45
? 1 é possível? Soberania sim ALCA não Que outra integração adaptação por: Sarah Anderson e Marcos Arruda série globalização e solidariedade

1 Que outra integração é possível? - dhnet.org.brdhnet.org.br/direitos/sip/textos/marcos_arruda_alca.pdf · Que outra integração adaptação por: ... A Série Globalização

Embed Size (px)

Citation preview

?1 é possível?Soberania sim ALCA não

Que outra integração

adaptação por: Sarah Anderson e Marcos Arruda

série

globa

lizaç

ão e

solid

arieda

de

é possível?Soberania sim ALCA não

Que outra integração

adaptação por: Sarah Anderson e Marcos Arruda

Rio de Janeiro - 2002

fich

a té

cnica

02

Texto editado por:

Sarah AndersonInstituto de Estudos Políticos de Washington D.C.

e da Aliança pelo Comércio Responsável1

Marcos ArrudaPACS e da Rede Brasileira pela Integração dos Povos

1O texto original é da ASC – Aliança Social Continental e resulta da contribuição de pessoas eredes de vários países das Américas (ASC, 2002a). Foi resumido por Sarah Anderson, e a esteresumo Marcos Arruda acrescentou anotações que visam melhorar e aprofundar a com-preenção do texto.

Que outra integração é possível? Soberania sim Alca não. Adaptação do textooriginal da Aliança Social Continental por Sarah Anderson e Marcos Arruda.

Rio de Janeiro, PACS: 2002. (Globalização e Solidariedade, 1)

1. ALCA. I Aliança Social Continental. II. Anderson, Sarah.

III. Arruda, Marcos.

PACS - Instituto PolíticasAlternativas para o Cone SulCNPJ.: 31.888.076/0001-29Av. Rio Branco, 277 / 1609 Centro CEP 20.040-009 Rio de Janeiro/ RJTelefax: (2xx21) 2252-0366C. Eletrônico:[email protected]ítio do Pólo de SocioeconomiaSolidária: www.socioeco.org

Série: Globalização e SolidariedadeN° 1- Que outra integração é possível? Soberania sim, Alca não

Equipe Ténica:Marcos Arruda, Sandra Quintela,Ruth Espínola Soriano eRobson Patrocínio.

Texto: Aliança Social Continental, com con-tribuições de diversas pessoas eredes. 2002a

Resumo original: Sarah Anderson ´

Reedição e responsabilidade destapublicação previamente autorizadapor Sarah Anderson:Marcos Arruda

Projeto Gráfico:Gabriela Corrêa

Ilustrações:Kita Telles

Fotolito:Pigmento

Impressão:Teatral

Apoio:CCFD (França)CHRISTIAN AID (Reino Unido)Ação Quaresmal (Suíça)Fundação Ford (EUA)FPH (França)SCIAF (Escócia)TRÓCAIRE (Irlanda)

3

Prefácio ______________________________________4

Introdução ____________________________________5

Direitos Humanos ____________________________8

Trabalho ____________________________________10

Meio Ambiente ______________________________12

Investimentos ________________________________14

Agricultura __________________________________18

Compras Governamentais ____________________21

Acesso ao Mercado ________________________24

Resolução de Disputas ______________________28

Serviços ____________________________________30

Direito de Propriedade Intelectual ____________32

Políticas de Defesa da Competição __________34

Gênero______________________________________36

Subsídios, Anti-dumping e Obrigações Compensatórias __________________40

Conclusão __________________________________42

Bibliografia __________________________________43 índice

O

4 introdu

ção

Rio de Janeiro, junho de 2002

Os extraordinários desafios de reduzir as disparidades sociais,

eliminar as vulnerabilidades externas e realizar o potencial

da sociedade brasileira exigirão políticas ativas do Estado nessas

áreas (...) A sociedade brasileira deve, portanto, se mobilizar

desde já em defesa de preservar o direito soberano de ter o

Brasil uma política de desenvolvimento, que tem de ser

constituída por instrumentos de política comercial, industrial e

tecnológica que uma futura ALCA viria a

impedir definitiva e legalmente.

Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, 2002

O PACS se regozija de trazer a você uma nova Séria de

publicações.

A Série Globalização e Solidariedade estará focalizan-

do assuntos macro-socioeconõmicos, em contraponto à

Série Semeando Socioeconomia, dedicada às práticas e

reflexões sobre o cooperativismo auto gestionário e as redes

de economia solidaria.

Abrimos esta série com um ensaio comparativo entre o

que propõe o projeto ALCA - Área de Livre Comércio das

Américas - que vem sendo rejeitado pelos povos do conti-

nente, e o que seria uma Outra Integração.

Leia, Divulgue e envie-nos suas sugestões.

prefácio

O Tratado da ALCA não temuma finalidade pública, eqüitativa oupuramente técnica, nem visa a sus-tentabilidade alimentar, comercial,produtiva e ambiental das nações queviriam a compô-la. Este tratado corres-ponde à estratégia dos EUA parasuperar seu problema de sobrepro-dução, subordinar os espaços geoe-conômicos do continente às megaem-presas estadunidenses e criar umbloco regional dominado pelos EUA,capaz de suplantar a competição daUnião Européia e do bloco asiático nadisputa pela hegemonia econômica,geopolítica e cultural do planeta(Jubileu Sul-Américas, 2000). A baseque foi adotada para as negociações éo Acordo de Livre Comércio daAmérica do Norte (ALCAN), no qual osinteresses que prevalecem são clara-mente os dos EUA.

Entendida assim, a ALCAse contrapõe a qualquer preten-são dos países da América Latinae Caribe (ALC) a adotarem pro-jetos próprios de desenvolvi-mento visando implantarefetivos direitos socioe-conômicos, políticos eambientais que superemsuas desigualdades soci-ais, eliminem sua vul-nerabilidade externae capacite-os parauma integraçãointrodu

ção

5

os povos do continente tem, portanto,que romper com estes três vínculosestranguladores.

O que propomos abaixo não éuma ALCA reformada, mas um outrotratado, centrado na idéia de umaintegração entre povos irmãos, que oTratado estimule a respeitar-se mutua-mente e a buscar, na superação dasdesigualdades e das injustiças, na par-tilha proporcional dos seus recursos etalentos, e na proporcionalidade dadistribuição dos benefícios dos frutoscoletivos do seu trabalho, um cami-nho de prosperidade, abastança, co-responsabilidade com o destinocomum e felicidade sustentável paraseus povos.

Este breve texto, dirigido sobre-tudo aos candidatos de oposição doBrasil nas eleições presidenciais de2002, esboça os elementos básicospara um outro projeto de integraçãocontinental a partir do exame críticodos temas centrais do tratado daALCA, ora em negociação. É funda-mental que os candidatos compreen-dam que a ALCA “vem tomandoforma nas negociações que se rea-lizam em nove grupos negociadores(...) onde, devido à fragilidade edependência dos países do Caribe eda América Central e à desarticulaçãoe fraqueza econômica de muitosEstados da América do Sul, pode-se

justa e eqüitativa com as out-ras nações do Continente. Oprojeto da globalizaçãoneoliberal para oContinente, consubstancia-do no Tratado da ALCA, é aperpetuação da condiçãode periferia do sistemahemisférico e de subordi-nação total dos países edos povos aos interessesda potência estaduni-dense. Os instrumentospara isto incluem a anex-ação comercial e produ-tiva (via liberalização docomércio e dos investi-mentos), a dependên-cia de capitais externos(via o círculo viciososem-fim do endivida-mento) e a submissãomilitar (via a insta-lação de bases mil-itares e de serviçosde inteligência esta-dunidenses em to-do o continente).Um programa deluta em defesa dasoberania e da sol-idariedade entre

imaginar que as propostas estaduni-denses apresentadas nesses gruposterão grande possibilidade de êxito”(Guimarães, 2002: 3).

Esta é a razão pela qual a 9a.Plenária Social da Campanha para oPlebiscito sobre Soberania e ALCAdecidiu em favor de duas questõesseparadas: uma, sobre a continuaçãodas negociações, a outra, sobre a con-veniência de o Brasil vir a assinar otratado. O Embaixador é categórico:quem está envolvido nas negociaçõesjá está se comprometendo com os ter-mos do Tratado e dificilmenteescapará de assiná-lo. Seu conselho éque o Brasil recuse o molde inteiro daALCA e se retire imediatamente dasnegociações. É o que queremos ouvirda população no Plebiscito de setem-bro de 2002.

Vale lembrar o papel relevanteque o Brasil tem o potencial dedesempenhar nas diversas esferasgeopolíticas - da América do Sul aoSul Global 3. Uma vitória das oposiçõesno Brasil resultaria numa nova confi-guração de forças, capaz de iniciar ummovimento emancipatório multina-cional que aponte, afinal, para ummodelo de organização da sociedade

introdu

ção

07

e da economia voltado para a erradi-cação dos fatores que geram fome eda pobreza, desigualdade e opressão,e para a construção de um mundo derespeito aos direitos, justiça, irman-dade e paz. Na raiz desta construçãoestão as iniciativas qualificadas sob otermo de socioeconomia solidária,que envolve diferentes formas de tra-zer a economia para a mão dasgentes, transformá-la em genuína“gestão da casa”, ou melhor, dasvárias casas que nos abrigam. Os ou-tros povos empobrecidos da AméricaLatina e Caribe assistem à possibili-dade da vitória das oposições no Brasilcom o coração batendo de esperança.Este é o tamanho da responsabilidadeque hoje pesa sobre o PT e os outrospartidos de oposição.

Agradecemos os autores do do-cumento da Aliança Social Continen-tal, Alternativas para as Américas(ASC, 2002b), que serviu de inspi-ração e referência para este texto.

3Sul Global significa o conjunto das classes sociais oprimidas, exploradas e empobrecidas deambos os hemisférios. Opõe-se ao termo Norte Global, que se refere ao conjunto das classesdominantes dos dois hemisférios.

SSegundo o direito internacional, a primeira obrigação dos governos érespeitar e garantir os direitos humanos das pessoas e do conjunto dasociedade, como definidos nas convenções internacionais. Contudo, os gover-nos continuam ignorando estes compromissos ou tratando-os como algo àparte dos assuntos econômicos. Daí resulta que a tendência atual a liberalizar ocomércio e o investimento tem enfraquecido as economias e exacerbado aexclusão de amplos setores da população do continente. O processo da ALCAdá continuidade a esta tendência ao não incluir um grupo negociador oficialsobre direitos humanos. Uma outra integração terá como principal referência osdireitos humanos e sociais, assim como o direito dos povos ao desenvolvimen-to, consagrado nas convenções internacional, e rejeitará os dogmas do livremercado ou do mercado auto-regulado.

ALCA

n

O rascunho do Tratado nadadiz sobre direitos humanos. A decla-ração da Terceira Cúpula dasAméricas em Quebec, abril de 2001,aponta que só os países que tenhamuma democracia poderão participarno processo da ALCA. Contudo, ademocracia não está claramentedefinida nem fica claro se uma “anti-democracia” ficaria excluída dosbenefícios da ALCA ou só dasreuniões de cúpula.

8 dire

itos

hum

anos

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

incluiria uma cláusula demo-crática que garanta que cada país daALCA deve ter instituições democráti-cas e sistemas jurídicos capazes degarantir direitos humanos ampla-mente definidos, que incluam tantoos direitos econômicos, sociais, ambi-entais, culturais, civis e políticos comoaqueles relacionados com ascondições adequadas para o desen-volvimento dos potenciais individuaise coletivos, a equidade de gênero, deraça e de comunidades e culturas;

9

l

obrigaria as nações signatáriasdo Tratado a assinar e ratificar os prin-cipais convênios e instrumentos inter-nacionais e regionais de direitoshumanos e a garantir que estes acor-dos tenham prioridade sobre as regrascomerciais e de investimentos;

l

garantiria o direito das vítimasde violação dos direitos humanos aterem atendimento legal rápido e efe-tivo que leve à restituição, compen-sação, reabilitação e à garantia de queo ato ofensivo não se repetirá;

l

fortaleceria e reformaria o Sis-tema Interamericano de Direitos Hu-manos assegurando: que as vítimas ouseus representantes possam participarde todos os passos do processo naCorte Interamericana, tornando maisefetiva a participação das organiza-ções da sociedade civil; que os juízes eos membros de comissões sejam inde-pendentes, idôneos e competentes.

10

OOs negociadores se negaram a criar um grupo negociador sobre trabalho.A liberalização do comércio e do investimento permite às companhias moverseus centros produtivos, seu capital e seus produtos livremente e sem fronteiras.Com a ALCA os trabalhadores não terão direito equivalente aos atribuídos aoscapitais. Para eles permanecerão as fronteiras. Os patrões terão cada vez maispoder para baixar os custos de produção, lançando os trabalhadores uns contraos outros. Assim também os governos que competem pelo investimentoestrangeiro enfrentarão a pressão de fingir que não viram nada quando asempresas violarem direitos trabalhistas. Para garantir os direitos trabalhistas nãobasta uma cláusula trabalhista: se não se modifica integralmente a orientaçãodestes acordos, os direitos reconhecidos nesta cláusula ficarão no papel.

ALCA

n

a única disposição relevanteno rascunho do Tratado aparece nocapítulo sobre Investimentos, e exortaos países a “esforçar-se por garantirque os níveis trabalhistas internos nãosejam relaxados a fim de atrair o inves-timento”. Esta disposição não é obri-gatória e, por isso, não tem nenhumaforça.

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

exigiria que os países se com-prometam a respeitar os direitos tra-balhistas básicos reconhecidos a nívelinternacional;

l

preveria a faculdade da OIT deverificar o seu cumprimento;

l

facultaria os sindicatos e ou-tras organizações da sociedade civil aapresentarem queixas sobre violações;caberia à OIT investigar e assistir o paíspara que esses direitos se cumpram;

l

caso isto não desse resultado,seria aplicado o mecanismo de instru-mentação de sanções comerciais;

l

se o perpetrador for umaempresa, as sanções serão dirigidas àempresa;

l

só em caso de se descobrir queum governo é cúmplice ativo e recor-rente da violação de direitos seriamaplicadas sanções mais generalizadasa todas as exportações de um país emparticular;

l

seriam criados mecanismosque atendam às necessidades deajuste, inclusive o financiamento com-pensatório, a capacitação, o desen-volvimento de infraestruturas e os in-centivos para a criação de empregos.

trab

alho

AAs políticas de liberalização do comércio e do investimento não levam emconsideração os custos ambientais das atividades econômicas, o que estimulauma maior utilização de energia, a sobre-exploração dos recursos naturais e osprejuízos à biodiversidade. Os esforços para promover um desenvolvimento sus-tentável ficam expostos à qualificação de obstáculos para o comércio. Nãoexiste um grupo negociador oficial sobre o meio ambiente, ainda que hajamuitas áreas do rascunho do Tratado que teriam sérias implicações ambientais.

n

ignora os custos ambientaisque muito provavelmente ocorreriamdevido ao aumento da exploração flo-restal, da mineração, dos transportes,da extração de combustíveis fósseis,pesca e outras atividades que danifi-cam o meio ambiente;

n

entre os riscos do Tratado noque se refere a florestas estão: aceleraro desmatamento para abrir espaçosindustriais; enfraquecer a proteçãocontra espécies introduzidas e contraorganismos geneticamente modifica-dos (OGMs); impedir que os paísesusem ferramentas políticas para a con-servação dos seus recursos naturais.

n

faculta aos governos recusar-se a outorgar patentes por motivosambientais, mas só quando o usocomercial das invenções cause “sériosdanos” à natureza ou ao ambiente;

n

proíbe os impostos sobre aexportação e os preços-base de expor-tação, que podem ser usados paraconservar recursos não renováveis.

ALCA

n

não esclarece se os acordosambientais internacionais terão priori-dade sobre as regras comerciais;

n

assim como no ALCAN e naOMC, exige que os países reúnamcerta quantidade de provas científicaspara estabelecer padrões e parademonstrar que as leis e as regulaçõessão necessárias; isto livra, por exem-plo, os produtores de transgênicos doônus da prova e inverte o princípio daprecaução! (Segundo este princípio,em caso de dúvida, que se ponha emprática a ação mais cautelosa);

n

no capítulo sobre investimen-tos há um dispositivo que exorta ospaíses a “esforçar-se por garantir”queos níveis ambientais internos nãosejam relaxados com o objetivo deatrair investimento. Mas este dispositi-vo não é obrigatório e, portanto, nãotem sentido concreto;

12 meio a

mbien

te

13

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

daria prioridade aos acordosambientais sobre as regras do comér-cio e do investimento;

l

exortaria os países a fundarsuas regulações ambientais no princí-pio da precaução;

l

obrigaria as empresas estran-geiras a cumprir os níveis ambientaismais elevados, e a compartilhar tec-nologias que preservem o ambiente;

l

subordinaria os acordos decomércio e investimento a leis epolíticas sobre conservação da biodi-versidade e das florestas; eliminariasubsídios para combustíveis fósseis epara desmatamento; criaria incen-tivos para conservação dos solos erecursos naturais e declararia umamoratória da exploração de minasem áreas ecológica e culturalmentesignificativas;

l

proibiria as patentes de for-mas de vida e do conhecimento aelas associado; protegeria os direitoscoletivos das comunidades locais emrelação à conservação, semeadura ecultivo da biodiversidade;

l

facultaria aos países o direitode regular empresas e investidorespara garantir o cumprimento dosobjetivos do desenvolvimento sus-tentável.

14

15

OO objetivo deste grupo negociador é criar um ambiente estável e previsí-vel de proteção aos investidores internacionais. O ponto de vista é o dos investi-dores, sobretudo das grandes corporações transnacionais, e não o das Naçõesnem o das necessidades dos povos mais empobrecidos. Também não é o daredução ou erradicação da fome e da pobreza no continente. E mais. A baseadotada pelos negociadores é o capítulo controvertido sobre investimentos doALCAN. Com base nele, investidores privados fizeram dezenas de processos pordanos resultantes de ações governamentais que supostamente prejudicaram ovalor do seu investimento. Uma empresa estadunidense obteve que o governomexicano permitisse a construção de uma instalação de lixos altamenteperigosos, depois que um município se recusou a aceitar essa construção. Nestemomento, usando a mesma lógica e antecipando o que será a ALCA, a empre-sa Bechtel, dos EUA, que perdeu o controle das águas de Cochabamba porpressão popular, está exigindo do governo boliviano uma “indenização” de US$25 milhões por lucros que pretendia obter nos próximos anos com o investi-mento de US$ 1 milhão. Tais exemplos comprovam que a ALCA visa outorgaràs empresas privadas uma soberania superior à das nações e dos povos, e darfundamento legal a esta aberração.

investimentos

ALCAO rascunho

da ALCA, modeladoquase palavra por

palavra no do ALCAN:

n

outorga direitosespeciais aos investidores

estrangeiros para que pos-sam fazer processar os gover-

nos através de painéis de arbi-tragem reunidos secretamente;

n

define expropriação deforma ampliada, incluindo as diretas

e as indiretas; isto permitiria que osinvestidores estrangeiros exigissemcompensação por qualquer ato gover-namental, incluídas as leis de interessepúblico que afetam os seus lucros pri-vados;

n

proibiria o controle sobre osfluxos de capital;

n

proibiria ‘requisitos de desem-penho’ aos investimentos estran-geiros, inclusive a obrigação de com-portar-se de maneira social e ambien-talmente responsável;

n

exigiria tratamento igual parainvestidores estrangeiros e nacionais;

n

não contempla redução doendividamento.

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

reconheceria o direito sobera-no das Nações a regular os investi-mentos a fim de que contribuampara a promoção de um desenvolvi-mento nacional justo e sustentável;sem que isto aconteça, será impos-sível realizar um desenvolvimentocontinental justo e sustentável dasAméricas;

l

reconheceria o direito sobera-no das nações a proteger sua econo-mia interna e as empresas nacionais;

l

as disputas com investidoresestrangeiros seriam resolvidas por tri-bunais do país hospedeiro, para queos cidadãos afetados pelas decisõespossam participar. Só depois deesgotados os procedimentosnacionais poderia o investidorestrangeiro apresentar queixa a umtribunal internacional;

l

não permitiria aos investi-dores estrangeiros fazer processoscontra leis de interesse público. Seum governo expropriar diretamenteos bens de um investidorestrangeiro, a compensação seriadeterminada por leis nacionais, con-siderando a quantidade de riquezaextraída do país enquanto durou oinvestimento;

16

l

outorgaria a grupos cidadãose a todos os níveis de governo o direi-to a processar investidores por vio-lação do Tratado e criaria obrigaçãolegal de comportamento social eambientalmente responsável;

l

estabeleceria um impostointernacional sobre intercâmbio dedivisas visando reduzir a especulaçãoe gerar um fundo de desenvolvimen-to socioeconômico, que seria admi-nistrado por uma agência da ONUapoiada pela sociedade civil do paíshospedeiro. Suas autoridades pode-riam regular os fluxos de dinheiropara dentro e para fora do país, e decanalizar o investimento para asatividades prioritárias segundo o pro-jeto nacional de desenvolvimento;

l

os governos teriam a facul-dade de impor requisitos de desem-penho aos investidores para quecolaborem na criação de um contex-to macroeconômico adequado,transfiram tecnologia apropriada eapóiem metas sociais, comoemprego, proteção de direitos tra-balhistas e respeito aos padrõesambientais;

l

reconheceria que hádesigualdades entre países, estimula-ria as concessões dos sócios maispoderosos e permitiria aos governospromover setores estratégicos;

l

cancelaria imediatamente asdívidas bi e multilaterais impagáveisde países de alta incidência depobreza – Argentina, Bolívia,Equador, Guiana, Honduras,Nicarágua, Haiti, Jamaica e Peru;

l

estimularia a realização deauditorias públicas das dívidas dosoutros países do continente, cujasrecomendações serviriam de basepara processos justos e eqüitativosde renegociação, que reconheçam aco-responsabilidade das elites locaise dos credores internacionais. Seriamconsideradas ilegítimas as dívidascujo pagamento implique o empo-brecimento ainda maior dos povos,as contraídas com fins fraudulentosou para projetos sem benefíciossocioeconômicos comprovados, eaquelas que cresceram quando ospaíses do Norte elevaram unilateral-mente as taxas de juros;

l

formaria um painel neutro dearbitragem internacional cujos árbi-tros se alternariam, ou uma corte deinsolvência no seio das NaçõesUnidas. Ambos teriam por finalidadegarantir processos de arbitragem jus-tos e transparentes, a fim chegar aacordos sobre cancelamento de dívi-das. Qualquer tribunal criado sob osauspícios do FMI seria inaceitável,posto que o Fundo também é credor.

inve

stim

ento

s

17

OO objetivo oficial deste grupo negociador é eliminar progressivamente astarifas agrícolas, as barreiras não tarifárias e os subsídios à exportação, assimcomo garantir que os níveis de segurança alimentar que se estabeleçam nãosejam restrições disfarçadas ao comércio. Esta abordagem tem um viés mercan-til e não leva em conta a necessidade de que o setor agrícola apóie funções so-ciais essenciais, como superar a fome, garantir a segurança alimentar e prote-ger trabalhadores e comunidades rurais da volatilidade dos mercados interna-cionais. Medida recente do governo dos EUA concedendo amplos subsídios deproteção à produção e à exportação agrícola, e sua indisposição em incluir bensagrícolas na negociação revelam sua política de “dois pesos, duas medidas”:liberdade para os mercados em que os EUA podem facilmente prevalecer, erestrições e proteções para aqueles em que países menos industrializados levari-am vantagem. Limitar uma área de livre comércio a bens industriais num con-texto de grande assimetria na composição da pauta de exportação dos diversosparticipantes, como ocorre nas Américas, seria profundamente desfavorável aospaíses que dependem principalmente ou bastante das suas exportações de bensagrícolas (Guimarães, 2002: 2).

ALCA – os termos doTratado estão modelados nos da OMC– Organização Mundial do Comércio,ainda que algumas propostasbusquem levam a liberalização aindamais longe:

n

os termos que estão sendonegociados arriscam que os progra-mas legítimos que promovem a segu-rança alimentar nacional sejam con-siderados barreiras comerciais e, por-tanto, condenados;

n

não leva em conta a necessi-dade da reforma agrária;

agric

ultu

ra

18

19

n

adota critérios estreitos decompetitividade para a inclusão deprodutos a liberalizar, sem incluir oprejuízo social ou a insegurança ali-mentar que implica. O rascunho doTratado não prevê regras sobre pro-gramas de ajuda alimentar, deixandouma lacuna perigosa, como demons-tra o caso recente da doação de milhogeneticamente modificado à Bolívia,em violação às leis locais que proíbemo cultivo e a venda de produtos agrí-colas geneticamente modificados;

n

faz referência às disposiçõescomerciais agrícolas da OMC. O novoturno de negociações da OMC buscareduzir substancialmente os subsídiosagrícolas, enquanto os EUA agem emsentido inverso a este;

n

exigiria que os países usassempadrões sanitários e fito-sanitáriosinternacionais ou sub-regionais visan-do torná-los compatíveis com os dosoutros países da ALCA. Só permitiriaadotar padrões mais estritos quandohouver uma justificação científica.

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

reconheceria do direito dosgovernos à soberania alimentar,entendida como o direito a protegera maioria dos seus produtores,sobretudo os médios e pequenos e aagricultura familiar, especialmentequando não protegê-los implique emtranstornos sociais;

l

proporia uma reforma agráriaque legitime os direitos de pro-priedade individual, associativa ecooperativa dos pequenos produ-tores e dos trabalhadores rurais semterra, e respeite os direitos tradi-cionais dos povos indígenas a vivercoletivamente em suas terras;

l

reconheceria o direito sobe-rano dos países a excluir de todoacordo de liberalização produtossensíveis do ponto de vista social;

l

reconheceria o direito sobera-no dos países produtores agrícolas acoordenar-se para evitar que o mer-cado de exportações se sature debens idênticos;

l

reconheceria o direito sobera-no dos países de estabelecer os sub-sídios que lhes pareçam necessários,sobretudo se dirigidos a apoiar ospequenos e médios agricultores epescadores e a promover a produçãoagrícola e a pesca individual, associa-tiva e cooperativa que seja social eambientalmente sustentável. Os sub-sídios não deveriam ser baseadosapenas na quantidade de terra quepossuem, critério que só estimula aconcentração da propriedade;

l

desenvolveria os padrões sa-nitários e fito-sanitários por meio deconsultas públicas, visando garantiruma alta qualidade e segurança semdeixar os pequenos produtores e osprodutores de alimentos orgânicosfora do negócio ao impor-lhespadrões que favorecem injustamentea megaindústria ou a agriculturaquímica intensiva. Apoiaria a pro-dução orgânica, o estudo deimpacto sobre a saúde e a biodiversi-dade de produtos transgênicos e suaetiquetação.

agric

ultu

ra

20

com

pras

gove

rnam

enta

is

OO propósito oficial deste grupo negociador é incrementar oportunidades aque os investidores estrangeiros tenham acesso e lucrem com os mercados decompras governamentais em todo o Continente. Esta abordagem reduziria afaculdade dos governos de usar as contratações para aquisições e obras públi-cas como instrumentos para promover metas sociais e ambientais. Em seu lugar,os contratos apoiados por dinheiro dos contribuintes seriam sujeitos a critériosestreitos de livre mercado – a vitória será dos mais fortes. A pretensão dos Estados-Unidos é que as regras da ALCA se apliquem não só em nível federal mas tambémaos governos estaduais e municipais. Isto significa mais uma imposição de gover-nância de cima para baixo. As regras que são boas para os protagonistas da globa-lização do capital seriam impostas até ao nível mais local de governo, roubandouma vez mais a soberania da população de definir seus próprios caminhos dedesenvolvimento. Em contexto democrático, comprar de quem, estimulandopostos de trabalho para quem, valorizando os produtos de quem, adotando quepolítica de preços - tudo isto são decisões que deveriam caber à população decada município e estado, em acordo com seus respectivos governos. A lógica daALCA é inversa: as decisões vêm de cima, em benefício dos agentes econômi-cos mais fortes e capazes de oferecer os preços mais baixos.

ALCA

n

impediria que os governosdessem preferência a firmas locais naoutorga de contratos;

n

proibiria os governos de avaliaros fornecedores com critérios distintosaos de preço e qualidade, pois consi-dera que qualquer outro critério re-presenta “barreiras desnecessárias aocomércio”. Assim, mesmo que asavaliações não sejam discriminatórias,podem ser rebatidas como barreiradesleal ao comércio;

com

pras

gove

rnam

enta

is

22

n

proibiria as políticas que dis-criminem qualquer país da ALCA nocomércio de bens ou serviços (exem-plo, as sanções antiapartheid contra aÁfrica do Sul nos anos 80 estariamproibidas);

n

como noutros acordos comer-ciais, o rascunho do Tratado da ALCAcontém propostas de exceção daregra mercantilista para serviços públi-cos particularmente sensíveis, comoaplicação da lei, segurança nacional,seguro social e de desemprego e pen-sões. Mas, no contexto real das nego-ciações, a probabilidade que tais pro-postas passem é pequena.

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

reconheceria o direito sobera-no dos governos nacionais, estaduaise municipais de decidir de quem com-prar e com que critérios. Na perspecti-va da socioeconomia solidária, reco-nheceria o direito deles à opção decomprar preferencialmente de em-preendimentos de mulheres ou deredes de produção associativa, auto-gestionária e ambientalmente susten-tável, e de comércio justo;

l

reconheceria o direito sobera-no dos países de dar prioridade afirmas nacionais sobre fornece-dores estrangeiros, se estes ajulgarem de interesse paraas metas socioeconômi-cas nacionais. Con-tudo, proporiamedidas para evi-tar uma cargae x c e s s i v asobre osrecursospúbli-

cos, como fixar, para os fornecedoresnacionais de setores que se escolheupriorizar, uma percentagem máximasobre o preço oferecido pela menorcotização internacional de igualqualidade;

l

permitiria aos governos, emsuas políticas de compras, atender àsquestões de direitos humanos e pro-teção ambiental;

l

adotaria critérios de licitaçãonão limitados a preço e qualidade;também incluiria os tipos de tecnolo-gia a utilizar, o número de empregosa gerar, os salários a pagar e o apoioa ser concedido a pequenos emédios empreendimentos, sobretu-do os que são autogestionários;

l

facultaria a cada país odireito de elaborar a lista de

serviços públicos quedeveriam estar

reservados aoEstado.

23

24

OO propósito oficial deste grupo é estabelecer regras para eliminar progres-sivamente tarifas, barreiras não tarifárias e outras medidas que restringem ocomércio. A intenção de fundo, porém, é restringir o direito soberano dosgovernos de colocar em práticas políticas nacionais de desenvolvimento. A aber-ração maior está em dar direito irrestrito aos investidores estrangeiros deentrarem no mercado que desejarem, seguindo apenas a sua estreita lógica cor-porativa, sem obedecerem às prioridades do projeto nacional de desenvolvi-mento. O princípio reitor é o do “tratamento nacional”, que implica que os go-vernos devem tratar os investidores estrangeiros, os investimentos e os produ-tos pelo menos tão favoravelmente quanto tratam os investidores nacionais.Seus promotores argumentam que o tratamento nacional é garantia de não dis-criminação e de justiça. Contudo, o tratamento igual entre partes desiguais sópode exacerbar as desigualdades, tanto no interior dos países como entre asnações do continente. Esta proposta pode ser comparada com a de dar-se a umvisitante em casa alheia os mesmos direitos e o mesmo tratamento que os habi-tantes da casa, inclusive em relação à esposa do pai da família... Que espécie dejustiça é esta?

acesso ao mercado

o

ALCA

n

eliminaria todas as tarifas em10 anos no máximo, independente-mente da situação concreta e dasnecessidades dos diferentes países sig-natários;

n

restringiria o direito soberanodos governos de limitar as expor-tações de acordo com as necessidadesinternas, inclusive em tempos de aus-teridade ou de catástrofes, exigindoque continuem exportando a mesmaproporção do que foi exportadodurante os três anos anteriores;

n

restringiria o direito soberanodos governos de administrar recursosestratégicos, ou de estabelecer preçosmínimos para exportações que poderi-am incentivar a conservação de recur-sos não renováveis;

n

proibiria os impostos deexportação, que poderiam servirpara evitar a venda de recursos natu-rais a preços mais baixos que seucusto de substituição;

n

não ofereceria assistência paraajudar no ajuste;

n

exigiria tratamento nacional etratamento de nação mais favorecidaao outorgar acesso ao mercado, igno-rando o fato de que o continente nãoé um campo de jogo igualitário;

n

o tratamento nacional tam-bém exigiria que os bens importadosrecebessem o mesmo tratamento queos bens produzidos no país, o queforçaria os países signatários a refor-mar sua política tributária e outrasregulações que marcam a diferençaentre produtores nacionais eestrangeiros;

n

proibiria regulações técnicasque sejam “mais restritivas para ocomércio que o necessário”; istoabriria a porta para desafiar as regu-lações ambientais e outras de caráterpúblico;

n

favoreceria a eliminação debarreiras não tarifárias, como quotas,licenças de importação e restrições deexportação voluntárias. Contudo, asnegociações até agora focalizam abusca da redução das tarifas.

26

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

promoveria um processotransparente e participativo entreprodutores e sociedade em geralpara o estabelecimento de umaagenda e a escolha de produtos queficariam sujeitos a tarifas maisbaixas;

l

faria que as regras de comér-cio e investimento sejam acompa-nhadas de políticas industriais deassistência técnica que garantamque as indústrias nacionais setornem competitivas durante a tran-sição;

l

incluiria para a entrada nosmercados condições como a quali-dade dos produtos, as proteções dasaúde e do meio ambiente (efetivan-do o princípio da precaução), orespeito aos direitos pessoais e soci-ais, trabalhistas e de gênero, assimcomo o respeito ao direito soberanodas Nações a um projeto próprio dedesenvolvimento;

l

confrontaria as desigualdadesestimulando um tratamento espe-cial, diferenciado e proporcional embenefício dos países empobrecidos, etambém dos pequenos e médiosagricultores e empresas, sobretudoas autogestionárias;

l

buscaria eliminar as barreirasnão tarifárias e só permitiria taismedidas quando o propósito fosseapoiar metas sociais e ambientaislegítimas.

27

aces

so a

o m

erca

do

27

OO propósito deste grupo é estabelecer um mecanismo supranacional pararesolver disputas em torno de supostas violações das regras da ALCA. A pro-posta de rascunho da ALCA é idêntica aos mecanismos de resolução de disputasdo ALCAN e da OMC, excluindo a sociedade civil do processo e focalizandosomente assuntos comerciais, financeiros e de investimento sem contemplaçãode disputas sobre assuntos sociais e ambientais, nem penalização deempresários criminosos. Nossa proposta privilegia os mecanismos nacionais egarante a participação da sociedade.

28

ALCA

n

prevê mecanismos direta-mente supranacionais de resolução decontrovérsias;

n

faculta apenas aos governos, eno caso de investimentos só aosinvestidores estrangeiros, o direito deabrir um processo de resolução decontrovérsias. As organizações dasociedade civil não teriam nenhumdireito a participar;

n

limita o âmbito das queixas adisputas comerciais – isto é um retro-cesso mesmo em relação ao ALCAN,pois neste se incluiu um mecanismo,ainda que muito limitado, de atendi-mento das violações a leis trabalhistase ambientais;

n

como no quadro da OMC,prevê que as disputas sejam resolvidasem reuniões secretas por comissõescompostas por “peritos técnicos”.

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

preveria que os mecanismosde resolução de conflitos seriamprimeiro nacionais e só esgotadastodas essas instâncias, seria possívelrecorrer a mecanismos suprana-cionais;

l

permitiria a participação dasociedade civil em todos os níveis;

l

estabeleceria um sistema efe-tivo para fortalecer o cumprimentodos padrões sociais. O processoenfatizaria os incentivos por cumpri-mento, inclusive a assistência técnicae financeira ao país hospedeiro,visando que as ações para forçar seucumprimento se tornem desne-cessárias;

l

preveria um processo públicoe transparente em que todos osacionistas teriam direito de partici-par. Ao menos parte do tribunal seriaintegrado por peritos na área dosdireitos em disputa.

29 reso

luçã

o d

e disp

utas

OO propósito oficial é liberalizar progressivamente o comércio em serviços(desde os financeiros, de telecomunicações e turismo até saúde e educação).Isto significa abrir os mercados locais de serviços às empresas estrangeiras erestringir ou proibir políticas públicas que interfiram com o mercado. A ênfaseem serviços dentro da OMC, o ALCAN e agora a ALCA desperta a suspeita deque as regras comerciais chegarão rapidamente a coincidir com as políticas deprivatização promovidas pelo Banco Mundial e o FMI, que visam dar lucros aosdonos do capital, mas reduzem o acesso e a qualidade dos serviços sociais paracidadãos, especialmente para os que têm pouco ou nenhum poder aquisitivo;e, no caso de privatização com desnacionalização, reduzem também a pre-sença, o poder regulatório e, portanto, a soberania do Estado sobre opatrimônio e os serviços que deveria prestar à Nação, além de aumentar a vul-nerabilidade externa do País.

ALCA

n

aumentaria o acesso ao mer-cado para fornecedores estrangeirosde serviços em todos os setores, aoexigir que os governos lhes outor-guem tratamento de nação maisfavorecida. O rascunho do Tratadocontém duas propostas contrastantes,para permitir às menores economias odireito de reclamarem isenções, mas émuito provável que as negociaçõesem torno destas recomendações con-tinuem sendo polêmicas;30

serv

iços n

em serviços sociais, como edu-cação e saúde, apóia a isenção doGATT, que só aplica quando umserviço não é oferecido “nem sobreuma base comercial nem em com-petição com um ou mais fornecedoresde serviços”. Estas condições sãosumamente difíceis de cumprir, postoque nenhum serviço público é ofereci-do como monopólio exclusivo;

n

proibiria estabelecer limites emtorno ao número de empresas pri-vadas de educação, saúde, adminis-tração de águas, prisões e outrasempresas que podem operar numestado ou numa determinada comu-nidade;

n

inclui propostas sobre auto-regulação que se concentram emgarantir que as regulações não consti-tuam barreiras desnecessárias aocomércio e estejam dirigidas a usar omercado como principal regulador.

31

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

reconheceria o direito sobe-rano dos países de liberalizar ou nãoseus serviços segundo suas priori-dades de desenvolvimento nacionale de manter como públicos osserviços indispensáveis para a popu-lação;

l

exigiria que os países garan-tissem a toda a cidadania o direito deacesso aos serviços socioeconômicosbásicos e proibiria a liberalização querestrinja este acesso;

l

reconheceria o direito sobera-no dos países de proteger setores eempresas locais que são vitais eestratégicos para a economia e paraa garantia e a reprodução da vida dasociedade;

l

exigiria que os governosdesenvolvam, antes de qualquer pri-vatização, uma forte capacidade re-guladora dirigida a garantir a pro-teção ao consumidor e o acesso uni-versal a esses serviços.

OO propósito oficial é assegurar a proteção dos direitos de propriedade inte-lectual (direitos de posse e proteção legal das idéias, da criação artística, das ino-vações tecnológicas e das ferramentas de mercado). O acordo da OMC sobreDireitos de Propriedade Intelectual Relativa ao Comércio (cuja sigla em inglês éTRIPs) que se converteu no padrão, recebeu críticas por ser discriminatório emfavor da proteção e compensação às empresas privadas contra os interesses damaioria da sociedade. São preocupantes sobretudo as regras dos TRIPs queoutorgam às empresas o direito de patentear matérias orgânicas e monopolizarmedicamentos vitais.

ALCA

n

contém proposta para adotaras regras da OMC sobre direitos depropriedade intelectual;

n

contém propostas polêmicassobre o direito dos governos de forçarempresas farmacêuticas a outorgaremlicenças obrigatórias a empresas locaispara que produzam versões genéricasde medicamentos patenteados. Háuma proposta que forçaria as empre-sas genéricas a duplicar provas cus-tosas e processos legais para demons-trar a segurança do produto, dificul-tando ao máximo a sua oferta. Háoutra que permitiria a obrigatoriedadede licenças, mas só quando o dono dapatente não produza o medicamentosegundo método local;

32

n

uma proposta permitiria aospaíses proibir patentes sobre plantas eanimais, mas não conta com maioria;

n

há várias propostas querestringiriam o direito dos agricultoresde usar sementes tomadas das plan-tas;

n

há propostas que apóiam aproteção dos saberes indígenas e dascomunidades locais, mas não chegama garantir o direito dos povos indíge-nas a resistir a alterações dos seussaberes coletivos ou a opor-se a queestes sejam convertidos em artigo deconsumo.

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

reivindicaria a supremaciados acordos internacionais em tornoaos direitos humanos, à saúde, segu-rança alimentar e biodiversidadesobre os TRIPs e outros acordos co-merciais;

l

reconheceria o direito so-berano dos governos a recorrer alicenças obrigatórias e a outras medi-das que garantam o acesso amedicamentos essenciais, como nocaso da produção e comercializaçãopelo Brasil e pelo Índia de medica-mentos anti-retrovirais para o trata-mento de pacientes com HIV/AIDS;

l

proibiria as patentes sobretodas as formas de vida, inclusiveanimais e plantas, microorganismose processamento de material biológi-co e genético, inclusive o que derivedo corpo humano;

l

apoiaria o direito de agricul-tores a guardar, usar e vendersementes produzidas por eles, assimcomo o livro intercâmbio de patentesde germoplasma de domínio público;

l

reconheceria o direito coleti-vo à propriedade comunal e suaprioridade sobre as regras de pro-priedade intelectual e o direito dascomunidades negras e indígenas àplena autonomia nas decisões sobreseus hábitats tradicionais, de acordocom seus sistemas culturais e direitostradicionais.

33

dire

itos

de p

ropr

ieda

de int

elec

tual

OO propósito oficial deste grupo é impedir práticas empresariais anticompetiti-vas que prejudiquem os consumidores e que sejam obstáculo à alocação eficientede recursos (como é o caso do controle oligopólico ou monopólico sobre os mer-cados e os preços, e a concentração econômica). Ainda que estas negociações pos-sam servir a fins positivos para romper o excessivo poder econômico dos gigantescorporativos transnacionais, tudo indica que os verdadeiros alvos desta negociaçãosejam as empresas estatais e paraestatais, que são vistas como obstáculos ao livremercado. Há mais de 20 anos estas práticas anticompetitivas e concentradoras têmsido objeto de debates nas agências da ONU visando a imposição de regulações.Mas o poder de pressão dos grupos transnacionais e dos governos dos países ricostem impedido qualquer progresso. Por outro lado, não existe qualquer debatesobre o reconhecimento do direito soberano de cada Nação de definir e imple-mentar seu próprio projeto e estratégia de desenvolvimento, e o dever de respeitaro mesmo direito das outras.

ALCA

n

permitirá a existência deempresas estatais, sejam elas ou nãomonopólios, sempre que não contra-digam os níveis nacionais ou sub-regionais para a promoção da com-petição e que operem de acordo comum critério comercial;

n

criará uma autoridadeautônoma com jurisdição suprana-cional para investigar e sancionarpráticas anticompetitivas. Isto vaialém do ALCAN, que obriga osmembros a adotarem regras de com-petição mas não os sujeita a meca-nismos supranacionais para assegu-rar seu cumprimento;

34

políticas

de

defe

sa d

a co

mpe

tição

n

há uma proposta que permi-tiria aos investidores estrangeirosprocessar os governos por adminis-trarem monopólios ou empresasestatais;

n

inclui propostas para proibir aestocagem de matérias primas e deprodutos intermediários e manufatu-rados, medida que impediria amanutenção de estoques reguladorese facilitaria a perda de capacidade pro-dutiva local em favor de fornecedoresinternacionais.

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

reconheceria asempresas do setor públicocomo veículos para o desen-volvimento socioeconômicosaudável, salvaguardas dasoberania e instrumentos dejustiça social e ambiental.Ainda que os Estados deves-sem garantir que sejamfortes e eficientes, estas em-presas não estariam sujeitasa leis antimonopólio nem se-riam avaliadas com critériossó de preço e qualidade;

l

reconheceria a pri-mazia de mecanismos nacionais dejurisdição sobre práticas anticompetiti-vas; estimularia a produção cooperati-va e associativa, o comércio justo oconsumo ético e solidário, assim comoo planejamento local, nacional,regional e continental do desenvolvi-mento socioeconômico visandoprimeiramente o bem-viver de cadacidadão e da população inteira, comvistas a aproveitar as complementari-dades e as vantagens cooperativasentre os atores e as Nações e maxi-mizar não apenas a eficiência de cadaagente econômico mas também detodo o sistema;

l

as disputas entre investidoresestrangeiros e governos hospedeirosseriam dirimidas em instânciasnacionais, só depois sendo possívelrecurso a instâncias supranacionaiscujos critérios fossem compatíveis como pleno exercício dos direitos da pes-soa e da sociedade;

l

reconheceria o direito sobera-no dos governos de gerar políticaspúblicas desenhadas para fortalecer asegurança alimentar e energética e aplena realização dos direitos daNação.

35

37

OO processo oficial da ALCA ignora o impacto diferenciado que teria a libe-ralização do comércio e do investimento sobre as mulheres, ainda que tais políti-cas já tenham afetado as mulheres do continente de muitas e complexas for-mas. Exemplos são o número crescente de montadoras que contratam ampla-mente a força de trabalho feminina para empregos sub-remunerados, muitasvezes precários, onde os direitos trabalhistas costumam ser violados. A expan-são da agricultura para exportação tem desestabilizado sítios familiares, levan-do os maridos a emigrar para regiões urbanas enquanto suas mulheres ficampara trás cuidando das suas famílias e exíguas propriedades.

gênero

gêne

ro

38

los, se aprovada liquidará com asoberania popular sobre seu própriosaber e modo de viver;

n

as disposições sobre marcasregistradas poderiam outorgar a umapessoa ou empresa o direito a paten-tear padrões de desenho ou indi-cadores geográficos (exemplo,“Cerâmica do Vale do Jequitinho-nha”), afetando assim a faculdade deartesãos locais de melhor comer-cializar seus produtos;

n

as propostas sobre comprasgovernamentais poderiam eliminar odireito soberano dos governos munici-pais, estaduais e federais de darpreferência a empresas de mulheres.Neste mesmo capítulo, existe propos-ta para que os governos considerem a“experiência em atividades e negóciosglobais do fornecedor” na hora dedesignar contratos, discriminandoassim os fornecedores nacionais elocais e, especificamente, as empresasde mulheres, pois são poucas as quetêm acesso a crédito, a tecnologia e ainformação necessárias para operar anível internacional.

ALCA

n

não há referência no rascunhooficial da ALCA ao impacto de gêneroque este Tratado originaria. A declara-ção da Terceira Cúpula das Américasproclama que os governos estão com-prometidos com a promoção daequidade de gênero, mas não hádetalhes específicos sobre comopensa realizar esta pretensão;

n

a linguagem sobre serviçosrepresenta uma expansão do que sedefine como serviços, e inclui todos osníveis de governo, entre os quais ocuidado da saúde, educação, águapotável, com implicações particularespara as mulheres trabalhadoras e con-sumidoras;

n

as disposições sobre direitosde propriedade intelectual afetariamas mulheres camponesas e artesãs;

n

a proposta de garantir àsempresas privadas o direito de paten-tear sementes, mesmo as utilizadaspelos povos indígenas durante sécu-

39

A OUTRAINTEGRAÇÃO

l

exigiria uma avaliação doimpacto das políticas comerciais sobreas mulheres e estabeleceria mecanis-mos para discutir a incorporação deequidade dos gêneros nos acordoscomerciais e de investimento;

l

exigiria que os investidoresestrangeiros ficassem sujeitos às leisinternas sobre intimidação sexual,discriminação por sexo e por ges-tação, e discriminação trabalhista ousalarial;

l

instrumentaria políticas e leisque garantam às mulheres a plenaproteção dos seus direitos civis, tra-balhistas, reprodutivos, sexuais ehumanos;

l

ofereceria assistência técnicae de desenvolvimento para promovera educação, a capacitação técnica eo desenvolvimento de habilidadespara mulheres, particularmente mu-lheres deslocadas ou que tenhamperdido seu salário como resultadoda liberalização comercial. Criariafundos para educação, saúde e pro-gramas trabalhistas que tenham umenfoque de gênero;

l

ofereceria ajuda técnica eassistência ao desenvolvimento paragarantir que as mulheres tenham umacesso eqüitativo a recursos como ocrédito, a capacitação tecnológica, aterra, a água, os mercados, etc.;

l

exortaria os países a imple-mentarem a Iniciativa 20/20 da ONU,que convoca os países em desen-volvimento a dedicarem para progra-mas sociais 20 por cento do orça-mento nacional, e os paísesdonantes a dedicarem 20 por centoda ajuda externa para o mesmo fim.

40

EEste grupo negociador propôs três ações governamentais. Elas são criticadaspelos livremercadistas, que as qualificam de distorções do mercado. São: (1) leisantidumping, que reconhecem o direito soberano dos países de defender os pro-dutores contra importações vendidas abaixo do custo de produção; (2) obrigaçõescompensatórias, que são remédios contra prejuízos de importação; e (3) subsídios,utilizados para apoiar setores ou grupos econômicos estratégicos.

Em muitos países, os grupos estratégicos apoiam com firmeza esta classede ações (exemplo, o grupo de pressão do aço nos Estados Unidos e o setor debens na Argentina). A susceptibilidade que despertam estes assuntos é evidentena redação ambígua do propósito oficial do grupo negociador: explorar cami-nhos para aprofundar as regras existentes sobre subsídios e medidas compen-satórias, e para melhorar regras e procedimentos em torno a leis de comérciopara não criar barreiras injustificadas ao comércio. A Aliança Social Continentalestá neste momento elaborando suas opiniões sobre estes assuntos.

subs

ídio

s, a

ntidum

ping

, e

obr

igaç

ões

com

pens

atória

s

41

EExistem sinais fortes das dificuldades que tem o próprio governo dosEstados Unidos em negociar e aprovar qualquer esquema que se afaste muitodas diretrizes gerais do ALCAN, como as dificuldades que enfrentou paraaprovar o ALCAN no Congresso em 1994, as críticas de vários setores dasociedade estadunidense à sua implementação e aos tratados de livre comércioem geral, a aprovação por apenas um voto na Câmara dos Deputados da TPA(sigla em inglês para a Autoridade para Promoção do Comércio), que corres-ponde à antiga autorização fast track, a firma negativa estadunidense de nego-ciar as leis de defesa comercial (antidumping, anti-subsídios, salvaguardas), arecente legislação estadunidense que concede amplos subsídios de proteção àprodução e à exportação de produtos agrícolas, e a lista estadunidense de 300produtos ‘sensíveis’.

O assunto é complexo, mas a tendência geral é nítida e permite uma firmetomada de posição dos países e dos povos soberanos do Continente. No casodas eleições brasileiras, a defesa da soberania nacional frente ao Tratado daALCA seria um dos temas a debater com os diversos candidatos à Presidência,e certamente constitui um critério essencial para a escolha do melhor candida-to. O que está em jogo, afinal, são dois projetos de sociedade. O dominantehoje se funda nos dogmas do livre mercado e na capacidade dele de auto-regu-lar-se. Atribui aos capitais externos a primazia como fonte de financiamento erenuncia ao direito soberano de a Nação definir um projeto próprio de desen-volvimento. O outro projeto rompe com aqueles dogmas ao afirmar como pa-radigma o direito dos povos a definir um projeto de desenvolvimento pessoal,social e nacional e a tornar-se o sujeito desse projeto, reduzindo dramatica-mente a dependência dos capitais externos e centrando energias e recursos naresposta às necessidades internas da população e da economia nacional. Talparadigma inclui a afirmação dos valores do altruísmo, da cooperação, dorespeito à diversidade, da complementaridade e da busca da eficiência sistêmi-ca para maximizar o bem-viver dos povos do Continente como princípios quetornarão possível uma outra integração continental.

conc

lusã

o

42

43

Aliança Social Continental, 2002a,Visiones Opuestas para elContinente: El Borrador Oficial delALCA vs. Alternativas para lasAméricas, editado por SarahAnderson a partir de contribuiçõesde membros da ASC de vários país-es das Américas, enero.

Aliança Social Continental, 2002b,Alternativas para las Américas,www.asc-hsa.org

Aliança Social Continental, 2002c,ALCA, ?Acordo Comercial?, resumopreparado por Karen Hansen-Kuhn,em América Latina en Movimiento,n. 346, 24 enero, ALAI, Quito,http//alainet.org.

Guimarães, Samuel Pinheiro, 2002,Como será a Alca, www.agenciacartamaior.com.br, 6 de março.

Jubileu Sul-Américas, 2002,Declaração sobre Alca – Dívida –Militarização: Os Desafios para aEmancipação Hemisférica, 25 de maio, Quito.

biblio

graf

ia

G 1Globalização e solidariedade parecem coisas

incompatíveis no mundo atual. Nós achamos que

não e afirmamos que só é possível globalizar com

solidariedade e cooperação. Esta série

"Globalização e Solidariedade" se dispõe a pu-

blicar textos que apontem para esse caminho.

O primeiro número contrasta o projeto da ALCA

com o de uma integração que aponta para o

intercâmbio dos povos, culturas, direitos,

sabedoria indígena e popular, mercados e econo-

mias do continente americano, cuja base é a vida

e a soberania nacional e dos povos.