiros.Para doutorar-se na Escola de Cincias Polticas de Paris, teria o ento jovem uni-versitrio que escrever uma tese e essa, j havia decidido - seria sobre o Brasil. Decisoque viria mais uma vez mudar o rumo de sua vida.

    O pai, de antemo, iria preveni-lo - se ousasse pr os ps no Brasil seria deserda-do e cortadas para sempre as relaes familiares. Mas, ainda na Sua, tendo a reprova-o incondicional do pai, receberia apoio pleno de Alberto dOliveira, o encarregado denegcios de Portugal. Esse poeta portuense, estilista elegante e primoroso, o incentivou,mesmo que contrariando ao pai, a vir para o Brasil; este, alm de sua ptria verdadeira,era, sem dvida alguma, um Pas promissor onde ele, na plenitude de sua juventude,poderia viver e desfrutar de futuro brilhante.

    O bilhete do navio custou-me 600 mil ris, costumava dizer, e completava -custou-me tambm a herana paterna. Sem outros lhos, seu pai doou imediatamen-te a parte que lhe caberia segunda esposa e esta ao falecer transferiu tudo para a mu-nicipalidade de Lausanne. Eis a a razo pela qual a cidade homenageia seu benfeitorcom a Rue Delgado de Carvalho.

    Sem reivindicar seus direitos, acatou a vontade do pai e tudo o que veio a possuira partir de ento passaria a dever ao seu prprio esforo e sobretudo ao Brasil. Assim, oque de um lado parecia ser mais um fracasso em sua vida, foi, na realidade, a oportuni-dade de comear, inteligentemente, tudo de novo.

    Recife foi o primeiro ponto de terra brasileira a ser vista, muito supercialmentepelo jovem; l recordava-se de haver sado do navio e em terra, nas imediaes, ter to-mado uma xcara de caf com leite. No cais do porto do Rio de Janeiro, seria recebido,em 13 de agosto de 1906, por Mathias Roxo, que se tornara seu amigo em Paris; tinhaento apenas 22 anos, via e viveria o seu Brasil, que lhe reservava pela frente um futuro

    todo brilhante. Fora proftico o portugus Alberto dOliveira!A cidade que o abrigaria era bem diferente da Paris em que vivia. Era calma e pa-

    chorrenta, suas ruas em geral estreitas, veculos de trao animal, o tlburi para os mais

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    apressados (mdicos ou parteiras), automveis eram coisas raras. Fazia apenas doisanos que a Capital Federal entrara na era de melhoramento - Francisco de Paula Rodri-gues Alves era o Presidente e Francisco Pereira Passos, o Prefeito. No centro da cidade,

    as velhas e sujas vielas comeavam a dar lugar Avenida Central (atual Rio Branco),Gomes Freire, Mm de S, etc. O servio de bondes eletricados viria a ser uniformiza -do pela The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Comp. Ltda.

    Em sua Histria da cidade do Rio de Janeiro, publicada em 1926, dava testemu-nho do que em parte chegara a ser testemunha ocular. Um progresso considervelfoi tambm realizado no calamento das ruas que era pssimo ou ento inexistente;foram asfaltadas as artrias principais. Muitas ruas foram reticadas no seu alinha-mento, outras foram submetidas a recuos progressivos. Seria uma poca de grandes eprofundas transformaes, continua Delgado de Carvalho, para as quais seria preciso aenergia do velho de setenta anos que, com sua viajada experincia, e seu entusiasmode moo, levou ao m seu plano, custa de um trabalho assduo dirio de muitashoras (CARVALHO, 1926, p. 122-124)6.

    Transformava-se o Rio de Janeiro e tambm a vida daquele jovem solitrio que

    aqui encontraria a sua verdadeira famlia. A rua do Ouvidor era ainda o centro eleganteda cidade, mas foi para um hotel da Praa Jos de Alencar, no poltico bairro do Catete,que o antigo Mathias Roxo instalou o recm-chegado Delgado de Carvalho. No local,viam-se ainda velhas construes de aspecto joanino e casas modernas, que o carioca,zombeteiramente chamava de estilo compoteira, pelos adornos no beiral do telhado ondese criavam mosquitos.

    Motivo para a escolha daquele hotel?!? Quase toda a famlia de Mathias Roxomorava pelas imediaes. Era, ainda, o stio mais prximo da Rua Senador Vergueiro,onde estava o palacete da matriarca dos Monteiro de Barros - D. Cecilia Pimenta deMorais (sobrenome de casada) que enviuvara muito jovem. Era a av de Mathias Roxo,seu introdutor nessa nova terra da qual ignorava at o idioma. Como a maioria dospalacetes7dessa poca, era um casaro amplo no meio de grande jardim e quintal com

    muitas rvores frutferas.Retomou em seguida a Paris para apresentar a jovem esposa; os dois no foramrecebidos na Sua, mas em Londres tiveram as benes da velha tia, irm de sua me,

    j viva, e que o tivera como lho at os sete anos.No Brasil, outros costumes, nova vida, agora como chefe de fam1ia. Seu primeiro

    emprego seria o de redator de poltica internacional doJornal do Commercio, para o qualproduziu vrios artigos, analisando a turbulncia que ia pela Europa, no contexto mun-dial; era tudo escrito em francs e traduzido, pois ainda no dominava bem o portugus.

    Por isso, tambm seu primeiro livro, publicado em 1910 - Le Brsil meridional saaem francs e, ainda, assina Carlos Miguel Delgado de Carvalho, pois seu pai ainda vivia.Impresso na Imprimrie E. Desfosss, Quai Voltaire, 13 (Paris), a obra com 529 pginas, ummapa e numerosos quadros estatsticos, praticamente revolucionava a Geograa no Brasil.Valendo-se da Geohistria, descreve a zona cafeeira de So Paulo, a do mate no Paran e emSanta Catarina, e pastagens no Rio Grande do Sul. Alerta o leitor para a existncia de umBrasil to vasto, to malconhecido e relativamente to pouco povoado, possuidor de terrase climas variados, produtos diversos e riquezas inexploradas bem numerosas.

    Mas... sua queda maior era pela Histria; por que iria, inicialmente, enveredarpela Geograa? Deixemos que ele mesmo o explique, recorrendo ao prefcio que escre-veu para a 1aedio da Histria da civilizao brasileira de minha autoria. Datando-o de7 de junho de 1969, arma textualmente: Quando, no princpio desse sculo, chegueiao Brasil, tratei logo de me enfronhar um pouco mais na sua Histria. Adquiri entoo compndio de um eminente professor, Joo Ribeiro, que futuramente iria ser meucolega no Colgio Pedro II. Li com prazer e proveito seu admirvel manual didtico. A

    6

    Essa obra seria re-editada em 1988 pela Prefeitura do Rio de Janeiro (Departamento Geral de Documentao e Informao),e lanada no dia 20 de junho no Pao Imperial (Praa XV de Novembro, Rio de Janeiro).7Cheguei a conhec-lo, pois visitei-o, quando j seu proprietrio Afonso Bandeira de Mello, casado com Maria Teresa, uma

    Monteiro de Barros.

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    mesma opinio no teria das geograas que caram em suas mos; eram autnticoscatlogos, obrigando os alunos a decorarem nomes de rios, montanhas, cidades, pases;e, o pior ainda, quando se tratava do Brasil, a clssica diviso por estados, jamais como

    um todo ou regio natural.A Geograa e seu ensino precisavam ser modernizados e, para isso, Delgado deCarvalho aventurou-se a aprender o portugus. Comprou uma Gramtica - eram tantasregras coroadas de tantas excees, que me condenciou: resolvi escrever o portuguspor exceo.

    Seu primeiro livro em portugus, publicado em 1913, Geographia do Brasil de-dicado ao Imperador deposto que conheceu em Paris aos cinco anos; este trabalho, porser inovador, lhe valeria o ttulo de Pai da Geograa Moderna no Brasil. Era ainda oC.M. Delgado de Carvalho que se transforma distraidamente em C.D. de C. na seguintededicatria: memria de Dom Pedro de Alcntara dedicado este estudo sobre aTerra que tanto amou e onde deixou os maiores exemplos de honestidade, retido epatriotismo (CARVALHO, 1913).

    tambm este o primeiro e nico livro com prefaciador; o escolhido foi Oliveira

    Lima, que o datou de setembro de 1913. Principia armando:

    [...] o caso do Sr. Delgado de Carvalho parecido com o meu. Educados ambos fora daterra que nos fora bero, ainda que em atmosferas morais brasileiras, assim constitudaspelos crculos de famlia e amigos, tanto mais sedutora nos parecia a ptria distante. Amim, encantou-me cedo a sua Histria, que sorvi haustos romnticos nas pginas elo-qentes de Southey. Ao Sr. Delgado de Carvalho atraiu-o a Geograa, a terra de prefern-cia gente, e que veio para o Brasil ps-se a palmilh-la e sobre ele escreveu dois livros deimpresses, do Sul e de Minas e agora esse tratado corogrco (CARVALHO, 1913).

    Observamos, que discreto, Delgado de Carvalho no explicara a Oliveira Lima oporqu da Geograa. No o disse, mas o historiador parece haver captado, pois arma

    em outro trecho:

    A educao estrangeira ps nos estudos do autor mais mtodo do que lhe teria podidoincutir a educao nacional - no Brasil h que ser muito autodidata -, e o seu traba-lho denuncia felizmente processos de ensino franceses, feitos de clareza e preciso.J a base do tratado, ou manual se no lhe quisermos dar aquele primeiro nome, porpomposo e, porventura descabido, representa uma inovao feliz. O Sr. Delgado deCarvalho, partindo do princpio racional de que as divises da Geograa s devemser procuradas na prpria Geograa, condena, neste sentido, a diviso administrativapor Estados, diviso toda sicamente convencional e baseia sua descrio nas regiesnaturais do Brasil (CARVALHO, 1913).

    , pois, Delgado de Carvalho o idealizador da diviso do Brasil em cinco regiesnaturais, bem como de nossa primeira classicao metdica de clima, publicada emvolumoso livroMtorologie du Brsil. A seriedade desta obra, editada em 1916, valeu-lheo direito de se tornar Conselheiro da Royal Meteorological Society ofLondon em 1917, ede receber em 1920 a medalha Jansen. Seu prestgio internacional j fora reconhecido noBrasil, pois, em 18 de maro de 1916, o Instituto Histrico e Gegrafo Brasileiro o elegiapara exercer o cargo de Professor Extraordinrio da Escola de Altos Estudos. Ainda emLondres era, em 1918, nomeado Delegado do Brasil na Conferncia da InternacionalScientic Organization.

    O porqu dessa sua estadia em Londres durante a Primeira Guerra Mundial serexplicado. Em princpio de 1914, morreu-lhe o pai; foi com toda a famlia, j formadapela esposa e um casal de lhos, render-lhe as ltimas homenagens diante do tmulo.Logo em seguida estourava o conito... o retorno, na poca s realizado em navio seria

    perigoso; cou por isso em Londres, onde se manteve como correspondente de guerra,e seu livro sobre meteorologia havia sido publicado na Europa, produto de pesquisasrealizadas no Museu Britnico para onde se dirigia diariamente.

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    Retomando ao Brasil, nda a guerra, coincidentemente chegava presidnciada Repblica o nordestino Epitcio Pessoa (1919-1922), almejando priorizar sua regiosempre to castigada pelas secas. A notria competncia de Delgado de Carvalho leva-

    ria Arrojado Lisboa, em 2 de fevereiro de 1921, a nome-lo Diretor do Servio Pluviom-trico; de suas pesquisas surgiriam 56 mapas, que, reunidos, seriam publicados noAtlaspluviomtrico do Nordeste (1931).

    Seu ideal, porm, era o magistrio e, no Brasil, sua iniciao seria no ColgioPedro II para o qual concorreu em 1920 cadeira de Ingls com a tese - Esboo hist-rico da origem e formao da lngua inglesa. Dos trs concorrentes, s ele falava o inglsuentemente; mas sua vitria descontentou alguns professores do Colgio que viamem Delgado de Carvalho um monarquista, por isso muito ligado a Carlos de Laet.Este ltimo era, de fato, monarquista intransigente e, durante a campanha republi-cana, granjeara inmeros inimigos. Em 1920 publicara, em plena efervescncia domodernismo, versos de saudao a D. Pedro II denominados Predio-Saudao.Quanto a Delgado de Carvalho, a prova documental exibida era a dedicatria feita aoImperador no seu livro de 1913.

    Catedrtico de Portugus do Colgio Pedro II, soube Carlos de Laet que se articu-lava um movimento no Colgio para impedir a nomeao do aprovado sob pretexto deque, no sendo ele brasileiro, estava impedido de ocupar ctedra em estabelecimentode ensino do governo.

    Para Delgado de Carvalho, caberia a surpresa de saber-se francs, por haver ser-vido no Exrcito de l; mas logo avisado por Carlos de Laet, naturalizou-se brasileirodesarticulando o complot.

    No lhe interessava, porm, o ensino do ingls, da ter conseguido dar aulas deSociologia no Colgio Pedro II e depois na Escola Normal (depois Instituto de Educa-o), para onde entrou em 1923 e s saiu aposentado pela compulsria aos 70 anos.

    Para as suas normalistas, publicaria a j citada Histria da cidade do Rio de Janeiro emais cinco trabalhos dedicados Sociologia, matria da qual se tornaria catedrtico. Em

    ordem apareceram Sociologia (1931, em dois volumes, publicados pela Livraria Fran-cisco Alves), Sociologia educacional (1933, com 426 pginas, publicado pela CompanhiaEditoria Nacional,), Sociologia e Educao (1934, com 228 pginas, publicado pela EditoraGuanabara,), Sociologia aplicada (1934, com 304 pginas, publicado pela Companhia Edi-tora Nacional) e Sociologia educacional (1940, com 426 pginas, publicado pela Compa-nhia Editora Nacional).

    Quando elaborou este ltimo, j havia visitado os Estados Unidos, da a justica-tiva que faz na Introduo. Historia ento que:

    A incluso desta cadeira de Sociologia aplicada no curso do Instituto de Educao do Dis-trito Federal pelos Professores Ansio Teixeira e Loureno Filho veio mostrar a importn-cia que estes dois reformadores do nosso ensino atribuem formao social do professor.O exemplo, alis, foi seguido em So Paulo, onde o Professor Fernando Azevedo prestouidntico servio ao curso normal,

    Conclui ento:

    Este primeiro ensaio de Sociologia Educacional apenas uma tentativa de aclimao, emnosso meio, de um ramo de estudos sociolgicos especiais, hoje j correntes nos EstadosUnidos. Este fato explica, em parte, as referncias to freqentes a fontes norte-america-nas (CARVALHO, 1940, Introduo).

    Deseuropeizava-seDelgado de Carvalho e, com isto, podemos dizer alava voosbem mais altos. Ainda no mbito do curso Normal, onde labutou at 1954, publicou em1926 a sua Chorographia do Districto Federal. No prefcio redigido por ele em Petrpolis,

    qualica esse seu livro de 110pginas, alm de um corpo de 23 ilustraes, no naleditado pela Livraria Francisco Alves, de primrio. Justicando que assim pode serchamado quando correspondendo a um ano do curso primrio, destinado a orientar

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    o professorado encarregado de ministrar os ensinamentos do referido ano. O livro destinado no ao aluno, mas s mestras, j que

    [...] aps numerosas visitas a nossas escolas municipais e depois de longas conversas comas professoras [...] cheguei concluso que, dado o elemento discente que freqenta nossasescolas, dados o preparo, a dedicao e a boa vontade que caracterizam o atual corpo docentemunicipal, prefervel, at o quarto ano primrio, escrever livros destinados a auxiliar as pro-fessoras, do que livros destinados diretamente s crianas (CARVALHO, [1926], Prefcio).

    Na realidade, essa Corograa vinha bem mais em auxlio Geograa local, toignorada quanto malministrada aos estudantes.

    Sua atuao no perodo Vargas foi intensa e profcua, comeando pelo Decreto n19.850, de 11 de abril de 1931, atravs do qual era nomeado membro do Conselho Nacio-nal de Educao, como representante do Ensino Secundrio Federal. Resultando da seuslivros didticos (para as quatro sries do curso ginasial) de Geograa e Histria, que, coma unicao do ensino e centralizaes dos programas no Colgio Pedro II, transformado

    em padro, iriam servir a toda uma gerao de estudantes em todo o Brasil.A Geograa do curso ginasial de ento comeava no primeiro ano pela parte geral

    de seu conhecimento nos setores fsico, poltico e humano. Os continentes entravam nosegundo ano, e na nota preliminar que abre o compndio, Delgado de Carvalho justicaque, vencida a primeira etapa, aos 13 anos mais ou menos, o aluno j estaria preparadopara aplicar as noes precisas que aprendera no ano anterior ao mundo do qual faziaparte. Importante nessa nota preliminar (CARVALHO, 1923), sua posio quanto gra-a dos topnimos: Quando no existem formas vernculas j vulgarizadas e conhecidasde todos os interessados, evitamos abrasileirar os nomes estrangeiros por causa do perigode cair no extremo e de apresentar palavras que atlas nenhum utiliza. Assim podemosconsiderar Londres como palavra denitiva no lugar de London, mas absurdo transfor-mar no futuro do verbo ir - Iro, o pas que, na realidade, se chama Ir.

    Quando no IBGE tentou uniformizar os topnimos internacionais, depois queo rgo havia tomado tal atitude com relao aos nacionais. Elaborou ento pginascom colunas encimadas pelas palavras - alemo, ingls, francs, italiano, espanhol eportugus; nesta ltima, seria escrito o topnimo adotado pela maioria dos vrios atlasconsultados. Mas, estava-se no nal da gesto de Jurandyr Pires Ferreira, na presidn -cia do IBGE, que pretendia apoiar a ideia; a mudana do governo Kubitschek para o deJnio Quadros faria abortar a ideia.

    O prognstico que zera ainda em 1943 de que - muito em breve sero tomadaspelas autoridades competentes certas medidas que limitaro possveis divergncias,essas continuam. Em publicaes do mesmo Ministrio da Educao, o Atlas geogrcoe oAtlas histricoda Fundao de Auxlio ao Estudante - FAE divergem. No primeiro,a FAE aceita as graas, por exemplo de Romnia, Camares e Amsterdan; no segundo,aparecem a Rumnia, o Camerum e Amsterdam. Urge, pois, por parte do IBGE, umtrabalho srio e meticuloso sobre os topnimos internacionais.

    Aps o governo Jnio Quadros, a colaborao de Delgado de Carvalho ao IBGEatravs doAtlas de relaes internacionais passou a ser feita de seu apartamento em Co-pacabana, como j nos referimos. No interregno saindo da Beira Mar, 436 - 8 andar,trabalhou Delgado de Carvalho na Frank1in Roosevelt, 146, onde tambm estava a Pre-sidncia do IBGE. A foi feito oAtlas de relaes internacionais em um volume, com dese-nho cartogrco de Martinho Correia e Castro e retratos a bico de pena de Ivan WasthRodrigues. O setor j se denominava de Geograa Internacional. No prefcio, a granderealidade - saa a geopoltica do setor estritamente militar para o civil, e caberia ao IBGEesse grande feito; da as palavras de seu Presidente em exerccio:

    O Atlas que ora se apresenta tem um valor muito expressivo para o Instituto Brasileiro de

    Geograa e Estatstica e, porque no dizer, para o Brasil. ele a primeira grande publica-o de geopoltica realizada no Setor de Geograa Internacional, recentemente criado noConselho Nacional de Geograa (ATLAS..., 1960, Prefcio).

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    Complementando, diramos que o referidoAtlastem sobretudo valor histrico,pois publicando pela primeira vez um mapa da defrontao da Antrtica, conduziriao Pas a todo um processo de que resultaria na assinatura do Tratado de Washington e

    instalao de uma base brasileira no Continente Austral.Colaborando com a Publicao n 6 - Srie C de Manuais da Biblioteca Geo-grfica Brasileira, do Conselho Nacional de Geografia, publicou ainda Delgado deCarvalho Leituras geogrficas em 1965. Enquanto por inspirao de Antnio Teixei-ra Guerra saa a segunda edio de um livro j esgotado de Delgado de Carvalhoem 1967; foi a Geografia humana: poltica e econmica. Documentado e fartamenteilustrado pelo Conselho Nacional de Geografia, o referido livro aps uma intro-duo geral sobre os diferentes ramos da Cincia compe-se de quatro grandesunidades que envolvem estudos dos Grupos Humanos, passa para o habitat, chegaat a Ocupao Produtiva do Solo e termina focalizando a Indstria, Comrcio eComunicaes.

    Todo esse trabalho no remunerado feito por Delgado de Carvalho ao IBGE, pos-svel graas a sua participao no Diretrio do Conselho Nacional de Geograa; que

    desde sua fundao, em 23 de maro de 1937, foi ele o Representante do Ministro daEducao no rgo.

    Como destacado gegrafo no mbito internacional, Delgado de Carvalho levariao nome do IBGE ao exterior. que como convidado da Organizao das Naes Unidaspara a Educao, a Cincia e a Cultura - UNESCO, organizou e dirigiu o Seminrio deGeograa em Montreal (1950), conseguindo trazer para o Rio de Janeiro o XVIII Con -gresso Internacional de Geograa. Ainda em Montreal admirou os presentes, quando,no decurso do encerramento, comeou falando em alemo, da para o ingls, em segui-da o francs e terminou seu discurso em portugus.

    Membro Honorrio, Scioefetivo ou Correspondente de vrias entidades hist-ricas e geogrcas no Brasil e exterior, foi Delgado de Carvalho o primeiro brasileiroa ser agraciado em 1952 com a medalha David Livingstone, s atribuda a gegrafos

    de renome pela The Arnerican Geographical Society; tornou-se por isso, Membro doCouncil of the American Geographical Society.Portador da medalha Lgion DHonneur, criada por Napoleo Bonaparte, foi

    sempre intensa a sua ligao com intelectuais do pas onde nascera.Ainda no setor didtico, depois da Geograa geral do Brasil escrita para a terceira

    srie ginasial, que classicou segundo termo pitoresco de James Fairgrieve, de Gram-tica da Geograa, encerrava o ciclo com a Geograa regional do Brasil para a quarta srie.A primeira cabia a estrutura - relevo, clima, vegetao, populao - como substan-tivos, adjetivos, verbos ou conjunes. J a segunda era a sintaxe da Geograa, que

    bem preparada permitiria a expresso do pensamento; a geograa regional viva eintegrada, com propsitos e ideais, que revela a bela unidade da Nao. Feliz o mestrebrasileiro que sabe cativar a ateno, o interesse, a simpatia de seu jovem auditrio comassuntos brasileiros, exatamente porque brasileiros.

    Na sua Geograa regional, agradece Delgado de Carvalho ao IBGE por t-lo auxi-liado com mapas e fotograas, destacando entre outros Christovam Leite de Castro eFbio Macedo Soares Guimares; em 30 de janeiro de 1993, completou esse livro o seucinquentenrio, aps haver servido a toda uma gerao de brasileiros.

    A nomeao de Delgado de Carvalho, por Getlio Vargas, para exercer as fun-es de membro da Comisso do Livro Didtico em 14de agosto de 1939, desenca-dearia no s a srie de livros de Geograa, mas tambm de Histria. Defendia acronologia e, como o Brasil s nasceria para o Mundo Conquistador durante a EraModerna, optava, para as duas primeiras sries ginasiais, para sucessivamente - His-trias Antiga e Medieval, seguindo-se a Histria moderna e contempornea. Somentedepois, na terceira e quarta sries se detalharia o Brasil. Eram as mesmas gramtica esintaxe usadas para a Geograa.

    Seus livros didticos de Geograa tiveram bem melhor aceitao que os de Hist-ria. Criticado pela prolixidade nos livros de Histria, responderia Delgado de Carvalho(1959) na Introduo do volume destinado aos perodos Antigo e Medieval.

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    Ponderam freqentemente colegas e amigos que os compndios de minha lavra nemsempre so de fcil manuseio para alunos do curso secundrio. A crtica justa: devo,entretanto, dizer porque hesito em mudar de sistema. O aluno secundrio, em primeira

    srie, por exemplo, tem em mdia 12 anos de idade, so poucos os mais moos, so mui-tos os mais velhos. Ora, os compndios europeus que meus colegas to bem conhecem eapreciam, os compndios franceses principalmente, so de tal modo mais ricos e infor-mativos nas sries correspondentes que, no julgando eu os nossos jovens patrcios infe-riores aos europeus, no me posso resignar a trat-los como alunos primrios baixandoo padro de ensino nacional. Nestas condies, deixo nos meus livros o que penso poderlhes ser til algum dia, sem insistir no estudo da totalidade do texto oferecido. Este diavir, creio eu, com o melhoramento gradual do ensino secundrio entre ns.

    Compactuo na crtica, pois estudei tanto nos livros de Geograa quanto nos deHistria de meu mestre e amigo Delgado de Carvalho, e senti nos ltimos maioresdiculdades. Acredito que os franceses, sempre como centro da Histria, mesmo an-tiga e medieval, tanto quanto na moderna e contempornea, tinham a matria como

    assunto bem mais familiar, que ns brasileiros; no s mais familiar como bem maisao seu dispor em runas romanas, castelos medievais, ou ento no Louvre, onde at oEgito antigo se faz presente graas a Franois Champolion e Napoleo. Essa superio-ridade no se compara, pois ao plano material-cultural brasileiro, que s marginal-mente aparece na Histria a partir da Era Moderna. No se trata, pois, de inferiorida-de e sim de oportunidade.

    Assim, a mesma opinio de prolixidade se atinha aos seus famosos tijoli-nhos, como ele apelidava as Smulas de histria colegial que serviram aos alunosdos cursos de Geografia e Histria da Faculdade Nacional de Filosofia, para osfamosos testes (impressos em papel branco, azul e amarelo) para contarem comonotas de estgio.

    Parece ter sido profunda a admirao de Getlio Vargas por Delgado de Car-

    valho, nomeado a 8 de maio de 1940 para o cargo de delegado do Brasil na XI Seo(Educao) do 8 Congresso Cientco, realizado entre 10 e 18 daquele ms e ano.Foi para apaziguar nimos exaltados no Colgio Pedro II que Vargas o nomeou

    Diretor-Geral do externato pelo Decreto n 19.398, de 11 de novembro de 1931. Porpouco tempo no cargo, criava o Conselho de Alunos em tentativa de que o prpriocorpo discente se autocomandasse no sistema disciplinar, e introduzia o uso do ba-landrau (como ele denominava o guarda-p) para os inspetores. Granjeou, por suasideias inovadoras vrios opositores na Congregao do Colgio, onde uma voz semprese levantou em seu favor - a do professor Jos Cavalcanti Barros Accioli.

    No dispensava o balandrau quando dava suas aulas na Faculdade Nacionalde Filosoa e no Instituto de Educao, respectivamente, como catedrtico de Histriamoderna e contempornea e de Sociologia; das duas unidades s saiu pela compuls-ria, ao completar seus 70 anos de idade.

    No magistrio superior, havia ingressado, em 1936, como professor de His-tria contempornea da Universidade do Distrito Federal, tendo, por curto pero-do, ocupado interinamente a Ctedra de Geograa do Brasil. Em 1939, tornava-seprofessor catedrtico de Histria moderna e contempornea na Universidade doBrasil, que com a transferncia da capital para Braslia, em 1960, transformava-se naUniversidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Na compulsria, continuou, comoprofessor contratado, a dar aulas no curso de Jornalismo (1954-1957), quando a Con-gregao da Faculdade houve por bem conceder-lhe o ttulo de Professor Emrito(1956). Encarregada ento de organizar-lhe o Curriculum Vitae, tive acesso a um ga-veto em sua biblioteca, onde pude manusear vasta papelada e adentrar-me umpouco mais em sua vida j longa e profcua. S ento a famlia e sua prpria esposapassaram a saber o que sempre procurou esconder - a data de seu aniversrio, que

    sua certido de batismo declinava.A sala de aula era o seu trono do qual reinava e atraa os alunos, seus sditos

    e admiradores em sua maioria. Dentre esses, dedicou especial destaque e carinho por

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    Jorge Zarur, gegrafo do IBGE, que foi por vrios anos diretor de diviso no ConselhoNacional de Geograa. Com ele e Wanda Cardoso (depois Torok pelo casamento), es-creveu para o curso secundrio os Cadernos de Histria.

    Sempre muito sereno, contou-me sua esposa que o vira chorar uma nica vez -ao saber da morte do pai. Por duas vezes vi lgrimas correrem nas faces. A primeira,quando em Petrpolis, recebeu a notcia da morte prematura do Zarur; escreveu, naocasio, comovente artigo para oJornal do Brasil, que intitulou -Meu lho Jorge. E, coin-cidentemente, tambm em Petrpolis, quando infartado de poucos dias numa cama,viu-se impedido de comparecer ao sepultamento da sua Vera, que o deixava quandoexatamente completavam 53 anos de casados, a 9 de janeiro de 1962. A partir de entojamais deixou de vestir ternos de cor preta, e enquanto teve foras ia todos os meses, nosdias 9, ao Cemitrio So Joo Batista, para estar por alguns instantes diante do tmuloda esposa, para onde tambm iria no dia 4 de outubro de 1980, aps 96 anos de vidatumultuada e produtiva.

    Vida produtiva para a qual no lhe agradavam os cargos de mando; por isso,seria muito rpida a sua passagem pelo Departamento de Histria e Documentao

    - DHD da antiga prefeitura do Distrito Federal, e ainda da direo geral do ColgioPedro II. Desta, assim que pode, sugeriu ao Ministro Francisco Campos que transferisseo cargo para o Henriquinho; com a nomeao deste, comodamente passou-se para osegundo escalo, aceitando o cargo de vice-diretor. O Henriquinho era, na realidade,o professor Henrique Dodsworth, catedrtico de Fsica no Colgio que, alguns anosdepois, seria levado por Getlio Vargas para a prefeitura da Cidade (1939-1945).

    Desta poca, Delgado de Carvalho costumava destacar tambm o lho do colegae amigo Jos Accioli; o rapaz frequentava ento o Colgio Pedro II como Casquinha- como se denominava os que procuravam preencher vazios dando aulas. Esse Casqui-nha era Roberto Bandeira Accioli, que viria a se tornar catedrtico de Histria, ondefoi ainda diretor-geral, cargo que acumulou com a Presidncia do IBGE at a Revoluode 1964.

    J na casa dos 70, Delgado de Carvalho iria vrias vezes ao Colgio visitar Accio-li; exibia ento ao porteiro Rizero a sua carteira de vice-diretor. Gabava-se de continuarno cargo para o qual fora nomeado... jamais pedira demisso... e do qual nunca haviasido exonerado.

    Figura singular e curiosa a desse brasileiro que se tornou francs sem o saber, eacidentalmente se naturalizou.

    Professor antes de tudo, nos ltimos anos da Faculdade Nacional de Filosoatambm colaborava com o Instituto Rio Branco, no Itamaraty da Avenida Marechal Flo-riano, dando aulas de Histria diplomtica do Brasil, ttulo de um livro publicado em1959, em So Paulo, pela Companhia Editora Nacional. Com 409 pginas, fartamenteilustradas, confessa Delgado de Carvalho (1959) no Prembulo da obra:

    As pginas que se seguem foram escritas, em sua maior parte, por ocasio de um cursode Histria Diplomtica do Brasil, do qual, em 1955 fui incumbido pelas autoridades doInstituto Rio branco. At ento eu me havia especialmente dedicado Geograa do Bra-sil, mas o desejo de continuar a conviver com a excelente turma de rapazes aos quais euhavia lecionado Histria Diplomtica Mundial, me levou a aceitar uma tarefa nova paramim. Se a vida comea aos quarenta pensei eu, um simples trabalho novo pode comearaos setenta. Os originais das prelees, destinados ento a publicao foram em 1956 per-didos pelo editor8que dela se havia encarregado. Lastimei a perda, principalmente por-que alguns de meus mais distintos discpulos como Antonio Amaral de Sampaio e SergioRouanet, haviam trazido valiosas notas e contribuies... Entre os que me sucederam,porm no Instituto Rio Branco, destacou-se um reconhecido especialista na matria, meuparticular amigo e colega Amrico Jacobina Lacombe, Diretor da Casa de Ruy Barbosa.Resolveu ele fazer reviver o meu extraviado trabalho, aproveitando apostilas, revendo

    8Era a Organizao Simes, estabelecida com seu escritrio numa sobreloja da Rua Mxico, de frente para a parte lateraldo atual Consulado dos Estados Unidos. Muito crtico, Delgado de Carvalho apelidou-a de Desorganizao Simes.

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    manuscritos e corrigindo com paciente ateno alguns novos captulos, em vista de sernalmente publicado. No sei como agradecer tamanha dedicao, pois duvido mesmoque a obra tenha merecido.

    E mereceu..., pois esta obra que consta de 21 captulos mereceria a ateno doprofessor Raul dEa, da Universidade de Washington, que traduziu suas pginas parao ingls e veio ao Brasil pedir permisso para sua publicao. A referida traduo foilida e plenamente aprovada por Delgado de Carvalho; mas, regressando aos EstadosUnidos, Raul dEa veio a falecer pouco depois; o exemplar em ingls ao que parece,como os primitivos originais em portugus, tambm devem ter desaparecido.

    Em 1957, uma repentina rouquido afastaria Delgado de Carvalho denitiva-mente das salas de aula; tratava-se de um processo cancergeno inicial nas cordas vo-cais, felizmente logo detectado e prontamente debelado.

    Voltou-se ento com anco para as pesquisas que ndaram em 1977 com a inaca-bada Geohistria das civilizaes comparadas.J ento procurava dar nfase Geopoltica,que aparece inserida em captulos de suas Histrias gerais escritas tanto para o Instituto

    Nacional de Estudos Pedaggicos - INEP, quanto para Editora Record, a qual se unirapela amizade dedicada ao ex-aluno, Dcio Abreu. E foi justamente para a Record que, em1973, produziria, dedicado ao Nvel Superior, o livro intitulado - Relaes internacionais.

    Em sua Introduo, procura explicar que os estudos da Histria estavam evoluin-do com as condies do mundo em rpida mudana. Assim, continuava:

    [...] nos graus universitrios as aulas de Histria devem mudar de objetivos: a informaotem de ser justicada. So necessrias interpretaes geogrcas, sociais, econmicas emesmo polticas... A este propsito convm lembrar que uma boa base geogrca dedecisivo auxlio para a compreenso da maior parte dos episdios relatados. inadmiss-vel que, numa aula de Histria, o estudante no tenha sob suas vistas um atlas ou mapasrelativos aos assuntos em estudo. Por isso mesmo, registra-se atualmente uma tendncia

    a chamar a Histria de Geohistria e, em certos casos, de Geopoltica... O termo Geopol-tica foi um tanto maltratado por exageros de naes egostas, mas refere-se no s aogeogrca do Estado, no espao e no tempo, no presente e no futuro, como tambm ainterpretaes do passado (CARVALHO, [1971]).

    Saindo do isolacionismo, os Estados Unidos lanavam-se como superpotnciano mbito das Relaes Internacionais, aps a Segunda Guerra Mundial. E, surgiamnaquela nao publicaes como Foreign aairs e World politics, que Delgado de Car-valho assinava; procurou ento trazer para o Brasil essa nova tendncia no s nosfascculos dos atlas internacionais que produzia para o IBGE, como no seu livro inti-tulado Relaes internacionais, admitindo que a disciplina ainda no foi sistematizadae reina certa diversidade.

    Em seu inovador livro - Relaes internacionais,procura fazer um

    primeiro esboo das principais feies que levam a uma interpretao sbria do tempopresente. No creio que a um professor de 87 anos seja aconselhvel tentar uma integralexposio de um assunto novo. Trata-se aqui de iniciar os estudos com um esboo dosquadros geogrcos dos continentes, para lembrar os cenrios das atividades internacio-nais e sublinhar neles algumas feies de sua Geohistria. Na segunda parte do trabalho,resumi as Estruturas Sociais e as Estruturas Geopolticas seguidas de um rpido apa-nhado de Direito Internacional Pblico que lembram episdios de relaes diplomticasdo passado. A terceira parte consignada ao Estado Moderno, ao seu advento, a suasorganizaes e suas transformaes. Por m, a quarta parte, que, em realidade, deve-ria ser mais importante, dedicada ao estudo sucinto das Questes do Tempo Presente(CARVALHO, [1971]).

    Alertando aos professores brasileiros sobre a necessidade de manter as novasgeraes a par do que se passava no Mundo, renovava suas esperanas naquele Brasil

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    Geograa e geopoltica36 ........................A contribuio de Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro

    que o acolhera e que ele escolhera - um pas grande que se est tornando um grandepas e necessita de elites jovens para compreend-lo, servi-lo e am-lo.

    No sobreviveu Delgado de Carvalho para ver esse Mundo de Eixo Leste/

    Oeste se esboroar, com a queda da URSS, desaparecimento do Pacto de Varsvia, eaparecimento de Eixos Norte/Sul. Mas vaticinou de certo modo o que poderia vira ser o Mundo dentro de uma Nova Ordem Internacional, quando surgissem ostransnacionalismos, uma perspectiva de substituio do terror pela importnciados interesses econmicos e cientcos. A ento... escreve o ltimo pargrafo dolivro - Os gastos em armamentos sero reduzidos em prol de maiores investimen-tos civis na vida dos povos, melhorando suas condies de conforto, de sade, eeducao e de prosperidade, numa atmosfera de paz e de ordem internacional(CARVALHO, [1971], p. 279).

    Em sua vasta e especializada biblioteca de Copacabana, onde se escreveu a totali-dade dos fascculos doAtlas de relaes internacionais, o velho professor de idias novas,cava das 7 s 18 horas, com intervalos de almoo e breve lanche, para as recordaesque permitiriam, em grande parte, a elaborao desta Biograa.

    Nesta mesma biblioteca, na manh de 9 de janeiro de 1978, ano em que serialanado o seu ltimo livro Histria documental (moderna e contempornea), tambm pelaRecord, quando nos preparvamos para mais um dia de trabalho, chamou-me at asua mesa e... capitulou. Estou baixando! No conseguirei fazer mais nada! Procureireanim-lo... olhou-me, limitou-se a jogar a caneta sobre uma folha de papel ainda embranco. Afastou-se da mesa de trabalho... sentou-se em sua bergre... e nunca maisvoltou a escrever. Denhou nos ltimos anos que ainda teria de vida.

    Singular em todos os sentidos, esse homem, familiarmente, era tratado por Bread.Apelido que surgiu no primeiro vero, dentre os vrios que passou na casa de veraneiode meus pais na Comendador Bastos, Ilha do Governador. Na mesa, para o caf da ma-nh, diante do seu lugar, colocava sempre a caixinha que guardava a faca usada paracortar o po preto que comia com a marmalade, gelia de laranja moda inglesa. Na

    tampa, estava escrito a palavra Bread. Passei a cham-lo de Bread, gostou do apelido, quepediu fosse substituto do tradicional vov, como chamavam-no os netos e bisnetos. Ocasal de lhos e nora, por sua vez, tratavam-no por Dead; consequncia de recordaes,que zeram-no abolir o termo em portugus.

    E aqui termino esse transcorrer de passagens da vida de um inovador, que po-dem ser resumidas no pensamento de Goethe - o que passou, passou... mas o quepassou luzindo resplandecer para sempre.

    Referncias

    CARVALHO, Delgado de. Chorographia do Districto Federal. So Paulo : Francisco Alves,[1926]. 110 p.

    ______. Geograa do Brasil: de accordo com o Programma do Collegio Pedro II, de 1923(livro indicado pelo programma). Rio de Janeiro: Empresa Graphico-Editora, 1923.231 p.

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