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1 ETNOGRAFIA DA TRIPLICE FRONTEIRA: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES 1 BÁRBARA FREITAS RIBEIRO NOGUEIRA 2 CLAUDELIR CORREA CLEMENTE 3 RESUMO: Este artigo apresenta resultados de estudo antropológico sobre a tríplice fronteira, região que reúne Brasil, Argentina e Paraguai. Trata-se de dados das primeiras aproximações a essa complexa e dinâmica realidade social. A partir de inserções etnográficas, realizadas na região, em especifico nos locais de grande movimentação turística e comercial das cidades de Foz do Iguaçu (BR), Ciudad Del Leste (PAR) e áreas populares de Puerto Iguazu (ARG), buscaremos realçar neste cenário as pessoas, sua nacionalidade, seus motivos migratórios ou de lazer e tecer algumas considerações sobre as relações entre brasileiros, paraguaios e argentinos. PALAVRAS-CHAVE: Fronteiras, Migração, Cultura. ABSTRACT: This article presents results of anthropological study about the triple frontier, place that combines Brazil, Argentina and Paraguay. It is data of the first approaches to this complex and dynamic social reality. From these first inserts ethnographic observations, performed in the region, in specific places of great tourist and commercial drive of the cities of Foz do Iguacu (BR), Ciudad del Leste (PAR) and popular areas of the city Puerto Iguazu (ARG), we seek highlight in this scenario: people, their nationalities, their migratory or leisure reasons and we made some considerations about the relations between Brazil, Paraguay and Argentina. KEY WORDS: Frontier, Migrations, Culture. 1 Relatório de pesquisa desenvolvida durante o Programa de Bolsas Institucional de Iniciação Científica FAPEMIG/UFU 2010 – 2011. 2 Acadêmica do Curso de Ciências Sociais – Instituto de Ciências Sociais (INCIS) Universidade Federal de Uberlândia. Avenida João Naves de Ávila, 2121, Uberlândia, CEP: 38408-100; [email protected] 3 Prof.a Dr.a, Claudelir Corrêa Clemente docente do Instituto de Ciências Sociais (INCIS).Orientadora do projeto. Universidade Federal de Uberlândia. Avenida João Naves de Ávila, 2121CEP: 38408-100; [email protected]

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    ETNOGRAFIA DA TRIPLICE FRONTEIRA: PRIMEIRAS APROXIMAES 1

    BRBARA FREITAS RIBEIRO NOGUEIRA2

    CLAUDELIR CORREA CLEMENTE 3

    RESUMO:

    Este artigo apresenta resultados de estudo antropolgico sobre a trplice fronteira, regio

    que rene Brasil, Argentina e Paraguai. Trata-se de dados das primeiras aproximaes a

    essa complexa e dinmica realidade social. A partir de inseres etnogrficas, realizadas

    na regio, em especifico nos locais de grande movimentao turstica e comercial das

    cidades de Foz do Iguau (BR), Ciudad Del Leste (PAR) e reas populares de Puerto

    Iguazu (ARG), buscaremos realar neste cenrio as pessoas, sua nacionalidade, seus

    motivos migratrios ou de lazer e tecer algumas consideraes sobre as relaes entre

    brasileiros, paraguaios e argentinos.

    PALAVRAS-CHAVE: Fronteiras, Migrao, Cultura.

    ABSTRACT:

    This article presents results of anthropological study about the triple frontier, place that

    combines Brazil, Argentina and Paraguay. It is data of the first approaches to this

    complex and dynamic social reality. From these first inserts ethnographic observations,

    performed in the region, in specific places of great tourist and commercial drive of the

    cities of Foz do Iguacu (BR), Ciudad del Leste (PAR) and popular areas of the city

    Puerto Iguazu (ARG), we seek highlight in this scenario: people, their nationalities,

    their migratory or leisure reasons and we made some considerations about the relations

    between Brazil, Paraguay and Argentina.

    KEY WORDS: Frontier, Migrations, Culture.

    1Relatrio de pesquisa desenvolvida durante o Programa de Bolsas Institucional de Iniciao Cientfica FAPEMIG/UFU 2010 2011. 2 Acadmica do Curso de Cincias Sociais Instituto de Cincias Sociais (INCIS) Universidade Federal de Uberlndia. Avenida Joo Naves de vila, 2121, Uberlndia, CEP: 38408-100; [email protected] 3 Prof.a Dr.a, Claudelir Corra Clemente docente do Instituto de Cincias Sociais (INCIS).Orientadora do projeto. Universidade Federal de Uberlndia. Avenida Joo Naves de vila, 2121CEP: 38408-100; [email protected]

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    1- INTRODUO:

    A trplice fronteira localiza-se na Amrica do Sul composta por Brasil,

    Paraguai e Argentina, em uma regio situada na confluncia de dois rios, o Paran e o

    Iguau. Os rios banham trs cidades da trplice fronteira: Ciudad Del Este (PAR),

    Puerto Iguazu (ARG) e Foz do Iguau (BRA). A conhecida Ponte da Amizade,

    inaugurada em 27 de maro de 1965, une Paraguai e Brasil e a Ponte da Fraternidade,

    Brasil e Argentina. Alm das pontes, a regio possui a Hidreltrica de Itaipu, concluda

    em 1989.

    Figura 1: Mapa de localizao da trplice fronteira entre Brasil, Argentina e

    Paraguai

    Fonte: http://images.google.com.br/

    Acesso: 14/11/2011

    Na regio existe um grande mercado de fronteiras, principalmente de artigos

    importados, situado em Ciudad Del Este, cujos produtos possuem preos

    significativamente baixos em relao ao comrcio sul-americano, o que torna a regio

    mais atrativa e sujeita a vrios problemas.

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    Nesse espao desenvolvem-se relaes sociais que envolvem brasileiros,

    argentinos e paraguaios, alm de outros indivduos e coletivos de vrias nacionalidades,

    atrados por diversos interesses: lazer, trabalho, economia formal e informal, negcios

    lcitos e ilcitos.

    Toda essa intensidade social sinaliza uma realidade cultural singular, fomentada

    por fluxos migratrios que no cessam de adensar, povoar e movimentar a regio. As

    causas que levam esse contingente populacional para a regio so muitas, mas, dentre

    elas, a modernizao da economia rural e o barateamento das terras paraguaias, nos

    anos de 1960, motivaram uma migrao de tipo econmico, sendo proprietrios e

    trabalhadores rurais de nacionalidade argentina e brasileira atrados para regies da

    fronteira paraguaia entre Argentina e Brasil.

    Esses deslocamentos e seus povoamentos acabam por gerar relaes

    provocadoras de desigualdades sociais, de tenses interculturais, de encontros e

    desencontros. Encontros, porque a regio, por sua densidade social, tambm guarda uma

    riqueza cultural, brechas do convvio, da sociabilidade que se abrem para alm dos

    motivos econmicos e por vezes alam relaes sociais amistosas.

    No menos importantes so os deslocamentos motivados pelo comrcio de

    fronteira e so eles que nossa etnografia buscou captar para que aqui, neste texto, o

    leitor possa sentir um pouco da atmosfera local, a movimentao, o dia a dia da trplice

    fronteira, as pessoas, suas nacionalidades e os motivos que as conduzem a esse espao.

    2. MATERIAL E MTODOS

    Esta pesquisa enquadra-se no campo das Cincias Sociais, na rea de

    Antropologia, e privilegiou o uso do mtodo etnogrfico na realizao dessas primeiras

    inseres nas complexas experincias sociais que se processam na trplice fronteira. Em

    complemento etnografia, agregamos alguns relatos de pessoas que vivem e ou se

    movimentam na regio. As anlises dos dados obtidos foram realizadas com base nas

    produes tericas sobre mobilidade e fronteiras realizadas por Albuquerque ( 2005e

    2010), Bernardo & Clemente( 2008), Matos( 2005), Rabossi, (2004) e Sales, (1996).

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    Os dados etnogrficos apresentados so resultantes das idas a campo, realizadas,

    a primeira, no ms junho de 20094 e, a segunda, em julho de 20105. A seguir

    destacaremos algumas consideraes que foram levadas em conta na pesquisa no que se

    refere a sua opo etnogrfica.

    O antroplogo Fernando Rabossi (2004), pesquisador da regio, aponta que

    etnografar a alteridade em zonas de fronteira, cuja rotina pautada pelo burburinho do

    comrcio e do turismo, algo desafiador devido a um fluxo intenso de pessoas

    diversas e complexas.

    Com essa perspectiva de um fazer etnogrfico em meio confluncia de vrias

    culturas e povos, tivemos que inovar nossa abordagem em campo e nos pautamos

    metodologicamente em estudos antropolgicos que possibilitassem a pesquisa de

    fenmenos das sociedades complexas, a saber, nos apoiamos nos estudos do j citado

    antroplogo Fernando Rabossi (2004) e nas discusses metodolgicas do antroplogo

    Jos Guilherme Cantor Magnani (1996).

    Em especfico, Magnani (1996) nos permitiu entender que lidvamos com um

    objeto de difcil acesso, via uma abordagem antropolgica clssica, porque,

    diferentemente da realidade de campo encontrada pelo antroplogo Evans-

    Pritchard,que afirmou, em estudo clebre dos anos 1940 intitulado Os Nuer: da porta

    da minha barraca podia ver o que acontecia no acampamento ou aldeia e todo tempo

    era gasto na companhia dos Nuer (Evans-Pritchard apud Magnani, 1996: 4),

    encontramos na trplice fronteira um espao em movimento, no tnhamos uma

    comunidade fixa a um territrio, com densos laos sociais como aqueles encontrados

    por Evans-Pritchard e demais antroplogos de sua poca.

    Contrrio a esse viver comunitrio, a trplice fronteira palco de diversas

    experinciais sociais nem sempre portadoras de vnculos comunitrios densos e muito

    menos presos ao territrio da trplice. No entanto, so relaes sociais com contedos

    simblicos significativos para as pessoas que ali se movimentam e ou vivem.

    Essa realidade nos atraiu justamente pela procedncia de seus transeuntes, pela

    variedade de modos de vida e, sobretudo, pelos motivos que levavam as pessoas a esse

    4 O trabalho de campo foi realizado por ocasio de um trabalho final de uma disciplina cursada no primeiro semestre de 2009, no curso de Relaes Internacionais na Universidade Federal de Uberlndia; sob orientao do professor Sylvio Andreozzi. 5 A segunda ida a campo foi realizada na data de 27/07/2010 sob a vigncia do perodo da Iniciao Cientfica.

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    local que, para ns, fomentava um tipo de espao mundo erigido nos encontros e

    desencontros de povos e culturas.

    Na medida em que nos conscientizamos dessa realidade, buscamos nas

    orientaes constituir suportes metodolgicos que permitissem a uma bolsista iniciante

    trilhar os primeiros desafios da pesquisa antropolgica.

    Assim, um dos primeiros passos foi identificar, por meio do estudo bibliogrfico

    de pesquisas realizadas na regio (Albuquerque, 2009 e 2010; Rabossi, 2004), pontos

    estratgicos que facilitassem o contato com pessoas interessadas em se deslocar para e

    usufruir da trplice fronteira. Nessa primeira etapa identificaram-se como pontos as

    rodovirias e os aeroportos. Optamos por etnografar os aeroportos, dada a necessidade

    que teria a bolsista de viajar por uma longa distncia, sendo prefervel percorr-la por

    avio.

    Um segundo passo foi eleger mais trs pontos estratgicos, a saber, a rea

    comercial de Ciudad Del Este, o Parque Nacional do Iguau e ruas de Puerto Iguazu,

    sobretudo porque os dois primeiros apresentavam a intensa e agitada vida social das

    fronteiras e o ltimo, a cidade de Puerto Iguazu, apresentava alguns aspectos de vida

    comunitria que permitiriam compreender formas de povoamento resultantes de

    migraes econmicas para a regio.

    O ltimo dos suportes metodolgicos, mas no menos importante, foi o de

    coletar relatos de pessoas que vivem e ou se movimentam na regio.

    Acreditamos que, com os relatos, captemos as especificidades da vida social

    local. Assim, foi contatada uma dezena de pessoas cujos relatos sero expostos ao longo

    do texto. Apoiar-se no indivduo uma medida segura, porque nele que se condensa a

    vida social.

    E foi por meio desse contato com as pessoas e com seus espaos sociais, que a

    iniciao cientifica foi-se processando e trilhando os desafios de uma etnografia nas

    fronteiras. Cientes do que atesta Mariza Peirano, acreditamos que

    (...) no h como ensinar a fazer pesquisa de campo como se ensina, em outras cincias sociais, mtodos estatsticos, tcnicas de surveys, aplicao de questionrios. Na Antropologia, a pesquisa depende, entre outras coisas, da biografia do pesquisador, das opes tericas da disciplina em determinado momento, do contexto histrico mais amplo e, no menos, das imprevisveis situaes que se configuram no dia-a-dia no local da pesquisa, entre pesquisador e pesquisados. Peirano apud Magnani. (1996:15)

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    Na trplice observa-se um tipo de espao mundo, com gente de culturas de todos

    os cantos do globo, atestando o que Stuart Hall (2003) nos faz entender em seus estudos

    sobre a cultura contempornea, ou seja, as culturas sempre se recusaram a ser

    perfeitamente encurraladas dentro das fronteiras nacionais. Estamos sempre em

    processo de formao cultural. A cultura uma produo e uma viagem de

    redescoberta. H, porm, dois processos opostos em funcionamento nas formas

    contemporneas de globalizao: existem as foras dominantes que ameaam subjugar

    todas as culturas que aparecem, impondo uma mesmice cultural homogeneizante; e os

    processos que sutilmente esto descentrando os modelos ocidentais, levando a uma

    disseminao da diferena cultural em todo o globo. As identidades, concebidas como

    estabelecidas e estveis, esto naufragando nos rochedos de uma diferenciao que

    prolifera. A alternativa no apegar-se a modelos fechados, unitrios e homogneos de

    pertencimento cultural, mas abraar os processos mais amplos, o jogo da semelhana e

    da diferena que esto transformando a cultura no mundo inteiro.

    Esse caminho pode ser aprendido na regio da trplice fronteira, onde interagem

    grupos sociais de diferentes culturas.

    Ressaltamos, ainda, que os indivduos autores dos relatos que so expostos nesse

    artigo tero seus nomes omitidos para manter sua privacidade. Citaremos apenas seu

    gnero e nacionalidade.

    3. DISCUSSES E RESULTADOS:

    3.1. Migraes e mobilidades

    Na trplice fronteira brasileira, onde Brasil, Argentina e Paraguai dividem seus

    territrios, existe uma populao cuja histria social propiciou a formao de uma

    configurao cultural especfica, marcada por contatos interculturais que permitem

    pensar hibridismo, interao social e relaes intertnicas.

    Grande parte do contingente populacional que ocupa essa regio fronteiria

    fruto de fluxos migratrios provocados em sua maioria por problemas econmicos, mas

    tambm por questes tnicas, religiosas e polticas. Contudo, a questo da desigualdade

    social tem sido uma das causas mais constantes que levam determinados grupos sociais

    a migrarem para regio.

    A partir de meados dos anos 1960, sobretudo durante a dcada de 1970, a

    mobilidade rumo rea de fronteira passou a ser um fator importante. Esses

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    deslocamentos foram provocados principalmente pelas transformaes e modernizao

    das relaes de produo agrria nos pases do Amrica do Sul, revelando uma

    realidade de concentrao e monoplio da propriedade fundiria.

    bom ressaltar que o fenmeno migratrio na regio da trplice fronteira,

    mesmo motivado por questes de fundo econmico, porta em si diferenas no que se

    refere aos estratos sociais dos quais fazem parte esses indivduos e coletivos migrantes,

    pois entre eles h ricos, pobres e pessoas da classe mdia. Em termos de nacionalidade,

    a grande maioria de brasileiros, seguidos de argentinos e, por ltimo p os paraguaios.

    Quando se cruza a fronteira, percebe-se claramente que no se est mais no

    prprio pas. visvel a diferena.

    As estratgias geopolticas de aproximao na trplice fronteira (como a

    construo da ponte da Amizade, Hidreltrica de Itaipu, Parque Nacional do

    Iguau/Parque Nacional Iguaz) tambm favoreceram a entrada da populao

    fronteiria nos pases vizinhos. O que existiu foi uma juno de um processo

    espontneo de deslocamento populacional, (...) com os interesses geopolticos dos

    governos. Albuquerque, (2009:3)

    Na sequncia busca-se realar o perfil social dessas pessoas e esclarecer os

    motivos que levam esses brasileiros, paraguaios e argentinos a se deslocar para regio

    da trplice fronteira.

    3.1.1. Brasileiros no Paraguai Anlises significativas sobre processos migratrios na regio (Albuquerque,

    2009; Fogel, 1990 e 2008; Salles, 1996) ressaltam que a modernizao da agricultura

    brasileira, a partir dos governos militares da dcada de 1970, elevou o preo das terras.

    E esse foi o fator que, sem dvida, pesou nos movimentos migratrios. No foram

    somente os espoliados pobres que se deslocaram por esse processo de modernizao

    do campo, mas tambm investidores rurais em busca de terras com preos mais baixos e

    atraentes.

    Vrios brasileiros que se concentravam em terras no Sul do pas, especialmente

    no estado do Paran, comearam a se transferir para o Paraguai pelas grandes

    facilidades oferecidas no governo do Presidente Stroessner (1954-1989) aos

    proprietrios brasileiros e grandes companhias. Contando com incentivos do governo

    paraguaio, mais a disponibilidade de terras frteis e mais baratas do que no Brasil,

    muitos iniciaram um fluxo de migrao para aquele pas. A poltica de Stroessner muito

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    contribuiu nesse processo, devido pouca rigidez da legislao sobre a propriedade da

    terra, que podia ser adquirida por estrangeiros. Os proprietrios brasileiros, alm de

    investir em terras mais baratas que as brasileiras, tinham como finalidade produzir,

    especular ou arrend-las a terceiros. Esse fluxo migratrio era caracterizado por vrias

    classes de produtores.

    O programa de colonizao paraguaio contribuiu para acentuar esse

    fenmeno, na medida em que, depois de distribuir terras a pequenos agricultores, usou

    de vrios mecanismos para transferi-las a grandes empresrios e especuladores.

    Fogel (1990:56)

    O xodo dos gachos6 e paranaenses7 segue em direo regio de fronteira no

    Sul, Centro-Oeste e no Norte do Pas. No caso dos paranaenses, contribuiu tambm para

    seu xodo a construo da usina Hidreltrica de Itaipu em 1973, cujo reservatrio veio

    alagar 1.350 km sendo que 780 km eram do lado brasileiro e 570 km eram do lado

    paraguaio. (Germani, 1982: 39). Segundo Ferrdas (2004: 419), A atrao exercida

    pela sua construo no atraiu somente brasileiros, mas tambm paraguaios e

    argentinos.

    E para Albuquerque (2009: 3),

    O deslocamento de milhares de trabalhadores para a

    construo da hidreltrica de Itaipu e a indenizao de vrios

    camponeses que viviam no lugar do futuro lago de Itaipu tambm

    contriburam para aumentar o fluxo migratrio para o Paraguai na

    dcada de 1970 e 1980. Albuquerque, (2009: 3)

    De acordo com uma trabalhadora local:

    Acho que o que os une a questo do trabalho. Itaipu uniu Brasil e

    Paraguai e Ciudad Del Este tambm, voc v pessoas diferentes

    trabalhando juntas. Em Ciudad tudo uma baguna, mas sempre tem

    um paraguaio e um brasileiro juntos. (Trabalhadora brasileira, Foz do

    Iguau, Brasil, entrevistada em 27/07/2010).

    O Brasil passava por um processo de modernizao e expulso da populao do

    campo, e o Paraguai tinha a inteno de uma maior participao no mercado

    internacional, abrindo caminhos para escoar seus produtos agrcolas, como a soja e

    algodo.

    6 Gachos Brasileiros nascidos no Rio Grande do Sul. 7 Paranaenses Brasileiros nascidos no Paran.

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    So imprecisos os dados a respeito do fluxo migratrio Brasil-Paraguai, variando

    de 300 mil a 500 mil o total de imigrantes somente durante o governo Figueiredo (1979-

    1985).

    O Censo Demogrfico paraguaio de 1992 computa em 112 mil o nmero total

    de brasileiros que residem no pas. J movimentos sociais ligados Igreja estimam em

    500 mil esse contingente. Sales, (1996:93)

    Essa migrao em massa gerou vrios conflitos no pas entre brasileiros e

    indgenas e camponeses paraguaios, conflitos esses em torno das questes sobre posse

    de terra e que so visveis at os dias de hoje. Os paraguaios sentem que foram

    invadidos e desapropriados pelos brasileiros, que contaram com a ajuda e apoio do seu

    prprio governo, que possibilitou toda a transferncia e garantiu a legalidade da compra

    de propriedades por estrangeiros.

    Assim, muitos indgenas e camponeses no conseguiram manter suas terras,

    vendendo a um baixo custo aos brasileiros e sofrem as consequncias da presena

    massiva desses estrangeiros no local. Esse processo pode ser caracterizado como a

    revoluo dos ricos contra os pobres Polanyi apud Sales, (1980: 17). Os conflitos

    envolvendo brasileiros, camponeses e indgenas paraguaios no se resumem apenas

    disputa pela terra; esto relacionados tambm destruio florestal, uma vez que a rea

    fronteiria ocupada pelos brasileiros era ocupada por uma reserva, e ao uso de

    agrotxicos nas lavouras de soja. O problema relacionando ao meio ambiente e a vrios

    casos de intoxicao de camponeses nessas reas de plantio tem gerado vrios conflitos

    com os camponeses. Assim afirmam os pesquisadores:

    Os pequenos produtores e os camponeses sem-terra lutam principalmente com

    os grandes proprietrios estrangeiros. Albuquerque, (2009:5)

    O que explicito aqui so os modos como os agentes sociais em confronto constroem a polaridade da classe e da nao entre campesinos paraguaios pobres e brasiguaios ricos. Fogel,( 2008:277)

    Os imigrantes brasileiros que conseguiram ascender socialmente controlam

    importantes setores da economia, da poltica e da cultura local nas principais cidades do Paraguai.

    Havia um expressivo nmero de pessoas que moravam no Paraguai e

    na Argentina e que tinham algum vnculo com Foz do Iguau, como

    emprego, conta bancria, propriedades e que usufruam de

    atendimentos sade e jurisprudncia. Pontes, (2009: 5)

  • 10

    O trnsito desses estrangeiros sempre foi livre e constante entre as cidades.

    Figura 2

    Foto da Aduana Ciudad Del Este Foz do Iguau. Registrada pela bolsista Barbara Freitas Ribeiro Nogueira em 29/07/2010 3.1.2 Brasileiros na Argentina

    Os motivos que levam os brasileiros a migrarem para a Argentina so em grande

    medida do mesmo tipo. So possivelmente os mesmos proprietrios que compram terras

    no Paraguai e que levam consigo os trabalhadores que vo utilizar nos seus cultivos.

    Mas na Argentina existe uma legislao em vigor desde os anos 1940 que probe a

    compra de terras por estrangeiros.

    O departamento de Misiones, na regio da trplice fronteira, a principal rea de

    atrao dos migrantes brasileiros, mas, diante da Lei de Fronteira de 1949, esse fluxo

    migratrio foi decrescendo at quase desaparecer. Contudo, na dcada de 1970, voltou a

  • 11

    ser intenso o de brasileiros e guaranis na fronteira de Misiones. De acordo com

    Espndola (1992), Estima-se um fluxo de 50 mil migrantes na dcada de 70, a maioria

    agricultores sem-terra. (Espndola apud Sales, 1992: 3)

    Figura 3.

    Foto da fila de passagem da fronteira Brasil-Argentina. Registrada pela bolsista Barbara Freitas Ribeiro Nogueira em 30/07/2010

    3.2.3 POVOS DA TRPLICE FRONTEIRA NO BRASIL

    Tambm o Brasil recebe imigrantes dos pases pertencentes da trplice.Entre os

    imigrantes h os que so os procedentes da Argentina. Eles esto distribudos no

    Paran, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, e em menor nmero, h migrantes

    argentinos no estado do Rio de Janeiro, So Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso e

    Minas Gerais.

    Isso posto, os fluxos migratrios entre Brasil, Paraguai e Argentina foram

    motivados pela modernizao da economia rural, que desencadeou dois processos de

    deslocamento. O primeiro o de proprietrios rurais e empresrios agrcolas que foram

    em direo as esses pases atrs de terras mais baratas para produzir ou especular. O

    segundo processo a migrao de trabalhadores rurais ou pequenos produtores que

  • 12

    foram desapropriados pelo processo de modernizao e tecnicizao da agricultura e

    foram para aquele local em busca de melhores condies vida. Esse segundo caso ainda

    se configura em um movimento de propores maiores.

    3.2 Etnografando a trplice fronteira: primeiras inseres em campo

    A realizao do trabalho de campo na trplice fronteira implicou o deslocamento

    da bolsista de iniciao cientifica da cidade Uberlndia, no Estado de Minas Gerais,

    quela regio. A primeira cidade visitada foi Foz Iguau, em terras brasileiras. A

    viagem, envolvendo trajeto e trabalho de campo, iniciou-se no ms de julho de 2010 e

    terminou em agosto do mesmo ano. Era a segunda viagem da estudante a trplice, mas a

    primeira como bolsista pesquisadora da regio.

    O deslocamento para a trplice no fcil, o stress e o cansao fsico se fazem

    presentes desde as conexes areas em So Paulo e Curitiba e os atrasos que so

    recorrentes na aviao brasileira, mas, depois de enfrentar trs voos, finalmente chega-

    se cidade de Foz Iguau, que faz divisa com Puerto Iguazu (Argentina) e Ciudad Del

    Este (Paraguai).

    No entanto, essas dificuldades acabam por tornar-se elementos importantes para

    esse tipo de trabalho antropolgico, que tem como um dos objetivos etnografar

    deslocamentos, mobilidades e migraes, como tambm descrever pessoas, motivos de

    viagem, sentimentos, expresses e surpresas.

    Desde a conexo em So Paulo encontram-se amostras desse universo que

    envolve a mobilidade. O primeiro desembarque por vezes torna-se confuso e demorado.

    A viagem de muitos passageiros dificultada por atrasos dos voos, gerando transtornos

    nos demais aeroportos. Ao chegar-se ao saguo do aeroporto de Congonhas/SP, depara-

    se com vrios estrangeiros no local, coreanos, alemes, americanos. possvel precisar-

    lhes o destino. Sua presena sugere ser o Brasil um pas atrativo para o turismo e os

    negcios, pois muitos deles pareciam empresrios.

    O voo para Curitiba atrasa cerca de uma hora e se percebe o nervosismo e a

    preocupao dos passageiros com esse atraso. Havia uma me acompanhada de uma

    criana que iria tambm para Foz do Iguau. Ela comentava com a filha que o voo havia

    atrasado demais e por isso iriam chegar muito tarde em casa. "Quase de noite", como

    ela disse. A previso era de chegada ao destino no final da tarde.

  • 13

    Dentro do avio com destino a Foz Iguau, se observa a diversidade tnica e

    cultural: asiticos, norte-americanos e europeus.

    O trajeto regio da trplice fronteira apresentava-se instigante, surpreendente e

    peculiar. Um americano comentava que estava indo para praticar esportes radicais em

    Foz do Iguau e fazer todos os passeios do parque, j tendo estado l outras vezes.

    Quando o avio se aproximou de Foz do Iguau, todos olharam maravilhados a

    beleza das cataratas vista da janela do avio. Aps a aterrissagem, j no saguo do

    aeroporto, fomos recepcionados por uma escola de samba e duas de suas passistas. Os

    estrangeiros pareciam admirados com o samba e alguns at arriscaram alguns passos.

    possvel tambm ser recepcionado com coreografias de tango, pois esses eventos fazem

    parte da publicidade de estabelecimentos locais.

    O comrcio um dos grandes atrativos da regio e o que nos chama mais a

    ateno, principalmente quando se atravessa a Ponte da Amizade para entrar em Ciudad

    Del Este, magnnima cidade do comrcio de lojistas e ambulantes. Nela, tem-se a

    sensao de se estar no espao mundo, local de confluncia de vrios povos - asiticos,

    europeus, rabes, latino-americanos - que fazem ressoar suas vozes e se movimentam

    por toda trplice fronteira.

    Atualmente o comercio Ciudad Del Este sobrevive da venda de perfumes, de

    equipamentos eletrnicos e de eletrodomsticos importados pelo Paraguai de Taiwan,

    Coreia do Sul e Estados Unidos. Aps suas vendas, seguem trilhas internacionais

    diversas: uma dela a trilha dos sacoleiros8 brasileiros, gente dedicada a viajar e

    comprar nessa cidade e depois revender no Brasil. Essas pessoas buscam os artigos em

    arriscadas viagens pela ponte da Amizade, sendo fiscalizadas pela Receita Federal

    Brasileira ao cruzarem a aduana9 entre os dois pases. Ao passar pela aduana, cada

    viajante recebe um documento no qual, de acordo com a legislao brasileira, deve

    declarar os bens que traz do exterior. Livros, folhetos, peridicos, roupas, objetos de uso

    ou consumo pessoais ou profissionais no precisam ser declarados. Os bens adquiridos

    devem totalizar US$ 300,00. A tributao incidente de 50% sobre o valor excedente a

    esse limite de iseno. O valor do imposto calculado pela fiscalizao aduaneira e seu

    pagamento condio para liberao dos produtos. Diante de tal fiscalizao, muitos

    8 Sacoleiro - que ou quem se dedica venda de mercadorias populares.9 Aduana - Alfndega.

  • 14

    sacoleiros tm suas mercadorias apreendidas na Alfndega, pois ultrapassam a cota de

    US$300,00 e no conseguem pagar os impostos cobrados.

    As pessoas que circulavam entre as lojas dos shoppings da regio eram, em sua

    maioria, brasileiros, mas tambm alguns argentinos faziam compras naquele local. Entre

    os produtos mais comprados, destacam-se os eletrnicos, perfumes importados, bebidas

    e brinquedos. Encontram-se tambm alguns produtos originais do Paraguai que estavam

    com preo na moeda local, o guarani.

    Pode-se perceber que, alm de grande atrativo para compra e venda de

    eletrnicos provenientes dos Estados Unidos, China e Coreia do Sul, existe ainda certa

    imposio desses pases sobre a cultura paraguaia, pois aceitam-se ali quatro tipos de

    moedas: o dlar, o real, o peso argentino e o guarani. De alguma forma isso indica certa

    imposio econmica, mas no teremos tempo de aprofundar esse aspecto nesse artigo.

    Foi recorrente observar, nas atividades etnogrficas, que o fiscal da alfndega

    informa a permisso de at 300 dlares por viagem trplice fronteira, e no por pas da

    trplice. Caso extrapole os 300 dolares, o viajante paga 50% sobre o restante. Assim

    explica um fiscal:

    Aqui voc est em territrio de gringo, em territrio

    aliengena; para ns no importa se voc veio aqui e comprou um

    dlar s e cruzou a fronteira. Se a receita te pegar, j era. S daqui a

    trinta dias voc pode vir aqui fazer compras de novo, e usar sua cota

    de trezentos dlares. Aqui ou na Argentina ou Duty Free. Aqui

    assim. Duty Free aqui outro esquema. Voc no compra cinquenta

    dlares, cruza a fronteira e depois volta e compra mais duzentos e

    cinquenta. Se a receita te pegar de primeira, j era. Compras no

    estrangeiro? S daqui a trinta dias se no quiser pagar imposto.

    (Homem, brasileiro, Fiscal da Aduana de Foz do Iguau/Ciudad Del

    Este, Paraguai. Entrevista em 27/07/2010).

    Diante desse cenrio, no d para no afirmar que Ciudad Del Este a mais

    profusa, em termos de relaes interculturais. Percebe-se que suas ruas so cenrios de

    encontros e desencontros entre os povos.

  • 15

    3.3 Encontros ou desencontros na trplice fronteira?

    A vida social na trplice fronteira guarda suas zonas de conflito. As diferenas

    entre os grupos tnicos acentuam suas identificaes coletivas e podem servir tambm

    para atitudes preconceituosas, assim como formas negativas de classificao do outro.

    Segundo Albuquerque (2009),

    Algumas palavras so criadas e/ou ressignificadas visando classificar

    negativamente o outro. (...) Assim, che iru, que em guarani

    significa meu amigo, meu companheiro os brasileiros mudam

    para chiru ou chiru mandioqueiro, e passa a ser um termo

    pejorativo (bugre, ndio, no civilizado, etc.). De mesma forma,

    a palavra portuguesa rapaz (jovem, moo) (...) se transforma em

    rapai na linguagem paraguaia e tambm adquire um sentido

    depreciativo (ignorante, inculto, etc.) Albuquerque, (2009: 5)

    Essa forma de expresso da identidade refora a anlise de Weber (1994): A

    crena subjetiva numa comunho e as lembranas de origem comum acentuariam, nos

    imigrantes, o sentimento de pertena a uma comunidade com diferentes costumes e

    outros aspectos extremos de diferenciao. Weber, (1994: 269)

    E atesta o que constata Albuquerque (2009) nas relaes entre brasileiros e

    paraguaios.

    O termo brasiguaio adquiriu sentidos variados ao longo das duas

    ltimas dcadas refere-se (...) 1) ao imigrante pobre que foi para o

    Paraguai, no conseguiu ascender socialmente e que, muitas vezes,

    regressou ao Brasil; 2) aos grandes fazendeiros brasileiros no

    Paraguai; 3) aos filhos dos imigrantes que j nasceram naquele pas e

    tm a nacionalidade paraguaia; 4) aos imigrantes e seus descendentes

    que falam um idioma fronteirio e mesclam outros elementos

    culturais dos dois pases; 5) a todos os imigrantes brasileiros na nao

    vizinha. Albuquerque, (2009: 8)

    J os brasileiros enfatizam o desenvolvimento econmico e tecnolgico do

    Brasil comparado com seus pases vizinhos, e assim a nao brasileira vista como uma

    grande potncia. Muitos brasileiros so reconhecidos e se consideram superiores e

    melhores. Albuquerque (2009: 6)

    tambm significativa a influncia cultural brasileira via meios de

    comunicao, msicas, danas, tradies e culinria nessa ampla zona de fronteira.

  • 16

    As msicas tocadas nos bares e nos carros de som so predominantemente

    brasileiras. (Albuquerque, 2009:4)

    Constatou-se, no processo da produo etnogrfica, que, ao ligar a televiso nas

    cidades no brasileiras da fronteira cuja sintonia no parablica, ou seja, canais

    abertos, captam-se os canais brasileiros. Passando em frente a uma boate argentina em

    Puerto Iguazu, possvel tambm ouvir msica brasileira. Se se indaga os argentinos de

    Puerto: - Onde est o tango argentino?, eles respondem: - Se tocarmos tango, no

    atramos a populao local.

    Fatos ligados s desigualdades nas condies de vida rural tambm so fontes de

    conflitos. A opresso poltica que muitos camponeses e indgenas paraguaios sentem em

    relao s terras que foram compradas por brasileiros, juntamente com a questo da

    desapropriao de suas terras e questes de pobreza, segurana e bem estar so fatores

    que levam a populao local a constantes movimentos, por vezes problemticos para

    sua vida.

    Ao enfrentar esse tipo de realidade complexa e perversa - encarecimento das

    terras, expulso do local de origem, crescente criminalidade, insegurana na zonas

    aduaneiras, enfim, constrangimentos que dificultam o bem-estar social migrantes e

    principalmente os pobres se tornam incmodos para os moradores locais. Comeam a

    as disputas e conflitos entre etnias diferentes.

    - Ento quer dizer que ns no temos os direitos dos

    paraguaios porque no somos paraguaios; no temos o direito dos

    brasileiros porque abandonamos o pas. Mas, me digam uma coisa:

    afinal de contas, o que ns somos?

    - Vocs so uns brasiguaios, uma mistura de brasileiros com

    paraguaios, homens sem ptria. Wagner, (1990: p.11)

    Na direo preventiva, mas tambm discriminatria, o governo brasileiro iniciou

    um processo que visa reformulao da legislao, indicando a elaborao de uma lei

    que responda s questes da migrao internacional e que diga respeito aos direitos

    humanos, bem como dignidade inalienvel de cada ser. Contudo, a nova lei continua

    designando esses migrantes que entram em territrio brasileiro como estrangeiros. Essa

    terminologia gera certo incomodo, como o novo e o diferente, ou seja, o estrangeiro

    sempre algum que atrai para si um olhar contraditrio por parte dos nativos, que

    podem ou no admitir sua presena no seu novo habitat.

  • 17

    Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos migrantes a rejeio que

    enfrentam por se encontrarem nessa situao. Isso faz desencadear problemas, como a

    tenso intertnica, que se agravam pela ausncia de polticas internacionais de

    migrao.

    Historicamente Brasil e Argentina estabeleceram relaes de dominao com o

    Paraguai, primeiramente com a Guerra do Paraguai (1864 at 1870) e depois com a

    Guerra do Chaco (1932 at 1935), que se estende at hoje, uma vez que as relaes

    sociais com os demais grupos tnicos so muitas vezes marcadas por subordinao,

    sendo, brasileiros e argentinos, proprietrios e os paraguaios, empregados. Essa relao,

    caracterizada por certa sutileza, encobre uma realidade social de um fenmeno

    migratrio desigual, inclusive no que se refere hierarquia, considerando-se os

    migrantes ricos bem-vindos para investir nos pases e migrantes pobres, malvindos e

    vtimas de intolerncia.

    A pobreza, o subdesenvolvimento e a falta de oportunidades podem forar as

    pessoas a migrar, o que causa o espalhamento, a disperso. Essa situao muito

    comum e visvel na regio da trplice fronteira onde muitos migrantes de origem

    argentina, brasileira e paraguaia tentam melhores condies de vida.

    4. CONSIDERAES FINAIS

    Como propsito mais geral, este trabalho pretendeu demonstrar que a

    Antropologia tem uma contribuio a dar no processo de conhecimento da realidade

    social da trplice fronteira, diferenciando-se pelo enfoque etnogrfico, que buscou no

    s realar os motivos que levam indivduos e coletivos para a regio como tambm

    captar o burburinho e movimentao do comrcio de fronteiras.

    Ao longo do processo etnogrfico, percebemos que precisaramos retratar os

    intensos fluxos migratrios para a regio e o quanto eles contriburam para o

    povoamento e os encontros e desencontros culturais observados no dia a dia da trplice

    fronteira.

    Por outro lado, as oportunidades comerciais indicavam que a trplice fronteira

    ainda fonte de atrao de pessoas e grupos em busca de bons negcios.

    Ou seja, a regio no cessa de ser povoada, adensada e movimentada e isso a faz

    intrigante nas suas configuraes culturais e contedos simblicos.

  • 18

    No entanto, no foi possvel a esse trabalho de iniciao dar conta de tal

    complexidade, mas conseguimos realizar uma primeira aproximao da realidade

    dinmica da trplice fronteira.

    Nesse processo identificamos a necessidade de uma metodologia adequada para

    captar e analisar os dados sobre espaos marcados por diferentes tipos de migrao e

    mobilidade espacial. Constatamos que uma abordagem antropolgica clssica, baseada

    no estudo de comunidades cujos vnculos ao local de moradia so rgidos e poucos

    flexveis mobilidade, no auxiliaria na superao dos desafios impostos pelos

    indivduos e coletivos migrantes. Abordagens quantitativas no responderiam a nossos

    objetivos antropolgicos, principalmente aqueles que visam a captar a movimentao

    social, as pessoas e seus motivos de deslocamento.

    No entanto, as dificuldades metodolgicas viabilizaram maior conhecimento dos

    fatores sociolgicos, econmicos e histricos que fomentam as migraes para regio.

    Constatamos que a modernizao da agricultura brasileira nos anos 1960 contribuiu

    para o adensamento dos fluxos migratrio, levando para a trplice migrantes ricos,

    proprietrios e empreendedores, e migrantes pobres, os trabalhadores rurais.

    A eles juntam-se os pequenos empreendedores, os vendedores e compradores do

    comrcio de fronteira e no todo do a efervescncia local que buscamos etnografar.

    5.BIBLIOGAFIA

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