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8 0 Radiojornalismo no Brasil: fragmentos de história GISELA SWETLANA OR TRIWANO “A arte da improvisação aconteceu muito, até o rádio começar a entender que, para usar todo seu potencial, precisava se organizar; só então, o rádio disparou em termos de produção, de qualidade de programação e, principalmente, de informação” (Walter Sampaio). GISELA SWETLANA ORTRIWANO é jornalista, professora de Radiojornalismo na ECA-USP e autora de A Informação no Rádio (Summus). [email protected]

10 Gisela

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  • 80Radiojornalismo

    no Brasil:

    fragmentos de

    histria

    GIS

    ELA

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    ETLA

    NA

    ORT

    RIW

    AN

    O

    A arte da improvisao aconteceu

    muito, at o rdio comear a entender

    que, para usar todo seu potencial,

    precisava se organizar; s ento, o

    rdio disparou em termos de produo,

    de qualidade de programao e,

    principalmente, de informao

    (Walter Sampaio).

    GISELA SWETLANAORTRIWANO jornalista, professorade Radiojornalismo naECA-USP e autora deA Informao no Rdio(Summus)[email protected]

  • 80O

    jornalismo esteve presente no rdio des-

    de as primeiras experincias de explora-

    o da radiodifuso. As emissoras, de ma-

    neira geral, so inauguradas transmitin-

    do algum evento ou, ao menos, informando sobre sua

    prpria existncia. Primeiro meio de comunicao ele-

    trnico, operando na velocidade do som, o rdio j nas-

    ceu glocal, termo cunhado recentemente em funo das

    tecnologias hoje disponveis: tanto contava os fatos do

    mundo como os da casa do vizinho.

    Fragmentos de uma longa histria que ainda no foi

    bem contada compem o texto que procura mostrar um

    pouco do trajeto do radiojornalismo brasileiro. Seu am-

    biente tradicional o rdio AM (amplitude modulada);

    na FM (freqncia modulada), sua presena est mais

    ligada obrigatoriedade legal, e s a partir dos anos 90

    o potencial jornalstico reconhecido. A opo foi des-

    tacar alguns momentos importantes do processo de evo-

    luo do jornalismo radiofnico, deixando de lado mui-

    tos fatos, dados e personagens. Ou seja: muitas outras

    histrias possveis.

    O Rdio, no Brasil, surgiu fazendo vibrar as agulhas

    que arranhavam pedrinhas de galena, informando. Isso

    ocorreu exatamente no dia 6 de abril de 1919, no Recife,

    quando foi fundada a Rdio Clube de Pernambuco (1).

    Na inaugurao oficial da radiodifuso brasileira, a 7

    de setembro de 1922, como parte das comemoraes do

    Centenrio da Independncia, o jornalismo cumpriu seu

    papel. O discurso de abertura da Exposio Internacio-

    nal do Rio de Janeiro, feito pelo presidente da Repblica

    1 Walter Sampaio, JornalismoAudiovisual Teoria e Prticado Jornalismo no Rdio, na TVe no Cinema, Petrpolis, Vo-zes, 1971. Na p. 19, em notade rodap, Sampaio esclare-ce o significado de pedrinhasde galena: Como se sabe, osaparelhos rudimentares de r-dio funcionavam com cristaisde galena, sulfeto de chumbo.

    80 an

    os de

    rdio

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200368

    Simplesmente, saiu do ar. No estava clini-

    camente morto, porm, j que ressurgiu em

    1923, ainda que em condies muito pre-

    crias, quando o Governo montou, na Praia

    Vermelha, uma pequena estao que trans-

    mitia programas literrios, musicais e in-

    formativos. Essas transmisses de fraca

    intensidade conquistaram um ouvinte fiel

    e ilustre. Um antroplogo brasileiro, Edgard

    Roquette-Pinto, foi um dos primeiros ou-

    vintes assduos de rdio, no Brasil (2).

    RDIO NO BRASIL: DE FATO E DE

    DIREITO (3)

    Edgard Roquette-Pinto j experimen-

    tava o jornalismo radiofnico mesmo an-

    tes de inaugurar a Rdio Sociedade do Rio

    de Janeiro, a 20 de abril de 1923, data que

    marca a instalao efetiva e definitiva da

    radiodifuso no Brasil (as transmisses re-

    gulares comearam a 1o de maio).

    Tendo acompanhado as irradiaes da

    Westinghouse Eletric no Morro do Corco-

    vado, durante a Exposio do Centenrio

    da Independncia, Roquette-Pinto incorpo-

    rou-se queles que se encantaram com o

    novo meio de difuso. Do encanto passou

    prtica, montando em 1922, com o cien-

    tista Henrique Morize, um pequeno trans-

    missor experimental, com o qual ps-se a

    irradiar, pela sua voz, notcias do dia e

    msica erudita destacada de sua coleo de

    discos (4).

    A partir dessa data, o rdio participou

    de todos os movimentos da vida brasileira.

    Ajudou a derrubar a Repblica Velha, par-

    ticipou da Revoluo de 32, fez extensos

    noticiosos sobre a Segunda Guerra Mundi-

    al. Desempenhou importante papel no Gol-

    pe Militar de 64, participou ativamente da

    redemocratizao durante a Nova Repbli-

    ca e, pouco depois, fez ecoar pas afora o

    processo de impeachment de um presiden-

    te da Repblica. Os polticos sempre sou-

    beram reconhecer sua importncia nas cam-

    Epitcio Pessoa, foi transmitido pelos 80

    receptores especialmente importados

    para a ocasio (a Westinghouse havia ins-

    talado uma emissora, cujo transmissor,

    de 500 watts, estava localizado no Alto

    do Corcovado).

    O jornal A Noite, de 8 de setembro de

    1922, noticiava, sucintamente, o aconteci-

    mento sob o ttulo Um Sucesso de Radio-

    telephonia e Telephone Auto-falante (sic):

    Uma nota sensacional do dia de hontem

    foi o servio de rdio-telephone auto-fa-

    lante, grande atrativo da Exposio. O dis-

    curso do Sr. Presidente da Repblica, inau-

    gurando o certamen foi, assim, ouvido no

    recinto da Exposio, em Nictheroy,

    Petropolis e So Paulo, graas instalao

    de uma possante transmissora no Corcova-

    do e de aparelhos de transmisso e recep-

    o, nos logares acima.

    Encerrando a nota, o jornal carioca com-

    pletava:

    Desse servio se encarregaram a Rio de

    Janeiro and So Paulo Telephone Company,

    a Westinghouse International Co. e a

    Western Electric Company. noite, no

    recinto da Exposio, em frente ao posto

    de Telephone Pblico, por meio do

    telephone auto-falante, a multido teve uma

    sensao indita. A pera Guarany, de

    Carlos Gomes, que estava sendo cantada

    no Theatro Municipal, foi alli, distincta-

    mente ouvida bem como os applausos aos

    artistas. Egual cousa succedeu nas cidades

    acima.

    Terminadas as comemoraes do Cen-

    tenrio da Independncia, que impressio-

    naram o pblico de acordo com os textos

    dos cronistas da poca, as transmisses ra-

    diofnicas foram interrompidas.

    No existia um sistema de transmisso

    regular e, mais importante ainda, de capta-

    o regular das ondas. Por falta de apare-

    lhos receptores e de um projeto capaz de

    torn-los acessveis populao o rdio

    deixou de funcionar e de existir, no Brasil.

    2 Cludio Mello e Souza, Impres-ses do Brasil a ImprensaBrasileira atravs dos Tempos Rdio Jornal TV, So Pau-lo, Grupo Machline, s/d.[1986], p. 163.

    3 Alguns aspectos da histria dojornalismo no rdio brasileiroj haviam sido por ns aborda-dos anteriormente. Cf.: GiselaSwet lana Ortr iwano, Os(Des)caminhos do Radiojorna-lismo, So Paulo, ECA-USP,1990 (tese de doutoramento).

    4 Mario Ferraz Sampaio, Hist-ria do Rdio e da Televiso noBrasil e no Mundo, Rio de Ja-neiro, Achiam, 1984, p. 112.

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    panhas eleitorais e, na corrida presidencial

    de 2002, quando o povo depositou suas es-

    peranas em um novo perfil administrati-

    vo, no foi diferente. No h candidato que

    no se interesse em participar de progra-

    mas em emissoras radiofnicas em todas

    as cidades por onde passam as comitivas

    eleitorais. Essa importncia se estende a

    atividades de todos os campos de atuao,

    sejam conquistas esportivas ou campanhas

    de todo tipo.

    A Roquette-Pinto se deve a criao e

    apresentao do primeiro jornal de rdio

    brasileiro, j no incio das atividades da

    Rdio Sociedade.

    O Jornal da Manh no era um simples

    noticioso, nem um modesto relato dos

    acontecimentos. Era o fato comentado, es-

    miuado e interpretado com a autoridade

    do sbio. Jornal da Manh, da Rdio So-

    ciedade do Rio de Janeiro, foi iniciativa

    jamais igualada. Por meio dele, o comen-

    tarista apreciava os acontecimentos nos

    noticirios dos jornais, lendo-lhes as man-

    chetes e oferecendo um panorama

    inigualvel de conciso, de realidade e de

    objetividade, como somente ele poderia

    faz-lo (5).

    Roquette-Pinto , de fato, o primeiro

    locutor (e comentarista) do rdio brasileiro.

    Com sua voz marcante e bem colocada,

    fazia, pela manh, a abertura das transmis-

    ses. Nessa abertura, lia os jornais que j

    havia assinalado com seu lpis vermelho

    (hbito antigo), comentando as principais

    notcias do dia, inaugurando, assim, o jor-

    nal falado (6).

    Saint-Clair Lopes vai alm em sua ad-

    mirao:

    Com tal gabarito foi elaborado, que ja-

    mais houve outro que a ele igualasse em

    profundidade, alcance e qualidade. Nele o

    Mestre distribua fartamente informaes,

    como devem ser consideradas em seu sen-

    tido. No era um relato, puro e simples dos

    acontecimentos; era a notcia comentada,

    esmiuada, interpretada no seu contedo e

    nos seus reflexos no sistema social do Bra-

    sil e do mundo (7).

    Que meio para transformar o homem,

    em poucos minutos, se o empregarem com

    alma e corao, afirmava Roquette-Pinto

    cujas melhores esperanas foram deposita-

    das no rdio. Assim ele fazia o Jornal da

    Manh, o primeiro jornal falado do rdio

    brasileiro. E improvisava sobre a notcia

    lida nos jornais matutinos, acrescentando

    novas informaes sobre o pas de origem,

    as personagens e os antecedentes do fato

    (8). Os elogios ao pioneirismo de Roquette-

    Pinto vm sempre acompanhados pela va-

    lorizao da qualidade do trabalho que rea-

    lizava. bom ressaltar que de certa for-

    ma foi Roquette-Pinto o introdutor no Bra-

    sil do jornalismo de pesquisa dentro do

    rdio (9).

    As emisses iniciais no eram regula-

    res uma vez que as primeiras irradiaes da

    prpria emissora no apresentavam progra-

    mas regulares.

    S em 1925 e 26 que a programao da

    Rdio Sociedade do Rio de Janeiro se fir-

    mou, comeando pela manh com o Jornal

    da Manh, a cargo do Presidente da entida-

    de, Dr. Roquette-Pinto. Seguiam-se mais

    trs noticiosos: o do meio-dia, o da tarde e

    o da noite. Os demais horrios eram toma-

    dos com nmeros musicais e matria ins-

    trutiva (10).

    Alm do Jornal da Manh, havia ou-

    tros programas jornalsticos no rdio brasi-

    leiro dos primeiros tempos que mereciam,

    literalmente, o ttulo de jornais falados: ler

    no rdio as notcias dos jornais impressos.

    Sem qualquer tipo de elaborao, as not-

    cias eram lidas diretamente do jornal, dan-

    do origem a todo um anedotrio prprio: o

    locutor, distrado, l para o ouvinte a not-

    cia que termina com um infalvel con-

    tinua na pgina x, ou ento como se

    pode ver na foto ao lado, etc. Tentando

    evitar os riscos que esse procedimento re-

    presentava e solucionar o problema, pas-

    sou-se a utilizar o recurso de recortar as

    5 Saint-Clair Lopes, Comunica-o Radiodifuso Hoje, Riode Janeiro, Temrio, 1970,pp. 41-2.

    6 Ana Maria de Souza Barbo-sa, O Pssaro dos Rios nosAfluentes do Saber Roquette-Pinto e a Construo da Uni-versalidade, So Paulo, PUC,1996, 2 vs., p. 381 (tese dedoutoramento).

    7 Radiodifuso no Mundo e noBrasil, in IM/Abert, n. 24,maio 1969, p. 19.

    8 50 Anos de Iluses, entre oBom e o Ruim, in O Estado deS. Paulo, 10/6/1973.

    9 Azeni Passos, Rdio, o Meiomais Eficaz da Comunicaode Massa, Completa 57 Anosde Vida, in Dirio Popular,25/10/1979.

    10 Mario Ferraz Sampaio, op.cit., p. 144.

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    notcias dos jornais e orden-las de forma

    mais coerente e lgica, facilitando a leitu-

    ra. De forma pejorativa, este procedimento

    ficou conhecido como gillette-press ou te-

    soura-press (11). Apesar de subverter a

    funo do rdio, era comum nos seus pri-

    meiros tempos e continua presente em

    muitas de nossas emissoras, com roupa-

    gem nova: gillette-press virtual, resultado

    de copy e paste obtidos em sites da Internet.

    O noticirio, alm de muito reduzido, vi-

    nha com algum atraso, porque era todo

    colhido nas colunas dos jornais (12).

    No existiam ainda reprteres nas rdios,

    apenas locutores, abastecidos pela

    recortagem dos jornais.

    Segundo Humberto Sodr Pinto, os jor-

    nais falados foram lanados no Recife em

    1926: Isto no implica dizer que, at en-

    to, as notcias e informaes de quaisquer

    naturezas estivessem ausentes de nossos

    microfones. [] Eram, porm, divulgados

    esparsamente e sem nenhuma sistematiza-

    o (13).

    Em 1932, durante a Revoluo Cons-

    titucionalista, temos o surgimento do ra-

    diojornalismo em So Paulo, mais em ter-

    mos de editoriais, muitas vezes com fortes

    conotaes de parcialidade. Experincias

    de diversos formatos jornalsticos estive-

    ram presentes nas emissoras paulistas des-

    de o incio, mas era a primeira vez que o

    rdio era utilizado no Brasil como instru-

    mento de mobilizao popular. Csar La-

    deira, que ficou conhecido como o Locu-

    tor da Revoluo, conclamava o povo pela

    Rdio Record a pegar em armas por uma

    Carta Constitucional. Na verdade, hoje se

    sabe que vrios locutores se revezavam na

    apresentao, procurando manter um pa-

    dro que confundia o ouvinte e deixava a

    impresso de que Ladeira estava perma-

    nentemente em ao. Csar Ladeira e seus

    companheiros de microfone Nicolau Tuma,

    Renato Macedo e Licnio Neves imortali-

    zaram-se em memorveis irradiaes que

    avanavam pelas madrugadas, transfor-

    mando a Rdio Record de So Paulo em A

    Voz da Revoluo, inscrevendo-a defini-

    tivamente na histria da radiofonia de So

    Paulo e do Brasil (14).

    Csar Ladeira, em particular, adquiriu

    enorme prestgio []. Diante do microfo-

    ne da Record, ele costumava dirigir-se aos

    ouvintes de forma direta, numa conversa

    sem cerimnia, carregada de emoo e

    apelo patritico. Nas vozes desses locuto-

    res, comearam ento a ser ouvidas as cr-

    nicas escritas por Antonio Alcntara Ma-

    chado, Genolino Amado, Orgenes Lessa

    e, mesmo, Mrio de Andrade, que, sob o

    pseudnimo de Lus Pinho, fazia questo

    de ressaltar o carter democrtico e popu-

    lar do movimento revolucionrio paulista.

    Um pouco mais tarde, Rubem Braga escre-

    veria tambm crnicas para a Rdio

    Record (15).

    A Rdio Record de So Paulo foi pio-

    neira em vrios sentidos. Primeira lder de

    audincia, introduziu logo no incio dos

    anos 30 a programao poltica, levando os

    polticos at seus estdios, para as pales-

    tras instrutivas, como as denominava Pau-

    lo Machado de Carvalho, proprietrio da

    emissora, que assim relembra sua origem:

    [] No distante 30 de novembro de 31,

    dvamos incio a uma srie de palestras

    culturais. O autor-apresentador era nada

    mais nada menos que Monteiro Lobato

    (16). A Record foi um marco norteador

    para diversas mudanas que seriam

    introduzidas nas emissoras no processo de

    evoluo das empresas radiofnicas.

    Em 1932, a Record organizou a cadeia

    de emissoras paulistas para a divulgao

    da Revoluo Constitucionalista. Logo

    depois, introduziu outra inovao: a con-

    tratao de cast exclusivo, no que seria

    imitada por outras emissoras.

    A Record ia capengando at que estourou

    a Revoluo de 32. E a surgiu para sorte

    da PRB 9 o inesquecvel Csar Ladeira

    [] que era forado a falar mais de 12 horas

    por dia. Como fazer, se isso constituiria um

    esforo demasiado? Naquele tempo, no

    havia os recursos de hoje. Gravar como?

    Em 1932 no se gravava em fita. At que

    Janurio de Oliveira, cantor que mais tarde

    se revelaria um showman extraordinrio,

    aventou uma idia maluca. Experimenta-

    11 Jimmy Garcia Camargo, LaRadio por Dentro y por Fuera,Quito, Ciespal, 1980, p. 26.

    12 Trecho da exposio de Rena-to Murce no Primeiro Congres-so Nacional de Comunicao,realizado no Rio de Janeiro noperodo de 10 a 16 de setem-bro de 1971. Cf.: Mario FerrazSampaio, op. cit., pp. 172-6.

    13 Subsdios para a Histria doRdio em Pernambuco, in Co-municaes & Problemas, n. 2,1965.

    14 Reynaldo C. Tavares, Histriasque o Rdio no Contou, SoPaulo, Negcio Editora, 1997,p. 179.

    15 David Jos Lessa Mattos, O Es-petculo da Cultura Paulista Teatro e TV em So Paulo:1940-1950, So Paulo,Cdex, 2002, pp. 149-50.

    16 Fernando Reis, O Rdio Riso-nho e Franco, in Propaganda,n. 235, fevereiro/1976, pp.50-1.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 71

    ram e deu certo. Ele, o tenor Arnaldo

    Pescuma e o ento quase menino Renato

    Macedo conseguiram imitar Csar Ladeira

    com perfeio absoluta e, assim, toma

    Ladeira dia e noite. Parece-me que at o

    Raul Duarte no tenho certeza entrava

    na brincadeira (17).

    O jeitinho brasileiro, como se v, faz

    parte da histria do rdio. Realmente, Csar

    Ladeira considerado um dos maiores lo-

    cutores que o Brasil j conheceu. Seu bo-

    letim, das duas s quatro horas da manh,

    diariamente, terminava com um apelo re-

    volucionrio a Getlio Vargas: Que renun-

    cie o ditador (18).

    Paulo Machado de Carvalho conta como

    se deu o envolvimento na Revoluo

    Constitucionalista:

    Em 23 de maio de 32, a Record foi inva-

    dida por um grupo de estudantes. [] In-

    vadiram e lanaram manifesto pelo micro-

    fone. Depois, deixaram-nos documentos es-

    critos que guardo at hoje em que declara-

    vam que para evitar possveis represlias

    por parte das autoridades, declaramos que

    nesta data invadimos a Rdio Record e atra-

    vs de seus microfones fizemos uma pro-

    clamao ao povo, em favor da liberdade

    no Brasil, pela Constituinte, pela Consti-

    tuio (19).

    Logo depois, viria o histrico 9 de julho

    e a Record passaria a ter participao des-

    tacada em todo o episdio da Revoluo de

    32. Carvalho afirma que antes dessa poca

    j havia iniciado uma programao

    jornalstica regular: Em 23 de fevereiro

    de 1932 a Record lanava seu primeiro

    jornal falado, em combinao com os Di-

    rios Associados. Quem o inaugurou foi

    Assis Chauteaubriand [] que estava eu-

    frico no dia da inaugurao e tornou-se

    um entusiasta do radiojornalismo (20).

    A Rdio Nacional do Rio de Janeiro,

    lenda do rdio brasileiro, foi inaugurada a

    12 de setembro de 1936. A Rdio Nacio-

    nal foi fundada em 1936, mas viveu em

    crise at 1939. S no deixou de funcionar

    porque trs de seus fundadores Celso Gui-

    mares, Oduvaldo Cozzi e Ismnia dos

    Santos traduziam peas de rdio-teatro,

    eram atores, locutores e at trabalhadores

    braais, quando preciso (21). Em maro

    de 1940, Vargas encampou a Estrada de

    Ferro So Paulo-Rio Grande e a empresa A

    Noite, do mesmo grupo empresarial, que

    possua, alm do jornal, vrias revistas (Ca-

    rioca, Vamos Ler, etc.) e a Rdio Nacional.

    A partir da, com o dinheiro do poder

    pblico a emissora passou a ser uma das

    empresas incorporadas ao patrimnio da

    Unio a Nacional tornou-se a maior e

    melhor emissora do Brasil (22).

    Pioneira no Brasil na explorao radio-

    fnica organizada empresarialmente, a Na-

    cional, entre muitos outros programas de

    destaque, passaria a transmitir o maior mito

    do radiojornalismo brasileiro: o Reprter

    Esso.

    Em 1935, era criada a Hora do Brasil,

    programa de uma hora de durao que ia ao

    ar de segunda-feira a sbado, com notici-

    rio oficial, distribudo pelo DIP (Departa-

    mento de Imprensa e Propaganda), a partir

    de 1937. Mesmo aps a queda de Getlio

    Vargas em 1945, o programa sobreviveu e

    existe at hoje, de segunda a sexta-feira,

    com o nome de A Voz do Brasil. A partir

    dos anos 90 sua obrigatoriedade tem sido

    contestada por vrias emissoras e algumas

    tm conseguido, por medidas judiciais, no

    transmiti-lo ou, ao menos, no no horrio

    das 19h s 20h (23).

    No devemos esquecer que o jorna-

    lismo esportivo j existia desde o come-

    o da dcada de 30 irradiando partidas de

    futebol, corridas automobilsticas, boxe

    e outros esportes. Nicolau Tuma consi-

    derado o pioneiro entre os locutores es-

    portivos: narrou a primeira partida de

    futebol que o rdio transmitiu, a 19 de

    julho de 1931, atravs da Rdio Educa-

    dora Paulista. O Speaker Metralhado-

    ra, como Tuma ficou conhecido na po-

    ca por transmitir falando muito rapida-

    mente, tambm foi uma das atraes

    importantes na Rdio Record em seus

    primeiros anos. Em 1938 Gagliano Neto

    narrava, diretamente da Frana, os Jogos

    da Copa do Mundo (24).

    17 Mauro Pires, O Rdio do meuTempo, in Folhetim, Folha deS. Paulo, 24/9/1978.

    18 Meio Sculo de Radiodifu-so, in Suplemento do Cente-nrio, O Estado de S. Paulo,3/5/1975.

    19 Fernando Reis, op. cit.

    20 Idem, ibidem.

    21 Srgio fonseca, Vera Magyar,As Novas Dimenses do R-dio, in Propaganda, n. 235,fevereiro/1976, p. 46.

    22 Idem, ibidem.

    23 Sobre o assunto, existem vriosartigos em jornais e revistas. Umresumo do processo pode serencontrado no site da RdioEldorado de So Paulo que li-dera a campanha: http://www.radioeldoradoam.com.br/html/vozbrasil.asp (aces-sado em 16/11/2002).

    24 Sobre essa primeira coberturade um campeonato mundial defutebol diretamente da Europa,detalhes em: Gisela SwetlanaOrtriwano, Frana 1938, IIICopa do Mundo: o Rdio Bra-sileiro Estava L, in RevistaComunicaes & Artes, SoPaulo, ECA-USP, n. 34, 2oquadrimestre 1998, pp. 5-16.O texto tambm pode ser en-contrado em: http://bocc.ubi.pt/pag/or t r iwano-gise la -copa1938.html

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200372

    Geralmente, as emissoras eram eclticas.

    Faziam de tudo um pouco, mas algumas se

    especializaram, como a Panamericana [atu-

    al Jovem Pan], que comeou a transmitir

    futebol e outros esportes. Houve uma po-

    ca em que eles inclusive transmitiam corri-

    da de pulga, qualquer coisa [risos] todos

    os esportes eram cobertos de qualquer

    maneira [] mas depois, as transmisses

    ficaram muito mais enfocadas no futebol

    (25).

    Caminhando a passos lentos, o radio-

    jornalismo foi se desenvolvendo no Bra-

    sil. Se j estava presente desde as primei-

    ras transmisses, s comea a funcionar,

    de fato, ganhando espaos e importncia,

    com o advento da Segunda Guerra Mun-

    dial. Mas, desde suas primeiras transmis-

    ses, agregava prestgio s emissoras que

    nele investiam.

    SEGUNDA GUERRA: A ARMA

    ESTRATGICA

    Durante a Primeira Guerra Mundial o

    rdio engatinhava como processo de trans-

    misso e, mesmo assim, foi submetido a

    severo controle, inibindo, quase paralisan-

    do seu desenvolvimento. Na poca, foi

    basicamente utilizado para fins de comuni-

    caes militares.

    O rdio foi uma arma estratgica da Se-

    gunda Guerra. As orientaes ideolgicas

    e as notcias do front precisavam ser

    divulgadas com a maior rapidez possvel.

    Os jornais impressos, assim como os cine-

    jornais, no dispunham da agilidade e al-

    cance que comearam a ser requeridos pela

    nova realidade e o rdio passou a ser enca-

    rado como um meio essencialmente infor-

    mativo. A Segunda Guerra Mundial faz

    do rdio seu instrumento. As notcias suce-

    dem-se a cada minuto, multiplicam-se os

    sistemas informativos, a audincia exige

    cada vez mais e mais notcias dos diferen-

    tes fronts (26).

    O aperfeioamento dos equipamentos e

    o desenvolvimento de sistemas de trans-

    misso de maior alcance so conseqn-

    cias que ressaltam o aspecto jornalstico do

    rdio. Nesse contexto surgem no Brasil os

    primeiros programas que, em sua evolu-

    o, sero os pilares de sustentao que

    daro origem ao radiojornalismo praticado

    at nossos dias: o Reprter Esso e o Gran-

    de Jornal Falado Tupi.

    Em 1941, por necessidade imperiosa

    de nos colocarmos a par da II Guerra Mun-

    dial, surgiu o Reprter Esso, exatamente

    s 12h55m do dia 28 de agosto, na Rdio

    Nacional do Rio de Janeiro, precedido do

    prefixo que se tornou clebre, composto de

    fanfarras e clarins, de autoria do maestro

    Carioca (27). Chegava respaldado pelo

    sucesso j alcanado em Nova York, Bue-

    nos Aires, Santiago, Lima e Havana.

    Naquele dia 28 de agosto de 1941, Cel-

    so Guimares dava a hora certa e, ao invs

    de sair do ar, continua a falar: Al Repr-

    ter Esso! Em seguida a um prefixo de

    fanfarras e clarins que seria sua marca re-

    gistrada durante 15 anos na Nacional, ia ao

    ar a primeira edio do Reprter Esso, na

    voz do locutor Romeu Fernandes: Al, al,

    aqui fala o reprter Esso, criao radiof-

    nica da Esso Brasileira de Petrleo e seus

    revendedores (28).

    A McCann Erickson veio para o Brasil

    em 1935 e Armando de Moraes Sarmento

    foi o primeiro brasileiro a dirigir uma agn-

    cia de publicidade americana. Em 1941,

    Emil Farhat, na poca j reconhecido como

    jornalista, foi para a McCann, da qual aca-

    bou por tornar-se presidente. dele o rela-

    to: Aconteceu uma coincidncia curiosa:

    essa agncia, na ocasio, estava s voltas

    com o plano de lanamento de um progra-

    ma noticioso, que viria a chamar-se Repr-

    ter Esso, e foi a ento que o novio de

    propaganda ofereceu, entre outras suges-

    tes de slogans e textos de anncios, um

    que se tornaria a bandeira daquele noticio-

    so: o primeiro a dar as ltimas (29). E

    Farhat, falando de si prprio, complementa:

    Mais tarde, ainda durante a guerra, aquele

    mesmo redator da agncia, talvez influen-

    ciado por seus antigos conhecimentos jur-

    dicos, criou outro slogan: Reprter Esso,

    25 Mario Fanucchi, entrevista em25/5/1998.

    26 Jimmy Garcia Camargo, op.cit., p. 19.

    27 Walter Sampaio, op. cit., p.20.

    28 Srgio Fonseca, Vera Magyar,op. cit., p. 48.

    29 Ricardo Ramos, Do Reclame Comunicao Pequena His-tria da Propaganda no Brasil,4a ed., So Paulo, Atual, 1987,p. 59.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 73

    testemunha ocular da histria (30).

    O Reprter Esso trouxe um novo estilo

    para a informao:

    Com um noticirio sucinto, vibrante, de

    cinco minutos exatos de durao. [] Isso

    foi o bastante para clarear a mentalidade

    radiodifusora para o velho ngulo da divul-

    gao. Transmitido em horrios rigorosa-

    mente respeitados, anunciado pela vinheta

    musical que se tornou inconfundvel, ad-

    quiriu estatura e autenticidade para ser co-

    nhecido e admirado no Brasil inteiro (31).

    A voz grave e modulada de Heron Do-

    mingues, locutor exclusivo do Esso duran-

    te dezoito anos, tornou-se popular em todo

    o Brasil. Aos poucos, vrias emissoras bra-

    sileiras tambm passaram a produzir e trans-

    mitir o Reprter Esso, que foi extinto no

    dia 31 de dezembro de 1968 (32). O Re-

    prter Esso constituiu uma revoluo e uma

    semente benfazeja, que logo frutificou no

    rdio brasileiro (33).

    Surgiu com a preocupao de defender

    as posies dos Aliados na Guerra. No

    comeo, era totalmente produzido pela

    McCann Erickson, agncia de publicidade

    que detinha a conta da Esso e no pela

    Rdio Nacional , unicamente com not-

    cias fornecidas pela UP United Press (anos

    depois, associada a outra agncia, passa a

    chamar-se UPI United Press International),

    seguindo as normas rgidas e funcionais dos

    noticirios radiofnicos norte-americanos.

    Alm do Brasil, programas semelhantes

    foram introduzidos por empresas norte-

    americanas em diversos pases latino-ame-

    ricanos, dentro da chamada poltica da boa

    vizinhana. O sucesso do Reprter Esso

    se deveu a vrios fatores: constante renova-

    o, seleo cuidadosa das notcias, locuo

    exemplar, aprimoramento constante acom-

    panhando a evoluo do radiojornalismo no

    mundo (34).

    No incio, o Reprter Esso ficou restri-

    to Rdio Nacional do Rio de Janeiro e

    Rdio Record de So Paulo. Em julho de

    1942 foi implantado nas Rdios Inconfidn-

    cia (Belo Horizonte), Farroupilha (Porto

    Alegre) e Clube Pernambuco (Recife) (35).

    E utilizava o locutor do horrio, no tinha

    apresentador exclusivo. S mais tarde a

    agncia publicitria encarregada do progra-

    ma resolveu fixar-se em vozes prprias, do

    que resultaria a seleo de Rui Figueira, no

    Rio Grande do Sul; Casimiro Pinto Netto

    em So Paulo; e, finalmente, Heron

    Domingues na Nacional, a partir de 1944

    (36). Eram quatro edies dirias: pontual-

    mente s 8h, 12h55, 19h55 e 22h55, alm

    das inmeras e freqentes edies extras.

    Para que todo esse sucesso fosse alcan-

    ado e a lenda se estabelecesse, foram im-

    postas condies, seguidas rigorosamente

    pelas emissoras que apresentavam o pro-

    grama (em algumas cidades, foram muda-

    das com o passar do tempo).

    Uma hora antes e meia hora depois do

    Reprter Esso nenhuma emissora que o

    transmitia poderia divulgar qualquer noti-

    cirio. Esta era apenas uma das severas nor-

    mas adotadas pela empresa e por sua agn-

    cia de publicidade no relacionamento com

    as rdios Jornal do Comrcio (Recife), Tupi

    (So Paulo), Nacional (Rio de Janeiro),

    Inconfidncia (Belo Horizonte) e

    Farroupilha (Porto Alegre), integrantes da

    rede do Reprter Esso (37).

    No h dvida sobre o fato de que o

    Reprter Esso foi o programa radiojorna-

    lstico que conseguiu obter os maiores n-

    dices de credibilidade at hoje no Brasil. A

    moderna histria do jornalismo de rdio

    est associada de forma indissolvel ao pro-

    grama que deu, tambm, alguns dos maio-

    res profissionais do jornalismo brasileiro

    (38). A partir da, o radiojornalismo come-

    a a desenvolver sua tcnica especfica e a

    fazer parte do dia-a-dia do brasileiro.

    O pacote cultural-ideolgico dos Estados

    Unidos inclua vrias edies dirias de O

    Reprter Esso, uma sntese noticiosa de

    cinco minutos rigidamente cronometrados,

    a primeira de carter global, que transfor-

    mou o radiojornalismo brasileiro. Com o

    noticioso, foi implantado o lide; a objetivi-

    dade; a exatido; o texto sucinto, direto,

    vibrante; a pontualidade; a noo do tempo

    30 Idem, ibidem.

    31 Saint-Clair Lopes, op. cit., pp.66-77.

    32 Cf.: E ateno: Acabou oReprter Esso, in Veja, 8/1/1969, p. 57.

    33 Walter Sampaio, op. cit., p.22.

    34 Mario Ferraz Sampaio, op.cit., p. 127.

    35 Al, Al, Reprter Esso, Al,in Jornal da Aesp, n. 70, no-vembro 1987, p. 25.

    36 Idem, ibidem.

    37 O Esso Conta a Guerra eEnsina o Pas a Ouvir Notici-rios, in Cadernos de Jornalis-mo, Sindicato dos JornalistasProfissionais de Porto Alegre,n. 1, 2a ed., s/d, p. 20.

    38 Mauro De Felice, Jornalismo deRdio, Braslia, Thesaurus,1981, p. 59.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200374

    exato de cada notcia; aparentando impar-

    cialidade e contrapondo-se aos longos jor-

    nais falados da poca. Porm, o formato

    inovador do noticirio no influiu somente

    na rea profissional mas, tambm, nas dis-

    putas polticas, ideolgicas e culturais da

    poca (39).

    Durante os 27 anos em que esteve no ar,

    o Reprter Esso deu em primeira mo as

    principais notcias do Brasil e do mundo,

    sempre fazendo jus a seus slogans: Teste-

    munha ocular da histria e O primeiro a

    dar as ltimas.

    Mrio Lago nunca se esqueceu do Re-

    prter Esso:

    Todos os tipos de programao eram ou-

    vidos, acompanhados com o fanatismo de

    sempre, mas naqueles dias os jornais fala-

    dos vinham na cabea, dominavam o Ibope.

    E dos noticirios, quem viveu aqueles dias

    me dar razo, o Reprter Esso deixava to-

    dos os outros a perder de vista. Quando

    entrava no ar a tal musiquinha meio marci-

    al, meio passo doble, que era sua caracte-

    rstica, principalmente se fosse para anun-

    ciar edio extraordinria, o Brasil inteiro

    parava, pois talvez tivesse chegado o mo-

    mento que todos esperavam. Ns mesmos,

    no estdio, j estvamos em assanhamento

    total e incontrolvel, atropelando as cenas

    e desatentos ao trabalho, quando vamos o

    Heron Domingues aparecer na tcnica, si-

    nal de que a novela ia ser interrompida para

    transmisso de um telegrama quentinho, e

    corramos ao seu encontro, esperanosos

    de sabermos a novidade antes dos ouvin-

    tes (40).

    Lago afirma que, mesmo quando outra

    emissora dava uma notcia, se o Esso no

    confirmasse era como se no tivesse havi-

    do essa notcia. E, apesar da evoluo

    dos meios de comunicao, conclui: Eu

    sou como o caipira de Monteiro Lobato.

    Acocoro-me sobre os dedes dos ps, con-

    tinuo picando meu fuminho caboclo, cus-

    pindo para o lado e me rindo na alegria das

    gengivas puras: Tem jeito no, seus mo-

    os. Ainda no apareceu nada pra se com-

    parar s importncia que tinha o Reprter

    Esso (41).

    A vivncia na apresentao do Repr-

    ter Esso proporcionou um conhecimento

    detalhado dos recursos tcnicos indispen-

    sveis para o desenvolvimento de um pro-

    grama jornalstico radiofnico. Assim, em

    1948, Heron Domingues consegue implan-

    tar na mesma Rdio Nacional a redao

    pioneira de radiojornalismo, que recebeu o

    nome pomposo de Seo de Jornais Fala-

    dos e Reportagens, descrita como cem

    metros de redao de notcias no 20o andar

    do edifcio de A Noite (42). Em texto

    indito esboado em novembro de 1949 e

    intitulado Tcnica e Execuo do Radio-

    jornalismo, Domingos relacionava, alm

    dos objetivos e importncia do radiojor-

    nalismo, 22 itens fundamentais para a pro-

    duo e execuo corretas de um jornal

    falado (43).

    A Seo de Jornais Falados e Reporta-

    gens fundada por Heron Domingues na

    Rdio Nacional organizou, pela primeira

    vez, um sistema de equipe (um chefe, qua-

    tro redatores e um colaborador do notici-

    rio parlamentar), rotina e hierarquia pecu-

    liares a uma redao de jornalismo radio-

    fnico. No mesmo texto indito, ele regis-

    tra que em 1950, a Rdio Nacional, atra-

    vs do seu setor radiojornalstico, acompa-

    nhou os grandes rgos da imprensa, em p

    de igualdade, na cobertura do perodo pr

    e ps-eleitoral. Foi quando definitivamen-

    te se consolidou o conceito de reportagem

    radiofnica (44).

    Em 1953 foi criada a Rede Nacional de

    Notcias que permitia a retransmisso, pe-

    las ondas curtas, dos jornais falados da

    Nacional por dezenas de emissoras no inte-

    rior do Brasil.

    No dia 3 de abril de 1942, a Rdio Tupi

    de So Paulo comea sua tradio jornals-

    tica, colocando no ar, s 22h, a primeira

    edio de outro mito: o Grande Jornal

    Falado Tupi. Criado por Coripheu de Aze-

    vedo Marques e Armando Bertoni, com

    uma hora de durao diria, pode ser con-

    siderado o primeiro jornal de integrao

    39 Luciano Klckner, O ReprterEsso e a Globalizao: a Pro-duo de Sentido no PrimeiroNoticirio Radiofnico Mundi-al, in XXIV Congresso Brasilei-ro da Comunicao, Intercom,Ncleo de Pesquisa Mdia So-nora, Campo Grande, MS, se-tembro/2001.

    40 Mrio Lago, Bagao de BeiraEstrada, So Paulo, CivilizaoBrasileira, 1977, pp. 107-8.

    41 Idem, ibidem, p. 108.

    42 Sonia Virgnia Moreira, O R-dio no Brasil, Rio de Janeiro,Rio Fundo Editora, 1991, p.27.

    43 Idem, ibidem, p. 27.

    44 Idem, ibidem, p. 28.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 75

    nacional, sendo ouvido em todo o

    interiorzo do pas. O Grande Jornal Fa-

    lado Tupi possua, segundo Mario

    Fanucchi, que trabalhou no programa, duas

    caractersticas principais:

    Em primeiro lugar, havia aquela informa-

    o de interesse popular, para localizao

    de pessoas, localizao de parentes e reca-

    dos urgentes para locais de difcil acesso.

    A outra caracterstica era a programao

    voltada para a valorizao do municpio,

    da pequena clula, da importncia dos

    meios para que os municpios se desenvol-

    vessem bastante e que o pas todo ganhasse

    com esse tipo de coisa (45).

    Dirigido pelo jornalista Coripheu de

    Azevedo Marques, contava

    com as vozes dos locutores Ribeiro Filho,

    Alfredo Nagib, Mota Neto, Auriphebo

    Simes e do prprio Corifeu (sic) que, a partir

    das 9 horas da noite, fazia a chamada das

    principais manchetes a serem irradiadas,

    alertando os operadores das emissoras que

    entravam em cadeia, para a transmisso

    daquele noticioso. Ateno, senhores ou-

    vintes, faltam (nmeros) minutos para O

    Grande Jornal Falado Tupi onde os desta-

    ques sero (lia 3 ou 4 manchetes) (46).

    O Reprter Esso e o Grande Jornal

    Falado Tupi foram os primeiros, no Brasil,

    a mostrar preocupao quanto a uma lin-

    guagem especfica para o rdio, procuran-

    do elaborar a notcia de forma a atender as

    caractersticas do meio radiofnico e no

    do jornalismo impresso. O Reprter Esso

    abrindo fronteiras, o Grande Jornal Fala-

    do Tupi buscando todas as nossas frontei-

    ras, levando informaes, reportagens e co-

    mentrios at ento inacessveis aos brasi-

    leiros de todos os rinces, comeavam a

    definir o embrio do radiojornalismo na-

    cional (47).

    Muitos foram os programas importan-

    tes na histria do nosso radiojornalismo.

    No perodo da manh preciso ressaltar o

    Matutino Tupi, tambm criado por

    Coripheu de Azevedo Marques, que foi ao

    ar, pela primeira vez, a 3 de abril de 1946.

    Foram 10.287 edies, a ltima a 31 de

    janeiro de 1977.

    O Matutino chegou a ter mais de 4 mi-

    lhes de ouvintes fixos no interior do Pas,

    e saiu do ar por interesses comerciais fa-

    vorveis emissora, segundo o diretor ar-

    tstico Caion Gandia. O Matutino, com a

    morte de Coripheu, perdeu a qualidade e

    passou a viver apenas da tradio, permi-

    tindo ser derrotado pela concorrncia de

    outras emissoras (48).

    Foram 31 anos desbravando as manhs

    para a informao, com grande audincia

    no interior do pas, destacando a notcia de

    interesse popular, os recados urgentes para

    locais de difcil acesso e a valorizao do

    municpio, da proximidade com o ouvinte.

    Algumas emissoras comeam a especia-

    lizar-se. A Rdio Panamericana, de So

    Paulo, a partir de 1947, transforma-se na

    Emissora dos Esportes, conseguindo li-

    derana de audincia e introduzindo mui-

    tas inovaes nas transmisses esportivas,

    que contribuem para que a linguagem

    radiofnica evolua rapidamente, ao mes-

    mo tempo em que do origem a solues

    tcnicas extremamente criativas. tambm

    a fase em que o radiojornalismo comea a

    surgir como atividade mais estruturada,

    com o lanamento de alguns jornais que

    marcaram definitivamente o gnero.

    O RADIOJORNALISMO

    PS-TELEVISO

    A forte concorrncia da televiso co-

    mea a ser sentida pelo rdio a partir dos

    anos 50, iniciando um longo processo de

    busca por caminhos que lhe permitam so-

    breviver. O rdio enfrentou a nova realida-

    de da segunda metade do sculo passado

    buscando alternativas. A televiso, inau-

    gurada no Brasil em 18 de setembro de 1950,

    definitivamente, ocupou o primeiro plano

    entre os meios de comunicao, levando

    45 Jos Coelho Sobrinho (org.),Flagrante de uma poca, SoPaulo, ECA-USP, s/d.,(mimeo.).

    46 Reynaldo C. Tavares, op. cit.,p. 153.

    47 Walter Sampaio, op. cit., p.22.

    48 Moacyr Castro, Sai do Ar oMatutino Tupi; sem Anunciar oPrprio Fim, in O Estado deS. Paulo, 6/2/1977.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200376

    consigo as verbas publicitrias, os profis-

    sionais e a audincia. noite ela passa a ser

    a grande estrela. O rdio procura outros

    espaos e descobre no perodo matutino o

    seu horrio nobre. Das produes caras,

    com muitos contratados, o rdio chega a se

    tornar quase um vitrolo que apenas repro-

    duz a msica gravada em discos, deixando

    de produzir programas adequados s suas

    caractersticas como meio de comunicao.

    Terminada a fase de ouro, o rdio en-

    contra na eletrnica seu maior aliado. Uma

    srie de inovaes tecnolgicas so espe-

    cialmente favorveis ao renascimento do

    rdio e transmisso jornalstica. Entre elas,

    o gravador magntico, o transistor, a fre-

    qncia modulada e as unidades mveis de

    transmisso.

    O gravador magntico comea a modi-

    ficar o rdio logo aps o trmino da guerra,

    tornando-se equipamento comum a partir

    dos anos 50. Passou a ser possvel fazer

    montagens sonoras editando cuidadosa-

    mente os trechos escolhidos, alm de re-

    produzir imediatamente a gravao. As

    reportagens tiveram com este sistema seu

    melhor aliado, contribuindo para que, pou-

    co a pouco, fosse menor a quantidade de

    programas ao vivo, dando programao

    um carter distinto, com maior qualidade e

    pureza (49).

    O uso do gravador magntico de som

    no rdio brasileiro surgiu no final dos anos

    40 e foi se tornando habitual a partir da

    dcada de 50. Os primeiros gravadores

    geralmente usados no Brasil eram da linha

    amadorstica, ainda muito pesados, pouco

    portteis e de manejo no muito prtico. S

    quando os gravadores de fita foram transis-

    torizados que se produziram aparelhos

    realmente portteis e em condies de aten-

    derem aos servios de reportagens exter-

    nas (50).

    Mas bom salientar que, se, por um

    lado, o gravador magntico deu ao rdio

    maior agilidade, mais versatilidade, bara-

    teou custos pois programas ou trechos

    poderiam ser repetidos e melhorou a quali-

    dade das gravaes externas, por outro,

    permitiu tambm maior controle sobre o

    contedo das mensagens: passou a ser vi-

    vel fragmentar as entrevistas, depoimen-

    tos, etc. e remontar os trechos seleciona-

    dos, procedimento que se tornou rotineiro.

    Se antes era conveniente que se empregas-

    se a sntese na emisso, na elaborao da

    mensagem por parte de seu autor, com o

    surgimento do gravador magntico tornou-

    se possvel obter essa sntese pretendida

    cortando os trechos indesejados.

    O transistor foi a inovao tecnolgica

    que mais revolucionou o rdio. Apresenta-

    do ao mundo em 1947, comea a se popula-

    rizar alguns anos depois, simplificando o

    processo e melhorando a qualidade das trans-

    misses radiofnicas. O aparelho receptor

    no precisa mais estar ligado s tomadas de

    eletricidade, seu tamanho fica cada vez mais

    reduzido e seu preo mais baixo. E o ato de

    ouvir torna-se individualizado. Ao mesmo

    tempo, o rdio ganha em mobilidade, tanto

    de emisso como de recepo. Os autom-

    veis passam a dispor de receptores; os gra-

    vadores magnticos ficam mais compactos

    e livres dos fios e tomadas, facilitando seu

    manuseio e integrando-se a todas as cober-

    turas jornalsticas em que o rdio esteja pre-

    sente. Hoje extremamente portteis, com

    seus microfones embutidos, permitem cap-

    tar o palco da ao sem necessidade de ne-

    nhuma infra-estrutura de apoio.

    A explorao da freqncia modulada

    (FM) a partir do incio da dcada de 50 no

    Brasil, quase vinte anos depois permite

    ao rdio desenvolver um dos elementos

    essenciais em sua busca pela sobrevivn-

    cia diante da televiso: o aspecto local. Com

    qualidade sonora superior ao da amplitude

    modulada (AM) explorada at ento (basi-

    camente, atravs das ondas mdias OM

    e das ondas curtas OC; posteriormente,

    no Brasil, tambm em ondas tropicais

    OT), a FM tem custo de transmisso infe-

    rior, permitindo aumento considervel do

    nmero de emissoras em operao. Parale-

    lamente, torna-se possvel o emprego de

    unidades mveis de transmisso, valorizan-

    do sobremaneira a agilidade do rdio e suas

    caractersticas, como imediatismo, simul-

    taneidade e mobilidade.

    No incio, ainda nos anos 60, as FMs

    fornecem msica ambiente para assinan-

    49 Jimmy Garcia Camargo, op.cit., p. 23.

    50 Mario Ferraz Sampaio, op. cit.,p. 157.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 77

    tes interessados em ter um background

    apropriado. Posteriormente, a partir dos

    anos 70, as transmisses utilizariam canais

    abertos, surgindo um nmero elevado de

    rdios, todas voltadas para a programao

    exclusivamente musical. A primeira foi a

    Rdio Difusora de So Paulo (FM), fato s

    vezes contestado uma vez que a Eldorado

    de So Paulo, quando foi fundada, em 1958,

    transmitia em ondas mdias e, por ques-

    to de prestgio usava tambm a FM para

    transmitir s msica, fora da faixa comer-

    cial (51). Em vrias partes do Brasil exis-

    tiram transmisses em FM ainda no devi-

    damente divulgadas uma vez que a histria

    do rdio brasileiro continua mal contada,

    resumindo-se ao Rio de Janeiro e a uma ou

    outra capital, sem levar em conta detalhes

    do restante do pas.

    Amparado pela eletrnica, o rdio via

    nascer um novo caminho: a especializao

    das emissoras e a segmentao de pblicos.

    Essas tendncias j se manifestavam nos

    EUA desde o incio da dcada de 60. No

    Brasil, nos anos 80 que ela se impe, prin-

    cipalmente nos grandes centros urbanos.

    Uma vez que as empresas radiofnicas

    comearam a encarar o fato de que a tele-

    viso lhes havia usurpado o lugar como

    distribuidoras de entretenimento geral para

    as massas, comearam a experimentar no-

    vos formatos e descobriram que, em con-

    junto, poderiam atrair fragmentos de seu

    pblico anterior, formulando fortes chama-

    mentos a fraes determinadas da popula-

    o (52).

    Surge a programao baseada no trip

    msica-esportes-notcias. Paralelamente,

    diferentes experincias de uso do rdio

    como meio democrtico tambm ganharam

    espaos: livres, piratas, comunitrias.

    Com a segmentao do mercado e as

    emissoras especializando-se em diferentes

    tipos de programao, surge a figura do

    disc-jquei e o desenvolvimento de pro-

    gramaes de interesse limitado a deter-

    minadas faixas de pblico. Em algumas

    emissoras a especializao foi to radical

    que os programas de curta ou mdia dura-

    o (meia hora, uma hora) foram pratica-

    mente abolidos, havendo quase que um s

    programa durante as 24 horas do dia, diri-

    gido rigorosamente a um s segmento do

    pblico. No Brasil, a especializao che-

    gou a partir de meados dos anos 70, ga-

    nhando fora alguns anos depois. Msica,

    jornalismo, prestao de servios, espor-

    tes foram as linhas bsicas adotadas, sem-

    pre de olho no pblico-alvo pretendido,

    visando a melhor explorao das poten-

    cialidades comerciais do meio.

    Gneros e formatos diferenciados foram

    sendo experimentados. Entre as vrias es-

    pecializaes, no jornalismo surgiram as

    rdios all news, que apresentam apenas no-

    tcias, e as talk & news, em que o espectro de

    formatos jornalsticos mais amplo englo-

    bando notcias, entrevistas, comentrios etc.

    Na prtica, os modelos tericos no se apre-

    sentam em suas formas puras, mesclando-

    se em diferentes composies: news, talk,

    all news, all talk e outras mais que possam

    resultar da criatividade do jeitinho brasilei-

    ro. Essas propostas ganham espao a partir

    dos anos 90 apesar de terem surgido no r-

    dio norte-americano, geralmente em emis-

    soras FM, no incio dos anos 60.

    A primeira emissora all news de que se

    tem conhecimento a XTRA, de Tijuana,

    no Mxico (mas que transmitia da Califrnia

    do Sul), pertencente a Gordon McLendon.

    Em 1961, McLendon, que tambm foi um

    dos pioneiros no uso do rock 24 horas por

    dia como especializao, transformou a

    XTRA em all news. Trs anos mais tarde,

    outra emissora de sua propriedade, a WNUS,

    de Chicago, adotava a mesma programao

    especializada em notcias. Em abril de 1965,

    a WINS, de Nova York, muda, repentina-

    mente, de rdio especializada em rock para

    all news. Aps despedir todos os seus disc-

    jqueis contratou 27 jornalistas especia-

    lizados em rdio e passou a transmitir not-

    cias 24 horas por dia (53).

    Presena constante no rdio desde sem-

    pre, nessa fase que o jornalismo regula-

    mentado, tornando-se obrigatrio na pro-

    gramao. O Cdigo Brasileiro de Tele-

    comunicaes, institudo pela Lei n. 4.117,

    de 27 de agosto de 1962, determina, em seu

    51 A Rdio dos Ricos, in Veja,9/12/1970, pp.84-5.

    52 William H. Honan, El NuevoSonido de la Radio, in LlusBassets (ed.), De las OndasRojas a las Radios Libres, Bar-celona, Gustavo Gili, 1981,pp. 97-113.

    53 Idem, ibidem, pp. 102-4.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200378

    Captulo V, art. 38, letra h: As emissoras de

    radiodifuso, inclusive televiso, devero

    cumprir sua finalidade, destinando um m-

    nimo de 5% (cinco por cento) de seu tempo

    para a transmisso de servio noticioso.

    O rdio foi mudando seu perfil para

    enfrentar os novos tempos e o jornalismo

    no poderia ficar de fora. Uma inovao de

    programao noticiosa foi lanada pela

    Rdio Bandeirantes, em 1955, mostrando-

    se revolucionria e influenciando a progra-

    mao das outras emissoras. A Bandei-

    rantes de So Paulo fez-se pioneira no sis-

    tema intensivo de noticirio [] em que as

    notcias com um minuto de durao entra-

    vam a cada quinze minutos e, nas horas

    cheias, em boletins de trs minutos (54).

    O crtico Walter Silva, o Pica-pau,

    esmia, em depoimento, a proposta da

    Bandeirantes.

    Em 1955, [] Oswaldo Moles e um as-

    trlogo chamado Professor Bascaram [sic]

    resolveram mudar todo o sistema de irradia-

    o de textos daquela emissora, imediata-

    mente apoiados por Edson Leite. [] Cons-

    tava do sistema [] eliminar os textos li-

    dos por locutores comerciais de intervalo

    em intervalo. Segundo o plano, eles seriam

    interpretados por radioatores e irradiados

    apenas de meia em meia hora []. Foi um

    sucesso to grande que, meses depois,

    muitos faziam fila para anunciar dentro do

    sistema adotado pela emissora. Novos pro-

    gramas surgiram. [] Henrique Lobo cui-

    dava da direo artstica e foi implantando

    novos programas que, mais tarde, junto com

    a programao esportiva, dominavam a

    preferncia nacional, derrubando o prest-

    gio de mais de vinte anos da Rdio Na-

    cional (55).

    Trabalhando desde 1953 na emissora,

    Walter Sampaio participou do processo e

    conta um pouco dos bastidores dessa his-

    tria:

    A Rdio Bandeirantes de So Paulo []

    vai ser realmente a mais popular emissora

    paulista quando implanta um sistema ab-

    solutamente revolucionrio no rdio brasi-

    leiro. Esse sistema, o RB-55, um mistrio

    na sua origem, porque foi implantado por

    um cidado que se intitulava, na poca,

    psiclogo de massas. O nome dele era

    Carlos Pedregal, no se sabe bem se ele era

    argentino, se era espanhol ou se era de um

    outro pas sul-americano, ou ibero-ameri-

    cano. Ele se apresentava como Professor

    Bascaran. No sei que fim levou essa figu-

    ra, mas era um homem extremamente cria-

    tivo, e conseguiu convencer a direo da

    Bandeirantes a fazer uma revoluo na sua

    programao (56).

    A tradio jornalstica mantm-se na

    Bandeirantes e ao longo de sua histria

    destacou-se por alguns pioneirismos. Em

    1950 foi a primeira emissora brasileira a

    transmitir ininterruptamente, 24 horas, fa-

    anha cujo slogan enfatizava: Abrimos a

    Bandeirantes e jogamos a chave fora; em

    1955, no j citado Sistema RB-55, os inter-

    valos comerciais concentravam-se em trs

    minutos, numa poca em que as emissoras

    levavam ao ar interminveis reclames. A

    formao da Cadeia Verde-Amarela Nor-

    te-Sul do Brasil, para a transmisso da Copa

    do Mundo da Sucia em 1958, integrada

    por 400 emissoras em todo o Brasil, foi

    outro marco do rdio e, segundo a empresa,

    na ocasio registraram-se os maiores n-

    dices de audincia em So Paulo que uma

    emissora jamais alcanou: mais de 90%.

    Em 1962, a vez da primeira experincia

    de gerao simultnea de programa o

    jornalstico Primeira Hora , entre So

    Paulo e Rio de Janeiro. O Sistema BandSat

    AM, pioneira rede de rdio via satlite do

    Brasil, iniciou suas operaes em 1989 e,

    dez anos depois, foi a primeira emissora

    brasileira a internacionalizar sua progra-

    mao pela Internet, atravs da Rdio Alfa

    FM de Paris (57).

    O jornalismo da Bandeirantes AM de-

    tm alguns recordes histricos. O Pulo do

    Gato, com seus sete flegos, est miando e

    se renovando desde 2 de abril de 1973,

    sempre sob a apresentao de Jos Paulo

    de Andrade: campeo mundial em per-

    manncia no ar, no mesmo horrio, mesmo

    prefixo e mesmo apresentador. tambm

    54 Walter Sampaio, op. cit., p.22.

    55 Cludio Mello e Souza, op. cit.,pp. 230-1.

    56 Walter Sampaio, entrevista em12/5/1998.

    57 Dados disponveis no site http://www.radiobandeirantes.com.br/historia/index.asp(acessado em 16/11/2002).

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 79

    pioneiro em inaugurar o horrio das 6h para

    o jornalismo no rdio brasileiro.

    Outro orgulho: fazer jornalismo de opi-

    nio, no apenas de informao. O Jornal

    Bandeirantes Gente, no ar desde 1978,

    exemplo dessa tendncia, assim como seu

    antecessor, O Trabuco, criao e apresen-

    tao de Vicente Leporace. O Jornal Pri-

    meira Hora o mais antigo da emissora,

    estando no ar desde 1962. Apesar dos mui-

    tos pioneirismos, recordes e experimenta-

    es, a Bandeirantes umas das emissoras

    menos estudadas do rdio brasileiro.

    No final da dcada de 50, outra experi-

    ncia dentro da estrutura que estava sendo

    sedimentada no radiojornalismo marca o

    incio de modificaes profundas nos jor-

    nais falados quando a Rdio Continental

    do Rio de Janeiro torna-se a primeira emis-

    sora brasileira especializada em reportagens

    externas, uma criao de Carlos Palut.

    Operadores e rdio-reprteres (sic) saam

    juntos para as tarefas, e a primeira provi-

    dncia era a instalao de microfones nos

    locais onde se realizariam as solenidades.

    Os telefones tinham de ser matados (ex-

    presso que significa bloquear os apare-

    lhos de telefone, cujas linhas so utilizadas

    nas transmisses diretas). Como naquele

    tempo os aparelhos de gravao eram mui-

    to pesados, precisavam ser levados por

    vrios funcionrios. Muito trabalho tinha

    de ser gravado. Carlos Palut levantava os

    assuntos, realizava as gravaes e posteri-

    ormente eles eram levados ao ar, no Jornal

    de Reportagem (58).

    No Brasil, o servio de utilidade pbli-

    ca ou prestao de servios foi introdu-

    zido pelo jornalista Reinaldo Jardim na

    Rdio Jornal do Brasil AM, do Rio de Ja-

    neiro, em 1959, com o objetivo de restabe-

    lecer o dilogo com os ouvintes. Atualmen-

    te, este um tipo de programa adotado por

    emissoras em todo o pas constituindo im-

    portante fonte de informao e participa-

    o para os ouvintes. Para Mario Fanucchi,

    no seu esforo de sobrevivncia, o rdio

    encontrou no jornalismo um apoio maior

    para desenvolver um trabalho de prestao

    de servios, de informaes sobre todos os

    setores (59). Inicialmente, o servio de

    utilidade pblica surgiu nas rdios divul-

    gando notas de achados & perdidos. Aos

    poucos, foi se ampliando, chegando a criar

    setores exclusivos dentro das emissoras.

    A Rdio Jornal do Brasil tambm foi a

    primeira emissora a adotar o sistema all

    news entre ns. A novidade foi introduzida

    em maio de 1980, procurando criar um novo

    hbito na audincia: ouvir notcias sucessi-

    vas a maior parte do dia. Seis anos depois,

    a cpula administrativa e redacional da

    Rdio chegou concluso de que esse no

    era o sistema ideal para a manuteno de

    uma emissora como a Jornal do Brasil AM,

    com um pblico cativo, que durante mais

    de vinte anos se acostumara programao

    solidamente implantada: msica de quali-

    dade e informao correta (60).

    Nos seis anos que durou a experincia,

    a chefia do departamento de jornalismo foi

    mudada seis vezes. Acima de tudo, parece

    ter faltado JB o investimento indispens-

    vel, tanto em equipamentos quanto em mo-

    de-obra especializada, orientado por uma

    estratgia empresarial e filosofia de traba-

    lho definidas.

    Em So Paulo, a Rdio Panamericana,

    a Jovem Pan AM, tem no jornalismo a es-

    pinha dorsal de sua programao desde o

    final da dcada de 60, mas nunca se posi-

    cionou como uma emissora all news. O

    objetivo era dar nfase programao mais

    falada, que buscava reencontrar o dilogo

    com o pblico, surgindo programas como

    o Show da Manh, em que o locutor Kalil

    Filho montou uma verdadeira rede de troca

    de informaes, que iam desde receitas

    culinrias a fontes de pesquisa para traba-

    lhos escolares. Nessa poca, a Jovem Pan

    instalou um servio particular de meteo-

    rologia, alm de dar destaque s condies

    do trnsito, das estradas, ofertas de empre-

    go, reclamaes do pblico, etc. A partir de

    1967 cria uma equipe de jornalismo bem

    estruturada que muda a imagem da emisso-

    ra, de esportiva para jornalstica e de pres-

    tao de servios, sem que o esporte deixe

    de ter espao na programao. A reporta-

    gem de rua foi intensificada e a informao

    58 Mauro De Felice, citado porSonia Virgnia Moreira, op.cit., p. 30.

    59 Jos Coelho Sobrinho (org.),op. cit.

    60 Sonia Virgnia Moreira, Jorna-lismo na Rdio Jornal do BrasilAM, in Gisela SwetlanaOrtriwano (org.), Radiojornalis-mo no Brasil Dez EstudosRegionais, So Paulo, Com-Arte, 1987, pp. 19-43.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200380

    passa a estar presente no mais em horrios

    fixos mas no momento em que o fato acon-

    tece, a qualquer hora do dia ou da noite. O

    Jornal da Manh foi lder na integrao do

    territrio via rede de emissoras de vrios

    estados. E o repita!, toda vez em que era

    dada a hora certa, criao do locutor Anto-

    nio Alexandre (e muito usado pelo apre-

    sentador Wilson Fittipaldi, o Velho Ba-

    ro), incorporou-se ao rdio, sendo um dos

    jarges mais conhecidos. Tambm no

    podemos esquecer a especializao

    territorial uma vez que a Pan deixava bem

    clara sua preferncia pela rea nobre dos

    Jardins, regio que concentra uma popula-

    o com alto poder aquisitivo na cidade de

    So Paulo, como pblico-alvo.

    Fora do eixo So Paulo-Rio, temos a

    Rdio Gacha, AM, de Porto Alegre que,

    desde o final dos anos 50, tem no jornalis-

    mo sua caracterstica principal, com noti-

    cirios e comentrios durante a programa-

    o. Fundada em 8 de fevereiro de 1927, a

    Rdio Gacha foi vendida em 19 de no-

    vembro de 1957 ao grupo que deu origem

    ao que se constitui hoje uma das maiores

    redes de comunicao no Brasil: a Rede

    Brasil Sul RBS, que conta com emissoras

    em vrios estados.

    Se na batalha pela sobrevivncia que o

    rdio enfrentou a partir dos anos 50 o

    radiojornalismo foi importante, no Brasil

    poucas emissoras utilizaram como arma a

    estratgia da programao jornalstica. Na

    grande maioria, o jornalismo continua sen-

    do tabu. Exige investimentos, responsa-

    bilidade, persistncia; em contrapartida,

    o retorno vem na forma de audincia, pres-

    tgio e lucro.

    NEWS, ALL NEWS, TALK & NEWS

    NOTCIA NA REDE!

    Algumas tendncias se delinearam. s

    vezes meras reinterpretaes do rdio de

    sempre; outras, possibilidades que surgi-

    ram no apenas com a evoluo tecnolgica

    mas tambm com o momento social, com

    as expectativas e ritmos da vida, com a inter-

    relao entre os meios de comunicao e

    seus diferentes suportes. E isso afeta o jor-

    nalismo e os jornalistas que esto no rdio.

    Transmitindo por satlite, a formao

    de redes nacionais de rdio geis e com boa

    qualidade sonora favorecida. Ao contr-

    rio das cadeias radiofnicas em que a emis-

    sora lder comandava e todas as demais,

    muitas vezes centenas, apenas retransmi-

    tiam sem nenhuma participao no conte-

    do, a rede pressupe a produo em distin-

    tas camadas: nacional, regional, local. O

    jornalismo valorizado se receber a aten-

    o necessria. O acesso tecnologia igua-

    la as emissoras e seus produtos: o grande

    diferencial ser a qualidade dos profissio-

    nais e sua criatividade artesanal.

    Experincias de rdio por satlite esto

    em andamento, principalmente nos EUA.

    Grandes empresas automobilsticas, como

    GM, Ford, Volkswagen, Mercedes Benz,

    Jaguar, etc., tm fechado acordos com as

    principais empresas de rdio por satlite

    a XM e a Sirius para oferecer o Digital

    Satellite Radio (DSR) nos modelos das mar-

    cas. Por meio de assinatura, o receptor ter

    disposio grande nmero de emissoras

    altamente segmentadas cobrindo todo o

    territrio. A indstria automobilstica tam-

    bm demonstrou interesse na produo de

    programao, o que representa um dos

    indicativos de que os investimentos na

    explorao da radiodifuso podero ter ori-

    gens em diferentes setores da economia.

    O rdio digital permite uma hiperseg-

    mentao com produes altamente dire-

    cionadas para cada pblico-alvo. As van-

    tagens sero a melhora na qualidade sono-

    ra, atravs de uma recepo livre de inter-

    ferncia, alm de servios de dados adicio-

    nais ao udio, sem fio e maior utilizao da

    banda (61), explica Ronald Siqueira Bar-

    bosa, coordenador do Grupo SET/Abert

    (Associao Brasileira de Rdio e Televi-

    so) de Rdio Digital. Por enquanto, per-

    sistem dvidas e problemas. Quando o pro-

    cesso de digitalizao estiver implantado,

    o rdio vai deixar de ser somente som para

    ser udio, imagem e dados.

    A grande contribuio que o rdio di-

    61 Este Jovem Senhor, o Rdio,in Portal Imprensa (http://www.uol.com.br/imprensa)

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 81

    gital vai oferecer para o jornalismo vai ser

    a oportunidade de transmitir notcias com

    a qualidade de um CD, segundo o presi-

    dente da Aesp (Associao Paulista das

    Emissoras de Rdio e Televiso) Jos Incio

    Genari Pizani. O padro AM vai ser supe-

    rior ao FM de hoje, explica Paulo Macha-

    do de Carvalho Neto, presidente da Abert,

    o que vai transformar as emissoras de jor-

    nalismo tradicionais em potenciais compe-

    tidoras no mercado (62). Na Europa, o

    projeto Eureka-147, via Digital Audio

    Broadcasting (DAB), est em operao ex-

    perimental desde os anos 80.

    Para o jornalista, a convergncia multi-

    mdia impe-se como um sistema de traba-

    lho medida que o digital se estabelece,

    alterando a prpria formatao da notcia

    em rdio.

    Nos modelos j disponveis de receptores

    de rdio digital, h um visor em que apare-

    cem transcritas informaes adicionais que

    no esto no udio das matrias ou dos

    programas que vo ao ar, assim como foto-

    grafias e mesmo imagens em movimento.

    O jornalista no vai ser um produtor apenas

    de informao sonora. Vai formatar textos

    e imagens. E o ouvinte poder ter informa-

    o mais completa (63).

    Na Internet o rdio tem suas particulari-

    dades. Na transmisso comum, se o ouvinte

    perde a ateno, no pode voltar a notcia ou

    a msica para ouvir novamente, caracters-

    tica da instantaneidade, ou seja, a simulta-

    neidade na recepo. Na Web, mesmo nas

    transmisses ao vivo, os sites podem

    disponibilizar os arquivos de udio para que

    os ouvintes possam escut-los posteriormen-

    te, on demand. As rdios virtuais so espe-

    cialmente produzidas para a Internet; mas

    emissoras convencionais a utilizam como

    suporte para suas transmisses normais. A

    presena do rdio na WWW, por enquanto,

    to diversificada quanto a prpria Internet.

    Tudo pode ser encontrado, de emissoras

    altamente especializadas a meras caixas de

    msica, para muitos gostos.

    Tendncia j acentuada a mudana do

    jornalismo das emissoras AM para as FM,

    fenmeno presente em outros pases h

    quase meio sculo. Contingncias histri-

    cas motivadas por interesses econmicos

    foraram a transmisso somente de msica

    ambiente em seu incio. O rdio FM tem

    qualidade sonora mais sofisticada e, por-

    tanto, condies de reproduzir melhor qual-

    quer som, seja msica ou fala. Em muitos

    pases, o processo j se inverteu: a AM

    apenas reproduz a programao produzida

    para a FM. E, com a tecnologia das teleco-

    municaes, um celular de tamanho mni-

    mo permite cumprir outra caracterstica to

    cara ao rdio: o imediatismo, ou seja, a si-

    multaneidade na emisso.

    O rdio FM tem hoje uma cara diferente

    do AM por circunstncias. O FM nasceu

    num lugar que j tinha uma AM pois nin-

    gum vai fazer rdio com as mesmas carac-

    tersticas. A alegao era a seguinte: me-

    lhor som, melhor estereofonia ento va-

    mos tocar msica, rdio FM msica,

    rdio para msica. E o AM fica para o

    resto. E, assim, no h concorrncia entre

    duas emissoras da mesma empresa. Esse

    um dos motivos, talvez o principal. Na

    minha concepo, rdio rdio de qual-

    quer jeito, pode fazer qualquer coisa. Por

    exemplo, a CBN hoje est fazendo radio-

    jornalismo na FM no mesmo tom que faz

    na AM. possvel fazer rdio sem estar

    caracterizado pelo meio, pela forma de

    transmisso (64).

    All news outra das facetas muito alme-

    jadas pelo radiojornalismo. Diversas emis-

    soras tm programao jornalstica com

    pretenso de serem news, de preferncia

    all news. Com perfil jornalstico, algumas

    operam em rede, outras so locais. A infor-

    mao est presente durante todo o dia e a

    msica, via de regra, surge como informa-

    o complementar, no mais como pea de

    resistncia. Mas essas emissoras, em sua

    maioria, mesmo se pretendendo news, so

    talk, com programao predominantemen-

    te comandada por ncoras antes conheci-

    dos como apresentadores encarregados

    de entremear as notcias com muita torren-

    te verbal.

    62 Idem, ibidem.

    63 Idem, ibidem.

    64 Mario Fanucchi, entrevista em25/5/1998.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200382

    CBN a Rdio que toca notcia. Em

    formato all news, a CBN traz a cobertura

    dos principais fatos do pas e do exterior.

    Caracterizada por ser uma emissora plural,

    d espao para as diversas vozes da socie-

    dade, na busca constante da iseno e

    credibilidade. Este o conceito que a CBN

    Central Brasileira de Notcias divulga,

    informando que o investimento em pro-

    duo de notcias se transformou em prio-

    ridade para o Sistema Globo de Rdio []

    nos moldes das melhores agncias de not-

    cias; a grade de programao foi elabora-

    da para reforar o conceito de rede nacio-

    nal da emissora, ampliar o nmero de afi-

    liadas e posicionar o meio rdio no merca-

    do publicitrio. Ainda segundo a empre-

    sa, a CBN hoje a maior rede de emisso-

    ras all news, que transmite via satlite 24

    horas de jornalismo. Criada em 1o de ou-

    tubro de 1991, procura estabelecer-se nas

    principais cidades. Com mais de 200 jor-

    nalistas pelo pas, a rdio que toca notcia

    focaliza os principais assuntos nacionais e

    internacionais, com um estilo de progra-

    mao prprio e exclusivo (65). Em 2002,

    a rede estava composta por 23 emissoras,

    sendo cinco prprias (So Paulo, Rio de

    Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Braslia)

    e as demais afiliadas.

    A idia de colocar em prtica uma pro-

    gramao jornalstica 24 horas por dia par-

    tiu do vice-presidente do Sistema Globo de

    Rdio, Jos Roberto Marinho, que, em via-

    gem aos EUA, ficou impressionado com o

    grande nmero de emissoras fundamenta-

    das na informao, interessando-se tambm

    pelo movimento das rdios locais que ocor-

    reu na Espanha, principalmente na Cata-

    lunha. No processo de implantao do pro-

    jeto, buscando garantir presena nos cen-

    tros nevrlgicos da vida nacional, a CBN

    viu-se forada a transmitir por FM nas pra-

    as em que no possua uma AM. O resul-

    tado mostrou-se promissor. E o jeitinho no

    deixou de colaborar: em So Paulo, o Sis-

    tema Globo de Rdio amargava uma FM

    cujos destinos eram incertos pois no en-

    contrava um nicho de atuao. A Rdio X

    (sim, este o nome fantasia decidido aps

    um concurso com a participao do p-

    blico) passou a retransmitir a programao

    da CBN (ex-Excelsior), para ocupar o

    canal, a baixo custo.

    Herdoto Barbeiro, gerente de Jornalis-

    mo/SP, ncora do principal jornal da rede e

    figura decisiva na elaborao e implantao

    do projeto, defende a segmentao e a defi-

    nio clara do pblico-alvo pretendido para

    que seja produzido um jornalismo de quali-

    dade e credibilidade. A conseqncia, ga-

    rante, ser audincia e retorno publicitrio.

    Integrante do Sistema Globo de Rdio, a

    rede CBN ocupa um espao bem definido

    dentro do grupo: explora o filo jornalstico.

    Enquanto isso, as outras emissoras, deno-

    minadas Globo, so nitidamente populares.

    Trabalhando com informaes locais na

    prestao de servios (trnsito, enchentes,

    acidentes), no importa que a emissora te-

    nha um grande alcance territorial se, como

    no caso de muitas AMs, elas apresentam

    problemas de recepo na cidade em que

    esto instaladas. Programao local trans-

    mitida para outras cidades deixa de ter sen-

    tido. Com emissoras FM, de alcance local e

    boa qualidade sonora, possvel atingir o

    pblico-alvo com muito mais eficincia e

    at desdobrar a transmisso, dependendo do

    momento. Se uma cidade tem problemas

    locais, a programao da rede pode perma-

    necer inalterada e a emissora FM investir na

    prestao de servios enquanto se fizer ne-

    cessrio. O mesmo acontece quando h mais

    de um evento esportivo a ser transmitido no

    mesmo horrio: cada faixa transmite um

    deles e as informaes so trocadas entre

    elas. A Bandeirantes AM de So Paulo ado-

    tou a mesma estratgia no final dos anos 90,

    atravs de um acordo operacional com a

    Rdio Vip FM (emissora do litoral paulista),

    que passou a retransmitir a programao de

    perfil jornalstico podendo, eventualmente,

    duplicar as transmisses dependendo do as-

    sunto ou dando destaque para a cobertura da

    temporada de frias no litoral. No caso, im-

    portante frisar que a emissora FM da Rede

    Bandeirantes, a Band FM, continua inde-

    pendente, com programao exclusiva j

    bastante sedimentada.

    O forte da CBN cobrir o principal eixo

    poltico-econmico fazendo a triangulao

    65 CBN a Rdio que Toca No-tcia, http://radioclick.globo.com/cbn/insti/historia.asp(acessada em 3/12/2002).

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 83

    Rio de Janeiro-Braslia-So Paulo, operan-

    do em rede boa parte do tempo. A cabea

    de rede, do ponto de vista empresarial, o

    Rio de Janeiro mas o projeto est estruturado

    em So Paulo, praa que tem os melhores

    resultados comerciais.

    Alm da produo prpria, a CBN abriu

    a possibilidade de terceirizao em toda a

    programao, seja de programas inteiros,

    insero de programetes ou da participa-

    o de comentaristas, analistas, etc., que

    entram vrias vezes ao dia, sempre patroci-

    nados, podendo inclusive interagir com o

    ncora que estiver no ar.

    Levar aos ouvintes cerca de 1.000 infor-

    maes por dia, em forma de nota, boletim,

    reportagem, comentrios, programas espe-

    ciais, institucionais, entre outros, significa

    dar ao cidado o que ele quer e precisa.

    Respeitar o ouvinte, consultando-o quan-

    do de assuntos polmicos, cobrar postura e

    ao das autoridades competentes, so pos-

    turas percebidas diariamente na CBN e

    fazem com que a comunidade d o retorno

    esperado, garantindo audincia (66).

    A CBN reconhecida no meio como o

    embrio de uma estratgia comercial que

    movimenta o setor, uma vez que renasceu

    comercialmente ao jogar notcias 24 ho-

    ras no ar, incluindo a FM. Os grandes

    anunciantes do dial esto com o jornalis-

    mo, tradicional filo das AMs. E querem a

    qualidade da transmisso e o pblico jo-

    vem/consumidor das FMs j que, na AM, a

    audincia registra queda e os ouvintes es-

    to envelhecendo. O resultado foi a ins-

    pirao para a Bandeirantes, Jovem Pan e

    Eldorado, que passaram a transmitir seus

    noticirios da AM nas manhs da FM. Alm

    de economizar em equipe j que o mesmo

    material usado pelas duas freqncias ,

    aumentaram a audincia e o faturamento

    das FMs (67).

    Jovem Pan SAT a rede da Jovem Pan

    AM, de So Paulo, que retransmite uma

    parte do Jornal da Manh para 95 emisso-

    ras afiliadas, com noticirio sobre os acon-

    tecimentos do Brasil e do mundo, alm da

    participao de reprteres e entrevistados

    da rea poltica, econmica e social do pas.

    Em cinco edies dirias, Hora da Verda-

    de um compacto de 10 minutos dividido

    em dois blocos de cinco minutos, abordan-

    do os principais acontecimentos do momen-

    to e da hora anterior, outro produto que

    entra em rede (68).

    A Rdio 89 FM A Rdio Rock de

    So Paulo mescla rock com informaes

    musicais e de trnsito no programa Giro

    89, alcanando a liderana entre as FMs,

    no horrio das 18h s 20h. Respaldada por

    decises judiciais, a 89 no transmite A Voz

    do Brasil sob a justificativa de informar e

    prestar servio. O Giro 89 manteve a lin-

    guagem bsica do pblico-alvo da emisso-

    ra e, devido ao sucesso, lanou tambm uma

    edio matutina.

    Segmentao outro conceito mal

    aproveitado. De maneira geral, as emisso-

    ras procuram atingir os mesmos pblicos-

    alvos: esto todas segmentando para a

    mesma audincia, sem buscar nichos dife-

    renciados. So emissoras produzindo

    clones ad infinitum de programas que acre-

    ditam bem sucedidos, sem preocupao

    com as caractersticas especficas da regio

    e da emissora.

    A tecnologia tem permitido que o rdio

    e, especialmente, o jornalismo possam de-

    sempenhar suas funes de forma cada vez

    mais aprimorada. Um exemplo a telefo-

    nia celular, que fez com que o rdio ga-

    nhasse ainda mais agilidade, potenciali-

    zando seu carter imediatista: possvel

    transmitir as mensagens sem grandes apa-

    ratos. A Rdio Eldorado de So Paulo tem

    dado destaque ao seu ouvinte-reprter (ins-

    titudo em 1993), incentivando-o a ligar

    para a emissora passando informaes, es-

    pecialmente pelo celular. A Bandeirantes

    tem sistema semelhante, utilizando o re-

    prter da cidade e o reprter das estradas.

    Com isso, conseguem cobertura bastante

    ampla do trnsito e excelente prestao de

    servios em momentos dramticos como

    acidentes ou enchentes. Imobilizado no

    trnsito congestionado, o ouvinte fica mo-

    tivado a participar, sentindo-se importante

    como fonte, uma vez que sua emissora pre-

    dileta est lhe dando a oportunidade de in-

    66 Nivaldo Marangoni, Progra-mao Jornalstica Vinte eQuatro Horas por Dia: oPioneirismo da CBN CentralBrasileira de Notcias, in XXIICongresso Brasileiro de Cin-cias da Comunicao, GTRdio, Rio de Janeiro, RJ,1999. Em: ht tp://www.in tercom.org.br/papers/index6.html (acessado em 3/12/2002).

    67 Laura Mattos, Em Tempo deCrise na AM, Marcelo Tas Levamais Notcia FM, in FolhaOnline, 30/10/2002 (http://www1.uol.com.br/ilustra-da/ult90u28407.shtml).

    68 Em: site da Jovem Pan AM(http://jovempan.uol.com.br/j p a m n e w / s o b r e /programacao.php).

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-200384

    terferir diretamente na produo e no ape-

    nas receber a programao j pronta. Esta

    possibilidade tende a crescer cada vez mais.

    Mas os limites so marcantes: as emissoras

    no costumam permitir que o ouvinte se

    expresse sobre assuntos gerais, ao vivo.

    No temos ainda um ouvinte-falante

    exercendo sua cidadania no sentido amplo.

    Um recurso incentivar o ouvinte a deixar

    sua manifestao gravada em uma secret-

    ria eletrnica, para que seja selecionada e,

    eventualmente, editada antes de ir ao ar.

    Ou ainda, participaes por fax ou e-mail

    que no apenas excluem os que no tm

    acesso a essas tecnologias, como permitem

    a leitura resumida por parte do locutor,

    nem sempre permitindo a plena emisso do

    pensamento. Mas toda a tecnologia de ce-

    lulares de ltima gerao, de alcance mun-

    dial, no servir nem para produtores, nem

    para a participao dos ouvintes, se faltar

    energia eltrica e as baterias no puderem

    ser recarregadas. Procurando sanar esse

    problema bsico, recursos muito antigos

    esto surgindo como salvadores da ptria:

    a velha e boa manivela, a energia solar e

    por a afora

    Aos poucos, a reportagem parece estar

    voltando ao jornalismo radiofnico depois

    de quase desaparecer: os pretensos repr-

    teres mal conseguiam emitir boletins, ge-

    ralmente patrocinados, de assuntos que

    envolviam a prestao de servios. Nos

    ltimos tempos, algumas emissoras, como a

    Eldorado e a Bandeirantes, produzem re-

    portagens em captulos em que o assunto

    dividido em partes, levadas ao ar uma por

    dia, podendo ser repetida, em edio inte-

    gral, no final de semana. A reportagem de

    longa durao no mais est presente no

    rdio. Esses aspectos todos esto muito re-

    lacionados com a retomada da vida demo-

    crtica: sob censura, o jornalismo ao vivo

    no apenas perdeu espao mas deixou de ter

    profissionais que soubessem exerc-lo.

    A sustentao econmica do jornalis-

    mo no rdio merece ateno especial.

    H um consenso entre a maioria dos jor-

    nalistas de que no se pode misturar neg-

    cios comerciais das empresas de comuni-

    cao com a linha editorial. Jornalistas no

    so contatos comerciais, nem gerenciadores

    de publicidade, e no devem se envolver na

    intermediao de verbas, nem como pes-

    soas fsicas, nem como jurdicas. Quem

    viabiliza a sustentao econmica de um

    programa jornalstico o departamento co-

    mercial e no o de jornalismo. Os veculos

    de comunicao no sobrevivem sem

    faturamento econmico, pois so empre-

    sas que tm como finalidade ltima o lu-

    cro. Portanto, o jornalismo se faz no bojo

    de um determinado business. E um deles

    o rdio comercial. neste quadro de com-

    petio que sobrevive o radio-business no

    Brasil. Porque sem business no h progra-

    mao, nem talk show, nem all news. Em

    suma, sem negcio no h jornalismo de

    rdio (69).

    A mistura entre jornalismo e publicida-

    de tem uma longa histria e existia j nos

    primeiros anos do rdio. Depoimentos de

    pioneiros deixam claro que a preocupao

    era no apenas cobrir a matria para a qual

    estava pautado (ou encontrasse pelo cami-

    nho) mas tambm angariar anncios, ou

    seja, o faturamento do veculo de comunica-

    o e, principalmente, a comisso que

    garantia a prpria sobrevivncia uma vez

    que pagar salrio no era norma no mer-

    cado. Jos Carlos de Morais, o celebre re-

    prter Tico-Tico, conta como, ainda nos anos

    30, se fazia o recrutamento de jornalistas.

    Freitas Nobre e eu queramos arrumar tra-

    balho na Rdio Educadora, hoje Gazeta. A

    gente queria fazer a Hora da Ave Maria. O

    gerente aceitou, mas disse que a gente ia

    trabalhar de graa Como, trabalhar sem

    ganhar? Isso comum, diz o homem.

    Vocs comeam na Hora da Ave Maria,

    saem arranjando anncio. Quando tiverem

    uma boa carteira, a rdio d uma comisso

    pra vocs (70).

    Vrios outros aspectos poderiam ser

    lembrados, mas por ora basta. A inteno

    foi to-somente instigar a curiosidade para

    fatos importantes da histria do radiojor-

    nalismo brasileiro e incentivar pesquisa-

    69 Herdoto Barbeiro, Business eRadiojornalismo, in Portal Im-prensa (http://www.obser-vatoriodaimprensa.com.br/ar-tigos/mat0507b.htm).

    70 Jos Hamilton Ribeiro, Jornalis-tas 1937-1997 Histria daImprensa de So Paulo Vistapelos que Batalham Laudas (Ter-minais), Cmeras e Microfones,So Paulo, Imprensa Oficial doEstado, 1998, p. 32.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.56, p. 66-85, dezembro/fevereiro 2002-2003 85

    dores para que essa histria seja conhecida

    de forma mais completa, em suas diferen-

    tes facetas regionais. As possibilidades tec-

    nolgicas do momento permitem vislum-

    brar um rdio moderno, gil, simultneo

    aos acontecimentos, prximo do ouvinte.

    E um jornalismo que acompanhe essas pos-

    sibilidades, contanto que reaprenda a do-

    minar a linguagem radiofnica que vai

    muito alm do blablabl improvisado.

    uma mistura bem dosada, equilibrada para

    cada situao, entre fala, msica, efeitos

    sonoros e silncio.

    Interatividade o que o rdio, finalmen-

    te, promete; ao destinatrio caber tambm

    o papel de emissor, estabelecendo um flu-

    xo de informao com duas mos de dire-

    o: a tecnologia forando o dilogo real

    entre emissor e receptor.

    O rdio seria o mais fabuloso meio de

    comunicao imaginvel na vida pblica,

    constituiria um fantstico sistema de cana-

    lizao, se fosse capaz, no apenas de emi-

    tir, mas tambm de receber. O ouvinte no

    deveria apenas ouvir, mas tambm falar:

    no isolar-se, mas ficar em comunicao

    com o rdio. A radiodifuso deveria afas-

    tar-se das fontes oficiais de abastecimento

    e transformar os ouvintes nos grandes

    abastecedores (Bertolt Brecht).

    RADIOJORNALISMO NO BRASIL:FRAGMENTOS DE HISTRIA

    Em 1937, Getlio Vargas anuncia ao

    microfone do DIP (Departamento de

    Imprensa e Propaganda) a criao do

    Estado Novo

    J na campanha para retornar ao governo em 1950, o ex-ditador

    discursa diante dos microfones, sob as vistas de Luiz Carlos

    Prestes, lder comunista que o apoiava na ocasio