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7/23/2019 04 Polticas Pblicas Para a Cultura No Brasil - Apostila
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APOSTILA
MDULO
04
POLTICAS
PBLICAS
DE
CULTURANOBRASIL
7/23/2019 04 Polticas Pblicas Para a Cultura No Brasil - Apostila
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SUMRIO
Plano de aula 03
GESTO DA CULTURA : O PAPEL DO ESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL 04
DIREITOS CULTURAIS E POLTICAS PARA A CULTURA 10
Polticas culturais do governo Lula / Gil: desafios e enfrentamentos 31
DESAFIOS CONSTRUO DE POLTICAS CULTURAIS: balano da gesto Gilberto Gil 53
A crise do MinC no governo Dilma: levar a srio a questo do valor 63
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Plano de Aula
Contedo:Polticas Pblicas de Cultura no Brasil
Professor:Jos Marcio Barros
Ementa:Painel sobre a conjuntura atual no ambiente das polticas para a cultura e sua influncia na construo
de projetos culturais
Objetivo:Informar e debater com os participantes conceitos bsicos referentes
poltica cultural e traar um panorama atual da agenda poltica da cultura no Brasil.
Carga Horria:4 h/a
Contedo da aula:
Conceitos bsicos para a compreenso das polticas culturais
Polticas culturais no Brasil perspectiva histrica e atualidade
Bibliografia Bsica
BARROS, Jos Mrcio. Gesto Cultural e o papel do estado e da Sociedade Civil, mimeog, s.d.
CALABRE, Lia. Desafios construo de polticas culturais: balano da gesto Gilberto Gil, disponvel
emhttp://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Lia%20Calabre%20-%2017.pdf
COCCO, Giuseppe. A crise do MinC no governo Dilma: levar a srio a questo do valor. Disponvelem:http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=676
MATA-MACHADO, Bernardo Novais da. Direitos culturais e polticas para a cultura. Mimeog. Ed. do autor.
RUBIM, Antnio Albino Canelas. Polticas culturais do governo Lula / Gil: desafios e enfrentamentos, disponvel
emhttps://www.ufba.br/sites/devportal.ufba.br/files/Conferencia%20Nacional%20de%20Cultura.pdf
www.pensareagircomacultura.com.br
http://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Lia%20Calabre%20-%2017.pdfhttp://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Lia%20Calabre%20-%2017.pdfhttp://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Lia%20Calabre%20-%2017.pdfhttp://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=676http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=676http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=676https://www.ufba.br/sites/devportal.ufba.br/files/Conferencia%20Nacional%20de%20Cultura.pdfhttps://www.ufba.br/sites/devportal.ufba.br/files/Conferencia%20Nacional%20de%20Cultura.pdfhttps://www.ufba.br/sites/devportal.ufba.br/files/Conferencia%20Nacional%20de%20Cultura.pdfhttp://www.pensareagircomacultura.com/https://www.ufba.br/sites/devportal.ufba.br/files/Conferencia%20Nacional%20de%20Cultura.pdfhttp://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=676http://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Lia%20Calabre%20-%2017.pdfhttp://www.pensareagircomacultura.com/7/23/2019 04 Polticas Pblicas Para a Cultura No Brasil - Apostila
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GESTO DA CULTURA : O PAPEL DO ESTADO E DA SOCIEDADE CIVIL
Jos Mrcio Barros
A reflexo sobre Polticas Culturais Pblicas vem exigindo umenquadramento poltico e conceitual mais consistente e permanente de forma atornar a reflexo e as prprias polticas menos casusticas e conjunturais.Correndo o risco de simplificar a questo, acredito que 2 dimenses soprioritrias para esta ampliao e aprofundamento. preciso deixar claro o queentendemos por cultura, e a partir deste entendimento, o que cabe a umaPoltica Cultural. Em segundo lugar, trata-se de se enquadrar a questo culturalno debate sobre a cidadania, ou como alguns cientistas polticos falam hoje,como dimenso de uma nova cidadania.
O conceito antropolgico de cultura e o objeto de uma Poltica Cultural :
Pensar antropologicamente a cultura significa substituir uma perspectivaexclusiva e elitista que a limita a um campo especfico de fazeres ilustradosprprios de alguns sujeitos, por uma concepo inclusiva e horizontal, queabarca todos os processos de produo de sentidos do ser humano.
Entendemos assim a presena da cultura em todas as dimenses da vidahumana, e portanto seu potencial tanto na fixao de modelos de viso eatuao sobre o mundo, quanto na construo de alternativas, na criao, natransformao social. Por isso a cultura vem se transformando em elementocentral nas polticas de governo, tanto em modelos conservadores quantoprogressistas. atravs da cultura que indivduos, grupos e sociedadesconstrem os sentidos coletivos, a experincia do compartilhamento. acultura que permite a vida coletiva.
Decorre desta perspectiva a possibilidade de pensar cultura de formadinmica e processual, ou seja, um campo onde o tradicional e o novo, oenraizado e o contemporneo se relacionam, se relacionam e se tencionamconstantemente. Contextualizando esta discusso nas sociedadescontemporneas, novos pares de complexidade surgem : preciso acrescentar odado da diversidade, da heterogeneidade, da convivncia de diferentes edivergentes modelos de expresso cultural, que simultneamente, desenham aexperincia social. Assim, ao falar da cultura estamos nos referindo sempre aculturas. Da mesma forma, uma Poltica Cultural contempornea s faz sentidose na verdade, se estruturar como uma ao no plural. Substitumos a reflexode Polticas de Cultura, que constumam se limitar a aes episdicas e autorais
distribudas ao longo da histria das instituies pblicas, pela possibilidadetambm histrica, de uma Poltica de Culturas, centrada na prpria sociedade. 1
1 preciso reconhecer que alm de campo de sociabilidade e humanizao, acultura transformou-se, tambm, em campo por excelncia de gerao deprocessos e valores economicos. Este ensaio, entretanto, no tratar destaquesto.
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Mas se toda a atividade humana permeada pela cultura, quando
falamos de uma Poltica pblica de Cultura, preciso estabelecer cortesestratgicos, realizar escolhas, porque do contrrio, a ao sobre a cultura sedilui, perdendo sua especificidade e sua identidade. O que deve, ento,
singularizar uma Poltica Cultural ?Por um lado, a partir desta perspectiva inclusiva que reconhece umaclara dimenso cultural em tudo que se refere a processos coletivos de produode sentidos por parte do homem, a Poltica Cultural deve sempre estabelecerpresenas e interfacescom os demais campos que integram o que se consolidouchamar de Polticas Sociais. H sempre uma dimenso cultural na sade, naeducao, na habitao, na gerao de empregos, na organizao do espaourbano, etc.
Por outro lado, existe um campo prprio, exclusivo, que se refere aosdiversos fazeres artsticos, aos diversos suportes da memoria coletiva, aosdiversos sistemas de produo e circulao de idias, enfim, s diferentesformas, prticas e suportes utilizados pelo homem para exercitar, atravs dosimblico, sua capacidade de criar e recriar o mundo e a si prprio.
Uma Poltica Cultural Pblica, tem como desafio primeiro, oestabelecimento de pontes entre o que lhe especfico e sua amplitudeantropolgica. Em segundo lugar, o desafio de demonstrar sua capacidade de, apartir do recorte conceitual e operacional proposto, assegurar as condies paraque a cultura consolide-se como experincia humanizadora, mas tambmrecriadora da experincia social e do exerccio da cidadania. Leis de incentivo cultura, preservao e promoo da memria, circuitos culturais, abertura deespaos culturais, etc., etc., so necessrias no s pelo que viabilizam emtermos de eventos, de produo de bens culturais, de gerao de empregos, mastambm, pelo que promovem de encontro e revelao desta inesgotvelnecessidade e capacidade do ser humano de transformar sua vida no que ossemilogos chamam de semiose infinita e intertextualidade.
Cultura e cidadania - aproximaes possveis e urgentes
Falar da Poltica Cultural como instrumento de emancipao etransformao social, significa propor a superao das relaes quetradicionalmente se consolidaram entre poder pblico e sociedade civil, emnosso pas, especialmente, mas no exclusivamente, at incio desta dcada.2Tais relaes limitaram-se por muito tempo, ora a um certo instrumentalismoestatal e partidrio, ora a um clientelismo e populismo epidmico. Atualizaresta questo de forma propositiva e atual, nos remete necessariamente questoda cidadania.
2Estou admitindo um certo avano nas 3 esferas de governana, a partir dos primeiros anosdesta dcada, no que se refere questo cultural. Tais avanos so contudo diferenciados,sugerindo uma anlise criteriosa que foge aos limites deste trabalho.
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A cidadania pode ser definida como o estatuto do cidado numasociedade, estatuto baseado na regra da lei e no princpio da igualdade.Decorre da relao entre o indivduo e o Estado, a quem o primeiro deveobedincia e ao qual este deve proteger. A condio de cidado confere umstatus ao sujeito frente ao Estado, e refere-se a um conjunto de representaes e
papeis que envolvem direitos e deveres. O termo cunhado em fins do sculoXVIII como uma resposta do Estado s reivindicaes da sociedade, acaboupor essencializar a noo de cidadania numa perspectiva liberal.REFERNCIA
A questo da cidadania est vinculada histricamente questo daconstruo do estado-nao. Isso significa que ela construda tanto atravs deum aparato institucional, quanto atravs de uma construo simblica. Acidadania pressupe democracia e estado de direito, ou seja formasinstitucionalizadas de garantia de direitos e deveres, mas tambm a construode uma relao entre identidade e nao. Estamos, portanto, falando deprocesso e no apenas de princpios. Segundo Arantes (REFERNCIA)deve-se pensar a cidadania como parte de um processo social dinmico e mltiplo ...em constante construo e mudana.
Antes de avanar, talvez seja importante alertar, como o faz EvelinaDagnino REFERNCIA,que a expresso cidadania vem sofrendo diversas edistintas apropriaes banalizadoras que, se supera o sentido tradicional eliberal do termo, acaba por produzir certo esvaziamento no conceito diluindo-o como referente a qualquer tipo de agrupamento e reivindicao.
Outra questo importante colocada por Nestor Garcia Canclini(REFERNCIA) que, analisando a sociedade contempornea, reconhece queas diferentes formas de se conceber e exercer a cidadania sempre estiveramassociadas capacidade de apropriao de bens de consumo e maneira de us-los, mas supunha-se que estas diferenas eram compensadas pela igualdade emdireitos abstratos que se concretizava ao votar, ao sentir-se representado porum partido poltico ou um sindicato. Junto com a degradao da poltica e adescrena em suas instituies, outros modos de participao se fortaleceram.
Ou seja, se por um lado o cidado moderno parece ter migrado de suacondio formal de cidado para a de consumidor, preciso reconhecer,citando Canclini, que hoje ser cidado no tem a ver apenas com os direitosreconhecidos pelos aparelhos estatais para os que nascerem em um territrio,mas tambm com as prticas sociais e culturais que do sentido depertencimento.... (REFERNCIA). Cidadania, portanto, hoje pensada comoum conjunto de princpios reguladores de reciprocidades mutuamenteconsentidas e negociadas.
Nova cidadania e a Poltica Cultural
Onde ento, procurar sentidos novos e consequentes sobre a cidadania,considerada em sua dupla dimenso, poltica e cultural ? Que novos cenriosemergem para o exerccio da cidadania ?
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Inicialmente, preciso reconhecer que a cidadania contempornea estintimamente relacionada experincia dos movimentos sociais ligados condio urbana ou rural, mas tambm condio de minorias e a movimentosalternativos. A luta pela cidadania hoje, para alm de se esgotar na luta pelodireito igualdade, se estrutura tambm, como uma luta pelo direito
diferena.Decorre destas questes, o estabelecimento de um nexo constitutivoentre a cultura e a poltica. As transformaes culturais so reconhecidas comocaminho para a construo e consolidao da democracia. justamente emcontextos de verdadeiro apartheidsocial e de generalizao da violncia, que adimenso cultural da cidadania adquire seu real significado. Em resposta perspectiva burguesa e liberal, afirma-se hoje a emergncia de uma NOVACIDADANIA que transcende o sentido tradicional de direitos formais eabstratos, caminhando na direo da inveno de novos direitos, ou de "micro-direitos", como a autonomia sobre o prprio corpo, a qualidade de vida, omulticulturalismo etc. etc.
Outra caracterstica contempornea est relacionada superao daperspectiva da cidadania como concesso das classes dominantes e do Estadopara incorporao poltica e econmica, formal e no-real, dos excludos.
surpreendente e expressiva a multiplicao de organizaes no-governamentais que instituem uma espcie de estratgia dos no-cidados,dos excludos, uma cidadania de baixo para cima, como afirma EvelinaDagnino.
Ampliada de seu sentido formalista e legalista, a luta pela cidadaniapode ser caracterizada hoje, como uma proposta de inaugurao de umasociabilidade outra que institua e garanta um desenho mais igualitrio derelaes sociais em todos os nveis. Isso significa a emergncia de cidadosativos e no apenas formais, um novo lugar poltico para a sociedade civil e oaparecimento de novos sujeitos no cenrio poltico. A nova cidadaniacaracteriza-se no apenas pela incluso mas pela participao.
Estabelecer uma relao entre cultura e cidadania no contexto dasociedade brasileira significa reconhecer que temos uma cultura abrangente euma sociedade excludente, como reconhece o Ministro da Cultura FranciscoWeffort. Se somos capazes de produzir tanta diversidade cultural, configurandosurpreendentemente, uma realidade de diversidade cultural no interior de umaunidade simblica nacional, somos tambm capazes de produzir tanta misriamaterial e homogeneizante.
Se a pluralidade caracterstica tanto da produo cultural nacional,quanto das prticas e experincias de cidadania, isso nos remetenecessariamente ao reconhecimento de que h sempre uma tenso entre adimenso universalista/nacional e os estilos e trajetrias regionais e locais. Talsingularidade leva alguns autores a afirmarem a necessidade de uma poltica deintegrao que no leva homogeneidade e o fortalecimento de umadiversidade que no contudo fomentadora de fragmentao.
Desafios existem, alguns extraordinariamente complexos : ao mesmotempo que se fortalecem movimentos sociais voltados construo da paz e do
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respeito com as diferenas, reaparecem prticas marcadas pela intolerncia,racismo e discriminao, protagonizadas por minorias radicais.
Outro complexo desafio, o de equacionar o papel decisivo que a mdiapossui na estruturao da experincia cultural e de cidadania, haja visto oprocesso de transnacionalizao e desterritorializao das identidades. Isso nos
leva a uma reflexo cada vez mais complexa sobre os novos padres desociabilidade que a sociedade da informao institui.H uma trplice dimenso da relao cultura e cidadania no Brasil
contemporneo. A maneira cada vez intensa com que o Estado descobre ocampo da cultura como importante dimenso poltica de estruturao seja deuma hegemonia burguesa seja de um projeto democrtico de participao. Adescoberta por parte da sociedade civil, de que mais que experincias formaisde participao, ou direitos abstratos, o que se quer so direitos e experinciasmais reais, mais de acordo com o universo simblico de cada um. E por fim, odesafio de associarmos a experincia local aos processos mundializados.
Como entretanto, no fazer do direito diferena uma prtica quejustifica desigualdades, como o faz a chamada direita ?. Somente atravs doreconhecimento de que direito diferena s se sustenta atravs do direito igualdade.
COMO A PARTIR DO RECONHECIMENTO DE QUE DE QUE HOJE O EXERCCIODA CIDADANIA SE FAZ MAIS ATRAVS DE GRUPOS DE CONSUMO DOS MESMOS BENSSIMBLICOS DO QUE NA PARTICIPAO E PERTENCIMENTO A ESFERAS COLETIVASE NACIONAIS, NO SE DEIXAR DESCONECTAR DA REALIDADE DA DESIGUALDADESOCIAL E DO ENFRAQUECIMENTO DA SOLIDARIEDADE COLETIVA? COMO,SEGUINDO O PENSAMENTO DE CANCLINI, NOS EMANCIPARMOS DO DESENCANTOCOLETIVISTA QUE MARCA OS ANOS 90?
A SADA PARECE ESTAR CENTRADA TANTO NA EDIFICAO DE POLTICASCULTURAIS EMANCIPATRIAS,QUANTO NA VISUALIZAO DA DIMENSO SOCIAL,
E NO INSTRUMENTALISTA,DO FAZER ARTSTICO E CULTURAL.EAQUI FALAMOSDE NOSSAS POLTICAS E PRTICAS DE DESCENTRALIZAO CULTURAL, DEPRESERVAO DE NOSSA MEMRIA,DE GARANTIAS CONDIO DE PRODUTOR EFRUIDOR DE BENS CULTURAIS,EM FIM,DE SE FAZER DA CULTURA O CAMPO,POREXCELNCIA,DE EXPERIMENTAO DO QUE GILBERTO GIL CHAMOU DE RAIZES EANTENAS,DO TENSIONAMENTO DO TRADICIONAL E DO NOVO.
UMA POLTICA CULTURAL CONTEMPORNEA DEVE CONSIDERAR :
1O FENMENO DO PLURALISMO DE IDENTIDADES,PORTANTO,ASPOLTICAS CULTURAIS DEVEM SER ABERTAS E INCLUSIVAS;
2O REPOSICIONAMENTO DAS TRADIES LOCAIS QUE PASSAM A
CONVIVER E SE TENCIONAR COM O QUE VEM DE FORA, PORTANTO,POLTICAS CULTURAIS NO PODEM ELEGER A TRADIO SEJA POPULAR OU
ERUDITA COMO INSTNCIA EXCLUSIVA DA CULTURA;
3 O LOCAL E O GLOBAL, NUMA POLTICA CULTURAL, SODIMENSES COMPLEMENTARES E NO EXCLUSIVAS. O LOCAL NO SINNIMO DE TRADICIONALISMO E IMUTABILIDADE. NEM O GLOBAL SINNIMO MECNICO DE ALIENAO. LOCAL E GLOBAL SO FORMAS
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ESPAO-TEMPORAIS DISTINTAS QUE OS SUJEITOS VIVEM DE FORMA MAISINTELIGENTE QUE AS ORGANIZAES GOVERNAMENTAIS QUE SE DEBATEM
EM POLARIDADES EXCLUDENTES;
4 CONFORME CANCLINI, UMA POLTICA CULTURAL
SER
TO
MAIS
DEMOCRTICA
QUANTO
MENOS
DOGMTICAS E MAIS INTEGRADORA DE MULTIPLASIDENTIDADES
5 SERO TO MAIS MODERNAS QUANTO A SUACAPACIDADE DE ESTABELECER DILOGO ENTRE ATRADIOEAMODERNIDADE;
VOLTANDO QUESTO INICIAL ; QUAL DEVE SER A RELAOENTREESTADOESOCIEDADENOCAMPODAGESTOCULTURAL?
CERTAMENTE A MELHOR RELAO AQUELA QUE:
1 TRATA ESTA RELAO COMO EXERCCIO DE CIDADANIACONTEMPORNEA,E NO COMO CAMPO DE CLIENTELISMO, INSTRUMENTALISMOPOLTICO,OU QUESTO DE MERCADO;
2-QUE COMPREENDA A GESTO CULTURAL COMO ALGO QUE TRANSCENDEA ADMINISTRAO DE PARCOS RECURSOS E ESPAOS, MAS OCOMPARTILHAMENTO, MESMO QUE CHEIO DE CONFLITOS E AMBIGUIDADES, DEPROJETOS COLETIVOS;
3 QUE SEM ASSEMBLEISMOS TRADICIONAIS, ESTABELEA UM DILOGOCONTINUO,MAS NO IMOBILIZANTE ENTRE SOCIEDADE E ESTADO.
4 QUE DIVIDA COM OS SETORES DA SOCIEDADE CIVIL, ARESPONSABILIDADE PELO FINANCIAMENTO DA CULTURA;
5 UMA POLTICA CULTURAL TRANSFORMADORA DEVE SER PROVEDORADE PROJETOS DE TRANSFORMAO SOCIAL QUE INAUGUREM NOVAS
HEGEMONIAS;
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DIREITOS CULTURAIS E POLTICAS PARA A CULTURA
Bernardo Novais da Mata-Machado
Esta comunicao est dividida em trs partes, conectadas por uma idia central. Na
primeira parte, so analisados os fatores de ordem poltica, social e econmica que
vm conduzindo as questes de natureza cultural ao centro das atenes mundiais.
Na segunda, mais extensa, so arrolados os direitos culturais, que integram um
conjunto maior de direitos, os chamados direitos humanos. A terceira parte discute o
problema da universalidade e da efetividade dos direitos humanos, ou seja, se eles
tm, ou no, validade universal e como poderiam ser, de fato, exercidos em sua
plenitude. A idia que conecta as trs partes a de que as polticas para a cultura,
apesar da relevncia adquirida pelas questes culturais, continuam a ocupar posio
perifrica na agenda da maioria dos governos, alm de serem conduzidas de forma
pouco profissional. Para superar essa situao que se prope, ao final, tomar os
direitos culturais como base para o planejamento dessas polticas.
I
Entre os fatores que vm dando relevncia s questes culturais ressalta, de
imediato, o atual processo de politizao da cultura. Cada vez mais, os conflitos
polticos (internos e entre as naes) esto sendo justificados por meio deargumentos culturais. Discute-se se as questes culturais esto, de fato, no cerne
desses conflitos ou se, na verdade, no passam de meras justificativas, invocadas
por lderes polticos e religiosos para mobilizar populaes desesperadas,
particularmente nos pases e regies excludos da nova ordem capitalista global.
Porm, independentemente da concluso a que chegue esse debate,
inquestionvel que os argumentos culturais - sejam eles de cunho histrico ou
religioso -, esto, de fato, contribuindo para mobilizar essas populaes.
Argumenta-se, tambm, que do ponto de vista histrico a politizao da cultura no
constitui novidade alguma. Afinal, a justificativa que sustentou o regime nazista foi
de ordem cultural: a superioridade de uma raa. Contudo, no resta dvida de que
esse fenmeno, hoje, potencializou-se e espraiou-se, pois em sua raiz est um fator
sociolgico novo: a fragmentao das identidades coletivas frente ao processo de
globalizao.
A globalizao pode ser entendida como um processo no qual o livre fluxo de
capitais, mensagens e mercadorias (incluindo as obtidas por meios ilcitos)independem das fronteiras e regulaes dos Estados-nao, que se vem, assim,
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cada vez mais limitados em sua influncia. Entre as conseqncias dessa situao
situa-se o enfraquecimento do poder mobilizador das identidades nacionais,
sustentadas pelos Estados, e a retomada, por diferentes comunidades humanas, de
identidades pretritas fundadas em antigas tradies.1
A fragmentao das identidades coletivas, por sua vez, tambm no pode ser
considerada uma novidade histrica. Desde o final da dcada de 1950, movimentos
sociais como os das mulheres, negros e indgenas, entre outros, introduziram
valores que comearam a competir com aqueles que, a partir do sculo XVIII at a
metade do XX, haviam cimentado as identidades coletivas: o pertencimento a
determinada nao ou classe social. O que distingue o atual processo de
fragmentao que os movimentos recentes (a partir da dcada de 1980), ao invs
de afirmarem novas identidades, apelam para valores do passado, caracterizando-se, na definio de Castells, como movimentos reativos. 2
Ativos ou reativos, o fato que os movimentos de identidade esto multiplicando os
desafios tradicionalmente enfrentados pelas polticas culturais. Acostumados a cuidar
apenas da construo e conservao das identidades nacionais e subnacionais, os
governos se vem, quotidianamente, diante de demandas culturais cada vez mais
complexas. Se a esse fenmeno for acrescentado o processo de interpenetrao das
culturas, provocado pela migrao das populaes pobres em busca de melhores de
condies de vida, tem-se a exata dimenso desses novos desafios.
A conjuno de uma srie de fatores de natureza econmica tambm contribuiu para
a atual relevncia da temtica poltico-cultural. Nas duas ltimas dcadas, a
produo industrial de bens de consumo cultural vem crescendo, juntamente com
seu valor econmico, estimulado, entre outras razes, pelo desenvolvimento de
indstrias correlatas, como as de turismo e entretenimento. Segundo dados da
Unesco, o comrcio mundial de bens culturais triplicou no perodo 1980-1995,
1 Essa afirmao pode soar estranha aps os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 e as
manifestaes de nacionalismo explcito desencadeadas nos Estados Unidos. Recorde-se, tambm, da
grande mobilizao dos franceses por ocasio da conquista da Copa do Mundo de Futebol, em 1998; ou,
ainda, das comemoraes dos 500 anos do Brasil, que dividiram o mundo oficial e os movimentos
sociais. Nada disso, entretanto, anula o argumento acima, que parte do pressuposto - defendido por
Manuel Castells - de que Estado e Nao so entidades distintas. O que est enfraquecendo no a
idia nem o sentimento de nao, mas o Estado-nao enquanto estrutura de poder. Em conseqncia,
o que vem perdendo a hegemonia so os valores identitrios construdos e preservados por esses
Estados, o que no significa que outras manifestaes em defesa das identidades nacionais estejam em
refluxo.
2CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. So Paulo: Paz e Terra, 1999. (A era da informao:
economia, sociedade e cultura; v. 2).
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passando de US$ 67 bilhes para US$ 200 bilhes, com destaque para o segmento
de produtos audiovisuais.
A valorizao dos bens culturais deve-se, tambm, a caractersticas especficas
desses produtos: sua singularidade, unicidade e, s vezes, raridade. Num quadro decrescente estandardizao dos bens e servios, processo acentuado pela
globalizao do comrcio, tais caractersticas tornam o bem cultural ainda mais
atrativo e valorizado.
A soma de todos esses fatores - politizao da cultura, fragmentao das identidades
coletivas, interpenetrao mundial das culturas e incremento econmico da produo
- introduziu uma srie de novos problemas de poltica cultural. Nesse contexto, essa
poltica passou a necessitar de uma base conceitual mais slida, tal como proposta
pela doutrina dos direitos culturais.
II
Os direitos culturais so parte integrante dos direitos humanos, cuja histria
remonta Revoluo Francesa e sua Declarao dos Direitos do Homem e do
Cidado (1789), que sustentou serem os indivduos portadores de direitos inerentes
natureza humana, tais como os direitos vida e liberdade.
Da em diante, a evoluo dos direitos humanos foi marcada por marchas e
contramarchas, aes e reaes. Como argumenta Norberto Bobbio, esses direitos,
ditos naturais, so, na verdade, histricos.3 Sua origem deve ser buscada em
momentos especficos da histria da humanidade, quase todos marcados por lutas
polticas - pelas liberdades - e lutas sociais - pela igualdade.
Com certeza, uma das fases mais terrveis da histria dos direitos humanos se deu
quando, no sculo XX, emergiram os regimes totalitrios. De fato, o totalitarismo, ao
tratar os seres humanos como coisas suprfluas e descartveis, inaugurou o mundo
do vale-tudo, esfacelando, dessa forma, os padres e categorias que, com base
na idia de um Direito Natural, constituam o conjunto da tradio ocidental, a qual
havia historicamente feito da pessoa humana um v a l o r - f o n t e da experincia tico-
jurdica. 4
3BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
4 LAFER, Celso. A reconstruo dos direitos humanos: a contribuio de Hannah Arendt. In: Estudos
Avanados, Universidade de So Paulo (Instituto de Estudos Avanados), v. 11, n. 30, mai/ago, 1997.
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A ruptura dessa tradio ensejou, aps a vitria dos pases aliados na Segunda
Guerra Mundial, uma resposta vigorosa, consubstanciada na Declarao Universal
dos Direitos do Homem (1948). Alm da retomada da tradio rompida, a
Declarao fez avanar o alcance e o contedo dos direitos humanos, incorporando
ordem jurdica internacional os direitos que haviam sido conquistados no interregnoentre a Revoluo Francesa e a emergncia da Segunda Guerra, particularmente os
direitos econmicos, sociais e culturais.
Embora indivisveis em seu exerccio, para fins analticos os direitos humanos so
divididos em civis, culturais, econmicos, polticos e sociais. Dentre eles, os
culturais so os menos conhecidos e por isso chamados de primos pobres dos
direitos humanos.5Para uma sntese dos direitos culturais foram consultados vrios
documentos da ONU/Unesco.
6
Um deles, o Informe da Comisso Mundial de Culturae Desenvolvimento, denominado Nossa Diversidade Criativa (1996), enfatizou a
necessidade de se elaborar um inventrio dos direitos culturais, j que eles se
encontram formulados de maneira fragmentada e dispersa nos vrios instrumentos
existentes sobre os direitos humanos. Embora a Unesco tenha encomendado a
elaborao desse cdigo a um grupo de intelectuais,7 que se disps a redigir uma
Declarao especfica sobre essa matria, propomos, de antemo, a seguinte lista de
direitos culturais: direito autoral, direito participao na vida cultural (que engloba
os direitos livre criao, livre fruio, livre difuso e livre participao nas decises
de poltica cultural), direito identidade cultural (ou de proteo do patrimnio
cultural) e direito/dever de cooperao cultural internacional.
O primeiro direito cultural internacionalmente estabelecido foi o direito autoral.
Historicamente, esse direito nasceu dos processos revolucionrios na Inglaterra
5 Ver SYMONIDES, Janusz. Derechos Culturales: una categoria descuidada de derechos humanos.
Http://www. Unesco.org/issj/rics 158.6 Declarao Universal dos Direitos do Homem (1948); Conveno Universal sobre Direito de Autor
(1952); Conveno sobre a Proteo dos Bens Culturais em caso de Conflito Armado (1954); Pacto
sobre os direitos econmicos sociais e culturais (1966); Pacto dos Direitos Civis e Polticos (1966);
Declarao dos Princpios da Cooperao Cultural Internacional (1966); Conveno sobre a Proteo do
Patrimnio Mundial, Cultural e Natural (1972); Recomendao sobre a Participao dos Povos na Vida
Cultural (1976); Recomendao sobre o Status do Artista (1980); Declarao do Mxico sobre Polticas
Culturais (1982); Recomendao sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (1989); Informe
da Comisso Mundial de Cultura e Desenvolvimento (1996). A Declarao Universal sobre a Diversidade
Cultural (2001) e a Conveno sobre a Proteo e a Promoo da Diversidade das Expresses Culturais
(2005).7No artigo citado na nota 6, Janusz Symonides informa sobre o chamado grupo de Friburgo, formado
por especialistas encarregados de preparar o projeto de uma Declarao internacional sobre os direitos
culturais.
4
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(1688), Estados Unidos (1776) e Frana (1789), dos quais resultaram atos legais
reconhecendo a criao intelectual e artstica como a mais legtima e a mais pessoal
das propriedades.8Isso porque as obras passaram a ser compreendidas no apenas
em sua dimenso material como algo que, concretamente, pertence ao seu autor
mas tambm em sua dimenso moral, ou seja, como emanaes da personalidadedo indivduo.
A Conveno de Berna para a Proteo das Obras Literrias e Artsticas, proclamada
num encontro realizado em 1886, foi o primeiro documento a consagrar,
universalmente, os direitos dos autores sobre suas obras. Nesse perodo, invenes
como o fongrafo, a fotografia e o cinema haviam aumentado consideravelmente as
possibilidades de reproduo dos bens culturais, resultando no crescimento do
contingente de consumidores e produtores e na formao de um mercado cultural.Em conseqncia, cresceu a autonomia econmica, social, poltica - e tambm
criativa - dos intelectuais e artistas.
Aps a Segunda Guerra, o direito autoral foi internacionalmente reforado na
Declarao Universal dos Direitos do Homem (artigo XXVII) e, mais tarde, na
Conferncia Intergovernamental sobre o Direito de Autor, da qual resultou a
Conveno Universal sobre Direito de Autor (1952). Em 1967, foi criada a
Organizao Mundial da Propriedade Intelectual transformada, em 1974, em rgo
especializado das Naes Unidas.
Embora o direito autoral, entre os direitos culturais, seja o mais garantido do ponto
de vista jurdico, atualmente ele est sendo alvo de um cerrado bombardeio. Cada
vez mais, o impacto da tecnologia digital afasta o criador da criao, pulverizando
os mecanismos de defesa da obra no mbito das redes de comunicao eletrnica. 9
Todavia, as ameaas a esse direito no vm somente das redes eletrnicas, mas,
sobretudo, das estratgias do comrcio, da indstria e das finanas transnacionais,
que envolvem, basicamente, o ataque s regulamentaes que limitam os lucros docapital. Condicionando seus investimentos ao mnimo de restries, o capital global
tem provocado iniciativas de desregulamentao que atingem de forma direta os
direitos econmicos e sociais. Atualmente, esse bombardeio assesta sua mira
tambm sobre os direitos culturais. O Acordo Multilateral de Investimentos (AMI),
8Ver: RAMOS, Jorge Jos Lopes Machado. O Artista e os Direitos da Criao; um apartheid autoral? In:
Reflexes sobre o Direito Autoral. Rio de Janeiro: Fundao Biblioteca Nacional (Departamento
Nacional do Livro), 1997.
9PONTES NETO, Hildebrando.A propriedade intelectual e as redes eletrnicas. In: Reflexes sobre o
Direito Autoral. Rio de Janeiro: Fundao Biblioteca Nacional (Departamento Nacional do Livro), 1997.
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negociado a partir de 1995 no mbito da Organizao para a Cooperao e
Desenvolvimento Econmico (OCDE), que rene os 29 pases mais ricos do mundo,
pretendeu incluir entre suas clusulas a subsuno do direito autoral propriedade
industrial.10Na prtica isso significaria retirar do indivduo criativo o direito de autor
e reserv-lo, exclusivamente, aos conglomerados da indstria cultural. Alertadas,associaes no governamentais e entidades sindicais, particularmente de diretores
de cinema, atores e compositores, mobilizaram-se e conseguiram sustar
temporariamente esse acordo.
No cerne da disputa que ento se travou defrontaram-se duas posies. Uma
sustenta que o bem cultural nada mais do que mero produto industrial e comercial,
sujeito, portanto, unicamente s regras do mercado: a competitividade e a
lucratividade. A outra posio entende que os bens culturais - as obras de arte e decincia - so portadores de idias, valores e sentidos, destinando-se, principalmente,
a ampliar a conscincia sobre o ser e o estar no mundo. Assim considerados,
inadmissvel submet-los to somente ao jogo mercado.
O segundo direito cultural estabelecido no plano internacional foi o direito livre
participao na vida cultural: toda pessoa tem o direito de participar livremente
da vida cultural da comunidade, de gozar das artes e de aproveitar-se dos
progressos cientficos e dos benefcios que deles resultam, proclama o artigo XXVII
da Declarao Universal. Nos termos em que foi originalmente formulado, fica
evidente a preocupao de universalizar o acesso aos bens culturais, mas esse
direito, na verdade, envolve muito mais do que isso. Com efeito, analisando o
conjunto dos documentos, pode-se subdividir o direito participao na vida cultural
em quatro categorias: liberdade de criao, fruio (ou acesso), difuso e
participao nas decises de poltica cultural.
Assim compreendido, o efetivo exerccio do direito participao na vida cultural
pressupe a generalizao da educao artstica e cientfica, bem como o apoioconcreto aos indivduos, grupos e instituies que se dedicam ao fazer artstico e
intelectual. Nesse sentido, a Recomendao sobre o Status do Artista (1980)
convoca expressamente os governos dos Estados membros da ONU a ajudar a criar
e sustentar no apenas um clima de encorajamento liberdade de expresso
artstica, mas tambm as condies materiais que facilitem o aparecimento de
talentos criativos.(grifo nosso).
10 OBSERVATOIRE DE LA MONDIALISATION. Lumier sur l AMI; Le test de Dracula. Paris: LEsprit
frappeur, 1998.
6
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No que diz respeito difuso, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, ao
tratar da livre expresso do pensamento, assegura a todas as pessoas a liberdade
de procurar, receber e difundir informaes e idias de qualquer natureza,
independentemente de consideraes de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em
forma impressa ou artstica, ou qualquer outro meio de sua escolha. Excetuando-se,obviamente, os casos que envolvem a reputao das demais pessoas e as
manifestaes contrrias aos princpios fundamentais dos direitos humanos, tais
como a propaganda a favor da guerra e a apologia do dio nacional, racial ou
religioso (artigos XIX e XX).
O direito livre difuso est intimamente relacionado ao direito informao, que
pressupe democratizar os meios de comunicao. Esse tema, contudo, vem sendo
discutido apenas nas instncias que formulam as polticas de comunicao, aindapouco articuladas com as de poltica cultural. A temtica das redes eletrnicas,
rdios e televises educativas, culturais e comunitrias, canais a cabo e cotas de
programao regional nas redes comerciais de televiso ainda necessita ser
devidamente includa na pauta das polticas culturais.
Em 1982, a Declarao do Mxico sobre as Polticas Culturais postulou uma outra
dimenso do direito participao na vida cultural: a ampla presena dos indivduos
e da sociedade no processo de tomada de decises que concernem vida cultural.
Para tanto, recomendou-se multiplicar as ocasies de dilogo entre a populao e
os organismos culturais, particularmente atravs da descentralizao geogrfica e
administrativa da poltica cultural. Embora no aparea de forma explcita em
nenhum dos documentos, pressupe-se que essa descentralizao, alm de
geogrfica e administrativa, deva ser tambm sociolgica. Historicamente, as
polticas culturais tm tido como clientes preferenciais os artistas e intelectuais
eruditos e, como pblico-alvo, os estratos privilegiados da populao. Salvo
excees, essas polticas tm sido instrumento de consagrao de um grupo limitado
de criadores e fator de distino de uma classe social, cujos membros se considerammais aptos para a fruio das artes e das cincias. Ora, se o direito participao
garantido a todos, indiscriminadamente, segue-se que as polticas pblicas tm por
obrigao tratar cada cidado como um agente cultural em potencial, seja ele
produtor, consumidor ou ambos. Para tanto, necessrio criar instncias e
mecanismos de participao, tais como os conselhos, comisses e audincias
pblicas.
At aqui, abordamos os direitos culturais garantidos ao indivduo. Passemos, ento,aos direitos assegurados aos povos: o direito identidade cultural e o direito-
7
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dever de cooperao cultural internacional, ambos profundamente
relacionados.
A origem do direito identidade cultural (ou de proteo do patrimnio cultural)
situa-se, historicamente, nos mesmos movimentos revolucionrios da Inglaterra(1688) e particularmente da Frana (1789). Foi a partir dessas revolues que
nasceram as primeiras leis de proteo ao patrimnio histrico e artstico, os
primeiros museus pblicos, as bibliotecas, teatros e arquivos nacionais, alm dos
conservatrios de artes e ofcios. A funo bsica dessas instituies foi a de
materializar os novos valores - Nao, Povo e Estado -, fix-los no imaginrio dos
indivduos e assim obter a coeso social em torno desses smbolos. Dessa forma, o
direito identidade nasceu umbilicalmente ligado aos Estados nacionais. Na medida
em que foram se sucedendo guerras cada vez mais destruidoras, encontrosinternacionais aprovaram documentos, como a Conveno de Haya (1899) e o Pacto
de Washington (1935), que estabeleceram princpios relativos proteo do
patrimnio cultural em caso de guerra. Aps a Segunda Guerra Mundial, quando
ocorreram verdadeiros saques ao patrimnio cultural dos pases ocupados, esse
direito foi definitivamente elevado esfera internacional. Em 1954, a Unesco
proclamou a Conveno sobre a Proteo dos Bens Culturais em caso de Conflito
Armado, documento pelo qual os Estados membros comprometeram-se a respeitar
os bens culturais situados nos territrios dos pases adversrios, assim como a
proteger seu prprio patrimnio em caso de guerra. Essa conveno foi emendada
em 1999, a fim de dar conta das novas formas de destruio engendradas pela
Guerra do Golfo.
O movimento ecolgico, que ganhou mpeto a partir da dcada de 1970, tambm
contribuiu para a elevao desse direito ao plano mundial. Considerando que a
deteriorao e o desaparecimento de um bem natural, ou cultural, constituem um
empobrecimento nefasto do patrimnio de todos os povos do mundo, a Unesco
aprovou, em 1972, a Conveno sobre a Proteo do Patrimnio Mundial, Cultural eNatural. Nessa mesma reunio, foram criados o Comit do Patrimnio Mundial e o
Fundo do Patrimnio Mundial, destinado a apoiar a proteo e a conservao dos
bens constantes da Lista do Patrimnio Mundial. Nos termos dessa conveno, os
Estados membros reconheceram ser deles a responsabilidade primordial de
identificar, proteger, conservar, reabilitar e transmitir s geraes futuras o
patrimnio cultural e natural situado em seus respectivos territrios. O vnculo entre
patrimnio cultural e ambiental foi reforado na Declarao Universal sobre a
Diversidade Cultural, de 2001, que defende o princpio segundo o qual adiversidade cultural , para o gnero humano, to necessria como a diversidade
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biolgica para a natureza, e por isso deve ser reconhecida e consolidada em
beneficio das geraes presentes e futuras. Referindo-se ao atual processo de
globalizao, esse mesmo documento considera que a tolerncia e o respeito
diversidade cultural esto entre as melhores garantias da paz e da segurana
internacionais e que a globalizao, apesar de constituir um desafio para adiversidade cultural, cria condies de um dilogo renovado entre as culturas e as
civilizaes. Entretanto, esse dilogo, no entanto, s possvel nos marcos da
democracia, o que pressupe o respeito ao pluralismo cultural, entendido como a
resposta poltica realidade da diversidade cultural.
A Conveno do Patrimnio e a Declarao do Mxico definem como patrimnio
cultural de um povo as obras de seus artistas, arquitetos, artesos, escritores e
sbios, as criaes annimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores quedo sentido vida. Inclui a lngua, os ritos, as lendas, mitos e crenas, os lugares e
monumentos histricos, paisagsticos, arqueolgicos e etnolgicos, alm das
instituies dedicadas proteo desse patrimnio, como os arquivos, bibliotecas e
museus. Os mesmos documentos reafirmam o direito dos povos de proteger seu
patrimnio cultural, vinculando-o soberania e independncia nacionais.
Situao especfica, e no menos importante, a dos pases onde existem minorias
tnicas, religiosas ou lingsticas. Nesses casos, o artigo XXVII do Pacto dos Direitos
Civis e Polticos assegura aos membros desses grupos o direito de ter sua prpria
vida cultural, de professar e praticar sua prpria religio e usar sua prpria lngua.
Em 1992, a ONU aprofundou esses princpios na Declarao sobre os Direitos das
Pessoas Pertencentes s Minorias Nacionais, tnicas, Religiosas e Lingsticas, na
qual se formula a obrigao dos Estados membros de proteger a identidade cultural
das minorias existentes em seus territrios. Na atual conjuntura, marcada pela
fragmentao das identidades coletivas e pelo enfraquecimento dos Estados
nacionais, esse princpio adquire importncia capital. A chamada identidade nacional,
em nome da qual foram praticados verdadeiros atos de genocdio, no - e nuncapoderia ter sido vista como tal - um bloco monoltico. No , tambm, um conjunto
maior do que as partes. Cada subcultura constitui, em si mesma, um todo
independente. Por mais complexo que isso possa parecer - e de fato o - a
identidade nacional deve ser encarada como um todo, composto de todos.
Ainda sobre o direito identidade cabe destacar a Recomendao sobre a
Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular (1989). Esse documento define cultura
popular como o conjunto de criaes, fundadas na tradio, que emanam de umacomunidade cultural pela expresso de grupos ou indivduos e que,
9
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reconhecidamente, respondem s expectativas dessa comunidade enquanto
manifestao da sua identidade cultural e social. Considerando que a cultura
popular deva ser protegida por e para o grupo cuja identidade expressa, e
reconhecendo que as tradies evoluem e se transformam, a Recomendao insiste,
basicamente, na necessidade dos Estados membros apoiarem a investigao e oregistro dessas manifestaes, a fim de assegurar o conhecimento, o acesso e a
difuso das tradies populares. No obstante, temendo que a cultura popular venha
a perder seu vigor sob a influncia da cultura industrializada, difundida pelos meios
de comunicao de massas, recomenda-se aos Estados que incentivem a
salvaguarda dessas tradies, no s dentro das coletividades das quais procedem
mas tambm fora delas.
Finalmente, cabe citar a Conveno sobre a proteo e a promoo da Diversidadedas Expresses Culturais, aprovada pela Unesco em 2005. Esse documento, alm de
reafirmar os princpios defendidos na Declarao de 2001 sobre a Diversidade
Cultural, chama a ateno para a necessidade de integrar a cultura como elemento
estratgico nas polticas nacionais e internacionais de desenvolvimento. Embora
reforcem a necessidade do dilogo e da tolerncia entre as culturas, os Estados
signatrios da Conveno, temendo que no contexto da liberalizao comercial
possam ocorrer desequilbrios entre pases ricos e pases pobres, reafirmam o
direito soberano dos Estados de implementar as polticas e medidas que eles
julgarem apropriadas para a proteo e a promoo da diversidade das expresses
culturais em seu territrio. No entanto, reconhecem o papel fundamental da
cooperao internacional e da participao da sociedade civil na proteo e
promoo da diversidade cultural.
No ano de 1966, em plena Guerra do Vietn, os Estados membros da Unesco,
preocupados com a paz mundial, proclamaram a Declarao de Princpios da
Cooperao Cultural Internacionale instituram, assim, um novo direito cultural: a
cooperao cultural um direito e um dever de todos os povos e de todas asnaes, que devem compartilhar o seu saber e os seus conhecimentos, diz seu
artigo quinto. Essa Declarao considera o intercmbio cultural como essencial
atividade criadora, busca da verdade e ao cabal desenvolvimento da pessoa
humana. Afirma que todas as culturas tm uma dignidade e um valor que devem
ser respeitados e que atravs da influncia que exercem umas sobre as outras
que se constitui o patrimnio comum da humanidade.
A Declarao do Mxico aprofundou esses princpios ao defender ser indispensvelreequilibrar o intercmbio internacional, a fim de que as culturas menos conhecidas
10
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sejam mais amplamente difundidas em todos os pases. Enfatizou, ainda, a
importncia do intercmbio cultural nos esforos de instaurao de uma nova ordem
econmica mundial.
O vnculo entre os direitos identidade e cooperao cultural profundo. Se, porum lado, reconhecido o direito de cada povo defender seu prprio patrimnio, de
outro, esses mesmos povos tm o dever de promover o intercmbio entre si. Ou
seja, nenhum pas, regio, grupo tnico, religioso ou lingstico poder invocar suas
tradies para justificar qualquer tipo de agresso, pois acima dos valores de cada
um est o patrimnio comum da humanidade, cujo enriquecimento se dar na
mesma proporo em que o intercmbio cultural for incrementado.
III
No h dvida, os direitos humanos, entre eles os culturais, esto carregados de
boas intenes. Mas como torn-los efetivos? E como saber se eles tm validade
universal? No seriam prprios do mundo ocidental?
De fato, a crtica mais recente aos direitos humanos tem centrado seu ataque
pretenso dessa doutrina validade universal, j que ela pode ser compreendida
como patrimnio exclusivo da cultura ocidental e, em conseqncia, inadaptada ao
mundo oriental. Trata-se de uma crtica de natureza cultural, o que levou o socilogodo direito, Boaventura de Souza Santos, a escrever que, hoje, a poltica dos direitos
humanos , basicamente, uma poltica cultural (...). Ora, falar de cultura e de
religio falar de diferena de fronteiras, de particularismos. Como podero os
direitos humanos ser uma poltica simultaneamente cultural e global?.11
Na tentativa de responder, esse autor prope reconceitualizar os direitos humanos a
partir de uma perspectiva que ele denomina multiculturalismo. Reconhecendo que o
conceito de direitos humanos est assentado num conjunto de pressupostos
tipicamente ocidentais, e que at mesmo a pretenso universalidade um
desiderato prprio dessa cultura, Boaventura Santos sugere a instituio de um
dilogo intercultural que tome como ponto de partida as diferentes concepes de
dignidade humana existentes nas diversas culturas. O autor acredita que esse
dilogo possa levar, eventualmente, a uma concepo mestia de direitos humanos,
uma concepo que, em vez de recorrer a falsos universalismos, se organize como
11SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepo multicultural de direitos humanos. In: FELDMAN-
BIANCO, Bela & CAPINHA, Aranha (orgs), Identidades: estudos de cultura e poder. So Paulo:
Hucitec, 2000.
11
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uma constelao de sentidos locais, mutuamente inteligveis, e se constitua em
redes de referncias normativas capacitantes. 12
O pano de fundo histrico no qual se desenrola a crtica cultural sobre a
universalidade dos direitos humanos tem relao com os hoje denominados valoresasiticos, invocados por autoridades polticas e seus porta-vozes intelectuais para
justificar regimes autoritrios na sia. Partem da suposio de que as culturas
confucianas tendem a ressaltar a disciplina em vez dos direitos e a lealdade em vez
das pretenses.13Essa postura francamente refutada na obra de Amartya Sen,
Desenvolvimento como Liberdade. Esse economista, alm de criticar qualquer
generalizao sobre a sia, regio vasta, diversificada e onde vive 60% da
populao mundial, cita vrios autores, entre eles o prprio Confcio, para
demonstrar a existncia de idias ditas ocidentais - como a liberdade e a tolerncia- tambm no pensamento chins, rabe, hindu e islmico. Da mesma forma como
podem ser encontradas, na histria do Ocidente e do Oriente, idias e prticas
antidemocrticas e intolerantes.
Feita essa constatao, possvel voltar pergunta sobre como tornar efetivo o
exerccio dos direitos humanos. inegvel que existe uma grande distncia entre a
doutrina e a prtica. Essa defasagem manifesta-se, entre outros motivos, pela
inexistncia de uma jurisdio internacional dotada de autoridade suficiente para
exigir dos indivduos, grupos e Estados nacionais o cumprimento dos direitos
humanos; e para puni-los, caso sejam violados. Nessas circunstncias, a garantia do
exerccio desses direitos depende da sua incluso nas Constituies e leis nacionais,
das presses que partem de uns Estados sobre outros ou de movimentos
internacionais de opinio pblica.
O problema se agravou ainda mais com o processo de globalizao econmica, que
vem debilitando a soberania dos Estados, forando-os a se submeterem aos ditames
do mercado capitalista global, o que inclui limitar, nas leis nacionais, os direitoseconmicos e sociais. Diante desse fato, Jos Eduardo Faria faz uma pergunta
fundamental: se a histria dos direitos humanos sempre esteve relacionada ao
Estado seja para limit-lo em seu poder (como fazem os direitos civis e polticos),
seja para exigir dele o cumprimento de polticas de bem-estar (como estabelecem os
12Id. Ibidem.13SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.
12
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direitos econmicos, sociais e culturais) -, o que fazer agora em que o poder desse
mesmo Estado est sendo relativizado pelo fenmeno da globalizao? 14
A resposta do autor, que tambm a nossa, est na luta poltica:
se no plano estritamente jurdico-positivo o panorama [dos direitos humanos]
parece sombrio e cinzento (...) o mesmo j no ocorre no plano poltico. Aqui os
direitos humanos seguramente continuaro constituindo importante critrio para
animar e orientar as lutas em prol da revitalizao da liberdade e da dignidade
humana... 15
Parte dessa luta inclui transformar as polticas de cultura - do plano local ao mundial
- num espao efetivo de exerccio dos direitos culturais.
POLTICA CULTURAL
Bernardo Novais da Mata Machado
I
COMPONENTES DAS POLTICAS CULTURAIS
1. DISTINO ENTRE POLTICA GOVERNAMENTAL DE CULTURA (PGC) E POLTICAPBLICA DE CULTURA (PPC)
PGC PPC
OBJETIVOSLegitimao
Promoo dos governos
Legitimao
Universalizao dosdireitos culturais
PLANEJAMENTOCurto prazo
(gesto governamental)
Longo prazo
PRIORIDADES Eventos Servios culturaispermanentes
PARTICIPAO Baixa Alta
A Poltica Governamental de Cultura (PGC) visa legitimao dos governos e a
promoo dos governantes; d prioridade aos eventos; planeja para o curto prazo
da gesto governamental e a fim de no introduzir novos objetivos, evita a
participao da populao na tomada de decises.
14FARIA, Jos Eduardo. Direitos humanos e globalizao econmica: notas para uma discusso. In:
Estudos Avanados, Universidade de So Paulo (Instituto de Estudos Avanados). So Paulo: IEA, v.
1, n. 1. 1987.15Idem, ibidem.
13
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A Poltica Pblica de Cultura (PPC) objetiva, alm da legitimao, a universalizao
dos direitos culturais; d prioridade aos servios culturais permanentes (sem
desconsiderar a importncia dos eventos); planeja para o longo prazo e estimula o
dilogo e a participao da populao.
2. FORMAS DE ESTADO E PARADIGMAS DAS POLTICAS CULTURAIS16
FORMAS DE ESTADOPOLTICASCULTURAIS
(paradigmas)INSTITUIES PROFISSIONAIS
Estado Liberal Cultura Patrimonial
Museus nacionais
Bibliotecas nacionais
Teatros nacionais
Conservatrios
Restaurador
Bibliotecrio
Corpos estveis
Professor de arte
Estado SocialDemocrtico
Democratizao dacultura
Casas de cultura(polivalentes edescentralizadas)
Animador Cultural
Estado Totalitrio Estatizao da cultura
Departamentos depropaganda
Censura
Publicitrio
Censor
Estado Neoliberal Privatizao dacultura
Fundaes Captador
Estado Social Liberal Democracia cultural Centros socioculturais Agente culturalcomunitrio
Gestor cultural
Cultura Patrimonial: objetiva legitimar os valores de NAO, POVO e ESTADO,
atravs da conservao de bens materiais (objetos, livros, etc) e imateriais, como
as artes (conservatrios de artes e ofcios, corpos estveis: orquestras, companhias
de teatro, dana e pera);
Democratizao da Cultura: objetiva fazer com que o patrimnio acumulado
chegue mais prximo dos cidados (casas de cultura descentralizadas e
polivalentes);
Estatizao da Cultura (cultura oficial): objetiva o controle estatal das
expresses culturais, limitadas legitimao dos ideais e prticas totalitrias;
16Esse quadro foi parcialmente inspirado na aula denominada "Marcos Institucionais e Poltica Cultural
na Europa", de Eduard Miralles, professor do curso de mestrado em Gesto Cultural (especializao em
Cooperao Cultural Iberoamericana) da Universidade de Barcelona (jan./fev. de 1998).
14
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Privatizao da Cultura: objetiva reduzir, em funo da crise fiscal (inflao de
demandas > dficit pblico > incapacidade de investir), a participao do Estado no
setor cultural atravs do corte de recursos oramentrios e de estmulos auto-
sustentao dos espaos culturais e instituio de fundaes de direito privado;
Democracia Cultural: objetiva a construo da democracia partindo da sociedade
para o Estado (de baixo para cima) e no como no conceito de democratizao da
cultura, como imposio do Estado (de cima para baixo).
3 AO CULTURAL: EVENTOS E SERVIOS PERMANENTES
3.1.. Servios Permanentes:
a) Criao e manuteno de espaos culturais:
Direitos culturais assegurados: participao na vida cultural (criao, acesso e
difuso); direito identidade cultural (museus, arquivos e centros de referncia);
Objetivos: guarda de acervos (para entretenimento, consulta, pesquisa e
leitura), realizao de exposies, espetculos e reunies;
Procedimentos: obras, reformas, aluguis, aproveitamento de espaos abertos
(praas, parques, ruas);
Tendncias contemporneas :
criao de espaos culturais polivalentes (contendo uma biblioteca, umasala de exposies e um auditrio) e transformao dos espaos
especializados (como museus e bibliotecas) em espaos de uso mltiplo;
utilizao de espaos abertos;
descentralizao.
b) Registro, proteo e promoo da memria e do patrimnio cultural:
Direito cultural assegurado: identidade cultural;
Objetivo: construo de identidades coletivas atravs da identificao deheranas comuns;
Componentes: bens materiais (mveis e imveis) e imateriais;
Procedimentos:
implantao de museus e arquivos (guarda, conservao, restaurao);
processo de tombamento (instrumento que garante a proteo legal do
bem cultural);
Tendncias contemporneas:
caso brasileiro:
15
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Ampliao do conceito de patrimnio: da proteo de bens culturais
vinculados a fatos memorveis da histria e de excepcional valor (Decreto-
lei 25/37) para > proteo de bens portadores de referncia identidade,
ao e memria dos diferentes grupos formadores da sociedade (art.
216 da Constituio);
Colaborao entre poder pblico e comunidade na proteo do
patrimnio cultural;
Proteo especial s culturas populares, indgenas e afro-brasileiras;
no plano internacional:
Alm da ampliao do conceito, o estabelecimento de normas de
proteo do Patrimnio Cultural da Humanidade.
c) Apoio produo e difuso de bens culturais: Direito cultural assegurado: participao na vida cultural (criao, acesso e
difuso);
Procedimentos:
De apoio produo:
financiamento: fundos pblicos, emprstimos bancrios, antecipao de
receitas presumidas, renncia fiscal;
promoo de concursos e prmios;
disponibilizao de espaos;
doao ou facilitao a compra de equipamentos e matrias primas
(instrumentos musicais, refletores, tintas, material fotogrfico, etc.).
De apoio difuso:
organizao de feiras, festivais, exposies e circuitos (circulao de
bens culturais);
elaborao de calendrios culturais, guias tursticos, folders;
divulgao dos bens culturais em outras praas;
criao de rdios e TVs educativas e culturais (produo e difuso);
reserva legal de espaos (programao regional nos meios de
comunicao e reserva de tela);
subsdios preos de ingressos;
Tendncias contemporneas (caso brasileiro): leis de incentivo com base na
renncia fiscal.
d) Formao de recursos humanos:
16
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Direitos culturais assegurados: participao na vida cultural (criao);
cooperao cultural internacional (programas de intercmbio para a juventude);
Objetivos: despertar vocaes e preparar para o trabalho;
Procedimentos: cursos, oficinas, escolas de arte, manuteno de corpos
estveis, concesso de bolsas de estudo;
Tendncias contemporneas: cursos e oficinas de curta durao vinculados
gerao de emprego e renda; cursos superiores de gesto cultural.
e) Incentivo leitura:
Direitos culturais assegurados: livre expresso do pensamento, participao
na vida cultural (fruio);
Procedimentos: implantao de bibliotecas, hemerotecas, midiatecas;
programas de circulao de livros; programas para despertar o interesse e ogosto pela leitura;
Tendncias contemporneas: a leitura vista em sentido amplo, ou seja, como
todas as relaes entre indivduos e linguagens, expressas em distintos suportes
(livros, filmes, vdeos, sons, computadores, etc).
f) Polticas Socioculturais:
Direitos culturais assegurados : participao na vida cultural; identidade
cultural;
Procedimentos: programas especficos para setores marginalizados e
discriminados: pela idade: crianas, adolescentes e idosos; pelas condies de
sade: portadores de deficincias fsicas e mentais; pelo confinamento:
populaes prisionais, asilares e hospitalizadas; pelo local de moradia:
populaes sem teto, sem terra, assentadas e faveladas; pela etnia: populaes
indgenas e afro-brasileiras; pelo gnero: mulheres; pela opo sexual;
Tendncias contemporneas: polticas socioculturais como instrumento gerador
de: cidadania (conscincia de direitos); coeso e paz social; emprego e renda.
g) Intercmbio Cultural:
Direito (e dever) cultural assegurado: cooperao cultural;
Objetivos: difundir conhecimentos, enriquecer as culturas, promover a paz;
Procedimentos: organizao de circuitos culturais e eventos (festivais,
seminrios, mostras); concesso de meios de transporte;
Tendncias contemporneas:
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relao direta entre culturas locais (formao de redes de cidades) e
constituio de blocos regionais/internacionais (como a Unio Europia e o
Mercosul);
diplomacia popular (no governamental): fluxos comunicativos
desterritorializados por intermdio de redes eletrnicas.
3.2. Eventos (fatores a serem considerados)
a) Porte: grande, mdio, pequeno;
b) Alcance territorial: local, nacional, internacional, planetrio;
c) Periodicidade: evento nico ou peridico;
d) Referncia de qualidade;
e)
Diversidade de expresses;f) Preos: populares ou gratuitos;
g) Produo de acervos permanentes: bibliogrficos, discogrficos, videogrficos,
filmogrficos, etc.
h) Ps-produo e avaliao;
i) Insero no lugar de realizao:
Adequao vida cultural do lugar;
Incentivos produo local: incluso de grupos locais na programao (nos
eventos nacionais e internacionais); promoo de intercmbio com os grupos
visitantes (oficinas, mostras, conferncias, encontros);
Pblico atingido (porcentagem da populao ou do segmento alvo);
Empregos gerados;
Renda gerada: bilheteria e impostos;
Promoo e divulgao da imagem do lugar realizador do evento (cidades,
pases, etc.).
3.3. Aspectos da administrao e do planejamento da poltica cultural
a) Integrao da poltica cultural com outras polticas pblicas:
Objetivos:
materializar o conceito amplo de cultura (todos os modos de viver, fazer e
criar);
colaborar na mobilizao dos cidados em torno de questes de interesse
pblico;
Procedimentos:
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Realizar espetculos de conscientizao (para limpeza urbana, sade
pblica, trnsito, etc);
Estabelecer relaes entre:
Cultura e Educao;
Cultura e Turismo;
Cultura, Cincia e Tecnologia;
Cultura e Meio Ambiente;
Cultura e Segurana Pblica;
Cultura Comrcio e Indstria
Cultura e Comunicao.
b) Produo de indicadores de desenvolvimento cultural:
Objetivos:
Racionalizar as polticas culturais (muitas vezes fundadas no desejo dos
gestores), a fim de planejar, monitorar e avaliar as aes;
Produzir informaes de interesse dos produtores e consumidores de
cultura;
Procedimentos: levantamentos estatsticos, diagnsticos, censos;
Tendncias contemporneas: gerao de dados sobre a economia da cultura
(produo, distribuio, consumo e uso de produtos culturais).
c) Institucionalizao dos rgos de cultura (natureza jurdica):
Objetivos: agilizar a administrao da poltica cultural; promover parceiras
(Estado, mercado, comunidades, terceiro setor);
Procedimentos: decises sobre a natureza jurdica mais adequada:
administrao direta, administrao indireta (fundaes e autarquias),
administrao autnoma, administrao mista;
Tendncias contemporneas: administraes mistas: organizaes sociais (noBrasil) e patronatos (Europa), instituies nas quais um conselho, composto pelo
governo, iniciativa privada e organizaes no governamentais, toma as decises,
considerando seus efeitos sobre a sociedade como um todo.
d) Criao de mecanismos de participao nas decises de poltica cultural:
Objetivos:
produzir consensos;
legitimar decises;
Procedimentos:
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criao de conselhos e comisses paritrias (Estado, mercado,
comunidades, ongs);
organizao de audincias pblicas;
oramento participativo;
governo eletrnico (transparncia);
Tendncias contemporneas:
de conselhos de notveis e/ou especialistas > para conselhos com ampla
representao da sociedade.
da participao nas instncias executivas de poltica cultural > para a
constituio de uma esfera pblica (ou sociedade poltica) para alm do
Estado.
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* Professor titular da Universidade Federal da Bahia. Docente do ProgramaMultidisciplinar de Ps-Graduao em Cultura e Sociedade (PS-CULTURA).Coordenador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). Pes-quisador do CNPq. Ex-Presidente da Associao Nacional de Programas de Ps-Graduao em Comunicao (COMPS) e ex-Diretor da Faculdade de Comuni-cao da UFBA. Organizador, juntamente com Alexandre Barbalho, do livroPolticas Culturais no Brasil (Salvador, EDUFBA, 2007). E-mail:[email protected]
Polticas culturais do governo Lula / Gil: desafiose enfrentamentos
Antonio Albino Canelas Rubim*
Fazer poltica expandirsempre as fronteiras do possvel.
Fazer cultura combater sempre nasfronteiras do impossvel
Jorge Furtado
ResumoO texto analisa as polticas culturais desenvolvidas pelo GovernoLula / Gilberto Gil, em especial, investigando como este governotem enfrentado os desafios colocados pelas trs tristes tradiesdas polticas culturais nacionais no Brasil: a ausncia, o auto-ritarismo e a instabilidade. O trabalho discute sucintamente estas
tradies; indica os principais projetos formulados e implemen-tados pelo Ministrio da Cultura, que visam superar tais tradiese aponta limitaes detectadas nestes enfrentamentos. O texto parte do projeto de pesquisa em andamento intitulado PolticasCulturais no Brasil: Itinerrios, Atualidade e Desafios Contempo-rneos, realizado com apoio do CNPq.Palavras-chave: Polticas culturais. Governo brasileiro.
AbstractThe text analyzes the cultural policies developed by presidentLula and his Minister of Culture, Gilberto Gil, investigating howthis government has been facing the challenges displayed by the
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ANTONIO ALBINO CANELAS RUBIM
three sad traditions of the Brazilian cultural policies: absence,authoritarianism and instability. This work briefly discusses thesetraditions: it indicates the main projects formulated and imple-
mented by the Ministry of Culture which aim at surpassing suchtraditions, and points out limitations detected in these confron-tations. The text is part of the ongoing research entitled CulturalPolicies in Brazil: Itineraries, State of Affairs and ContemporaryChallenges, conducted with the support of CNPq.
Keywords: Cultural policies. Brazilian government.
ResumenO texto analiza las polticas culturales desarrolladas por el Gobier-no Lula / Gilberto Gil, investigando cmo este gobierno ha enfren-tado los desafos puestos por tres tistes tradiciones de las polticasculturales nacionales en Brasil: la ausencia, el autoritarismo y lainstabilidad. El trabajo discute sucintamente estas tradiciones; in-dica los principales proyectos formulados e implementados por elMinisterio de la Cultura, que buscan superar tales tradiciones y
apunta limitaciones detectadas en estes enfrentamientos. El textoes parte del proyecto de pesquisa en andamiento intitulado Polti-cas Culturales en Brasil: Itinerarios, Actualidad e Desafos Contem-porneos, realizado con el suporte de CNPq.Palabras-clave: Polticas culturales. Gobierno Brasileo.
Uma avaliao rigorosa das polticas culturais desenvolvidaspelo presidente Lula e o ministro Gilberto Gil exige, antes
de tudo, uma reviso das tradies historicamenteconstrudas pela trajetria das polticas culturais no Brasil e noapenas uma anlise crtica do governo imediatamente anterior(FHC) e sua gesto da cultura (Francisco Weffort). Os desafios,a serem enfrentados, traduzidos em tristes tradies, por certoemergiram em plenitude no longo governo FHC / Weffort, mastinham tristes tradies.
Infelizmente a bibliografia existente sobre poltica culturais nopas1, dispersa por muitas reas disciplinares, ainda no realizou
1Ela est organizada e disponibilizada no site: www.cult.ufba.br.
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POLTICAS CULTURAIS DO GOVERNO LULA / GIL
um empreendimento de modo verdadeiramente sistemtico sobreo tema. Em texto anterior, a construo de uma viso pelo menospanormica das polticas culturais foi esboada (RUBIM, 2007).
Ela serve de substrato e torna possvel distinguir e tecer os eixosde anlise deste texto. Alm dele, existem duas tentativas deviso mais abrangente delineadas por Mrcio de Souza (2000) eJos lvaro Moises (2001).
O itinerrio das polticas culturais, no resta dvida, produziutristes tradies e, por conseguinte, enormes desafios. Estas tristestradies podem ser emblematicamente sintetizadas em trs pala-vras: ausncia, autoritarismo e instabilidade. Cabe em seqnciafazer uma visitao a tais signos que em razovel medida e paralembrar Adorno resumem a vida prejudicada, das polticasculturais da nao brasileira.
Ausncia
Figura antiga, ela est presente entre ns desde os tempos
da colnia. Quais as polticas para o desenvolvimento da culturaque podiam conviver com o obscurantismo do colonialismo por-tugus? O menosprezo e a perseguio das culturas indgenas eafricanas; a proibio de instalao de imprensas; o controle dacirculao de livros; a inexistncia de ensino superior e univer-sidades so apenas algumas das faces deste cenrio. Cabe lem-brar que outros colonialismos todos eles condenveis noacionaram tais medidas. Por exemplo, entre 1538 y 1812 se
crearon en todo el espacio colonial hispanoamericano treintauniversidades (BUCHBINDER, 2005, p.13).
A independncia brasileira no alterou substancialmente estepanorama. O Estado continuou sendo pouco atento cultura. Elaera tratada como um privilgio, em uma sociedade de alta exclu-so social, ou como um ornamento (COUTINHO, 2000). Aspessoalizadas atitudes culturais de Dom Pedro II, a rigor, no
podem ser pensadas como uma efetiva poltica para a cultura.Estimular a inaugurao dos Institutos Histricos e Geogrficos;assumir uma postura de mecenas com alguns criadores culturaise ser, ele mesmo, um criador bissexto no configuram uma nova
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ANTONIO ALBINO CANELAS RUBIM
atitude do Estado brasileiro em relao cultura, como supemMrcio de Souza e Jos lvaro Moiss.
A Repblica tambm continuou a tradio de ausncia do Im-
prio. As espordicas aes na rea de patrimnio igualmente nopodem ser vistas como uma nova atitude do Estado no campo cul-tural. Do mesmo modo, um momento privilegiado do desenvolvi-mento da cultura no Brasil, acontecido entre os anos democrticosde 1945 a 1964, no foi caracterizado por uma maior interveno doEstado na rea da cultura. O uso em 1953 da expresso cultura paradesignar secundariamente um ministrio, Educao e Cultura, e acriao do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), alm deoutras medidas menores, no sugerem nenhuma mutao essenciala esta persistente ausncia de polticas culturais no Brasil.
A Nova Repblica introduz uma outra modalidade de ausn-cia com suas ambguas polticas culturais. Ela expande o Estadono registro da cultura, mas, ao mesmo tempo, introduz um meca-nismo que solapa em grande medida uma atuao cultural maisconsistente do Estado. A lei Sarney e as subseqentes leis de
incentivo cultura, por meio da iseno fiscal, retiram o poder dedeciso do Estado, ainda que o recurso econmico utilizado sejamajoritariamente pblico, e colocam a deliberao em mos dainiciativa privada. Nesta perversa modalidade de ausncia, o Es-tado s est presente como fonte de financiamento. A poltica decultura, naquilo que implica em deliberaes, escolhas e priorida-des, propriedade das empresas e suas gerncias de marketing.
No governo FHC / Francisco Weffort esta nova modalidade
de ausncia tem seu ponto culminante. Agora a cultura antesde tudo um bom negcio, como assinala o maior manual dapoca editado pelo Ministrio. Em um texto publicado no insus-peito livro intitulado A Era FHC, Jos Castello anota esta novaausncia do Estado. As leis de incentivo agora designadascomo Rouanete do Audiovisual assumem o lugar das polticasestatais (CASTELLO, 2002) e o mercado toma o papel do Estado.
Esta ausncia na era FHC paradoxalmente vem confirmar aincapacidade da democracia no Brasil de atuar na rea da cultura,detectada por um dos principais mentores do Ministrio da Culturanaquele governo, o professor Jos lvaro Moises. Ao reconhecer
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outra das tristes tradies brasileiras a intima e inusitada relaoentre cultura e autoritarismo no pas sentenciou (2001, p.46):
...o grande desafio da poca contempornea, na rea da cultura, que inverter a tendncia histrica brasileira, segundo a qual os grandes avan-os institucionais do setor fizeram-se em perodos autoritrios.
Autoritarismo
Primeira constatao: somente nos perodos autoritrios oBrasil conheceu polticas culturais mais sistemticas, nas quais o
Estado assumiu um papel mais ativo e, por conseguinte, eclipsoua tradio de ausncia. As ditaduras do Estado Novo (1937-1945)e dos militares (1964-1985), alm da censura, represso, medo,prises, tortura, assassinatos, exlios inerentes a todo e qualquerregime autoritrio, realizaram uma interveno potente no campocultural. Por certo tal atuao visava instrumentalizar a cultura;domesticar seu carter crtico; submet-la aos interesses autorit-rios; buscar sua utilizao como fator de legitimao das ditaduras
e, por vezes, como meio para a conformao de um imaginrio denacionalidade. Esta maior ateno significou, sem mais, enormesriscos para a cultura. Por outro lado, de modo contraditrio, estavalorizao tambm acabou criando uma dinmica cultural e depolticas culturais que trilhou as fronteiras possveis das ditaduras,quando no extrapolou estes limites.
O governo Getlio Vargas / Gustavo Capanema inaugurou
mesmo a atuao sistemtica do Estado na cultura. Dentre outrosprocedimentos, tem-se a criao de legislaes para o cinema, aradiodifuso, as artes, as profisses culturais etc. e a constituiode inmeros organismos culturais, tais como: Superintendncia deEducao Musical e Artstica; Instituto Nacional de CinemaEducativo (1936); Servio de Radiodifuso Educativa (1936);Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (1937);Servio Nacional de Teatro (1937); Instituto Nacional do Livro
(1937) e Conselho Nacional de Cultura (1938). Alm disto, omodernista Gustavo Capanema, Ministro da Educao e Sade(1934-1945), apesar de conservador, acolheu muitos intelectuaise artistas progressistas em seu ministrio, em plena ditadura do
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Estado Novo, a comear pelo poeta Carlos Drummond deAndrade, seu chefe de gabinete, e outros como Oscar Niemeyere Cndido Portinari. Pela primeira vez pde-se falar efetivamente
em polticas culturais do Estado brasileiro. Simultaneamente,inauguram-se as polticas culturais nacionais e a tradio de suaproblemtica conexo com o autoritarismo.
O golpe cvico-militar de 1964, outra vez, reafirmou esta tris-te tradio de relacionamento da cultura como o autoritarismo.Os militares no s reprimiram, censuraram, perseguiram, pren-deram, assassinaram, exilaram a cultura, os intelectuais, os artis-tas, os cientistas e os criadores populares, mas, ao mesmo tempo,constituram uma agenda de realizaes nada desprezvel paraa (re)configurao da cultura no Brasil. A ditadura investiu fortee deliberadamente no desenvolvimento das indstrias culturais nopas, conformando toda infraestrutura scio-tecnolgica impres-cindvel cultura midiatizada. A ditadura em sua fase inicial foicapaz de conviver, no sem tenses, com uma cultura nacional-popular de esquerda hegemnica em determinados setores sociais
(SCHWARZ, 1978), enquanto desenvolvia controlando ferrea-mente as indstrias culturais. Enfim, ao mesmo tempo em quebuscava realizar seu projeto de substituir a hegemonia do circui-to escolar-universitrio apesar de suas imensas limitaes emum pas marcado pela excluso social pelo protagonismo de umcircuito conformado pelas indstrias culturais, rigidamente sub-metidas ao regime militar (RUBIM; RUBIM, 2004).
Alm de induzir esta mutao brutal na conformao da
cultura no Brasil, com todo o conjunto complexo de problemasque isto suscita, a ditadura militar, a exemplo do Estado Novo,tambm esboou legislaes culturais e criou inmeros organismosno campo cultural. O Conselho Federal de Cultura (1966); oInstituto Nacional de Cinema (1966); a Empresa Brasileira deFilme EMBRAFILME (1969); a Fundao Nacional das Artes FUNARTE (1975); o Centro Nacional de Referncia Cultural
(1975); a RADIOBRS (1976); o Conselho Nacional de Cinema(1976) etc. Algumas delas, a exemplo da FUNARTE, com grandeatuao em prol da cultura brasileira (BOTELHO, 2001). Sinto-mtico que o primeiro Plano Nacional de Cultura, que foi formu-
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lado no pas, tenha sido esboado em 1975, em plena ditaduramilitar (MICELI, 1984).
Mas a relao entre autoritarismo e cultura no se restringe aos
momentos de polticas culturais dos regimes ditatoriais. Como muitosautores tm assinalado, em interpretaes diferenciadas, o auto-ritarismo est impregnado na sociedade brasileira, dada a sua estru-tura desigual e elitista (FERNANDES, 1975; COUTINHO, 2000 eCHAUI, 2000). Este elitismo se expressa, em um plano macro-social,no desconhecimento, perseguio e aniquilamento de culturas e naexcluso cultural a que submetida parte significativa da populao.Ele est entranhado em quase todos os poros da sociedade brasileira.Por exemplo, nas concepes do que pode ser definido como cultura,subjacentes s polticas culturais empreendidas.
A trajetria e suas concepes-guia do Instituto do PatrimnioHistrico e Artstico Nacional (IPHAN), rgo fundado em 1937 nogoverno Vargas / Capanema, so emblemticas neste enquadramento.O IPHAN tem sido um dos organismos mais persistentes e relevantesdas polticas culturais do Estado brasileiro, adquirindo inclusive um
renome internacional. Durante parcela significativa de seu itinerrio,ele privilegiou apenas a cultura: monumental, ocidental, branca ecatlica. Somente palcios, igrejas e fortes foram objeto de tomba-mento e preservao (MICELI, 2001; GONALVES, 1996).
As culturas populares, indgena, afro-brasileira e mesmomiditica foram muito pouco contempladas pelas polticas cultu-rais nacionais, quando elas existiam. Por certo, eram consideradasmanifestaes no dignas de serem chamadas e tratadas como
cultura, quando no eram pura e simplesmente reprimidas e silen-ciadas. Nenhuma poltica e instituio mais permanente foramimplantadas para as culturas populares, apesar de algumas mobi-lizaes, acontecidas no perodo democrtico de 1945 a 1964, aexemplo da Campanha Nacional do Folclore e do Movimento deCultura Popular, conformado pelos governos de Arraes, em Recifee Pernambuco. Pelo contrrio, tais manifestaes foram antes
reprimidas. A cultura indgena foi completamente desconsiderada,quando no sistematicamente aniquilada. A cultura afro-brasilei-ra, durante anos perseguida, s comeou a merecer algum respeitodo estado nacional, ps ditadura militar, com a criao da Funda-
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o Palmares em 1988, resultado das presses do movimentonegro organizado e do clima criada pela redemocratizao do pas.
O rdio e a televiso foram solenemente menosprezados pelo
Ministrio da Cultura, mesmo sendo os equipamentos culturaismais presentes no territrio brasileiro e terem um indiscutvelpapel cultural para a maioria da populao brasileira, em especial,depois que passaram a se constituir como o circuito culturalhegemnico no pas. A cultura miditica nunca foi consideradacomo algo digno da ao ministerial. O descompasso entre estasmodalidades de cultura vivenciadas pela populao brasileira ainda que com todos os seus problemas de padronizao e submis-so lgica mercantil das indstrias culturais e o universocultural atendido pela interveno do Ministrio da Cultura, porcerto, um dos mais gritantes contrastes das polticas culturais doestado brasileiro. Ele denota elitismo e autoritarismo.
A opo por uma concepo restrita de cultura, que englobaapenas as expresses mais reconhecidas pela elite, expressa comextrema fidelidade a viso autoritria e excludente da interveno
do Estado nacional no campo cultural, conformando a segunda desuas tristes tradies.
Instabilidade
A conjugao de ausncia e autoritarismo produz instabilidade,a terceira triste tradio inscrita nas polticas culturais nacionais.Ela tem, de imediato, uma faceta institucional. Muitas das institui-
es culturais criadas tm forte instabilidade institucional derivadade um complexo conjunto de fatores: fragilidade; ausncia de po-lticas mais permanentes; descontinuidades administrativas; deslei-xo; agresses de situaes autoritrias etc. O governo Vargas criainstituies, mas destri experincias polticas e culturais relevantescomo a vivida por Mrio de Andrade no Departamento de Culturada Prefeitura de So Paulo (1935-1938). A ditadura militar fechaem 1964 o ISEB; os Centro Populares de Cultura da Unio Naci-
onal dos Estudantes e o Movimento de Cultura Popular, onde apa-rece Paulo Freire. O af neoliberal de Collor desmonta, como umbrbaro, quase todas as instituies culturais do pas. Isto apenaspara citar alguns momentos dramticos.
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Uma das poucas instituies culturais nacionais que foi capazde burlar a sina da instabilidade foi o IPHAN / SPHAN, institui-o emblemtica da poltica cultural no pas at o final dos anos
60 e incio da dcada seguinte. Criado a partir de uma propostaencomendada por Gustavo Capanema a Mrio de Andrade, masno plenamente aceita (MICELI, 2001, p.360; CHAGAS, 2003 eFALCO, 1984, p.29), o SPHAN acolheu modernistas, a come-ar pelo seu quase eterno dirigente: Rodrigo de Melo Franco (de1937 at sua morte, nos anos 1960). O Servio, depois Institutoou Secretaria, como foi assinalado, opta pela preservao dopatrimnio de pedra e cal, de cultura branca, de esttica barro-ca e teor monumental. Em geral: igrejas catlicas, fortes e palciosdo perodo colonial. Com isto, o IPHAN circunscreve a rea deatuao, dilui possveis polmicas, desenvolve sua competnciatcnica qualificada e profissionaliza seu pessoal. Tais atitudes, emconjunto com seu insulamento institucional, iro garantir aindependncia e a impressionante continuidade organizacional eadministrativa da entidade e de seu dirigente (MICELI, 2001,
p.362) e transformar o SPHAN em algo exemplar para as polticasculturais no Brasil e em muitos outros pases.O setor de cultura esteve inscrito no Ministrio de Educao
e Sade (1930) at passar a compor o novo Ministrio de Educa-o e Cultura, em 1953. Foram precisos mais 32 anos para a in-dependncia e autonomia da cultura em um ministrio especfico(1985). Sua implantao foi deveras complicada. Presso legtimados intelectuais, artistas e secretrios estaduais de cultura, muitos
de governos de oposio ditadura militar, a criao do ministriose tornou quase inevitv