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80Radiojornalismo
no Brasil:
fragmentos de
histria
GIS
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SW
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ORT
RIW
AN
O
A arte da improvisao aconteceu
muito, at o rdio comear a entender
que, para usar todo seu potencial,
precisava se organizar; s ento, o
rdio disparou em termos de produo,
de qualidade de programao e,
principalmente, de informao
(Walter Sampaio).
GISELA SWETLANAORTRIWANO jornalista, professorade Radiojornalismo naECA-USP e autora deA Informao no Rdio(Summus)[email protected]
80O
jornalismo esteve presente no rdio des-
de as primeiras experincias de explora-
o da radiodifuso. As emissoras, de ma-
neira geral, so inauguradas transmitin-
do algum evento ou, ao menos, informando sobre sua
prpria existncia. Primeiro meio de comunicao ele-
trnico, operando na velocidade do som, o rdio j nas-
ceu glocal, termo cunhado recentemente em funo das
tecnologias hoje disponveis: tanto contava os fatos do
mundo como os da casa do vizinho.
Fragmentos de uma longa histria que ainda no foi
bem contada compem o texto que procura mostrar um
pouco do trajeto do radiojornalismo brasileiro. Seu am-
biente tradicional o rdio AM (amplitude modulada);
na FM (freqncia modulada), sua presena est mais
ligada obrigatoriedade legal, e s a partir dos anos 90
o potencial jornalstico reconhecido. A opo foi des-
tacar alguns momentos importantes do processo de evo-
luo do jornalismo radiofnico, deixando de lado mui-
tos fatos, dados e personagens. Ou seja: muitas outras
histrias possveis.
O Rdio, no Brasil, surgiu fazendo vibrar as agulhas
que arranhavam pedrinhas de galena, informando. Isso
ocorreu exatamente no dia 6 de abril de 1919, no Recife,
quando foi fundada a Rdio Clube de Pernambuco (1).
Na inaugurao oficial da radiodifuso brasileira, a 7
de setembro de 1922, como parte das comemoraes do
Centenrio da Independncia, o jornalismo cumpriu seu
papel. O discurso de abertura da Exposio Internacio-
nal do Rio de Janeiro, feito pelo presidente da Repblica
1 Walter Sampaio, JornalismoAudiovisual Teoria e Prticado Jornalismo no Rdio, na TVe no Cinema, Petrpolis, Vo-zes, 1971. Na p. 19, em notade rodap, Sampaio esclare-ce o significado de pedrinhasde galena: Como se sabe, osaparelhos rudimentares de r-dio funcionavam com cristaisde galena, sulfeto de chumbo.
80 an
os de
rdio
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Simplesmente, saiu do ar. No estava clini-
camente morto, porm, j que ressurgiu em
1923, ainda que em condies muito pre-
crias, quando o Governo montou, na Praia
Vermelha, uma pequena estao que trans-
mitia programas literrios, musicais e in-
formativos. Essas transmisses de fraca
intensidade conquistaram um ouvinte fiel
e ilustre. Um antroplogo brasileiro, Edgard
Roquette-Pinto, foi um dos primeiros ou-
vintes assduos de rdio, no Brasil (2).
RDIO NO BRASIL: DE FATO E DE
DIREITO (3)
Edgard Roquette-Pinto j experimen-
tava o jornalismo radiofnico mesmo an-
tes de inaugurar a Rdio Sociedade do Rio
de Janeiro, a 20 de abril de 1923, data que
marca a instalao efetiva e definitiva da
radiodifuso no Brasil (as transmisses re-
gulares comearam a 1o de maio).
Tendo acompanhado as irradiaes da
Westinghouse Eletric no Morro do Corco-
vado, durante a Exposio do Centenrio
da Independncia, Roquette-Pinto incorpo-
rou-se queles que se encantaram com o
novo meio de difuso. Do encanto passou
prtica, montando em 1922, com o cien-
tista Henrique Morize, um pequeno trans-
missor experimental, com o qual ps-se a
irradiar, pela sua voz, notcias do dia e
msica erudita destacada de sua coleo de
discos (4).
A partir dessa data, o rdio participou
de todos os movimentos da vida brasileira.
Ajudou a derrubar a Repblica Velha, par-
ticipou da Revoluo de 32, fez extensos
noticiosos sobre a Segunda Guerra Mundi-
al. Desempenhou importante papel no Gol-
pe Militar de 64, participou ativamente da
redemocratizao durante a Nova Repbli-
ca e, pouco depois, fez ecoar pas afora o
processo de impeachment de um presiden-
te da Repblica. Os polticos sempre sou-
beram reconhecer sua importncia nas cam-
Epitcio Pessoa, foi transmitido pelos 80
receptores especialmente importados
para a ocasio (a Westinghouse havia ins-
talado uma emissora, cujo transmissor,
de 500 watts, estava localizado no Alto
do Corcovado).
O jornal A Noite, de 8 de setembro de
1922, noticiava, sucintamente, o aconteci-
mento sob o ttulo Um Sucesso de Radio-
telephonia e Telephone Auto-falante (sic):
Uma nota sensacional do dia de hontem
foi o servio de rdio-telephone auto-fa-
lante, grande atrativo da Exposio. O dis-
curso do Sr. Presidente da Repblica, inau-
gurando o certamen foi, assim, ouvido no
recinto da Exposio, em Nictheroy,
Petropolis e So Paulo, graas instalao
de uma possante transmissora no Corcova-
do e de aparelhos de transmisso e recep-
o, nos logares acima.
Encerrando a nota, o jornal carioca com-
pletava:
Desse servio se encarregaram a Rio de
Janeiro and So Paulo Telephone Company,
a Westinghouse International Co. e a
Western Electric Company. noite, no
recinto da Exposio, em frente ao posto
de Telephone Pblico, por meio do
telephone auto-falante, a multido teve uma
sensao indita. A pera Guarany, de
Carlos Gomes, que estava sendo cantada
no Theatro Municipal, foi alli, distincta-
mente ouvida bem como os applausos aos
artistas. Egual cousa succedeu nas cidades
acima.
Terminadas as comemoraes do Cen-
tenrio da Independncia, que impressio-
naram o pblico de acordo com os textos
dos cronistas da poca, as transmisses ra-
diofnicas foram interrompidas.
No existia um sistema de transmisso
regular e, mais importante ainda, de capta-
o regular das ondas. Por falta de apare-
lhos receptores e de um projeto capaz de
torn-los acessveis populao o rdio
deixou de funcionar e de existir, no Brasil.
2 Cludio Mello e Souza, Impres-ses do Brasil a ImprensaBrasileira atravs dos Tempos Rdio Jornal TV, So Pau-lo, Grupo Machline, s/d.[1986], p. 163.
3 Alguns aspectos da histria dojornalismo no rdio brasileiroj haviam sido por ns aborda-dos anteriormente. Cf.: GiselaSwet lana Ortr iwano, Os(Des)caminhos do Radiojorna-lismo, So Paulo, ECA-USP,1990 (tese de doutoramento).
4 Mario Ferraz Sampaio, Hist-ria do Rdio e da Televiso noBrasil e no Mundo, Rio de Ja-neiro, Achiam, 1984, p. 112.
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panhas eleitorais e, na corrida presidencial
de 2002, quando o povo depositou suas es-
peranas em um novo perfil administrati-
vo, no foi diferente. No h candidato que
no se interesse em participar de progra-
mas em emissoras radiofnicas em todas
as cidades por onde passam as comitivas
eleitorais. Essa importncia se estende a
atividades de todos os campos de atuao,
sejam conquistas esportivas ou campanhas
de todo tipo.
A Roquette-Pinto se deve a criao e
apresentao do primeiro jornal de rdio
brasileiro, j no incio das atividades da
Rdio Sociedade.
O Jornal da Manh no era um simples
noticioso, nem um modesto relato dos
acontecimentos. Era o fato comentado, es-
miuado e interpretado com a autoridade
do sbio. Jornal da Manh, da Rdio So-
ciedade do Rio de Janeiro, foi iniciativa
jamais igualada. Por meio dele, o comen-
tarista apreciava os acontecimentos nos
noticirios dos jornais, lendo-lhes as man-
chetes e oferecendo um panorama
inigualvel de conciso, de realidade e de
objetividade, como somente ele poderia
faz-lo (5).
Roquette-Pinto , de fato, o primeiro
locutor (e comentarista) do rdio brasileiro.
Com sua voz marcante e bem colocada,
fazia, pela manh, a abertura das transmis-
ses. Nessa abertura, lia os jornais que j
havia assinalado com seu lpis vermelho
(hbito antigo), comentando as principais
notcias do dia, inaugurando, assim, o jor-
nal falado (6).
Saint-Clair Lopes vai alm em sua ad-
mirao:
Com tal gabarito foi elaborado, que ja-
mais houve outro que a ele igualasse em
profundidade, alcance e qualidade. Nele o
Mestre distribua fartamente informaes,
como devem ser consideradas em seu sen-
tido. No era um relato, puro e simples dos
acontecimentos; era a notcia comentada,
esmiuada, interpretada no seu contedo e
nos seus reflexos no sistema social do Bra-
sil e do mundo (7).
Que meio para transformar o homem,
em poucos minutos, se o empregarem com
alma e corao, afirmava Roquette-Pinto
cujas melhores esperanas foram deposita-
das no rdio. Assim ele fazia o Jornal da
Manh, o primeiro jornal falado do rdio
brasileiro. E improvisava sobre a notcia
lida nos jornais matutinos, acrescentando
novas informaes sobre o pas de origem,
as personagens e os antecedentes do fato
(8). Os elogios ao pioneirismo de Roquette-
Pinto vm sempre acompanhados pela va-
lorizao da qualidade do trabalho que rea-
lizava. bom ressaltar que de certa for-
ma foi Roquette-Pinto o introdutor no Bra-
sil do jornalismo de pesquisa dentro do
rdio (9).
As emisses iniciais no eram regula-
res uma vez que as primeiras irradiaes da
prpria emissora no apresentavam progra-
mas regulares.
S em 1925 e 26 que a programao da
Rdio Sociedade do Rio de Janeiro se fir-
mou, comeando pela manh com o Jornal
da Manh, a cargo do Presidente da entida-
de, Dr. Roquette-Pinto. Seguiam-se mais
trs noticiosos: o do meio-dia, o da tarde e
o da noite. Os demais horrios eram toma-
dos com nmeros musicais e matria ins-
trutiva (10).
Alm do Jornal da Manh, havia ou-
tros programas jornalsticos no rdio brasi-
leiro dos primeiros tempos que mereciam,
literalmente, o ttulo de jornais falados: ler
no rdio as notcias dos jornais impressos.
Sem qualquer tipo de elaborao, as not-
cias eram lidas diretamente do jornal, dan-
do origem a todo um anedotrio prprio: o
locutor, distrado, l para o ouvinte a not-
cia que termina com um infalvel con-
tinua na pgina x, ou ento como se
pode ver na foto ao lado, etc. Tentando
evitar os riscos que esse procedimento re-
presentava e solucionar o problema, pas-
sou-se a utilizar o recurso de recortar as
5 Saint-Clair Lopes, Comunica-o Radiodifuso Hoje, Riode Janeiro, Temrio, 1970,pp. 41-2.
6 Ana Maria de Souza Barbo-sa, O Pssaro dos Rios nosAfluentes do Saber Roquette-Pinto e a Construo da Uni-versalidade, So Paulo, PUC,1996, 2 vs., p. 381 (tese dedoutoramento).
7 Radiodifuso no Mundo e noBrasil, in IM/Abert, n. 24,maio 1969, p. 19.
8 50 Anos de Iluses, entre oBom e o Ruim, in O Estado deS. Paulo, 10/6/1973.
9 Azeni Passos, Rdio, o Meiomais Eficaz da Comunicaode Massa, Completa 57 Anosde Vida, in Dirio Popular,25/10/1979.
10 Mario Ferraz Sampaio, op.cit., p. 144.
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notcias dos jornais e orden-las de forma
mais coerente e lgica, facilitando a leitu-
ra. De forma pejorativa, este procedimento
ficou conhecido como gillette-press ou te-
soura-press (11). Apesar de subverter a
funo do rdio, era comum nos seus pri-
meiros tempos e continua presente em
muitas de nossas emissoras, com roupa-
gem nova: gillette-press virtual, resultado
de copy e paste obtidos em sites da Internet.
O noticirio, alm de muito reduzido, vi-
nha com algum atraso, porque era todo
colhido nas colunas dos jornais (12).
No existiam ainda reprteres nas rdios,
apenas locutores, abastecidos pela
recortagem dos jornais.
Segundo Humberto Sodr Pinto, os jor-
nais falados foram lanados no Recife em
1926: Isto no implica dizer que, at en-
to, as notcias e informaes de quaisquer
naturezas estivessem ausentes de nossos
microfones. [] Eram, porm, divulgados
esparsamente e sem nenhuma sistematiza-
o (13).
Em 1932, durante a Revoluo Cons-
titucionalista, temos o surgimento do ra-
diojornalismo em So Paulo, mais em ter-
mos de editoriais, muitas vezes com fortes
conotaes de parcialidade. Experincias
de diversos formatos jornalsticos estive-
ram presentes nas emissoras paulistas des-
de o incio, mas era a primeira vez que o
rdio era utilizado no Brasil como instru-
mento de mobilizao popular. Csar La-
deira, que ficou conhecido como o Locu-
tor da Revoluo, conclamava o povo pela
Rdio Record a pegar em armas por uma
Carta Constitucional. Na verdade, hoje se
sabe que vrios locutores se revezavam na
apresentao, procurando manter um pa-
dro que confundia o ouvinte e deixava a
impresso de que Ladeira estava perma-
nentemente em ao. Csar Ladeira e seus
companheiros de microfone Nicolau Tuma,
Renato Macedo e Licnio Neves imortali-
zaram-se em memorveis irradiaes que
avanavam pelas madrugadas, transfor-
mando a Rdio Record de So Paulo em A
Voz da Revoluo, inscrevendo-a defini-
tivamente na histria da radiofonia de So
Paulo e do Brasil (14).
Csar Ladeira, em particular, adquiriu
enorme prestgio []. Diante do microfo-
ne da Record, ele costumava dirigir-se aos
ouvintes de forma direta, numa conversa
sem cerimnia, carregada de emoo e
apelo patritico. Nas vozes desses locuto-
res, comearam ento a ser ouvidas as cr-
nicas escritas por Antonio Alcntara Ma-
chado, Genolino Amado, Orgenes Lessa
e, mesmo, Mrio de Andrade, que, sob o
pseudnimo de Lus Pinho, fazia questo
de ressaltar o carter democrtico e popu-
lar do movimento revolucionrio paulista.
Um pouco mais tarde, Rubem Braga escre-
veria tambm crnicas para a Rdio
Record (15).
A Rdio Record de So Paulo foi pio-
neira em vrios sentidos. Primeira lder de
audincia, introduziu logo no incio dos
anos 30 a programao poltica, levando os
polticos at seus estdios, para as pales-
tras instrutivas, como as denominava Pau-
lo Machado de Carvalho, proprietrio da
emissora, que assim relembra sua origem:
[] No distante 30 de novembro de 31,
dvamos incio a uma srie de palestras
culturais. O autor-apresentador era nada
mais nada menos que Monteiro Lobato
(16). A Record foi um marco norteador
para diversas mudanas que seriam
introduzidas nas emissoras no processo de
evoluo das empresas radiofnicas.
Em 1932, a Record organizou a cadeia
de emissoras paulistas para a divulgao
da Revoluo Constitucionalista. Logo
depois, introduziu outra inovao: a con-
tratao de cast exclusivo, no que seria
imitada por outras emissoras.
A Record ia capengando at que estourou
a Revoluo de 32. E a surgiu para sorte
da PRB 9 o inesquecvel Csar Ladeira
[] que era forado a falar mais de 12 horas
por dia. Como fazer, se isso constituiria um
esforo demasiado? Naquele tempo, no
havia os recursos de hoje. Gravar como?
Em 1932 no se gravava em fita. At que
Janurio de Oliveira, cantor que mais tarde
se revelaria um showman extraordinrio,
aventou uma idia maluca. Experimenta-
11 Jimmy Garcia Camargo, LaRadio por Dentro y por Fuera,Quito, Ciespal, 1980, p. 26.
12 Trecho da exposio de Rena-to Murce no Primeiro Congres-so Nacional de Comunicao,realizado no Rio de Janeiro noperodo de 10 a 16 de setem-bro de 1971. Cf.: Mario FerrazSampaio, op. cit., pp. 172-6.
13 Subsdios para a Histria doRdio em Pernambuco, in Co-municaes & Problemas, n. 2,1965.
14 Reynaldo C. Tavares, Histriasque o Rdio no Contou, SoPaulo, Negcio Editora, 1997,p. 179.
15 David Jos Lessa Mattos, O Es-petculo da Cultura Paulista Teatro e TV em So Paulo:1940-1950, So Paulo,Cdex, 2002, pp. 149-50.
16 Fernando Reis, O Rdio Riso-nho e Franco, in Propaganda,n. 235, fevereiro/1976, pp.50-1.
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ram e deu certo. Ele, o tenor Arnaldo
Pescuma e o ento quase menino Renato
Macedo conseguiram imitar Csar Ladeira
com perfeio absoluta e, assim, toma
Ladeira dia e noite. Parece-me que at o
Raul Duarte no tenho certeza entrava
na brincadeira (17).
O jeitinho brasileiro, como se v, faz
parte da histria do rdio. Realmente, Csar
Ladeira considerado um dos maiores lo-
cutores que o Brasil j conheceu. Seu bo-
letim, das duas s quatro horas da manh,
diariamente, terminava com um apelo re-
volucionrio a Getlio Vargas: Que renun-
cie o ditador (18).
Paulo Machado de Carvalho conta como
se deu o envolvimento na Revoluo
Constitucionalista:
Em 23 de maio de 32, a Record foi inva-
dida por um grupo de estudantes. [] In-
vadiram e lanaram manifesto pelo micro-
fone. Depois, deixaram-nos documentos es-
critos que guardo at hoje em que declara-
vam que para evitar possveis represlias
por parte das autoridades, declaramos que
nesta data invadimos a Rdio Record e atra-
vs de seus microfones fizemos uma pro-
clamao ao povo, em favor da liberdade
no Brasil, pela Constituinte, pela Consti-
tuio (19).
Logo depois, viria o histrico 9 de julho
e a Record passaria a ter participao des-
tacada em todo o episdio da Revoluo de
32. Carvalho afirma que antes dessa poca
j havia iniciado uma programao
jornalstica regular: Em 23 de fevereiro
de 1932 a Record lanava seu primeiro
jornal falado, em combinao com os Di-
rios Associados. Quem o inaugurou foi
Assis Chauteaubriand [] que estava eu-
frico no dia da inaugurao e tornou-se
um entusiasta do radiojornalismo (20).
A Rdio Nacional do Rio de Janeiro,
lenda do rdio brasileiro, foi inaugurada a
12 de setembro de 1936. A Rdio Nacio-
nal foi fundada em 1936, mas viveu em
crise at 1939. S no deixou de funcionar
porque trs de seus fundadores Celso Gui-
mares, Oduvaldo Cozzi e Ismnia dos
Santos traduziam peas de rdio-teatro,
eram atores, locutores e at trabalhadores
braais, quando preciso (21). Em maro
de 1940, Vargas encampou a Estrada de
Ferro So Paulo-Rio Grande e a empresa A
Noite, do mesmo grupo empresarial, que
possua, alm do jornal, vrias revistas (Ca-
rioca, Vamos Ler, etc.) e a Rdio Nacional.
A partir da, com o dinheiro do poder
pblico a emissora passou a ser uma das
empresas incorporadas ao patrimnio da
Unio a Nacional tornou-se a maior e
melhor emissora do Brasil (22).
Pioneira no Brasil na explorao radio-
fnica organizada empresarialmente, a Na-
cional, entre muitos outros programas de
destaque, passaria a transmitir o maior mito
do radiojornalismo brasileiro: o Reprter
Esso.
Em 1935, era criada a Hora do Brasil,
programa de uma hora de durao que ia ao
ar de segunda-feira a sbado, com notici-
rio oficial, distribudo pelo DIP (Departa-
mento de Imprensa e Propaganda), a partir
de 1937. Mesmo aps a queda de Getlio
Vargas em 1945, o programa sobreviveu e
existe at hoje, de segunda a sexta-feira,
com o nome de A Voz do Brasil. A partir
dos anos 90 sua obrigatoriedade tem sido
contestada por vrias emissoras e algumas
tm conseguido, por medidas judiciais, no
transmiti-lo ou, ao menos, no no horrio
das 19h s 20h (23).
No devemos esquecer que o jorna-
lismo esportivo j existia desde o come-
o da dcada de 30 irradiando partidas de
futebol, corridas automobilsticas, boxe
e outros esportes. Nicolau Tuma consi-
derado o pioneiro entre os locutores es-
portivos: narrou a primeira partida de
futebol que o rdio transmitiu, a 19 de
julho de 1931, atravs da Rdio Educa-
dora Paulista. O Speaker Metralhado-
ra, como Tuma ficou conhecido na po-
ca por transmitir falando muito rapida-
mente, tambm foi uma das atraes
importantes na Rdio Record em seus
primeiros anos. Em 1938 Gagliano Neto
narrava, diretamente da Frana, os Jogos
da Copa do Mundo (24).
17 Mauro Pires, O Rdio do meuTempo, in Folhetim, Folha deS. Paulo, 24/9/1978.
18 Meio Sculo de Radiodifu-so, in Suplemento do Cente-nrio, O Estado de S. Paulo,3/5/1975.
19 Fernando Reis, op. cit.
20 Idem, ibidem.
21 Srgio fonseca, Vera Magyar,As Novas Dimenses do R-dio, in Propaganda, n. 235,fevereiro/1976, p. 46.
22 Idem, ibidem.
23 Sobre o assunto, existem vriosartigos em jornais e revistas. Umresumo do processo pode serencontrado no site da RdioEldorado de So Paulo que li-dera a campanha: http://www.radioeldoradoam.com.br/html/vozbrasil.asp (aces-sado em 16/11/2002).
24 Sobre essa primeira coberturade um campeonato mundial defutebol diretamente da Europa,detalhes em: Gisela SwetlanaOrtriwano, Frana 1938, IIICopa do Mundo: o Rdio Bra-sileiro Estava L, in RevistaComunicaes & Artes, SoPaulo, ECA-USP, n. 34, 2oquadrimestre 1998, pp. 5-16.O texto tambm pode ser en-contrado em: http://bocc.ubi.pt/pag/or t r iwano-gise la -copa1938.html
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Geralmente, as emissoras eram eclticas.
Faziam de tudo um pouco, mas algumas se
especializaram, como a Panamericana [atu-
al Jovem Pan], que comeou a transmitir
futebol e outros esportes. Houve uma po-
ca em que eles inclusive transmitiam corri-
da de pulga, qualquer coisa [risos] todos
os esportes eram cobertos de qualquer
maneira [] mas depois, as transmisses
ficaram muito mais enfocadas no futebol
(25).
Caminhando a passos lentos, o radio-
jornalismo foi se desenvolvendo no Bra-
sil. Se j estava presente desde as primei-
ras transmisses, s comea a funcionar,
de fato, ganhando espaos e importncia,
com o advento da Segunda Guerra Mun-
dial. Mas, desde suas primeiras transmis-
ses, agregava prestgio s emissoras que
nele investiam.
SEGUNDA GUERRA: A ARMA
ESTRATGICA
Durante a Primeira Guerra Mundial o
rdio engatinhava como processo de trans-
misso e, mesmo assim, foi submetido a
severo controle, inibindo, quase paralisan-
do seu desenvolvimento. Na poca, foi
basicamente utilizado para fins de comuni-
caes militares.
O rdio foi uma arma estratgica da Se-
gunda Guerra. As orientaes ideolgicas
e as notcias do front precisavam ser
divulgadas com a maior rapidez possvel.
Os jornais impressos, assim como os cine-
jornais, no dispunham da agilidade e al-
cance que comearam a ser requeridos pela
nova realidade e o rdio passou a ser enca-
rado como um meio essencialmente infor-
mativo. A Segunda Guerra Mundial faz
do rdio seu instrumento. As notcias suce-
dem-se a cada minuto, multiplicam-se os
sistemas informativos, a audincia exige
cada vez mais e mais notcias dos diferen-
tes fronts (26).
O aperfeioamento dos equipamentos e
o desenvolvimento de sistemas de trans-
misso de maior alcance so conseqn-
cias que ressaltam o aspecto jornalstico do
rdio. Nesse contexto surgem no Brasil os
primeiros programas que, em sua evolu-
o, sero os pilares de sustentao que
daro origem ao radiojornalismo praticado
at nossos dias: o Reprter Esso e o Gran-
de Jornal Falado Tupi.
Em 1941, por necessidade imperiosa
de nos colocarmos a par da II Guerra Mun-
dial, surgiu o Reprter Esso, exatamente
s 12h55m do dia 28 de agosto, na Rdio
Nacional do Rio de Janeiro, precedido do
prefixo que se tornou clebre, composto de
fanfarras e clarins, de autoria do maestro
Carioca (27). Chegava respaldado pelo
sucesso j alcanado em Nova York, Bue-
nos Aires, Santiago, Lima e Havana.
Naquele dia 28 de agosto de 1941, Cel-
so Guimares dava a hora certa e, ao invs
de sair do ar, continua a falar: Al Repr-
ter Esso! Em seguida a um prefixo de
fanfarras e clarins que seria sua marca re-
gistrada durante 15 anos na Nacional, ia ao
ar a primeira edio do Reprter Esso, na
voz do locutor Romeu Fernandes: Al, al,
aqui fala o reprter Esso, criao radiof-
nica da Esso Brasileira de Petrleo e seus
revendedores (28).
A McCann Erickson veio para o Brasil
em 1935 e Armando de Moraes Sarmento
foi o primeiro brasileiro a dirigir uma agn-
cia de publicidade americana. Em 1941,
Emil Farhat, na poca j reconhecido como
jornalista, foi para a McCann, da qual aca-
bou por tornar-se presidente. dele o rela-
to: Aconteceu uma coincidncia curiosa:
essa agncia, na ocasio, estava s voltas
com o plano de lanamento de um progra-
ma noticioso, que viria a chamar-se Repr-
ter Esso, e foi a ento que o novio de
propaganda ofereceu, entre outras suges-
tes de slogans e textos de anncios, um
que se tornaria a bandeira daquele noticio-
so: o primeiro a dar as ltimas (29). E
Farhat, falando de si prprio, complementa:
Mais tarde, ainda durante a guerra, aquele
mesmo redator da agncia, talvez influen-
ciado por seus antigos conhecimentos jur-
dicos, criou outro slogan: Reprter Esso,
25 Mario Fanucchi, entrevista em25/5/1998.
26 Jimmy Garcia Camargo, op.cit., p. 19.
27 Walter Sampaio, op. cit., p.20.
28 Srgio Fonseca, Vera Magyar,op. cit., p. 48.
29 Ricardo Ramos, Do Reclame Comunicao Pequena His-tria da Propaganda no Brasil,4a ed., So Paulo, Atual, 1987,p. 59.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 73
testemunha ocular da histria (30).
O Reprter Esso trouxe um novo estilo
para a informao:
Com um noticirio sucinto, vibrante, de
cinco minutos exatos de durao. [] Isso
foi o bastante para clarear a mentalidade
radiodifusora para o velho ngulo da divul-
gao. Transmitido em horrios rigorosa-
mente respeitados, anunciado pela vinheta
musical que se tornou inconfundvel, ad-
quiriu estatura e autenticidade para ser co-
nhecido e admirado no Brasil inteiro (31).
A voz grave e modulada de Heron Do-
mingues, locutor exclusivo do Esso duran-
te dezoito anos, tornou-se popular em todo
o Brasil. Aos poucos, vrias emissoras bra-
sileiras tambm passaram a produzir e trans-
mitir o Reprter Esso, que foi extinto no
dia 31 de dezembro de 1968 (32). O Re-
prter Esso constituiu uma revoluo e uma
semente benfazeja, que logo frutificou no
rdio brasileiro (33).
Surgiu com a preocupao de defender
as posies dos Aliados na Guerra. No
comeo, era totalmente produzido pela
McCann Erickson, agncia de publicidade
que detinha a conta da Esso e no pela
Rdio Nacional , unicamente com not-
cias fornecidas pela UP United Press (anos
depois, associada a outra agncia, passa a
chamar-se UPI United Press International),
seguindo as normas rgidas e funcionais dos
noticirios radiofnicos norte-americanos.
Alm do Brasil, programas semelhantes
foram introduzidos por empresas norte-
americanas em diversos pases latino-ame-
ricanos, dentro da chamada poltica da boa
vizinhana. O sucesso do Reprter Esso
se deveu a vrios fatores: constante renova-
o, seleo cuidadosa das notcias, locuo
exemplar, aprimoramento constante acom-
panhando a evoluo do radiojornalismo no
mundo (34).
No incio, o Reprter Esso ficou restri-
to Rdio Nacional do Rio de Janeiro e
Rdio Record de So Paulo. Em julho de
1942 foi implantado nas Rdios Inconfidn-
cia (Belo Horizonte), Farroupilha (Porto
Alegre) e Clube Pernambuco (Recife) (35).
E utilizava o locutor do horrio, no tinha
apresentador exclusivo. S mais tarde a
agncia publicitria encarregada do progra-
ma resolveu fixar-se em vozes prprias, do
que resultaria a seleo de Rui Figueira, no
Rio Grande do Sul; Casimiro Pinto Netto
em So Paulo; e, finalmente, Heron
Domingues na Nacional, a partir de 1944
(36). Eram quatro edies dirias: pontual-
mente s 8h, 12h55, 19h55 e 22h55, alm
das inmeras e freqentes edies extras.
Para que todo esse sucesso fosse alcan-
ado e a lenda se estabelecesse, foram im-
postas condies, seguidas rigorosamente
pelas emissoras que apresentavam o pro-
grama (em algumas cidades, foram muda-
das com o passar do tempo).
Uma hora antes e meia hora depois do
Reprter Esso nenhuma emissora que o
transmitia poderia divulgar qualquer noti-
cirio. Esta era apenas uma das severas nor-
mas adotadas pela empresa e por sua agn-
cia de publicidade no relacionamento com
as rdios Jornal do Comrcio (Recife), Tupi
(So Paulo), Nacional (Rio de Janeiro),
Inconfidncia (Belo Horizonte) e
Farroupilha (Porto Alegre), integrantes da
rede do Reprter Esso (37).
No h dvida sobre o fato de que o
Reprter Esso foi o programa radiojorna-
lstico que conseguiu obter os maiores n-
dices de credibilidade at hoje no Brasil. A
moderna histria do jornalismo de rdio
est associada de forma indissolvel ao pro-
grama que deu, tambm, alguns dos maio-
res profissionais do jornalismo brasileiro
(38). A partir da, o radiojornalismo come-
a a desenvolver sua tcnica especfica e a
fazer parte do dia-a-dia do brasileiro.
O pacote cultural-ideolgico dos Estados
Unidos inclua vrias edies dirias de O
Reprter Esso, uma sntese noticiosa de
cinco minutos rigidamente cronometrados,
a primeira de carter global, que transfor-
mou o radiojornalismo brasileiro. Com o
noticioso, foi implantado o lide; a objetivi-
dade; a exatido; o texto sucinto, direto,
vibrante; a pontualidade; a noo do tempo
30 Idem, ibidem.
31 Saint-Clair Lopes, op. cit., pp.66-77.
32 Cf.: E ateno: Acabou oReprter Esso, in Veja, 8/1/1969, p. 57.
33 Walter Sampaio, op. cit., p.22.
34 Mario Ferraz Sampaio, op.cit., p. 127.
35 Al, Al, Reprter Esso, Al,in Jornal da Aesp, n. 70, no-vembro 1987, p. 25.
36 Idem, ibidem.
37 O Esso Conta a Guerra eEnsina o Pas a Ouvir Notici-rios, in Cadernos de Jornalis-mo, Sindicato dos JornalistasProfissionais de Porto Alegre,n. 1, 2a ed., s/d, p. 20.
38 Mauro De Felice, Jornalismo deRdio, Braslia, Thesaurus,1981, p. 59.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200374
exato de cada notcia; aparentando impar-
cialidade e contrapondo-se aos longos jor-
nais falados da poca. Porm, o formato
inovador do noticirio no influiu somente
na rea profissional mas, tambm, nas dis-
putas polticas, ideolgicas e culturais da
poca (39).
Durante os 27 anos em que esteve no ar,
o Reprter Esso deu em primeira mo as
principais notcias do Brasil e do mundo,
sempre fazendo jus a seus slogans: Teste-
munha ocular da histria e O primeiro a
dar as ltimas.
Mrio Lago nunca se esqueceu do Re-
prter Esso:
Todos os tipos de programao eram ou-
vidos, acompanhados com o fanatismo de
sempre, mas naqueles dias os jornais fala-
dos vinham na cabea, dominavam o Ibope.
E dos noticirios, quem viveu aqueles dias
me dar razo, o Reprter Esso deixava to-
dos os outros a perder de vista. Quando
entrava no ar a tal musiquinha meio marci-
al, meio passo doble, que era sua caracte-
rstica, principalmente se fosse para anun-
ciar edio extraordinria, o Brasil inteiro
parava, pois talvez tivesse chegado o mo-
mento que todos esperavam. Ns mesmos,
no estdio, j estvamos em assanhamento
total e incontrolvel, atropelando as cenas
e desatentos ao trabalho, quando vamos o
Heron Domingues aparecer na tcnica, si-
nal de que a novela ia ser interrompida para
transmisso de um telegrama quentinho, e
corramos ao seu encontro, esperanosos
de sabermos a novidade antes dos ouvin-
tes (40).
Lago afirma que, mesmo quando outra
emissora dava uma notcia, se o Esso no
confirmasse era como se no tivesse havi-
do essa notcia. E, apesar da evoluo
dos meios de comunicao, conclui: Eu
sou como o caipira de Monteiro Lobato.
Acocoro-me sobre os dedes dos ps, con-
tinuo picando meu fuminho caboclo, cus-
pindo para o lado e me rindo na alegria das
gengivas puras: Tem jeito no, seus mo-
os. Ainda no apareceu nada pra se com-
parar s importncia que tinha o Reprter
Esso (41).
A vivncia na apresentao do Repr-
ter Esso proporcionou um conhecimento
detalhado dos recursos tcnicos indispen-
sveis para o desenvolvimento de um pro-
grama jornalstico radiofnico. Assim, em
1948, Heron Domingues consegue implan-
tar na mesma Rdio Nacional a redao
pioneira de radiojornalismo, que recebeu o
nome pomposo de Seo de Jornais Fala-
dos e Reportagens, descrita como cem
metros de redao de notcias no 20o andar
do edifcio de A Noite (42). Em texto
indito esboado em novembro de 1949 e
intitulado Tcnica e Execuo do Radio-
jornalismo, Domingos relacionava, alm
dos objetivos e importncia do radiojor-
nalismo, 22 itens fundamentais para a pro-
duo e execuo corretas de um jornal
falado (43).
A Seo de Jornais Falados e Reporta-
gens fundada por Heron Domingues na
Rdio Nacional organizou, pela primeira
vez, um sistema de equipe (um chefe, qua-
tro redatores e um colaborador do notici-
rio parlamentar), rotina e hierarquia pecu-
liares a uma redao de jornalismo radio-
fnico. No mesmo texto indito, ele regis-
tra que em 1950, a Rdio Nacional, atra-
vs do seu setor radiojornalstico, acompa-
nhou os grandes rgos da imprensa, em p
de igualdade, na cobertura do perodo pr
e ps-eleitoral. Foi quando definitivamen-
te se consolidou o conceito de reportagem
radiofnica (44).
Em 1953 foi criada a Rede Nacional de
Notcias que permitia a retransmisso, pe-
las ondas curtas, dos jornais falados da
Nacional por dezenas de emissoras no inte-
rior do Brasil.
No dia 3 de abril de 1942, a Rdio Tupi
de So Paulo comea sua tradio jornals-
tica, colocando no ar, s 22h, a primeira
edio de outro mito: o Grande Jornal
Falado Tupi. Criado por Coripheu de Aze-
vedo Marques e Armando Bertoni, com
uma hora de durao diria, pode ser con-
siderado o primeiro jornal de integrao
39 Luciano Klckner, O ReprterEsso e a Globalizao: a Pro-duo de Sentido no PrimeiroNoticirio Radiofnico Mundi-al, in XXIV Congresso Brasilei-ro da Comunicao, Intercom,Ncleo de Pesquisa Mdia So-nora, Campo Grande, MS, se-tembro/2001.
40 Mrio Lago, Bagao de BeiraEstrada, So Paulo, CivilizaoBrasileira, 1977, pp. 107-8.
41 Idem, ibidem, p. 108.
42 Sonia Virgnia Moreira, O R-dio no Brasil, Rio de Janeiro,Rio Fundo Editora, 1991, p.27.
43 Idem, ibidem, p. 27.
44 Idem, ibidem, p. 28.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 75
nacional, sendo ouvido em todo o
interiorzo do pas. O Grande Jornal Fa-
lado Tupi possua, segundo Mario
Fanucchi, que trabalhou no programa, duas
caractersticas principais:
Em primeiro lugar, havia aquela informa-
o de interesse popular, para localizao
de pessoas, localizao de parentes e reca-
dos urgentes para locais de difcil acesso.
A outra caracterstica era a programao
voltada para a valorizao do municpio,
da pequena clula, da importncia dos
meios para que os municpios se desenvol-
vessem bastante e que o pas todo ganhasse
com esse tipo de coisa (45).
Dirigido pelo jornalista Coripheu de
Azevedo Marques, contava
com as vozes dos locutores Ribeiro Filho,
Alfredo Nagib, Mota Neto, Auriphebo
Simes e do prprio Corifeu (sic) que, a partir
das 9 horas da noite, fazia a chamada das
principais manchetes a serem irradiadas,
alertando os operadores das emissoras que
entravam em cadeia, para a transmisso
daquele noticioso. Ateno, senhores ou-
vintes, faltam (nmeros) minutos para O
Grande Jornal Falado Tupi onde os desta-
ques sero (lia 3 ou 4 manchetes) (46).
O Reprter Esso e o Grande Jornal
Falado Tupi foram os primeiros, no Brasil,
a mostrar preocupao quanto a uma lin-
guagem especfica para o rdio, procuran-
do elaborar a notcia de forma a atender as
caractersticas do meio radiofnico e no
do jornalismo impresso. O Reprter Esso
abrindo fronteiras, o Grande Jornal Fala-
do Tupi buscando todas as nossas frontei-
ras, levando informaes, reportagens e co-
mentrios at ento inacessveis aos brasi-
leiros de todos os rinces, comeavam a
definir o embrio do radiojornalismo na-
cional (47).
Muitos foram os programas importan-
tes na histria do nosso radiojornalismo.
No perodo da manh preciso ressaltar o
Matutino Tupi, tambm criado por
Coripheu de Azevedo Marques, que foi ao
ar, pela primeira vez, a 3 de abril de 1946.
Foram 10.287 edies, a ltima a 31 de
janeiro de 1977.
O Matutino chegou a ter mais de 4 mi-
lhes de ouvintes fixos no interior do Pas,
e saiu do ar por interesses comerciais fa-
vorveis emissora, segundo o diretor ar-
tstico Caion Gandia. O Matutino, com a
morte de Coripheu, perdeu a qualidade e
passou a viver apenas da tradio, permi-
tindo ser derrotado pela concorrncia de
outras emissoras (48).
Foram 31 anos desbravando as manhs
para a informao, com grande audincia
no interior do pas, destacando a notcia de
interesse popular, os recados urgentes para
locais de difcil acesso e a valorizao do
municpio, da proximidade com o ouvinte.
Algumas emissoras comeam a especia-
lizar-se. A Rdio Panamericana, de So
Paulo, a partir de 1947, transforma-se na
Emissora dos Esportes, conseguindo li-
derana de audincia e introduzindo mui-
tas inovaes nas transmisses esportivas,
que contribuem para que a linguagem
radiofnica evolua rapidamente, ao mes-
mo tempo em que do origem a solues
tcnicas extremamente criativas. tambm
a fase em que o radiojornalismo comea a
surgir como atividade mais estruturada,
com o lanamento de alguns jornais que
marcaram definitivamente o gnero.
O RADIOJORNALISMO
PS-TELEVISO
A forte concorrncia da televiso co-
mea a ser sentida pelo rdio a partir dos
anos 50, iniciando um longo processo de
busca por caminhos que lhe permitam so-
breviver. O rdio enfrentou a nova realida-
de da segunda metade do sculo passado
buscando alternativas. A televiso, inau-
gurada no Brasil em 18 de setembro de 1950,
definitivamente, ocupou o primeiro plano
entre os meios de comunicao, levando
45 Jos Coelho Sobrinho (org.),Flagrante de uma poca, SoPaulo, ECA-USP, s/d.,(mimeo.).
46 Reynaldo C. Tavares, op. cit.,p. 153.
47 Walter Sampaio, op. cit., p.22.
48 Moacyr Castro, Sai do Ar oMatutino Tupi; sem Anunciar oPrprio Fim, in O Estado deS. Paulo, 6/2/1977.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200376
consigo as verbas publicitrias, os profis-
sionais e a audincia. noite ela passa a ser
a grande estrela. O rdio procura outros
espaos e descobre no perodo matutino o
seu horrio nobre. Das produes caras,
com muitos contratados, o rdio chega a se
tornar quase um vitrolo que apenas repro-
duz a msica gravada em discos, deixando
de produzir programas adequados s suas
caractersticas como meio de comunicao.
Terminada a fase de ouro, o rdio en-
contra na eletrnica seu maior aliado. Uma
srie de inovaes tecnolgicas so espe-
cialmente favorveis ao renascimento do
rdio e transmisso jornalstica. Entre elas,
o gravador magntico, o transistor, a fre-
qncia modulada e as unidades mveis de
transmisso.
O gravador magntico comea a modi-
ficar o rdio logo aps o trmino da guerra,
tornando-se equipamento comum a partir
dos anos 50. Passou a ser possvel fazer
montagens sonoras editando cuidadosa-
mente os trechos escolhidos, alm de re-
produzir imediatamente a gravao. As
reportagens tiveram com este sistema seu
melhor aliado, contribuindo para que, pou-
co a pouco, fosse menor a quantidade de
programas ao vivo, dando programao
um carter distinto, com maior qualidade e
pureza (49).
O uso do gravador magntico de som
no rdio brasileiro surgiu no final dos anos
40 e foi se tornando habitual a partir da
dcada de 50. Os primeiros gravadores
geralmente usados no Brasil eram da linha
amadorstica, ainda muito pesados, pouco
portteis e de manejo no muito prtico. S
quando os gravadores de fita foram transis-
torizados que se produziram aparelhos
realmente portteis e em condies de aten-
derem aos servios de reportagens exter-
nas (50).
Mas bom salientar que, se, por um
lado, o gravador magntico deu ao rdio
maior agilidade, mais versatilidade, bara-
teou custos pois programas ou trechos
poderiam ser repetidos e melhorou a quali-
dade das gravaes externas, por outro,
permitiu tambm maior controle sobre o
contedo das mensagens: passou a ser vi-
vel fragmentar as entrevistas, depoimen-
tos, etc. e remontar os trechos seleciona-
dos, procedimento que se tornou rotineiro.
Se antes era conveniente que se empregas-
se a sntese na emisso, na elaborao da
mensagem por parte de seu autor, com o
surgimento do gravador magntico tornou-
se possvel obter essa sntese pretendida
cortando os trechos indesejados.
O transistor foi a inovao tecnolgica
que mais revolucionou o rdio. Apresenta-
do ao mundo em 1947, comea a se popula-
rizar alguns anos depois, simplificando o
processo e melhorando a qualidade das trans-
misses radiofnicas. O aparelho receptor
no precisa mais estar ligado s tomadas de
eletricidade, seu tamanho fica cada vez mais
reduzido e seu preo mais baixo. E o ato de
ouvir torna-se individualizado. Ao mesmo
tempo, o rdio ganha em mobilidade, tanto
de emisso como de recepo. Os autom-
veis passam a dispor de receptores; os gra-
vadores magnticos ficam mais compactos
e livres dos fios e tomadas, facilitando seu
manuseio e integrando-se a todas as cober-
turas jornalsticas em que o rdio esteja pre-
sente. Hoje extremamente portteis, com
seus microfones embutidos, permitem cap-
tar o palco da ao sem necessidade de ne-
nhuma infra-estrutura de apoio.
A explorao da freqncia modulada
(FM) a partir do incio da dcada de 50 no
Brasil, quase vinte anos depois permite
ao rdio desenvolver um dos elementos
essenciais em sua busca pela sobrevivn-
cia diante da televiso: o aspecto local. Com
qualidade sonora superior ao da amplitude
modulada (AM) explorada at ento (basi-
camente, atravs das ondas mdias OM
e das ondas curtas OC; posteriormente,
no Brasil, tambm em ondas tropicais
OT), a FM tem custo de transmisso infe-
rior, permitindo aumento considervel do
nmero de emissoras em operao. Parale-
lamente, torna-se possvel o emprego de
unidades mveis de transmisso, valorizan-
do sobremaneira a agilidade do rdio e suas
caractersticas, como imediatismo, simul-
taneidade e mobilidade.
No incio, ainda nos anos 60, as FMs
fornecem msica ambiente para assinan-
49 Jimmy Garcia Camargo, op.cit., p. 23.
50 Mario Ferraz Sampaio, op. cit.,p. 157.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 77
tes interessados em ter um background
apropriado. Posteriormente, a partir dos
anos 70, as transmisses utilizariam canais
abertos, surgindo um nmero elevado de
rdios, todas voltadas para a programao
exclusivamente musical. A primeira foi a
Rdio Difusora de So Paulo (FM), fato s
vezes contestado uma vez que a Eldorado
de So Paulo, quando foi fundada, em 1958,
transmitia em ondas mdias e, por ques-
to de prestgio usava tambm a FM para
transmitir s msica, fora da faixa comer-
cial (51). Em vrias partes do Brasil exis-
tiram transmisses em FM ainda no devi-
damente divulgadas uma vez que a histria
do rdio brasileiro continua mal contada,
resumindo-se ao Rio de Janeiro e a uma ou
outra capital, sem levar em conta detalhes
do restante do pas.
Amparado pela eletrnica, o rdio via
nascer um novo caminho: a especializao
das emissoras e a segmentao de pblicos.
Essas tendncias j se manifestavam nos
EUA desde o incio da dcada de 60. No
Brasil, nos anos 80 que ela se impe, prin-
cipalmente nos grandes centros urbanos.
Uma vez que as empresas radiofnicas
comearam a encarar o fato de que a tele-
viso lhes havia usurpado o lugar como
distribuidoras de entretenimento geral para
as massas, comearam a experimentar no-
vos formatos e descobriram que, em con-
junto, poderiam atrair fragmentos de seu
pblico anterior, formulando fortes chama-
mentos a fraes determinadas da popula-
o (52).
Surge a programao baseada no trip
msica-esportes-notcias. Paralelamente,
diferentes experincias de uso do rdio
como meio democrtico tambm ganharam
espaos: livres, piratas, comunitrias.
Com a segmentao do mercado e as
emissoras especializando-se em diferentes
tipos de programao, surge a figura do
disc-jquei e o desenvolvimento de pro-
gramaes de interesse limitado a deter-
minadas faixas de pblico. Em algumas
emissoras a especializao foi to radical
que os programas de curta ou mdia dura-
o (meia hora, uma hora) foram pratica-
mente abolidos, havendo quase que um s
programa durante as 24 horas do dia, diri-
gido rigorosamente a um s segmento do
pblico. No Brasil, a especializao che-
gou a partir de meados dos anos 70, ga-
nhando fora alguns anos depois. Msica,
jornalismo, prestao de servios, espor-
tes foram as linhas bsicas adotadas, sem-
pre de olho no pblico-alvo pretendido,
visando a melhor explorao das poten-
cialidades comerciais do meio.
Gneros e formatos diferenciados foram
sendo experimentados. Entre as vrias es-
pecializaes, no jornalismo surgiram as
rdios all news, que apresentam apenas no-
tcias, e as talk & news, em que o espectro de
formatos jornalsticos mais amplo englo-
bando notcias, entrevistas, comentrios etc.
Na prtica, os modelos tericos no se apre-
sentam em suas formas puras, mesclando-
se em diferentes composies: news, talk,
all news, all talk e outras mais que possam
resultar da criatividade do jeitinho brasilei-
ro. Essas propostas ganham espao a partir
dos anos 90 apesar de terem surgido no r-
dio norte-americano, geralmente em emis-
soras FM, no incio dos anos 60.
A primeira emissora all news de que se
tem conhecimento a XTRA, de Tijuana,
no Mxico (mas que transmitia da Califrnia
do Sul), pertencente a Gordon McLendon.
Em 1961, McLendon, que tambm foi um
dos pioneiros no uso do rock 24 horas por
dia como especializao, transformou a
XTRA em all news. Trs anos mais tarde,
outra emissora de sua propriedade, a WNUS,
de Chicago, adotava a mesma programao
especializada em notcias. Em abril de 1965,
a WINS, de Nova York, muda, repentina-
mente, de rdio especializada em rock para
all news. Aps despedir todos os seus disc-
jqueis contratou 27 jornalistas especia-
lizados em rdio e passou a transmitir not-
cias 24 horas por dia (53).
Presena constante no rdio desde sem-
pre, nessa fase que o jornalismo regula-
mentado, tornando-se obrigatrio na pro-
gramao. O Cdigo Brasileiro de Tele-
comunicaes, institudo pela Lei n. 4.117,
de 27 de agosto de 1962, determina, em seu
51 A Rdio dos Ricos, in Veja,9/12/1970, pp.84-5.
52 William H. Honan, El NuevoSonido de la Radio, in LlusBassets (ed.), De las OndasRojas a las Radios Libres, Bar-celona, Gustavo Gili, 1981,pp. 97-113.
53 Idem, ibidem, pp. 102-4.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200378
Captulo V, art. 38, letra h: As emissoras de
radiodifuso, inclusive televiso, devero
cumprir sua finalidade, destinando um m-
nimo de 5% (cinco por cento) de seu tempo
para a transmisso de servio noticioso.
O rdio foi mudando seu perfil para
enfrentar os novos tempos e o jornalismo
no poderia ficar de fora. Uma inovao de
programao noticiosa foi lanada pela
Rdio Bandeirantes, em 1955, mostrando-
se revolucionria e influenciando a progra-
mao das outras emissoras. A Bandei-
rantes de So Paulo fez-se pioneira no sis-
tema intensivo de noticirio [] em que as
notcias com um minuto de durao entra-
vam a cada quinze minutos e, nas horas
cheias, em boletins de trs minutos (54).
O crtico Walter Silva, o Pica-pau,
esmia, em depoimento, a proposta da
Bandeirantes.
Em 1955, [] Oswaldo Moles e um as-
trlogo chamado Professor Bascaram [sic]
resolveram mudar todo o sistema de irradia-
o de textos daquela emissora, imediata-
mente apoiados por Edson Leite. [] Cons-
tava do sistema [] eliminar os textos li-
dos por locutores comerciais de intervalo
em intervalo. Segundo o plano, eles seriam
interpretados por radioatores e irradiados
apenas de meia em meia hora []. Foi um
sucesso to grande que, meses depois,
muitos faziam fila para anunciar dentro do
sistema adotado pela emissora. Novos pro-
gramas surgiram. [] Henrique Lobo cui-
dava da direo artstica e foi implantando
novos programas que, mais tarde, junto com
a programao esportiva, dominavam a
preferncia nacional, derrubando o prest-
gio de mais de vinte anos da Rdio Na-
cional (55).
Trabalhando desde 1953 na emissora,
Walter Sampaio participou do processo e
conta um pouco dos bastidores dessa his-
tria:
A Rdio Bandeirantes de So Paulo []
vai ser realmente a mais popular emissora
paulista quando implanta um sistema ab-
solutamente revolucionrio no rdio brasi-
leiro. Esse sistema, o RB-55, um mistrio
na sua origem, porque foi implantado por
um cidado que se intitulava, na poca,
psiclogo de massas. O nome dele era
Carlos Pedregal, no se sabe bem se ele era
argentino, se era espanhol ou se era de um
outro pas sul-americano, ou ibero-ameri-
cano. Ele se apresentava como Professor
Bascaran. No sei que fim levou essa figu-
ra, mas era um homem extremamente cria-
tivo, e conseguiu convencer a direo da
Bandeirantes a fazer uma revoluo na sua
programao (56).
A tradio jornalstica mantm-se na
Bandeirantes e ao longo de sua histria
destacou-se por alguns pioneirismos. Em
1950 foi a primeira emissora brasileira a
transmitir ininterruptamente, 24 horas, fa-
anha cujo slogan enfatizava: Abrimos a
Bandeirantes e jogamos a chave fora; em
1955, no j citado Sistema RB-55, os inter-
valos comerciais concentravam-se em trs
minutos, numa poca em que as emissoras
levavam ao ar interminveis reclames. A
formao da Cadeia Verde-Amarela Nor-
te-Sul do Brasil, para a transmisso da Copa
do Mundo da Sucia em 1958, integrada
por 400 emissoras em todo o Brasil, foi
outro marco do rdio e, segundo a empresa,
na ocasio registraram-se os maiores n-
dices de audincia em So Paulo que uma
emissora jamais alcanou: mais de 90%.
Em 1962, a vez da primeira experincia
de gerao simultnea de programa o
jornalstico Primeira Hora , entre So
Paulo e Rio de Janeiro. O Sistema BandSat
AM, pioneira rede de rdio via satlite do
Brasil, iniciou suas operaes em 1989 e,
dez anos depois, foi a primeira emissora
brasileira a internacionalizar sua progra-
mao pela Internet, atravs da Rdio Alfa
FM de Paris (57).
O jornalismo da Bandeirantes AM de-
tm alguns recordes histricos. O Pulo do
Gato, com seus sete flegos, est miando e
se renovando desde 2 de abril de 1973,
sempre sob a apresentao de Jos Paulo
de Andrade: campeo mundial em per-
manncia no ar, no mesmo horrio, mesmo
prefixo e mesmo apresentador. tambm
54 Walter Sampaio, op. cit., p.22.
55 Cludio Mello e Souza, op. cit.,pp. 230-1.
56 Walter Sampaio, entrevista em12/5/1998.
57 Dados disponveis no site http://www.radiobandeirantes.com.br/historia/index.asp(acessado em 16/11/2002).
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pioneiro em inaugurar o horrio das 6h para
o jornalismo no rdio brasileiro.
Outro orgulho: fazer jornalismo de opi-
nio, no apenas de informao. O Jornal
Bandeirantes Gente, no ar desde 1978,
exemplo dessa tendncia, assim como seu
antecessor, O Trabuco, criao e apresen-
tao de Vicente Leporace. O Jornal Pri-
meira Hora o mais antigo da emissora,
estando no ar desde 1962. Apesar dos mui-
tos pioneirismos, recordes e experimenta-
es, a Bandeirantes umas das emissoras
menos estudadas do rdio brasileiro.
No final da dcada de 50, outra experi-
ncia dentro da estrutura que estava sendo
sedimentada no radiojornalismo marca o
incio de modificaes profundas nos jor-
nais falados quando a Rdio Continental
do Rio de Janeiro torna-se a primeira emis-
sora brasileira especializada em reportagens
externas, uma criao de Carlos Palut.
Operadores e rdio-reprteres (sic) saam
juntos para as tarefas, e a primeira provi-
dncia era a instalao de microfones nos
locais onde se realizariam as solenidades.
Os telefones tinham de ser matados (ex-
presso que significa bloquear os apare-
lhos de telefone, cujas linhas so utilizadas
nas transmisses diretas). Como naquele
tempo os aparelhos de gravao eram mui-
to pesados, precisavam ser levados por
vrios funcionrios. Muito trabalho tinha
de ser gravado. Carlos Palut levantava os
assuntos, realizava as gravaes e posteri-
ormente eles eram levados ao ar, no Jornal
de Reportagem (58).
No Brasil, o servio de utilidade pbli-
ca ou prestao de servios foi introdu-
zido pelo jornalista Reinaldo Jardim na
Rdio Jornal do Brasil AM, do Rio de Ja-
neiro, em 1959, com o objetivo de restabe-
lecer o dilogo com os ouvintes. Atualmen-
te, este um tipo de programa adotado por
emissoras em todo o pas constituindo im-
portante fonte de informao e participa-
o para os ouvintes. Para Mario Fanucchi,
no seu esforo de sobrevivncia, o rdio
encontrou no jornalismo um apoio maior
para desenvolver um trabalho de prestao
de servios, de informaes sobre todos os
setores (59). Inicialmente, o servio de
utilidade pblica surgiu nas rdios divul-
gando notas de achados & perdidos. Aos
poucos, foi se ampliando, chegando a criar
setores exclusivos dentro das emissoras.
A Rdio Jornal do Brasil tambm foi a
primeira emissora a adotar o sistema all
news entre ns. A novidade foi introduzida
em maio de 1980, procurando criar um novo
hbito na audincia: ouvir notcias sucessi-
vas a maior parte do dia. Seis anos depois,
a cpula administrativa e redacional da
Rdio chegou concluso de que esse no
era o sistema ideal para a manuteno de
uma emissora como a Jornal do Brasil AM,
com um pblico cativo, que durante mais
de vinte anos se acostumara programao
solidamente implantada: msica de quali-
dade e informao correta (60).
Nos seis anos que durou a experincia,
a chefia do departamento de jornalismo foi
mudada seis vezes. Acima de tudo, parece
ter faltado JB o investimento indispens-
vel, tanto em equipamentos quanto em mo-
de-obra especializada, orientado por uma
estratgia empresarial e filosofia de traba-
lho definidas.
Em So Paulo, a Rdio Panamericana,
a Jovem Pan AM, tem no jornalismo a es-
pinha dorsal de sua programao desde o
final da dcada de 60, mas nunca se posi-
cionou como uma emissora all news. O
objetivo era dar nfase programao mais
falada, que buscava reencontrar o dilogo
com o pblico, surgindo programas como
o Show da Manh, em que o locutor Kalil
Filho montou uma verdadeira rede de troca
de informaes, que iam desde receitas
culinrias a fontes de pesquisa para traba-
lhos escolares. Nessa poca, a Jovem Pan
instalou um servio particular de meteo-
rologia, alm de dar destaque s condies
do trnsito, das estradas, ofertas de empre-
go, reclamaes do pblico, etc. A partir de
1967 cria uma equipe de jornalismo bem
estruturada que muda a imagem da emisso-
ra, de esportiva para jornalstica e de pres-
tao de servios, sem que o esporte deixe
de ter espao na programao. A reporta-
gem de rua foi intensificada e a informao
58 Mauro De Felice, citado porSonia Virgnia Moreira, op.cit., p. 30.
59 Jos Coelho Sobrinho (org.),op. cit.
60 Sonia Virgnia Moreira, Jorna-lismo na Rdio Jornal do BrasilAM, in Gisela SwetlanaOrtriwano (org.), Radiojornalis-mo no Brasil Dez EstudosRegionais, So Paulo, Com-Arte, 1987, pp. 19-43.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200380
passa a estar presente no mais em horrios
fixos mas no momento em que o fato acon-
tece, a qualquer hora do dia ou da noite. O
Jornal da Manh foi lder na integrao do
territrio via rede de emissoras de vrios
estados. E o repita!, toda vez em que era
dada a hora certa, criao do locutor Anto-
nio Alexandre (e muito usado pelo apre-
sentador Wilson Fittipaldi, o Velho Ba-
ro), incorporou-se ao rdio, sendo um dos
jarges mais conhecidos. Tambm no
podemos esquecer a especializao
territorial uma vez que a Pan deixava bem
clara sua preferncia pela rea nobre dos
Jardins, regio que concentra uma popula-
o com alto poder aquisitivo na cidade de
So Paulo, como pblico-alvo.
Fora do eixo So Paulo-Rio, temos a
Rdio Gacha, AM, de Porto Alegre que,
desde o final dos anos 50, tem no jornalis-
mo sua caracterstica principal, com noti-
cirios e comentrios durante a programa-
o. Fundada em 8 de fevereiro de 1927, a
Rdio Gacha foi vendida em 19 de no-
vembro de 1957 ao grupo que deu origem
ao que se constitui hoje uma das maiores
redes de comunicao no Brasil: a Rede
Brasil Sul RBS, que conta com emissoras
em vrios estados.
Se na batalha pela sobrevivncia que o
rdio enfrentou a partir dos anos 50 o
radiojornalismo foi importante, no Brasil
poucas emissoras utilizaram como arma a
estratgia da programao jornalstica. Na
grande maioria, o jornalismo continua sen-
do tabu. Exige investimentos, responsa-
bilidade, persistncia; em contrapartida,
o retorno vem na forma de audincia, pres-
tgio e lucro.
NEWS, ALL NEWS, TALK & NEWS
NOTCIA NA REDE!
Algumas tendncias se delinearam. s
vezes meras reinterpretaes do rdio de
sempre; outras, possibilidades que surgi-
ram no apenas com a evoluo tecnolgica
mas tambm com o momento social, com
as expectativas e ritmos da vida, com a inter-
relao entre os meios de comunicao e
seus diferentes suportes. E isso afeta o jor-
nalismo e os jornalistas que esto no rdio.
Transmitindo por satlite, a formao
de redes nacionais de rdio geis e com boa
qualidade sonora favorecida. Ao contr-
rio das cadeias radiofnicas em que a emis-
sora lder comandava e todas as demais,
muitas vezes centenas, apenas retransmi-
tiam sem nenhuma participao no conte-
do, a rede pressupe a produo em distin-
tas camadas: nacional, regional, local. O
jornalismo valorizado se receber a aten-
o necessria. O acesso tecnologia igua-
la as emissoras e seus produtos: o grande
diferencial ser a qualidade dos profissio-
nais e sua criatividade artesanal.
Experincias de rdio por satlite esto
em andamento, principalmente nos EUA.
Grandes empresas automobilsticas, como
GM, Ford, Volkswagen, Mercedes Benz,
Jaguar, etc., tm fechado acordos com as
principais empresas de rdio por satlite
a XM e a Sirius para oferecer o Digital
Satellite Radio (DSR) nos modelos das mar-
cas. Por meio de assinatura, o receptor ter
disposio grande nmero de emissoras
altamente segmentadas cobrindo todo o
territrio. A indstria automobilstica tam-
bm demonstrou interesse na produo de
programao, o que representa um dos
indicativos de que os investimentos na
explorao da radiodifuso podero ter ori-
gens em diferentes setores da economia.
O rdio digital permite uma hiperseg-
mentao com produes altamente dire-
cionadas para cada pblico-alvo. As van-
tagens sero a melhora na qualidade sono-
ra, atravs de uma recepo livre de inter-
ferncia, alm de servios de dados adicio-
nais ao udio, sem fio e maior utilizao da
banda (61), explica Ronald Siqueira Bar-
bosa, coordenador do Grupo SET/Abert
(Associao Brasileira de Rdio e Televi-
so) de Rdio Digital. Por enquanto, per-
sistem dvidas e problemas. Quando o pro-
cesso de digitalizao estiver implantado,
o rdio vai deixar de ser somente som para
ser udio, imagem e dados.
A grande contribuio que o rdio di-
61 Este Jovem Senhor, o Rdio,in Portal Imprensa (http://www.uol.com.br/imprensa)
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gital vai oferecer para o jornalismo vai ser
a oportunidade de transmitir notcias com
a qualidade de um CD, segundo o presi-
dente da Aesp (Associao Paulista das
Emissoras de Rdio e Televiso) Jos Incio
Genari Pizani. O padro AM vai ser supe-
rior ao FM de hoje, explica Paulo Macha-
do de Carvalho Neto, presidente da Abert,
o que vai transformar as emissoras de jor-
nalismo tradicionais em potenciais compe-
tidoras no mercado (62). Na Europa, o
projeto Eureka-147, via Digital Audio
Broadcasting (DAB), est em operao ex-
perimental desde os anos 80.
Para o jornalista, a convergncia multi-
mdia impe-se como um sistema de traba-
lho medida que o digital se estabelece,
alterando a prpria formatao da notcia
em rdio.
Nos modelos j disponveis de receptores
de rdio digital, h um visor em que apare-
cem transcritas informaes adicionais que
no esto no udio das matrias ou dos
programas que vo ao ar, assim como foto-
grafias e mesmo imagens em movimento.
O jornalista no vai ser um produtor apenas
de informao sonora. Vai formatar textos
e imagens. E o ouvinte poder ter informa-
o mais completa (63).
Na Internet o rdio tem suas particulari-
dades. Na transmisso comum, se o ouvinte
perde a ateno, no pode voltar a notcia ou
a msica para ouvir novamente, caracters-
tica da instantaneidade, ou seja, a simulta-
neidade na recepo. Na Web, mesmo nas
transmisses ao vivo, os sites podem
disponibilizar os arquivos de udio para que
os ouvintes possam escut-los posteriormen-
te, on demand. As rdios virtuais so espe-
cialmente produzidas para a Internet; mas
emissoras convencionais a utilizam como
suporte para suas transmisses normais. A
presena do rdio na WWW, por enquanto,
to diversificada quanto a prpria Internet.
Tudo pode ser encontrado, de emissoras
altamente especializadas a meras caixas de
msica, para muitos gostos.
Tendncia j acentuada a mudana do
jornalismo das emissoras AM para as FM,
fenmeno presente em outros pases h
quase meio sculo. Contingncias histri-
cas motivadas por interesses econmicos
foraram a transmisso somente de msica
ambiente em seu incio. O rdio FM tem
qualidade sonora mais sofisticada e, por-
tanto, condies de reproduzir melhor qual-
quer som, seja msica ou fala. Em muitos
pases, o processo j se inverteu: a AM
apenas reproduz a programao produzida
para a FM. E, com a tecnologia das teleco-
municaes, um celular de tamanho mni-
mo permite cumprir outra caracterstica to
cara ao rdio: o imediatismo, ou seja, a si-
multaneidade na emisso.
O rdio FM tem hoje uma cara diferente
do AM por circunstncias. O FM nasceu
num lugar que j tinha uma AM pois nin-
gum vai fazer rdio com as mesmas carac-
tersticas. A alegao era a seguinte: me-
lhor som, melhor estereofonia ento va-
mos tocar msica, rdio FM msica,
rdio para msica. E o AM fica para o
resto. E, assim, no h concorrncia entre
duas emissoras da mesma empresa. Esse
um dos motivos, talvez o principal. Na
minha concepo, rdio rdio de qual-
quer jeito, pode fazer qualquer coisa. Por
exemplo, a CBN hoje est fazendo radio-
jornalismo na FM no mesmo tom que faz
na AM. possvel fazer rdio sem estar
caracterizado pelo meio, pela forma de
transmisso (64).
All news outra das facetas muito alme-
jadas pelo radiojornalismo. Diversas emis-
soras tm programao jornalstica com
pretenso de serem news, de preferncia
all news. Com perfil jornalstico, algumas
operam em rede, outras so locais. A infor-
mao est presente durante todo o dia e a
msica, via de regra, surge como informa-
o complementar, no mais como pea de
resistncia. Mas essas emissoras, em sua
maioria, mesmo se pretendendo news, so
talk, com programao predominantemen-
te comandada por ncoras antes conheci-
dos como apresentadores encarregados
de entremear as notcias com muita torren-
te verbal.
62 Idem, ibidem.
63 Idem, ibidem.
64 Mario Fanucchi, entrevista em25/5/1998.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200382
CBN a Rdio que toca notcia. Em
formato all news, a CBN traz a cobertura
dos principais fatos do pas e do exterior.
Caracterizada por ser uma emissora plural,
d espao para as diversas vozes da socie-
dade, na busca constante da iseno e
credibilidade. Este o conceito que a CBN
Central Brasileira de Notcias divulga,
informando que o investimento em pro-
duo de notcias se transformou em prio-
ridade para o Sistema Globo de Rdio []
nos moldes das melhores agncias de not-
cias; a grade de programao foi elabora-
da para reforar o conceito de rede nacio-
nal da emissora, ampliar o nmero de afi-
liadas e posicionar o meio rdio no merca-
do publicitrio. Ainda segundo a empre-
sa, a CBN hoje a maior rede de emisso-
ras all news, que transmite via satlite 24
horas de jornalismo. Criada em 1o de ou-
tubro de 1991, procura estabelecer-se nas
principais cidades. Com mais de 200 jor-
nalistas pelo pas, a rdio que toca notcia
focaliza os principais assuntos nacionais e
internacionais, com um estilo de progra-
mao prprio e exclusivo (65). Em 2002,
a rede estava composta por 23 emissoras,
sendo cinco prprias (So Paulo, Rio de
Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Braslia)
e as demais afiliadas.
A idia de colocar em prtica uma pro-
gramao jornalstica 24 horas por dia par-
tiu do vice-presidente do Sistema Globo de
Rdio, Jos Roberto Marinho, que, em via-
gem aos EUA, ficou impressionado com o
grande nmero de emissoras fundamenta-
das na informao, interessando-se tambm
pelo movimento das rdios locais que ocor-
reu na Espanha, principalmente na Cata-
lunha. No processo de implantao do pro-
jeto, buscando garantir presena nos cen-
tros nevrlgicos da vida nacional, a CBN
viu-se forada a transmitir por FM nas pra-
as em que no possua uma AM. O resul-
tado mostrou-se promissor. E o jeitinho no
deixou de colaborar: em So Paulo, o Sis-
tema Globo de Rdio amargava uma FM
cujos destinos eram incertos pois no en-
contrava um nicho de atuao. A Rdio X
(sim, este o nome fantasia decidido aps
um concurso com a participao do p-
blico) passou a retransmitir a programao
da CBN (ex-Excelsior), para ocupar o
canal, a baixo custo.
Herdoto Barbeiro, gerente de Jornalis-
mo/SP, ncora do principal jornal da rede e
figura decisiva na elaborao e implantao
do projeto, defende a segmentao e a defi-
nio clara do pblico-alvo pretendido para
que seja produzido um jornalismo de quali-
dade e credibilidade. A conseqncia, ga-
rante, ser audincia e retorno publicitrio.
Integrante do Sistema Globo de Rdio, a
rede CBN ocupa um espao bem definido
dentro do grupo: explora o filo jornalstico.
Enquanto isso, as outras emissoras, deno-
minadas Globo, so nitidamente populares.
Trabalhando com informaes locais na
prestao de servios (trnsito, enchentes,
acidentes), no importa que a emissora te-
nha um grande alcance territorial se, como
no caso de muitas AMs, elas apresentam
problemas de recepo na cidade em que
esto instaladas. Programao local trans-
mitida para outras cidades deixa de ter sen-
tido. Com emissoras FM, de alcance local e
boa qualidade sonora, possvel atingir o
pblico-alvo com muito mais eficincia e
at desdobrar a transmisso, dependendo do
momento. Se uma cidade tem problemas
locais, a programao da rede pode perma-
necer inalterada e a emissora FM investir na
prestao de servios enquanto se fizer ne-
cessrio. O mesmo acontece quando h mais
de um evento esportivo a ser transmitido no
mesmo horrio: cada faixa transmite um
deles e as informaes so trocadas entre
elas. A Bandeirantes AM de So Paulo ado-
tou a mesma estratgia no final dos anos 90,
atravs de um acordo operacional com a
Rdio Vip FM (emissora do litoral paulista),
que passou a retransmitir a programao de
perfil jornalstico podendo, eventualmente,
duplicar as transmisses dependendo do as-
sunto ou dando destaque para a cobertura da
temporada de frias no litoral. No caso, im-
portante frisar que a emissora FM da Rede
Bandeirantes, a Band FM, continua inde-
pendente, com programao exclusiva j
bastante sedimentada.
O forte da CBN cobrir o principal eixo
poltico-econmico fazendo a triangulao
65 CBN a Rdio que Toca No-tcia, http://radioclick.globo.com/cbn/insti/historia.asp(acessada em 3/12/2002).
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 83
Rio de Janeiro-Braslia-So Paulo, operan-
do em rede boa parte do tempo. A cabea
de rede, do ponto de vista empresarial, o
Rio de Janeiro mas o projeto est estruturado
em So Paulo, praa que tem os melhores
resultados comerciais.
Alm da produo prpria, a CBN abriu
a possibilidade de terceirizao em toda a
programao, seja de programas inteiros,
insero de programetes ou da participa-
o de comentaristas, analistas, etc., que
entram vrias vezes ao dia, sempre patroci-
nados, podendo inclusive interagir com o
ncora que estiver no ar.
Levar aos ouvintes cerca de 1.000 infor-
maes por dia, em forma de nota, boletim,
reportagem, comentrios, programas espe-
ciais, institucionais, entre outros, significa
dar ao cidado o que ele quer e precisa.
Respeitar o ouvinte, consultando-o quan-
do de assuntos polmicos, cobrar postura e
ao das autoridades competentes, so pos-
turas percebidas diariamente na CBN e
fazem com que a comunidade d o retorno
esperado, garantindo audincia (66).
A CBN reconhecida no meio como o
embrio de uma estratgia comercial que
movimenta o setor, uma vez que renasceu
comercialmente ao jogar notcias 24 ho-
ras no ar, incluindo a FM. Os grandes
anunciantes do dial esto com o jornalis-
mo, tradicional filo das AMs. E querem a
qualidade da transmisso e o pblico jo-
vem/consumidor das FMs j que, na AM, a
audincia registra queda e os ouvintes es-
to envelhecendo. O resultado foi a ins-
pirao para a Bandeirantes, Jovem Pan e
Eldorado, que passaram a transmitir seus
noticirios da AM nas manhs da FM. Alm
de economizar em equipe j que o mesmo
material usado pelas duas freqncias ,
aumentaram a audincia e o faturamento
das FMs (67).
Jovem Pan SAT a rede da Jovem Pan
AM, de So Paulo, que retransmite uma
parte do Jornal da Manh para 95 emisso-
ras afiliadas, com noticirio sobre os acon-
tecimentos do Brasil e do mundo, alm da
participao de reprteres e entrevistados
da rea poltica, econmica e social do pas.
Em cinco edies dirias, Hora da Verda-
de um compacto de 10 minutos dividido
em dois blocos de cinco minutos, abordan-
do os principais acontecimentos do momen-
to e da hora anterior, outro produto que
entra em rede (68).
A Rdio 89 FM A Rdio Rock de
So Paulo mescla rock com informaes
musicais e de trnsito no programa Giro
89, alcanando a liderana entre as FMs,
no horrio das 18h s 20h. Respaldada por
decises judiciais, a 89 no transmite A Voz
do Brasil sob a justificativa de informar e
prestar servio. O Giro 89 manteve a lin-
guagem bsica do pblico-alvo da emisso-
ra e, devido ao sucesso, lanou tambm uma
edio matutina.
Segmentao outro conceito mal
aproveitado. De maneira geral, as emisso-
ras procuram atingir os mesmos pblicos-
alvos: esto todas segmentando para a
mesma audincia, sem buscar nichos dife-
renciados. So emissoras produzindo
clones ad infinitum de programas que acre-
ditam bem sucedidos, sem preocupao
com as caractersticas especficas da regio
e da emissora.
A tecnologia tem permitido que o rdio
e, especialmente, o jornalismo possam de-
sempenhar suas funes de forma cada vez
mais aprimorada. Um exemplo a telefo-
nia celular, que fez com que o rdio ga-
nhasse ainda mais agilidade, potenciali-
zando seu carter imediatista: possvel
transmitir as mensagens sem grandes apa-
ratos. A Rdio Eldorado de So Paulo tem
dado destaque ao seu ouvinte-reprter (ins-
titudo em 1993), incentivando-o a ligar
para a emissora passando informaes, es-
pecialmente pelo celular. A Bandeirantes
tem sistema semelhante, utilizando o re-
prter da cidade e o reprter das estradas.
Com isso, conseguem cobertura bastante
ampla do trnsito e excelente prestao de
servios em momentos dramticos como
acidentes ou enchentes. Imobilizado no
trnsito congestionado, o ouvinte fica mo-
tivado a participar, sentindo-se importante
como fonte, uma vez que sua emissora pre-
dileta est lhe dando a oportunidade de in-
66 Nivaldo Marangoni, Progra-mao Jornalstica Vinte eQuatro Horas por Dia: oPioneirismo da CBN CentralBrasileira de Notcias, in XXIICongresso Brasileiro de Cin-cias da Comunicao, GTRdio, Rio de Janeiro, RJ,1999. Em: ht tp://www.in tercom.org.br/papers/index6.html (acessado em 3/12/2002).
67 Laura Mattos, Em Tempo deCrise na AM, Marcelo Tas Levamais Notcia FM, in FolhaOnline, 30/10/2002 (http://www1.uol.com.br/ilustra-da/ult90u28407.shtml).
68 Em: site da Jovem Pan AM(http://jovempan.uol.com.br/j p a m n e w / s o b r e /programacao.php).
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200384
terferir diretamente na produo e no ape-
nas receber a programao j pronta. Esta
possibilidade tende a crescer cada vez mais.
Mas os limites so marcantes: as emissoras
no costumam permitir que o ouvinte se
expresse sobre assuntos gerais, ao vivo.
No temos ainda um ouvinte-falante
exercendo sua cidadania no sentido amplo.
Um recurso incentivar o ouvinte a deixar
sua manifestao gravada em uma secret-
ria eletrnica, para que seja selecionada e,
eventualmente, editada antes de ir ao ar.
Ou ainda, participaes por fax ou e-mail
que no apenas excluem os que no tm
acesso a essas tecnologias, como permitem
a leitura resumida por parte do locutor,
nem sempre permitindo a plena emisso do
pensamento. Mas toda a tecnologia de ce-
lulares de ltima gerao, de alcance mun-
dial, no servir nem para produtores, nem
para a participao dos ouvintes, se faltar
energia eltrica e as baterias no puderem
ser recarregadas. Procurando sanar esse
problema bsico, recursos muito antigos
esto surgindo como salvadores da ptria:
a velha e boa manivela, a energia solar e
por a afora
Aos poucos, a reportagem parece estar
voltando ao jornalismo radiofnico depois
de quase desaparecer: os pretensos repr-
teres mal conseguiam emitir boletins, ge-
ralmente patrocinados, de assuntos que
envolviam a prestao de servios. Nos
ltimos tempos, algumas emissoras, como a
Eldorado e a Bandeirantes, produzem re-
portagens em captulos em que o assunto
dividido em partes, levadas ao ar uma por
dia, podendo ser repetida, em edio inte-
gral, no final de semana. A reportagem de
longa durao no mais est presente no
rdio. Esses aspectos todos esto muito re-
lacionados com a retomada da vida demo-
crtica: sob censura, o jornalismo ao vivo
no apenas perdeu espao mas deixou de ter
profissionais que soubessem exerc-lo.
A sustentao econmica do jornalis-
mo no rdio merece ateno especial.
H um consenso entre a maioria dos jor-
nalistas de que no se pode misturar neg-
cios comerciais das empresas de comuni-
cao com a linha editorial. Jornalistas no
so contatos comerciais, nem gerenciadores
de publicidade, e no devem se envolver na
intermediao de verbas, nem como pes-
soas fsicas, nem como jurdicas. Quem
viabiliza a sustentao econmica de um
programa jornalstico o departamento co-
mercial e no o de jornalismo. Os veculos
de comunicao no sobrevivem sem
faturamento econmico, pois so empre-
sas que tm como finalidade ltima o lu-
cro. Portanto, o jornalismo se faz no bojo
de um determinado business. E um deles
o rdio comercial. neste quadro de com-
petio que sobrevive o radio-business no
Brasil. Porque sem business no h progra-
mao, nem talk show, nem all news. Em
suma, sem negcio no h jornalismo de
rdio (69).
A mistura entre jornalismo e publicida-
de tem uma longa histria e existia j nos
primeiros anos do rdio. Depoimentos de
pioneiros deixam claro que a preocupao
era no apenas cobrir a matria para a qual
estava pautado (ou encontrasse pelo cami-
nho) mas tambm angariar anncios, ou
seja, o faturamento do veculo de comunica-
o e, principalmente, a comisso que
garantia a prpria sobrevivncia uma vez
que pagar salrio no era norma no mer-
cado. Jos Carlos de Morais, o celebre re-
prter Tico-Tico, conta como, ainda nos anos
30, se fazia o recrutamento de jornalistas.
Freitas Nobre e eu queramos arrumar tra-
balho na Rdio Educadora, hoje Gazeta. A
gente queria fazer a Hora da Ave Maria. O
gerente aceitou, mas disse que a gente ia
trabalhar de graa Como, trabalhar sem
ganhar? Isso comum, diz o homem.
Vocs comeam na Hora da Ave Maria,
saem arranjando anncio. Quando tiverem
uma boa carteira, a rdio d uma comisso
pra vocs (70).
Vrios outros aspectos poderiam ser
lembrados, mas por ora basta. A inteno
foi to-somente instigar a curiosidade para
fatos importantes da histria do radiojor-
nalismo brasileiro e incentivar pesquisa-
69 Herdoto Barbeiro, Business eRadiojornalismo, in Portal Im-prensa (http://www.obser-vatoriodaimprensa.com.br/ar-tigos/mat0507b.htm).
70 Jos Hamilton Ribeiro, Jornalis-tas 1937-1997 Histria daImprensa de So Paulo Vistapelos que Batalham Laudas (Ter-minais), Cmeras e Microfones,So Paulo, Imprensa Oficial doEstado, 1998, p. 32.
REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 85
dores para que essa histria seja conhecida
de forma mais completa, em suas diferen-
tes facetas regionais. As possibilidades tec-
nolgicas do momento permitem vislum-
brar um rdio moderno, gil, simultneo
aos acontecimentos, prximo do ouvinte.
E um jornalismo que acompanhe essas pos-
sibilidades, contanto que reaprenda a do-
minar a linguagem radiofnica que vai
muito alm do blablabl improvisado.
uma mistura bem dosada, equilibrada para
cada situao, entre fala, msica, efeitos
sonoros e silncio.
Interatividade o que o rdio, finalmen-
te, promete; ao destinatrio caber tambm
o papel de emissor, estabelecendo um flu-
xo de informao com duas mos de dire-
o: a tecnologia forando o dilogo real
entre emissor e receptor.
O rdio seria o mais fabuloso meio de
comunicao imaginvel na vida pblica,
constituiria um fantstico sistema de cana-
lizao, se fosse capaz, no apenas de emi-
tir, mas tambm de receber. O ouvinte no
deveria apenas ouvir, mas tambm falar:
no isolar-se, mas ficar em comunicao
com o rdio. A radiodifuso deveria afas-
tar-se das fontes oficiais de abastecimento
e transformar os ouvintes nos grandes
abastecedores (Bertolt Brecht).
RADIOJORNALISMO NO BRASIL:FRAGMENTOS DE HISTRIA
Em 1937, Getlio Vargas anuncia ao
microfone do DIP (Departamento de
Imprensa e Propaganda) a criao do
Estado Novo
J na campanha para retornar ao governo em 1950, o ex-ditador
discursa diante dos microfones, sob as vistas de Luiz Carlos
Prestes, lder comunista que o apoiava na ocasio