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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CENTRO DE CINCIAS DA COMUNICAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA COMUNICA O
DOUTORADO
HEBE MARIA GONALVES DE OLIVEIRA
A NOTCIA EXCLUSIVA NA LGICA DE DISTRIBUIO EM
CONGLOMERADOS DA MDIA BRASILEIRA:
ESTUDO DAS ROTINAS NAS AGNCIAS
ESTADO, FOLHAPRESS E O GLOBO
VOLUME I
SO LEOPOLDO, RS
Maro de 2010
2
Ficha Catalogrfica
Catalogao na Publicao: Bibliotecria Camila Rodrigues Quaresma CRB2/1376
O48n Oliveira, Hebe Maria Gonalves de A notcia exclusiva na lgica de distribuio em conglomerados da mdia brasileira: estudo das rotinas nas agncias Estado, Folhapress e O Globo / por Hebe Maria Gonalves de Oliveira. 2010.
678 f. : il. 2v. ; 30cm.
Tese (doutorado) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao, So Leopoldo, RS, 2010.
Orientao: Prof. Dr. Ronaldo Cesar Henn, Cincias da Comunicao.
1. Jornalismo. 2. Agncia Notcia. 3. Agncia Estado. 4. Agncia Folhapress. 5. Agncia O Globo. 6. Jornalismo Conglomerado. I. Ttulo.
CDU 070
3
HEBE MARIA GONALVES DE OLIVEIRA
A NOTCIA EXCLUSIVA NA LGICA DE DISTRIBUIO EM
CONGLOMERADOS DA MDIA BRASILEIRA:
ESTUDO DAS ROTINAS NAS AGNCIAS
ESTADO, FOLHAPRESS E O GLOBO
Tese apresentada como requisito
parcial para obteno do ttulo de Doutora,
pelo Programa de Ps-Graduao
em Cincias da Comunicao da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Cesar Henn
SO LEOPOLDO, RS
Maro de 2010
4
HEBE MARIA GONALVES DE OLIVEIRA
A NOTCIA EXCLUSIVA NA LGICA DE DISTRIBUIO EM
CONGLOMERADOS DA MDIA BRASILEIRA:
ESTUDO DAS ROTINAS NAS AGNCIAS
ESTADO, FOLHAPRESS E O GLOBO
Tese apresentada como requisito
parcial para obteno do ttulo de Doutor,
pelo Programa de Ps-Graduao
em Cincias da Comunicao da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Aprovada em 23 de abril de 2010
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Zlia Leal Adghirni (Universidade de Braslia - UnB)
Prof. Dr. Jos Afonso da Silva Jnior (Universidade Federal de Pernambuco - UFPE)
Profa. Dra. Chirsta Berger (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos)
Prof. Dr Alberto Efendy Maldonado (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos)
Prof. Dr. Ronaldo Cesar Henn (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos)
5
Aos
Oliveira Costa
e aos Gonalves Chaves.
6
AGRADECIMENTOS
Proteo Divina,
Ao prof. Dr. Ronaldo Cesar Henn, orientador desta pesquisa, pela ateno e compreenso
sempre durante o processo de tese. Capes/Prosup, pela bolsa flexibilizada para a realizao
do doutorado. direo do PPG-Cincias da Comunicao/Unisinos, pela oportunidade
bolsa. Aos professores e colegas do PPG-Cincias da Comunicao/Unisinos.
Universidade Estadual de Ponta Grossa, onde atuo como docente desde 2003, pelo apoio
pesquisa e liberao nos quatro meses finais da tese. Aos professores, estudantes e colegas de
trabalho do Curso de Jornalismo da UEPG. Ao grande amigo prof. Srgio Luiz Gadini, pelas
intervenes pontuais a esta pesquisa. Aos amigos de Ponta Grossa. Aos jornalistas dos
grupos Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo, pela compreenso a minha presena
nas redaes e contribuies para pesquisa. Ao Eduardo Aguiar, editor da Gazeta do Povo, em
Curitiba, pela contribuio pesquisa durante minha permanncia na redao para coleta de
dados. Aos meus amigos Mrcia Delgado, Consuelo Rocha e Jos Marcelo Santos, pelo
suporte e contribuio durante a coleta de dados em Braslia. amiga Paula Nadal, pela
pronta hospedagem em So Paulo nos perodos da coleta de dados. amiga Eullia Pimenta e
sobrinha Smara Marques, ambas pela receptividade mineira no Rio de Janeiro nos perodos
da coleta de dados. Ao Rodrison Paes, pela pronta assistncia tcnica em informtica. Ao
Rodrimar Paes, companheiro durante os turbulentos momentos do processo de tese. Aos
meus familiares, pelo amor e, em particular, a minha sobrinha Daniella, pela contribuio na
coleta dos jornais em Belo Horizonte; ao meu irmo Hlio e a minha me Ilza, pelo suporte
financeiro para as constantes viagens durante o doutorado.
7
No a conscincia que determina a vida,
mas a vida que determina a conscincia.
Karl Marx e Friedrich Engels (A ideologia alem)
8
RESUMO
Esta pesquisa consiste no estudo de caso mltiplo das rotinas produtivas das trs agncias de
notcias nacionais Estado, Folhapress e O Globo que integram os trs principais
conglomerados da mdia brasileira. Sob a perspectiva da sociologia das redaes, a pesquisa
tem como aporte terico os estudos sobre gatekeeping e newsmaking. A tese mostra os
procedimentos de distribuio de materiais jornalsticos destes servios noticiosos, sob a
lgica de aproveitamento de contedos produzidos no interior dos respectivos grupos de
comunicao. Isto , identifica como as agncias nacionais operam com as notcias exclusivas
dos principais jornais de seus respectivos grupos Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O
Globo, produtores dos contedos que so disponibilizados pelos servios noticiosos a
centenas de veculos assinantes. Do cruzamento de contedos publicados pelos trs jornais
com os distribudos pelas respectivas agncias, constatou-se a expressiva distribuio de
contedos exclusivos das edies dirias desses peridicos pelos seus servios noticiosos.
Como consequncia, a prtica predominante nesses conglomerados contribui para a presena
de mesmos temas/assuntos no jornalismo brasileiro, considerando que centenas de veculos
sediados em diferentes regies brasileiras reproduzem o noticirio desses trs principais
jornais do eixo Rio-So Paulo. Assim, a tese apresenta ainda um retrato da presena e atuao
das agncias em dez jornais regionais localizados em dez principais capitais brasileiras,
reproduzindo um funil miditico com oferta de temas e abordagens jornalsticas construdos
por trs maiores grupos de mdia do Pas.
Palavras-chave: Agncias de Notcias Nacionais. Jornalismo. Rotinas Produtivas. Notcia Exclusiva. Conglomerados de Mdia.
9
ABSTRACT
This research consists of multiple case studies on the production process of the
National news agencies Estado, Folhapress e O Globo which integrate the three
main Brazilian media conglomerates. From the perspective of the sociology of the
newsroom, the research is based on gatekeeping and newsmaking theories. This thesis
presents the procedures of the distribution of journalistic contents of news services and
the logic behind the dissemination of news within these organizations. That is, it
identifies how National news agencies handle exclusive reports printed in main
newspapers of their respective groups Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O
Globo, makers of the contents offered by news agencies to hundreds of media
subscribers. By cross-referencing journalistic contents printed in the three
newspapers, with those offered by respective agencies, it found the expressive
distribution of exclusive contents published on these papers day to day through their report
services. As a consequence, this predominant practice contributes to presence of same
themes and subjects in Brazilian journalism, considering that hundreds of media
subscribers of agencies in different Brazilian regions run the same stories printed in
the main newspapers located in Rio-So Paulo. Thus, this thesis stills presents a
picture of presence and action among news agencies in ten regional newspapers
located in ten main Brazilian capitals, reproducing a medium funnel that offers themes
and framings made by the three media giants of Country.
Key words: National News Agencies. Journalism. Newsroom Routines. Exclusive
Report. Media Conglomerates.
10
LISTA DE SIGLAS
AE AGNCIA ESTADO
AG AGNCIA O GLOBO
AJB - AGNCIA JORNAL DO BRASIL
FSP FOLHA DE S.PAULO
OESP - O ESTADO DE S.PAULO
OG O GLOBO
AC A CRTICA
AT A TARDE
CB CORREIO BRAZILIENSE
DNE DIRIO DO NORDESTE
DPE DIRIO DE PERNAMBUCO
EM ESTADO DE MINAS
GP GAZETA DO POVO
OL O LIBERAL
OP O POPULAR
ZH ZERO HORA
11
SUMRIO
1 INDRODUO 14
1.1 ESTUDO DE CASO E O DELINEAMENTO DA PESQUISA 18
1.1.1 Estudo de Caso nas Pesquisas sobre Rotinas Jornalsticas 22
2 ATUAO DAS AGNCIAS DE NOTCIAS NACIONAIS NA ER A DA CONVERGNCIA EM REDE DIGITAL
30
2.1 ROTINA DAS REDAES EM REDES DIGITAIS 35
3 INCURSES HISTRICAS SOBRE A TRAJETRIA DAS AGNCIAS DE NOTCIAS NACIONAIS
42
3.1 AS PIONEIRAS AGNCIAS DE NOTCIAS INTERNACIONAIS 44
3.1.1 As Organizaes das Agncias de Notcias Internacionais 46
3.1.2 Atuao das Agncias Internacionais no Brasil 50
3.2 AS AGNCIAS DE NOTCIAS NACIONAIS DAS PIONEIRAS ERA DOS CONGLOMERADOS
51
3.2.1 Os Conglomerados de Mdia e as Agncias de Notcias Nacionais 60
3.3 AS DIFERENTES FASES DA IMPRENSA 66
3.4 AS AGNCIAS DE NOTCIAS NACIONAIS E A CONSOLIDAO NO INTERIOR DOS CONGLOMERADOS
74
3.4.1 Agncia Jornal do Brasil (AJB) 78
3.4.2 Agncia O Globo (AG) 80
3.4.3 Agncia Estado (AE) 81
3.4.4 Folhapress 83
4 INCURSES TERICAS SOBRE ROTINAS PRODUTIVAS 85
4.1 DOS PIONEIROS S PREOCUPAES CONTEMPORNEAS 87
4.2 PERSPECTIVAS ATUAIS DOS ESTUDOS SOBRE NEWSMAKING E GATEKEEPING
93
5 A NATUREZA DO FURO DE REPORTAGEM: DA PERSPECTIVA HISTRICA PARA UMA REFLEXO TERICA
100
5.1 NOTCIA, REPORTAGEM E INVESTIGAO JORNALSTICA 100
5.2 O FURO DE REPORTAGEM COMO MITO DO JORNALISMO 105
5.3 A NATUREZA DO FURO DE REPORTAGEM 115
6 ROTINA DAS AGNCIAS DE NOTCIAS NACIONAIS 121
6.1 (DES)SEMELHANAS NAS ESTRUTURAS DAS AGNCIAS DE NOTCIAS NACIONAIS
121
12
6.2 PROCEDIMENTOS DAS AGNCIAS DE NOTCIAS NO INTERIOR DOS CONGLOMERADOS
125
6.3 HIERARQUIZAO DOS CONTEDOS PELAS AGNCIAS DE NOTCIAS
131
6.4 A NOTCIA DOS PRINCIPAIS JORNAIS DOS GONGLOMERADOS NOS DESPACHOS DAS AGNCIAS NACIONAIS
137
6.4.1 Notcias d'OESP nos Despachos da AE 140
6.4.2 Notcias da FSP nos Despachos da Folhapress 143
6.4.3 Notcias d'O Globo nos Despachos da AG 145
6.5 A NOTCIA SOB EMBARGO NOS DESPACHOS DAS AGNCIAS 147
6.5.1 Notcias sob Embargo na AE 150
6.5.2 Notcias sob Embargo na Folhapress 151
6.5.3 Notcias sob Embargo na AG 153
6.6 A NOTCIA EXCLUSIVA NOS DESPACHOS DAS AGNCIAS NACIONAIS
155
6.6.1 Abre de Pginas dos Jornais nos Despachos das Agncias 157
6.6.1.1 Abre de Pginas dos Jornais sob Embargo Parcial nas Agncias 160
6.6.2 Abre de Pginas com Chamadas na 1 Pgina nos Despachos das Agncias
162
6.6.2.1 Abre de Pginas com Chamadas na 1 Pgina sob Embargo Parcial nos Despachos das Agncias
165
6.6.3 Abre de Pginas Principais nos Despachos das Agncias 167
6.6.4 Manchetes nos Despachos das Agncias 168
6.6.4.1 Manchetes sob Embargo Parcial nos Despachos das Agncias 170
7 A NOTCIA EXCLUSIVA NOS DESPACHOS DA AGNCIA ESTA DO 172
7.1 ABRE DE PGINAS DOESP NOS DESPACHOS DA AE 172
7.1.2 Abre de Pginas sob Embargo Total para AE 175
7.1.3 Abre de Pginas sob Embargo Parcial na AE 180
7.1.4 Abre de Pginas sem embargos na AE 185
7.2 ABRE DE PGINAS NA 1 PGINA DOESP NOS DESPACHOS DA AE 189
7.2.1 Abre de Pginas na 1 Pgina com Embargo Total na AE 191
7.2.2 Abre de Pginas na 1 Pgina sob Embargo Parcial na AE 192
7.3 ABRE DE PGINAS PRINCIPAIS DOESP SOB EMBARGO TOTAL NA AE
197
7.3.1 Abre de Pginas Principais sob Embargo Parcial na AE 199
7.4 MANCHETES DOESP NOS DESPACHOS DA AE 201
13
7.5 REPORTAGENS ESPECIAIS DOESP NOS DESPACHOS DA AE 204
7.5.1 Reportagens Especiais sob Embargo Parcial na AE 204
8 A NOTCIA EXCLUSIVA NOS DESPACHOS DA FOLHAPRESS 207
8.1 ABRE DE PGINAS DA FSP NOS DESPACHOS DA FOLHAPRESS 207
8.1.1 Abre de Pginas sob Embargo Total para Folhapress 210
8.1.2 Abre de Pginas sob Embargos Parciais na Folhapress 214
8.2 ABRE DE PGINAS NA 1 PGINA DA FSP NOS DESPACHOS DA FOLHAPRESS
221
8.2.1 Abre de Pginas na 1 Pgina sob Embargo Total na Folhapress 223
8.2.2 Abre de Pginas na 1 Pgina sob Embargo Parcial na Folhapress 225
8.3 ABRE DE PGINAS PRINCIPAIS DA FSP NOS DESPACHOS DA FOLHAPRESS
228
8.4 MANCHETES DA FSP NOS DESPACHOS DA FOLHAPRESS 232
9 NOTCIA EXCLUSIVA NOS DESPACHOS DA AGNCIA O GLOBO 234
9.1 ABRE DE PGINAS DO GLOBO NOS DESPACHOS DA AG 234
9.1.1 Abre de Pginas sob Embargo Total Para AG 237
9.1.2 Abre de Pginas sob Embargo Parcial na AG 239
9.2 ABRE DE PGINAS NA 1 PGINA DO GLOBO NOS DESPACHOS DA AG
249
9.2.1 Abre de Pginas na 1 Pgina sob Embargo Total para AG 251
9.2.2 Abre de Pginas na 1 Pgina sob Embargo Parcial na AG 253
9.3 ABRE DE PGINAS PRINCIPAIS DO GLOBO NOS DESPACHOS DA AG 259
9.4 MANCHETES DO GLOBO NOS DESPACHOS DA AG 262
9.5 REPORTAGENS ESPECIAIS DO GLOBO NOS DESPACHOS DA AG 267
10 O FURO DE REPORTAGEM NA LGICA DE DISTRIBUIO D E NOTCIAS DAS AGNCIAS NACIONAIS - O CASO ENEM
270
11 O FUNIL MIDATICO: RETRATO DA PRESENA DAS AGNC IAS NACIONAIS NO JORNALISMO BRASILEIRO
279
11.1 JORNAIS QUE ATRIBUEM CRDITOS AUTORAIS S AGNCIAS 282
11.1.1 Agncias Nacionais nas Pginas d'A Crtica (Manaus) 288
11.1.2 Agncias Nacionais nas Pginas d'O Liberal (Belm) 296
11.1.3 Agncias Nacionais nas Pginas d'O Popular (Goinia) 306
11.1.4 Agncias Nacionais nas Pginas d'A Tarde (Salvador) 317
11.1.5 Agncias Nacionais nas Pginas da Gazeta do Povo (Curitiba) 328
11.2 JORNAIS QUE NO ATRIBUEM CRDITOS AUTORAIS S AGNCIAS
341
14
11.2.1 Agncias Nacionais nas Pginas do Dirio do Nordeste (Fortaleza) 344
11.2.2 Agncias Nacionais nas Pginas de Zero Hora (Porto Alegre) 356
11.2.3 Agncias Nacionais nas Pginas do Estado de Minas (Belo Horizonte) 368
11.2.4 Agncias Nacionais nas Pginas do Dirio de Pernambuco (Recife) 380
11.2.5 A Cobertura Nacional no Correio Braziliense (Braslia) 390
11.3 DA HEGEMNICA ATUAO DAS AGNCIAS NACIONAIS AUSNCIA DE PLURALIDADE NO JORNALISMO BRASILEIRO
410
12 CONSIDERAES FINAIS 424
12.1 DA FORA DO EMPRICO AUTONOMIA TERICA DO JORNALISMO
433
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 436
APNDICE A - ENTREVISTAS 447
APNDICE B CONTEDO DOS JORNAIS PRESENTE NOS DESPACHOS DAS AGNCIAS NACIONAIS
462
APNDICE C PRESENA DAS AGNCIAS NACIONAIS NOS JORNAIS EM DIFERENTES ESTADOS BRASILEIROS
524
15 1 INTRODUO
As principais agncias de notcias nacionais integram os conglomerados de comunicao
lderes do mercado jornalstico no Brasil: Folhapress, do grupo Folha da Manh; Agncia
Estado, do Estado; e Agncia O Globo, dO Globo. Situadas no eixo Rio-So Paulo, as
agncias so parte das empresas que operam, ao mesmo tempo, em diversos segmentos do
jornalismo, como impresso, rdio, televiso e online. Diferentes veculos integram um mesmo
grupo de comunicao e, simultaneamente, compartilham informaes entre si, bem como as
repassam para suas prprias agncias de notcias, que as distribuem a uma variedade de
jornais, isto , assinantes dos servios noticiosos.
Embora as agncias distribuam contedos produzidos pelas diferentes redaes em
cada conglomerado, o jornal carro-chefe dos respectivos grupos de comunicao o principal
produtor das informaes que compem os despachos desses servios noticiosos. Portanto,
Agncia Estado (AE), Folhapress e Agncia O Globo (AG) so compreendidas por esta
pesquisa como setores de distribuio de contedos jornalsticos e no produtores, isto , sem
estruturas prprias de equipe de reportagens para captao e produo de informaes1.
Assim, cada agncia opera com os mesmos contedos produzidos diariamente para o
principal jornal do prprio grupo, o qual tem prioridade pela exclusividade da notcia. Em
outras palavras, a notcia exclusiva dO Estado de S. Paulo (OESP), por exemplo, estar
assegurada a este jornal, assim como tem origem na redao deste mesmo veculo a
determinao para os embargos ou no de contedos jornalsticos para Agncia Estado. O
mesmo ocorre no interior dos grupos O Globo e Folha de S. Paulo (FSP), em relao s
respectivas agncias O Globo e Folhapress.
Dito isto, esta pesquisa consiste em um estudo de caso mltiplo, voltado a
compreender os procedimentos e lgicas2 de distribuio de contedos jornalsticos das
1 No caso especfico da AE, trata-se do setor AE/Mdia (ver captulo 2, p.31). 2 O conceito de lgica compreendido aqui como um conjunto de regras que orientam a estrutura e
funcionamento de um setor particular as quais determinam as caractersticas e articulaes entre criao, produo, distribuio e consumo de produtos culturais como a forma institucional dominante de mercantilizao e industrializao da cultura em determinado momento. (ALBORNOZ, 2006, p. 41). Assim, o conceito de lgica adotado tambm em um sentido dialgico (no formal), como escreve Gadini (2004), entendido como orientaes que perpassam o processo produtivo do jornalismo.
16 agncias Estado, Folhapress e O Globo. A partir das estruturas e rotinas de produo, tem
como objetivo identificar os procedimentos de distribuio dos contedos exclusivos na
lgica de aproveitamento de informaes produzidas pelos principais jornais dos
conglomerados. A questo central, portanto, perpassa por trs eixos de investigao: verificar
quais circunstncias e sob quais critrios as agncias disponibilizam ou no as notcias
exclusivas produzidas no interior de seus prprios conglomerados de comunicao; identificar
o lugar do furo de reportagem na lgica de aproveitamento e distribuio de contedos atravs
das agncias de notcias o que e at quando o principal jornal do conglomerado mantm sob
embago uma notcia exclusiva para a sua distribuio atravs da prpria agncia,
considerando a sua atuao bsica de distribuidora de contedos; e verificar a incidncia
desses contedos jornalsticos nos diferentes jornais regionais, assinantes dos servios
noticiosos, de forma a traar um retrato da presena e atuao dessas trs principais agncias
no jornalismo brasileiro contemporneo. Esta pesquisa parte da inquiertao originada em
uma afirmativa recorrente de que os jormais esto todos iguais. Nesse sentido, se os jornais
esto todos iguais, qual a contribuio/participao das agncias de notcias, especificamente
do setor privado, que integram os trs principais conglomerados de mdia do Pas, de forma a
corroborar com a referida afirmativa sobre o atual cenrio do jornalismo brasileiro?
A pesquisa se orienta pela perspectiva da sociologia das redaes, ou dos produtores
de notcias, que concentra um conjunto de pesquisas como newsmaketing e gatekeeping,
voltadas a compreender as rotinas produtivas dos media. A diferena das pesquisas sobre a
produo de informao que esses estudos no se referem cobertura de um acontecimento
particular, mas ao andamento normal da cobertura informativa por perodos prolongados. A
problemtica do caso excepcional alarga-se ao andamento rotineiro. (WOLF, 1995, p. 185).
Vale destacar os estudos das rotinas jornalsticas como uma tendncia da pesquisa em
jornalismo nas ltimas dcadas nos Estados Unidos e Europa (TRAQUINA, 1993, 2000,
2003, 2004; WOLF, 1995; SOUSA, 2002; REESE e BALLINGER, 2001; SERRA, 2004;
PONTE, 2005; SHOEMAKER et. al. 2001; e SHOEMAKER, 2009) e que, especificamente
no Brasil, tm tido forte influncia nas escolas de Comunicao e de Jornalismo, da
graduao ps-graduao no Pas. Atravs das referncias citadas acima, desenha-se um
conjunto de pesquisas que apontam para a construo e fortalecimento dos estudos em
Jornalismo como campo especfico do conhecimento. Conforme escreve Traquina (2000,
p.18), a riqueza da exploso dos estudos sobre o jornalismo no se mede s atravs da
17 quantidade de trabalhos publicados, mas tambm pelas novas preocupaes e perspectivas.
Certamente, (...) a nova fase dos estudos noticiosos alargou o mbito de suas preocupaes do
nvel do indivduo, ao nvel da organizao, ao nvel da comunidade profissional.
Estudar as rotinas das agncias requer, em um primeiro momento, compreender
historicamente a atuao e estruturas organizacionais desses servios noticiosos em sua
prpria trajetria. A inteno, nesta pesquisa, recuperar a trajetria histrica das agncias de
notcias nacionais, tentando compreender as suas especificidades no jornalismo brasileiro.
No se trata aqui de entrar no campo do historiador, mas ter a clareza do objeto de pesquisa
em seu contexto histrico, conforme escreve Beltrn (1996, p.21):
Quando me refiro aqui ao mtodo histrico, no quero dizer que a Sociologia deva incluir em suas tcnicas de investigao as que so prprias do historiador para reconstruir o passado e interpret-lo, mas sim que o socilogo tem de interrogar-se, e interrogar a realidade social, a cerca do curso daquilo que estuda, sobre como tem chegado a ser como , e inclusive porque tem chegado s-lo. [traduo nossa].3
Beltrn ressalta que a Sociologia tambm possibilita perceber a historicidade dos
fenmenos sociais estudados. Bloch (apud BELTRN, 1996, p. 24) afirma que a
incompreenso do presente nasce fatalmente da ignorncia do passado [traduo nossa]4. O
autor chama ateno para que o pesquisador se esforce para compreender os fenmenos
sociais ao longo do tempo, dentro de seu recorte histrico e relacionando-o a um contexto
histrico mais amplo.
No levantamento bibliogrfico inicial, foram identificadas sete referncias s agncias
de notcias nacionais (Corra, 1994 e 2003; Brando, 1999; Paiva, 2002; Marques, 2002; e
Silva Junior, 2000 e 2006), resultantes de pesquisas de mestrado e doutorado. No ensaio As
agncias de notcias e sua interao com o jornalismo na web: entre a permanncia histrica
e a mudana na era das redes digitais, Silva Junior (2006) j observa:
Sobre o funcionamento interno das agncias de notcias sabe-se pouco. Ou dizendo de modo mais preciso, sabe-se menos do que comparado a outros fenmenos vinculados ao jornalismo e comunicao. Podemos afirmar isso em funo do horizonte e pesquisas direcionados abordagem desses organismos. No cenrio dos ltimos trinta
3 Cuando me refiero aqu al mtodo histrico, no quiero decir que la Sociologa deba incluir entre sus tcnicas
de investigacin las que son propias del historiador para reconstruir el pasado e interpretarlo, sino slo que el socilogo ha de interrogarse, e interrogar a la realidad social, acerca del cursus sufrido por aquello que estudia, sobre cmo h llegado a ser como es, e incluso por qu h llegado a serlo. (BELTRN, 1996, p.21).
4 la incomprensin del presente nace fatalmente de la ignorancia del passado.
18
anos as investigaes dedicadas ao fenmeno das agncias, se comparado aos estudos de jornalismo, tem progressivamente sofrido uma rarefao.
Como varivel econmica, considera-se tambm que agncias so alternativas
mercadolgicas para suas empresas como para os jornais assinantes dos servios. Conforme
escreve Wolf (1995, p.232), precisamente de uma lgica econmica que derivam a origem
e o desenvolvimento das agncias. Para Alfonso Nieto e Iglesias (1993, p.381), tanto em
nvel internacional, como nacional ou regional, a estrutura scio-econmica e jurdica das
agncias de notcias importante referncia para avaliar o grau de concentratao de fontes
informativas originrias.5 [traduo nossa].
A ateno s trs agncias nacionais do setor privado nesta pesquisa se justifica pela
prpria atuao e consolidao desse segmento no jornalismo brasileiro nas ltimas duas
dcadas, com presena em veculos regionais sediados no Norte ao Sul do Pas. Vale
considerar uma tendncia crescente atualmente dos veculos impressos de criarem tambm
seus prprios servios de notcias para a venda de contedos prprios. O que ocorre tambm
em funo das facilidades da internet, principalmente com os servios de fotografia. Paralelo
ao setor privado, encontram-se os servios noticiosos do setor estatal, com acessos abertos ao
pblico, como a Agncia Brasil (Governo Federal), Agncia Cmara, Agncia Senado e
demais em mbito dos estados da federao, bem como as do segmento alternativo ou
independentes, de iniciativas por entidades sem fins lucrativos, como organizaes no-
governamentais (ONGs). Este breve quadro revela o quanto o segmento das agncias de
notcias se apresenta como um amplo espao para novas investigaes da pesquisa em
jornalismo.
5 [t]anto a escala internacional, como nacional o regional, la estructura socio-economica y juridica de las
agencias informativas es importante referencia para valorar el grado de concentracin de fuentes informativas originarias.
19 1.1 ESTUDO DE CASO E O DELINEAMENTO DA PESQUISA EMPRICA
O estudo de caso como aporte metodolgico desta pesquisa delineou-se partir das
prprias incurses empricas realizadas durante o processo de construo do objeto de
pesquisa. Uma variedade de pistas indicou para que a pesquisa fosse conduzida pela
persperctiva de um estudo de caso. Na compreenso de Yin (2001, p.33), um estudo de caso
uma investigao emprica que investiga um fenmeno contemporneo dentro de seu
contexto da vida real, especificamente quando os limites entre o fenmeno e o contexto no
esto claramente definidos. Yin (2001, p.35) concebe ainda o estudo de caso como uma
estratgia de pesquisa, isto , uma maneira de investigar um tpico seguindo-se um
conjunto de procedimentos pr-especificados.
Howards S. Becker (1997) expe o estudo de caso como uma adaptao dos mtodos
prprios da rea mdica, que foram incorporados pelas cincias sociais: O termo estudo de
caso vem de uma tradio de pesquisa mdica e psicolgica, onde se refere a uma anlise
detalhada de um caso individual que explica a dinmica e a patologia de uma doena dada; o
mtodo supe que se pode adquirir conhecimento do fenmeno adequadamente a partir da
explorao intensa de um nico caso.
Enquanto na rea mdica a questo central est voltada para um indivduo em
particular, nas cincias sociais o foco principal uma comunidade ou organizao, por
exemplo, como cidades industriais, bairros urbanos, fbricas, hospitais mentais, bairros
pobres entre outros, conforme ressalta o autor. Becker (1997, p.118) destaca tambm um
propsito duplo do estudo de caso, isto , o instrumental metodolgico tanto pode ser
empregado para se compreender objeto de natureza mais especfica, como um dado grupo em
questo, por exemplo, quanto desenvolver questes tericas mais gerais, como regularidades
do processo e estrutura sociais. O estudo de caso tem que ser preparado para lidar com uma
grande variedade de problemas tericos e descritivos. Os vrios fenmenos revelados pela
observao do investigador tm que ser todos incorporados ao seu relato do grupo e em
seguida receber atribuio de relevncia terica. (BECKER, 1997, p.118).
As observaes empricas iniciais tm apontado tambm para o que Yin (2001, p.67)
denomina de estudo de caso mltiplo. Isto ocorre quando, segundo o autor, o mesmo
estudo de caso pode conter mais de um caso nico. A investigao do que se pretende com
20 estudo de caso mltiplo ou, como denominado por Trivios (1992, p.136), estudos multicasos,
no tem a necessidade de efetuar um estudo de natureza comparativa. Mas identificar
indcios comuns ou dspares que possam contribuir para a compreenso das lgicas de
produo das agncias de notcias nacionais.
Yin (2001, p. 19) apresenta o estudo de caso como uma estratgia de pesquisa
adequada para estudos em que o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando
o foco se encontra em fenmenos contemporneos inseridos em algum contexto da vida real.
Ao considerar essa falta de controle sobre os acontecimentos a serem examinados, o estudo de
caso permite o uso de tcnicas de coletas de dados a observao direta e uma srie
sistemtica de entrevistas que asseguram cientificidade ao estudo. (YIN, 2001, p.27). Como
estratgia de pesquisa, o estudo de caso representa uma maneira de se investigar um tpico
emprico seguindo-se um conjunto de procedimentos pr-especficos. (YIN, 2001, p.35).
As reflexes tericas para a pesquisa partiram do levantamento de 30 artigos
publicados, entre 1972 e 2006, nas revistas cientficas estrangeiras J&MC Quarterly e
Jornalism Studies, disponveis na Biblioteca da Unisinos. Alm do contato com a literatura
disponvel, o levantamento bibliogrfico visou verificar as tendncias, perspectivas e
procedimentos metodolgicos das pesquisas estrangeiras sobre rotinas de produo
jornalstica. No contexto nacional, buscou-se tambm localizar pesquisas sobre agncias de
notcias nacionais, verificando seus aportes terico-metodolgicos.
As incurses empricas constituram-se de observaes diretas no interior das redaes
das agncias de notcias nacionais, em contato direto com editores/redatores e pessoal de
departamento de marketing. Essas observaes in loco proporcionaram ver de perto o
funcionamento dessas agncias, suas estruturas organizacionais, bem como traar as
semelhanas e diferenas entre si em relao ao modo de operao e organizao. Essa
checagem emprica proporcionou delineamentos ao objeto de pesquisa, contribuindo para a
reformulao do prprio objeto de investigao.
Durante as visitas s redaes, procurou-se tornar o ambiente familiar para o
pesquisador, compreendendo aes como contato pessoal e entrevistas informais com os
diversos profissionais em suas diferentes funes/atribuies; ambientao com a prpria
redao (espao e disposies operacionais); acompanhamento das reunies de pautas dos
principais jornais dos grupos de comunicao (da primeira reunio do dia ao fechamento no
final da edio); acesso direto plataforma online das redaes sistema intranet, ambiente
21 em rede onde circulam as informaes produzidas pelas redaes dos conglomerados e que
so capturadas pelos redatores das agncias de notcias, transformando-as em material de
venda s redaes dos veculos assinantes dos servios noticiosos; acesso direto plataforma
online das agncias de notcias, ambiente de rede para acesso aos contedos ofertados aos
veculos assinantes; acompanhamento da produo diria das agncias, tentando capturar o
delineamento das atividades de todo o processo. Nessas observaes in loco, tentou-se
tambm observar o fluxo da informao desde a pauta at a sua veiculao nos diferentes
formatos de cada grupo de comunicao, como impresso, online e servio noticioso dos
contedos originalmente produzidos pela redao do principal jornal em cada conglomerado.
As observaes diretas s redaes das agncias ocorrem nos seguintes momentos:
Grupo Estado: outubro/2006, abril/2007, janeiro/2008 e novembro/2009, em
So Paulo; e janeiro/2009, em Braslia
Grupo Folha: outubro/2006, abril/2007, janeiro/2008 e novembro/2009, em
So Paulo
Grupo O Globo: maio/2007 e abril/2009 no Rio de Janeiro; e janeiro/2009 em
Braslia
As observaes diretas ocorreram em perodos consecutivos de trs a quatro dias em
cada uma nos diferentes momentos na Folhapress e AE, em So Paulo. Na AG, ocorreram
duas visitas sede no Rio de Janeiro, por uma semana cada uma delas. As visitas s redaes
em Braslia compreenderam dois a trs dias em cada uma delas.
Na AE, em So Paulo, foram realizados acompanhamento dos editores da AE Mdia s
reunies de pauta e fechamento d'O Estado de S. Paulo, incluindo observaes dos
procedimentos de editores/redatores de ambas redaes, alm da equipe do departamento
comercial. Na sucursal Braslia de OESP, foram realizadas entrevistas com editores e
reprteres, a fim de compreender o procedimento integrado com a redao em So Paulo.
Na Folhapress, em So Paulo, foram realizados acompanhamentos da rotina dos
editores e redatores sobre os procedimentos para distribuio de contedos da Folha de
S.Paul, editores da FolhaOnline, e profissionais do deparamento comercial.
Na AG, foram realizados acompanhamento da rotina dos editores e redatores sobre os
procedimentos para distribuio de contedos d'O Globo, com acompanhamento das reunies
de pauta do jornal O Globo e contato com a equipe do departamento comercial. Na sucursal
22 Braslia, foram realizadas entrevistas com editores/reprteres, alm do acompanhamento da
reunio de pauta, no sistema integrado com a redao matriz em So Paulo.
A pesquisa se concentrou tambm em verificar a presena das agncias de notcias no
jornalismo impresso brasileiro. Para isso, foram selecionados 10 dirios sediados nas 10
maiores capitais brasileiras. O critrio de seleo dos jornais regionais foi orientado pelo porte
e abrangncia regional, isto , dirios de cobertura estadual com maior circulao nas
principais regies metropolitanas brasileiras6 Manaus, Belm, Goinia, Fortaleza, Recife,
Salvador, Braslia, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre.
A coleta de dados compreendeu a amostragem de 14 edies dos trs jornais FSP,
OESP e O Globo no perodo de 27/09 a 11/10/2009, somando 42 exemplares; a coleta dos
despachos das agncias nesse mesmo perodo, somando mais de 1.500 contedos jornalsticos
da AE, Folhapress e AG; e 10 jornais regionais no perodo de 04 a 11/10, somando 80
exemplares: A Crtica (Manaus), O Liberal (Belm), O Popular (Goinia), Correio
Braziliense (Braslia), Estado de Minas (Belo Horizonte), Dirio do Nordeste (Fortaleza),
Dirio de Pernambuco (Recife), A Tarde (Salvador), Gazeta do Povo (Curitiba) e Zero Hora
(Porto Alegre).
A coleta de dados compreendeu tambm entrevistas por telefone (gravadas) com
editores dos jornais regionais. Na Gazeta do Povo, foram realizadas entrevistas presenciais e
por e-mail com editores, alm da presena nesse dirio por um perodo de 15 dias (de 28 a 12
de outubro/2009), quando foram realizadas a coleta dos despachos das trs agncias com o
acesso s respectivas plataformas web a partir da redao.
J o resgate histrico sobre as agncias de notcias nacionais resultou de pesquisas
bibliogrficas e da coleta de documentos (impressos) disponveis no Banco de Dados da
Folha de S. Paulo, em So Paulo, e no Centro de Documentao (Cedoc) dos Dirios
Associados, instalado na sede do Correio Braziliense, em Braslia. Alm disso, foram feitas
entrevistas com jornalistas que tm feito parte da construo desse processo histrico.
Conforme Marialva Barbosa (2004), falar em histria da imprensa significa desvendar
como eram as empresas jornalsticas, como funcionavam, quais atores sociais participaram
dessa trajetria e suas relaes/interferncias na sociedade.
6 Conforme critrios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE).
23 1.1.1 Estudo de Caso nas Pesquisas sobre Rotinas Jornalsticas
O levantamento bibliogrfico feito para esta pesquisa identifica o uso frequente do
emprego do estudo de caso como instrumental metodolgico nos trabalhos cientficos sobre
as rotinas produtivas jornalsticas, publicados nos ltimos anos na revista Journalism
Quarterly7. Esses estudos tambm esto marcados, em um primeiro momento, pelas anlises
de contedo das mensagens dos jornais, alm das consultas aos editores e redatores atravs de
questionrios fechados, que apontam para resultados quantitativos. Essa caracterstica
encontra-se mais presentes nas pesquisas norte-americanas nos anos 1970 e 1980. Os estudos
de caso passam a adotar caractersticas prprias das interpretaes qualitativas a partir dos
anos 1990, com perceptvel presena em estudos a partir de 2000.
Levantamento de 889 pesquisas publicadas nas 10 principais revistas cientficas8 nos
Estados Unidos, no perodo de 1980 a 1999, feito por Rasha Kamhawi e David Weaver
(2003), indica que os mtodos qualitativos permaneciam menos comuns que os quantitativos.
Segundo os autores, as anlises qualitativas foram usadas de forma mais frequente no final
dos anos 19609. David Weaver (apud KAMHAWI & WEAVER, 2003) identifica tambm a
combinao dos dois mtodos nos estudos em comunicao durante os anos 1980. Kamhawi
& Weaver (2003, p.11) distinguem os mtodos sob os seguintes critrios: os estudos
qualitativos incluem anlise de contedo, surveys (aplicao de questionrios) e experiments
(experincias prticas); os qualitativos requerem anlises em profundidade e geralmente
incluem focus groups (grupo focal), observao direta, entrevistas em profundidade e estudos
de caso10. O levantamento de Kamhawi & Weaver (2003, p.12) indica tambm que os estudos
qualitativos tm sido retomados pelos estudos em comunicao, mas no de forma expressiva, 7 Aps reformulao grfica em 1995, a revista cientfica norte-americana publicao oficial da Association
for Education in Journalism and Mass Communication tem alterao do ttulo para Journalism & Mass Communication Quarterly.
8 Communication Monographs (edio bimestral), Communication Quarterty (bimestral), Communication Research (seis edies por ano, desde 1987), Critical Studies in Mass Communication (bimestral, lanada em 1984), Human Communication Research (bimestral), Journal of Broadcasting and Eletronic Media (bimestral), Journal of Communication (bimestral), Journalism and Communication Monographs (bimestral), Journalism & Mass Communication Quarterly (bimestral) e Public Opinion Quarterly (bimestral).
9 Levantamento realizado por Cooper, Potter e Dupagne (apud Kamhawi & Weaver, 2003), no perodo de 1965 a 1989 em oito principais publicaes cientficas: Journalism Quarterly, Journal of Communiction, Journal of Broadcasting & Eletronic Media, Communication Research, Communication Monographs e Quarterly Journal of Speech Communication.
10 Sobre as respectivas tcnicas de coleta de dados, ver Becker (1997) e Duarte e Barros (2005).
24 com um ndice de crescimento registrado em 4% no perodo de 1980 a 1999.
Jane B. Singer (2004), por exemplo, desenvolve uma pesquisa sobre a ressocializao
dos jornalistas dos jornais impressos no contexto das redaes convergentes. Isto , o autor
visa identificar o comportamento dos jornalistas frente s mudanas nas redaes
contemporneas. Para isso, Singer utiliza o estudo de caso em quatro jornais impressos,
integrantes de grupos de comunicao norte-americanos que operam, ao mesmo tempo, em
diversos seguimentos (televiso, impresso e online). O autor busca identificar como os
jornalistas se comportam diante da nova prtica, isto , produzir uma mesma notcia para
diferentes formatos tcnicos (televiso, impresso e online).
A questo central de Singer (2004, p.843) o que se pode apreender a partir de um
caso particular. Tal campo de pesquisa usado quando o objetivo aprender algo, entender,
ou descrever a interao de grupo de pessoas. [traduo nossa]11. O autor trabalha ao
mesmo tempo com entrevistas abertas e questionrios fechados, dirigidos a um total de 120
jornalistas, incluindo 64 diretores, editores, reprteres, colunistas e reprteres fotogrficos, a
partir de amostras pr-estabelecidas para os quatro jornais, alm da interpretao do contexto
das redaes atravs de um estudo exploratrio: Diferentes metodologias podem responder a
essas questes. A contribuio do estudo de caso est em suas capacidades para atender ao
aperfeioamento da teoria e indicaes de complexidades para alm da investigao.
[traduo nossa]. (SINGER, 2004, p.853)12.
Outra pesquisa deste levantamento bibliogrfico que se autodenomina estudo de caso
refere-se de Wilke e Rosenberger (1994) sobre a rotina da agncia norte-americana
Associated Press (AP) em sua redao em Frankfurt, na Alemanha, a fim de verificar os
critrios de seleo das notcias estrangeiras. Conforme os autores apresentam, o estudo de
caso consistiu da observao participante do processo de produo da principal sucursal da
AP na Alemanha por uma semana, acompanhada da anlise de contedo das notcias
estrangeiras produzidas durante o mesmo perodo. Wilke e Rosenberger (1994, p.422)
destacam que a anlise de contedo adotada na pesquisa seguiu um mtodo comumente usado
em trabalhos recentes13, que estudam as estruturas dos media a partir do processo de seleo
11 ...what can be learned from particular case. Such field research is called for when the goal is to learn about, understand, or describe a group of interacting people. (SINGER, 2004, p.843).
12 Different metholologies can address these issues. That said, the virtue of a case study is in its refining theory and suggesting complexities for further investigation. (SINGER, 2004, p.853)
.
25 de notcias. No caso de Wilke e Rosenberger, os autores trabalharam o processo de seleo
das notcias, comparando o input (entrada do servio internacional ingls da AP) e o output (a
sada do servio de notcias estrangeiras da AP na Alemanha). Segundo os autores, o mtodo
possibilitou-lhes identificar as diferenas entre as notcias estrangeiras selecionadas e as
descartadas pelo servio da AP na Alemanha.
A pesquisa ainda trabalha com dados quantitativos. A partir dos diferentes critrios de
seleo utilizados no clssico estudo de Galtung e Ruge citado anteriormente, Wilke e
Rosenberger calcularam a mdia (em porcentagem) de valores notcia para cada contedo,
isto , quais critrios caberiam em cada notcia selecionada. O que demonstra a
complementao dos dois instrumentais metodolgicos qualitativo e quantitativo em
estudo de caso. Os estudos voltados s interpretaes mais complexas dos processos de
produo tambm tm utilizado dados quantitativos, como, por exemplo, o de Shoemaker et.
al. (2001), que, num esforo de reviso da teoria do gatekeeper, verifica as foras que
interferem sobre os jornalistas individualmente e no contexto das prprias rotinas no processo
de produo da notcia. Os autores fazem uma comparao entre as diferentes foras no
interior das redaes como o jornalista individualmente e as interferncias dos editores,
baseada nos prprios julgamentos durante o processo de escolha das notcias. O estudo resulta
no cruzamento de informaes coletadas pela anlise de contedo das notcias e consultas aos
jornalistas e editores atravs de questionrios, expressas em dados quantitativos
(porcentagens) como resultados finais.
Sobre a realidade brasileira, no levantamento das pesquisas sobre agncias de notcias
nacionais, tambm se observa uma tendncia ao estudo de caso como instrumental
metodolgico. De seis estudos identificados, trs se apresentam como estudo de caso. Braga
(2007) j observa um nmero significativo de estudos de caso presentes nas pesquisas da rea
da comunicao que, segundo o autor, revela o interesse de pesquisadores por esta
modalidade.
Por outro lado, Braga (2007) tambm identifica a ausncia de reflexes mais
elaboradas sobre a natureza epistemolgica da comunicao e de instrumentais metodolgicos
derivados diretamente de pesquisas da rea. Embora Braga aponte a potencialidade do estudo
de caso para a compreenso dos fenmenos comunicacionais, o autor levanta possveis riscos
13 Werner Frh, Inhaltsanalyse (Mnchen: lschalger, 1981).
26 de disperso dos estudos em meio variedade de objetos ou, ainda, pela ausncia de teorias
mais prximas da comunicao. Alm disso, os estudos de caso podem ainda servir apenas
para confirmar uma teoria: fala-se abstratamente sobre um objeto, com base em teorias
aprioristicamente escolhidas, mostrando que este se conforma s perspectivas expressas por
estas. (BRAGA, 2007, p.5). Outro desvio identificado pelo autor ocorre na descrio
essencialmente emprica do objeto, com inferncias apenas tcnicas: Detalham-se todos os
ngulos percebidos, intuitiva ou sistematicamente levantados, sem estabelecer ordens de
relevncia, ou apenas de modo impressionstico, no expressamente justificado. Embora isso
possa ter utilidade prtica, no apresenta avano de conhecimento. Aqui, no h
tensionamento do objeto por perspectivas tericas nem destas pelo objeto. (BRAGA, 2007,
p.5).
Entender o estudo de caso como estratgia de pesquisa pode parecer confortvel em
um primeiro instante, mas no uma soluo frente ao problema de pesquisa, visto que
enquanto estratgia, por si s, no diz o como fazer. Diante do desafio de apreender o objeto
de pesquisa, passou-se a descobrir o como fazer a partir do prprio objeto ou problema de
pesquisa. Primeiramente, partiu-se da compreenso da natureza do jornalismo, apropriando-se
de suas prprias especificidades, que resultaria em constituir um procedimento de
investigao emprica.
As redaes jornalsticas so estruturas complexas inseridas num contexto de
produo industrial e comercial. Estudar as rotinas produtivas jornalsticas requer uma
imerso em toda a sua complexidade. Tarefa no muito fcil para o pesquisador.
Primeiramente, por no pertencer ao staff, pois ele ser sempre um estranho, o que significa
vencer barreiras em situaes, a princpio fceis, mas que exigem insistncia, pacincia e
constante mobilidade por parte do pesquisador, como permisso para entrada nas empresas
jornalsticas e permanncia nas redaes; acesso aos editores, redatores, jornalistas em meio a
suas rotinas dirias; acesso aos materiais jornalsticos disponveis no sistema intranet ou e-
mails da redao; terminal de computador disponvel para o pesquisador, entre outras.
Superar a srie de barreiras depende sempre da confiana estabelecida entre
profissionais da redao e pesquisador, que implica em uma relao de simpatia. Caso
contrrio, o pesquisador corre o risco de no obter o desejado. Primeiramente, o acesso s
redaes por parte do pesquisador depende sempre de negociaes permanentes e insistentes.
Dos contatos preliminares por telefones, as respostas constantes so do tipo o editor no est,
27 ainda no chegou, o editor est em reunio, pode ligar mais tarde, ou amanh? Estou
correndo com uma matria, entre outras. Quando da presena do pesquisador na redao, o
acesso aos profissionais esbarram na hierarquia. Conversar com um editor, reprter ou
redator, depende primeiramente de sua apresentao por um chefe. Caso contrrio, no ter a
ateno devida, com respostas do tipo no posso conversar agora, tenho de terminar a
matria, no estou autorizado a responder, ou ainda com monosslabos como sim e
no.
No caso de editores, que possuem autonomia de decises na redao, a relao com o
pesquisador sempre mais facilitadora. Mas, no caso de redatores, h sempre entraves do tipo
no posso fornecer esta informao, isto confidencial da empresa, ou o editor est
ocupado agora.
Compreender lgicas e procedimentos das redaes significam lidar com um objeto
lquido, pois as rotinas jornalsticas no pressupem regras formalizadas em manuais de aes
e tomadas de decises. Nesse sentido, a angstia constante do pesquisador para capturar um
objeto de natureza fluida. Ainda aps os diferentes momentos nas redaes das agncias
Estado, Folhapress e O Globo, esta pesquisadora ainda enfrentava dificuldades em capturar o
objeto. Dilema resolvido somente em abril/2009, quando, na redao da Agncia O Globo,
optou-se por coletar todos os despachos dos servios noticiosos postados na plataforma web
de acesso ao assinante e ao mesmo tempo acompanhar as notcias factuais atravs dos meios
instantneos (televiso e interntet), para base de comparao com as matrias jornalsticas que
seriam publicadas no dia seguinte pelo principal impresso do conglomerado. A forma de
coleta encontrada foi tambm uma estratgia frente s dificuldades apontadas anteriormente,
como a dependncia do pesquisador disposio dos profissionais em suas atividades de
produo diria nas redaes. A partir de ento, a autora viu-se diante do objeto capturado.
Restava repetir a ao novamente nas trs agncias, de forma simultnea em um dado
perodo, e tambm a coleta dos jornais sediados em 10 diferentes capitais14.
Num primeiro momento, constatou-se que os principais contedos distribudos por
cada agncia procediam do principal jornal do conglomerado em especfico. A partir de ento, 14 A coleta dos jornais sediados nas 10 principais capitais brasileiras foi feita atravs de uma empresa
distribuidora de jornais, com sede em Braslia. Exceto Estado de Minas, coletado por familiares na capital mineira. O Globo foi adquirido em bancas em Curitiba, o que contou com a contribuio dos seus proprietrios para reserva de exemplares, devido ao fato deste peridico no ser distribudo em Ponta Grossa, PR, local de residncia desta pesquisadora. Os dois principais jornais de So Paulo foram adquiridos em banca em Ponta Grossa.
28 viu-se a possibilidade de confrontar as matrias jornalsticas publicadas nas edies dos trs
dirios com o material presente nos despachos de suas respectivas agncias, verificando
horrios de postagem na plataforma web e possveis embargos aos assinantes.
Com a constatao de um volume considervel de contedos disponibilizados pelos
prprios jornais, passou-se a identificar o material conforme a sua prpria disposio grfica e
hierrquica na pgina impressa, considerando o prprio valor/notcia a ele atribudo, conforme
a deciso editorial de cada jornal. O que possibilitou a construo de seis categorias de
anlise, conforme a seguir:
1) Abre de Pginas toda notcia publicada na parte superior de cada pgina que
compe a editoria de Poltica de cada jornal; considerada, portanto, notcia
principal da pgina ou Abre de Pgina;
2) Abre de Pginas Principais toda notcia publicada na parte superior da
pgina principal da editoria Poltica de cada jornal; considerada, portanto, a notcia
principal da editoria de Poltica;
3) Abre de Pginas na 1 Pgina todo Abre de Pgina com chamada na 1
Pgina do veculo; considerado, assim, notcia principal por sua publicao na
capa;
4) Manchetes notcia selecionada como mais importante de cada veculo,
publicada na parte superior da 1 Pgina, em corpo/tipo maior em relao aos
demais ttulos pela sua importncia e exclusividade.
5) Reportagens Especiais todo contedo disponibilizado pelas agncias (exceto
Folhapress) na seo Reportagens Especiais disposta na plataforma de acesso na
web. Os despachados desses contedos so feitos s sextas-feiras, no fechamento
para edies de domingo; e
6) Furo de Reportagem toda notcia anunciada com total exclusividade por um
nico veculo e reconhecida como tal pelos demais meios
A identificao dessas categorias foi possvel primeiramente pela coleta de todo
contedo dirio disponibilizado por cada agncia, com recorte na cobertura nacional das reas
Poltica e Geral, classificadas pelos respectivos servios noticiosos. De porte desse material,
pode-se confront-lo com as edies dirias dos trs jornais (O Estado de S. Paulo, Folha de
S. Paulo e O Globo). Da leitura dos jornais e dos contedos das agncias, foram construdas
29 planilhas, com a identificao de todos os contedos do caderno de Poltica de cada edio,
com a descrio de ttulos, nmero de pginas, posio da notcia na pgina (matria principal
ou no), chamada na 1 pgina, manchete e reportagem especial. No segundo momento, foi
feita tambm a identificao dos contedos de cada edio presentes ou no nos despachos da
respectiva agncia de notcias do conglomerado, verificando dia e hora de disponibilizao na
plataforma web e presena de embargos ou no.
A planilha permitiu tanto uma anlise quantitativa quanto qualitativa, comparando
incidncias de temticas e abordagens dos contedos jornalsticos presentes nos trs jornais.
Pela sua posio na pgina, identificou-se seu valor/notcia. Dos embargos ou no nas
agncias e sua presena/ausncia nos demais jornais concorrentes, tentou-se verificar o carter
exclusivo da notcia.
Essa mesma planilha possibilitou a identificao de temas publicados pelos trs
principais jornais do eixo Rio-So Paulo presentes tambm nos 10 jornais sediados nas 10
maiores capitais brasileiras, conforme distribuio atravs das agncias nacionais. Da leitura
desses jornais regionais, foram construdas ainda planilhas com a identificao de contedos
jornalsticos de poltica nacional provenientes das agncias de notcias. Tais planilhas
passaram a instrumentos de fcil manuseio e identificao rpida dos contedos, dispensando
o retorno leitura dos jornais (originais). Vale destacar ainda a importncia da presena do
pesquisador nas redaes para o acompanhamento de seus procedimentos dirios, a fim de
apreender a dinmica do processo de produo jornalstica e a possibilidade de elaborar
estratgias de coleta de dados para os estudos das rotinas produtivas. A identificao e
apreenso do furo de reportagem, conforme apresentado por esta pesquisa, ocorreu dada a
presena do pesquisador na redao, durante a coleta dos contedos das agncias. Isto porque
estar nas redaes implica no esforo de vigilncia sobre a notcia, o que os jornais
publicaram e como publicaram, alm do que j est em circulao nos meios instantneos,
conforme o trabalho rotineiro de acompanhamento dos demais meios feito pelos jornalistas.
A apresentao da pesquisa conta com oito captulos: 1) o primeiro situa as redaes
das agncias de notcias no contexto das organizaes em redes digitais; 2) o segundo trata de
uma recuperao histrica sobre as agncias de notcias nacionais, das pioneiras era dos
conglomerados; 3) o terceiro traz uma abordagem reflexiva sobre estudos das rotinas
produtivas na perspectiva da sociologia dos produtores, pressuposto terico desta pesquisa; 4)
o quarto mostra uma elaborao histrico-terica sobre a natureza da notcia exclusiva de
30 forma a fundamentar as incurses empricas desta investigao; 5) o quinto apresenta a rotina
das agncias de notcias AE, Folhapress e AG, destacando as (des)semelhanas no
procedimento de distribuio de matrias jornalsticas produzidas pelos principais jornais do
trs grandes conglomerados de mdia impressa do Pas; 6) o sexto apresenta os procedimentos
das trs agncias na lgica de distribuio da notcia exclusiva, apontando para um conceito
de furo de reportagem; 7) o stimo constroi um retrato da presena das trs agncias no
jornalismo brasileiro a partir da anlise de 10 jornais sediados nas 10 principais capitais
brasileiras; e 8) por fim, o oitavo traz as consideraes finais.
Assim, ao leitor, um convite leitura!
31 2 A ATUAO DAS AGNCIAS DE NOTCIAS NACIONAIS NA E RA DA
CONVERGNCIA EM REDE DIGITAL
O termo convergncia tem origem na matemtica mas passou a ser adotado por
cientistas sociais para explicar as confluncias tecnolgicas que ento surgiam a todo
galope, no novo mundo das tecnologias sem fronteiras (SQUIRRA, 2005, p.79). Para este
autor, a convergncia tecnolgica deve ser entendida como a chegada de um vasto cenrio de
instrumentos sobretudo digitais que desempenhavam ou podem desempenhar funes
tcnicas assemelhadas ou complementares. Ainda de acordo com Squirra (2005, p.79),
convergncia tecnolgica
entendida como a integrao tecnolgica em uma base comum, uma vez que apesar das formas da tecnologia serem diferentes, elas permitem um princpio bsico que comunicao direta de um usurio com outro atravs de um conjunto invisvel de conecxes e sistemas de aberturas, interpretaes e disponibilizao de dados. Assim, possibilitam trocas de gigantescos volumes de informao em tempo real e/ou aquela estocada nos circuitos informatizados dos equipamentos digitais.
Dupagne e Garrison (2006) reconhecem que o conceito covergncia possui
diferentes difinies e contextos, devido a sua prpria complexidade. No contexto das
redaes, estes autores situam que a convergncia de mdias pode representar mais que uma
plataforma tecnolgica comum, uma estratgia econmica ou uma ao regulatria. Nesse
sentido, Dupagne e Garrison (2006, p.239) apresentam trs principais tipos de convergncia
de mdia: convergncia tecnolgica, convergncia econmica e convergncia regulatria. O
primeiro, convergncia tecnolgica, significa a confluncia de todas as formas de
comunicao mediada em uma forma eletrnica e digital, dirigida por computadores. O
segundo tipo, convergncia econmica, conhecida tambm como convergncia de mercado ou
empresas, ocorre no nvel institucional e que enfatiza mltiplas e, ao mesmo tempo,
integradas plataformas, como exemplo as fuses das empresas AOL Time Warner e AT&T
Broadband. Dupagne e Garrison (2006, p.240) recordam que o aumento de 200% das
transaes comerciais no mercado de rdio, televiso, cable e telefones, no perodo de 1991 a
1996, ocorreram intraempresas. O terceiro tipo, a convergncia regulatria, trata-se dos atos
de regulamentao e desregulamentao voltadas s organizaes de mdia na convergncia
tecnolgica e econmica.
32
Outro aspecto relativo convergncia tecnolgica trata-se dos efeitos, os quais,
segundo Dupagne e Garrison (2006, p.240), aplicam-se aos usos da mdia, diversidade do
contedo, prticas de redao e perfil dos profissinais. Embora a inteno aqui no seja
descrever pontualmente sobre cada um desses efeitos, os autores, portanto, destacam que a
convergncia o futuro das comunicaes. (DUPAGNE E GARRISON, 2006, p.241).
As trs principais agncias de notcias brasileiras do setor privado integram os
principais grupos de mdia do Pas. Isto , fazem parte de uma grande estrutura que opera num
sistema de produo integrado online, compartilhando informaes produzidas em redaes
especficas. Esta estrutura organizacional tem as facilidades de um sistema em rede,
instaurado a partir da chamada convergncia das redaes15 que, segundo Singer (2004,
p.838), compreende uma combinao de um corpo de jornalistas, tecnologias, produtos e
espao geogrficos previamente definidos em impresso, televiso e media online . [traduo
nossa].
A Folhapres16, por exemplo, atua basicamente com a disponibilizao de notcias
produzidas pelas diferentes redaes do grupo Folha da Manh (Folha de S.Paulo, UOL,
Folha Online e SP Agora, entre outros). A Agncia Estado tambm trabalha com as notcias
produzidas pelas redaes do grupo Estado (O Estado de S.Paulo, Portal Estado, Jornal da
Tarde, Agncia Estado, Rdio Eldorado AM e FM e TV Estado esta ltima opera na
web). Um diferencial da Agncia Estado em relao s outras consiste na Broadcast, um
servio de produo de notcias econmicas em tempo real com equipe de reportagem
prpria , voltado ao mercado financeiro, agronegcios e governos. A Agncia Estado,
portanto, possui uma estrutura mais complexa de produo da notcia, com aproximadamente
160 jornalistas s na cidade de So Paulo: um diretor de informao; dois chefes de
reportagem; seis editores para diferentes produtos em mercado de aes, corporaes,
agronegcio e mdia; e sete reprteres que atuam na captao direta da notcia (apurao e
reportagem). O restante inclui diversas reas, entre elas redao, criao (artes), etc., alm de
uma secretria prpria. A Agncia Estado possui uma redao autnoma no interior do grupo,
alimentadora tambm do contedo da AE Mdia, servio noticioso que distribui o informativo
dirio para os veculos assinantes o setor da AE objeto de interesse desta pesquisa.
15 Newsroom convergence (...) involves some combination of news staffs, tecnologies, produtcts, and
geography from previously distint print, television, and online media. (SINGER, 2004, p.838). 16 A Folha de S.Paulo possui uma editoria denominada Agncia Folha, que concentra o contedo produzido
pelos correspondentes situados em diversas cidades do Pas.
33
J no Rio de Janeiro, o grupo O Globo compreende os jornais O Globo, Extra e
Expresso17, O Globo Online (verso online de O Globo), Portal O Globo (com equipe prpria
de reportagem) e a Agncia O Globo, que opera com material produzido por esses veculos.
Assim, as agncias de notcias nacionais esto inseridas em um modelo de
convergncia no interior das diferentes redaes de seus conglomerados, conforme uma
tendncia das estruturas organizacionais de comunicao existentes nos Estados Unidos.
Singer (2004, p.839) descreve que praticamente todos os jornais norte-americanos hoje
possuem websites afiliados e aproximadamente 30% dos jornais possuem emissores de
televiso18 [traduo nossa].
17 Os grupos O Globo e Folha tm ainda parceria no jornal Valor Econmico, fundado em 2000 e com sede na
cidade de So Paulo. 18 Virtually all U.S. newspapers now offer affiliated Websites; nearly 30% at all circulation levels have
partinership with television stations (Singer, 2004, p. 839).
34
A AE possui estrutura mais complexa em relao AG e Folhapress. Mas, quanto ao
servio noticioso dirio, as trs possuem estruturas semelhantes e que compem interesse de
investigao desta pesquisa, isto , os servios de distribuio de contedos para uma
variedade de jornais em todo o Pas. Essas estruturas so compostas por um conjunto de
editores e redatores, designados a capturar no sistema de convergncia em rede as notcias
produzidas pelas demais redaes do mesmo grupo de comunicao. O que vale dizer que os
servios noticiosos no possuem equipes prprias de reportagem. Para a distribuio das
notcias aos veculos assinantes dos servios das agncias, os redatores observam os
embargos ou no das informaes de sua redao de origem e, em seguida, fazem o
trabalho de edio do contedo, como ortografia, clareza da informao, estrutura da notcia,
e adequaoes ao formato para postagem na plataforma web. Essa estrutura se apresenta nas
trs agncias da seguinte forma: na AE, esse setor denominado AE Mdia19 e conta com
19 Embora AE Mdia consiste no setor de distribuio de contedos noticiosos para veculos ssinantes,
externamente o termo s utilizado para a plataforma de acesso aos servios, disponvel em www.estado.com.br/aemdia. J para a referncia ao servio noticioso, usa-se a denominao Agncia Estado
35 aproximadamente 20 jornalistas, entre eles dois editores; a Folhapress, da Folha de S. Paulo,
atua com seis redatores, entre eles um coordenador de redao; j O Globo, h cinco redatores
e um coordenador, responsvel tambm pelo departamento de comercial e marketing do setor.
O carter comercial das agncias de notcias brasileiras fica evidente na variedade de
servios e produtos, com estratgias de vendas de textos (artigos/colunistas, noticirio dirio
bsico e matrias especiais), fotografias e infogrficos (arte), cadernos especiais, revistas
segmentadas etc.. A prestao de servio segue o tipo de pacote firmado com cada veculo
assinante. O noticirio dirio bsico inclui matrias das editorias poltica, economia, esportes,
cultura e geral (cincia, comportamento, religio, meio ambiente, cidades etc.) e internacional.
Os pacotes ou cadernos especiais20 so antecipados aos jornais clientes, atravs de anncios
caso tenham interesse, efetuam a compra junto aos respectivos departamentos comerciais. As
imagens (fotos e infogrficos) so vendidas diretamente atravs do setor comercial. O
assinante pode comprar uma foto separadamente ou obter um pacote de fotos por dia ou ms,
alm do material de acervo servio disponvel tambm para os no-assinantes das agncias.
As fotos do dia so disponibilizadas em uma espcie de balco do dia no site das agncias.
J a compra de fotografias do acervo (banco de dados) das agncias requer uma consulta
prvia tambm ao setor comercial de cada servio noticioso.
Sobre a proximidade da redao das agncias com o setor comercial, editores e
redatores da Folhapress e Agncia O Globo compartilham com os respectivos departamentos
de marketing os mesmos espaos fsicos. Na AG, os cinco redatores esto diretamente ligados
sua estrutura comercial, com a seguinte hierarquia: gerncia geral, gerncia de produtos e
gerncia de marketing. Com essa estrutura, redao e comercial parecem no se distinguir,
atuando em um mesmo ambiente de trabalho. J no Grupo Estado o setor comercial da AE
funciona em local diferenciado. Devido a essa localizao, um dos editores da AE diz no
sofrer nenhuma ingerncia do setor comercial: No sofremos nenhum controle. Tanto que
esto localizados em outro setor. (Denilson Azzoni, entrevista concedida em 13 out 2006).
Cada vez mais, as agncias tm procurado avanar com o servio de fotos do dia,
seguindo os seguintes aspectos: qualidade da fotografia, velocidade na transmisso do
material e atendimento ao cliente. Isso significa, segundo a Coordenao de Produtos da AG,
perceber que a foto que chegou redao atende ao cliente. Com vistas para o futuro, o
(AE), o que tambm passa a ser empegado nesta pesquisa. 20 Exceto a Folhapress, que afirma no vender contedos especiais.
36 desafio atualmente, segundo a Agncia O Globo, identificar o produto digital, isto , o
que pode ser vendido para os veculos digitais.
2.1 ROTINA DAS REDAES EM REDES DIGITAIS
Vrias pesquisas tm se voltado ao estudo do jornalismo contemporneo e suas
(re)configuraes no contexto das transformaes provocadas no processo de incorporao
das novas tecnologias nas ltimas dcadas. As diversas transformaes no jornalismo so
prprias dos diferentes contextos poltico-econmicos, scio-culturais e tecno-cientficos no
decorrer do processo histrico.
No Brasil, tem-se a formao dos conglomerados de comunicao a partir dos anos
1960, num contexto do chamado capitalismo tardio. At os anos 1960, os principais jornais
brasileiros ainda tinham a estrutura de pequenas e mdias empresas, as quais, segundo
Goldenstein (1987, p.138), no tinham grandes reservas de capital. At esse perodo, os
jornais brasileiros foram orientados pela poltica. Em entrevista a Gostenstein, Samuel
Wainer21 teria dito que o ltima Hora foi o primeiro jornal no Pas a ter uma estrutura
empresarial: Foi criada uma estrutura empresarial de produo, de clculo, de custos e gente
disposta a fazer um empreendimento que no ficasse dependendo dos azares da poltica.
Sobre a passagem dos jornais brasileiros estrutura de empresas, Goldenstein (1987, p.23)
escreve:
Para que a indstria cultural possa assumir todas as caractersticas que lhe so inerentes preciso que o modo de produo capitalista j tenha atingido um certo grau de amadurecimento, o qual diz respeito tanto ao processo de concentrao e centralizao do capital, ao grau de desenvolvimento tecnolgico e financeiro como sua contraface: a forma assumida pelas relaes sociais, a qual se caracteriza por um domnio progressivo do capital sobre o trabalho e sobre o conjunto da sociedade.
Em sua anlise sobre a formao dos conglomerados de comunicao no Brasil, 21 Samuel Wainer criou a cadeia de jornais ltima Hora. A primeira empresa foi criada 1951, no Rio de
Janeiro; em 1952, em So Paulo; posteriormente no Paran, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco. Com o exlio de Wainer em Paris aps o golpe militar em 1964, a cadeia foi extinta. Em So Paulo, o jornal foi comprado pela Folha de S.Paulo. No Rio Grande do Sul, foi transformado no Zero Hora. O jornalista permaneceu no exlio at 1968.
37 Taschner (1992, p.199) escreve que foi a partir dos anos [19]60 que os efeitos de uma
dinmica de acumulao monopolista, decorrentes de uma industrializao tardia e
combinados a certas caractersticas do regime autoritrio vigente entre 1964 e 1984,
forneceram as bases para que a indstria cultural se consolidasse em nosso pas.
J a partir dos anos 1980, inicia-se o processo de informatizao das redaes, que
desembocar nos anos 1990 em grandes transformaes no interior das empresas, provocadas
pela incorporao das novas tecnologias, como novo paradigma. Essas transformaes no
interior das empresas de comunicao so resultados de uma srie de tomadas de decises,
denominadas por Corra (1994) de estratgias22 tecnolgicas : Quando uma empresa decide
priorizar seus recursos em atividades diretamente ligadas tecnologia e optar por estruturar
todo o restante das aes de seu planejamento estratgico em funo desta prioridade,
podemos dizer que ela escolheu uma estratgia tecnolgica. [grifo no original].
Conforme Marcovitch (apud Corra: 1994, p.50), a implementao de estratgias
baseadas nas mudanas tecnolgicas segue trs vetores: 1) medidas rotineiras que busquem
elevar a qualidade e a produtividade; 2) projetos inovadores para ter o acesso a tecnologias de
base, internalizar tecnologias determinantes ou acompanhar tecnologias emergentes; e 3)
aes empreendedoras para enfrentar rupturas tecnolgicas imprevistas, promovendo alianas
estratgicas ou investindo em novas unidades de negcios.
As diversas mudanas no interior das empresas ocorrem em seu prprio modelo
organizacional, de forma a assegurar a sobrevivncia e permanncia no mercado competitivo.
No setor de comunicao, principalmente, as mudanas tambm foram inevitveis. A partir
das estratgias tecnolgicas, as empresas jornalsticas passam a ser compreendidas como
informaduto23 e turbinas informativas expresses cunhadas pelo professor da Faculdade
22 Sobre o conceito de estratgia, ver Corra (1994). Em sua obra publicada em 2003, a autora o sintetiza da
seguinte forma: Estratgia envolve tomada de decises acerca de produtos e tecnologia a ser desenvolvidos e/ou absorvidos; da seleo do mercado e tipos de clientes a ser atingidos; e da criao e manuteno de vantagens competitivas. Tal tomada de decises pode ocorrer em nvel genrico ou corporativo a estratgia corporativa (corporate strategy), mas tambm em nveis especficos do negcio a estratgia de negcios (business strategy). Cabem no conceito e nas aes de configurao estratgica termos/atividades como: adequar o ambiente e a empresa; processos formais de anlise; posicionamento de mercado; processo de aprendizado; trabalhar a cultura organizacional; desenvolver a viso de um lder; processo mental; reao ao ambiente; negociar e construir alianas; entre outras. (Saad, 2003, p.38).
23 Informadutos uma metfora inspiradas nas palavras aquedutos e oleodutos, conforme pontua Moreno (1991, apud Corra, 1994, p. 98): Na sociedade agrcola, a matria-prima indispensvel para a criao da riqueza era a gua. Para transport-la, criaram-se os aquedutos. A sociedade industrial no teria existido sem a energia. Para ajudar o seu suprimento, foram criados os oleodutos. Hoje, na sociedade ps-industrial, o insumo bsico a informao. Para conduzi-la, esto se multiplicando cada vez mais os informadutos,
38 de Comunicao da Universidade de Navarra, na Espanha, Juan Antnio Giner (conforme
escreve Moreno, 1991, apud Corra, 1994, p. 100), para designar os novos modelos de
empresas de informao que passam a atuar tambm em mercados de matrias-primas e
outros que assegurem o auto-abastecimento para seus servios. (CORRA, 1994, p.100). Em
outras palavras, as turbinas informativas so modelos de empresas jornalsticas
configurados a partir das novas tecnologias, vistos por Moreno numa perspectiva inevitvel:
Ou transformam seus departamentos comerciais em centrais de mdias, capazes de programar campanhas conjuntas. Ou sustentam uma central informativa capaz de gerar um supervit de informaes que podem ser arquivadas, recicladas em forma de anurios/livros ou colocadas disposio do pblico na freqncia e pelo meio mais desejvel por ele. Tal sinergia fator essencial para a transformao dos velhos jornais, por exemplo, numa empresa ps-jornalstica, com estrutura no mais baseada nos meios, mas sim em mercados informativos. Conceito que o professor Giner define como turbinas informativas que produzem, armazenam, tratam, recuperam e distribuem informaes, em conformidade com as necessidades de mercado, que inclusive dita o meio preferido. [grifo no original]
Segundo Saad (2003, p. 90), o modelo de turbina informativa conquistou espao no
incio dos anos 1990 nas empresas jornalsticas que j previam a necessidade de mudanas
em suas operaes e estrutura, em funo das inovaes nas tecnologias de captao,
transmisso e distribuio de dados. No Brasil, o modelo da Universidade de Navarra24 foi
adotado pelo Grupo Estado, voltado Agncia Estado, modelo pesquisado por Corra, em
sua pesquisa de doutorado defendida em 1994.
O termo turbina de informao foi amplamente divulgado pela empresa ao anunciar
as mudanas orquestradas a partir do novo planejamento estratgico de tecnologias, conforme
as declaraes do diretor da AE, Rodrigo Lara Mesquita, publicado n O Estado de S. Paulo,
em 18 de agosto de 1991. O Grupo Estado hoje uma usina de informao e, nesse contexto,
a Agncia Estado se caracteriza como uma turbina, preocupada em processar a massa
informativa para o mercado como um todo. [grifo no original].
neologismo inventado por Luc De Brabander. O que so os informadutos? Jornais, rdios, televisores, computadores, telefone, vdeo-texto, fax, TV a cabo, satlite todo e qualquer meio de transporte e distribuio da informao que entregue no formato e tempo adequados ao que o usurio deseja. [grifo no original].
24 Alm do professor Juan Antonio Giner, o grupo da Escola de Navarra voltado para os estudos sobre estratgias tecnolgicas era composto por Carlos Soria, Luis Hucte, Bernardo Daz Nosty, entre outros. (SAAD, 2003, p.89).
39
As mudanas a partir das estratgias tecnolgicas alteram o perfil da velha empresa
jornalstica, conforme escreve Adghirni (2001):
A noo de jornal sempre esteve ligada a um suporte material: o papel. Na internet, a notcia est numa tela. Hoje, na tela de um computador e, suprema engenharia, j chegou ao telefone celular. Amanh tudo dever convergir para uma tela de TV, suporte de todas as possibilidades da comunicao em interatividade. O que parecia fico, j realidade. A digitalizao da informao veiculada num sistema de redes faz com que o produto deixe de ser um jornal para se tornar uma outra mdia ainda em fase de mutao (midimorfose).
As mudanas afetaram tambm a prpria matria-prima do jornalismo, isto , a
notcia. Conforme defende Thas de Mendona Jorge (2007), a notcia hoje resultado
concreto de uma srie de intervenes mutacionais sobre o produto do jornalismo, que
acabaram transformando-o em um objeto bem diferente daquele dos primeiros tempos da
humanidade. A preocupao sobre as mutaes da notcia ocorridas no jornalismo digital,
segundo Jorge (2007, p. 13), era investigar como agem as foras no processo, submetidas
ao de fatores sociais, culturais, humanos, econmicos e tecnolgicos. Conforme as
investigaes de Jorge (2007), as mudanas enfrentadas pela notcia so vistas sob duas
perspectivas: 1) a scio-histrica, que considera que as notcias mudam em funo dos tipos
de sociedade; e 2) a tecnolgica, que compreende que a notcia enfrenta sua mutao mais
intensa a partir do surgimento da internet. Voltada aos estudos das redaes online,
uol.com.br, do Grupo Folha, no Brasil, e clarin.com, do Grupo Clarin, na Argentina, Jorge
(2007, p. 16) identifica que as mudanas na notcia no acontecem sem transformaes no
processo cognitivo: muda quem faz (os jornalistas), muda o que feito (o contedo da notcia,
ou seja, o conhecimento) e muda quem consome (os leitores). Nesse sentido, a autora
defende o conceito de mutao da notcia como o ciclo de mudanas que incide sobre a
notcia. Conforme observa Jorge (2007, p. 17), na histria da notcia, parece haver ciclos
como os de seleo e de eliminao, gerando novas frmulas para aplicao do produto no
meio social. De inspirao das cincias naturais, o conceito de mutao da notcia implica na
concepo de mutao do jornalismo compreendido como fenmeno provocado por agentes
humanos, (Jorge, 2007, p. 18) e resultado de experimentaes ou necessidades sociais:
A mutao no apenas uma mudana no DNA da informao os fatos e o modo de colh-los, process-los, apresent-los , porm um conjunto de mudanas que se expressa em determinado momento e alcana uma escala que lhe d visibilidade pblica. Dessa maneira, a mutao do relato noticioso causa alteraes em um
40
espectro amplo que vai da produo em si ao formato, do suporte transmisso, do discurso prtica cotidiana do jornalismo nas redaes. A mutao no jornalismo , enfim, um fenmeno que marca a histria, transforma o ambiente social, introduz novos conceitos e passvel de quebrar paradigmas.
Jorge (2007, p. 138) defende que a mutao miditica no ocorre por fatores internos,
isto , no contm o germe da transformao em seus corpos virtuais, a exemplo dos
fenmenos de metamorfose na natureza; mas, sim, de fatores externos, prprios do contexto
onde est inserida:
Por isso, as velhas formas no morrem ainda esto em processo de mudana. O que ocorre nesse processo de mudana no seria ento uma metamorfose nem uma midiamorfose, a nosso ver, mas uma mutao real, com todos os seus fenmenos: em um ambiente de aparente caos onde as fronteiras se tornam fluidas, onde parece haver um embaralhamento de conceitos , as formas esto sofrendo alteraes para se adaptar ao novo meio e se d a emergncia de uma srie de mudanas por hibridizao dos produtos j existentes, pela reciclagem de caractersticas de uns e outros ou pela descoberta de novos.
As mutaes no jornalismo, segundo a autora, perpassam pelas a) novas exigncias
sobre o jornalista, que passa a ser um indivduo multitarefa e com o dom da ubiquidade; b) a
velocidade, que se tornou um fetiche (Moretzsohn25) a escravizar as redaes; c) a atualidade,
valor-notcia do Novo, que um elemento da rapidez; d) as novas ferramentas tecnolgicas
que, ao contrrio de facilitar o trabalho, juntam mais funes profissionais. (JORGE, 2007,
p. 143).
Entre as diversas caractersticas de mutao da notcia identificadas por Jorge, destaca-
se aqui por se considerar objeto desta pesquisa a prpria rotina dos jornalistas no interior
das redaes. Jorge (2007, p. 187) identifica 20 atribuies dos editores das redaes em
tempo real, descritas da seguinte forma: 1) administrar sites pessoais; 2) administrar/editar
blogs; 3) colocar links; 4) editar udio; 5) editar mensagens de leitores; 6) editar site de
relacionamento; 7) editar textos e fotos; 8) editar vdeo; 9) elaborar calendrio; 10) elaborar
escala; 11) elaborar pauta; 12) enviar/receber e-mails; 13) enviar/receber mensagens
instantneas; 14) escrever chamadas; 15) fazer oramento e planejamento do semestre; 16)
mudar noticirio no ar; 17) produzir especiais; 18) produzir programas em udio e vdeo; 19)
redigir e/ou consolidar textos; e 20) verificar sites.
Dessas 20 atribuies acima expostas, observa-se a ausncia dos procedimentos
25 MORETZSOHN, S. Jornalismo em tempo real: o fetiche da velocidade. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
41 apurao, checagem da informao e investigao jornalstica. Nesse novo ambiente de
redao digital, desaparece a funo reprter, responsvel pela apurao/investigao dos
fatos, para dar lugar ao redator, profissional responsvel pela captura de informaes j
produzidas e adapt-la ao novo formato online. Durante observao na redao do UOL, por
exemplo, Jorge (2007, p. 180), destaca a rotina de um dos editores da seguinte forma: Em 10
minutos, j atualizou 17 notcias. Afirma ter que confiar nos fornecedores. No h como
checar cada um. Recebe tambm muitos e-mails de assessores de imprensa, que apaga sem
ver. J um outro editor levanta dvidas quanto aos procedimentos nas redaes online: No
se pode dizer que o que eu fao seja jornalismo. complicado. mais um jeito suave de
tratar as notcias do dia-a-dia. Acredito que seja algo como jornalismo pessoal. (JORGE,
2007, p. 183).
As mutaes no jornalismo implicam no fator tempo. A notcia online pressupe as
redaes em tempo real, que se apresentam como novo segmento no mercado de informao.
Atualizados a cada cinco minutos em mdia, os sites dos mais importantes jornais
transformara-se em verdadeiras agncias de notcias em tempo real e em concorrncia.
(Adghirni, 2002).
Por outro lado, as redaes online rompem com os limites de espao e tempo antes
impostos ao velho meio, como ainda indica o The New York Times, em seu slogan no canto
superior esquerdo de sua primeira pgina All the News Thats Fit we Print26. No jornal
impresso, a produo da notcia diria est limitada ao espao que cabe na pgina. Na
televiso e no rdio, a cobertura da notcia factual est limitada ao tempo pr-definido pelas
diferentes edies em seus noticirios ao longo do dia. No jornalismo online, portanto, o
limite de espao rompido, pois passa a contar com suportes, arquitetura de armazenamento,
tratamento e distribuio de dados e informaes jornalsticas. Assim, nmero de pginas,
durao dos programas, capacidade de armazenamento de dados tornam-se noes obsoletas.
(SILVA JNIOR, 2000, p. 58).
As estratgias tecnolgicas no interior dos conglomerados de comunicao apontam
tambm para um novo modelo de gesto no jornalismo digital com a criao das redes
internas de comunicao (como a intranet). Conforme aponta Machado (2004), as redes
internas de comunicao, em vez de simples instrumento de apoio para as atividades dos
26 Toda notcia que couber, ns publicamos. [traduo nossa].
42 profissionais, (...) so um dos principais recursos que possui uma empresa jornalstica.
Machado (2004) esclarece, ainda: Quando a estrutura da redao prev redes capazes de
fornecer aos jornalistas de forma rpida e acessvel s informaes necessrias, as relaes
entre os profissionais so potencializadas, colaborando para melhor coordenar as operaes
relativas s etapas de produo. A eficincia destas operaes decorre do modo como as redes
internas de comunicao esto a servio do trabalho em equipe e em colaborao,
viabilizando a materializao.
43 3 INCURSES HISTRICAS SOBRE A TRAJETRIA DAS AGNCIAS DE
NOTCIAS NACIONAIS
Barbosa (2004) destaca que a histria, para ns, no fala do tempo de ontem, mas
possibilita apenas a sua reconstruo. As fontes no so documentos reais que contm
verdades. Dialogando com elas, para to somente reconstruir o passado e, dessa forma,
entender melhor o momento presente, estamos fazendo histria. E estamos sobretudo falando
de vida, por mais paradoxal que isso seja, pois estamos, ao fazer histria o tempo todo,
querendo exorcizar a morte.
Sobre as agncias de notcias brasileiras, h pouca investigao. Isso fato.
Levantamento bibliogrfico para esta pesquisa revela a existncia de uma abordagem histrica
sucinta, ou, porque no dizer, quase nula, e, portanto, uma lacuna para o ensino e a pesquisa
em Jornalismo no Brasil, principalmente em relao s pioneiras, como Americana e
Meridional.
Entre as pesquisas de mestrado e doutorado referentes s agncias de notcias
nacionais, constata-se a ateno Agncia Estado como objeto de investigao, como a tese
de Elizabeth Nicolau Saad Corra (1994), Tecnologia, jornalismo e competitividade: o caso
da Agncia Estado. A autora analisa a reestruturao organizacional do Grupo Estado no
contexto da incorporao das novas tecnologias pelas empresas de comunicao. Corra
destaca, naquele perodo, a Agncia Estado como caso nico concreto, no jornalismo
brasileiro, de empresa fora do ramo industrial que ousou adotar uma postura estratgica
(similar quela da indstria) com relao s Novas Tecnologias de Informao, como base
para uma mudana profunda na sua atuao no mercado, no seu fazer jornalstico, na sua
relao com o pblico.
A mesma autora rene grande parte dessa pesquisa no livro Estratgias para uma
mdia digital: Internet, informao e comunicao (2003), em que trata das estratgias
tecnolgicas organizacionais como novos paradigmas adotados por grandes conglomerados de
comunicao no mundo e no Brasil frente s transformaes/possibilidades das novas
tecnologias, tendo como modelo as mudanas implementadas pelo grupo Estado, incluindo a
prpria agncia.
Na perspectiva de compreender as rotinas das agncias de notcias nacionais (Estado e
44 O Globo), Elizabeth Brando (1999), em sua tese de doutorado Da cincia ao mercado, a
informao em tempo real, defende um novo atributo notcia no interior das agncias em
redes digitais: o de informao. Nessa abordagem, Brando descreve os diversos servios
ofertados pelas agncias, destacando o carter mercadolgico desses servios, isto , o de
produtos.
Sob o pressuposto terico do agendamento temtico27, Jaqueline Paiva (2002), em sua
dissertao de mestrado Broadcast: o mercado financeiro e a cobertura de economia da
grande imprensa