Upload
others
View
5
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
12º Encontro da ABCP
19 a 23 de outubro de 2020
Evento online
Área Temática: Política, Direito e Judiciário
ANÁLISES DOS RECURSOS ESPECIAIS ÀS AÇÕES DE IMPUGNAÇÕES DE
CANDIDATURAS NAS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS DE 2012
Ralph André Crespo
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF
Vitor de Moraes Peixoto
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
Leandro Molhano Ribeiro
Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito Rio
1
RESUMO
Este trabalho analisa sistematicamente os recursos às 1.942 Ações de Impugnações de
Registros de Candidaturas (AIRCs) nas eleições majoritárias de 2012 que chegaram o TSE.
Busca-se verificar se há padrões na utilização deste tipo de ação, tanto em relação aos
municípios onde ocorreram (tamanho do município, estado e região a qual pertence), quanto
em relação aos candidatos alvos das AIRCs (sexo, partido, grau de escolaridade e ocupação).
Analisam-se igualmente as causas das AIRCs e os seus principais proponentes, assim como
a dinâmica recursal e o alinhamento interpretativo das regras eleitorais nas diferentes
instâncias da Justiça Eleitoral. Para alcançar os objetivos foram feitas análises de estatísticas
descritivas, além da análise de conteúdo de recursos. Previamente constatou-se ser vantajoso
recorrer ao TSE, pois a maioria dos candidatos alvos das AIRCs que recorreram, foi
considerado habilitado a concorrer nas eleições de 2012.
Palavras-chave: Impugnações; candidaturas; eleições 2012; TSE; Justiça Eleitoral.
ABSTRACT
This paper systematically analyzes the resources for the 1,942 Actions for Impugnment of
Candidature Records (AIRCs) in the 2012 majoritarian elections that arrived at TSE. It seeks
to verify whether there are patterns in the use of this type of action, both in relation to the
municipalities where they occurred (size of the municipality, state and region to which it
belongs), and in relation to the target candidates of the AIRCs (sex, political parties,
educational level and occupation). The causes of the AIRCs and their main proponents are
also analyzed, as well as the appeal dynamics and the interpretive alignment of the electoral
rules in the different instances of the Electoral Justice. To achieve the objectives, analyzes of
descriptive statistics were made, in addition to the analysis of resource content. Previously it
was found to be advantageous to resort to the TSE, since the majority of candidates targeted
by the AIRCs that appealed, were considered qualified to run in the 2012 elections.
Keywords: Impugnment; Candidature; 2012 elections; TSE; Electoral Justice.
2
INTRODUÇÃO
Quando um cidadão é recrutado para ser um dirigente político e ocupar um cargo
eletivo, seja no executivo ou no legislativo, ele deve seguir o fluxo do processo político
eleitoral. Este fluxo passa por uma série de filtros que começam pela filiação partidária, segue
pela seleção de candidaturas dentro do partido e pelas etapas do processo eleitoral em si,
começando pelo registro de candidaturas e indo até a diplomação dos eleitos.
Estes filtros do processo eleitoral foram estudados por diversos autores e sob
diferentes aspectos. Gallagher e Marsh (1988) chamaram estes filtros de “porteiros”,
(gatekeepers). Pippa Norris (2013) define esses “porteiros” como estágios, comparando-os a
um jogo progressivo de “dança das cadeiras” onde muitos são elegíveis, poucos são indicados
e menos ainda são eleitos. Maria Luzia Miranda Álvares (2008) também analisou os filtros
pelos quais passam as candidaturas femininas no Brasil, chamando estes filtros de degraus.
Percebe-se, no entanto, que estes trabalhos não analisaram especificamente os filtros
característicos do Poder Judiciário, instrumentalizados pelas ações de natureza eleitoral.
Destaca-se, assim, que o interesse desta pesquisa é pelos filtros do Poder Judiciário ao
processo eleitoral, especificamente o primeiro filtro, superados os filtros partidários e de
imposição legal, como a capacidade civil. Considera-se que o primeiro filtro aplicado pelo
Poder Judiciário ao processo eleitoral (embora não a todos os concorrentes, ainda que todos
estejam sujeitos a ele) são as AIRCs – Ações de Impugnação de Registro de Candidaturas.
Assim, o objeto desta pesquisa são as AIRCs propostas nas eleições ordinárias e
majoritárias brasileiras de 2012 (municipais). A competência para julgar este tipo de ação nas
eleições municipais é do juiz eleitoral. No entanto, como se pretendia analisar as decisões
finais, ou seja, na última instância recursal, fez-se uso dos Recursos Especiais Eleitorais
(RESPEs), pois este é um dos meios pelos quais as demandas das AIRCs chegam ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Por vezes foi necessário buscar o recurso analisado no TRE do
estado correspondente e até mesmo ao processo na 1ª instância para melhor entendimento
da AIRC e levantamento adequado dos dados.
Quais as causas que ensejaram a aplicação deste filtro do Poder Judiciário no
processo político eleitoral? Quais atores (político-institucionais) são provocadores da
aplicação deste filtro em 2012? O entendimento jurídico na aplicação destes filtros e das
causas varia conforme a instância da Justiça Eleitoral? Há algum padrão nos perfis dos
candidatos ou das candidatas alvos das AIRCs? Geograficamente a incidência de AIRCs
apresenta algum padrão? Estas são algumas questões que constituem o problema desta
pesquisa.
3
Tem este trabalho o objetivo geral de verificar as AIRCs nas eleições ordinárias e
majoritárias brasileiras de 2012, visando identificar as causas destas e examinar a dinâmica
recursal nas diferentes instâncias da Justiça Eleitoral. Persegue-se ainda o objetivo de
verificar a distribuição geográfica das AIRCs, assim como o perfil das candidaturas objetos
das AIRCs analisadas. Além destes, pretende-se ponderar sobre o comportamento dos atores
do processo político eleitoral nas proposituras das AIRCs.
Metodologicamente trata-se de uma pesquisa basicamente descritiva com
predominância de técnicas quantitativas. Foram analisados 1.942 Recursos Especiais
Eleitorais (RESPEs) referentes às AIRCs de 2012, obtidos por meio da Lei de acesso à
informação junto ao TSE. Inicialmente foi disponibilizado a relação de todos os instrumentos
processuais daquele tribunal para o ano em questão (16.681 instrumentos processuais).
Aplicando filtros seletivos conforme as categorias de análise pretendidas, chegou-se ao
quantitativo objeto desta análise. Utilizou-se de análises de conteúdo dos respectivos
RESPEs, visando levantar os dados relevantes e de interesse para a pesquisa. Pesquisas e
levantamentos de dados também foram feitos no site do IBGE, buscando caracterizar os
municípios onde as AIRCs ocorreram nas eleições de 2012.
Neste trabalho não se distingue as circunstâncias que o RESPE chegou ao TSE, ou
seja, se foi pelo candidato ou pela candidata cujo registro de candidatura tenha sido objeto da
AIRC, ou pelos atores proponentes destas AIRCs, em seus respectivos municípios.
Explicita-se aqui, que a utilização aqui do termo, impugnação ou impugnações, não se
associa diretamente ao indeferimento do registro de candidatura, tão somente ao fato de que
determinada candidatura foi objeto de uma AIRC e que esta, no desenrolar do processo nas
diferentes instâncias da Justiça Eleitoral, foi analisada no TSE por meio de RESPE.
Destaca-se desde já que esta pesquisa mostrará que a Justiça Eleitoral, a
contrassenso, tende a privilegiar a participação na disputa eleitoral. Tal conclusão se dá pelo
fato de que ao longo da via recursal o percentual de habilitados a participar do pleito
(independente do efeito suspensivo dos recursos apresentados) aumentou. Desta forma,
percebe-se que os juízes eleitorais em 2012 não estavam tão alinhados com as
jurisprudências dos tribunais superiores (STF e TSE) quanto às questões afetas ao processo
eleitoral em curso. Será apresentado também que a principal causa motivadora de AIRCs
foram inelegibilidades decorrentes do dispositivo contido no art. 1º, inciso I, alínea “g” (rejeição
de contas públicas) da Lei Complementar 64/1990, cuja alteração trazida pela Lei
Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), era aplicada pela primeira vez em uma eleição.
Isso pode explicar a quantidade de ocorrências de alegações fundamentantes de AIRCs com
este dispositivo – partidos e candidatos não estavam adaptados à nova lei.
4
Este trabalho estará dividido em cinco seções. Na primeira serão feitas breves
considerações sobre as AIRCs no que tange a seus aspectos procedimentais e jurídicos. Na
segunda serão apresentados aspectos relacionados à distribuição geográfica da incidência
de AIRCs no território brasileiro. Ainda nesta seção, caracterizar-se-á os municípios onde este
tipo de ação ocorreu, além de agrupar estes municípios em seus respectivos estados e
regiões. Na terceira seção serão caracterizados os (as) candidatos (as) objetos de AIRCs,
especialmente para as seguintes variáveis: sexo, partido, grau de escolaridade e ocupação.
Na seção seguinte, a quarta, serão abordados os resultados das AIRCs no TSE e as
respectivas dinâmicas recursais. Por fim, serão apresentadas as principais causas
motivadoras das AIRCS e os principais proponentes desta.
1- Ações de Impugnação de Registro de Candidaturas (AIRCs): breves considerações.
As AIRCs são ações admitidas no Poder Judiciário e que tramitam no âmbito da Justiça
Eleitoral, face seu caráter tipicamente político eleitoral, ou seja, fazem parte das ações
chamadas de ações eleitorais. Prevista no Código eleitoral de 1965, foram reguladas pela Lei
Complementar 64/1990.
As ações eleitorais podem ser divididas em dois grupos: (1) as ações de arguição de
inelegibilidade e (2) as ações de combate aos ilícitos eleitorais; sem falar nos diversos
recursos e remédios constitucionais admitidos na esfera da Justiça Eleitoral. As ações de
arguição de inelegibilidade são utilizadas quando se tem conhecimento da ausência da
capacidade eleitoral passiva, ou seja, inelegibilidade da pessoa interessada em ocupar um
cargo público eletivo (Silva, 2008). As ações de combate aos ilícitos eleitorais, por sua vez,
relacionam-se com irregularidades cometidas durante o processo eleitoral que está
acontecendo.
Interessa para este trabalho o primeiro grupo de ações, pois nele estão as AIRCs que
se relacionam com as inelegibilidades dos candidatos antes da fase de registro de
candidatura, além dos Recursos Contra a Expedição de Diploma (RCEDs) que se relacionam
com inelegibilidades supervenientes aos registros dos candidatos, mas não são objetos de
análise neste trabalho.
De maneira geral, as AIRCs cabem quando estão ausentes as condições de
elegibilidade e/ou quando presente alguma condição de inelegibilidade. Pode ser proposta
por qualquer candidato (a), partido político, coligação ou Ministério Público. O prazo para
propositura da AIRC é de 5 dias após a publicação do edital corresponde ao pedido de registro
da candidatura.
5
Vale destacar que as AIRCs não possuem o objetivo de declarar ou decretar a
inelegibilidade do (a) candidato (a), isto deve ser feito por meio da via processual adequada e
destinada a este fim. Visa a AIRC o reconhecimento da condição de inelegibilidade e,
consequentemente o indeferimento do registro da candidatura do (a) candidato (a).
A competência para julgar a AIRC depende da circunscrição referente à eleição que
está para ocorrer (municipal ou geral). No caso em análise, trata-se de eleições municipais e
a competência para julgar as AIRCs nesta situação é dos juízes eleitorais; mas da decisão
destes, cabem recursos aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), e da decisão destes
tribunais cabem recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É então por meio dos recursos,
no caso os Recursos Especiais Eleitorais (RESPEs), que o TSE conhece as AIRCs e decide
sobre elas.
Neste trabalho não são analisadas todas as AIRCs propostas nas eleições de 2012,
tão somente as AIRCs referente às candidaturas para prefeito ou vice prefeito que chegaram
ao TSE por meio dos RESPEs.
2- Distribuição geográfica e caracterização dos municípios com AIRCs.
Em 2012 o TSE analisou 7.649 recursos às AIRCs, sendo que 1.942 (25,4%) estavam
relacionadas às eleições ordinárias e majoritárias – objeto desta pesquisa. Estas
impugnações distribuíram-se da seguinte forma nos estados brasileiros:
GRÁFICO 1: Quantidade em termos absolutos de AIRCs por estados
Em termos de números absolutos, o estado que mais teve AIRCs foi São Paulo
(13,2%), seguido por Bahia (11,7%) e Minas Gerais (9,8%). Em termos proporcionais,
considerando o total de candidaturas em cada estado, percebeu-se uma distribuição diferente
dos estados daquela encontrada em termos de números absolutos, o que pode ser visto ao
comparar os gráficos 1 e 2.
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
6
GRÁFICO 2: Quantidade em termos proporcionais de AIRCs por estados
Destaca-se que a hipótese que se apresentou, por ocasião da elaboração dos gráficos
das quantidades absolutas e proporcionais, foi a de que estados com mais municípios teriam
mais candidaturas e, sendo estas “matérias primas” para as AIRCs, teriam maiores
incidências de proposituras destas ações. Inicialmente o gráfico 1 sugeria a confirmação da
hipótese, pois os estados com maior número de candidaturas para as eleições municipais
foram Minas Gerais (4.702), São Paulo (4.205) e Bahia (2.401), mas o gráfico 2 acabou por
refutá-la. Os dados então sugerem que a maior quantidade de candidaturas não implica na
maior incidência de AIRCs.
O gráfico 2 revela ainda uma baixa incidência desta ação (AIRCs) nas eleições de
2012. O estado de maior incidência foi o Ceará com menos de 12% sobre as candidaturas
que se apresentaram.
Como dito anteriormente, em 2012 foram 1.942 AIRCs que chegaram ao TSE por meio
de RESPEs. Estas AIRCs foram propostas em 1.452 municípios (26,1% dos municípios
brasileiros). A distribuição destes municípios por estado é apresentada no gráfico a seguir.
GRÁFICO 3: Quantidade de municípios que tiveram impugnações por estados
Constatou-se que os estados com maior número de AIRCs (gráfico 1) são também os
estados com maior quantidade, em números absolutos, de municípios com este tipo de ações.
Isto indica que as AIRCs, na maioria dos estados, não apresentaram concentração em poucos
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
7
municípios. A análise em termos proporcionais, ou seja, considerando a quantidade de
municípios com AIRCs em relação ao total de municípios de cada estado, novamente mostra
uma mudança na disposição gráfica destes estados conforme apresentado a seguir.
GRÁFICO 4: Proporção de municípios do estado que tiveram impugnações
Com base no gráfico acima, destaca-se o Rio de Janeiro, onde constatou-se que em
quase 60% de seus municípios foram propostas AIRCs, o que indica ter sido o estado de
menor concentração desta ação em seus municípios. Neste sentido, quando se olha para São
Paulo (31%) e Minas Gerais (18%), conclui-se que estes estados tiveram concentração de
AIRCs em poucos municípios, dada a quantidade de municípios que possuem e o fato de ter
sido observada grande quantidade de AIRCs em termos absolutos. Quais municípios são
estes que concentraram as AIRCs? Quais características eles possuem? Estas características
justificam a maior incidência das AIRCs (concentração)? Questões a serem pensadas e
respondidas em trabalhos futuros.
Ao pensar em caracterizar os municípios que tiveram AIRCs, estes foram agrupados
(categorizados) conforme o número de eleitores que possuíam.
TABELA 1: Classificação dos Municípios por número de eleitores
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados nos sites do TSE e do IBGE.
Percebe-se que a maioria das AIRCs, em números absolutos, ocorreu em municípios
com número de eleitores entre 10.001 e 20.000 eleitores. A quantidade destas ações nesta
faixa da classificação representa 28% dos casos estudados e 7,3% do total de municípios
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
Classificação dos Municípios
Total de
Municípios
(5570)
Municípios
com RESPE
(1452)
% do total de
Municípios
% do total de
Municípios
com RESPE
% do total de
Municípios
em cada
Classificação
Municípios com até 5.000 Eleitores 1619 247 4,4 17,0 15,3
Municípios com 5.001 a 10.000 Eleitores 1480 325 5,8 22,4 22,0
Municípios com 10.001 a 20.000 Eleitores 1268 407 7,3 28,0 32,1
Municípios com 20.001 a 50.000 Eleitores 775 284 5,1 19,6 36,6
Municípios com 50.001 a 100.000 Eleitores 241 100 1,8 6,9 41,5
Municípios com 100.001 a 200.000 Eleitores 104 46 0,8 3,2 44,2
Municípios com mais de 200.001 Eleitores 83 43 0,8 3,0 51,8
8
brasileiros. Neste ponto do trabalho, deter-se-á apenas nesta categoria, por ser a de maior
incidência. A tabela a seguir mostra a distribuição por regiões para esta faixa classificatória.
TABELA 2: Distribuição das ações de candidaturas e quantidade de municípios por regiões brasileiras – faixa de municípios com eleitorado entre 10.001 e 20.000 eleitores
Regiões brasileiras
Quant. de Municípios na
faixa de 10.001 a 20.000 eleitores
com AIRCs
Quant. de Municípios na
faixa de 10.001 a 20.000 eleitores
% do total de AIRCs na faixa
de 10.001 a 20.000 eleitores
(407)
% do total de Municípios na
faixa de 10.001 a 20.000 eleitores
(1.268)
% do total de AIRCs na faixa
de 10.001 a 20.000 eleitores em cada região
Nordeste 213 569 52,3 44,9 37,4
Sudeste 95 316 23,3 24,9 30,1
Sul 40 191 9,8 15,1 20,9
Norte 31 106 7,6 8,4 29,2
Centro Oeste 28 83 6,9 6,6 33,7
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
Constata-se que a região de maior incidência de AIRCs para esta faixa classificatória
foi a região nordeste, que é a região que possui maior quantidade de municípios nesta faixa
de classificação. No entanto, exceto pela região Sul, não se observou grande variação
percentual entre os municípios de cada região para esta faixa classificatória. Assim, os dados
sugerem que a questão regional relacionada a uma possível tradição jurídica de uso deste
instrumento processual, não explica a incidência de AIRCs em 2012.
Dos estados da região nordeste, o estado da Bahia foi o que teve maior quantidade de
municípios com AIRCs. Foram 71 municípios que representam 33,3% dos municípios
analisados em toda região nordeste (213) e 4,9% do total de municípios brasileiros com
AIRCs. O segundo estado na região nordeste com maior incidência deste tipo de ação foi o
Ceará com 34 ações, o que representa 15,9% das AIRCs da região nordeste.
Quando se analisa as AIRCs em termos proporcionais, a faixa de classificação
(conforme Tabela 1) que apresentou maior incidência, foi a faixa de municípios com mais de
200.001 eleitores. Foram 43 municípios nesta faixa classificatória que tiveram AIRCs, o que
representam mais de 50% dos municípios na referida faixa. Este dado indica que dentre os
municípios com mais de 200 mil eleitores, ou seja, municípios com possibilidade de segundo
turno, as AIRCs foram um instrumento processual utilizado pelos envolvidos no processo
eleitoral de 2012. Esse dado sugere que em municípios com mais de 200 mil eleitores as
AIRCs são mais frequentes, em termos proporcionais. A tabela a seguir mostra este grupo de
municípios por regiões.
9
TABELA 3: Distribuição das ações de candidaturas e quantidade de municípios por regiões brasileiras – faixa de municípios com eleitorado com mais de 200.001 eleitores
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
É possível verificar que 60,5% dos casos de ações de impugnação de registro de
candidaturas nesta faixa ocorreram na região sudeste. Esta mesma região, também é a região
de maior concentração (55,4%) de municípios com esta característica (mais de 200.001
eleitores).
Dos estados da região sudeste, o estado que mais teve municípios com AIRCs foi São
Paulo – 11 municípios. Essa quantidade representa 42,3% das AIRCs na região sudeste, para
esta faixa de classificação, e 25,6% do total de municípios com este tipo de ação.
Destaca-se ainda, com base na Tabela 3, que na região centro oeste as AIRCs formam
identificadas em todos os municípios que possuíam mais de 200 mil eleitores. Este fato reforça
a ideia de que nos municípios com mais de 200 mil eleitores as AIRCs são apresentadas mais
frequentemente, em termos proporcionais.
O que poderia explicar essa maior frequência de AIRCs, em termos proporcionais entre
os municípios com mais de 200 mil eleitores? A competição eleitoral, conforme apresentado
no trabalho de Peixoto e Goulart (2014).
3- Caracterização dos candidatos cujas candidaturas foram objetos de AIRCs.
Com o objetivo de caracterizar os (as) candidatos (as) que tiveram seus registros de
candidaturas impugnados por meio de AIRCs, e estas chegaram ao TSE pelos RESPEs
correspondentes, utilizou-se das seguintes variáveis: Sexo, partido político, grau de instrução
e ocupação.
Em relação ao sexo, constatou-se que 1.475 dos que tiveram seus registros de
candidaturas impugnados eram do sexo masculino e 217 do sexo feminino. Os demais casos
(250) referem-se às impugnações de partido ou de coligação. Embora se perceba uma grande
Regiões brasileiras
Quant. de Municípios na faixa de mais
de 200.001 eleitores com
AIRCs
Quant. de Municípios na faixa de mais
de 200.001 eleitores
% do total de AIRCs na faixa
de mais de 200.001
eleitores (43)
% do total de Municípios na faixa de mais
de 200.001 eleitores (83)
% do total de AIRCs na faixa
de mais de 200.001
eleitores s em cada região
Sudeste 26 46 60,5 55,4 56,5
Nordeste 8 14 18,6 16,9 57,1
Centro Oeste 5 5 11,6 6,0 100,0
Norte 2 6 4,7 7,2 33,3
Sul 2 12 4,7 14,5 16,7
10
diferença em termos de números absolutos, entre impugnações de candidaturas masculinas
e femininas, proporcionalmente, considerando o total de candidaturas de cada sexo, não se
observa esta diferença, uma vez que as AIRCs contra candidaturas masculinas e femininas
foram, respectivamente, 5,5% e 4,5% dos totais de candidaturas.
Embora seja possível observar uma diferença significativa na quantidade de
candidaturas masculinas (26.824) e femininas (4.822) em 2012, os dados referentes às AIRCs
sugerem não haver distinção quanto ao sexo, ou seja, o sexo não importou na decisão quanto
à propositura da AIRC.
Em números absolutos, as AIRCs de candidaturas masculinas formam mais propostas
em São Paulo (204), seguido pelo estado da Bahia (178) e de Minas Gerais (147). Já em
relação às candidaturas femininas, as AIRCs foram mais identificadas novamente em São
Paulo (32), seguido pelo estado da Bahia (20) e pelos estados do Maranhão e Pará, (ambos
com18).
Em termos proporcionais, considerando o total de candidaturas de cada estado, as
AIRCs de candidaturas masculinas tiveram maior incidência no Rio Grande do Norte (12,7%),
seguido pelo Ceará (10,3%) e Rio de Janeiro (9,9%). As AIRCs de candidaturas femininas,
em termos proporcionais, tiveram mais incidência no Pará (10,1%), seguido pelo Maranhão
(9,7%) e Rio de Janeiro (8,7%).
Em relação aos partidos políticos dos (as) candidatos (as) que tiveram seus registros
impugnados, constatou-se que dos 30 partidos com registros ativos no TSE em 2012, 28 deles
tiveram que enfrentar pelo menos uma AIRC. O gráfico a seguir mostra os dez partidos com
mais AIRCs dentre casos analisados nesta pesquisa.
GRÁFICO 5: Quantidade de AIRCs por Partidos Políticos em 2012
Percebe-se que a maioria dos candidatos cujos registros foram objeto de AIRCs eram
do PMDB. Em termos proporcionais, o PMDB continua sendo o partido com maior incidência
de AIRCs, conforme se verifica no gráfico abaixo.
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
11
GRÁFICO 6: Percentual de AIRCs do total de candidaturas por partido político em 2012
Destaca-se que o PMDB foi o partido em 2012 que mais lançou candidaturas nas
eleições majoritárias, o que poderia explicar a maior incidência de AIRCs sobre candidaturas
deste partido. No entanto, ele foi seguido pelo PT e PSDB, respectivamente, os quais não
foram, conforme se verifica nos gráficos 5 e 6, o segundo e terceiro partido político em termos
absolutos e nem proporcionais com mais AIRCs. Esse dado sugere que a propositura destas
ações em 2012 não esteve relacionada diretamente ao quantitativo de candidaturas lançadas
pelo partido político.
A questão referente às AIRCs dos partidos políticos está mais na esfera do
recrutamento e escolha de candidatos (as) do que do quantitativo de candidaturas
apresentadas. Neste ponto importante referência para pensar a questão é o trabalho de Pippa
Noris (2013), onde a autora, analisando o recrutamento e seleção de candidaturas em
diversos países, associou aspectos legais e intrapartidários para responder às perguntas:
Quem pode ser eleito? E, quem escolhe? Afirmou a autora:
Em alguns poucos países certos aspectos do processo de escolha de candidatos são estipulados por lei; por exemplo, na Alemanha e na Finlândia existem amplos requerimentos para que os partidos adotem processos democráticos de seleção de candidatos. Na maioria, contudo, os partidos são encorajados a determinar seus próprios métodos e regulações internas (Norris, 2013, p.14).
Outros trabalhos que focam nas diferentes estratégias dos partidos políticos no
recrutamento e seleção de candidaturas também podem ajudar a entender a incidência das
AIRCs pensando nos partidos políticos. Dentre estes trabalhos estão os trabalhos de
Perissinotto & Veiga (2014), onde os autores analisam a chamada profissionalização política
em quatro partidos políticos brasileiros, PT, PMDB, PSDB e DEM, e de Costa, Bolognesi &
Codato (2013) em que os autores buscaram associar variáveis como bases sociais,
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
12
organização partidária e a posição do partido no espectro ideológico na escolha de candidatos
de seis partidos PT, PDT, PMDB, PSDB, DEM e PP.
No que tange ao grau de instrução, identificou-se que, em números absolutos, 799
AIRCs foram de candidatos com ensino superior completo (41,1%). Além destas, destacam-
se as 485 AIRCs de candidatos com ensino médio completo (24,9%) e as 148 AIRCs de
candidatos com ensino fundamental incompleto (7,6%).
Em termos proporcionais, considerando o total de candidaturas para as eleições
majoritárias, percebe-se não haver quase diferença de incidência de AIRCs entre os que
declararam ter ensino superior incompleto (5,9%), superior completo (5,8%) e médio completo
(5,4%). Este dado sugere que a variável grau de instrução não se mostra significativa na
propositura de AIRCs.
Em relação à ocupação, a tabela abaixo mostra as principais ocupações indicadas
pelos candidatos que tiveram seus registros de candidaturas questionados (impugnados).
TABELA 4: Principais ocupações declaradas pelo candidato em 2012
Ocupação Quant.
Prefeito 212
Empresário 202
Médico 127
Agricultor 122
Comerciante 115
Advogado 86
Pecuarista 69
Administrador 63
Aposentado 56
Servidor Público Municipal 56
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
Os dados apresentados na tabela mostram que a maioria das AIRCs foi de candidatos
que já eram prefeitos e estavam disputando a reeleição. Isso sugere que dentre as principais
causas motivadoras de AIRCs estão causas relacionadas à administração pública destes
candidatos, como rejeição de contas públicas, abuso de poder (político e econômico),
condutas vedadas a agentes públicos, dentre outras.
Outro ponto relevante, em relação às AIRCs dos candidatos que se declararam
prefeitos, está no fato de que estes candidatos estão mais sujeitos à inelegibilidades, as quais
são suscitadas nas AIRCs, devido o princípio da transparência dos atos públicos e atuação
da oposição e Ministério Público.
13
As ocupações mostraram-se muito próximas das causas, as quais serão apresentadas
mais adiante, prevalecendo assim o campo fático sobre o procedimental. Desta forma, alguns
empresários tiveram como causa de AIRCs mais o abuso de poder econômico, por exemplo,
do que de filiação partidária; alguns médicos tiveram como causa mais a rejeição de contas
públicas porque eram secretários de saúde ou gestores de recursos públicos do que a
quitação eleitoral, por exemplo. Assim, a ocupação apresentou-se fator relevante para as
AIRCs, mas não um fator determinante.
4- A dinâmica recursal e as decisões finais das AIRCs.
A análise das decisões das AIRCs foi feita, preferencialmente, com base nos RESPEs.
No entanto, para melhor compreensão da demanda judicial, fez-se necessária a análise dos
recursos, e respectivos acórdãos, nos TREs e até mesmo das decisões dos juízes 1ª instância
(juiz eleitoral) sobre os pedidos de registros de candidaturas.
Buscou-se verificar as diferentes formas de interpretação e aplicação de dispositivos
legais aos casos concretos e a sintonia jurisprudencial entre as diferentes instâncias da
Justiça Eleitoral, tendo como referência as decisões da Alta Corte Eleitoral (TSE). A tabela a
seguir mostra as decisões e a dinâmica processual observada em 2012.
TABELA 5: Dinâmica das decisões nas diferentes instâncias da Justiça Eleitoral1
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizado pelo TSE
1 Utilizou-se o “verde” para indicar a situação em que o candidato estava em condição de participar conforme a decisão da
referida instância da Justiça Eleitoral. O “vermelho” foi usado para indicar que o candidato não estava em condição de participar. O “amarelo” foi usado para indicar que o recurso havia perdido o objeto e desta forma o TSE não apreciou o mérito do recurso. O “azul” nos casos de desistência ou renúncia do candidato.
Decisão 1ª instância Decisão TRE Decisão TSE
Mantida (582)
Reformada (18)
Perdeu Objeto (166)
Desitiu/Renunciou (10)
Mantida (83)
Reformada (49)
Perdeu Objeto (44)
Desitiu/Renunciou (37)
Mantida (276)
Reformada (64)
Perdeu Objeto (116)
Desitiu/Renunciou (117)
Mantida (257)
Reformada (21)
Perdeu Objeto (83)
Desitiu/Renunciou (19)
Mantida
(776)
Reformada
(213)
Mantida
(573)
Reformada
(380)
Deferiu
(989)
Indeferiu
(953)
14
Os dados mostram que das 1.942 AIRCs, inicialmente foram julgadas improcedentes
989 (51%) e os respectivos registros de candidaturas foram deferidos (candidato habilitado a
concorrer). Desta forma, conclui-se, que 953 AIRCs (49%) foram julgadas procedentes e,
consequentemente, os registros foram indeferidos (candidato não habilitado).
Destaca-se que destes indeferimentos (primeira retenção nos filtros do Poder
Judiciário), 715 das candidaturas indeferidas eram masculinas e 102 eram femininas, que
representam em termos proporcionais, respectivamente, 48,5% e 47% das AIRCs em cada
sexo. Além destas, 136 foram referentes a indeferimentos de procedimentos associados
diretamente a partidos políticos ou coligações para a disputa eleitoral de 2012.
Destaca-se que nos TREs, 1.349 decisões dos juízes eleitorais (1ª instância) foram
mantidas (776 para deferir o registro de candidatura e 573 para indeferir) e 593 foram
modificadas (213 para indeferir e 380 para deferir). Desta forma o percentual de habilitados a
concorrer passou para 59,5% e dos não habilitados diminuiu para 40,5%.
Constata-se, assim, que os TREs apresentaram em 2012 tendência à manutenção das
decisões dos juízes eleitorais. Verificou-se que 78% dos deferimentos de registros (AIRCs
improcedentes) foram mantidos, assim como 60% dos indeferimentos (AIRCs procedentes).
Quando modificaram as decisões de 1ª instância, na maioria dos casos, foi para habilitar o
candidato à disputa eleitoral (39,9%). Apenas 21,5% das modificações (reforma da sentença)
foi para retirar candidatos da disputa eleitoral.
Nas decisões sobre as impugnações de candidaturas no TSE, constatou-se que
alguns recursos (592) foram prejudicados por dois motivos, um porque o recorrente renunciou
ao recurso ou à candidatura (181 casos, o que corresponde a 9,3% do total de recursos que
chegaram ao TSE), outro porque o candidato havia perdido a eleição e qualquer decisão do
TSE não alteraria a situação política eleitoral estabelecida com o resultado das urnas (411
casos, que representa 21% do total das impugnações).
Excluindo-se os casos citados, o TSE decidiu efetivamente acerca de 1.350 recursos
referentes às AIRCs. Deste total, 1.198 foram decisões para manutenção dos acórdãos dos
TREs e 152 para reforma (modificação) dos acórdãos. Os casos de manutenção foram 839
para deferir registros de candidaturas (62,1%) e 359 para indeferir registros de candidaturas
(26,6%). Já os casos de modificações dos acórdãos foram 113 para deferir o registro de
candidatura (8,4%) e 39 para indeferir o registro (2,9%).
Desta forma, percebe-se que as decisões do TSE também tenderam a privilegiar à
disputa eleitoral, mantendo o candidato cujo registro havia sido objeto de AIRC. Dos 992
deferimentos de registros pelos juízes de 1ª instância, 732 tiveram efetivamente os recursos
julgados, sendo que 631 resultou na manutenção do deferimento (86%) e 101 na reforma da
sentença e, consequentemente, indeferimento do registro (14%). Já no caso dos 952
15
indeferimentos de registros pelos juízes eleitorais, 619 foram efetivamente apreciados pelo
TSE (333 perderam o objeto), sendo que 319 (52%) resultaram em deferimento do registro e
300 (48%) resultaram em indeferimento do registro de candidatura.
Ao final da via recursal, retirando o total de casos de perda do objeto (592), apreciou
o TSE 1.350 recursos sendo que 952 (70,5%) decisões deste tribunal foi pelo deferimento do
registro de candidatura e 398 (29,5%) foram decisões que indeferiram o registro da
candidatura, conforme se verifica no gráfico abaixo.
GRÁFICO 7: Comparação dos deferimentos e indeferimentos de registros de candidaturas nas diferentes instâncias da Justiça Eleitoral em 2012.
Conclui-se, portanto, que ao longo da via recursal a maioria dos candidatos obteve
êxito na busca do deferimento de seus registros, logo, foi vantagem recorrer, pois os dados
sugerem uma tendência do Poder Judiciário em privilegiar a permanência dos candidatos na
disputa eleitoral, deixando que as disputa seja decidida no grande filtro do processo eleitoral
– as eleições em si – em vez de os tribunais; guardada a devida ressalva para os casos
incontestável inelegibilidades.
Um fato importante está na questão de que este aumento no final do processo está
relacionado à revisão, pelo TSE das decisões dos juízes eleitorais e/ou dos TREs. Essa
revisão não sinaliza que o conhecimento e interpretação jurídica são mais refinados no TSE,
mas reflete o fato de que a jurisprudência adotada nos tribunais superiores (STF e TSE) não
havia sido seguida pelas instâncias inferiores. Ocorreu em muitos casos a reforma da
sentença do juiz eleitoral pelo TRE correspondente, mostrando assim alinhamento entre o
TRE e o TSE. Desta forma, resta concluir que em 2012 constatou-se desalinhamento
jurisprudencial entre os juízes eleitorais e o TSE, independente da causa alega, a qual se verá
adiante.
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizado pelo TSE
16
Importante temática da Ciência Política sensível a estes dados encontrados é o
fenômeno da judicialização da política, mais especificamente, a judicialização da política no
âmbito da Justiça Eleitoral.
Relacionado a esta temática destaca-se o trabalho de Tate e Valinder (1995) os quais
definem a expressão “judicialização da política”, que passa a ser mais utilizada e o referido
fenômeno estudado em diversos outros trabalhos, sobre diferentes esferas do Judiciário.
Sendo a Justiça Eleitoral integrante do Poder Judiciário e por tratar de matéria eleitoral,
cujo conteúdo muito se aproxima da política, inevitável seriam as discussões da judicialização
da política na Justiça Eleitoral. Sobre essa questão Andrade Neto (2010) afirma:
A instituição guarda algumas características que parecem contribuir para as denúncias de judicialização da política contra ela dirigidas. Primeiro, porque a própria esfera de disputa político partidária e os agentes e condutas nela situados são o objeto das deliberações judiciais, o que, em si, torna difícil separar a jurisdição eleitoral da política. Segundo, porque certo ímpeto corretivo das relações político-partidárias está na origem desse ramo judiciário, concebido como instância moralizadora da política, a partir de uma noção positivista de neutralidade judicial (Andrade Neto, 2010, p. 114).
Muito dessas discussões sobre a judicialização da política na Justiça Eleitoral fazem
reflexões quanto a uma intervenção, considerada muitas vezes exagerada, deste ramo do
Poder Judiciário sobre o processo eleitoral, o que por vezes altera o resultado das urnas e/ou
trazem restrições ao exercício pleno dos direitos políticos. Maia (2010) afirma que “à primeira
vista, estes litígios eleitorais que influem no resultado das urnas podem ser caracterizados
como contramajoritários e até mesmo identificados como ativismo judicial” (Maia, 2010, p.89).
A autora continua sua análise da atuação da Justiça Eleitoral e conclui:
(..) esta atuação da Justiça Eleitoral, que visa a impugnar os abusos cometidos por candidatos desleais, é legítima, pois fundada em um arcabouço legislativo que a autoriza, mas também, e sobretudo, porque resguarda o princípio da soberania popular, vez que impede o resultado viciado das eleições (Maia, 2010, p. 89).
Os dados encontrados indicam que em 2012, a Justiça Eleitoral, a contrassenso,
privilegiou a disputa eleitoral e sua intervenção (atuação) não foi retirando candidatos (as) do
pleito.
Os dados permitiram ainda verificar o reflexo das decisões do TSE sobre os partidos
políticos dos (as) candidatos (as), cujos registros foram objetos de AIRCs. A tabela a seguir
mostra os resultados dos 10 partidos com mais AIRCs em 2012.
17
TABELA 6: Partidos Políticos, decisões do TSE e dinâmica recursal
Partido Quant. de
AIRCs
Registro
Deferido
Registro
Indeferido
Desistência
do Recurso Renúncia
Perda de
objeto
(não se
elegeu)
PMDB 300 146 58 3 22 71
PSDB 205 104 26 3 19 53
PSD 144 68 22 3 19 32
PSB 130 57 22 6 16 29
PT 122 61 21 2 6 32
PTB 122 56 21 2 15 28
PP 112 64 17 4 6 21
PDT 105 55 18 2 8 22
PR 99 47 14 2 10 26
DEM 82 37 16 1 3 25
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
A tabela 6 mostra os desfechos das AIRCs em termos de números absolutos. Já os
gráficos a seguir apresentarão os deferimentos e indeferimentos das AIRCs, em termos
proporcionais, em relação aos partidos políticos após decisão do TSE.
GRÁFICO 8: Proporção de AIRCs julgadas improcedentes (registro deferido) por partido
Diferente da análise feita anteriormente se o partido político seria uma variável
explicativa para a propositura de AIRCs, o que foi visto que não, aqui procurou-se analisar se
o partido (ou sua ideologia) explicaria as decisões pelo deferimento ou indeferimento dos
registros de candidaturas no TSE.
Os dados sugerem que partido político e sua ideologia não explicam os deferimentos
(gráfico 8) e os indeferimentos (gráfico 9), uma vez que houve pouca variação percentual e a
distribuição dos partidos políticos nos gráficos não segue uma ordem conforme classificação
ideológica. Desta forma, outras variáveis devem ser analisadas em trabalhos futuros para
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
18
explicar os resultados, tais como, recursos do partido (inclusive humano – advogados) para
conduzir o processo, critérios de seleção de candidatos, dentre outros.
GRÁFICO 9: Proporção de AIRCs julgadas procedentes (registro indeferido) por partido
Destaca-se que os 100% de indeferimentos dos PCB e do PSTU, apresentado no
gráfico 9, corresponde ao indeferimento de um único caso de AIRCs que cada um destes
partidos teve em 2012.
5- As principais causas e proponentes das ações de impugnações
Durante o desenvolvimento da pesquisa, buscou-se verificar as principais causas que
fundamentaram as AIRCs, assim como seus principais proponentes. A tabela abaixo
apresenta as principais causas identificadas.
TABELA 7: Principais causas que fundamentaram às AIRCs em 2012
Principais Causas Quant.
Rejeição de Contas Públicas 894
Irregularidades no Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) 269
Condenação Transitada em Julgado 219
Desincompatibilização 123
Quitação Eleitoral 96
Filiação Partidária 72
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
Verificou-se que a causa de maior incidência na fundamentação das AIRCs foi a
rejeição de contas públicas. Esta causa está relacionada à Lei Complementar (LC) 64 de 1990
(conhecida como Lei da Inelegibilidade) e à nova redação trazida a esta pela Lei
Complementar (LC) 135 de 2010, (conhecida como Lei da Ficha Limpa).
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
19
Especialmente nas eleições de 2012 essa causa mostrou-se relevante por ser a
primeira eleição em que a Lei da Ficha Limpa estava sendo aplicada e pontos desta lei ainda
traziam dúvidas. Dentre estes está o dispositivo relacionado à rejeição de contas públicas,
que embora já tivesse previsão na LC 64/1990, apresentou novas questões como a ampliação
do período de inelegibilidade e a necessidade de configuração de ato doloso. Além, destas
questões, havia dúvidas sobre o órgão competente para o julgamento das contas dos gestores
de recursos públicos (Tribunais de Contas ou câmaras municipais?).
Muitos casos relacionados à rejeição de contas públicas eram de candidatos já
condenados e que cumpriam o período de inelegibilidade, que pela lei anterior era de 5 anos
e com a nova redação passou a ser de 8 anos.
O fato de a inelegibilidade decorrente da rejeição de contas públicas ter sido a principal
causa motivadora de AIRCs em 2012, pode ser explicado pela inovação trazida pela lei da
Ficha Limpa e cuja aplicação fazia-se pela primeira vez naquela eleição. Destaca-se assim a
quantidade de AIRCs associadas a rejeição de contas públicas que foi mais de 3 vezes maior
do que as irregularidades de DRAP, segunda causa de maior incidência. A inelegibilidade por
rejeição de contas públicas representou, sozinha, 46% das AIRCs de 2012. Este dado sugere
uma adequação forçada a nova redação da legislação e um grande impacto trazido pela Lei
da Ficha Limpa naquelas eleições.
A segunda causa de maior incidência foi a alegação de irregularidades no
Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP). Nestes casos são questionadas
as legitimidades de diretórios de partidos para decidirem sobre coligações; atendimento de
cotas de gênero; tempestividade de apresentação de documentos, dentre outras questões de
obrigação de cumprimento do partido/coligação. Esta causa corresponde a 13,9% das AIRCs
analisadas.
A LC 64/90 traz no art. 3º, caput, os legitimados para proposição das AIRCs. São eles:
Qualquer candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público. Percebeu-se que todos
estes atores aparecem como proponentes de AIRCs, ora individualizadamente, ora
associadamente. A tabela a seguir mostra a quantidade de AIRCs que estes figuraram como
proponentes. As somas ultrapassam o total de AIRCs (1.942), pois em muitas delas estes
legitimados apareciam associados como proponentes.
TABELA 8: Proponentes das AIRCs em 2012
Proponente de AIRCs Quantidade como
proponente % como
proponente
Coligação 1109 57,1
Ministério Público 907 46,7
Candidato 332 17,1
Partido Político 179 9,2
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
20
O interesse dos candidatos, partidos e/ou coligações entende-se facilmente pelos
interesses particulares e diretos destes envolvidos no processo eleitoral e na disputa que este
estabelece. Por isso, destacar-se-á aqui a atuação do Ministério Público como proponente de
AIRCs.
O Ministério Público foi incumbido, por determinação constitucional, da defesa dos
interesses (direitos) da sociedade, tanto os interesses coletivos quanto os individuais
indisponíveis. O processo eleitoral é o eixo em torno do qual se estabelece e desenvolve o
regime democrático; desta forma, torna-se imprescindível sua regularidade e o interesse do
Ministério Público pela manutenção desta regularidade.
Essa função estabelecida na Constituição Federal de 1988 explica porque o Ministério
Público (MP) aparecer como um dos legitimados ativos para propositura de AIRCs, assim
como explica a participação desta instituição em quase 50% das AIRCs de 2012. Foram 907
AIRCs que o MP atuou como proponente, sendo que destas 491 ele figura como único
proponente, o que representa 25,3% das AIRCs de 2012.
TABELA 9: Sucesso dos proponentes de AIRCs no final do julgamento no TSE (2012)
AIRCs / PROPONENTES Proposituras em
2012
Sucesso no Julgamento Final
da AIRC
% de Sucesso no Julgamento Final
da AIRC
AIRCs só com o Ministério Público 491 289 58,9
AIRCs com o Ministério Público e outros legitimados
416 191 45,9
AIRCs sem o Ministério Público 1035 243 23,5
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados disponibilizados pelo TSE.
A tabela 9 mostra que o Ministério Público é, dentre os proponentes, aquele que
alcança maior sucesso nas AIRCS. Ao comparar as AIRCs propostas apenas pelo Ministério
Público e as propostas pelos demais proponentes, percebe-se que o sucesso do MP (58,9%)
é mais do que o dobro do que dos demais proponentes (23,5%).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Ações de Impugnação de Registros de Candidaturas (AIRCs) são ações eleitorais,
cujo objetivo está previsto no Código Eleitoral de 1965, regulamentada pela LC 64/1990.
Embora nem a previsão, nem a regulamentação sejam recentes, a sua aplicação nas eleições
majoritárias de 2012 não foi vultuosa em termos de números absolutos. No entanto, a análise
destas ações nas eleições de 2012 trouxe importantes dados para se pensar, não só a ação
em si, mas também suas implicações jurídicas e políticas.
21
Diante da crescente judicialização da política e divulgação na mídia de diversos casos
de atuação do Poder Judiciário, incluindo aí a Justiça Eleitoral, regulando processos
democráticos face às notícias de corrupções, esperava-se que os resultados apontassem
para uma tendência de diminuição da disputa eleitoral com a retirada de concorrentes com
denúncias de inelegibilidades. Contudo, o que se encontrou foi uma Justiça Eleitoral
privilegiando a disputa eleitoral, e deixando que o filtro do processo – a própria eleição –
selecionasse os aptos. Ressalta-se que nos casos de reconhecida inelegibilidade, a Justiça
Eleitoral não se afastou de sua competência e responsabilidade.
Fato é que diante da possibilidade de ativismo judicial, poderia ter sido identificado
uma aplicação extensiva da legislação específica às circunstâncias alegadoras de
inelegibilidades. No entanto, o que se encontrou foi a aplicação restritiva da legislação
conforme a interpretação e jurisprudência dos tribunais superiores, sem grandes inovações
interpretativas. O que nos parece muito positivo.
Outro dado de importante achado na pesquisa é que os municípios com mais de 200
mil eleitores são os municípios em que proporcionalmente mais ocorreram AIRCs, isso mostra
que estas ações estão relacionadas diretamente à competição eleitoral que é maior nestes
municípios.
Ainda sobre os resultados encontrados, destaca-se que o sexo e o partido político em
si (incluindo a ideologia que representa) não se mostraram fatores determinantes, e nem
relevantes, na propositura das AIRCs. No entanto, o grau de instrução e a ocupação
(indiretamente), embora não determinantes, mostraram-se relevantes, pois as causas de
inelegibilidades estiveram em 2012 mais relacionadas à gestão de recursos públicos. Assim,
médicos, advogados, administradores e empresários, por exemplo, acabam sendo gestores
de recursos públicos na Administração Pública, como secretário, por exemplo, o que os
colocam em evidência para as causas de inelegibilidades.
Em relação às causas, constatou-se que nas eleições de 2012 a Lei da Ficha Limpa
trouxe grande impacto com as inovações e alterações nela contidas. A principal causa foi a
inelegibilidade por rejeição de contas públicas, o que, como destacado anteriormente,
relaciona-se diretamente aos gestores de recursos públicos. O dispositivo relacionado (Art.
1º, inciso I, alínea “g” da LC 64/1990 alterado pela LC 135/2010 – Lei da Ficha Limpa) havia
sido modificado recentemente e os partidos e candidatos (as) não estavam ajustados,
alinhados com as novas disposições, o que permitiu ser este o dispositivo mais suscitado nas
alegações das AIRCs.
Destaca-se, no entanto, que já havia uma jurisprudência sendo consolidada nos
tribunais superiores (STF e TSE), porém o que se observou foi a interpretação diferentes dos
juízes eleitorais e até mesmo de alguns TREs, decidindo de forma contrária a esta
22
jurisprudência. Por conta disso, muitas decisões acabaram reformadas (modificadas) no TSE.
Este fato embora possa causar estranheza é comum e permitido no âmbito jurídico face ao
princípio do livre convencimento do juiz e da liberdade que é dada ao mesmo para interpretar
os dispositivos legais.
Por fim destaca a atuação do Ministério Público que participou de 46,7% das AIRCs
como um dos proponentes (quando não o único), demonstrando um avanço na atuação desta
instituição no âmbito eleitoral. Destaca-se ainda o sucesso no julgamento final das AIRCs
propostas pelo Ministério Público em relação aos demais proponentes, mais que o dobro,
58,9% e 23,5%, respectivamente.
Espera-se que esta pesquisa suscite novas questões a serem verificadas e que
aspectos relacionados às AIRCs, não só os formais e jurídicos, possam ser analisados à luz
de teorias e entendimentos consolidados na Ciência Política, no Direito e áreas afim.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁLVARES, M. L. M. Mulheres Brasileiras em tempo de competição eleitoral: Seleção de candidaturas e degraus de acesso aos cargos parlamentares. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/dados/v51n4/04.pdf>. Acesso em: 11 dez. 2019. ANDRADE NETO, J. Jurisdição Eleitoral : Judicialização da política ? Revista Jurídica da Presidência, v. 12, p. 108–132, 2010. COSTA, L. D.; BOLOGNESI, B.; CODATO, A. Variáveis sobre o recrutamento político e a questão de gênero no Parlamento brasileiro. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, v. 7, p. 1–20, 2013. GALLAGHER, M.; MARSH, M. Candidate Selection in Comparative Perspective: The Secret Garden of Politics. SAGE Publications, Londres: 1988. MAIA, C. F. O ativismo judicial no âmbito da Justiça Eleitoral. Dissertação (mestrado). Universidade de Fortaleza, Centro de Ciências Jurídicas. Fortaleza: 2010. 152f. NORRIS, P. Recrutamento político. Revista de Sociologia e Política, p. 11–32, jun. 2013. PEIXOTO, V. DE M.; GOULART, N. M. Evolução da Competição Eleitoral Municipal no Brasil (1996 a 2012)IX ENCONTRO DA ABCP. Anais...Brasilia: 2014 PERISSINOTTO, R. M.; VEIGA, L. F. Profissionalização política, processo seletivo e recursos partidários: Uma análise da percepção dos candidatos do PT, PMDB, PSDB e DEM nas eleições para Deputado Federal de 2010. Opiniao Publica, v. 20, n. 1, p. 49–66, 2014. SILVA, J. A. DA. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: 2008. TATE, C. N.; VALINDER, T. The Global Expansion of Judicial Power. Nova York: 1995.