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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDIDA DE SEGURANÇA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Lizianni de Cerqueira Monteiro RESUMO Este trabalho visa a analisar o instituto da medida de segurança, prevista no art. 97 e parágrafos do Código Penal, aplicável aos inimputáveis, à luz dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da proibição das penas perpétuas (Constituição Federal, art. 5º, inciso XLVII, alínea b e inciso LV). Entende-se que a medida de segurança não pode impor rigor maior que a pena, tampouco está imune aos preceitos constitucionais que regem o processo penal brasileiro. Busca-se demonstrar que o parágrafo 1º do art. 97 Código Penal não foi recepcionado pela Constituição Federal, na medida em que prevê medida que restringe a liberdade do cidadão (internação) com prazo indeterminado e condiciona a liberação do internado à perícia médica, cujo laudo resultante deverá constatar a cessação da periculosidade. Trata-se, a periculosidade, de conceito não demonstrável objetivamente, o que o torna irrefutável, o que também é incompatível com a Carta Magna. Do mesmo modo, evidencia-se a inconstitucionalidade da sanção com caráter eterno – a pensar-se de forma diversa, os inimputáveis, que sofrem medida de segurança ao cometerem crimes, teriam tratamento mais severo do que às pessoas penalmente responsáveis. A diferença que existe entre a pena e a medida de segurança não permite tal divergência de tratamento, devendo ser aplicada à medida de segurança todos os princípios garantidores acima citados. Propõe- se que a limitação temporal da medida de segurança seja determinada pelo máximo da pena abstratamente cominada. PALAVRAS CHAVES: MEDIDA DE SEGURANÇA; INIMPUTÁVEL; INCONSTITUCIONALIDADE; ART. 97, PARÁGRAFO PRIMEIRO DO CÓDIGO PENAL. Juíza de Direito do Estado da Bahia; Especialista em Direito Civil pela Universidade Estácio de Sá (RJ); Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). 1750

0000 Lizianni de Cerqueira Monteiro

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  • BREVES CONSIDERAES SOBRE A MEDIDA DE SEGURANA LUZ DA

    CONSTITUIO FEDERAL

    Lizianni de Cerqueira Monteiro

    RESUMO

    Este trabalho visa a analisar o instituto da medida de segurana, prevista no art. 97 e

    pargrafos do Cdigo Penal, aplicvel aos inimputveis, luz dos princpios

    constitucionais da ampla defesa, do contraditrio e da proibio das penas perptuas

    (Constituio Federal, art. 5, inciso XLVII, alnea b e inciso LV). Entende-se que a

    medida de segurana no pode impor rigor maior que a pena, tampouco est imune aos

    preceitos constitucionais que regem o processo penal brasileiro. Busca-se demonstrar

    que o pargrafo 1 do art. 97 Cdigo Penal no foi recepcionado pela Constituio

    Federal, na medida em que prev medida que restringe a liberdade do cidado

    (internao) com prazo indeterminado e condiciona a liberao do internado percia

    mdica, cujo laudo resultante dever constatar a cessao da periculosidade. Trata-se, a

    periculosidade, de conceito no demonstrvel objetivamente, o que o torna irrefutvel, o

    que tambm incompatvel com a Carta Magna. Do mesmo modo, evidencia-se a

    inconstitucionalidade da sano com carter eterno a pensar-se de forma diversa, os

    inimputveis, que sofrem medida de segurana ao cometerem crimes, teriam tratamento

    mais severo do que s pessoas penalmente responsveis. A diferena que existe entre a

    pena e a medida de segurana no permite tal divergncia de tratamento, devendo ser

    aplicada medida de segurana todos os princpios garantidores acima citados. Prope-

    se que a limitao temporal da medida de segurana seja determinada pelo mximo da

    pena abstratamente cominada.

    PALAVRAS CHAVES: MEDIDA DE SEGURANA; INIMPUTVEL;

    INCONSTITUCIONALIDADE; ART. 97, PARGRAFO PRIMEIRO DO CDIGO

    PENAL.

    Juza de Direito do Estado da Bahia; Especialista em Direito Civil pela Universidade Estcio de S (RJ); Mestranda em Direito Pblico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

    1750

  • ABSTRACT

    This work aims to analyze the institute of the security measure, stated on the article 97 a

    from the Penal Code, applicable to the unimputables, in accordance to the constitutional

    principles of the ample defense, of the contradictory and of the prohibition of lifelong

    sentences (Federal Constitution, art. 5th, incise XLVII, paragraph b and clause LV). It is

    known that the security measure cannot impose a higher severity than the sentence, and

    also that it cannot be immune to the constitutional precept that governs the Brazilian

    penal process. It was demonstrated that the 1st paragraph of the 97 article of the Penal

    Code was not receipted by the Federal Constitution, since it includes a measure that

    restrict the freedom of the citizen (internment) to an undetermined period, and regulates

    the release of the interned to a medical inspection, which results should detect the

    periculosity cessation. Periculosity is a concept that is not objectively demonstrable,

    thus, it is irrefutable; which is also not in accordance to the Magnus Letter. In the same

    way, it is evidenced the unconstitutionality of the sanction with an eternal nature since

    the unimputables that receive a security measure after committing a crime would have

    received a more severe treatment than those individuals that have penal responsibility.

    The difference between the sentence and the security measure do not allows such

    dissimilar treatment, and all the principles previously referenced should be applied to

    the security measure. It is proposed that the temporal limitation of the security measure

    should be determinate by the previsible maximum sentence.

    KEYWORDS

    SECURITY MEASURE; UNIMPUTABLES; UNCONSTITUTIONALITY; ARTICLE

    97, FIRST PARAGRAPH OF THE PENAL CODE.

    1. INTRODUO

    Trata-se a medida de segurana de sano imposta ao indivduo inimputvel

    que comete crime, nos termos do art. 26 e pargrafo nico do Cdigo Penal1. O

    1 Art. 26 do CP: isento de pena o agente que, por doena mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ao ou da omisso, inteiramente incapaz de entender o carter ilcito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Pargrafo nico. A pena pode ser reduzida de um a dois teros, se o agente, em virtude de perturbao de sade mental ou por desenvolvimento mental

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  • inimputvel fica isento de pena; no entanto, prev o ordenamento penal ptrio a

    imposio de medida de segurana, que consiste em internao ou tratamento

    ambulatorial.

    Veda a Carta Magna a pena de carter perptuo2 e a atual disciplina

    legislativa da matria, ao estabelecer, no art. 97, pargrafo primeiro, do Cdigo Penal3,

    que a medida de segurana ter prazo indeterminado, viola este dispositivo

    constitucional. Entende-se que o cidado no pode ficar indeterminadamente sujeito ao

    aparato restritivo estatal.

    A subordinao da liberao do sujeito internado por fora de medida de

    segurana comprovao da cessao da perigosidade evidencia-se inconstitucional.

    Viola os princpios da ampla defesa e do contraditrio4, pois no se funda em dados

    objetivos, em relao aos quais se permite a constatao emprica.

    2. MEDIDA DE SEGURANA E PENA

    No h, ontologicamente, diferena entre pena e medida de segurana,

    embora os pressupostos para aplicao de cada um sejam diversos na aplicao da

    pena deve-se levar em conta o fato definido como crime, enquanto na medida de

    segurana considera-se a noo de perigosidade do sujeito.

    A imposio de pena privativa de liberdade, assim como a internao do

    indivduo por conta de uma medida de segurana, limita a esfera de liberdade do

    cidado, fica ele sob a custdia do Estado. Ainda que se diga que o propsito da medida

    de segurana a recuperao do internado, de molde a cessar sua periculosidade,

    incompleto ou retardado no era inteiramente capaz de entender o carter ilcito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 2 Art. 5, XLVII, CF: no haver penas: b) de carter perptuo. 3 Art. 97, CP: Se o agente for inimputvel, o juiz determinar sua internao (artigo 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punvel com deteno, poder o juiz submet-lo a tratamento ambulatorial. 1. A internao, ou tratamento ambulatorial, ser por tempo indeterminado, perdurando enquanto no for averiguada, mediante percia mdica, a cessao de periculosidade. O prazo mnimo dever ser de 1 (um) a 3 (trs) anos. 4 Art. 5, LV, CF: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

    1752

  • enquanto a pena tambm tem carter retributivo, alm da preveno (geral e especial),

    inegvel que nos dois casos ocorre a segregao do sujeito, seu afastamento da

    sociedade.

    As duas medidas possuem carter aflitivo e implicam privao da liberdade

    do indivduo. Assim, em essncia, no h dessemelhana entre pena e medida de

    segurana5.

    Cumpre destacar a posio de Pierangeli e Zaffaroni, que afirmam que as

    medidas de segurana no tm natureza penal, mas administrativa, distinguindo-as,

    portanto, das penas: No se pode considerar penal um tratamento mdico e nem

    mesmo a custdia psiquitrica. Sua natureza nada tem a ver com a pena, que desta se

    diferencia por seus objetivos e meios.6 Sem embargo, admitem: A natureza

    materialmente administrativa dessas medidas no pode levar-nos a ignorar que, na

    prtica, elas podem ser sentidas como penas, dada a gravssima limitao liberdade

    que implicam.7

    Na prtica, entretanto, falsa essa idia de medida de segurana como

    terapia curativa ao sujeito incapaz penalmente. Em verdade, se cuida de verdadeira

    restrio liberdade individual do sujeito, que em nada se difere da pena propriamente

    dita. A medida de segurana, em especial a internao, em nada ressocializa ou faz

    cessar uma pretensa periculosidade presumida em relao ao agente.

    A noo de que a medida de segurana tem carter meramente

    administrativo no resiste a uma anlise mais acurada. Cuida-se, como exposto, de

    5 No mesmo sentido: Conclusivamente, distino ontolgica alguma h entre penas e medidas de segurana, pois ambas perseguem, essencialmente, os mesmos fins e supem o concurso de idnticos pressupostos de punibilidade: fato tpico, ilcito, culpvel e punvel. A distino reside, portanto, unicamente nas conseqncias: os imputveis esto sujeitos pena e os inimputveis, medida de segurana, atendendo-se a critrio de pura convenincia poltico-criminal ou de adequao. QUEIROZ, Paulo de Souza. Penas e medidas de segurana se distinguem realmente?. Boletim IBCCRIM. So Paulo, v.12, n.147, p. 15-16, fev. 2005. 6 ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 855. 7 ZAFFARONI, op. cit. p. 124.

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  • medida que inflige ao indivduo limitao ao direito fundamental da liberdade. Sendo

    assim, somente pode ser aplicada pelo juiz, aps o devido processo legal, observados os

    princpios do contraditrio e da ampla defesa8.

    impensvel, portanto, que no se confira ao sujeito submetido medida de

    segurana de internao as mesmas garantias que so dispensadas ao apenado.

    2. VEDAO PRISO PERPTUA

    Para a aplicao de medida de segurana, necessrio, alm do cometimento

    de fato criminoso, seja o agente perigoso. A idia de periculosidade sempre esteve

    intimamente ligada medida de segurana, desde que introduzida no sistema penal

    brasileiro9. Com efeito, a medida de segurana era aplicada concomitantemente pena,

    uma vez presentes as hipteses em que se presumia ser perigoso o indivduo.

    Com a reforma penal, ocorrida em 1984, passaram a ser sujeitos medida de

    segurana apenas os inimputveis e os semi-imputveis. No entanto, o legislador no

    desvinculou a idia de periculosidade ao conceito de medida de segurana. Os critrios

    para aplicao do instituto no se relacionam com o fato delituoso cometido pelo

    indivduo, mas com sua perigosidade, a ser avaliada por meio de percia mdica. Assim,

    para o cidado inimputvel ser internado, no se leva em considerao o crime a ele

    atribudo, mas ao perigo que representa para a sociedade. Do mesmo modo, para

    permitir-se a desinternao do sujeito, deve-se aferir a periculosidade deste, como se

    depreende do pargrafo primeiro do art. 97 do Cdigo Penal, j referido.

    Dispe ainda o pargrafo primeiro do artigo 97 do Cdigo Penal que a

    medida de segurana no possui prazo determinado (apenas prazo mnimo), o que vale 8 No sentido do texto, NORONHA, Magalhes. Direito Penal. So Paulo: Saraiva, 1993. 9 Assim doutrinava Anbal Bruno, h mais de vinte anos: Pressuposto da medida de segurana a perigosidade criminal do agente. Ela que justifica a aplicao desse meio de defesa social contra o crime, para prevenir a realizao em ato da ameaa contida no sujeito. [...] Essa condio de perigosidade, que se conceitua juridicamente na frmula probabilidade de delinqir, um estado de desajustamento social do homem, de mxima gravidade, resultante de uma maneira de ser particular do indivduo congnita ou gerada pela presso de condies desfavorveis do meio [...] A est, nos casos extremos, uma criminosidade latente espera da circunstncia externa do momento para exprimir-se no ato de delinqir. (destaque do original). Direito Penal, Forense, tomo 3 , 1984, Rio de Janeiro p. 287.

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  • dizer, o indivduo pode permanecer indefinidamente restringido em sua liberdade

    individual, sujeito, apenas, a uma percia mdica que diga que ele est apto ao convvio

    social, ou seja, que no apresenta potencial de praticar atos criminosos.

    A disciplina jurdica da medida de segurana, portanto, permite que o

    cidado permanea recolhido sob a custdia do Estado eternamente, o que fere de morte

    a Constituio Federal.

    Primeiramente, no deve haver sano eterna. A medida de segurana, tal

    como a pena, deve ter prazo fixo, determinado. Ao estatuir que a internao ser por

    tempo indeterminado, o Cdigo Penal violou expressamente o dispositivo constitucional

    que veda a pena de carter perptuo. Nem se argumente que se trata de medida de

    segurana, e no de pena. Nos dois casos, trata-se de sano que interfere na esfera de

    liberdade do cidado e, desta forma, no pode escapar ao sistema de garantias previsto

    na Constituio Federal.

    A defesa do prazo indeterminado para a medida de segurana de internao

    fundamenta-se na idia de que esta um tratamento, ou seja, no se cuida de retribuio

    ao mal causado pelo crime, mas to somente de preveno de outros delitos, em funo

    da periculosidade do sujeito. Ora, tanto a pena como a medida de segurana importam

    restrio da liberdade do cidado. Qualquer restrio liberdade deve se submeter a

    garantias, entre elas a limitao temporal.

    Necessrio citar o caso do cidado ndio Febrnio do Brasil, que ficou 57

    anos num hospital de custdia no Rio de Janeiro entrou com 27 anos e morreu com 87

    anos, dentro do hospital, cumprindo medida de segurana10.

    O Supremo Tribunal Federal j teve oportunidade de se manifestar a

    respeito, estabelecendo que o limite da medida de segurana de internao de trinta

    10 Exemplo citado por Luiz Flvio Gomes no seu artigo citado O louco deve cumprir a medida de segurana perpetuamente?. Disponvel em , acesso em 10 de abril de 2008.

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  • anos, a teor do art. 75 do Cdigo Penal. Vale transcrever parte do voto do Ministro

    Marco Aurlio11:

    Observe-se a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se priso perptua. A tanto equivale a indeterminao da custdia, ainda que implementada sob o ngulo da medida de segurana. O que cumpre assinalar, na espcie, que a paciente est sob a custdia do estado, pouco importando o objetivo, h mais de trinta anos, valendo notar que o pano de fundo a execuo de titulo judicirio penal condenatrio. O art. 75 do Cdigo Penal h de merecer o emprstimo de maior eficcia possvel, ao preceituar que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade no pode ser superior a trinta anos. Frise-se, por oportuno, que o art. 183 da Lei de Execuo Penal delimita o perodo da medida de segurana, fazendo-o no que prev que esta ocorre em substituio da pena, no podendo, considerada a ordem natural das coisas, mostrar-se relativamente liberdade de ir e vir, mais gravosa que a prpria apenao. certo que o pargrafo primeiro do artigo 97 do Cdigo Penal dispe sobre prazo da imposio da medida de segurana para inimputvel, revelando-se indeterminado. Todavia, h de se conferir ao preceito interpretao teleolgica, sistemtica, atentando-se para o limite mximo de trinta anos fixado pelo legislador ordinrio, tendo em conta a regra primria vedadora da priso perptua. A no ser assim, h de concluir-se pela inconstitucionalidade do preceito.

    No obstante o entendimento acima exposto, a limitao temporal da

    internao em medida de segurana deve se pautar no mximo da pena abstratamente

    considerada, e no no limite prescrito pelo artigo 75 do Cdigo Penal12.

    11 A deciso teve a seguinte ementa: MEDIDA DE SEGURANA - PROJEO NO TEMPO - LIMITE. A interpretao sistemtica e teleolgica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Cdigo Penal e o ltimo da Lei de Execues Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prises perptuas. A medida de segurana fica jungida ao perodo mximo de trinta anos (HC 84219/SP, julgamento: 16/08/2005). 12 A jurisprudncia do STJ, entretanto, firmou-se em sentido contrrio, pela indeterminao do prazo para a medida de segurana: HABEAS CORPUS EXECUO PENAL MEDIDA DE SEGURANA RU DECLARADO INIMPUTVEL PRAZO INDETERMINADO DE INTERNAO PERMANNCIA DA PERICULOSIDADE DO AGENTE INEXISTNCIA DE CONSTRANGIMENTO PRECEDENTES DO STJ 1. A medida de segurana de internao, a teor do disposto no art. 97, 1, do Cdigo Penal, no est sujeita a prazos predeterminados, porm, cessao da periculosidade do ru declarado inimputvel. 2. validamente motivada a deciso judicial que prorroga, por mais um ano, a medida de segurana imposta ao sentenciado, com fundamento no exame mdico-pericial realizado no paciente, o qual atesta a necessidade da manuteno da medida. Precedentes do STJ. 3. Ordem denegada. (STJ HC 200602529927 (70497) SP 6 T. Rel. Min. Carlos Fernando Mathias DJU 03.12.2007 p. 00367). No mesmo sentido: HC 70497/SP, DJ 03.12.2007, p. 367; HC 36172/SP, DJ 21.02.2005, p. 197; HC 27993/SP, DJ 02.02.2004, p. 367; HC 42460/SP, DJ 25.09.2006, p. 282. Em sentido contrrio, veja-se duas decises do Tribunal de Justia do Distrito Federal, que estabelecem limitao temporal para as medidas de segurana: REMESSA DE OFCIO TENTATIVA DE HOMICDIO ABSOLVIO SUMRIA INIMPUTABILIDADE PENAL Agente inteiramente incapaz de entender o carter criminoso do fato em razo de doena mental. Dependncia qumica. Laudo psiquitrico. Tempo determinado para a medida de segurana. Deciso por maioria. Vencido o relator. 1. Se o agente, no momento da ao, era inteiramente incapaz de entender o carter ilcito do fato, em razo de doena mental, devidamente atestada por laudo psiquitrico, correta a r. Sentena que o absolveu sumariamente, aplicando-lhe medida de segurana. 2. Conforme deciso da

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  • Pierangeli e Zaffaroni13 assim se manifestaram:

    No constitucionalmente aceitvel que, a ttulo de tratamento, se estabelea a possibilidade de um privao de liberdade perptua, como coero penal. Se a lei no estabelece o limite mximo, o interprete quem tem a obrigao de faze-lo. Pelo menos, mister reconhecer-se para as medidas de segurana o limite mximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a que foi substituda, em razo da culpabilidade dimunuda.14

    Desta forma, embora a deciso do STF seja um importante marco para a

    limitao temporal das medidas de segurana, por explicitar que tanto a internao

    quanto a pena implicam restrio de liberdade imposta pelo Estado, necessrio que se

    maioria, defendida pelos eminentes vogais da egrgia primeira turma criminal, a medida de segurana, no caso em apreo, dever perdurar pelo prazo mximo de treze anos, que seria o prazo mximo de pena privativa de liberdade que poderia ser aplicada ao ru, caso fosse imputvel, pela prtica do crime de tentativa de homicdio simples. Vencido o relator que defende o entendimento de que a medida de segurana deveria ser por tempo indeterminado, perdurando enquanto no fosse averiguada, mediante percia mdica, a cessao de periculosidade, consoante o disposto no 1 do art. 97 do Cdigo Penal. 3. Remessa oficial conhecida e parcialmente provida somente para acrescentar ao dispositivo da r. Sentena que a medida de segurana ser por tempo determinado, pelo prazo mximo de treze anos, equivalente pena privativa de liberdade que poderia ser aplicada ao ru, caso fosse imputvel, pela prtica do crime de tentativa de homicdio simples. No mais, mantida a r. Sentena que absolveu liminarmente o ru por ser o mesmo inimputvel, isento de pena, aplicando-lhe a medida de segurana consistente em internao em hospital de custodia e tratamento psiquitrico do estado. (TJDFT RMO 20050610044350 1 T.Crim. Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati DJU 22.01.2007 p. 69) e APELAO CRIMINAL PENAL PROCESSUAL PENAL ROUBO NEGATIVA DE AUTORIA MATERIALIDADE E AUTORIA ROBUSTAMENTE COMPROVADAS RECONHECIMENTO EFETIVADO PELAS VTIMAS INIMPUTABILIDADE DO ACUSADO ABSOLVIO MEDIDA DE SEGURANA INTERNAO SUBSTITUIO POR TRATAMENTO AMBULATORIAL IMPOSSIBILIDADE PRAZO MXIMO RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO 1. A negativa de autoria no pode ser acolhida quando o acervo probatrio robusto, restando isolada, sem o condo de afastar o Decreto acusatrio. 2. Com fulcro no artigo 97 do Cdigo Penal, a medida de segurana aplicvel nos casos de crimes apenados com recluso a internao, visando a recuperao do agente e a preveno. 3. Somente seria aplicvel a medida de tratamento ambulatorial no caso de crime com penas de deteno, o que no o caso dos autos. 4. Impe-se a determinao do prazo mximo para o cumprimento da medida de segurana, que dever ser idntico ao prazo mximo da pena abstratamente cominada ao crime, segundo entendimento doutrinrio, em face do silncio do Cdigo Penal quanto ao tema. (TJDFT APR 20050410081786 1 T.Crim. Rel. Des. Souza E vila DJU 23.02.2007 p. 180). 13 Id., ibid., p. 858. 14 No mesmo sentido: que, como j exposto, as medidas de segurana representam inequvoco ingresso na rbita de direito fundamental eminente, que a liberdade individual, razo por que se h de exigir no seja ilimitada essa interveno. Sendo-a, apresenta-se situao de excesso, confrontante com o princpio da proporcionalidade. Evidentemente que estamos longe do ideal e o esclio preconizado de lege ferenda. Na quadra atual, sob pena de se converter o intrprete em legislador positivo, parece adequado o reconhecimento da inconstitucionalidade da indeterminao do prazo das medidas de segurana, as quais, na falta de parmetro, estaro limitadas ao perodo que seria ao do mximo da pena privativa de liberdade concernente ao fato praticado. FACCINI NETO, Orlando. Atualidades sobre as Medidas de Segurana. Disponvel em , acesso em 10 de abril de 2008.

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  • v adiante, no sentido de estabelecer como limite de internao o mximo da pena

    abstratamente cominada ao crime imputado ao sujeito.

    3. VIOLAO AOS PRINCPIOS DA AMPLA DEFESA E DO

    CONTRADITRIO

    Ao subordinar a liberao do internado percia mdica que ateste a

    cessao da periculosidade, o Cdigo Penal confirmou o carter perptuo da medida de

    segurana e contrariou os princpios da ampla defesa e do contraditrio. Trata-se de

    arbtrio qualquer tentativa de demonstrar que o cidado perigoso e possui ou no

    propenso para praticar crimes15.

    Qual a definio de periculosidade? Com base em que critrios pode-se

    concluir que o indivduo no cometer mais delitos e, portanto, est apto a voltar ao

    convvio social? Lastreando-se em que evidncias poder o mdico perito afirmar que

    cessou a periculosidade do sujeito? Somente com base na inimputabilidade? Por acaso o

    sujeito que pode ser responsabilizado penalmente tambm no comete crimes, e em

    proporo muito maior?

    A inimputabilidade, por si s, no deve servir para respaldar a

    periculosidade. Tal consiste em um estigma inaceitvel e no condizente com o

    ordenamento constitucional vigente. No se pode presumir a periculosidade, tal como

    fez o legislador penal ptrio, ao preceituar que se o agente for inimputvel, o juiz deve

    determinar sua internao (salvo seja o crime praticado punido com pena de deteno).

    Trata-se de conceito que no pode ser demonstrado objetivamente e, por essa

    razo, torna-se impossvel refut-lo. A despeito dessa constatao, a idia de percia

    medica remete a uma idia falsa, frise-se de cientificidade, que legitima a

    15 Saliente-se que, neste particular, Pierangeli e Zaffaroni definem periculosidade como sendo o simples perigo para os outros ou para a prpria pessoa, em no o conceito de periculosidade pena, limitado probabilidade da prtica de crimes. Id., ibid., p. 856.

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  • subordinao da liberao do indivduo ao laudo mdico, que conclua pela extino da

    periculosidade do agente 16.

    Destaque-se que no existem dados objetivos para se constatar se o sujeito

    perigoso ou no. Forma-se, ento, uma nova tipologia do delinqente, do desajustado,

    que agrega os preconceitos da sociedade e afasta, vez por todas, os indesejveis.

    Justifica-se essa postura do direito penal em relao aos inimputveis com o

    argumento de que a medida de segurana tem carter curativo no pretende retribuir o

    mal do crime, mas tratar o criminoso, de forma que cesse sua periculosidade. Assim,

    permitida estaria anlise da personalidade do indivduo, para que se possa aferir o grau

    de sua periculosidade e se est apto ao convvio social.

    Esse entendimento contraria um Direito Penal informado por garantias. Do

    mesmo modo que a pena, a medida de segurana de internao constitui sano penal e

    implica restrio da liberdade individual. Deste modo, deve ser assegurado ao agente

    inimputvel a observncia dos princpios concernentes ao devido processo legal.

    Segundo Ferrajoli17, disposies legais como a do pargrafo primeiro do

    artigo 97 do Cdigo Penal constituem-se em modelos autoritrios, em que o foco est

    na pessoa do delinqente, cuja personalidade distorcida e anti-social justificaria a

    segregao.

    16 Em sentido contrrio, FACCINI NETO, Orlando. Atualidades sobre as Medidas de Segurana. Disponvel em , acesso em 10 de abril de 2008: E tanto um como outro atuam juzes e psiquiatras -, inevitavelmente, diante dos objetos fatos e pessoas , que lhes so dados a conhecerem, impregnados por suas contingncias, envoltos em suas compreenses e pr-compreenses, enfim, atuam como pessoas e no como mquinas. Isso, contudo, em nada retira a legitimidade de ambas as atividades, as quais, ao contrrio, se legitimam e fundamentam no fato de que os homens ainda so mais confiveis do que os computadores....Ademais, especificamente no concernente aos laudos psiquitricos, so elaborados por dois profissionais cujo conhecimento tcnico propende s pr-compreenses necessrias anlise profcua -, devem vir fundamentados, sujeitam-se ao contraditrio e podem ou no serem acolhidos pelo Juiz da execuo penal. A carga de subjetividade, portanto, inerente aos laudos e inerente a tudo que humano no lhes retira a validade dentro do sistema.

    17 Direito e Razo Toeria do Garantismo Penal, 2 edio, editora RT, p. 46.

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  • O segundo elemento da epistemologia antigarantista o decisionismo processual, quer dizer, o carter no cognitivo, mas potestativo do juzo e da irrogao da pena. O decisioniosmo o efeito da falta de fundamentos empricos precisos e da conseqente subjetividade dos pressupostos da sano nas aproximaes substancialistas e nas tcnicas conexas de preveno e de defesa social. Esta subjetividade se manifesta em duas direes: por um lado no carter subjetivo do tema processual, consistente em fatos determinados em condies ou qualidades pessoais, como a vinculao do ru a tipos normativos de autor ou sua congnita natureza criminal ou periculosidade social; por outro lado, manifesta-se tambm no carter subjetivo do Juzo, que, na ausncia de referencias fticas determinadas com exatido, resulta mais de valoraes, diagnsticos ou suspeitas subjetivas do que de provas de fato.

    Tem-se em vista, aqui, o julgamento do ser do indivduo, circunstncia que

    , por essncia, subjetiva e, por isso mesmo, no passvel de contestao18.

    Deste modo, demonstra-se que a vinculao desinternao do cidado sujeito

    medida de segurana constatao da cessao de periculosidade arbitrria e

    contribui para que a sano se torne eterna, pois sempre haver argumentos subjetivos,

    fundados em condies pessoais, para perpetuar a segregao, que terminam por rotular

    o indivduo como propenso a delinqir ou como possuidor de tendncia delituosa.

    Transparece, assim, a manifesta inconstitucionalidade do dispositivo legal

    questionado, posto que no recepcionado pela Constituio Federal de 1988.

    Evidencia-se, pois, a afronta aos princpios do contraditrio e da ampla

    defesa. Todo argumento que no pode ser questionado no pode se levado a Juzo para

    prejudicar o ru. Como exposto, a periculosidade um dado subjetivo e, deste modo,

    no passvel de contestao.

    Alexandre de Moraes19 define ampla defesa como o asseguramento que

    dado ao ru de condies que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos

    tendentes a esclarecer a verdade. Segundo o mesmo autor, o contraditrio a prpria

    exteriorizao da ampla defesa, impondo conduo dialtica do processo, pois a todo

    ato caber igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a verso que lhe 18 No mesmo sentido, CARVALHO, Amilton Bueno de e CARVALHO, Salo. Aplicao da pena e garantismo. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2004. 19 MORAES, Alexandre. Constituio do Brasil Interpretada. So Paulo: Atlas, 2002, p. 361

    1760

  • convenha, ou ainda, de fornecer uma interpretao jurdica diversa daquela feita pelo

    autor.

    Percebe-se, de plano, que impossvel contradizer dados eminentemente

    subjetivos, como os dados que analisam a possibilidade de o sujeito voltar a delinqir.

    O inimputvel carrega este estigma: presumidamente perigoso e somente cessada essa

    periculosidade pode ser novamente posto em liberdade. Aos imputveis, no entanto,

    dada a certeza do tempo da pena, como se no houvesse, entre esses, a possibilidade da

    reiterao criminosa.

    Cuida-se de imposio de sano preventiva (ou pr-delitual), ou seja,

    aqueles que se entende como perigosos, condena-se segregao infinita. Essa idia de

    indeterminao da sano, fundada apenas na idia de perigosidade do sujeito, remonta

    a Escola Positiva do Direito Penal e lembra Ferri, apud Stephen Jay Gold20:

    As sanes penais devem adaptar-se... personalidade do criminoso... A conseqncia lgica desta concluso a indeterminao da sentena, que tem sido, e continua sendo, combatida pelos criminologistas clssicos e metafsicos, que a consideram uma heresia jurdica... As penas previamente estipuladas so absurdas do ponto de vista da defesa da sociedade. como se num hospital algum mdico quisesse estabelecer para cada doena um perodo definido de permanncia no estabelecimento (Ferri, 1911, p. 251).

    Verifica-se, pois, que o principio do contraditrio importa, necessariamente,

    a possibilidade de refutao de todos os dados trazidos pela acusao. A

    impossibilidade de contrariedade de elementos por essncia subjetivos faz com que no

    seja vivel a internao de sujeito inimputvel com base somente na possibilidade de

    que venha voltar a delinqir, que o contedo da perigosidade.

    4. CONSIDERAES FINAIS

    O art. 5, inciso XLVII, alnea b, da Constituio Federal veda no

    ordenamento jurdico brasileiro a pena de carter perptuo. Ora, exatamente o que

    ocorre com a medida de segurana, consoante a disposio do pargrafo primeiro do

    artigo. 97 do Cdigo Penal.

    20 GOULD, Stephen Jay. A Falsa Medida do Homem. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 141.

    1761

  • Ao dispor que a internao ter prazo indeterminado, at que mediante

    percia medica se constate a cessao de periculosidade, contraria a norma a Lei Magna.

    No pode se submeter o cidado sano eterna, sem prazo determinado, ao arbtrio de

    uma percia mdica que diga que o sujeito no mais perigoso.

    A medida de segurana deve ter limite temporal mximo. Este prazo deve

    ser definido pelo mximo da pena cominada abstratamente para o crime cometido. A

    pensar-se de forma diversa, ao sujeito inimputvel se impe tratamento mais rgido ao

    conferido queles plenamente responsveis por seus atos.

    Do mesmo modo, a subordinao da desinternao do cidado constatao

    de que no apresenta periculosidade infringe os princpios da ampla defesa e do

    contraditrio, pois se referem ao ser do indivduo, e, consequentemente, no podem ser

    objeto de demonstrao emprica. Assim, no possvel a contestao, o que entra em

    rota de coliso com o artigo 5, inciso LV, da Carta Poltica.

    1762

  • REFERNCIAS BRUNO, Anbal. Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1984. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 84219/SP, julgamento em 16 de out.2005. BRASIL. Superior Tribunal de Justia. HC 200602529927 (70497) SP 6 T. Rel. Min. Carlos Fernando Mathias DJU 03.12.2007 p. 00367 CARVALHO, Amilton Bueno de e CARVALHO, Salo. Aplicao da Pena e Garantismo. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2004. FACCINI NETO, Orlando. Atualidades sobre as Medidas de Segurana. Disponvel em , acesso em 10 de abril de 2008.

    FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo. Teoria do Garantismo Penal. Traduo por SICA, Ana Paula Zomer, CHOUKR, Fauzi Hassan, TAVARES, Juarez e GOMES, Luiz Flvio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. GOULD, Stephen Jay. A Falsa Medida do Homem. So Paulo: Martins Fontes, 2003. MORAES, Alexandre. Constituio do Brasil Interpretada. So Paulo: Atlas, 2002. NORONHA, Magalhes. Direito Penal. So Paulo: Saraiva, 1993. QUEIROZ, Paulo de Souza. Penas e medidas de segurana se distinguem realmente?. Boletim IBCCRIM. So Paulo, v.12, n.147, p. 15-16, fev. 2005. ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

    1763