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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais
SEGURANÇA, DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO
DE ESTADOS:
O caso da Libéria (2003-2008)
Letícia Carvalho de Souza
Belo Horizonte
2010
Letícia Carvalho de Souza
SEGURANÇA, DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO
DE ESTADOS:
O caso da Libéria (2003-2008)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Relações Internacionais.
Orientador: Paulo Luiz Moreaux Lavigne Esteves
Belo Horizonte
2010
Letícia Carvalho de Souza
Segurança, Desenvolvimento e Reconstrução de Estados:
O caso da Libéria (2003-2008)
Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designada pelo Colegiado do
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em
Relações Internacionais.
Belo Horizonte, 2010.
___________________________________________
Prof. Dr. Paulo Luiz Moreaux Lavigne Esteves (Orientador) – PUC Minas
___________________________________________
Prof. Dr. João Pontes Nogueira – PUC Rio
___________________________________________
Prof.ª Dra. Matilde de Souza – PUC Minas
Para o meu querido Otávio, senhor das magias
coincidentes, encantador de computadores e melhor
companheiro do mundo, que torna minha vida muito
mais feliz... E mais fácil também!
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq –
Brasil, pelo apoio e financiamento concedidos por meio do Programa Renato Archer de Apoio
à Pesquisa em Relações Internacionais.
Ao meu orientador, a pessoa mais brilhante e generosa que conheço, por todas as lições
(aprendidas ou não), pela adoção durante todos esses anos... Vou sentir demais a sua falta!
À minha mãe, confidente e colaboradora de todas as minhas idéias maluquinhas, pela
curiosidade e pelos olhos atentos que devem ter passado por essas páginas quase tanto quanto
os meus.
Ao meu pai, que sempre me viu correndo mundo e me faz ir mais longe.
Ao meu irmão Pedro, que me acha tão sabida e me ensina tanto...
Ao meu querido Otávio, pelo amor e pela compreensão em todas as coisas, grandes e
pequeninas.
Aos meus avós, que trouxeram alegria para o meu nome e a renovam, sempre, me ensinando a
colorir a vida.
Às minhas tias Marta, Ana e Rita, à Helena e à galera do sítio, por tudo.
À Lelena, amiga querida, companheira de andanças e guardiã das minhas palavras.
Aos meus caros amigos, pela compreensão diante dos encontros que perdi, dos convites que
não pude aceitar e dos filmes que não vimos nos últimos tempos, com açúcar, com afeto!
Aos meus professores, colegas e a todo o pessoal do Mestrado, por terem tornado esses anos
muito mais interessantes, agradáveis e divertidos do que eu jamais imaginei!
RESUMO
A dissertação trata das principais transformações dos mecanismos de segurança coletiva após
o fim da Guerra Fria, com ênfase nas operações de manutenção da paz (OMP) e reconstrução
de Estados, realizadas pela ONU. Mais especificamente, pretende-se discutir o processo de
emergência das operações multidimensionais e a reorganização das atividades relacionadas a
elas em três grandes áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao
desenvolvimento – e a abertura à participação de um leque diverso de atores, com base na
operação realizada na Libéria, entre 2003 e 2008. A pesquisa orientou-se por duas hipóteses
de trabalho: (i) a reformulação das OMP relacionou-se à emergência de um novo
entendimento acerca da paz e dos caminhos para alcançá-la, informada pela consolidação de
um nexo discursivo entre segurança e desenvolvimento; e (ii) tal nexo rearticulou a segurança
como condição para o desenvolvimento e, paralelamente, o desenvolvimento como elemento
essencial para a manutenção da segurança a longo prazo.
Palavras-chave: Segurança; Desenvolvimento; Operações de Manutenção da Paz;
Governamentalidade; Paz Democrática; Libéria.
ABSTRACT
This dissertation explores major transformations of collective security mechanisms
after the Cold War, emphasizing UN peacekeeping operations and State reconstruction
processes. Specifically, it discusses the emergence of multidimensional operations, the
reorganization of its tasks in three critical areas – security, humanitarian assistance and
development assistance – and the participation of various actors, based on the operation that
took place in Liberia, between 2003 and 2008. The research sets out two hypothesis: (i) the
rise of multidimensional peacekeeping operations relates to the emergence of a new
understanding of peace and the means that lead to its establishment, informed by a security-
development nexus; and (ii) this nexus rewrites security as a condition for development, and,
at the same time, development as an essential condition for long-term security.
Key-words: Security; Development; Peacekeeping Operations; Governmentality; Democratic
Peace; Liberia.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Mecanismos de manutenção da paz ............................................................... 49
FIGURA 2: Fases e principais atividades das operações de manutenção da paz
multidimensionais ............................................................................................................ 50
FIGURA 3: Organograma da UNMIL .............................................................................. 78
FIGURA 4: Organograma do Escritório Imediato do Representante Especial do
Secretário-Geral ............................................................................................................... 79
FIGURA 5: Distribuição das Políticas de Reconstrução do Estado na Libéria nas áreas
de Segurança (OMP), Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao
Desenvolvimento (UNDAF) ............................................................................................ 104
FIGURA 6: Distribuição das Organizações que participam do processo de
reconstrução da Libéria nas áreas de Segurança (OMP), Assistência Humanitária
(CAP) e Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF) ........................................................ 106
FIGURA 7: Processo de reconstrução da Libéria e a formulação da UNDAF ................... 137
LISTA DE MAPAS
MAPA 1: Deslocamento das milícias, confrontos com o governo e fluxos
populacionais na Libéria (2003) ....................................................................................... 74
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1: Número de Operações de Paz realizadas pela ONU por década. .................. 38
GRÁFICO 2: Voz e Accountability na Libéria (1996-2008) .............................................. 124
GRÁFICO 3: Qualidade da Regulação na Libéria (1996-2008) ........................................ 124
GRÁFICO 4: Estabilidade Política na Libéria (1996-2008) .............................................. 124
GRÁFICO 5: Primado da Lei na Libéria (1996-2008) ...................................................... 124
GRÁFICO 6: Efetividade do Governo na Libéria (1996-2008) ......................................... 124
GRÁFICO 7: Controle da Corrupção na Libéria (1996-2008) .......................................... 124
GRÁFICO 8: Performance econômica (evolução do PIB per capita em dólares norte-
americanos) e tensão política na Libéria (1960-2005) ....................................................... 129
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Principais componentes da Doutrina Capstone ............................................ 47
QUADRO 2: OMP realizadas pela ONU (1948-1989) e principais componentes do
mandato ........................................................................................................................... 53
QUADRO 3: OMP realizadas pela ONU (1990-2009) e principais componentes do
mandato ........................................................................................................................... 57
QUADRO 4: Componentes da UNMIL e Ocorrência por Ano (2003-2008) ..................... 85
QUADRO 5: Componentes da UNMIL e Elementos a eles relacionados (2003-2008) ...... 86
QUADRO 6: Componentes do CAP e Ocorrência por Ano (2003-2008) .......................... 91
QUADRO 7: Componentes do CAP e Elementos a eles relacionados (2003-2008) ........... 92
QUADRO 8: Componentes da UNDAF e Ocorrência por Ano (2003-2008) .................... 99
QUADRO 9: Componentes da UNDAF e Elementos a eles relacionados (2003-2008) ..... 100
QUADRO 10: Principais objetivos da PRS, UNDAF e sua relação com as Metas de
Desenvolvimento do Milênio ........................................................................................... 136
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Valores adicionados por setor na Libéria (1987-2005), em dólares norte-
americanos ....................................................................................................................... 129
LISTA DE SIGLAS
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
ACS – American Colonization Society
AG – Assembleia Geral
BM – Banco Mundial
BoB – Bureau of Budget
CAP – Consolidated Appeal Process
CBL – Banco Central da Libéria
CBO – Organização de Base Comunitária
CCA – Common Country Assessment
CDU – Conduct and Discipline Unit
CHAP – Consolidated Humanitarian Appeals
CSH – Comissão sobre Segurança Humana
COE – Contingent Owned Equipment System
CS – Conselho de Segurança
CGG – Comissão sobre Governança Global
CSO – Organização da Sociedade Civil
DDRR – Desarmamento, Desmobilização, Reabilitação e Reintegração
DFS – Department of Field Support
DPKO: Department of Peacekeeping Operations
DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis
EACDH – Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos
ECOMIL: Economic Community of West African States‘ Mission in Liberia
ECOMOG: Economic Community of West African States‘ Monitoring Group
ECOWAS: Economic Community of West African States
EUA – Estados Unidos da América
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FFT – Food for Training (Trabalho por Instrução)
FFW – Food for Work (Trabalho por Comida)
FMI – Fundo Monetário Internacional
GAC – Comissão Geral de Auditoria
GEMAP – Governance and Economic Management Assistance Program
GOL – Governo da Libéria
GRC – Comissão de Governança e Reforma
GSA – Agência de Serviços Gerais
GTZ – Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit
HIV/AIDS – Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
IBRD – International Bank for Reconstruction And Development
ICISS – International Commission on Intervention and State Sovereignty
ICRC – Comitê Internacional da Cruz Vermelha
IDPs – Internally Displaced Persons
IEC – Informação, Educação e Comunicação
IFC – International Finance Corporation
IMPP – Integrated Mission Planning Process
ITS – Integrated Training Service
JAM – Joint Assessment Missions
LPRC – Corporação de Refino de Petróleo da Libéria
LSD – Logistics Support Division
LURD – Liberians United for Reconciliation and Democracy
MIGA – Multilateral Investment Guarantee Agency
MLME – Ministério da Fazenda, Mineração e Energia
MODEL – Movement for Democracy in Liberia
MoF – Ministério das Finanças
MTP – Medium Term Plan
NFI – non-food items
NPA – Autoridade Portuária Nacional
NPFL – National Patriotic Front of Liberia
OCHA – Office for the Coordination of Humanitarian Affairs
OI – Organização Internacional
OIM – Organização Internacional para as Migrações
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMP – Operações de Manutenção da Paz
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
ONUC – United Nations Operation in the Congo
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
OUA – Organização da União Africana
PBPS – Peacekeeping Best Practices Section
PCNA – Post-Conflict Needs Assessment
PETD – Policy Evaluation and Training Division
PIB – Produto Interno Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento
PRC – People‘s Redemption Council
PRS – Poverty Reduction Strategy
PRSP – Poverty Reduction Strategy Papers
SGBV – Sexual and Gender-Based Violence (Violência Sexual e de Gênero)
TI – Tecnologia da Informação
UNAIDS – United Nations Joint Programme on HIV/AIDS
UNAMSIL: United Nations Mission in Sierra Leone
UNCT – United Nations Country Team
UNDAF – United Nations Development Assistance Framework
UNDG – United Nations Development Group
UNDOF – United Nations Disengagement Observer Force
UNEF I – First United Nations Emergency Force
UNEF II – Second United Nations Emergency Force
UNESCO – United Nations Economical Social and Cultural Organization
UNFICYP – United Nations Peacekeeping Force in Cyprus
UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
UNIFIL – United Nations Interim Force in Lebanon
UNMIL – United Nations Mission in Liberia
UNMOGIP – United Nations Military Observer Group in India and Pakistan
UNOL – United Nations Peace-building Support Office in Liberia
UNOMIL – United Nations Observer Mission in Liberia
UNOPS – United Nations Office for Project Services
UNTSO – United Nations Truce Supervision Organization
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
WATSAN – Abastecimento de Água e Saneamento
WBG – World Bank Group
WFP – World Food Programe
WVI – World Vision International
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 17
2 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ E TRANSFORMAÇÕES DO
SISTEMA DE SEGURANÇA COLETIVA .................................................................. 22
2.1 Paz e Estabilidade no Sistema Internacional da Guerra Fria ................................ 23
2.2 Pós Guerra Fria: uma Agenda para a Paz .............................................................. 30
2.3 Transformações Operacionais ................................................................................. 38
2.4 Doutrina Capstone .................................................................................................... 46
2.5 Transformações do Sistema de Segurança Coletiva ............................................... 52
3 SEGURANÇA, ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA, ASSISTÊNCIA AO
DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO DO ESTADO NA LIBÉRIA ............ 68
3.1 Breve História da Libéria ........................................................................................ 69
3.2 UNMIL: multidimensionalidade e reconstrução do Estado na Libéria ................. 73
3.3 Organização da Missão ............................................................................................ 82
3.3.1 Segurança ............................................................................................................... 83
3.3.2 Assistência Humanitária ........................................................................................ 88
3.3.3 Assistência ao Desenvolvimento ............................................................................. 95
3.3.4 Nexo entre segurança, desenvolvimento e assistência humanitária ....................... 102
4 GOVERNAMENTALIDADE E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ............................ 108
4.1 Governamentalidade e constituição de Estados na Modernidade .......................... 109
4.2 Emergência de um espaço internacional governamentalizado ............................... 113
4.3 Governamentalização internacional pela via liberal-democrática ......................... 118
4.4 Segurança, desenvolvimento e transformação social na Libéria ............................ 128
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 139
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 141
APÊNDICE .................................................................................................................... 162
17
1. INTRODUÇÃO 1
Os processos de construção e reconstrução de Estados são recorrentes ao longo da
história do que se conhece hoje como sociedade internacional. Seja nas guerras de
independência do século XVIII, ou nas Operações de Manutenção da Paz (OMP)
multidimensionais do XXI, a criação de arranjos estatais foi tomada como a principal maneira
de promover a estabilidade nas regiões em conflito e, de forma mais ampla, a manutenção da
ordem no sistema internacional. Ainda que os objetivos gerais tenham sido preservados, a
forma de realizá-los sofreu importantes transformações por séculos afora, com destaque para a
crescente participação das organizações internacionais. Particularmente, a partir da Segunda
Guerra Mundial, a (re)construção de Estados teve lugar em torno da Organização das Nações
Unidas (ONU), que se constituiu, desde então, em fórum de reconhecimento e ator
fundamental para tais processos.
O final da Guerra Fria marcou um importante ponto de inflexão para as atividades da
ONU, especialmente no que se refere às ações voltadas para a manutenção da paz e da
estabilidade internacionais. Nesse período, além do aumento da quantidade de operações,
pode-se observar uma mudança significativa dos tipos de conflito que demandaram
intervenção por parte da Organização. Se, no período da bipolaridade, as tropas da ONU eram
normalmente mobilizadas para auxiliar a resolução de conflitos entre Estados, agora se viam
compelidas a agir para solucionar conflitos internos e combater a deterioração das condições
econômicas, políticas, sociais e humanitárias. Como resposta a esses desafios, a ONU iniciou
um enorme esforço no sentido de estabelecer novas diretrizes de ação para intervir em
conflitos, o que culminou na produção de uma série de agendas e relatórios que inauguraram
o que Weiss, Forsythe e Coate (2004) chamaram de uma nova geração de operações de paz,
caracterizadas, fundamentalmente, pela multidimensionalidade.
Para além da demarcação de fronteiras e da restituição da soberania, as operações de
manutenção da paz multidimensionais prevêem a reconstrução ampla das instituições e da
infraestrutura dos Estados, de acordo com princípios de democracia e boa governança. Para
tanto, documentos como a Doutrina Capstone (2008), sugerem a divisão das ações
relacionadas à reconstrução em três áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao
desenvolvimento – e a participação mais incisiva, em cada uma delas, de atores
1 A elaboração do trabalho considerou as mudanças decorrentes da reforma ortográfica da língua portuguesa
(VOLP, 2009).
18
especializados; como, por exemplo, as diversas agências da ONU, Organizações
Internacionais, Organizações Não Governamentais Nacionais e Internacionais, coordenadas
pela missão da ONU no país em reconstrução. Essas novas diretrizes parecem emergir em
meio à consolidação de um nexo discursivo entre segurança e desenvolvimento, no qual, cada
vez mais, a segurança passa a ser colocada como condição para que um Estado possa
conseguir, junto à sociedade internacional, os recursos necessários para levar à cabo seu
desenvolvimento; paralelamente, o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida das
populações são redefinidos como bases para a construção da paz e para a manutenção da
segurança e da estabilidade a longo prazo.
A elaboração do trabalho pautou-se na analítica interpretativa e na genealogia
foucaultianas, como instrumentos de re-descrição das práticas que produzem, reproduzem e
transformam a dinâmica social e política, moldando a forma como elas se apresentam para
nós hoje (RABINOW; DREYFUSS, 1995). Ambas dão atenção especial à linguagem e ao
discurso como elementos centrais da atividade cognitiva. Para Foucault, não existem verdades
exteriores ao discurso, e, mesmo as estruturas mais gerais de inteligibilidade e conhecimento,
são constituídas discursivamente. A linguagem não é vista a partir de sua suposta função
referencial, e, sim, como um estoque de ativos discursivos que constituem identidades,
habilitam espaços sociais e agenciam práticas políticas (SHAPIRO, 1992).
Os atos discursivos podem ser caracterizados pela pretensão de criar verdade e
inteligibilidade, o que só pode ser realizado quando aquele que enuncia é dotado de
autoridade discursiva (SHAPIRO, 1992). Essa autoridade é dada pela articulação entre poder
e conhecimento e sustenta as justificativas institucionalizadas e sistemáticas que afirmam
como verdade determinados atos discursivos. Os enunciados autorizados, isto é, capazes de
articular poder e saber, geram práticas discursivas que traçam linhas separando o que é
considerado normal e patológico; verdadeiro e falso. Essas distinções resultam de um embate
discursivo entre pretensões concorrentes de verdade, e de sua capacidade de normalizar o
mundo, valendo-se de práticas políticas que têm impacto material.
O que a genealogia faz é lançar um olhar diacrônico em relação à história, em uma
tentativa de dissolver a coerência das estruturas de verdade que sustentam a ordem e seus
processos de normalização (RABINOW; DREYFUSS, 1995). A genealogia permite ver como
político aquilo que é tido como natural (SHAPIRO, 1992), além de possibilitar uma
compreensão crítica da ordem e dos sistemas de significados que regem o mundo presente.
Como observa Foucault, ―para a genealogia não há essências fixas, nem leis subjacentes, nem
finalidades metafísicas. A genealogia busca descontinuidades ali onde desenvolvimentos
19
contínuos foram encontrados‖ (FOUCAULT, 1979b, p.18). A verdade profunda que interessa
ao genealogista ―é o segredo de que [as coisas] não têm essência, ou que sua essência foi
construída, peça por peça, a partir de figuras que lhe eram estranhas‖ (p. 19). Diferente das
abordagens históricas tradicionais, que tomam aquilo que prevalece como natural e ignoram
possibilidades alternativas apresentadas por discursos derrotados, ―Foucault, como Nietzsche,
entende que há um leque indeterminado de ‗subjetividades‘ possíveis e que toda versão
institucionalizada da ‗subjetividade‘ representa uma vitória política‖ (SHAPIRO, 1992, p. 16,
tradução livre). 2
É importante notar que, para Foucault (1979c), o poder tem caráter dinâmico e
produtivo, não simplesmente repressivo; participa da constituição e da sustentação de
sistemas de valores e significados, da produção de sujeitos, da construção das identidades e do
conhecimento, perpassando a organização de todas as sociedades. Segundo o autor, o poder
deve ser considerado como uma ―rede produtiva que atravessa todo o corpo social, muito mais
do que uma instância negativa que tem por função reprimir‖ (FOUCAULT, 1979c, p. 8).
Assim, as práticas discursivas sancionadas pelo poder, e articuladas a ele, convertem-se em
economias políticas historicamente produzidas de significados, valores e práticas.
Partindo dessa perspectiva, estudou-se as principais transformações normativas,
institucionais e operacionais relacionadas às operações de manutenção da paz, em geral, e à
reconstrução de Estados, mais especificamente, para compreender como ocorre a distribuição
das ações da ONU nas três grandes áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao
desenvolvimento – e a interação entre elas, à luz de seu papel como instrumentos do sistema
de segurança coletiva. O recorte proposto refere-se às operações realizadas pela ONU após a
Guerra Fria, com ênfase no processo de reconstrução do Estado na Libéria, entre 2003 e 2008.
A pesquisa orientou-se por duas hipóteses de trabalho: (i) o processo de reformulação
normativa, institucional e operacional das operações de paz no pós Guerra Fria relacionou-se
à emergência de um novo entendimento acerca da paz e dos caminhos para alcançá-la,
informada pela consolidação de um nexo discursivo entre segurança e desenvolvimento; e (ii)
tal nexo rearticulou a segurança como condição para o desenvolvimento e, paralelamente, o
desenvolvimento como elemento essencial para a manutenção da segurança a longo prazo, o
que se refletiu na porosidade das fronteiras entre as áreas, fazendo com que a maior parte dos
projetos fosse desenvolvida de forma interligada.
2 ―Foucault, like Nietzsche, assumes that there is an indeterminant range of possible selves and that every
institutionalized version of the self represents a political victory‖.
20
Para estudar a pertinência das hipóteses propostas, utilizou-se o método da análise de
discurso, tal como proposto por Lene Hansen (2006), no qual os textos são tomados
simultaneamente como únicos (individuais) e interligados (dividem concepções), de modo
que os significados não podem ser apreendidos com base em um só texto. Assim, a análise
recorre à ideia de intertextualidade, ―que ressalta que os textos estão situados entre e contra
outros textos, os quais são citados na construção de identidades e políticas, revisão e
apropriação do passado e construção de autoridade‖ (HANSEN, 2006, p.55, tradução livre). 3
A intertextualidade, portanto, toma um texto em relação a outro, construindo uma rede que
permite compreender como os textos se ligam, como constroem autoridade e uma certa
estabilidade na maneira de lidar com assuntos particulares. Mais do que isso, permite estudar
a ligação de diferentes modos de autoridade, construção, interligação e mobilização de
discursos que viabilizam o exercício do poder (HANSEN, 2006). De acordo com os objetivos
do trabalho, a utilização da análise de discurso procurou viabilizar a construção de uma rede
intertextual que permitisse perceber as categorias-chave com base nas quais a ONU opera na
manutenção da paz e na reconstrução de Estados – como segurança, desenvolvimento e
democracia –, bem como a forma pela qual essas categorias são traduzidas dos documentos
que propõem diretrizes políticas, para a linguagem dos operadores de campo.
As transformações das diretrizes normativas, institucionais e operacionais dos
instrumentos utilizados pela ONU para manter a paz e reconstruir Estados, desde sua criação
até o ano de 2008, foram abordadas no Capítulo 1, que enfatizou a reorganização das
atividades relacionadas a esses instrumentos em três áreas – segurança, assistência
humanitária e assistência ao desenvolvimento –, como reflexo da incorporação do
desenvolvimento a uma nova agenda de segurança internacional. No Capítulo 2, com base no
caso da OMP realizada na Libéria (2003 a 2008), procurou-se identificar evidências da
tradução das diretrizes gerais para a linguagem dos operadores de campo, por meio da análise
de documentos que detalham as atividades realizadas pela ONU e seus parceiros no país, com
vistas à identificação dos principais componentes e elementos que integram suas atribuições e
das diversas formas de interação entre eles. Esse esforço foi complementado pela
identificação das agências e organizações encarregadas do desenvolvimento dessas atividades,
e das áreas de atuação de cada uma delas. Finalmente, no Capítulo 3, a reformulação dos
meios pelos quais a sociedade internacional passou a promover a paz e a segurança, a partir
3 ―It highlights that texts are situated within and against other texts, that they draw upon them in constructing
their identities and policies, that they appropriate as well as revise the past, and that they build authority by
reading and citing that of others‖.
21
do final da Guerra Fria, foi reinterpretada, com base no conceito de governamentalidade,
formulado por Foucault, como uma forma de colonização do espaço social internacional, e de
suas fronteiras, por meio da difusão de modos de existência liberais, inspirados pela
consolidação de um nexo entre segurança e desenvolvimento, que se articula em torno da
ideia de Paz Democrática.
22
2 OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ E TRANSFORMAÇÕES DO SISTEMA
DE SEGURANÇA COLETIVA
Os processos de construção e reconstrução de Estados são recorrentes ao longo da
história do que se conhece hoje como sociedade internacional. Seja nas guerras de
independência do século XVIII, ou nas Operações de Manutenção da Paz (OMP)
multidimensionais do XXI, a criação de arranjos estatais foi tomada como a principal maneira
de promover a estabilidade nas regiões em conflito e, de forma mais ampla, a manutenção da
ordem no sistema internacional. Ainda que os objetivos gerais tenham se mantido, a forma de
realizar essa tarefa sofreu importantes transformações por séculos afora, com destaque para a
crescente participação das organizações internacionais. Particularmente, a partir da Segunda
Guerra Mundial, a (re)construção de Estados teve lugar em torno da Organização das Nações
Unidas (ONU), que se constituiu, desde então, em fórum de reconhecimento e ator
fundamental para tais processos.
O capítulo aborda o papel desempenhado pela ONU na (re)construção de Estados à luz
de sua função mais ampla de manter a ordem e a estabilidade no sistema internacional.
Inicialmente, serão discutidos os principais instrumentos de pacificação e reconstrução
utilizados pela Organização, bem como as modificações sofridas por eles, desde sua criação
até o ano de 2008, com ênfase no período posterior à Guerra Fria. Nesse período, serão
discutidas as novas diretrizes normativas, institucionais e operacionais das OMP, e a
incorporação do desenvolvimento como componente de uma nova agenda de segurança
internacional. Tal incorporação, como aqui defendida, ocorre de duas maneiras:
conceitualmente, por meio da consolidação da noção de segurança humana; e,
operacionalmente, com a criação das operações multidimensionais.
Finalmente, pretende-se tratar da nova estrutura das missões de paz, tal como proposta
na Doutrina Capstone (2008). Nesse sentido, interessa principalmente perceber como as
tarefas realizadas pelas missões são reorganizadas em torno de três áreas: segurança,
assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento. Pretende-se ainda identificar e
descrever o processo de atribuição de papéis entre atores, dentro e fora do sistema ONU – tais
como agências estatais e organizações não governamentais (ONGs) –, e de interação entre
eles para realização de tarefas cada vez mais complexas que constam da agenda das operações
de paz que envolvem (re)construção de Estados.
23
2.1 Paz e Estabilidade no Sistema Internacional da Guerra Fria
Para Bartelson (1995), a constituição do mundo moderno teria partido do
questionamento sobre a origem da relação entre homem, linguagem e nação, em decorrência
do qual esses três elementos, além de historicizados, passaram a ser entendidos dentro de um
―jogo de espelhos‖, obedecendo às mesmas regras e constituindo as condições de
conhecimento, com base na reflexividade entre ser e saber. Isso permitiu que comunidades
interpretativas ganhassem existência objetiva e atribuiu ao Estado uma subjetividade análoga
à do homem (BARTELSON, 1995). O Estado passou a ser entendido como uma pessoa moral
e a soberania foi despersonalizada, isto é, deixou de referir-se à pessoa do soberano e passou a
ser atribuída à nação. Nesse sentido, os Estados nacionais modernos são constituídos por meio
da lógica de exclusão que separa o interno e o externo. Por analogia, as relações externas dos
Estados foram interpretadas com base na mesma lógica de exclusão territorial, fazendo da
soberania o princípio organizador das relações sociais no interior dos Estados e entre eles
(BARTELSON, 1995). Essa dualidade possibilitou a emergência do internacional como um
regime de poder que produz a sociedade internacional, gerando indivíduos – Estados
nacionais – e normalizando as relações entre eles – sociedade internacional. Assim, pode-se
considerar a soberania como o dispositivo 4 que, reunindo poder e conhecimento, constituiu
Estados como sujeitos e os dispôs em uma ordem social: a sociedade internacional
(ESTEVES, 2006).
O funcionamento adequado dessa sociedade, ou seja, a manutenção da ordem,
pressupõe a observância de regras e depende da capacidade de expansão do modelo para
outros espaços, o que é feito por meio de várias estratégias de poder, tecnologias e técnicas. 5
Valendo-se delas, a sociedade internacional pode transformar comunidades políticas em
Estados nacionais soberanos e transplantar para eles uma série de padrões de organização do
governo, das relações políticas e sociais que compõem o modelo de sujeito internacional.
4 O conceito de ―dispositivo‖ é entendido, segundo a obra de Foucault, como um conjunto de práticas coerentes
que organizam a realidade social, reúnem poder e saber, e estabelecem relações de forças, produzindo formas de subjetividade consistentes com o regime de poder a que se encontram referidos (RABINOW; DREYFUSS,
1995). 5 Entende-se aqui estratégia como o emprego da racionalidade na escolha dos meios para alcançar um objetivo,
obter uma vantagem ou uma vitória. As estratégias de poder, por sua vez, seriam o ―conjunto dos meios operados
para fazer funcionar ou para manter um dispositivo de poder.‖ (RABINOW; DREYFUSS, 1995, p.248). Já o
conceito de técnica vem do grego techné, saber fazer, e se refere ao conjunto de processos de uma arte ou
ciência, especificamente relacionados à prática. Essa ideia de saber fazer, conforme entendida pelos antigos, se
opõe à de saber pensar, relacionada ao conceito de tecnologia, entendida como conjunto de conhecimentos,
especialmente princípios, que se aplicam a um determinado ramo de atividade.
24
Com isso, promove a disciplina nas relações entre comunidades políticas, criando unidades
homogêneas capazes de atuar na sociedade de Estados de acordo com regras preestabelecidas
que garantirão a perpetuação do próprio regime de poder que as constituiu.
A construção de Estados, ou pelo menos de unidades administrativas que reproduziam,
em larga medida, a forma de organização das relações políticas e sociais proposta pelos
arranjos estatais, foi, historicamente, uma das principais estratégias de expansão do modelo de
sujeito internacional para além das fronteiras europeias. Inicialmente, essa expansão se deu
pelo recurso a técnicas como o processo de colonização empreendido pelos europeus ao redor
do mundo, que, de acordo com a descrição oferecida por Watson (2004), baseou-se nos
princípios que regiam a própria sociedade européia. Em seguida, com a primeira onda de
processos de liberação nacional – ou descolonização – coube aos europeus administrar a
reinserção das antigas colônias em seu sistema de Estados, agora como unidades soberanas.
Ainda segundo Watson (2004), a preponderância exercida pelos europeus no sistema teria
sido solapada diante da destruição provocada pela segunda Guerra Mundial, que teve como
efeitos principais, por um lado, a transferência do controle sobre o sistema para as mãos dos
grandes vitoriosos do conflito, os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS); e, por
outro, o desencadeamento de uma nova onda de movimentos de reivindicação de
independência entre as colônias e possessões das antigas potências, principalmente na África
e na Ásia.
A prerrogativa de reconstruir a ordem internacional no pós-guerra impôs às potências
dois grandes desafios. O primeiro deles, a recomposição de um sistema de segurança coletiva,
no intuito de devolver a estabilidade às relações entre os Estados e garantir a perpetuação do
modelo de relacionamento entre eles. O segundo, a administração dos processos de
reivindicação de independência para garantir que seu desenrolar não ameaçasse a existência
das unidades que já constituíam o sistema. Nesse período, a construção de Estados se aliou a
duas outras estratégias – demarcação das zonas de influência das potências e descolonização –
como parte do esforço de redefinição dos contornos da ordem internacional, de acordo com a
lógica da Guerra Fria. A demarcação das zonas de influência previa a divisão do mundo em
dois blocos, um alinhado à URSS e outro aos EUA, sendo que caberia a cada uma das
potências preservar a ordem e a estabilidade dentro de seu bloco. A descolonização, por sua
vez, garantiria independência às regiões coloniais sob domínio europeu, sua inscrição, agora
como Estados, nas zonas de influência, e seria uma forma de legitimar a nova ordem e por um
fim definitivo à proeminência europeia no sistema (WATSON, 2004).
25
Em parte, a operação do sistema de segurança coletiva, bem como a entrada dos novos
Estados no sistema internacional foram relegadas à ONU, criada em 1945, para preservar a
paz e a estabilidade. Os processos de construção de Estados liderados pela ONU ocorreram
pelo recurso a duas grandes técnicas: as operações de paz, desenvolvidas para restaurar a
segurança em casos de conflito; e a tutela, delineada especialmente para lidar com casos de
descolonização. A primeira será tratada detalhadamente, ao passo que a segunda será descrita
de forma breve, para fornecer base de comparação. Em ambos os casos, é possível perceber
que a atuação da ONU foi pautada pelo respeito à noção de equilíbrio de poder e ao princípio
da soberania, o que denota a importância dos instrumentos de controle dos Estados nacionais
para a governabilidade e a preservação do sistema internacional. Dessa forma, a Organização
procurou garantir a demarcação das fronteiras dos Estados e o estabelecimento de governos
fortes que pudessem exercer controle efetivo sobre seu território e sua população, garantindo
a preservação da ordem interna. Paralelamente, a reorganização das comunidades políticas na
forma de Estados permitiria sua inscrição no sistema de zonas de influência criado pelas
potências.
A tutela funcionou, no imediato pós-guerra, como substituta para o sistema de
mandatos da Liga das Nações, com o objetivo de conduzir povos considerados atrasados ao
autogoverno. Para tanto, a Carta da ONU determinou a criação do Conselho de Tutela como
um dos seis órgãos da Organização. 6 O Conselho era composto por representantes dos
Estados-membros cuja atuação deveria centrar-se na coleta de informações, discussões e
recomendações sobre os territórios tutelados para as nações responsáveis por sua
administração, ainda que sem poderes coercitivos legais (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002). 7
Pelos acordos firmados em 1946 e 1947, os mandatos dos territórios que, de acordo com os
6 Os outros cinco órgãos são a Corte Internacional de Justiça, a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança, o
Conselho Econômico e Social e o Secretariado. O último território sob mandato do Conselho de Tutela, a Ilha de
Palau, tornou-se independente em 1994. Desde então, as atividades do Conselho foram interrompidas, mas, para evitar emendas à Carta, o órgão continua a existir formalmente (WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004). 7 O órgão tinha também a prerrogativa de receber petições enviadas por nativos diretamente, além do direito de
enviar missões aos territórios tutelados, para averiguar as condições em primeira mão (ZIRING; RIGGS;
PLANO, 2002). Vale ressaltar que os países encarregados da administração dos territórios tutelados procuraram,
ao longo do tempo, desenvolver mecanismos para resguardar sua capacidade de controle em relação à
interferência da ONU. Exemplo disso foi a salvaguarda conseguida pelos Estados Unidos sobre a administração
das ilhas do Pacífico, que previa que, se os territórios tutelados estivessem comprovadamente envolvidos em
questões estratégicas, os assuntos relacionados a eles sairiam do âmbito do Conselho de Tutela e passariam para
a jurisdição do Conselho de Segurança (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002).
26
critérios da Liga, pertenciam às classes B e C 8 foram automaticamente colocados sob tutela,
enquanto os da classe A ficaram dispostos em uma escala para definição rápida da
independência 9. Além dos territórios herdados da Liga, a Carta da ONU colocava a tutela
como uma opção para a administração dos territórios retirados dos Estados derrotados na
Segunda Guerra Mundial (ZIRING; RIGGS; PLANO; 2002).
Os territórios entravam no sistema de tutela por meio de acordos desenhados pelos
Estados-membros que exerciam autoridade administrativa sobre eles e submetidos à
aprovação da Assembléia Geral. Uma vez aprovados os acordos, a ONU estabelecia os termos
dos mandatos, designava um tutor para cada caso, o que poderia ser o país que propôs o
acordo, ou não, ficando as decisões submetidas à supervisão do Conselho (ZIRING; RIGGS;
PLANO; 2002).
Como lembram Ziring, Riggs e Plano (2002), ainda que o poder da ONU sobre os
administradores não fosse tão grande, estes eram obrigados a lidar com os possíveis
constrangimentos da supervisão internacional. Segundo os autores, as petições e missões
viabilizadas pelo Conselho teriam contribuído para o aumento da pressão internacional sobre
os administradores para ampliação das fontes de informação sobre as condições dos territórios
tutelados e do espaço para que os nativos pudessem expressar opiniões sobre seu futuro.
Assim, ―considerada como um todo, a tutela ajudou a elevar os padrões de administração nos
territórios tutelados e apressou a chegada da independência‖ (ZIRING; RIGGS; PLANO,
2002, p.309, tradução livre). 10
Além disso, teria encorajado demandas nacionalistas nativas;
preparado as regiões para o autogoverno; contribuído para que a transição do poder fosse
pacífica; e aberto caminho para o que, em alguns anos, tornar-se-ia um combate veemente das
8 A Liga das Nações classificava os territórios administrados em A, B ou C, segundo critérios, como,
desenvolvimento político, condições econômicas e posição geográfica. Os territórios de classe A eram aqueles
considerados de maior sofisticação política e melhores condições econômicas, que, no entender da Liga, estariam
aptos ao autogoverno após um período relativamente curto de assistência e conselhos administrativos providos
pela nação mandatária. Os territórios assim classificados foram reconhecidos como provisoriamente
independentes; consequentemente, os mandatos dos encarregados de sua administração tinham previsão de
encerramento no curto prazo. No outro extremo da classificação estariam os territórios de classe C, habitados por
povos tidos como incapazes de se autogovernarem, no curto ou médio-prazo, devido a fatores como dispersão
populacional, tamanho reduzido do território ou localização remota em relação ao que a Liga considerou ser o
centro da civilização. Esses territórios que incluíam, por exemplo, a África do Sudoeste (atual Namíbia) e
algumas ilhas alemãs no Pacífico, deveriam ser administrados pelas nações mandatárias como parte integral de seus próprios territórios e por prazos indefinidos. À classe B foram relegados os territórios intermediários, os
quais não seriam anexados e sim governados como colônias, sem previsão explícita de independência definitiva
ou autogoverno. Esse era o status, por exemplo, das demais possessões alemãs na África (ZIRING; RIGGS;
PLANO, 2002). 9 Os territórios de classe A da Liga que passaram para a administração do Conselho de Tutela foram
Transjordânia (Jordânia); Síria; e Líbano, independentes em 1946, além da Palestina. Ainda que o estado
palestino não tenha saído do papel, Israel tornou-se independente em 1948 (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002). 10 ―Considered as a whole, trusteeship helped raise standards of administration in the trust territories and
hastened the coming of independence‖.
27
Nações Unidas contra a colonização (ZIRING; RIGGS; PLANO, 2002). Até 1975, todos os
territórios sob tutela tornaram-se independentes ou uniram-se, por meio de plebiscitos
aprovados pela ONU, a Estados independentes, exceto as Ilhas do Pacífico, que só
conquistaram autonomia nos anos 1990. 11
À parte do debate sobre a descolonização, a ONU assumiu a responsabilidade pela
operação do sistema de segurança coletiva, especialmente nas regiões que não despertavam
grande interesse das potências. Para tanto, o principal mecanismo encontrado pela
Organização foram as operações de manutenção da paz (OMP), entradas em cena pela
primeira vez em maio de 1948, com o estabelecimento da UNTSO (United Nations Truce
Supervision Organization), um grupo não armado de observadores militares enviados para
monitorar o armistício entre o recém criado estado de Israel e seus vizinhos árabes (ONU,
2009a). Logo em seguida, em janeiro de 1949, foi criado o UNMOGIP (United Nations
Military Observer Group in India and Pakistan), também com objetivo de observar e
monitorar a resolução do conflito (ONU, 2009). Essas operações – ambas estendidas até hoje
– marcaram o início de um tumultuado processo de definição de princípios e prerrogativas das
OMP como instrumento de manutenção da paz e da segurança internacionais.
Como lembram Weiss, Forsythe e Coate (2004), o conceito de operação de
manutenção da paz (peacekeeping) não consta na Carta da ONU e teria sido idealizado pela
reunião de medidas previstas em dois capítulos do documento: o VI, que trata dos métodos de
solução pacífica de disputas; e o VII, que prevê a possibilidade de respostas mais incisivas por
parte da Organização – inclusive o uso da força – em situações nas quais já houve quebra da
paz. Dessa forma, as OMP se enquadraram no que o então Secretário-Geral Dag
Hammarskjöld chamou de ―Capítulo VI e meio.‖ Além de terem enfrentado o que os autores
chamaram de falta de base constitucional (WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004), essas
operações tinham que lidar com a desconfiança dos países em relação às intenções uns dos
outros nas intervenções militares e às diversas possibilidades de interpretação dos artigos da
Carta (ROBERTS, 2004). Segundo Dobbins et al (2005), essa desconfiança era reforçada pela
própria lógica da Guerra Fria, na qual os conflitos regionais foram muitas vezes entendidos
como moedas na disputa entre os blocos, de modo que a preocupação com sua resolução
ficasse subordinada a outra, que dizia respeito à possibilidade de um dos lados auferir ganhos
relativos da situação.
11 Para Ziring, Riggs e Plano (2002), a tutela não apresentou grandes inovações em relação aos mandatos da
Liga, o que poderia ser creditado ao fato de as potências não considerarem vantajoso investir nesse tipo de
arranjo.
28
Esse clima de desconfiança e disputa implicou enorme dificuldade para alcançar um
consenso sobre as OMP. Em decorrência disso, o posicionamento da ONU em relação aos
conflitos internacionais no período teve duas características principais: primeiro, o exercício
sistemático do poder de veto por parte das potências em reuniões do Conselho de Segurança
nas quais eram discutidas possibilidades de intervenção 12
; e depois, o privilégio dado à
manutenção do status quo em conflitos nos quais as potências concordavam sobre a
necessidade de intervir, o que se consolidou sob a prédica do respeito ao princípio da
soberania. Como reflexo dessas características, Weiss, Forsythe e Coate (2004) afirmam que,
para que as OMP pudessem navegar nas águas turbulentas da Guerra Fria, tiveram que ser
incorporadas a elas regras como imparcialidade e suporte da ONU; limitação da escala e do
escopo das missões; emprego reduzido da força e consentimento das partes.
Assim, as operações de manutenção da paz foram definidas pelo Subsecretário-Geral
Marrack Goulding como:
Operações de campo das Nações Unidas nas quais pessoal internacional, civil e/ou
militar entra em ação com o consentimento das partes e sob o comando das Nações
Unidas para ajudar no controle e solução de conflitos internacionais reais ou
potenciais ou conflitos internos com dimensões internacionais claras (GOULDING, 1991 apud WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004, p.54, tradução livre). 13
De modo geral, essas operações tinham como objetivo: (i) observar a paz por meio do
monitoramento e da produção de informações sobre acordos de cessar-fogo; (ii) manter a paz
pela separação dos beligerantes e pelo estabelecimento de zonas de desengajamento entre
eles; e (iii) dar suporte a esforços políticos de construção de confiança e resolução dos
conflitos por meios pacíficos (WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004; ONU, 2009a.). Para
tanto, passavam pela restauração da soberania do(s) Estado(s) afetado(s) pelo conflito
(ROBERTS, 2004) ou pela construção de unidades soberanas para controlar regiões instáveis.
Ainda que a ausência de consenso sobre o modus operandi das OMP tenha resultado
em improvisações segundo exigências conjunturais específicas de cada caso (WEISS;
FORSYTHE; COATE, 2004), é possível afirmar que, durante a Guerra Fria, as operações se
dedicavam à (re)construção de Estados de forma limitada, como parte de uma agenda de
segurança que visava principalmente à estabilidade das relações no plano internacional. Tal
12 A sistematicidade do poder de veto acabou por gerar o que Roberts (2004) chamou de uma percepção geral de
paralisia do Conselho durante a Guerra Fria. 13 United Nations field operations in which international personnel, civilian and or military are deployed with the
consent of the parties and under United Nations command to help control and resolve actual or potential
international conflicts or internal conflicts which have a clear international dimension.
29
agenda excluía preocupações referentes à organização interna dos Estados, tais como formas
de governo ou bem-estar da população, além de, na maioria das vezes, ignorar as causas dos
conflitos e os fatores que os sustentavam. Nesse sentido, Dobbins et al (2005) afirma que o
objetivo das missões ―[...] não era garantir a solução dessas longas disputas, e sim
desencorajar sua escalada‖ (DOBBINS et al, 2005, p.213, tradução livre). 14
Segundo David Chandler (2007), a preponderância de uma agenda de segurança
informada por preocupações geopolíticas sobre outras pode ser considerada traço definidor da
política internacional durante a Guerra Fria, especialmente no que se refere às intervenções
internacionais. Entre essas agendas, pode-se citar a do desenvolvimento, que, no período,
estaria condicionada ―ao reconhecimento e ao compartilhamento do compromisso geral
acerca da manutenção da estabilidade internacional e [...] ao posicionamento em relação aos
dois grandes blocos ideológicos‖ (SANTOS FILHO, 2005, p.36). Para Chandler (2007), a
segurança privilegiava ameaças militares e interesses geoestratégicos dos blocos, ao passo que
as políticas de desenvolvimento eram utilizadas, principalmente, entre os capitalistas, como
forma de atrair e dar suporte a aliados políticos. 15
Dessa forma, ainda que políticas de
desenvolvimento contribuíssem para a vigência da ordem, elas não desempenhavam papel
importante no combate aos conflitos internacionais; consequentemente, não constavam nos
mandatos das OMP, idealizadas para responder direta e quase exclusivamente à agenda de
segurança 16
(DOBBINS et al, 2005; ROBERTS, 2004; WEISS; FORSYTHE; COATE,
2004).
Com o fim da bipolaridade, as atribuições das OMP se tornaram mais abrangentes e,
cada vez mais, passaram a incluir questões relacionadas ao combate às causas dos conflitos e
à reconstrução da estrutura interna de um número crescente de Estados afetados pela guerra.
As principais transformações normativas, institucionais e operacionais das OMP no pós
Guerra Fria, bem como a redefinição de seu lugar como grande instrumento de manutenção da
ordem e da estabilidade no sistema internacional serão tratadas nas próximas seções. Tais
14 ―[...] was not to enforce resolution of these longstanding disputes but rather to discourage their escalation‖. 15 Nesse período, a agenda do desenvolvimento englobava basicamente o aporte de conhecimento tecnológico e
de capital para catalisar a mudança das estruturas de produção dos países considerados atrasados, aumentar a
eficácia produtiva do conjunto das forças de trabalho e, assim, gerar crescimento econômico e prosperidade, possibilitando ao país o atendimento das necessidades humanas (SANTOS FILHO, 2005). 16 A primeira OMP armada foi a UNEF I (First United Nations Emergency Force), enviada para combater a crise
de Suez, em 1956. Nos anos 1960, a ONU realizou a primeira operação de larga escala, a ONUC (United
Nations Operation in the Congo), que envolveu mais de 20 mil soldados e revelou a fragilidade das bases
operacionais das OMP. Nos anos 1960 e 1970, a organização deu início a intervenções de longa duração no
Chipre (UNFICYP) e no Oriente Médio (UNEF II, UNDOF e UNIFIL). Até os anos 1990, a ONU realizou 13
OMP (ONU, 2009). Os principais elementos dos mandatos dessas missões estão relacionados no Quadro 2
(p.53), e evidenciam sua relação quase exclusiva com uma agenda de segurança voltada à manutenção da
estabilidade.
30
transformações seriam decorrentes da emergência de um novo entendimento acerca da
segurança internacional no período, no qual preocupações geoestratégicas acabaram por ceder
espaço a temas até então subsumidos a elas, como o desenvolvimento. A hipótese é que a
inserção da agenda do desenvolvimento – também modificada pelas propostas de
reconfiguração do sistema internacional – como componente da agenda de segurança
articulou-se ao surgimento de uma nova geração de operações de paz nos anos 1990 de duas
maneiras: conceitualmente, pela noção de segurança humana; e, operacionalmente, com as
OMP multidimensionais.
2.2 Pós Guerra Fria: uma Agenda para a Paz
O final da Guerra Fria inaugurou um período de grandes transformações no sistema
internacional. Por um lado, cresceu enormemente o número de conflitos violentos e guerras
civis; por outro, o aumento da interdependência entre os Estados sinalizava o fortalecimento
do multilateralismo e o maior engajamento das organizações multilaterais nos assuntos
internacionais. De uma forma ou de outra, a velha ordem, gerida por duas superpotências,
estava arruinada, o que abriu espaço para um embate discursivo entre propostas para o
estabelecimento de uma nova ordem, capaz de devolver o equilíbrio ao sistema internacional.
Entre essas propostas, destacou-se um conjunto de princípios de cunho liberal que afirmava a
primazia dos direitos individuais e apontava para a possibilidade de que tais direitos fossem
realizados e garantidos internacionalmente. Para os defensores dessas ideias, os anos 1990
inaugurariam uma nova era de paz e prosperidade para a sociedade internacional, na qual a
superação da barreira criada pela ideologização, pela profunda clivagem entre os blocos e
pelos conflitos entre as potências criaria um ambiente de aproximação e diálogo entre os
povos, cada vez menos limitados pelas fronteiras nacionais.
De forma geral, parecia haver a expectativa de consolidação de uma grande
comunidade, da qual fariam parte todos os habitantes do planeta. Essa comunidade seria
protagonizada pelas pessoas, que, imbuídas de forte senso de internacionalismo e
compartilhando valores comuns, favoreceriam a criação de uma ordem internacional mais
justa, capaz de se sobrepor àquela dos Estados nacionais. As organizações internacionais
teriam papel fundamental na conformação dessa nova ordem, atuando como orquestradoras da
31
governança internacional, formulando regras e garantindo sua implementação segundo
valores universais e uma ética de responsabilidade.
Não por acaso, essas ideias ganharam eco nos posicionamentos oficiais de várias
dessas organizações, que tentavam traduzi-las em propostas consistentes de reformulação
sistêmica. Com intuito de tomar a frente nesse esforço, a ONU realizou, em 31 de janeiro de
1992, a primeira reunião do Conselho de Segurança a contar com a presença dos chefes de
estado e do governo dos Estados-membros. A pauta enfocou as transformações recentes no
cenário internacional e os caminhos para ampliar o peso e a eficiência da atuação da
Organização em um novo contexto. Os temas e estratégias abordados no encontro culminaram
com a elaboração da ―Agenda Para a Paz‖, um relatório encaminhado pelo então Secretário
Geral Boutros-Ghali ao Conselho, ainda em 1992. No documento, o Secretário afirmava que o
fim do antagonismo entre as potências daria uma nova oportunidade para a ONU; uma
segunda chance para que os Estados pudessem se comprometer com os princípios da Carta e
garantir a realização dos objetivos e o cumprimento das promessas nela enunciadas.
Nesses últimos meses, cresceu a convicção entre as nações, grandes ou pequenas,
que uma nova oportunidade foi dada para alcançar os grandes objetivos da Carta –
uma Organização das Nações Unidas capaz de manter a paz e a segurança
internacionais, proteger a justiça e os direitos humanos e promover, nas palavras da
Carta, ‗progresso social e melhores condições de vida em um ambiente de maior
liberdade‘. Tal oportunidade não pode ser desperdiçada. A Organização não deve nunca mais ser paralisada como o foi na era que agora se encerra (ONU, 1992, § 3, tradução livre). 17
Entretanto, para que pudesse aproveitar essa oportunidade, a ONU teria que contar
com o compromisso de seus membros e enfrentar uma série de desafios, como a nova
natureza dos conflitos, que passaram a ocorrer em menor escala entre os Estados e
aumentaram sensivelmente dentro deles. Na tentativa de lidar com esses desafios, ―seu braço
de segurança, antes desabilitado por circunstâncias que não foi criado ou equipado para
controlar, emergiu como instrumento central para a prevenção e a resolução de conflitos e
para a preservação da paz‖ (ONU, 1992, § 15, tradução livre). 18
Um dos grandes objetivos da
Agenda para a Paz foi, exatamente, propor maneiras de tornar mais forte e eficiente esse
braço, revisitando os conceitos de diplomacia preventiva, peacemaking e peacekeeping
17 In these past months a conviction has grown, among nations large and small, that an opportunity has been
regained to achieve the great objectives of the Charter - a United Nations capable of maintaining international
peace and security, of securing justice and human rights and of promoting, in the words of the Charter, "social
progress and better standards of life in larger freedom". This opportunity must not be squandered. The
Organization must never again be crippled as it was in the era that has now passed. 18 ―Its security arm, once disabled by circumstances it was not created or equipped to control, has emerged as a
central instrument for the prevention and resolution of conflicts and for the preservation of peace‖.
32
(OMP) e acrescentando outro, intimamente relacionado aos anteriores: o peacebuilding pós-
conflito.
De acordo com a Agenda, cada um dos instrumentos desempenharia um papel
específico na promoção e manutenção da segurança internacional. Cada papel relacionar-se-ia
a um dos novos objetivos da atuação da ONU, que seriam: (i) identificar, o mais cedo
possível, situações potencialmente conflituosas e neutralizá-las, por meio da doplomacia
preventiva, antes que resultem em violência; (ii) uma vez iniciado o conflito, engajar-se em
interrompê-lo e buscar soluções para suas causas, o que seria feito via peacemaking; (iii) com
o peacekeeping (OMP), trabalhar para preservar a paz e assistir a implementação de acordos
onde as batalhas tiverem sido suspensas; e (iv) assistir a reconstrução das instituições e da
infraestrutura dos Estados afetados pela guerra e construir laços pacíficos e mutuamente
benéficos entre países, por meio do peacebuilding pós-conflito (ONU, 1992, § 15).
Entre as consequências das transformações propostas pela Agenda, parece
especialmente interessante aos propósitos do trabalho, a que trata da emergência de um novo
entendimento acerca das OMP, no qual o foco foi redirecionado para atividades de
reconstrução, ―[...] cada vez mais aplicadas a conflitos intra-estatais e guerras civis‖ (ONU,
2009, p.3, tradução livre) 19
. Em vez de simplesmente estabilizar a situação – como ocorria no
período anterior –, as operações de paz deveriam, agora, se preocupar em prevenir a retomada
das hostilidades, buscando solucionar os problemas que as precipitaram. Para tanto, as OMP
tradicionais seriam suplementadas pelo peacebuilding, como forma de ―[...] identificar e dar
suporte a estruturas capazes de fortalecer e solidificar a paz com vistas a evitar a volta do
conflito‖ (ONU, 1992, § 21, tradução livre). 20
Nesse sentido, a ONU passou a defender que ―[…] somente um trabalho sustentado e
cooperativo que trate os problemas econômicos, sociais, culturais e humanitários que
subjazem aos conflitos podem garantir uma fundação durável à paz alcançada‖ (ONU, 1992, §
57, tradução livre). 21
Como resultado, as OMP foram reinterpretadas como um primeiro
estágio do processo de reconstrução e pacificação, no qual a deposição das armas abre
caminho para o ―[...] suporte à transformação de estruturas nacionais deficientes e capabilities
19 ―[…] increasingly applied to intra-State conflicts and civil wars‖. 20 ―[…] identify and support structures which will tend to strengthen and solidify peace in order to avoid a
relapse into conflict‖. 21 ―[…] only sustained, cooperative work to deal with underlying economic, social, cultural and humanitarian
problems can place an achieved peace on a durable foundation‖.
33
e para o fortalecimento de novas instituições democráticas‖ (ONU, 1992, § 59, tradução livre)
22, descrito na Agenda como obrigação da ONU.
A definição de novos caminhos para a paz, tal como enunciada na Agenda para a Paz
(1992), refletiu a transformação da própria ideia de segurança internacional. Para a ONU, o
final da Guerra Fria ―mudou a configuração da sociedade global, mudou também a natureza
da segurança global‖ (CGG, 1996, p.59). A lista de ameaças à segurança, antes protagonizada
pelas disputas entre os Estados ou as potências, passou a incluir fatores difusos, que não
respeitam as fronteiras, como, por exemplo: a proliferação de armas convencionais e de
destruição em massa; os problemas ambientais; o terrorismo; ou o transbordamento de
conflitos civis para Estados vizinhos, seja pela luta armada em si ou pelas ondas de refugiados
e pelo fortalecimento de alianças capazes de disseminar a instabilidade por continentes
inteiros (ONU, 1992). Diante das novas ameaças, ―o conceito de segurança global deve ser
ampliado, passando a abranger não só a tradicional segurança dos Estados, como também a
segurança das pessoas e do planeta‖ (CGG, 1996, p.57).
Dessa forma, consolidou-se um discurso que afirmava que o princípio de segurança
coletiva – focado na estabilização das relações entre os Estados – precisava dar lugar ao de
segurança comum, segundo o qual a segurança internacional só será duradoura quando
compartilhada pela humanidade como um todo. Para que isso fosse possível, a ONU apontava
para a necessidade de combater as ―causas profundas dos conflitos: desespero econômico,
injustiça social e opressão política‖ (ONU, 1992, § 15, tradução livre). 23
A articulação dessas
propostas parece ter ocorrido em torno do conceito de segurança humana, definido pela
primeira vez no Relatório de Desenvolvimento Humano, publicado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1994. Segundo o documento, a ―segurança
humana abrange a proteção contra ameaças crônicas, como fome, doenças e repressão, e
também contra o rompimento dos padrões da vida cotidiana‖ (apud CGG, 1996, p.59) e
desdobrar-se-ia em sete áreas: segurança econômica; alimentar; pessoal; comunitária; política;
de saúde e do meio ambiente (PNUD, 1994).
O sucesso inicial do conceito foi reforçado pela publicação, ainda em 1994, de uma
série de estudos do Banco Mundial, intitulada Voices of the Poor. Na realização dos estudos,
o Banco entrevistou mais de 60 mil pessoas de 60 países pobres sobre suas condições de vida,
as principais necessidades, anseios e preocupações em relação ao futuro. Surpreendentemente,
22 ―[…] support for the transformation of deficient national structures and capabilities, and for the strengthening
of new democratic institutions‖. 23 ―[…] the deepest causes of conflict: economic despair, social injustice and political oppression‖.
34
os resultados indicavam a segurança como a primeira preocupação entre os mais carentes,
deixando para trás necessidades básicas, como abrigo e comida (CHANDLER, 2007). De
acordo com os estudos, a segurança seria condição de possibilidade para a melhoria das
condições de vida das populações mais pobres, especialmente as diretamente afetadas por
conflitos violentos. Entretanto, naquele contexto, a segurança não poderia significar
simplesmente a observância dos interesses estratégicos dos Estados mais poderosos, tal como
no passado; o conceito teria de ser alargado para incluir elementos da ordem interna
relacionados à melhoria das condições de vida das populações.
Conforme a definição da ONU, a
Segurança humana, em sua forma mais ampla, engloba muito mais que a ausência
de conflitos violentos. Inclui direitos humanos, boa governança, acesso à educação e
à saúde e a garantia de que cada indivíduo tenha oportunidades e escolhas que
proporcionem a realização de todo o seu potencial. Cada passo nessa direção é também um passo rumo à redução da pobreza, ao crescimento econômico e à
prevenção de conflitos (CSH, 2003 p.4, tradução livre). 24
A consolidação do conceito de segurança humana marcou a inserção definitiva do
desenvolvimento como componente da agenda de segurança internacional. O novo papel das
políticas de desenvolvimento na ordem internacional foi sistematizado na Agenda para o
Desenvolvimento (1994), documento no qual o Secretário-Geral afirmou que o
―desenvolvimento é um direito humano fundamental [e] a base mais segura para a paz‖
(ONU, 1994, § 3, tradução livre). 25
Esta relação entre desenvolvimento e paz deu azo à
noção, enunciada no relatório final da Carnegie Commission on Preventing Deadly Conflict
(1997), de que o sucesso da prevenção de conflitos pelo tratamento de suas causas profundas
(estruturais) dependeria da capacidade da sociedade internacional, em geral, e das
organizações internacionais, mais especificamente, de induzir e coordenar processos de
transformação das sociedades em conflito, baseados na consolidação de estruturas de proteção
dos direitos fundamentais, instituições democráticas e políticas de desenvolvimento. Com
isso, a segurança humana se firmava como um conceito capaz de informar a reestruturação de
todo o leque de políticas de combate às ameaças à paz e à segurança internacionais
implementadas pelas mais diversas agências da ONU.
24 Human security in its broadest sense, embraces far more than the absence of violent conflict. It encompasses
human rights, good governance, access to education and health care, and ensuring that each individual has
opportunities and choices to fulfill his or her own potential. Every step in this direction is also a step towards
reducing poverty, achieving economic growth and preventing conflict. 25 ―Development is a fundamental human right. Development is the most secure basis for peace‖.
35
A apropriação do conceito logrou especial sucesso no campo das operações de paz,
servindo de base para a emergência de debates em torno do problema da intervenção
humanitária, bem como para a enorme diversificação das atividades incluídas nos mandatos
das missões a partir dos anos 1990. Em meio a esse processo, as OMP tradicionais acabaram
por dar lugar às operações multidimensionais (DPKO, 2007b), mais ambiciosas e intrusivas,
lançadas ―[...] com o objetivo de auxiliar a reconstrução das bases políticas, econômicas e
sociais dos países em vias de sair de processos de guerras civis [...]‖ (PARIS, 2007, p.405,
tradução livre) 26
e, assim, ―[...] aliviar o sofrimento humano, criar condições e construir
instituições para a paz auto-sustentável‖ (DPKO, 2007a, tradução livre). 27
De acordo com o
Departamento de Operações de Paz (DPKO), as principais atribuições das missões de paz
conduzidas pela ONU passaram a ser: (i) prevenir a eclosão do conflito ou sua difusão além-
fronteiras; (ii) estabilizar situações conflituosas depois do cessar-fogo com vistas à criação de
um ambiente no qual as partes possam chegar a um acordo de paz duradouro; (iii) assistir a
implementação dos acordos de paz; e (iv) guiar Estados ou territórios na transição para
governos estáveis, baseados em princípios democráticos, boa governança e desenvolvimento
econômico (DPKO, 2007a). Em face disso, pode-se afirmar que o foco da maior parte das
operações de paz deixou de ser simplesmente a interrupção imediata das hostilidades,
conforme ocorria durante a Guerra Fria, para abranger a transformação das sociedades
marcadas pela violência. Nas palavras de Dobbins et al (2007):
Durante a Guerra Fria, as tropas da ONU foram normalmente empregadas para
separar combatentes, policiar zonas desmilitarizadas e para monitorar cessar-fogos.
Nos últimos anos, os objetivos dessas missões se expandiram, passando a incluir a
reunião de sociedades divididas, desarmamento de adversários, desmobilização de
ex-combatentes, organização de eleições, instauração de governos representativos e
promoção de reforma democrática e crescimento econômico (p.XVII, tradução
livre). 28
As novas operações de paz, portanto, ―[...] envolvem o uso da força como parte de um
esforço mais amplo para promover reformas políticas e econômicas com objetivo de
transformar aquelas sociedades saindo de conflitos em sociedades em paz consigo mesmas e
26 ―[...] aimed to help reconstruct the political, economic and social foundations of countries that were just
emerging from civil wars […]‖. 27 ―[…] to alleviate human suffering, and create conditions and build institutions for self-sustaining peace‖. 28 During the Cold War, UN troops were usually deployed to separate combatants, to police demilitarized zones,
and to monitor ceasefires. In recent years, the objectives for these missions have expanded to include reuniting
divided societies, disarming adversaries, demobilizing former combatants, organizing elections, installing
representative governments, and promoting democratic reform and economic growth.
36
com seus vizinhos‖ (DOBBINS et al, 2007, p.XVII, tradução livre). 29
Dessa forma, em
consonância com as ideias de segurança humana e prevenção, a implementação de políticas
de desenvolvimento e a construção de instituições democráticas foram colocadas como parte
do processo de pacificação das sociedades sujeitas à intervenção. Sobre a relação entre paz,
desenvolvimento e democratização, Dobbins et al (2007) esclarecem que
O principal objetivo da maioria das missões é tornar pacíficas as sociedades
violentas, não tornar prósperas sociedades pobres, ou democráticas as sociedades
autoritárias. Contudo, esses três elementos estão interconectados e a maior parte das
missões bem sucedidas alcança os três, ainda que em graus diferentes. Assim, transformações bem sucedidas de sociedades violentas em sociedades pacíficas são
quase sempre acompanhadas por algum grau de desenvolvimento econômico e
reforma política (DOBBINS et al, 2007, p.189, tradução livre). 30
É importante ressaltar que, por mais que as propostas de reformulação das operações
de paz retomadas aqui façam referência a noções como direitos individuais e ressaltem o
papel da sociedade internacional na pacificação das regiões em conflito, a garantia da
segurança a longo prazo continua a passar pela construção – ou reconstrução – de arranjos
estatais. Mesmo nas formulações mais universalistas, a defesa dos direitos básicos dos
indivíduos cabe fundamentalmente a Estados particulares, e só deve ser assumida pela
sociedade internacional quando estes mostrarem-se incapazes de garanti-la. Seguindo essa
lógica, na Agenda para a Paz, a ONU reconhece ―[...] a importância e a indispensabilidade do
Estado soberano como entidade fundamental desta comunidade internacional‖ (ONU, 1992,
§10, tradução livre). 31
Em outro trecho, o documento faz referência à forma soberana dos Estados,
reafirmando sua importância para a pacificação da sociedade internacional. Paralelamente,
sugere que o exercício das prerrogativas soberanas deve estar cada vez mais atrelado a um
conteúdo específico, composto de práticas de boa governança.
A base desse trabalho é e deve continuar sendo o Estado. O respeito por sua
soberania e integridade fundamentais é crucial para todo progresso internacional
comum. Contudo, o tempo da soberania absoluta e exclusiva já passou; sua teoria
29 ―[…] involve the use of armed force as a part of a broader effort to promote political and economic reforms with the objective of transforming a society emerging from conflict into one at peace with itself and its
neighbors‖. 30 The prime objective of most missions is to make violent societies peaceful, not to make poor societies
prosperous or authoritarian societies democratic. Nevertheless, the three are interconnected, and most successful
missions accomplish all three, albeit to different degrees. Successful transformations of violent societies into
peaceful ones are thus almost always accompanied by some degree of economic development and political
reform. 31 ―[…] the importance and indispensability of the sovereign State as the fundamental entity of this international
community‖.
37
nunca esteve de acordo com a realidade. É tarefa dos líderes dos Estados hoje
entender isso e encontrar um equilíbrio entre as necessidades da boa governança
interna e as exigências de um mundo cada vez mais interdependente (ONU, 1992,
§17. Tradução livre, tradução livre). 32
O reforço da importância dos Estados para a manutenção da paz e a necessidade de
reformar muitos deles para que possam dar conta de tal tarefa fizeram com que as doutrinas
de operações de paz incluíssem, de forma marcante, orientações para a reconstrução da
estrutura estatal em todos os seus aspectos, o que está na base da ideia de
multidimensionalidade. Essa orientação amplia o escopo das missões e as torna mais
complexas. Em meio a esse processo de reestruturação, é interessante perceber como as
missões de paz do pós Guerra Fria passam a prever a participação de um número crescente de
agências da própria ONU e agências governamentais, além de atores não estatais, como
ONGs, e atribuem a eles papéis cada vez mais relevantes. Nesse sentido, Paris (2007) afirma
que as operações de paz teriam ressurgido a partir dos anos 1990 como uma
[…] rede vasta, complexa e crescente de agências privadas e públicas que fornecem
um tipo de ‗suporte à vida‘ a estados frágeis emergindo de conflitos – um sistema
descentralizado (e algumas vezes caótico) para reestruturar a sociedade civil
pacífica, a governança efetiva e a vida econômica nos estados tomados pela guerra
(p.410, tradução livre, tradução livre). 33
Para dar conta da multiplicidade e da complexidade das tarefas e do número cada vez
maior de atores envolvidos em sua realização, as operações de paz passaram por um amplo
processo de reformulação operacional, que teve início ainda em meados dos anos 1990 e se
estendeu pelos primeiros anos do novo século. Essas transformações procuraram redefinir as
regras de engajamento das forças da ONU e de elaboração dos mandatos das missões;
consolidar os processos de captação e utilização de recursos; integrar os projetos realizados;
reforçar os mecanismos de coordenação dos atores envolvidos; e fornecer orientações táticas e
estratégicas para as equipes das OMP no campo. Em meio a esse processo, é possível
identificar a reorganização das missões em três grandes áreas: segurança; desenvolvimento; e
assistência humanitária. A reestruturação operacional da arquitetura das OMP, a definição das
três áreas e a interação entre elas serão analisadas nas próximas seções.
32 The foundation-stone of this work is and must remain the State. Respect for its fundamental sovereignty and
integrity are crucial to any common international progress. The time of absolute and exclusive sovereignty,
however, has passed; its theory was never matched by reality. It is the task of leaders of States today to
understand this and to find a balance between the needs of good internal governance and the requirements of an
ever more interdependent world. 33 [...] a vast, complex, and growing network of private and public agencies that provided a kind of ‗life support‘
to fragile states just emerging from conflict – a decentralized (and at times chaotic) system for reconstituting a
peaceful civil society, effective governance and economic life in war-torn states.
38
2.3 Transformações Operacionais
Seguindo as primeiras modificações nos propósitos e regras das OMP, observa-se um
rápido crescimento do número de operações. Entre 1989 e 1994, o Conselho de Segurança
autorizou 20 operações, aumentando o contingente das OMP de 11 para 75 mil (ONU, 2009).
O Gráfico 1 mostra o número de operações de paz realizadas pela ONU por década e ilustra o
maior espaço reservado a elas na tentativa de manter a segurança internacional. É importante
ressaltar que, além do aumento quantitativo, as operações do início dos anos 1990 mudaram
qualitativamente, passando a incluir em seus mandatos atividades como construção de
instituições democráticas; monitoramento da situação dos direitos humanos; desarmamento,
desmobilização e reintegração de ex-combatentes; retorno de refugiados e deslocados internos
(IDPs); e programas de conciliação nacional (DPKO; DFS, 2008).
Gráfico 1: Número de Operações de Paz realizadas pela ONU por década.
Adaptado de: ONU, 2009.
Para a ONU, essas mudanças fizeram com que as expectativas em relação às OMP se
tornassem maiores do que a capacidade da Organização para realizá-las, o que se deveu,
principalmente, a falhas na definição dos mandatos, envio de contingente menor do que a
situação exigia; falta de recursos ou de suporte político; e envio de tropas a lugares nos quais
os conflitos ainda não haviam cessado e as partes envolvidas não conseguiam chegar a um
acordo (ONU, 2009). Em casos como o da antiga Iugoslávia, Somália e Ruanda, esses
39
problemas minaram a capacidade da ONU de consolidar o fim das hostilidades e prosseguir
com o processo de reconstrução e pacificação, tendo a Organização sido envolvida em
verdadeiras catástrofes humanitárias – incluindo alto índice de baixas entre os contingentes
das OMP – que minaram sua reputação (ONU, 2009). Os fracassos dessas operações e as
consequentes críticas fizeram com que o Conselho de Segurança limitasse o número de
operações nos anos que se seguiram 34
e iniciasse amplos debates sobre as OMP (ONU,
2009).
Com a redução do número e da importância das operações entre 1995 e 1999 – e,
consequentemente, do número de tropas empregadas, a Assembléia Geral determinou que o
DPKO deixasse de usar os funcionários emprestados pelos Estados, conhecidos como ―gratis
personnel” (A/RES/51/243, 1997). 35
Segundo William Durch et al (2003), esses
funcionários, especializados em planejamento, logística e atividades operacionais diversas
relacionadas às missões, foram fundamentais para que a ONU conseguisse lidar com o rápido
crescimento das OMP nos anos anteriores. A dispensa dos funcionários ‗gratis‘ foi concluída
em fevereiro de 1999 e, para o autor, ―[...] minou drasticamente boa parte da capacidade de
suporte operacional e da memória institucional de planejamento militar e logístico do DPKO‖
(DURCH et al, 2003, p.3, tradução livre). 36
Poucos meses depois, uma nova onda de
conflitos fez com que a demanda pelas OMP retomasse seu crescimento. Em apenas um ano,
[...] as Nações Unidas foram chamadas para: administrar o Kosovo, sob proteção das
forças terrestres da OTAN; substituir as forças lideradas pela Austrália no Timor-
Leste e governar, em caráter temporário, a nação emergente; substituir as forças
regionais lideradas pela Nigéria em Serra Leoa e implementar um [...] acordo de
paz; supervisionar um frágil cessar-fogo no conflito regional que tinha se entranhado
na República Democrática do Congo; [...] monitorar o cessar-fogo e dar suporte ao acordo de separação de forças entre Etiópia e Eritréia (DURCH et al, 2003, p.4-5,
tradução livre). 37
34 Mesmo com a redução do número de operações a partir de 1995, a ONU deu continuidade às operações de
longo prazo no Oriente Médio, Índia, Paquistão e Chipre e autorizou novas operações em Angola, Croácia,
Bósnia-Hezergovina, Haiti e Guatemala (ONU, 2009), além de algumas operações de observação. Contudo, a
maior parte das operações foi considerada de pequena escala e sem grande importância (DURCH et al, 2003). 35 De acordo com a Resolução, a utilização de ‗gratis personnel‘ só continuaria a ser permitida em casos de
urgência, ou diante da indisponibilidade de funcionários especializados para a realização de funções especiais. 36 ―[…] left much of DPKO‘s operational support capacity and institutional memory for military and logistical
planning severely depleted‖. 37 […] the United Nations was called on to: administer Kosovo under the protection of NATO ground forces; to
replace Australian-led forces in East Timor and provide a temporary government for that emerging nation; to
replace Nigerian-led regional forces in Sierra Leone implementing a […] peace accord; and to oversee a shaky
cease-fire in the regional war that had engulfed the vast Democratic Republic of Congo; […] help verify a
ceasefire and support a force separation agreement between Ethiopia and Eritrea.
40
Mesmo com as tropas triplicadas, mais de dois terços dos contingentes à disposição da
ONU foram empregados nessas missões, o que, aliado às dificuldades operacionais
enfrentadas, trouxe novamente à tona as antigas fraquezas das operações de paz e as
limitações de um já sobrecarregado DPKO, sugerindo o que Durch et al (2003) chamou de
uma crise potencialmente terminal das OMP. Diante dessa situação, em março de 2000, o
Secretário-Geral Kofi Annan estabeleceu o ―Painel sobre as Operações de Paz das Nações
Unidas‖ 38
, ―[...] composto por especialistas em prevenção de conflitos, OMP e
peacebuilding, no intuito de avaliar as falhas do sistema existente e fazer recomendações
específicas e realistas para mudanças‖ (ONU, 2009, p.3, tradução livre). 39
O relatório final do
Painel, que ficou conhecido como Relatório Brahimi – em referência ao Subsecretário-Geral
Lakhdar Brahimi, que chefiou a equipe – foi concluído em agosto de 2000 e enviado por
Annan para a Assembléia Geral, o Conselho de Segurança e os chefes de estado e governo,
que logo começaram a trabalhar em sua implementação (DURCH et al, 2003).
O Painel concentrou-se nas OMP, consideradas ―[...] o mais custoso e visível aspecto
das operações de paz‖ (DURCH et al, 2003, p.6, tradução livre) 40
e também o mais ameaçado
pelos problemas enfrentados nos últimos anos. Além disso, os especialistas concluíram que o
sucesso das atividades de reconstrução dependeria da capacidade das forças de intervenção de
manter a segurança nas regiões que receberiam as equipes da ONU; portanto, qualquer
esforço de reforma deveria concentrar-se neste instrumento (ONU, 2000). De forma geral, o
Relatório Brahimi convocava os Estados-membros a renovarem seu comprometimento
político com as operações de paz e ressaltava a necessidade de maior suporte financeiro e da
realização de uma série de reformas institucionais (ONU, 2009). Segundo os especialistas,
para serem efetivas, as missões precisariam de equipes maiores e mais completas, recursos e
equipamentos adequados e de um novo entendimento que elevasse as tarefas realizadas pelos
escritórios centrais de suporte às operações ao grupo de atividades centrais das Nações Unidas
(ONU, 2009). Além disso, deveriam ser estabelecidas regras robustas de engajamento e
caberia ao Conselho de Segurança dar, a cada operação, um mandato ―claro, crível e
alcançável‖ (ONU, 2000, p.10, tradução livre). 41
O Relatório também contemplou especificidades de áreas centrais das OMP, como a
comunicação entre oficiais da ONU, Estados e equipes; planejamento, logística e liderança
38 ―Panel on United Nations Peace Operations‖. 39 ―[…] composed of individuals experienced in conflict prevention, peacekeeping and peacebuilding, to assess
the shortcomings of the existing system and to make specific and realistic recommendations for change‖. 40 ―[…] the most costly and visible aspect of peace operations […]‖. 41 ―Clear, credible and achievable‖.
41
das operações; disponibilidade e envio rápido de tropas, contingentes policiais e civis; e
questões relacionadas aos direitos humanos e ao primado da lei (DURCH et al, 2003). Apesar
do grande número de temas incluídos, Durch et al (2003) consideram que o Painel não
conseguiu tratar adequadamente diversas questões importantes, tais como treinamento,
segurança, cuidados médicos e estratégias de saída das equipes no campo; o problema do
HIV/AIDS; e questões relacionadas a gênero, que foram retomadas na sequência do processo
de implementação.
De qualquer maneira, a publicação do Relatório Brahimi (2000) marcou a
intensificação do processo de reformulação das operações de paz, que se estendeu por toda a
década. Em meio a esse processo é possível destacar, do ponto de vista normativo, o relatório
da ICISS (International Commission on Intervention and State Sovereignty), de 2001, que
tinha como objetivo revisitar os conceitos de segurança internacional e direitos humanos e
estabelecer novas bases que ampliassem a capacidade da ONU de lidar com questões
sensíveis relacionadas a eles, como genocídios, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes
contra a humanidade (ICISS, 2001). O título do relatório, ―A Responsabilidade de Proteger‖ é
bastante elucidativo em relação ao seu conteúdo, uma defesa da ideia de que os Estados
soberanos têm a responsabilidade de proteger seus próprios cidadãos de catástrofes que
podem ser evitadas; porém, quando estes se mostrarem incapazes ou pouco empenhados na
realização dessa tarefa, a responsabilidade pela vida e bem-estar de sua população recairá
sobre a comunidade de Estados, e, especialmente, sobre a ONU (ICISS, 2001).
Em 2003, outro relatório, desta vez da Comissão sobre Segurança Humana (CSH),
afirmava que era chegado o momento de as pessoas – e não mais os Estados – serem
colocadas como protagonistas da segurança internacional e preocupação central das
organizações encarregadas de preservá-la. Mais do que isso, o ―Human Security Now‖ (2003)
redefinia os termos da responsabilidade da sociedade internacional em relação às pessoas e
afirmava que a melhor maneira de defendê-las das ameaças enfrentadas seria garantir a
segurança humana, pela reunião dos ―[...] elementos humanos da segurança, dos direitos e do
desenvolvimento‖ (CSH, 2003, p.4, tradução livre). 42
De acordo com a Comissão, a
segurança das pessoas estaria intimamente relacionada à dos Estados: ―liberdade em relação à
necessidade; liberdade em relação ao medo; e liberdade para as futuras gerações herdarem um
42 ―[…] the human elements of security, of rights, of development‖.
42
ambiente natural saudável – estes são os blocos fundamentais e inter-relacionados da
segurança humana e, portanto, nacional‖ (CSH, 2003, p.4, tradução livre). 43
Para garantir a realização e a preservação da segurança humana, o ―Human Security
Now‖ (2003) prevê que ―a responsabilidade dos Estados e da comunidade internacional de
proteger as pessoas nos conflitos deve ser complementada pela responsabilidade de
reconstruir – inclusive depois de intervenções militares internacionais‖ (2003, p.57, tradução
livre). 44
Assim, de acordo com o relatório, ―a medida do sucesso de uma intervenção não é a
vitória militar – é a qualidade da paz deixada por ela‖ (CSH, 2003, p.57, tradução livre) 45
,
que seria traduzida pelo avanço do desenvolvimento e do processo de construção de
instituições democráticas que respeitassem os direitos humanos e fossem capazes de
empoderar as pessoas (CSH, 2003). Apesar das medidas sugeridas em ambos os relatórios
darem conta das transformações normativas propostas, a capacidade das OMP de realizar as
novas tarefas atribuídas a elas ainda dependia de amplo processo de reformulação
institucional e operacional, capazes de traduzir em diretrizes práticas os novos conceitos
adotados pela ONU, questão abordada em documentos subsequentes.
Foi com esse objetivo que o documento final do World Summit (2005) propôs a
criação de um mecanismo institucional para reforçar o suporte às operações de paz, em
especial aos seus componentes de reconstrução e reconciliação: a Comissão de Peacebuilding.
No documento, os membros reconhecem o papel vital da ONU para recuperar, reintegrar e
reconstruir Estados saindo de conflitos e afirmam a necessidade de integrar esforços e
estratégias nesse sentido (ONU, 2005). Assim, a Comissão deveria focar esforços de
reconstrução física e institucional para que os Estados possam se:
[...] recuperar do conflito, e dar suporte ao desenvolvimento de estratégias integradas
para lançar as bases do desenvolvimento sustentável. Além disso, [a Comissão] deve
dar recomendações e informações para melhorar a coordenação de todos os atores
relevantes, dentro e fora da ONU; desenvolver melhores práticas; ajudar a garantir o
financiamento dos gastos previstos para as primeiras atividades de recuperação; e
ampliar o período de assistência da comunidade internacional à recuperação pós-conflito (ONU, 2005, § 98, tradução livre). 46
43 ―Freedom from want, freedom from fear and the freedom of future generations to inherit a healthy natural
environment—these are the interrelated building blocks of human, and therefore national, security‖. 44 ―The responsibility of states and the international community to protect people in conflict should be
complemented by a responsibility to rebuild – including after an international military intervention‖. 45 ―The measure of an intervention‘s success is not a military victory—it is the quality of the peace that is left
behind‖. 46 […] recovery from conflict and support the development of integrated strategies in order to lay the foundation
for sustainable development. In addition, it should provide recommendations and information to improve the
coordination of all relevant actors within and outside the United Nations, develop best practices, help to ensure
predictable financing for early recovery activities and extend the period of attention by the international
community to post-conflict recovery.
43
Sobre o financiamento das atividades de reconstrução, o documento chamava atenção para a
necessidade de aumentar a transparência e o volume de dados disponíveis para os principais
contribuintes, de modo a aumentar a confiança, garantir a continuidade e, se possível, a
ampliação da ajuda. Com esse intuito, ficou estabelecido que as reuniões da Comissão de
Peacebuilding seriam acompanhadas por representantes do Banco Mundial (BM), do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e das demais instituições doadoras que dão suporte à
reconstrução em cada caso (ONU, 2005, §102).
Ainda em 2005, os aspectos administrativos e orçamentários das missões de paz foram
objeto do relatório ―Peace Operations 2010‖ (2005), produzido pelo DPKO, que discutia a
implantação de políticas e procedimentos que ampliariam a capacidade de suporte do
Departamento às missões de paz na próxima década. De acordo com o relatório, para que as
recentes mudanças nas atribuições das operações surtissem efeitos positivos, estas deveriam
ser acompanhadas por ampla reformulação da maneira de conduzir as operações em cinco
áreas centrais: recursos; pessoal; parcerias; estrutura organizacional e doutrina (ONU, 2005).
As recomendações foram incorporadas a um documento enviado pelo secretariado à
Assembléia Geral (A/60/696) no ano seguinte, e, com a aquiescência dos Estados-membros,
teve início a reforma do DPKO – ainda não concluída. De imediato, foram realizados
investimentos em tecnologia e informação; comunicação estratégica; capacidade de envio
rápido de tropas; revisão do perfil dos cargos, recrutamento e treinamento de pessoal; e
monitoramento de disciplina e conduta. Além disso, o DPKO se esforçou para melhorar a
integração entre a ONU e outras organizações no planejamento e condução das atividades
previstas nos mandatos das missões, estabelecendo regras de cooperação e realizando
treinamentos conjuntos.
Entre estas parcerias, merece destaque a firmada entre o DPKO e o Banco Mundial,
baseada no reconhecimento de que ―[...] nos Estados saindo de conflitos, nem a segurança
militar nem a assistência econômica são, em si mesmas, suficientes para fazer florescer a
recuperação sustentável‖ (ONU, 2005, §18, tradução livre). 47
Assim, ambas as organizações
acreditavam que ações internacionais concertadas aumentariam as chances de sucesso das
atividades pós-conflito, especialmente no que se refere ao restabelecimento da autoridade e
das instituições estatais (ONU, 2005). É interessante notar que a parceria com o Banco
Mundial não se limitou à realização de reuniões regulares e treinamentos conjuntos entre as
47 ―[…] in post-conflict States, neither military security nor economic assistance is, in itself, sufficient to bring
about sustainable recovery‖.
44
equipes; incluiu também projetos de pesquisa sobre os grandes desafios encontrados no
campo, a busca de soluções operacionais inovadoras e o intercâmbio de equipes para dar
suporte ao processo de formulação de políticas específicas para os casos (ONU, 2005).
A estrutura organizacional do DPKO e das próprias missões também foi bastante
discutida no documento e sofreu algumas mudanças, a começar pelo diálogo estratégico com
o PNUD para esclarecer a atribuição de papéis e responsabilidades às diferentes agências da
ONU e demais organizações na realização de tarefas integradas nas operações. Nesse sentido,
as principais demandas eram: (i) o estabelecimento de estruturas mais flexíveis, capazes de
integrar escritórios centrais e atividades de campo para prover o suporte adequado às
diferentes fases das missões de paz; e (ii) a criação de grupos integrados de especialistas para
dar suporte ao pessoal de campo relacionado a conduta, disciplina, treinamento conjunto,
formulação de políticas e execução de atividades primordiais, como DDR (ONU, 2005).
Entretanto, o próprio DPKO reconhecia que, para que as mudanças fossem efetivas,
seria preciso esclarecer, definir e articular o que as OMP podem e não podem fazer, realizar
estudos sobre as atividades primordiais das missões e as funções de suporte mais importantes,
estabelecer metas e padrões claros para os escritórios centrais e as atividades de campo e
formular orientações específicas sobre como alcançá-los, tanto para profissionais da ONU
quanto de outras organizações (ONU, 2005). Nesse sentido, o DPKO considerou que seria
fundamental reunir as experiências colecionadas ao longo dos quase 60 anos de operações de
paz e utilizar as práticas testadas e aceitas para guiar as equipes na realização de suas funções
e responsabilidades, seja em novas missões seja em novas atribuições para operações já em
curso. Nas palavras do Departamento, o resultado desse esforço deveria ser a elaboração de
uma nova doutrina de OMP, bem como de um conjunto completo de manuais com
coordenadas sobre expectativas e procedimentos da Organização, dirigidos principalmente ao
pessoal de campo e disponibilizados na internet (ONU, 2005).
No fundo, o DPKO defendia a institucionalização do processo de aprendizagem sobre
as operações de paz e a padronização das atividades centrais, inclusive as de seus parceiros,
independentemente do contexto local ou temporal de sua realização. Para permitir a
elaboração dessa nova doutrina, em 1 de julho de 2007 foi criada a Divisão de Políticas,
Avaliação e Treinamento (Policy, Evaluation and Training Division, PETD), reunindo a
Peacekeeping Best Practices Section (PBPS), Integrated Training Service (ITS) e pequenos
grupos dedicados à avaliação e às parcerias (DPKO, 2009). A função da Divisão seria prover
45
Capacidade integrada de desenvolver e disseminar políticas e doutrinas;
desenvolver, coordenar e realizar treinamento padronizado; avaliar o progresso da
missão em relação à implementação do mandato; e desenvolver políticas e
frameworks operacionais para a cooperação estratégica entre diversos parceiros
dentro da ONU e externos (DPKO, 2009, p.1, tradução livre). 48
Na mesma época da criação da Divisão, a Assembléia Geral determinou o
estabelecimento do Department of Field Support (DFS), pensado para complementar o
trabalho do DPKO pela prestação direta de auxílio às atividades de campo. Logo de início, o
DFS assumiu a responsabilidade sobre as 13 operações em curso lideradas pelo DPKO,
contando com um orçamento de mais de cinco bilhões de dólares (GA/10602, 2007). Dentro
do DFS, funcionam o LSD (Logistics Support Division), responsável por implementar e
monitorar todas as atividades logísticas das operações de paz (LSD, 2009), e a CDU (Conduct
and Discipline Unit,) 49
, que formula procedimentos disciplinares e de conduta, monitora sua
aplicação, treina funcionários e investiga denúncias de abuso ou conduta imprópria, além de
realizar estudos, elaborar relatórios e divulgar informações para os parceiros do DPKO/DFS e
para a mídia (CDU, 2009). O DFS também é o responsável pela operação do Contingent
Owned Equipment System (COE System), que organiza e supervisiona as contribuições dos
Estados para a realização das operações de paz (DFS, 2009). Finalmente, é importante
mencionar que, como resultado do processo de reforma, a Policy Division do DPKO foi
fortalecida, e o Departamento passou a contar com os escritórios de Assuntos Militares
(Office of Military Affairs) e de Primado da Lei e Segurança (Office of Rule of Law and
Security), o que robusteceu sua estrutura institucional e operacional (GA/10602, 2007).
Paralelamente, os estudos realizados pelo DPKO – agora em conjunto com o DFS –
continuaram e acabaram resultando na publicação de um documento que sistematiza as
principais mudanças das OMP ao longo de sua história, redefine suas bases e atribuições,
organiza a participação dos parceiros e oferece orientações sobre como as pessoas ligadas às
operações devem proceder na realização de seu trabalho. A Doutrina Capstone (Capstone
Doctrine), de março de 2008, talvez seja o mais completo inventário já produzido pela ONU
sobre as operações de paz e veio suprir a demanda levantada em vários documentos por
orientações normativas, institucionais e operacionais das quais as missões careciam desde o
final da Guerra Fria. Dessa forma, a Doutrina Capstone (2008) acaba por enunciar alguns dos
48 an integrated capacity to develop and disseminate policy and doctrine; develop, coordinate and deliver
standardized training; evaluate mission progress towards mandate implementation; and develop policies and
operational frameworks for strategic cooperation with various UN and external partners. 49 Em 2005, com objetivo de aumentar a transparência e accountability das missões de paz, a ONU criou o
Conduct and Discipline Team (CDT). Em meio às reformas do DPKO em 2007, o CDT teve seu mandato
reformulado e passou a fazer parte do DFS como a Conduct and Discipline Unit (CDU).
46
elementos-chave para compreender as operações de paz realizadas pela ONU, especialmente
no século XXI. A próxima seção deverá analisar o conteúdo do documento e a reconfiguração
das OMP para que, no próximo capítulo, possa ser analisada a operação realizada na Libéria a
partir de 2003 à luz de suas determinações.
2.4 Doutrina Capstone
De acordo com o Subsecretário-Geral para Operações de Paz, Jean-Marie Guéhenno, a
Doutrina Capstone (2008) veio suprir a demanda pela codificação de um conjunto de
princípios e experiências – de maneira geral não escrito – que informou e informa as OMP,
para proporcionar aos que as colocam em prática um melhor entendimento acerca de seus
conceitos, operação, potencialidades e limitações (DPKO; DFS, 2008). Trata-se de ―[...] uma
publicação interna do DPKO/DFS‖ (DPKO; DFS, 2008, p.9, tradução livre) 50
que deveria
servir de guia para suas atividades, de modo que todas ―[...] as diretivas, orientações,
procedimento de operação, manuais e materiais de treinamento formulados pelo DPKO/DFS
[...]‖ (p.9, tradução livre) 51
sejam adequadas ao seu conteúdo.
O documento é composto por 10 capítulos, dispostos em três partes: (i) evolução das
OMP; (ii) planejamento das operações; e (iii) estratégias de sucesso na implementação do
mandato. A descrição dos principais conteúdos dos capítulos que compõem cada uma das
partes encontra-se no Quadro 1.
50 ―[…] an internal DPKO/DFS publication‖. 51 ―[…] directives, guidelines, standard operating procedures, manuals and training materials issued by
DPKO/DFS‖.
47
Parte Capítulos Principais Conteúdos
I: Evolução
das OMP das
Nações Unidas
Capítulo 1: Framework
normativo para as
Operações de Paz
das Nações Unidas
Carta da ONU
Direitos Humanos
Direito Humanitário
Papel do Conselho de Segurança
Capítulo 2:
Evolução do papel
das Operações de Paz das Nações
Unidas
Espectro das Atividades de Paz e Segurança: prevenção de
conflitos; peacemaking; peacekeeping (OMP); peace
enforcement; peacebuilding.
Discussão sobre interseções e vínculos entre as atividades.
Diferenças entre OMP tradicionais e multidimensionais:
participação direta nos esforços políticos para a
resolução do conflito.
OMP Tradicionais: (i) observação, monitoramento e
produção de relatórios, com consentimento das partes; (ii) supervisão de cessar-fogo e suporte a mecanismos de
verificação; (iii) interposição entre as partes e construção
de confiança.
OMP Multidimensionais: (i) criar ambiente estável e
seguro, fortalecer a habilidade do Estado de prover
segurança, com respeito às leis e aos direitos humanos; (ii) facilitar processo político, promover diálogo e
conciliação e dar suporte ao estabelecimento de
instituições de governança legítimas e efetivas; (iii) garantir condições para que a ONU e seus parceiros
possam realizar suas atividades no país de maneira
coerente e coordenada.
Reconstrução nas OMP: restaurar a capacidade do Estado
de prover segurança e manter ordem pública; fortalecer o
primado da lei e o respeito aos direitos humanos; dar suporte à emergência de instituições políticas legítimas e
processos de participação; promover recuperação e
desenvolvimento social e econômico, incluindo retorno e restabelecimento de IDPs e refugiados.
Suporte a outros atores para realização de tarefas
específicas, especialmente recuperação e desenvolvimento social e econômico.
Capítulo 3:
Princípios Básicos das OMP das
Nações Unidas
(i) consentimento das partes (pode ser necessário usar a força para induzi-lo); (ii) imparcialidade (em relação às
partes, não ao mandato); e (iii) não utilização da força, exceto para autodefesa (e defesa do mandato, ressalva
acrescentada no pós Guerra Fria).
Aos princípios, são acrescentados mais três fatores de
sucesso: (a) legitimidade da missão (mandato do CS);
(b) credibilidade (efetividade e capacidade de corresponder às expectativas); (c) promoção de
ownership (reconstrução das instituições, capacidade
nacional e devolução do controle à população local).
48
II: Planejando
as OMP das
Nações Unidas
Capítulo 4:
Decidindo o envio de uma OMP das
Nações Unidas
Opções e condições de engajamento: comprometimento das
partes com acordos de paz; comprometimento dos vizinhos e engajamento das organizações regionais nos
processos de paz; suporte de CS; mandato alcançável e
disponibilidade de recursos.
Consulta aos contribuintes para planejar, decidir e
implementar, garantindo a chegada dos recursos.
Processo de planejamento integrado entre a ONU e seus
parceiros: assistência humanitária (CAP/CHAP); assistência ao desenvolvimento (CCA/UNDAF);
reconstrução (JAM/PCNA); e estratégias de redução da
pobreza (PRSP).
Capítulo 5:
Planejando uma
OMP das Nações Unidas
III: A arte de implementar
mandatos com
sucesso
Capítulo 6: Estabelecimento e
atividades iniciais das Operações de
Paz das Nações
Unidas
Detalhamento das fases do estabelecimento da missão.
Envio das tropas.
Administração do processo de estabelecimento da missão.
Capítulo 7: Administrando
OMP das Nações
Unidas
Relação entre escritórios e campo.
Integração e coordenação.
Participação de novos atores.
Capítulo 8: Suporte e Sustentação das OMP das Nações
Unidas
Logística e administração.
Recursos humanos.
Segurança das equipes.
Capítulo 9: Mantendo o Suporte
à Missão
Administração dos impactos da missão.
Comunicação.
Capítulo 10:
Transição e Saída
Parcerias e planejamento da transição.
Transferência de atribuições e redução da presença.
Quadro 1: Principais componentes da Doutrina Capstone Adaptado de: DPKO; DFS, 2008.
A análise do Quadro 1 nos permite perceber que, entre os temas abordados no
documento, ênfase é dada à natureza multidimensional das operações, bem como às formas de
organizar e coordenar os papéis desempenhados pelos mais diversos atores nas operações de
paz. A questão da multidimensionalidade aparece logo no Capítulo 2, que afirma que a
mudança da natureza dos conflitos nos quais a ONU é chamada a intervir a partir dos anos
1990 levou a uma dissolução parcial das fronteiras entre os principais instrumentos da
Organização para a manutenção da paz e da segurança: diplomacia preventiva; peacemaking;
peace enforcement; peacekeeping (OMP) e peacebuilding. Como resultado, as OMP passaram
a ser vistas como parte de um processo político mais amplo de reconstrução pós-conflito e
prevenção de sua recorrência e também como medidas mais intrusivas para induzir a paz –
inclusive o uso da força –, como ilustra a Figura 1.
49
Figura 1: Mecanismos de manutenção da paz
Adaptado de: DPKO; DFS, 2008, p.19.
Nesse novo contexto, a quantidade e a complexidade das tarefas que devem ser
realizadas no curso das operações aumentam consideravelmente, tornando indispensável a
participação de novos atores nos processos de paz. Assim, cada vez mais, a função das
operações passa a ser a criação de condições para que estes possam desempenhar suas funções
de maneira coordenada, para potencializar seus resultados. De acordo com a Doutrina
Capstone (2008), o processo de paz poderia ser dividido em três grandes fases – estabilização;
consolidação da paz; e recuperação e desenvolvimento a longo prazo –, sendo que cada uma
delas seria caracterizada por um conjunto específico de tarefas a serem realizadas e, portanto,
deveria contar com determinado grupo de atores responsáveis. A Figura 2 ilustra a sucessão
das fases (note-se a sobreposição entre elas), os principais objetivos de cada uma delas e os
atores relacionados à sua realização.
50
Figura 2: Fases e principais atividades das operações de manutenção da paz multidimensionais
Adaptado de: DPKO; DFS, 2008, p.23.
Entretanto, o documento chama atenção para o fato de que o encadeamento bem
sucedido dessas fases não ocorre de forma espontânea; pelo contrário, depende de um
planejamento amplo, cuidadoso e integrado da missão, com participação de todos os atores
envolvidos. A organização e condução do planejamento das missões é atribuição do DPKO e
é a principal questão abordada na Parte III, especialmente no Capítulo 5, dedicado ao
Processo Integrado de Planejamento da Missão (IMPP: Integrated Mission Planning
Process). De acordo com a Capstone (2008), o processo de planejamento deve centrar-se na
definição de entendimentos comuns sobre os objetivos estratégicos de cada missão, com
engajamento de todos os atores relevantes envolvidos e de modo a refletir considerações
orçamentárias. Mais especificamente, o planejamento deve prover um ―[...] framework
inclusivo para o engajamento de parceiros externos‖ (DPKO; DFS, 2008, p.56, tradução livre)
52 cuja participação ―[...] é necessária para que as Nações Unidas alcancem seus objetivos
mais amplos‖ (p.56, tradução livre). 53
Além do planejamento próprio das OMP (segurança), voltado para a estabilização e
para as primeiras atividades de reconstrução, a Doutrina ressalta duas outras áreas que
requerem planejamento específico, as ações humanitárias e o desenvolvimento. É interessante
notar que, tal como as fases das operações, as atividades dessas áreas se sucedem e se
sobrepõem. Antes mesmo de as missões serem autorizadas formalmente, organizações de
assistência humanitária ligadas à ONU iniciam suas atividades nas regiões em conflito e,
muitas vezes, são responsáveis pelo repasse de informações determinantes para o
estabelecimento das missões. No caso da Libéria, por exemplo, essas organizações
52 ―[…] an inclusive framework to engage external partners‖. 53 ―[…] is necessary for the United Nations to achieve its broader objectives‖.
51
elaboraram um documento que detalhava a situação e as principais necessidades humanitárias
na região, e definia estratégias de intervenção ainda durante a fase mais violenta do conflito,
quando as equipes da ONU tinham sido retiradas do país (CAP LIBERIA, 2003). Esse
documento foi citado no relatório do Secretário-Geral que recomenda a instituição da OMP na
Libéria, inclusive como uma das fontes de um estudo encomendado por ele para definir as
prioridades da missão e delinear estratégias de intervenção (S/2003/875, 2003).
Uma vez que as tropas da ONU chegam à região, passam a trabalhar em conjunto com
as organizações humanitárias na estabilização da situação. Nesse sentido, o mandato da
UNMIL classifica o suporte à assistência humanitária como uma das prioridades da missão, o
que seria feito pela garantia de acesso amplo e seguro das organizações de ajuda à população
necessitada (S/RES/1509, 2003). Paralelamente, o estabelecimento da OMP foi determinante
para que o trabalho das organizações humanitárias fosse ampliado, inclusive por meio do
retorno ao país das equipes que tinham saído em decorrência do conflito e da chegada de
novos grupos, recursos e equipamentos (CAP LIBERIA, 2004).
A garantia de níveis mínimos de segurança e o início do processo de reconstrução das
instituições e da infraestrutura do Estado marcam o início da fase de consolidação da paz, na
qual entram em cena as organizações vinculadas ao desenvolvimento, como, por exemplo, os
órgãos do Banco Mundial voltados para a reconstrução e promoção de investimentos nos
países mais pobres, sem grande apelo para o capital internacional. 54
De acordo com seus
formuladores, a assistência ao desenvolvimento funcionaria como elo entre o alívio das
condições humanitárias, a manutenção da segurança e o processo de reconstrução,
assegurando que a paz promovida pelas agências e organizações internacionais possa ser
preservada a longo prazo (UNDAF LIBERIA, 2003). No caso da Libéria, é interessante
observar que as ações de desenvolvimento tiveram como foco a reforma das instituições do
estado de acordo com padrões (e práticas) internacionais de boa governança, inspiradas,
principalmente, nos estudos realizados pelo Banco Mundial (UNDAF LIBERIA, 2003). Essas
medidas, aliadas à garantia da segurança e da melhoria das condições de vida básicas da
população – inclusive a recuperação do mercado interno – foram consideradas imperativas
54 Esses órgãos compõem o chamado Grupo do Banco Mundial (WBG, World Bank Group). Entre eles, citam-se
o IBRD (International Bank for Reconstruction and Development), que financia projetos de promoção do
desenvolvimento humano sustentável nos países mais pobres, inclusive naqueles em reconstrução (IBRD, 2009);
a IFC (International Finance Corporation), que financia o setor privado nos países pobres e em
desenvolvimento (IFC, 2009); e a MIGA (Multilateral Investment Guarantee Agency), que promove o
Investimento Externo Direto (IED), também nos países pobres e em desenvolvimento, provendo garantias aos
investidores interessados em fazer negócios nesses países (MIGA, 2009). Todas essas organizações participam
do processo de reconstrução da Libéria, inclusive em parceria com a UNMIL, conforme será tratado no próximo
capítulo.
52
para que o processo de recuperação e desenvolvimento ganhe força e comece a ser realizado
pelo contato direto entre o governo local e as organizações internacionais, como o Banco
Mundial propriamente dito e o FMI (UNDAF LIBERIA, 2003). Na Libéria, o sucesso, pelo
menos parcial, da reforma do Estado foi atestado pela publicação da Estratégia de Redução da
Pobreza (PRS), um plano de reconstrução e desenvolvimento, elaborado pelo governo eleito,
que transplantava as boas práticas relacionadas à governança para o contexto local, e que
passou a balizar toda a assistência prestada ao país pelas agências e organizações
internacionais ligadas ao desenvolvimento (UNDAF LIBERIA, 2008; LIBÉRIA, 2008).
De acordo com a Doutrina Capstone (2008), a organização da assistência humanitária
teria como base dois tipos de documentos, o CHAP (Consolidated Humanitarian Appeal
Process), e o CAP (Consolidated Appeal Process), que apresentam, anualmente, a descrição
dos projetos propostos por agências da ONU, ONGs e governos de outros países para
determinado país/emergência, o percentual de financiamento que cada um deles recebeu, e o
status dos projetos listados nos relatórios do ano anterior (DPKO; DFS, 2008; CAP LIBERIA
2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). Já a assistência ao desenvolvimento seria determinada
com base em dois grupos de documentos: o primeiro, produzido pelo UNDG (United Nations
Development Group), trataria com maior especificidade as fases iniciais do processo de
reconstrução, e seria composto pelo JAM (Joint Assessment Missions) e pelo PCNA (Post-
Conflict Needs Assessments); e o segundo, composto pelo CCA (Common Country
Assessment), UNDAF (United Nations Development Assistance Framework), e PRSP
(Poverty Reduction Strategy Papers), que contêm a descrição dos projetos a serem realizados
e estabelecem as bases para a cooperação entre o sistema ONU, governo e parceiros do
desenvolvimento, como ONGs locais e internacionais (DPKO; DFS, 2008; UNDAF
LIBERIA, 2003). Finalmente, o planejamento detalhado das atividades a serem realizadas
especificamente na área de segurança deveria constar no mandato das missões e nos
orçamentos anuais, elaborados pelo DPKO/DFS e aprovados pelo Conselho de Segurança.
2.5 Transformações do Sistema de Segurança Coletiva
A criação da ONU teve lugar em um contexto de reconstituição do sistema
internacional de segurança coletiva, que tentava devolver a estabilidade às relações entre os
Estados como reação ao legado de profunda instabilidade deixado pela Segunda Guerra
53
Mundial. Em meio a esse esforço, a concepção wilsoniana de paz, universal e indivisível, foi
reescrita como limitação e proscrição do uso da força; e classificação do ato de agressão como
uma espécie de ―ilícito internacional‖, ao qual todos os demais Estados estariam compelidos a
responder de forma conjunta. Entretanto, o fim da Guerra marcou também a emergência de
duas superpotências e de uma nova ordem internacional, forjada por elas, na qual não havia
espaço para um mecanismo de reação indiscriminada contra os violadores da paz. Mesmo
assim, alguns elementos do sistema de segurança coletiva foram preservados, com o endosso
das potências, na construção da nova ordem, com destaque para as ideias de limitar o uso da
força entre os demais integrantes do sistema internacional; e de combater a escalada dos
conflitos. Esta última, reforçada pelo temor de que o envolvimento de norte-americanos e
soviéticos em disputas regionais pudesse precipitar entre eles uma guerra nuclear de
proporções desastrosas para todos.
De fato, entre seus inúmeros efeitos, a divisão do mundo impingiu às potências grande
parte das responsabilidades e dos custos envolvidos na operação do sistema de segurança
coletiva, cada uma em seu bloco. Com isso, o recurso a mecanismos multilaterais para
combater ameaças à paz, como os oferecidos pela ONU, foi bastante esvaziado, e, em geral,
reservado a casos que não atraiam grande atenção das potências. As OMP foram a fórmula
clássica encontrada para lidar com esses casos, e se mantiveram consistentes com o objetivo
de limitar o uso da força e estabilizar as situações, principalmente por meio da separação entre
os beligerantes e restituição da autoridade soberana nas áreas afetadas. A proeminência desses
elementos fica bastante evidente nos mandatos das operações realizadas entre 1948 e 1989,
sintetizados no Quadro 2.
Sigla Nome da
Operação Local Mandato Início Término
UNTSO
United
Nations Truce Supervision
Organization
Palestina
Auxiliar o Mediador das Nações Unidas; supervisionar a
observância da trégua (os
Acordos Gerais de Armistício de 1949 e o cessar-fogo na área do
Canal de Suez e nas Colinas de
Golã); auxiliar e cooperar com
a UNDOF e a UNIFIL.
Maio 1948
Presente
UNMOGIP
United
Nations
Military Observer
Group in
India and
Pakistan
Índia e
Paquistão
Supervisionar o cessar-fogo nas
províncias de Jammu e
Kashemira firmado entre a Índia e o Paquistão.
Janeiro
1949 Presente
54
UNEF I
First United Nations
Emergency
Force
Suez
Assegurar e supervisionar o fim das hostilidades, incluindo a
retirada das forças armadas da
França, de Israel e do Reino Unido do território egípcio e,
após a retirada, atuar como
tampão entre as forças israelenses e egípcias; prover
supervisão imparcial do cessar-
fogo.
Novembro
1956
Junho
1967
UNOGIL
United
Nations
Observation Group in
Lebanon
Líbano
Garantir, como um grupo de
observação, que não haja
entrada ilegal de pessoal ou
suprimentos de armas e outros
materiais pelas fronteiras libanesas.
Junho
1958
Dezembro
1958
ONUC
United
Nations
Operation in
the Congo
Congo
Prover assistência militar ao
governo até que as forças de
segurança nacionais estejam prontas para cumprir plenamente
com suas funções; garantir a
retirada das forças belgas; e
auxiliar o governo a manter a
lei e a ordem. A função da
ONUC foi posteriormente modificada para incluir também:
a manutenção da integridade
territorial e a independência
política do Congo, a prevenção
de conflitos civis e a
certificação da retirada do
Congo de todo o pessoal estrangeiro militar, paramilitar e
de assessoria que não estejam sob
o comando da ONU.
Julho
1960
Junho
1964
UNSF
United
Nations
Security Force in West
New Guinea
Nova
Guiné Ocidental
Manter a paz e a segurança no território sob a Autoridade
Executiva Temporária das
Nações Unidas; monitorar o
cessar-fogo; e auxiliar na
promoção da lei e da ordem
durante o período de transição.
Outubro
1962
Abril
1963
UNYOM
United
Nations
Yemen Observation
Mission
Iêmen
Observar e certificar a
implementação do acordo de
desengajamento entre a Arábia Saudita e as Repúblicas Árabes
Unidas.
Julho
1963
Setembro
1964
UNFICYP
United Nations
Peacekeeping
Force in
Cyprus
Chipre
Prevenir a recorrência de lutas
entre as comunidades cipriotas
gregas e turcas e contribuir para
a manutenção e restauração da lei e da ordem. Depois do
estabelecimento de um cessar-
Março
1964 Presente
55
fogo em 1974, o mandato do UNFICYP foi expandido para
incluir também: a supervisão do
cessar-fogo e a criação de uma
zona de segurança entre as
linhas.
DOMREP
Mission of the
Representativ
e of the Secretary-
General in the
Dominican
Republic
República
Dominica-na
Observar a situação na
República Dominicana e
comunicar o Conselho de
Segurança em caso de
descumprimento do cessar-fogo ou qualquer outro evento que
possa afetar a manutenção da paz
e da ordem no país.
Maio
1965
Outubro
1966
UNIPOM
United Nations India-
Pakistan
Observation Mission
Índia e Paquistão
Supervisionar o cessar-fogo ao
longo da fronteira entre Índia e Paquistão (exceto nas províncias
de Jammu e Kashmira) e o recuo
de todas as tropas para as posições em que se encontravam
antes de 5 de Agosto de 1965.
Setembro 1965
Março 1966
UNEF II
Second
United
Nations Emergency
Force
Suez e
Sinai
Supervisionar o cessar-fogo
entre Egito e Israel;
supervisionar a remoção das
forças egípcias e israelenses; e
administrar e controlar as
zonas de segurança estabelecidas pelos acordos de 1974 e 1975.
Outubro
1973
Julho
1979
UNDOF
United
Nations
Disengagement Observer
Force
Colinas de
Golã
Manter o cessar-fogo entre
Israel e Síria; supervisionar a
remoção das forças israelenses e sírias; e supervisionar as áreas
de separação e limitação.
Junho
1974 Presente
UNIFIL
United Nations
Interim Force
in Lebanon
Líbano
Garantir a retiradas das forças
israelenses do Líbano; restaurar
a paz e a segurança; auxiliar o governo libanês a restaurar sua
efetiva autoridade na região.
Devido à crise de Julho/Agosto de 2006, o Conselho de
Segurança ampliou o efetivo da
força e decidiu que, além de seu
mandato original, também iria, entre outras coisas: monitorar o
Março
1978 Presente
56
cessar das hostilidades;
acompanhar e dar suporte às
forças armadas libanesas à
medida que estas se instalassem no sul do Líbano; e estender sua
assistência para ajudar a
garantir o acesso das ações humanitárias às populações
civis e o retorno seguro e
voluntário dos deslocados civis.
UNGOMAP
United Nations Good
Offices
Mission in
Afghanistan and Pakistan
Afeganis-tão e
Paquistão
Ajudar a garantir a implementação dos Acordos
sobre a Resolução da Situação no
Afeganistão; investigar e relatar
possíveis violações a qualquer das previsões dos Acordos.
Maio
1988
Março
1990
UNIIMOG
United Nations Iran-
Iraq Military
Observer Group
Irã e Iraque
Verificar, confirmar e
supervisionar o cessar-fogo e a
retirada de todas as forças para as fronteiras internacionalmente
reconhecidas, enquanto se
aguardava uma solução definitiva. As atividades da
UNIMOG foram encerradas em
Fevereiro de 1991, depois que Irã
e Iraque fizeram a retirada completa de suas forças para as
referidas fronteiras.
Agosto 1988
Fevereiro 1991
Quadro 2: OMP realizadas pela ONU (1948-1988) e principais componentes do mandato Adaptado de: DPKO, Current Operations, 2010; DPKO, Past Operations, 2010.
Conforme foi discutido, o epílogo da Guerra Fria deu azo à emergência de um novo
entendimento acerca da paz e da segurança, no qual a observância de direitos individuais tidos
como universais e a garantia de condições básicas de vida e bem-estar a todos os seres
humanos ganharam proeminência. Em decorrência dessa transformação, os mecanismos de
combate às ameaças, especialmente às OMP, também mudaram. A partir desse momento, não
se tratava mais de limitar a força e restituir a soberania pura e simplesmente; era necessário
reconstruir o Estado como um todo: instituições; infraestrutura; capacidade de conduzir a
população no caminho do desenvolvimento humano sustentável; e, assim, eliminar as causas
dos conflitos violentos e evitar sua recorrência. O novo corolário das OMP se refletiu na
mudança notável de seus objetivos, em relação àqueles observados no período anterior, como
pode ser percebido pelos novos componentes dos mandatos das missões realizadas a partir
dos anos 1990, sintetizados no Quadro 3.
57
Sigla Nome da
Operação Local Mandato Início Término
UNAVEM I
United
Nations
Angola
Verification Mission I
Angola Verificar a retirada das
tropas cubanas do território
angolano.
Janeiro
1989
Junho
1991
UNTAG
United
Nations Transition
Assistance
Group
Namíbia
Entre outras funções, auxiliar o
Representante Especial do
Secretário-Geral a garantir a
independência da Namíbia
por meio de eleições livres e
justas, sob a supervisão e
controle da ONU.
Abril
1989
Março
1990
ONUCA
United Nations
Observer
Group in Central
America
Costa
Rica, El
Salvador,
Guatemal
a
Honduras
e
Nicarágua
Verificar o cumprimento, pelos governos da América
Central, da decisão de cessar
toda a ajuda a forças
irregulares e movimentos
insurgentes na região e de
impedir a utilização de seu
território para que estes lancem ataques a outros estados. Além
disso, coube à ONUCA
auxiliar na desmobilização voluntária da Resistência
Nicaraguense e monitorar o
cessar-fogo e a separação das
tropas tal como acordado entre as partes no processo de
desmobilização.
Novembro
1989
Janeiro
1992
UNIKOM
United
Nations Iraq-
Kuwait
Observation Mission
Iraque e Kuwait
Monitorar a zona desmilitarizada ao longo da
fronteira entre Iraque e Kuwait,
além de deter possíveis
violações a essa fronteira e
comunicar o Conselho sobre
qualquer ação hostil.
Abril 1991
Outubro 2003
58
MINURSO
United Nations
Mission for
the
Referendum in Western
Sahara
Saara
Ocidental
Monitorar o cessar-fogo;
verificar a redução das tropas
marroquinas no território;
monitorar o confinamento das tropas marroquinas e da
Frente POLISARIO aos locais
designados; negociar com as
partes a libertação de todos os
prisioneiros políticos de Saara
Ocidental; acompanhar as
trocas de prisioneiros de guerra;
implementar o programa de
repatriamento; identificar e
registrar eleitores; além de
organizar um referendum livre e justo.
Abril
1991 Presente
UNAVEM II
United Nations
Angola
Verification
Mission II
Angola
Verificar o cumprimento das
decisões acordadas pelo governo de Angola e a União
Nacional para a Independência
Total de Angola, com o fim de
monitor o cessar-fogo e a
atuação da polícia angolana
durante esse período, além de
acompanhar as eleições, de acordo com os Acordos de Paz.
Junho 1991
Fevereiro 1995
ONUSAL
United Nations
Observer
Mission in El Salvador
El Salvador
Verificar a implementação de
todos os acordos entre o
governo de El Salvador e a Frente Farabundo Marti para la
Liberacíon Nacional, incluindo
o cessar-fogo, a reforma e a
redução das forças armadas,
a criação de uma nova força
policial, a reforma do
judiciário e do sistema
eleitoral, e proteção aos
direitos humanos, entre outros.
Julho 1991
Abril 1995
UNAMIC
United
Nations
Advance Mission in
Cambodia
Camboja
Auxiliar na manutenção do cessar-fogo entre as partes do
conflito no Camboja, além de
treinar a população civil
cuidados com minas terrestres. Posteriormente, o mandato
passou a incluir também um
programa de retirada de minas.
Outubro
1991
Março
1992
59
UNPROFOR
United
Nations Protection
Force
Iugoslávia
Garantir a desmilitarização
das áreas designadas; dar
suporte à entrega de ajuda
humanitária; monitorar as
zonas de voo proibido e as
zonas de segurança. O
mandato foi posteriormente estendido para incluir o
monitoramento preventivo
nas áreas de fronteira na
Macedônia.
Fevereiro 1992
Março 1995
UNTAC
United
Nations
Transitional Authority in
Cambodia
Camboja
Garantir a implementação dos Acordos de Ampla
Resolução Política do Conflito
no Camboja, assinado em 1991. O mandato incluía aspectos
relacionados a direitos
humanos, organização e
realização de eleições,
reformas militares,
administração civil,
manutenção da lei e da
ordem, repatriação e
reassentamento de refugiados
e deslocados internos, e
reabilitação da infra-
estrutura cambojana.
Março
1992
Setembro
1993
UNOSOM I
United Nations
Operation in
Somalia I
Somália
Monitorar o cessar-fogo em Mogadísco e acompanhar
entregas de suprimentos
humanitários. O mandato foi ampliado posteriormente para
permitir a proteção aos
comboios humanitários e o estabelecimento de um
ambiente seguro para a atuação
da assistência humanitária.
Abril
1992
Março
1993
ONUMOZ
United
Nations
Operation in Mozambique
Moçambi-
que
Ajudar na implementação do
Acordo Geral de Paz;
monitorar o cessar-fogo e a
retirada das forças
estrangeiras; dar segurança às
linhas de suprimentos; e prover
assistência técnica e acompanhamento a todo o
processo eleitoral.
Dezembro
1992
Dezembro
1994
60
UNOSOM II
United Nations
Operation in
Somalia II
Somália
Tomar as ações necessárias,
incluindo medidas de coação,
para estabelecer em toda a
Somália um ambiente seguro
para a assistência
humanitária. Com esse fim, a
UNOSOM II deveria completar, por meio do
desarmamento e
reconciliação, a missão
iniciada pela Unified Task Force para restaurar a paz, a
estabilidade, a ordem e a lei.
Março
1993
Março
1995
UNOMUR
United
Nations Observer
Mission
Uganda-Rwanda
Uganda e
Ruanda
Monitorar a fronteira entre Uganda e Ruanda e assegurar
que nenhuma ajuda militar
fosse provida por ela.
Junho
1993
Setembro
1994
UNOMIG
United Nations
Observer
Mission in
Georgia
Geórgia
Averiguar o cumprimento do acordo de cessar-fogo entre o
governo da Geórgia e as
autoridades do Abkhaz na
Geórgia.
Agosto
1993
Junho
2009
UNOMIL
United Nations
Observer
Mission in Liberia
Libéria
Exercer bons ofícios em suporte
aos esforços da Comunidade Econômica de Estados da
África Ocidental e do Governo
Nacional de Transição da
Libéria para a implementação
dos acordos de paz; investigar
as possíveis violações ao
cessar-fogo; auxiliar na
desmobilização de
combatentes; dar suporte à
assistência humanitária;
averiguar violações aos
direitos humanos e ajudar
grupos locais de direitos
humanos; além de observar e verificar a realização de
eleições.
Setembro 1993
Setembro 1997
UNMIH
United Nations
Mission in
Haiti
Haiti
Ajudar o governo a
estabelecer um ambiente
estável, a profissionalizar as
forças armadas e a criar uma força policial separada, além de
auxiliar a condução de eleições
livres e justas.
Setembro
1993
Junho
1996
61
UNAMIR
United
Nations
Assistance Mission for
Rwanda
Ruanda
Ajudar a implementar o Acordo de Paz de Arusha,
assinado em 1993. O mandato
da UNAMIR foi alterado diversas vezes frente aos
trágicos acontecimentos de
genocídio que se seguiram.
Outubro
1993
Março
1996
UNASOG
United Nations
Aouzou Strip
Observer
Group
Chade
Verificar a retirada das
tropas e da administração
líbia da Faixa de Aouzou de
acordo com a decisão da Corte
Internacional de Justiça.
Maio
1994
Junho
1994
UNMOT
United Nations
Mission of
Observers in Tajikistan
Tajiquistão Monitorar o cessar-fogo acordado entre o governo e a
oposição.
Dezembro 1994
Maio 2000
UNAVEM III
United
Nations
Angola Verification
Mission III
Angola
Auxiliar o governo de Angola
e a União Nacional para a Independência Total de Angola
(UNITA) a restaurar a paz e a
alcançar a reconciliação nacional.
Fevereiro
1995
Junho
1997
UNCRO
United
Nations Confidence
Restoration
Operation in Croatia
Croácia
Realizar as funções designadas
a ela pelo acordo de cessar-fogo de 29 de Março de 1994;
colaborar com a
implementação do acordo
econômico de 2 de Dezembro de 1994; monitorar a
passagem de pessoal militar,
equipamento, suprimentos e armas pelas fronteiras
internacionais especificadas;
facilitar a chegada de assistência humanitária à
Bósnia e Herzegovina pelo
território croata; monitorar a
desmilitarização da península Prevlaka.
Maio
1995
Janeiro
1996
UNPREDEP
United Nations
Preventive
Deployment Force
Macedônia
Continuar desempenhando as funções antes exercidas pela
UNPROFOR, tais como:
monitorar as áreas de fronteira e comunicar qualquer
fato possa abalar a estabilidade
da Macedônia ou ameaçar seu
território.
Março 1995
Fevereiro 1999
62
UNMIBH
United
Nations
Mission in Bosnia and
Herzegovina
Bósnia-
Hezergó-vina
Coordenar as atividades da
ONU na Bósnia-Hezergóvina
relacionadas a ajuda
humanitária e aos refugiados,
retirada de minas, proteção
aos direitos humanos,
realização de eleições,
reabilitação da infra-
estrutura e reconstrução econômica.
Dezembro
1995
Dezembro
2002
UNTAES
United
Nations
Transitional
Administration for Eastern
Slavonia,
Baranja and Western
Sirmium
Croácia
Ajudar a reintegrar
pacificamente a Slavonia
Oriental, a Baranja e a Sirmium Ocidental à Croácia;
supervisionar e acompanhar
a desmilitarização; monitorar
o retorno de refugiados;
contribuir para a manutenção
da paz e da segurança;
estabelecer um força policial
temporária; realizar funções
relacionadas a administração
civil e de serviços públicos; e organizar eleições, entre outras
atividades.
Janeiro
1996
Janeiro
1998
UNMOP
United
Nations
Mission of Observers in
Prevlaka
Croácia e
Iugoslávia
Monitorar a desmilitarização da península de Prevlaka,
dando sequência ao trabalho
desempenhado pela UNCRO.
Janeiro
1996
Dezembro
2002
UNSMIH
United
Nations
Support Mission in
Haiti
Haiti
Coordenar as atividades do
Sistema ONU nas ações de
reconstrução institucional,
reconciliação nacional e
reabilitação econômica, além de auxiliar o governo a
profissionalizar sua polícia e a
manter um ambiente seguro e
estável.
Julho
1996
Julho
1997
MINUGUA
United
Nations
Verification Mission in
Guatemala
Guatemala
Supervisionar a
implementação do Acordo de
Cessar-fogo Definitivo assinado pela governo da Guatemala e a Unidade
Revolucionária Nacional
Guatemalteca.
Janeiro
1997
Maio
1997
63
MONUA
United
Nations
Observer Mission in
Angola
Angola
Auxiliar as partes em conflito em Angola a consolidar a paz
e alcançar uma reconciliação
nacional, ampliando a confiança mútua e criando um
ambiente favorável à
estabilidade de longo prazo,
ao desenvolvimento
democrático e à reabilitação
do país.
Junho
1997
Fevereiro
1999
UNTMIH
United
Nations Transition
Mission in
Haiti
Haiti
Auxiliar o governo do Haiti,
dando suporte e contribuindo
para a profissionalização da
Polícia Nacional Haitiana.
Agosto
1997
Dezembro
1997
MIPONUH
United
Nations Civilian
Police
Mission in
Haiti
Haiti
Auxiliar o governo a
profissionalizar a Polícia Nacional, em especial
treinando unidades policiais
especializadas. Outras funções
incluíam avaliar a atuação da polícia e acompanhar os
policiais em suas atividades
rotineiras.
Dezembro
1997
Março
2000
UNPSG
UN Civilian Police
Support
Group
Croácia
Continuar com o
monitoramento da
performance da polícia croata
na região do Danúbio, particularmente com respeito ao
retorno de deslocados
internos, além de assumir funções de vigilância antes a
cargo da UNTAES, devido ao
fim do mandato desta.
Janeiro
1998
Outubro
1998
MINURCA
United Nations
Mission in the
Central African
Republic
República Centro
Africana
Auxiliar na manutenção e
fortalecimento da segurança e
da estabilidade em Bangui e arredores; supervisionar,
estocar e monitorar a deposição
de armas advindas do processo de desarmamento; ajudar na
capacitação da força policial;
e fornecer suporte técnico
para as eleições.
Abril
1998
Fevereiro
2000
UNOMSIL
United
Nations
Observer Mission in
Sierra Leone
Serra Leoa
Monitorar a situação em Serra Leoa, em especial quanto à
segurança e ao processo de
desarmamento e
desmobilização de ex-combatentes. Também tinha
como missão a de ajudar a
monitorar o respeito às leis humanitárias internacionais.
Julho
1998
Outubro
1999
64
UNMIK
United
Nations Interim
Administratio
n Mission in
Kosovo
Kosovo
Exercer o papel de administração de transição e,
ao mesmo tempo, gerar as
condições para o desen-
volvimento de instituições de
auto-governo democráticas,
com vistas a restaurar a paz e a normalidade para a população
do Kosovo. Progressivamente,
a UNMIK se deslocou da
posição administrativa para a de monitoramento e suporte às
instituições locais.
Junho
1999 Presente
UNAMSIL
United
Nations
Mission in Sierra Leone
Serra Leoa
Cooperar com o governo e as outras partes para a im-
plementação do Acordo de Paz
de Lome e auxiliar o processo de desarmamento, desmobili-
zação e reintegração.
Outubro
1999
Dezembro
2005
UNTAET
United
Nations Transitional
Administratio
n in East
Timor
Timor
Leste
Administrar o território,
exercer a autoridade exe-
cutiva e legislativa durante o
período de transição e dar
suporte ao desenvolvimento
das condições de auto-
governo.
Outubro
1999
Maio
2002
MONUC
United
Nations Organization
Mission in the
Democratic Republic of
the Congo
República
Democrá-tica do Congo
Monitorar o cessar-fogo e o
desengajamento das forças e
fazer com que todas as partes continuem respeitando o
Acordo de Cessar-fogo, entre
outras funções.
Novembro 1999
Presente
UNMEE
United Nations
Mission in
Ethiopia and
Eritrea
Etiópia e
Eritréia
Manter contato com todas as
partes e estabelecer um mecanismo para verificar o
cessar-fogo. A partir de
Setembro de 2000, a UNMEE
também ficou responsável por
monitorar o cessar de
hostilidades e ajudar a garantir
a observância aos compromis-sos firmados.
Julho
2000
Julho
2008
UNMISET
United
Nations
Mission of Support in
East Timor
Timor
Leste
Prover assistência ao Timor
Leste por um período de dois anos até que todas as
responsabilidades operacionais
fossem plenamente transferidas
às autoridades locais.
Maio
2002
Maio
2005
65
UNMIL
United
Nations
Mission in Liberia
Libéria
Auxiliar na implementação
do acordo de cessar-fogo e no
processo de paz; proteger as
instalações, o staff e os civis
da ONU; dar suporte às
atividades humanitárias e de
direitos humanos; e ajudar na
reforma da segurança
nacional, incluindo treina-
mento de policiais e formação de uma nova e reestruturada
força militar.
Setembro
2003 Presente
UNOCI
United
Nations
Operation in
Côte d'Ivoire
Costa do
Marfim
Auxiliar na implementação,
pelas partes do conflito na
Costa do Marfim, do acordo de
paz assinado em 2003, dando continuidade ao trabalho
desenvolvido anteriormente
pela MINUCI.
Abril
2004 Presente
MINUSTAH
United
Nations Stabilization
Mission in
Haiti
Haiti
Manter a ordem e a
segurança pública; proteger
pessoal e instalações da ONU;
garantir liberdade de ir e vir;
monitorar e reformar a
polícia nacional; proteger
civis; promover primado da
lei, dar suporte aos processos
constitucional e político,
promover governança
democrática e desenvol-
vimento institucional; dar
suporte ao processo eleitoral, diálogo e reconciliação
nacional; estender autoridade
nacional e boa governança em
todo o país; monitorar, promover e proteger os Direitos
Humanos (incluindo refugiados
e IDPs), evitar abusos e prestar assistência às vítimas.
Junho
2004 Presente
ONUB
United
Nations
Operation in Burundi
Burundi
Dar suporte à implementação
dos compromissos assumidos pelos burundianos para
estabelecer uma paz
duradoura e a reconciliação
nacional, tal como disposto no Acordo de Arusha.
Junho
2004
Dezembro
2006
66
UNMIS
United
Nations
Mission in the Sudan
Sudão
Dar suporte à implementação
do Acordo Amplo de Paz;
monitorar e verificar o
respeito ao acordo de cessar-fogo e averiguar possíveis
violações; manter contato com
os doadores bilaterais; observar e monitorar a movimentação de
grupos armados; auxiliar o
programa de desarmamento,
desmobilização e reintegração; promover o
entendimento a respeito do
processo de paz e do papel da UNMIS por meio de
campanhas informativas;
auxiliar a reestruturação do
serviço policial no Sudão; ajudar as partes a promover o
primado da lei e a proteger os
direitos humanos; dar suporte
à realização de eleições;
incentivar e acompanhar o
retorno voluntário de refugiados e deslocados
internos; coordenar a
assistência humanitária;
prover auxílio para as atividades de limpeza de áreas
minadas; atuar no sentido da
proteção de civis. O mandato também prevê que a UNMIS
estaria autorizada a tomar
todas as ações necessárias
para proteger o pessoal da
ONU, suas instalações, além
de civis sob ameaça iminente.
Março
2005 Presente
UNMIT
United Nations
Integrated
Mission in Timor-Leste
Timor-
Leste
Dar suporte ao governo para que este possa consolidar a
estabilidade, fortalecer a
cultura de governança
democrática, e incentivar o diálogo político entre
stakeholders timorenses, com
vistas a promover uma ampla reconciliação nacional e
fomentar a coesão social.
Agosto 2006
Presente
67
UNAMID
African Union-United
Nations
Hybrid Operation in
Darfur
Sudão
Proteger os civis, contribuir
para a segurança da
assistência humanitária,
monitorar e verificar a implementação dos acordos,
colaborar para a promoção dos
direitos humanos e o primado da lei, e relatar ao Conselho
sobre a situação ao longo das
fronteiras do Sudão com o
Chad e a República Centro Africana.
Julho
2007 Presente
MINURCAT
United Nations
Mission in the
Central African
Republic and
Chad
República Centro
Africana e
Chad
Contribuir para a proteção de
civis, promover os direitos
humanos e o primado da lei e
auxiliar no processo de
estabelecimento da paz na
região.
Setembro
2007 Presente
Quadro 3: OMP realizadas pela ONU (1989-2009) e principais componentes do mandato Adaptado de: DPKO, Current Operations, 2010; DPKO, Past Operations, 2010.
Os novos objetivos dos mandatos podem ser reinterpretados como novos meios para
manter a segurança internacional, caracterizados pela inclusão de elementos da agenda do
desenvolvimento e da assistência humanitária na acepção mais tradicional da segurança. Tal
inclusão motivou a reformulação das OMP como mecanismos de preservação e promoção
dessa segurança internacionalmente e consolidou sua reorganização em três áreas, quais
sejam, segurança, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento, cuja dinâmica
alterna momentos de integração e especialização, tanto de objetivos quanto de atores. Essas
mudanças foram circunscritas pela ONU à rubrica da multidimensionalidade.
No próximo capítulo, deverá ser mostrado, por meio da análise da missão realizada na
Libéria, no período de 2003 a 2008, como se processa a divisão de tarefas (e de atores) entre
essas três grandes áreas; e a interação entre elas, com vistas a fornecer elementos para discutir
a hipótese da articulação de um nexo entre segurança coletiva, assistência humanitária e
assistência ao desenvolvimento no âmago das OMP pós Guerra Fria.
68
3 SEGURANÇA, ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA, ASSISTÊNCIA AO
DESENVOLVIMENTO E RECONSTRUÇÃO DO ESTADO NA LIBÉRIA
Como discutido no capítulo anterior, se tomadas em conjunto, as transformações
normativas, institucionais e operacionais das missões de paz que tiveram lugar a partir dos
anos 1990 podem ser entendidas como parte do processo de emergência de uma nova geração
de OMPs conduzidas pela ONU. Entre as características de tais operações, podem-se destacar
a multidimensionalidade e a participação de novos atores, que evidenciam o envolvimento
mais consistente da sociedade internacional nos processos de pacificação e reconstrução de
Estados nacionais. Contudo, é interessante observar que, apesar da cadência e coerência
aparentes entre propostas e decisões, a reconstituição dessas operações como instrumentos de
manutenção da paz e da segurança internacionais após a Guerra Fria foi muitas vezes marcada
pela descontinuidade. Grande parte das inovações hoje codificadas em documentos como a
Doutrina Capstone (2008), resultou, de fato, da compilação de experiências realizadas de
maneira ad hoc, para atender a necessidades específicas impostas pelas particularidades,
internacionais ou domésticas, que cercaram cada um dos casos nos quais a ONU se envolveu.
Outra questão digna de nota diz respeito ao fato de que, sob a égide da
multidimensionalidade, as operações passaram a ser mais intrusivas – especialmente no que
concerne ao princípio de soberania estatal –, e destinadas a realizar tarefas complexas.
Consequentemente, tornaram-se mais dispendiosas, tanto política quanto economicamente, e
seu sucesso, traduzido aqui como realização efetiva dos projetos e programas tidos como
essenciais, progressivamente condicionado ao suporte dado pelos Estados à operação. Dessa
forma, a aplicação dos novos conceitos, padrões e técnicas relacionados às operações de paz
dependeu não só de seu desenvolvimento e disponibilidade, como também do apoio
internacional recebido em cada caso. Ao longo dos anos, as operações capazes de combinar
inovações e recursos de forma bem sucedida foram utilizadas pela ONU na definição de um
rol de práticas testadas e aceitas (melhores práticas) que serviriam de base para experiências
subsequentes.
Entre essas operações, merece destaque a realizada na Libéria a partir de 2003,
considerada pela ONU como um dos casos de maior sucesso em sua história (UN FORUM,
2005; UN FOUNDATION, 2009). Além de incorporar princípios e técnicas desenvolvidos até
então, a UNMIL (United Nations Mission in Liberia) teve êxito em criar novas soluções e
incorporar, ao longo de sua atuação, práticas que se mostraram eficientes em outros casos.
69
Dessa forma, a missão foi considerada pela ONU uma das mais bem acabadas representantes
da nova geração das operações de paz, tornando-se referência para futuras intervenções e uma
das principais fontes para documentos como a Doutrina Capstone (2008).
Neste capítulo, pretende-se descrever a montagem e o funcionamento da operação na
Libéria e identificar evidências das orientações normativas, institucionais e operacionais que
informam os processos de pacificação e reconstrução de Estados após a Guerra Fria, tratadas
no capítulo anterior. Especialmente, pretende-se detalhar o processo de divisão de tarefas e
interação entre elas nas três grandes áreas isoladas anteriormente – segurança, assistência
humanitária e assistência ao desenvolvimento – para discutir em que medida a
multidimensionalidade implica a definição de um novo papel para a ONU nas OMP, qual
seja, o de coordenar um processo de divisão de trabalho entre agências e organizações cada
vez mais especializadas, de modo a garantir objetivos comuns, definidos como a preservação
da paz e da estabilidade. A hipótese de trabalho é que as transformações sofridas pelas OMP
refletem uma redefinição do que significa a paz e dos meios pelos quais ela deve ser
alcançada, principalmente no que concerne à mudança dos regimes. Finalmente, pretende-se
reunir evidências que permitam discutir como se processa o nexo entre segurança coletiva,
assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento no pós Guerra Fria.
3.1 Breve História da Libéria
A Libéria é um pequeno país da África Ocidental, que ganhou notoriedade por ter sido
o primeiro Estado africano a declarar independência, em 1847, sem ter vivido intensa
dominação colonial. Apesar disso, sua história é marcada por grande instabilidade política e
profunda ligação com o exterior, especialmente com os Estados Unidos (MORGAN, 2006). A
região, conhecida como ―Costa da Pimenta‖, foi descoberta pelos portugueses no século XV,
mas a dominação durou pouco e, nos anos seguintes, a zona litorânea que hoje compõe o
território da Libéria foi disputada por corsários e exploradores, especialmente britânicos e
holandeses, que procuraram estabelecer entrepostos comerciais para lidar, sobretudo, com
compra e venda de escravos (DAVID, 1984; SAWYER, 2004). Em 1821, a região do Cabo
Mesurado – a mesma que recebeu os portugueses séculos antes – foi adquirida pela American
70
Colonisation Society (ACS) 55
, uma organização fundada nos Estados Unidos em 1816, com
objetivo de enviar de volta à África os escravos negros que, segundo eles, não teriam mais
lugar na sociedade norte-americana; expandir as relações comerciais dos EUA com a África; e
civilizar a população nativa (ANING, 1999; WICKSTROM, 1960; DAVID, 1984). No ano
seguinte, aportaram os primeiros colonos e o empreendimento logo foi copiado por outras
sociedades colonizadoras norte-americanas, que estabeleceram assentamentos ao longo da
costa e acabaram por fundar uma espécie de commonwealth, com o lema ―o amor pela
liberdade nos trouxe até aqui‖ (NELSON, 1984). 56
Como observam Aning (1999) e Sayle et al (2009), desde sua criação, a Libéria
contou com um aparato administrativo semelhante ao colonial, no qual a ACS exercia o papel
de um quase Estado, organizando a produção, o comércio e as relações sociais. Sobre esse
último aspecto, Nelson (1984) e Levitt (2005) destacam a submissão imposta pelos imigrantes
vindos dos EUA aos nativos, classificados como ―aborígenes não civilizados‖ (NELSON,
1984, p.XXIV), que teve início no período de administração branca (1822-1842), foi
legalizada na Constituição de 1847 – posterior à independência –, e perdurou, pelo menos, até
os anos 1980, ainda que não mais constitucionalmente. Mesmo depois da independência, os
laços entre a Libéria e os EUA continuaram fortes, com a promulgação de uma constituição
de inspiração norte-americana e a ascensão ao poder de um presidente negro nascido na
Virgínia. Além disso, grande parte das atividades produtivas desenvolvidas no país era
financiada por empresas ou pelo governo dos EUA, que também concedia empréstimos
frequentes ao governo local (ANING, 1999).
Se comparada à maior parte dos Estados africanos, é possível afirmar que, após a
independência, a Libéria passou a desfrutar de uma posição política relativamente tranquila no
cenário internacional (SAYLE et al, 2009). Contou com o reconhecimento e o apoio das
potências europeias e dos EUA e participou da fundação da ONU, obtendo inclusive certo
destaque na defesa da independência das colônias africanas na Organização. Paralelamente, a
política interna do país era marcada pela fragilidade estrutural e institucional e pela
55 A ACS, fundada por Robert Finley, era composta, majoritariamente, por brancos e seus recursos eram
provenientes da venda de certificados de pertença e do apoio de seus membros, instituições religiosas e até do Congresso dos EUA. Apesar de não se tratar de uma organização do governo, a ACS recebeu o apoio do
presidente James Monroe (a capital da Libéria, Monróvia, recebeu esse nome em homenagem a ele) e dos
estados da Virgínia, Maryland, Kentucky, Carolina do Norte e Missouri, inclusive por meio de contribuições em
dinheiro. No final do século XIX, a ACS entrou em decadência e passou a se dedicar a atividades educativas e ao
envio de missionários para diversas regiões, até sua dissolução em 1964 (PURVIS, 1997). 56 Entre as sociedades colonizadoras que criaram assentamentos na costa da Libéria, Aning (1999) cita a
Colonisation Society of Virginia; Young Men’s Colonisation Society of Pennsylvania; Colonisation Society of
New York; e Mississippi Colonisation Society. O nome ―Libéria‖, do latim ―terra livre‖, foi oficializado em 1824,
já com o lema ―The Love of Liberty Brought Us Here‖ (ANING, 1999; NELSON, 1984).
71
inabilidade dos líderes políticos de mediarem relações sociais tensas, especialmente com as
tribos nativas (ANING, 1999). Em 1980, essa tensão culminou com a deposição e execução
do então presidente William Tolbert Jr a mando do sargento Samuel Doe, do Conselho de
Redenção Popular (People’s Redemption Council, PRC), eleito presidente em 1985, em um
pleito que excluiu a oposição (ADEBAJO, 2002). Durante os anos de seu governo, Doe
fomentou rivalidades internas e disputas étnicas, além de ter se beneficiado de maneira ilícita
dos recursos naturais explorados na Libéria (HARRIS, 1999). Mesmo assim, o presidente
contou com o apoio dos Estados Unidos que, interessados em manter um aliado contra os
soviéticos na África, destinaram à Libéria mais de US$ 500 milhões entre 1980 e 1989
(HOWE, 2001). Em 1989, grupos guerrilheiros, a maioria composta por integrantes de
minorias étnicas perseguidas por Doe, liderados pela NPFL (National Patriotic Front of
Liberia) se rebelaram contra as forças do governo, dando início à guerra civil (ADEBAJO,
2002).
De acordo com dados da ONU, o conflito deixou mais de 200 mil mortos – inclusive o
presidente – e desalojou cerca de 80% da população do país (que é de 2,5 milhões de
pessoas), entre deslocados internos (IDPs) e refugiados, que contribuíram para o agravamento
da já precária situação dos Estados vizinhos, especialmente Serra Leoa e Costa do Marfim
(UNDAF, 2003). A primeira tentativa internacional de intervir na Libéria foi liderada pela
Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Economic Community of West
African States, ECOWAS), com o envio de uma força de paz em 1990, a ECOMOG
(ECOWAS Cease-fire Monitoring Group), que contou com o apoio da ONU e da Organização
da Unidade Africana (ANING, 1999). Em 1992, o Conselho de Segurança decidiu enviar um
representante para auxiliar a ECOWAS nas negociações com as partes em conflito e
determinou que,
de acordo com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, [...] todos os Estados
devem, com o propósito de estabelecer a paz e a estabilidade na Libéria,
implementar imediatamente o embargo geral e completo de todas as entregas de
armas e equipamentos militares à Libéria, até que o Conselho de Segurança decida o
contrário (S/RES/788, 1992, §8,tradução livre). 57
Entretanto, mesmo depois do embargo, a participação da ONU no caso da Libéria se
manteve indireta por um período de quase um ano. Somente quando a ECOWAS conseguiu
negociar o cessar-fogo entre as partes (Acordo de Paz de Cotonou, 1993), o Conselho de
57 Under Chapter VII of the Charter of the United Nations, [...] all States shall, for the purposes of establishing
peace and stability in Liberia, immediately implement a general and complete embargo on all deliveries of
weapons and military equipment to Liberia until the Security Council decides otherwise.
72
Segurança determinou a criação de uma OMP na região, a UNOMIL (United Nations
Observer Mission in Liberia), a primeira na história da ONU a ser realizada em conjunto com
uma operação preexistente conduzida por outra organização, neste caso a ECOWAS
(S/RES/866, 1993).
No que concerne ao mandato, a UNOMIL pode ser enquadrada na transição entre as
OMPs tradicionais e as novas, inspiradas nas propostas da Agenda para a Paz (1992),
discutidas no capítulo anterior. Por um lado, o estabelecimento da missão indica a disposição
da ONU para intervir em um conflito intraestatal/guerra civil; e de fazê-lo contando com o
apoio de outros atores, como a ECOWAS e algumas organizações de assistência humanitária,
práticas pouco usuais durante a Guerra Fria e que a Agenda classificou como necessárias para
lidar com os conflitos que se apresentavam a partir dos anos 1990. Por outro lado, as tarefas
realizadas pela UNOMIL, como o próprio nome indica, eram bastante limitadas à observação
e monitoramento de uma série de quesitos, como acontecia nas operações realizadas nas
décadas anteriores, sendo as ações de reconstrução, tão enfatizadas na Agenda, praticamente
ausentes. De acordo com o texto do Conselho, a UNOMIL tinha como atribuições principais:
monitorar o cumprimento [...] do Acordo de Paz [...] e verificar sua aplicação
imparcial; assistir o monitoramento do cumprimento do embargo ao fornecimento de
armas e equipamentos militares à Libéria e o alojamento, desarmamento e
desmobilização dos combatentes; observar e verificar o processo eleitoral [...];
assistir a coordenação das atividades de assistência humanitária no campo [...];
planejar e angariar recursos para a desmobilização de combatentes; comunicar
qualquer violação grave do direito humanitário internacional [...]; coordenar, em
conjunto com a ECOMOG, a identificação de minas e bombas e assistir seu
desarmamento (S/RES/866, 1993, § 3, tradução livre). 58
Em 1995, após o reaparecimento de focos de tensão na região, o mandato da UNOMIL
foi ajustado – ainda que não de forma significativa –, dando à missão papel mais ativo na
implementação de acordos e programas e suporte às atividades de assistência humanitária e
aos grupos de direitos humanos, além da recomendação de medidas para prevenir a retomada
do conflito (S/RES/1020, 1995). Com a realização de eleições e o estabelecimento de um
novo governo em 1997, a ONU considerou que a tarefa da missão havia sido cumprida e
encerrou suas atividades em 30 de setembro daquele ano. Ainda em 1997, o Conselho de
58 To monitor compliance […] of the Peace Agreement […] and to verify its impartial application; to assist in the
monitoring of compliance with the embargo on delivery of arms and military equipment to Liberia and the
cantonment, disarmament and demobilization of combatants; to observe and verify the election process […] to
assist […] in the coordination of humanitarian assistance activities in the field […];to develop a plan and assess
financial requirements for the demobilization of combatants; to report on any major violations of international
humanitarian law […]; in cooperation with ECOMOG, coordinate the identification of mines and assist in the
clearance of mines and unexploded bombs.
73
Segurança determinou a criação da UNOL (United Nations Peace-building Support Office in
Liberia), que deveria trabalhar junto com o governo da Libéria para facilitar a promoção de
reconciliação nacional e boa governança e ajudar a mobilizar suporte internacional para
planos de reconstrução e desenvolvimento (UN, 2000). A UNOL foi a primeira experiência de
organização de suporte à reconstrução pós conflito criada pela ONU; contudo, suas atividades
foram posteriores à OMP na região, e não parte dela 59
. Para Adebajo (2002), os esforços e
recursos da UNOL foram claramente insuficientes para alterar a situação no país, que
continuou a sofrer com a fome, infraestrutura precária e corrupção generalizada (HOFFMAN,
2006).
Dessa forma, ainda que apresentasse alguns traços característicos das operações de paz
do pós Guerra Fria, a missão realizada na Libéria entre 1993 e 1997 não tinha como objetivo a
reconstrução das instituições e da infraestrutura estatais; tampouco sua abordagem definida
como multidimensional. Isso posto, o período não será objeto da análise proposta no trabalho,
que deverá concentrar-se na missão iniciada em 2003 e com término previsto para 2010; esta
sim, multidimensional e com vistas à ampla reconstrução do aparato estatal. O
estabelecimento da missão e a realização de suas atividades serão descritos e analisados nas
próximas seções, na tentativa de identificar os elementos que redefinem a ideia de paz e os
passos necessários para alcançá-la, especialmente depois do ano 2000. Nesse sentido,
interessa, principalmente, fornecer evidências que ajudem a entender como se processa o nexo
entre segurança coletiva, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento, forjado no
âmago das OMPs multidimensionais.
3.2 UNMIL: multidimensionalidade e reconstrução do Estado na Libéria
Com a posse do presidente Charles Taylor e o encerramento da missão da ONU em
1997, a tensão que permeava as relações sociais na Libéria voltou a emergir. Grupos rebeldes
e milícias passaram a contestar a autoridade do governo e assumiram o controle sobre
algumas regiões do país, dando início à escalada de violência, abusos sistemáticos dos direitos
humanos, perseguições e criminalidade generalizada, praticados não só pelos milicianos como
59 As atividades da UNOL foram encerradas em 2003, quando, em decorrência da retomada dos conflitos, a
ONU estabeleceu uma nova operação de paz na Libéria, a UNMIL, cujas atividades serão descritas e discutidas
em seguida.
74
também pelo governo (SAWYER, 2004). Entre os rebeldes, destacaram-se o LURD
(Liberians United for Reconciliation and Democracy), que estabeleceu domínio paralelo no
norte; e o MODEL (Movement for Democracy in Liberia), cuja preponderância crescia no sul
(SAYLE et al, 2009). Esses grupos foram apoiados pelos países vizinhos – Guiné e Serra
Leoa –, que mantinham relações conflituosas com a Libéria, principalmente em decorrência
do suporte dado pelo presidente Taylor a milícias contrárias aos governos desses países (ICG,
2003). Célebre exemplo desse apoio foi o treinamento oferecido por Taylor a integrantes do
RUF (Revolutionary United Front), grupo guerrilheiro acusado de cometer verdadeiras
atrocidades durante os conflitos em Serra Leoa, em troca de participação na exploração de
minas de diamantes no país (NDUMBE; BABALOLA, 2005). A precariedade das condições
de vida na Libéria catalisou o fortalecimento das milícias, fazendo com que, já em 2003,
apenas um terço do território permanecesse controlado pelo governo (SAYLE et al, 2009;
HOFFMAN, 2006). Em pouco tempo, o acesso ao sul foi bloqueado pelo MODEL, enquanto
o LURD cercava a capital Monróvia, o que marcou o reinício da guerra civil (S/2003/875,
2003). O Mapa 1 ilustra o deslocamento das milícias, seus confrontos com as forças do
governo e a direção dos fluxos populacionais decorrentes do conflito.
Mapa 1: Deslocamento das milícias, confrontos com o governo e fluxos populacionais na Libéria (2003)
Fonte: CAP LIBERIA, 2003.
75
Diante do agravamento do conflito e da proposta da ECOWAS, apoiada pelos EUA,
de enviar tropas para região, o então Secretário-Geral Kofi Annan remeteu uma carta ao
Conselho de Segurança na qual sugeria a realização de intervenção internacional na Libéria, a
ser desdobrada em três fases: (i) envio de tropas da ECOWAS; (ii) envio de força
multinacional; e (iii) estabelecimento de OMP da ONU (S/2003/769, 2003). Em resposta, o
Conselho autorizou o envio imediato dos contingentes, ancorando sua ação no Capítulo VII
da Carta da ONU, visando à criação de condições para o estabelecimento de uma OMP, a qual
deveria ser delineada pelo Secretário o mais rápido possível (S/RES/1497, 2003).
Paralelamente ao envio das tropas, a ONU passou a negociar o acesso livre e seguro de todos
os atores humanitários à população da Libéria (S/2003/875, 2003). Assim que foi firmado um
acordo de paz entre as partes (Accra Comprehensive Peace Agreement), possibilitando o
estabelecimento do governo provisório, o Secretário-Geral elaborou um relatório sobre a
situação na Libéria, no qual recomendava a criação imediata da OMP e delineava seus termos
(S/2003/875, 2003). Acatadas as sugestões, o Conselho de Segurança determinou a instituição
da UNMIL (United Nations Mission in Liberia), ainda em 2003, com mandato de 12 meses
(S/RES/1497, 2003). As atividades foram iniciadas em seguida e, após sucessivas
prorrogações do mandato, seu encerramento está previsto para setembro de 2010
(S/RES/1855, 2009).
Conforme descrito pela ONU, a partir de 2003, o caso da Libéria demonstra
claramente como a deterioração das condições humanitárias e a continuidade dos conflitos
internos podem ultrapassar fronteiras nacionais e impingir riscos ao sistema internacional
como um todo. Mais do que isso, o diagnóstico e o corolário de medidas proposto pela
Organização vai ao encontro das ideias de que (i) a manutenção da paz e da estabilidade
dependem da habilidade de combinar o combate às ameaças no presente à sua prevenção no
futuro; e (ii) que isso seria viabilizado por uma abordagem multidimensional voltada,
principalmente, para a reforma das instituições e da infraestrutura estatal e para a realização
de programas de desenvolvimento econômico e social, responsáveis por minar as causas mais
profundas das disputas violentas.
Nesse sentido, o Conselho de Segurança reconheceu a relação entre a degeneração das
condições humanitárias e a intensificação do conflito e afirmou que a situação ―[...] constitu i
ameaça à paz e à segurança internacionais, à estabilidade na subregião da África Ocidental; e
ao processo de paz na Libéria‖ (S/RES/1497, 2003, p.1, tradução livre). 60
Tal situação seria
60 ―[…] constitutes a threat to international peace and security, to stability in the West Africa subregion, and to
the peace process for Liberia‖.
76
agravada, principalmente, pelo ―[...] deslocamento generalizado da população, pobreza, alto
índice de desemprego e proliferação de pequenas armas [...]‖ (S/2003/875, 2003, § 23,
tradução livre) 61
, falência das instituições, corrupção generalizada, falta de confiança no
Estado, infraestrutura deteriorada, tensão permanente entre grupos sociais – incluindo
disputas territoriais e elementos criminais –, violação e abusos generalizados dos direitos
humanos e do direito humanitário internacional e militarização e fragmentação da sociedade
civil (S/2003/875, 2003). Finalmente, o Secretário-Geral concluiu que o equacionamento
dessas questões ―[...] requer uma resposta abrangente, multidimensional e sustentada da
comunidade internacional‖ (S/2003/875, 2003, § 116, tradução livre) 62
, por meio de ações
coordenadas entre a OMP e as mais diversas organizações envolvidas em atividades para
atenuar os efeitos do conflito na Libéria e evitar sua recorrência no futuro (S/2003/875,
2003).63
A coordenação entre diversos atores e a multidimensionalidade da abordagem
sustentavam todo o leque de medidas recomendadas pelo Secretário e apropriadas pelo
Conselho. Sobre esse aspecto, é interessante notar que as recomendações basearam-se em
estudos encomendados pelo próprio Secretário-Geral, que detalhavam as condições que a
OMP encontraria na Libéria; definiam prioridades relacionadas à manutenção da paz e da
estabilidade; e delineavam planos e cronogramas de ação para que os objetivos da ONU na
região fossem alcançados (S/2003/875, 2003). Compunham as equipes responsáveis pelos
estudos funcionários das mais diversas agências da ONU e OIs – com destaque para o Banco
Mundial (S/2003/875, 2003). As propostas das ONGs vinculadas à assistência humanitária
também foram contempladas, mediante inclusão nas propostas do CAP/CHAP, de documento
elaborado por elas – em parceria com agências da ONU e doadores – que contém a lista de
projetos a serem desenvolvidos em ―setores vitais‖ (S/2003/875, 2003, § 40). 64
De acordo com as recomendações incorporadas ao mandato, a grande prioridade da
UNMIL seria estabilizar a situação de segurança na Libéria e oferecer suporte às organizações
humanitárias ali presentes. Mais especificamente, a instituição da missão deveria garantir o
acesso dessas organizações à população local, criando condições para a ampliação da ajuda e
61 ―[…] widespread population displacement, poverty, high unemployment and a proliferation of small arms
[…].‖ 62 ―[…] requires a comprehensive, multidimensional and sustained response from the international community.‖ 63 Na descrição do Secretário, é interessante notar o papel preponderante exercido pela OMP no sentido de
garantir a segurança dos demais atores e seu acesso à população, além de prover a eles amplo suporte logístico e
assumir a coordenação geral das atividades realizadas no país. Entre as organizações consideradas, encontram-se
agências da ONU, OIs, ONGs, Organizações da Sociedade Civil (CSOs) e Organizações de Base Comunitária
(CBOs). 64 ―Vital sectors‖. A relação de setores e projetos será descrita e discutida posteriormente.
77
para o estabelecimento, na região, das principais agências da ONU relacionadas à assistência
humanitária, permitindo a plena realização dos projetos propostos de forma conjunta no
CAP/CHAP de 2003 (e dos anos seguintes) para a Libéria (S/2003/875, 2003).
Em seguida, caberia à UNMIL dar início à reconstrução das instituições e da
infraestrutura do Estado, com destaque para o setor de segurança; e conduzir o processo
eleitoral, tarefas que seriam realizadas ora em conjunto com o governo provisório, ora
assumindo funções de Estado (S/RES/1509, 2003). O peso dado pelo mandato às ações de
reconstrução, principalmente institucionais; assistência humanitária; e à coordenação das
atividades realizadas pelos parceiros, em especial pelas ONGs, fica evidente na observação do
organograma da missão (Figura 3). Nele, pode-se perceber que o comando da operação, que
fica a cargo do Representante Especial do Secretário-Geral, é dividido em quatro dimensões:
duas relacionadas ao suporte institucional, a Divisão de Administração e o Comando das
Forças; e duas relacionadas à reconstrução e à ajuda, o Setor de Operações e Primado da Lei,
e o Setor de Coordenação Humanitária, Reabilitação, Recuperação e Reconstrução (A/58/539,
2003).
78
Figura 3: Organograma da UNMIL
Adaptado de: A/58/539, 2003.
79
As duas primeiras dimensões dão suporte ao pessoal de campo, incluindo setores de
orçamento, pessoal, contratos, logística e suprimentos, além da manutenção da segurança de
instalações-chave e das equipes e instalações da ONU e de alguns parceiros, responsabilidade
do comando geral das tropas (A/58/539, 2003). Já as últimas concentram ações de
reconstrução, como a reforma dos sistemas legal, judiciário e prisional e da infraestrutura,
além da coordenação dos trabalhos, que ganhou unidade especial (A/58/539, 2003). As tarefas
de reconstrução são reforçadas pelo Escritório Imediato do Representante Especial do
Secretário-Geral (Figura 4), dedicado ao planejamento político e à introdução de boas
práticas, com unidades de consultoria e treinamento de profissionais (A/58/539, 2003).
Figura 4: Organograma do Escritório Imediato do Representante Especial do Secretário-Geral Adaptado de: A/58/539, 2003.
Finalmente, o texto do Conselho reconheceu que, para que a paz e a estabilidade
alcançadas se perpetuassem, seria necessário considerar como a comunidade internacional
―[...] pode ajudar o desenvolvimento econômico futuro na Libéria, com vistas a alcançar
estabilidade a longo prazo [...] e a melhorar o bem-estar de seu povo.‖ (S/RES/1509, 2003,
§15, tradução livre). 65
As conclusões sobre os caminhos da assistência ao desenvolvimento
seriam apresentadas inicialmente no CCA (Common Country Assessment) e, de forma mais
65 ―[…] might help future economic development in Liberia aimed at achieving long-term stability […] and
improving the welfare of its people‖.
80
completa, na UNDAF (United Nations Development Assistance Framework), (UNDAF
Libéria, 2003), que reúne os projetos de desenvolvimento a serem empreendidos no país de
2003 a 2005 e, posteriormente de 2008 a 2012, em esforços conjuntos de agências da ONU,
ONGs e OIs, com destaque para o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O desenrolar das atividades da UNMIL, como descrito no mandato da operação
(S/RES/1509, 2003), pode ser relido de acordo com a dinâmica do processo de paz proposta
pela Doutrina Capstone (2008) 66
, e dividido em três momentos: (i) estabilização; (ii)
consolidação da paz; e (iii) recuperação e desenvolvimento a longo prazo, cada um deles
contando com um conjunto mais ou menos específico de atores responsáveis. Relacionada à
divisão em estágios, é também possível identificar uma classificação das tarefas em três
grandes áreas, que são planejadas de forma integrada e devem operar da mesma maneira: (a)
segurança e reorganização institucional do Estado, detalhada no mandato e demais
documentos de planejamento da OMP; (b) assistência humanitária, delineada nos documentos
do CAP/CHAP; e (c) assistência ao desenvolvimento, cujo planejamento final é apresentado
na UNDAF. Contudo, é importante ressaltar que a divisão entre as etapas e entre as áreas não
pode ser demarcada de forma precisa; pelo contrário, os limites entre elas são fluidos, com
grandes zonas de sobreposição e interseção.
De qualquer maneira, é possível perceber que o planejamento e organização da
UNMIL incorporaram, de forma marcante, as orientações normativas, institucionais e
operacionais relacionadas à redefinição da própria noção de paz e dos caminhos para sua
consecução, observada no período posterior à Guerra Fria. Com a inclusão da assistência
humanitária e da assistência ao desenvolvimento como eixos norteadores das atividades da
OMP – ao lado da segurança – e como pilares da construção de um cenário de paz e
estabilidade duradouro, os oficiais da ONU consideraram que a UNMIL teve êxito em colocar
em prática a ideia da multidimensionalidade, o que a levou a ser inscrita entre operações de
maior sucesso conduzidas pela Organização em prol da segurança coletiva. Para que isso
fosse possível, além da incorporação de técnicas aceitas e inovações que se provaram úteis, a
operação contou com considerável apoio internacional, principalmente dos EUA, e com o
engajamento de ONGs e OIs parceiras, refletidos na grande quantidade de projetos e recursos
destinados à melhoria das condições na Libéria.
Como evidência tanto da ampliação do escopo da operação quanto do apoio recebido,
pode-se citar o volume expressivo de recursos humanos e materiais envolvidos na realização
66 Ver Figura 2 na página 50.
81
da missão e o volume de contribuições recebidas. Enquanto a missão realizada anteriormente
na Libéria, a UNOMIL (1993-1997) contou com um contingente militar máximo de 303
pessoas e orçamento de cerca de US$ 103,7 milhões (UNOMIL, 2009), a UNMIL chegou a
contar com 15250 soldados, entre 2005 e 2006 (UNMIL, 2009), e um orçamento de mais de
US$ 4,1 bilhões, considerando-se os gastos realizados entre 2003 e 2009 e os aprovados até
setembro de 2010, quando está previsto o encerramento do mandato (A/58/539, 2003;
A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734, 2008;
A/63/734, 2009; A/C.5/63/25, 2009; A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005;
A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008). 67
Além disso, os
recursos empregados na ajuda humanitária somam cerca de US$ 400 milhões entre 2003 e
2008, considerando exclusivamente os fundos contabilizados no CAP (OCHA, 2003; 2004;
2005; 2006; 2007; 2008). 68
Dadas essas condições, a UNMIL consagrou-se como uma das mais bem acabadas
representantes da nova geração de OMP e tornou-se um exemplo a ser seguido por operações
futuras, sendo, inclusive, uma das grandes fontes de documentos que contém, de forma
precisa, conceitos e técnicas para informar seu planejamento e realização efetiva, como a
Doutrina Capstone (2008). As próximas seções serão dedicadas à identificação e descrição
mais detida dos componentes em torno dos quais se estruturou o processo de paz conduzido
pela ONU na Libéria (2003-2008), bem como das ações e atores a ele relacionados. Tal
identificação/descrição será realizada tomando por base as três grandes áreas identificadas
anteriormente – segurança e reorganização institucional do Estado; assistência humanitária; e
assistência ao desenvolvimento. Finalmente, será produzida uma matriz geral da atuação da
ONU e de seus parceiros na Libéria, com intuito de mostrar a disposição de ações e atores em
relação a cada uma das áreas, as zonas de afastamento e interseção entre elas. Com isso,
pretende-se reunir elementos que possam ajudar a compreender a complexa rede discursiva
67 Os dados sobre o contingente de civis e voluntários envolvidos nas missões não são muito claros, por isso; foi
considerado somente seu componente militar. Quanto ao custo de cada uma das operações, no caso da UNOMIL
foram consideradas as despesas totais informadas pela ONU para o período de 1993 a 1997 (UNOMIL, 2009). Já
no caso UNMIL, como essa conta ainda não foi fechada, somaram-se os gastos previstos nos orçamentos anuais
da missão (A/58/539; A/58/744; A/59/630; A/60/653; A/61/783; A/63/734) e confirmados pelos relatórios
financeiros de 2003 a 2008 (A/59/736/Add.11; A/60/852; A/61/852/Add.7; A/62/781/Add.10; A/63/746/Add.8) e os gastos aprovados no orçamento até 30 de setembro de 2010 (A/63/734; A/C.5/63/25), sobre os quais ainda
não há relatórios financeiros disponíveis. 68 Não foram encontrados dados disponíveis sobre os gastos com ajuda humanitária entre 1993 e 1997. Em 2009,
a Libéria deixou de ser classificada pelo OCHA como um caso de emergência complexa e a ajuda humanitária
enviada ao país foi exclusivamente destinada a combater uma infestação de insetos (OCHA, 2009). Como esses
recursos não estão destinados a programas ligados às atividades da missão, os mesmos foram desconsiderados.
Até 15 de janeiro de 2010, ainda não havia nenhum registro de apelo ligado à Libéria especificamente (OCHA,
2010). Os recursos empregados na assistência ao desenvolvimento durante os períodos analisados não são
apresentados de forma clara ou consolidada; portanto, também foram desconsiderados.
82
que sustenta as inovações normativas, institucionais e operacionais que emergiram a partir dos
anos 1990, especialmente no que se refere à forma como parece ter se processado o nexo entre
segurança coletiva, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento no período.
3.3 Organização da Missão
A abordagem multidimensional das OMPs conduzidas pela ONU implicou, ao longo
dos anos, em progressivo aumento do leque de atividades desenvolvidas nas regiões sob
intervenção internacional. Com isso, a realização efetiva dos programas e projetos
considerados essenciais para que as operações resultem em paz duradoura passou a exigir um
número também crescente de recursos e profissionais especializados. Essa demanda articulou-
se a um discurso que afirmava a universalidade dos princípios que orientavam a instituição
das operações e a definição de suas prioridades, como democracia e desenvolvimento, o que,
no limite, funcionaria como garantia de comunhão de objetivos entre os mais diversos atores
interessados em engajar-se nos processos de paz. A consolidação dessas ideias abriu espaço
para que as OMPs passassem a incorporar grande número de novos atores e promover a
divisão, entre eles, de uma parte do trabalho relacionado ao processo de paz. Entretanto, para
que tal divisão surtisse efeito positivo no campo, era necessário ampliar e aperfeiçoar os
mecanismos de coordenação das atividades entre os envolvidos, tarefa que foi incluída entre
as atribuições do DPKO/DFS.
Esse processo possibilitou ao Departamento concentrar seus esforços na manutenção
da segurança – definida como condição sine qua non para a realização de qualquer tarefa – e
nos aspectos centrais da reconstrução do Estado, especialmente as leis, instituições e
infraestrutura. Ao conduzir uma operação de paz, portanto, o DPKO/DFS ficou responsável
por forjar as bases sobre as quais a paz pudesse ser edificada, mediante trabalho coordenado
de sua equipe e demais agências e organizações parceiras. Dessa forma, é possível
reinterpretar o processo de reorganização das atividades – que deu azo à emergência da
assistência humanitária e da assistência ao desenvolvimento como áreas das OMP –, como um
de divisão do trabalho relacionado à paz e à segurança, que se articulou às transformações
normativas, institucionais e operacionais sofridas por elas desde o epílogo da Guerra Fria.
A relação entre as três áreas pode ser descrita como de simbiose, na qual observam-se
traços de integração – relacionados principalmente aos fins e ao processo de planejamento –, e
83
de independência – garantida pela especificidade dos caminhos trilhados por cada uma delas.
Conforme fica claro na Doutrina Capstone (2008), o Processo Integrado de Planejamento da
Missão (IMPP) visa à definição de objetivos comuns entre os parceiros das OMPs; porém,
―esses atores têm diferentes papéis, processos de tomada de decisão, cronogramas de
engajamento, procedimentos, pressões orçamentárias e autoridades de supervisão‖ (ONU,
2008, p.55, tradução livre). 69
Isso implica que, ainda que os objetivos sejam comuns, os
processos são paralelos, cabendo aos coordenadores da missão ―[...] manterem-se informados
sobre os demais processos de avaliação e planejamento [...] e buscarem ativamente a criação
de integração substantiva entre eles, sempre que possível‖ (ONU, 2008, p.56, tradução
livre).70
A montagem das operações de paz é bastante elucidativa em relação a esse aspecto e
mostra que, apesar de serem pensadas separadamente, as atividades desenvolvidas pelas três
áreas são parte de um todo comum. Esse processo será discutido com base no caso da Libéria,
considerando em um primeiro momento, as três áreas separadamente; e depois, a dinâmica da
interação entre elas. A utilização de um caso concreto permitirá acessar, de forma mais direta,
as políticas desenvolvidas no campo e, com base nelas, perceber como os principais conceitos
que informam as OMPs são transpostos das doutrinas da ONU para o dia-a-dia dos
profissionais que atuam no campo. Ademais, será possível notar como as tarefas
compreendidas em cada uma das áreas acabam por se misturar, o que muitas vezes torna
difícil reconstituir as fronteiras entre elas.
3.3.1 Segurança
O processo de instituição da OMP na Libéria a partir de 2003, como relatado nas
seções anteriores, seguiu o mesmo caminho de grande parte das operações: inicialmente,
recomendada e delineada pelo Secretário-Geral; e, posteriormente, autorizada pelo Conselho
de Segurança, órgão responsável também por definir os termos finais da intervenção. Ainda
que em outros casos o processo possa ocorrer de forma um pouco distinta, uma vez autorizada
a missão, cabe ao secretariado remeter à Assembleia Geral (AG) o orçamento anual das
69 ―These actors have different roles, decision-making processes, deployment time-lines, procedures, budgetary
pressures and supervising authorities‖. 70 ―[...] be aware of the other assessment and planning processes [...] and actively seek to create substantive
linkages between them wherever possible‖.
84
atividades, como foi feito para a UNMIL (A/58/539, 2003), composto pelo resumo da
situação na região; pela descrição do mandato, das atividades a serem desenvolvidas, dos
recursos requeridos; e da estrutura da missão, incluindo a especificação do pessoal envolvido.
Para que os trabalhos prossigam, é necessário que esse documento seja aprovado pela AG,
que, em seguida, libera os recursos. Esse procedimento se repete anualmente, salvo alguma
eventualidade 71
, enquanto durar a missão.
No caso da UNMIL, o mandato da operação foi dividido em cinco grupos de medidas
(S/RES/1509, 2003), que foram traduzidas no orçamento como cinco componentes da missão:
(i) Cessar-fogo; (ii) Direito Humanitário e Direitos Humanos; (iii) Reforma do Setor de
Segurança; (iv) Processo de Paz; e (v) Suporte (A/58/539, 2003). Esses componentes se
mantiveram relativamente constantes durante todo o período considerado (2003-2008). As
principais alterações foram realizadas em 2007, mas se limitaram à denominação do
componente, sem se estender de maneira significativa ao seu conteúdo. A única exceção é o
componente ―Cessar-fogo‖, que foi oficialmente excluído das atribuições da missão nessa
época, quando a ONU considerou que as atividades essencialmente relacionadas a ele já
tinham sido concluídas, ou poderiam ser plenamente realizadas pelo governo local dali em
diante. 72
A relação dos componentes da UNMIL e sua ocorrência por ano, como aparece nos
orçamentos anuais (2003-2008), estão resumidas no Quadro 4, a seguir.
71 Invariavelmente são elaborados orçamentos anuais das OMPs. Entretanto, ao longo do ano, esses orçamentos
podem ser suplementados por outros, o que ocorre, principalmente em decorrência de eventos inesperados que
alteram o curso das atividades, como catástrofes naturais ou epidemias. Outra possibilidade de mudança é a
prorrogação do mandato. O orçamento de 2010 da UNMIL, por exemplo, cobria as atividades até 30 de junho,
quando estava previsto o encerramento da missão; porém, com a prorrogação do prazo até setembro
(S/RES/1855, 2009), foi necessário elaborar um orçamento suplementar (A/C.5/63/25, 2009). 72 Cabe aqui uma ressalva relacionada ao DDRR: concluída a fase de desarmamento e desmobilização, em julho
de 2005, as tarefas de reabilitação e reintegração foram transferidas para o componente "Direitos Humanitários e
Direitos Humanos" (posteriormente ―Primado da Lei‖), e o DDRR deixou de integrar o componente cessar-fogo.
85
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Cessar-fogo Cessar-fogo Cessar-fogo Cessar-fogo - -
Direitos
Humanitários
e Direitos
Humanos73
Direitos
Humanitários
e Direitos
Humanos
Direitos
Humanitários
e Direitos
Humanos
Direitos
Humanitários
e Direitos
Humanos
Primado da
Lei
Primado da
Lei
Reforma do
Setor de
Segurança
Reforma do
Setor de
Segurança
Reforma do
Setor de
Segurança
Reforma do
Setor de
Segurança
Setor de
Segurança
Setor de
Segurança
Processo de
Paz
Processo de
Paz
Processo de
Paz
Processo de
Paz
Consolidação
da Paz
Consolidação
da Paz
Suporte Suporte Suporte Suporte Suporte Suporte
Quadro 4: Componentes da UNMIL e Ocorrência por Ano (2003-2008)
Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734,
2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005; A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro).
Nesses orçamentos, a ONU também define, para cada um dos componentes, um
conjunto de ações, resultados esperados e indicadores de sucesso, que são atualizados de
acordo com o andamento das atividades. Paralelamente, são divulgados Relatórios de
Desempenho Financeiro, também anuais, que contêm a prestação de contas da missão, ações
realizadas, resultados obtidos e avaliação geral de acordo com os indicadores de sucesso. Tais
informações são ainda apresentadas, de maneira sumária, no orçamento do ano seguinte.
Partindo da análise das informações apresentadas nos documentos referentes à UNMIL, foi
possível isolar uma lista de elementos relacionados a cada um dos componentes previstos nos
orçamentos. Os resultados dessa análise foram sintetizados no Quadro 5, com objetivo de
reunir indícios que permitam inferir definições mais claras para os termos empregados pela
ONU na definição dos objetivos da UNMIL e das OMPs em geral.
73 O termo original utilizado nos documentos relacionados à UNMIL é ―Humanitarian and Human Rights‖.
86
Componentes Principais Elementos
Cessar-fogo
Garantir liberdade de ir e vir
Garantir ausência de armas não autorizadas
DDRR
Garantir segurança de instalações-chave, das equipes e
instalações da ONU e organizações parceiras
Primado da Lei, Direitos
Humanitários e Direitos
Humanos
Facilitar a assistência humanitária, garantir acesso amplo e
seguro à população
Melhorar condições humanitárias
Promover e proteger direitos individuais, liberdades
fundamentais e reconciliação nacional
Reabilitar e Reintegrar ex-combatentes
Reforma do Setor de
Segurança
Consolidar a lei da ordem; criar capacidade operacional efetiva
para a polícia nacional
Criar instituições judiciais e correcionais sustentáveis
Reestruturar o exército
Processo de Paz
Reconstruir instituições governamentais e estrutura
administrativa
Restabelecer e consolidar autoridade nacional em toda a
Libéria
Organizar eleições nacionais
Suporte Dar suporte logístico, administrativo, médico, comunicação/
informação e transporte à missão
Quadro 5: Componentes da UNMIL e Elementos a eles relacionados (2003-2008) Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734,
2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005; A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007;
A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro).
Nesse sentido, observa-se que os elementos relacionados aos componentes ‗Cessar-
fogo‘ e ‗Reforma do Setor de Segurança‘ são condizentes com o objetivo de devolver ao
Estado a capacidade de manter a segurança internamente e o monopólio sobre os meios de
violência, além de possibilitarem a reconstituição da sociedade civil, especialmente após os
processos de desmobilização e desarmamento. No componente ‗Processo de Paz‘, os
elementos de reconstrução institucional e da estrutura administrativa fazem parte dos esforços
para reerguer as bases do Estado soberano para que ele possa, progressivamente, recuperar
sua independência em relação aos principais estados e atores no nível internacional e, no nível
doméstico, estender autoridade por todo o território sob sua jurisdição. Além disso, com a
inclusão da condução do processo eleitoral entre os elementos do processo de paz, percebe-se
que a independência desse Estado que será recriado como sujeito da sociedade internacional
não inclui a prerrogativa de definir a forma de organizar as relações políticas internamente.
87
Nesse quesito, a democracia se impõe como modelo universal e único caminho possível para
levar à paz.
A inclusão dos elementos de proteção e promoção dos direitos fundamentais e
liberdades individuais revela a importância atribuída à definição de marcos legais e jurídicos,
característicos dos Estados de direito. Novamente, a intervenção internacional procura
garantir que aspectos da ordem interna do Estado em construção sejam adequados a modelos
de governar, circunscritos à rubrica da boa governança, e que lograram êxito em se afirmar
como ideais no plano internacional. A permanência de elementos relacionados à assistência
humanitária ao longo dos anos de intervenção, além de viabilizar o controle de uma situação
de emergência, procura garantir a melhoria das condições de vida básicas da população, como
o acesso à educação, à saúde e a padrões apropriados de nutrição. O componente conta ainda
com o elemento de reabilitação e reintegração, relacionado, essencialmente, a ensinar ofícios
a ex-combatentes e grupos afetados pela violência em troca de alimentos e/ou remuneração; e,
posteriormente, da criação de empregos e financiamento das atividades produtivas por eles
desenvolvidas. Assim, além de a população ter oportunidades de trabalho e sustento, o
mercado interno seria reconstituído tanto do ponto de vista da produção quanto do consumo.
A existência de mercado interno, aliada à segurança e ao suporte oferecido pelos marcos
jurídico-legais e de padrões internacionais liberais de gestão dos recursos e das relações
econômicas, credenciaria o novo Estado a receber investimentos e empréstimos externos para
fomentar sua recuperação e participar do mercado internacional.
Tomando por base os componentes e elementos 74
constitutivos da missão, percebe-se
que o processo de reconstrução empreendido pela UNMIL na Libéria não visa à edificação de
um Estado qualquer, e, sim, de um Estado democrático de direito, com mercado interno livre
e sólido e administração pública pautada por padrões de boa governança. Tal Estado seria
capaz de trabalhar para garantir melhores condições de vida para sua população e atuar como
membro pleno da sociedade internacional e de suas principais instituições. A concretização
desse projeto, contudo, depende do suporte oferecido, por um lado, por ações humanitárias, e,
por outro, por programas de desenvolvimento, que serão discutidos a seguir.
74 Como o componente ―Suporte‖ e os elementos a ele relacionados dizem respeito à organização da missão e
não ao processo de reconstrução propriamente dito, o mesmo foi desconsiderado, pelo menos por hora.
88
3.3.2 Assistência Humanitária
No caso da Libéria, como ocorre na maior parte dos casos de intervenção, as
atividades de assistência humanitária, principalmente aquelas empreendidas por ONGs de
ajuda, precederam a própria autorização da UNMIL e, posteriormente, foram adaptadas para
acompanhar o desenrolar da missão. Os principais projetos desenvolvidos pelas organizações
humanitárias em qualquer país considerado em situação de emergência são apresentados nos
documentos do CAP (Consolidated Appeals Process), que reúnem os apelos por recursos das
diversas organizações de ajuda. O órgão responsável pelo desenvolvimento do CAP é o
OCHA (Office for the Coordination of Humanitarian Affairs), que o define como ―[...] uma
ferramenta desenvolvida pelas organizações de ajuda em um país ou região para angariar
fundos para a ação humanitária bem como para planejar, implementar e monitorar suas
atividades em conjunto‖ (OCHA, 2009b, § 1, tradução livre). 75
Ainda de acordo com o
OCHA, desde sua criação, em 1992, o CAP tornou-se a principal referência da comunidade
humanitária, da qual participam ―organizações não governamentais, agências da ONU e
demais organizações locais e internacionais‖ (OCHA, 2009b, § 3, tradução livre). 76
Nesse
período, o CAP teria promovido o que o OCHA (2009b) chamou de ―abordagem mais
estratégica‖ (§ 2, tradução livre) 77
para a provisão de ajuda e fomentado a cooperação das
agências entre si e com governos e doadores (OCHA, 2009b). 78
Como acontece em muitos países, o diagnóstico de deterioração das condições
humanitárias em decorrência dos longos anos de tensão, motivou a inclusão da Libéria na lista
de emergências complexas e a elaboração de apelos humanitários (CAP LIBÉRIA, 2003).
Com a explosão da guerra civil em 2003, esses apelos foram revisados e o CAP daquele ano
passou a apresentar uma abordagem mais completa para o caso (CAP LIBÉRIA, 2003).
Entretanto, dado o grau de instabilidade e segurança na região, grande parte das equipes das
organizações de ajuda teve que deixar o país, permanecendo somente aquelas dedicadas a
75 ―[…] a tool developed by aid organisations in a country or region to raise funds for humanitarian action as well as to plan, implement and monitor their activities together‖. 76 ―[...] non-governmental organisations, United Nations agencies, and other international and local
organizations‖. 77 ―[…] a more strategic approach‖. 78 De fato, o CAP apresenta os projetos das organizações de ajuda e solicita recursos para sua realização a toda a
comunidade internacional. A maior parte desses recursos é doada pelas próprias organizações envolvidas no
apelo (incluindo as agências da ONU) e pelos Estados-membros, muitas vezes por meio de agências de
assistência humanitária e cooperação. Os recursos podem ser destinados a financiar o CAP como um todo, ou
dirigidos a um ou mais projetos especificamente.
89
prestar assistência altamente emergencial e, mesmo assim, em número reduzido (CAP
LIBÉRIA, 2003). Dessa forma, ainda que os projetos do CAP tivessem sido apresentados em
grande número e considerassem um leque bastante abrangente de questões, a maior parte
deles não teria implementação imediata, ficando à espera de apoio internacional,
principalmente relacionado à segurança (CAP LIBÉRIA, 2003). Essa situação, classificada
como a primeira fase do trabalho de ajuda, foi descrita no documento da seguinte maneira:
os conflitos continuam dentro e ao redor de Monróvia, matando e ferindo civis em
áreas distantes das frentes de batalha. Toda a equipe internacional da ONU foi
evacuada da Libéria e a equipe nacional opera em um ambiente de segurança
severamente constrangido. Um pequeno número de equipes de ONGs internacionais
e do ICRC [Comitê Internacional da Cruz Vermelha] continua ativo nos setores de
saúde, água e saneamento. Agências da ONU e organizações humanitárias perderam
e continuam a perder suprimentos, veículos, geradores, equipamentos de escritório e outros materiais para saqueadores armados. Durante esta fase, a assistência
humanitária, conduzida pela equipe nacional da ONU e ONGs parceiras,
permanecerá concentrada em intervenções multissetoriais para salvar vidas, quando
e onde o conflito diminuir. A equipe internacional da ONU continuará de prontidão
fora da Libéria, mas poderia retornar se uma pausa nas batalhas fosse acompanhada
de garantias suficientes de segurança. […] Suprimentos humanitários serão alocados
nos países vizinhos e de lá transportados para a Libéria para serem distribuídos
como e quando for possível. Navios serão posicionados para oferecer abrigo seguro
para a equipe internacional, bem como para transportar itens de socorro altamente
prioritários e para o repatriamento de refugiados, assim que possível (CAP
LIBERIA, 2003, p.5, tradução livre). 79
A interrupção do conflito e as garantias de segurança que, de acordo com o texto do
CAP, permitiriam a volta das equipes de assistência humanitária e a ampliação de suas frentes
de trabalho, foram mencionadas pelo Secretário-Geral e pelo Conselho de Segurança e
classificadas como ações prioritárias relacionadas à Libéria e uma das razões para o
estabelecimento de OMP na região (S/2003/769, 2003; S/RES/1509, 2003). Posteriormente, o
Direito Humanitário, juntamente com os Direitos Humanos, foi definido como um dos cinco
componentes de UNMIL (A/58/539, 2003), e o acesso amplo e seguro das equipes de ajuda à
população, como sendo elemento a ele relacionado. Mais do que isso, a melhoria das
79 Fighting is continuing in and around Monrovia, and indiscriminate mortar fire is killing and injuring civilians
in areas away from the front line. All UN international staff have been evacuated from Liberia, and national staff
are operating in a severely constrained security environment. A small number of international NGO and ICRC staff remains active in the health and water and sanitation sectors. UN agencies and humanitarian organisations
have lost and continue to lose relief supplies, vehicles, generators, office equipment, and other assets to armed
looters. During this phase, humanitarian assistance, managed by UN national staff and NGO partners, will
continue to concentrate on multi-sector, life-saving interventions whenever and wherever the fighting subsides.
UN international staff will remain on standby outside Liberia, but would return if a pause in the fighting were to
be accompanied by sufficient security guarantees. […] Humanitarian supplies will be prepositioned in
neighbouring countries and then transported into Liberia for distribution as and when feasible. Ships will be
chartered for the purposes of establishing an offshore safe haven for international staff, as well as for the
purposes of transporting high priority relief items and for refugee repatriation at the first opportunity.
90
condições humanitárias serviria de suporte ao processo de paz tendo sido relegada, em larga
medida, às organizações de ajuda, conforme planejamento previsto no CAP.
Com o desdobramento das forças internacionais, teria início a segunda fase da
assistência humanitária, cujo ―foco será no aumento significativo da assistência às populações
afetadas pela guerra em Monróvia e seu entorno‖ (CAP LIBERIA, 2003, p.5, tradução
livre).80
Nessa fase, estariam previstos ainda o início da assistência a IDPs e refugiados, o
início da substituição das unidades de saúde temporárias por permanentes e a reabilitação do
sistema de distribuição de água (CAP LIBERIA, 2003). Com o estabelecimento da OMP e a
garantia de segurança em todo o país, o CAP prevê o início da terceira e última fase, na qual o
retorno completo das equipes das organizações humanitárias criaria as condições para uma
―[...] assistência humanitária massiva para responder ao colapso da infraestrutura e ao
subdesenvolvimento crônico que vinham se prolongando‖ (CAP LIBERIA, 2003, p.6,
tradução livre). 81
Assim como nos orçamentos das missões, os projetos do CAP são classificados em
componentes (subáreas), aos quais relacionam-se elementos e projetos. O documento inclui
ainda a descrição sumária dos projetos a serem realizados em cada componente, aponta os
responsáveis por sua condução, faz a estimativa dos custos e presta contas em relação ao
status de financiamento obtido por cada um dos projetos, incluindo a origem dos recursos. Os
Quadros 6 e 7 a seguir, elaborados com base nos CAPs relacionados à Libéria de 2003 a 2008,
sintetizam os componentes e elementos da assistência humanitária no país, e sua ocorrência
por ano (no caso dos componentes). Como pode-se observar, a lista se mantém relativamente
constante ao longo de todo o período.
80― The focus will be on significantly increasing the delivery of relief assistance to war affected populations in
Monrovia and environs.‖ 81 ―[…] massive humanitarian assistance to respond to the prolonged collapse of infrastructure and chronic
underdevelopment‖.
91
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura Agricultura
Serviços de
Coordenação e
Suporte
Serviços de
Coordenação
e Suporte
Serviços de
Coordenação
e Suporte
Serviços de
Coordenação
e Suporte
- -
Educação Educação Educação Educação Educação -
Alimentação Alimentação Alimentação - - Alimentação82
Saúde Saúde Saúde Saúde Saúde Saúde
Ação
antiminas83
- - - - -
Multissetorial84
Multissetorial Multissetorial Multissetorial Multissetorial -
Proteção,
Direitos
Humanos e
Primado da Lei
Proteção,
Direitos
Humanos e
Primado da
Lei
Proteção,
Direitos
Humanos e
Primado da
Lei
Proteção,
Direitos
Humanos e
Primado da
Lei
Proteção,
Direitos
Humanos e
Primado da
Lei
-
Segurança da
equipe e das
operações
Segurança da
equipe e das
operações
- - - -
Abrigo e Itens
Não
Alimentícios
Abrigo e Itens
Não
Alimentícios
Abrigo e
Itens Não
Alimentícios
Abrigo e
Itens Não
Alimentícios
Abrigo e
Itens Não
Alimentícios
-
Água e
Saneamento
Água e
Saneamento
Água e
Saneamento
Água e
Saneamento
Água e
Saneamento
Água e
Saneamento
-
Recuperação
Econômica e
Infraestrutura
Recuperação
Econômica e
Infraestrutura
Recuperação
Econômica e
Infraestrutura
Recuperação
Econômica e
Infraestrutura
-
- Setor Não
Especificado85
Setor Não
Especificado
Setor Não
Especificado
Setor Não
Especificado
Setor Não
Especificado
Quadro 6: Componentes do CAP e Ocorrência por Ano (2003-2008) Adaptado de: CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008.
82 Volta associada à ampliação do acesso às escolas. 83 Principais ações: levantamento de ocorrência, verificação de rotas e campanhas de conscientização e combate.
Como o componente só aparece em 2003 e o número de minas terrestres na Libéria não era significativo, ele foi
desconsiderado. 84 Atividades relacionadas, principalmente, à assistência prestada a refugiados e IDPs 85 Não há descrição dos projetos e a maioria não recebeu financiamento efetivo; portanto, o componente foi
desconsiderado.
92
Componentes Principais Elementos
Agricultura e Segurança
Alimentar
Distribuição de insumos agrícolas, recomposição de rebanhos,
propagação e diversificação de mudas, sementes e tubérculos
Treinamento em agricultura, serviços veterinários,
gerenciamento ambiental e controle de pestes
Desenvolvimento de sistemas de irrigação e instalação de
poços
Coordenação de atores e projetos, gestão da informação,
monitoramento e desenvolvimento de sistemas de aviso (early-
warning systems)
Serviços de Coordenação e
Suporte
Fundos de respostas emergenciais e serviços humanitários
gerais
Centros logísticos, serviços de transporte e telecomunicações
Planejamento, capacity-building, coleta, gestão e divulgação
de informações, coordenação de atores e projetos
Recuperação Econômica e
Infraestrutura
Reabilitação de infraestrutura, gestão de recursos naturais,
disponibilização de microcrédito e desenvolvimento de
microempresas
Programas para sustento de famílias, contratações diretas,
geração de emprego, programas de trabalho por comida e
treinamento (FFW/FFT), cursos para desenvolver habilidades
Suporte para participantes dos programas de DDRR, seus
dependentes e comunidades receptoras
Educação
Construção de escolas (incluindo FFW), construção de
unidades temporárias de aprendizado
Suprimento de materiais e equipamentos para as escolas,
suporte e treinamento de professores
Ações de educação para a paz e reconciliação
Alimentos
Distribuição de alimentos, FFW, alimentação para as escolas
Suporte logístico para transporte e armazenamento de
alimentos, manutenção de estoques
Monitoramento das condições de segurança alimentar,
subsistência e nutrição
Saúde
Provisão temporária (direta ou indireta) de cuidados médicos
primários e secundários; provisão de materiais; transfusão de
sangue; respostas médicas e psicossociais a problemas mentais
e violência sexual; tratamento e suporte a pessoas
desabilitadas; alimentação suplementar e terapêutica
Imunização; controle vertical de doenças (ex. Malária);
respostas emergenciais a epidemias; saúde ambiental (controle
de vetores); prevenção e tratamento de HIV/AIDS e DSTs;
saúde reprodutiva
93
Monitoramento das condições nutricionais e de saúde;
treinamento e capacity-building; educação sobre cuidados
preventivos e cuidados com a saúde; suporte para o
restabelecimento da provisão permanente de materiais e
treinamento (incluindo reabilitação)
Multissetorial
Assistência multissetorial a refugiados e IDPs; repatriação,
realocação e reintegração; suporte à subsistência
Preparação para emergências, sistemas de aviso (early warning
systems), pré-posicionamento
Serviços multissetoriais ou diversos
Proteção, Direitos
Humanos e Primado da Lei
Proteção de civis, IDPs, refugiados, repatriados, crianças;
monitoramento e reunificação de famílias
Advocacy, monitoramento, treinamento e capacity-building
para DH (princípios e convenções); educação e treinamento em
cultura para a paz e resolução de conflitos; prevenção e
combate à impunidade em casos de violência sexual e de
gênero; promoção de reconciliação, peace-building, prevenção
de conflitos; suporte ao judiciário e enforcement da lei;
prevenção e tratamento da violência; educação cívica
Suporte legal; defesa de direito à propriedade e à terra
(especialmente para IDPs); registros de nascimento;
monitoramento das condições de detenção e tentativa de
garantir padrões mínimos (Direito Internacional Humanitário);
produção e divulgação de informações e relatórios
Segurança da Equipe e das
Operações
Estabelecimento de postos de segurança
Envio de oficiais de segurança
Segurança das comunicações
Abrigo e Artigos Não
Alimentícios
Armazenamento e pré-posicionamento de artigos não
alimentícios (NFI, non-food items)
Abrigos temporários, distribuição de NFI/kits de repatriação,
transporte e logística
Abrigos semipermanentes pós-emergência
Água e Saneamento
Suprimento temporário e/ou emergencial de água e
saneamento (campos de IDPs e refugiados, emergências de
saúde)
Suprimento, a médio e longo prazo, de água e saneamento
(áreas de reassentamento, ou campos semipermanentes de
IDPs e refugiados)
Capacity-building, suporte institucional, teste e monitoramento
da qualidade da água, tratamento de água, preparação para a
seca
Quadro 7: Componentes do CAP e Elementos a eles relacionados (2003-2008) Adaptado de: CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008.
Observando a divisão da assistência humanitária em fases e sua organização de acordo
com os componentes e elementos apresentados no Quadro 7, pode-se classificar a ajuda em
94
duas categorias: assistência humanitária emergencial e assistência vinculada à reconstrução. A
primeira começou a ser entregue antes mesmo da instituição da UNMIL (ainda na fase I do
CAP), sendo composta, principalmente, pela provisão de cuidados médicos e sanitários, água
e proteção a alguns civis, refugiados e IDPs (especialmente crianças), tudo em caráter
emergencial e, na maioria das vezes, em instalações provisórias (CAP LIBERIA, 2003). A
assistência à reconstrução, por sua vez, só teve início quando a vigência da OMP foi capaz de
garantir condições básicas de segurança para as organizações humanitárias, que puderam,
assim, aumentar as equipes e ampliar as frentes de trabalho. Os projetos de reconstrução já
constantes do CAP de 2003 ganharam mais peso nos apelos dos anos seguintes, passando a
ocorrer paralelamente às atividades emergenciais, que também se estenderam, ainda que em
menor grau, até o final do período considerado (CAP LIBERIA 2004; 2005; 2006; 2007;
2008).
Se com a UNMIL, a ONU seria capaz de assegurar, progressivamente, ao novo Estado
o monopólio dos meios de violência, garantindo a segurança em sua acepção mais tradicional,
a assistência humanitária concentrou-se em desenvolver a capacidade desse Estado de prover
a segurança em seus aspectos humanos, como citado na definição do PNUD. Seguindo essa
definição, a segurança econômica seria alcançada por meio de investimentos diretos nas
atividades produtivas – como as realizadas por ex-combatentes, IDPs e refugiados assentados
e nas comunidades que os receberam –, como a disponibilização de microcrédito, distribuição
de insumos produtivos e realização de cursos de capacitação de trabalhadores (CAP LIBERIA
2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). A segurança alimentar é objeto, simultaneamente, das
ações de distribuição direta de alimentos, em caráter emergencial, dos programas de ―trabalho
por comida‖ (DDRR); e de fomento à produção agrícola e às demais atividades econômicas
(CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). Esses programas relacionam-se ainda
à segurança comunitária, fomentada pelas próprias atividades de suporte à economia e de
melhoria dos níveis de nutrição, e também por projetos de reconciliação e educação para a
convivência pacífica e democrática entre os habitantes de uma mesma região (CAP LIBERIA
2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008).
Em sua dimensão pessoal e política, a garantia de segurança seria sustentada pelo
fortalecimento das instituições e da infraestrutura estatal. Para tanto, as organizações
humanitárias se dedicaram à implementação de projetos e programas voltados para a criação
de leis e de um sistema judiciário sólidos, forjados com base no respeito aos direitos humanos
e à manutenção da paz, da proteção direta de civis e da criação de mecanismos de
monitoramento das condições. Além disso, essas organizações passaram a dar suporte à
95
difusão da democracia entre os funcionários e pessoas públicas e também entre os civis, por
meio de treinamentos, construção de capacidades, programas de reconciliação nacional e
educação para a paz (CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008). Os programas de
treinamento de pessoal e educação seriam ainda centrais para auxiliar a garantia da segurança
ambiental, interessados, principalmente, em ensinar maneiras mais eficientes e justas de gerir
os recursos naturais do país, de modo que os mesmos possam ser usados para a melhoria geral
das condições de vida da população (CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008).
Finalmente, a segurança relacionada à saúde seria asseverada pela melhoria das instalações,
distribuição de água e saneamento. A provisão direta de cuidados médicos e o treinamento de
equipes locais para planejar e implementar políticas de saúde (profiláticas e de tratamento) e
prestar assistência à população, complementariam este trabalho (CAP LIBERIA 2003; 2004;
2005; 2006; 2007; 2008).
De acordo com as agências, os esforços para aumentar a capacidade do Estado de
proteger e cuidar de sua própria população, com democracia, crescimento econômico, redução
da pobreza e melhoria generalizada das condições de vida, têm impacto direto na prevenção
da recorrência de conflitos e catástrofes humanitárias (CAP LIBERIA 2003; 2004; 2005;
2006; 2007; 2008). Entretanto, a obtenção dos melhores resultados para os projetos e
programas relacionados nos CAPs não depende somente das ações de assistência humanitária
e das desenvolvidas diretamente pela OMP. Sua sustentabilidade, a longo prazo, dependeria
da suplementação e integração às políticas de desenvolvimento, planejadas e implementadas,
principalmente, de acordo com as propostas da UNDAF, que serão discutidas a seguir.
3.3.3 Assistência ao Desenvolvimento
A UNDAF (United Nations Development Assistance Framework) foi criada em 1997,
como parte de um programa de reforma para melhorar e trazer maior coerência ao trabalho
das Nações Unidas no campo do desenvolvimento, especialmente no nível local (UNDAF
LIBERIA, 2003). Trata-se de um ―[...] framework de planejamento que consiste em objetivos
comuns, estratégias de cooperação e cronogramas [que] [...] lançam as bases para a
cooperação entre o Sistema ONU, governo e demais parceiros do desenvolvimento‖ (UNDAF
96
LIBERIA, 2003, p.2, tradução livre). 86
Contudo, os Estados em vias de deixar para trás
situações de conflito ou crise violenta por meio de ações de reconstrução, muitas vezes,
apresentam necessidades que vão além das contempladas na UNDAF tradicional. Para atender
a esses países, a ONU desenvolveu a ―UNDAF Modificada‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.2,
tradução livre) 87
, especialmente pensada para ―[...] combinar assistência humanitária e peace-
building em um continuum de desenvolvimento‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.2, tradução
livre). 88
O documento resume as principais ações de desenvolvimento a serem empreendidas
em uma região como forma de complementar a reconstrução do Estado e a assistência
humanitária e, assim, consolidar o processo de paz (UNDAF LIBERIA, 2003). O texto da
UNDAF, elaborado para dar conta do caso da Libéria, expõe as motivações e objetivos gerais
das ações previstas no documento. De acordo com a equipe de assistência ao
desenvolvimento,
paz, segurança, direitos humanos e desenvolvimento são agora reconhecidos como
condições independentes para o progresso humano. O objetivo da UNDAF
modificada será definir uma rota estratégica para acelerar o processo de recuperação
nacional e reconstrução e institucionalizar uma abordagem que liga construção da paz e desenvolvimento. A UNDAF modificada ampliará o impacto da cooperação
do Sistema ONU com vistas a equacionar as necessidades e prioridades nacionais da
Libéria (UNDAF LIBERIA, 2003, p.2, tradução livre). 89
Para tanto, a definição das ações leva em conta o plano de reconstrução nacional e a estratégia
de desenvolvimento propostos pelo governo provisório (MTP, Medium Term Plan), com
86 ―[…] planning framework which consists of common objectives, common strategies of cooperation and time frames […] lays the foundation for cooperation among the UN System, government and other development
partners‖. 87 ―Modified UNDAF‖. 88 ―[...] bring together humanitarian assistance and peace-building in a development continuum.‖ 89 Peace, security, human rights and development are now recognized as interdependent conditions for human
progress. The objective of the modified UNDAF will be to define a strategic path that will accelerate the national
recovery and reconstruction process and institutionalize an approach linking peace-building and development.
The modified UNDAF will increase the impact of cooperation of the UN system in addressing Liberian national
needs and priorities.
97
auxílio das equipes internacionais de reconstrução, além das prioridades estabelecidas pelo
time da ONU no local (UN Country Team) e pelo CAP (UNDAF LIBERIA, 2003). 90
De acordo com o diagnóstico apresentado na UNDAF, a raiz da guerra civil na Libéria
estaria na relação de causalidade mútua entre conflitos e pobreza.
Conflitos induzem a pobreza. Conflitos deslocam populações, arruínam atividades
produtivas, destroem infraestruturas sociais, como escolas, instalações de saúde, distribuição de água e energia. Além disso, a gestão inadequada dos recursos
naturais os impede de participar do desenvolvimento. Como efeito colateral, os
conflitos minam a capacidade efetiva do governo de governar. No limite, todas essas
condições levaram à redução do padrão de vida do povo da Libéria. Da mesma
maneira, a pobreza leva ao conflito. A pobreza é um solo fértil para a violência. A
pobreza induz conflitos e gera oportunidades para o enriquecimento pessoal
(UNDAF LIBERIA, 2003, p.5, tradução livre). 91
Assim, tanto o equacionamento quanto a prevenção dos conflitos dependeriam de uma
―[...] abordagem integrada, holística e multifacetada para aliviar a pobreza [...], uma vez que
suas causas são múltiplas‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.4, tradução livre). 92
A identificação
dessas causas é a base de todo o trabalho proposto na UNDAF, que as traduz como
determinantes da pobreza e afirma que a relação entre elas e os conflitos passa por sua
capacidade de solapar o desenvolvimento humano sustentável (UNDAF LIBERIA, 2003). De
forma mais precisa, o documento classifica como principais determinantes da pobreza: ―taxa
de crescimento populacional; desemprego; educação; habitação; insegurança alimentar;
90 A UNDAF é um mecanismo frequentemente utilizado pela ONU para estabelecer orientações comuns para as
políticas de desenvolvimento e coordená-las de forma mais eficiente, em um leque amplo de países. Nesses
casos, utiliza-se a UNDAF regular (modelo clássico). A UNDAF modificada, por sua vez, é utilizada para
atender às necessidades de desenvolvimento que normalmente se apresentam nos primeiros estágios de
reconstrução de um país, enquanto a maior parte das funções que caberiam ao governo local é exercida pela
OMP. Quando o governo nacional é restabelecido em caráter permanente, cabe a ele formular um documento que contemple as ações de desenvolvimento que devem ser realizadas para consolidar a paz, traduzidas em
termos de uma Estratégia de redução da Pobreza (PRS, Poverty Reduction Strategy), e formulado com auxílio de
consultores internacionais. Com base nesse documento, o Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas
reavalia as ações de desenvolvimento que a ONU e seus parceiros julgam pertinentes para dar apoio ao governo
na consecução de seus objetivos, por meio da formulação de uma nova UNDAF, dessa vez, regular. No caso da
Libéria, a UNDAF modificada foi planejada para o período de 2003 a 2005 e teve suas principais atividades
estendidas ao longo dos anos de 2006 e 2007. Em seguida, o governo da presidente eleita Ellen Johnson Sirleaf,
que tomou posse em 2006, elaborou a PRS, apresentada em abril de 2008, na qual as Metas de Desenvolvimento
do Milênio aparecem com grande destaque. Desde então, as ações de desenvolvimento da ONU no país têm sido
orientadas por esse documento, conforme fica claro pela leitura da nova UNDAF elaborada para a Libéria, que
cobre o período de 2008 a 2012, com ênfase na conclusão do processo de transição das atribuições da UNMIL para o governo nacional (UNDAF LIBERIA, 2008). 91 Conflicts induce poverty. Conflicts dislocate populations, disrupt productive activities, destroy social
infrastructures such as schools, health facilities, water works and power installations. Besides, the
mismanagement of natural resource divert national resources from development. Collaterally, conflicts
undermine government capacity to govern effectively. All of these ultimately lead to a lowered standard of living
of the Liberian people. Conversely, poverty leads to conflict. Poverty is a breeding ground for violence. Poverty
induces conflicts and provides opportunities for self-enrichment. 92 ―[…] an integrated, holistic, multifaceted approach to alleviating it […] [s]ince the causes of poverty are
multiple‖.
98
acesso seguro à água potável, saneamento e aos serviços de saúde; e a prevalência do
HIV/AIDS [...] o estado da infraestrutura [...] [e] finalmente, governança‖ (UNDAF
LIBERIA, 2003, p.4, tradução livre). 93
Problemas de governança, aliás, seriam o centro das
mazelas que assolavam a Libéria, e se manifestariam de diversas formas, em particular na
―falta de transparência e accountability; desrespeito ao primado da lei; baixa participação
popular na formulação das políticas nacionais; sanção contra oponentes; e abusos de direitos
humanos‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.4, tradução livre). 94
Partindo desse pressuposto, a UNDAF foi dividida em uma série de componentes e
elementos que, em sua maioria, estão relacionados à reconstrução do Estado na Libéria e à
institucionalização de uma abordagem capaz de ligar ―[...] construção da paz, assistência
humanitária e alívio da pobreza com vistas à promoção do desenvolvimento humano
sustentável‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.6). Os Quadros 8 e 9, a seguir, resumem os
principais componentes e elementos da UNDAF que basearam os projetos e programas
desenvolvidos pelas organizações de assistência ao desenvolvimento na Libéria.
93 ―population growth rate; unemployment; education; housing; food insecurity; access to safe drinking water, to
sanitation, and to health services; and HIV/AIDS prevalence […] [t]he state of infrastructures […] [and]
[f]inally, governance‖. 94 ―the lack of transparency and accountability; disrespect for the rule of law; low popular participation in
national policy formulation; sanctions of opponents; and human rights abuses‖.
99
2003 2004 2005 2006 2007 2008
Resolução de
Conflitos,
Peace-
Building e
Alívio
Resolução de
Conflitos,
Peace-
Building e
Alívio
Resolução de
Conflitos,
Peace-
Building e
Alívio
- - Paz e Segurança
Boa
Governança
Boa
Governança
Boa
Governança - -
Boa Governança
e Primado da Lei
Segurança
Alimentar e
Recuperação
Sustentável
Segurança
Alimentar e
Recuperação
Sustentável
Segurança
Alimentar e
Recuperação
Sustentável
- -
Desenvolvimento
Sócioeconômico
Equitativo
Saúde
Reprodutiva,
Combate ao
HIV/AIDS,
malária e
outras
doenças
Saúde
Reprodutiva,
Combate ao
HIV/AIDS,
malária e
outras doenças
Saúde
Reprodutiva,
Combate ao
HIV/AIDS,
malária e
outras
doenças
- -
HIV/AIDS:
Prevenção,
tratamento e
cuidado
- - - - - Educação e
Saúde
Cross-
Cutting
Issues
(gênero,
proteção à
criança, meio
ambiente)
Cross-Cutting
Issues (gênero,
proteção à
criança, meio
ambiente)
Cross-Cutting
Issues
(gênero,
proteção à
criança, meio
ambiente)
- -
Cross-Cutting
Issues
(juventude,
gênero, meio
ambiente, DH,
conflitos,
desenvolvimento
de capacidades)
Quadro 8: Componentes da UNDAF e Ocorrência por Ano (2003-2008) Adaptado de: UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012
100
Componentes Principais Elementos
Resolução de Conflitos,
peace-building e Alívio
Diálogo político e reconciliação nos níveis nacional e sub-
regional
Reabilitação e reintegração de ex-combatentes
Restabelecimento e reintegração de IDPs, refugiados e
retornados
Reestruturação e construção de capacidade das forças de
segurança
Construção de confiança e educação para a paz
Boa Governança
Suporte ao processo eleitoral
Fortalecimento do judiciário, primado da lei e capacidade
nacional para promover e proteger Direitos Humanos
Ampliação da capacidade nacional de gerenciamento
econômico e reformas políticas (capacity-building, suporte
técnico e logístico para reformas políticas)
Melhoria e uniformização de sistemas de produção de dados
estatísticos para garantir produção e publicação de dados
confiáveis com regularidade
Segurança Alimentar e
Recuperação Sustentável
Melhoria da segurança alimentar, níveis de nutrição e aumento
da renda do setor agrícola
Suporte ao financiamento de microempresas e às iniciativas do
setor privado
Suporte à recuperação do setor de saúde
Suporte à recuperação do setor de educação
Suporte à recuperação do setor de saneamento e distribuição
de água
Suporte à recuperação do setor de Acessibilidade
Saúde reprodutiva, combate
ao HIV/AIDS, malária e
outras doenças
Promoção da conscientização e apoio (IEC) para prevenção do
HIV/AIDS, controle de doenças prioritárias e saúde
reprodutiva por meio de mudança de comportamento
Suporte ao planejamento e desenvolvimento do protocolo de
tratamento do HIV/AIDS
Melhorar acesso a artigos e serviços de saúde reprodutiva e
suporte aos infectados pelo HIV/AIDS
Suporte a programas de saúde reprodutiva, expectativa de vida
e fertilidade
Cross-Cutting Issues
(Gênero, proteção à criança
e meio ambiente)
Equidade de gênero e empoderamento das mulheres
Promover proteção à criança
Melhorar gestão do meio ambiente e dos recursos naturais
Quadro 9: Componentes da UNDAF e Elementos a eles relacionados (2003-2008) Adaptado de: UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012
101
Analisando os dados, pode-se perceber que a maior parte das ações está relacionada à
reconstrução da capacidade do Estado de governar, com legitimidade, seus recursos e sua
população. Nesse sentido, as atividades incluem: fortalecimento das instituições e
reconstrução da confiança das pessoas no Estado; recuperação de setores chave (como
educação, saúde, distribuição de água e saneamento), no que se refere não só à infraestrutura
como também à capacidade de formular e implementar políticas públicas, monitorar e avaliar
seus resultados; redução das desigualdades; e fomento das atividades de geração de renda.
O desenvolvimento humano sustentável, de forma geral, e o desenvolvimento
econômico, mais especificamente, seriam a conquista final do processo de reconstrução da
Libéria. De acordo com os formuladores da UNDAF, a atração de investimentos do setor
privado e a assistência oficial ao desenvolvimento dependeriam de um ambiente estável de
paz e segurança, capaz de inspirar confiança aos parceiros e garantir que a população do país
tenha condições básicas de viver e buscar a realização plena de seu potencial (UNDAF
LIBERIA, 2003).
A estabilidade política na Libéria é, assim, um imperativo social, econômico e
político. É a fundação da reabilitação e reconstrução pós-conflito da Libéria, bem
como de sua recuperação econômica e crescimento. É o único caminho lógico para o
desenvolvimento humano sustentável. Se a Libéria deve começar o processo de
renovação nacional, então não lhe resta alternativa senão assegurar e manter a paz
duradoura (UNDAF LIBERIA, 2003, p.5, tradução livre). 95
O imperativo da paz, segurança e estabilidade se reflete na atuação das principais
organizações internacionais de assistência ao desenvolvimento, o Banco Mundial e o FMI.
Quando do lançamento da UNDAF, em 2003, a participação do BM, por exemplo, foi
retomada (depois de mais de uma década de ausência) e ocorria quase exclusivamente por
meio de seus órgãos voltados para reconstrução e assistência aos países mais pobres (IBRD;
IFC; MIGA), e não de forma direta (UNDAF LIBERIA, 2003). 96
O FMI, por sua vez, só
passou a atuar na Libéria depois que a OMP e as demais atividades empreendidas na região
encontravam-se em estágio relativamente avançado, em 2008, e o novo Estado já contava com
arcabouço institucional, mercado e atividade econômica interna mínimos, capazes de fornecer
alguma garantia de retorno dos investimentos. Interpretando de outra maneira, a relação direta
95 Political stability in Liberia is thus a social, economic and political imperative. It is the foundation of Liberia‘s
post-war rehabilitation and reconstruction as well as her economic recovery and growth. It is the only logical
route to sustainable human development. If Liberia must begin the process of national renewal, then Liberia has
no alternative but to secure and maintain a durable peace. 96 Como será discutido no próximo capítulo, a normalização das relações entre o Banco e a Libéria só ocorreu
em 2007.
102
entre um Estado e as principais organizações internacionais depende de esse Estado preencher
requisitos básicos de pertencimento à sociedade internacional, como instituições
democráticas, respeito aos direitos individuais e padrões liberais de regulação da atividade
econômica. Tomando por base as ações previstas na UNDAF, pode-se perceber que tais
requisitos articulam-se em torno de práticas de boa governança (boas práticas) professadas
por essas organizações. Nesse sentido, a atuação das organizações de assistência ao
desenvolvimento na Libéria tem em vista a adequação das instituições, governantes e
população do país a essas práticas, dando a eles a prerrogativa e a capacidade efetiva de
manter relações diretas com elas, inclusive após o fim do suporte fornecido pela OMP e
demais parceiros da ajuda humanitária e do desenvolvimento. 97
3.3.4 Nexo entre segurança, desenvolvimento e assistência humanitária
Apesar de as áreas de segurança (OMP), assistência humanitária e assistência ao
desenvolvimento terem caráter bastante distinto, o objetivo de manter a paz parece ser uma
constante entre elas. Além disso, a análise dos elementos que cada uma elenca entre os
caminhos para que seu projeto se perpetue permite identificar a emergência de uma acepção
de paz diferente da ―ausência de conflito armado‖, que parece ter sido comum durante a
Guerra Fria. Mais do que preservar a capacidade dos Estados soberanos de governar sua
população de forma independente e de fazê-lo amparado pelo monopólio dos meios de
violência dentro do território sob sua jurisdição, o conceito de paz que emergiu,
discursivamente, no final do século XX e início do XXI, parece ter tido sucesso em incluir
nessa lista aspectos que dizem respeito ao modo de governar e organizar as relações internas.
Essa inclusão, ao que tudo indica, pautou-se na consolidação de uma versão do
pensamento liberal que afirma a existência de um rol de direitos universais e a relação direta
entre a preservação desses direitos e a manutenção da paz (DOYLE, 1996; OWEN, 1996).
Pela reivindicação de universalidade, os partidários dessa versão se julgam capazes de
fornecer modelos que podem (e devem) ser aplicados em qualquer país, de modo que a paz e
o desenvolvimento sejam difundidos e fortalecidos em todo o mundo. Entretanto, a suposta
97 Essa tentativa de transplantar padrões internacionais para o contexto de organização das relações econômicas,
políticas e sociais domésticas será mais bem discutida por meio do conceito de ownership e da análise das
estratégias de desenvolvimento formuladas pelo governo eleito da Libéria (PRS), no próximo capítulo.
103
universalidade dos modelos tem ainda outra implicação, esta mais diretamente ligada às
OMPs, à assistência humanitária e ao desenvolvimento em Estados que tentam por fim aos
conflitos internos: a comunhão de objetivos e propostas entre os agentes da reconstrução; e a
possibilidade de incluir novos atores entre eles, como as organizações não governamentais.
Uma vez que os objetivos são reescritos como universais, as agendas humanitária, de
segurança e de desenvolvimento tornam-se progressivamente convergentes, o que se reflete
na aproximação entre as políticas circunscritas a cada uma delas. Tal aproximação fica clara
pela observação da Figura 5, um diagrama elaborado com base nos documentos referentes à
organização das três áreas, analisados nas seções anteriores, e na lista de ações definidas em
cada um deles como parte do processo de reconstrução do Estado na Libéria. O diagrama
mostra a distribuição das políticas de reconstrução entre as áreas de Segurança (OMP),
Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF), referentes ao
caso da Libéria.
104
Figura 5: Distribuição das Políticas de Reconstrução do Estado na Libéria nas áreas de Segurança (OMP), Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao Desenvolvimento
(UNDAF)
Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734, 2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005;
A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro); CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008; UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012
105
O diagrama mostra a notável convergência entre as políticas desenvolvidas, o que fica
evidente pela densidade da zona de interseção entre as três áreas e, em menor grau, entre pelo
menos duas. De forma geral, as ações de reconstrução e recuperação são empreendidas nas
três áreas, de forma mais ou menos conjunta, o que denota o transbordamento da
multidimensionalidade das OMPs para a prestação de assistência humanitária e ao
desenvolvimento. Mesmo assim, é possível observar certa especialização entre as áreas: as
OMPs concentram ações de reconstrução das instituições básicas do Estado e de manutenção
da segurança, especialmente voltadas para o controle de armas e reestruturação das forças de
segurança; a assistência humanitária (CAP) se dedica ao apoio mais direto às vítimas dos
conflitos, principalmente aos refugiados e deslocados internos, muitas vezes habitantes de
campos; finalmente, a assistência ao desenvolvimento (UNDAF) se destaca por ações de
recomposição do mercado e das atividades econômicas, bem como de adequação às
exigências dos mercados e organizações internacionais.
A convergência marcante entre as áreas, somada à abertura de espaço para a
participação de novos atores, sugere a possibilidade de divisão do trabalho de reconstrução do
Estado entre agências e organizações especializadas, ficando a cargo da ONU, por meio da
OMP, a coordenação das atividades desses atores. Para discutir essa possibilidade, foi
elaborado outro diagrama (Figura 6), que mostra os principais participantes da reconstrução
da Libéria e sua distribuição entre as três áreas. 98
A identificação das agências e organizações
listadas foi feita com base nos participantes indicados nos programas e projetos constantes
nos documentos analisados anteriormente. 99
98 A lista das organizações que aparecem no diagrama encontra-se no Apêndice (pág. 162). 99 Apesar de bastante representativa, a lista de parceiros não é exaustiva. Muitas vezes a descrição dos programas
e projetos é vaga em relação aos responsáveis por sua realização, especialmente quando os mesmos são
Organizações da Sociedade Civil (CSOs) ou Organizações de Base Comunitária (CBOs), normalmente
incorporados de forma genérica.
106
Figura 6: Distribuição das Organizações que participam do processo de reconstrução da Libéria nas áreas de Segurança (OMP), Assistência Humanitária (CAP) e Assistência ao Desenvolvimento (UNDAF)
Adaptado de: A/58/539, 2003; A/58/744, 2004; A/59/630, 2005; A/60/653, 2006; A/61/783, 2007; A/63/734, 2008 (Orçamentos); A/59/736/Add.11, 2004; A/60/852, 2005;
A/61/852/Add.7, 2006; A/62/781/Add.10, 2007; A/63/746/Add.8, 2008 (Relatórios de Desempenho Financeiro); CAP LIBERIA, 2003; 2004; 2005; 2006; 2007; 2008;
UNDAF LIBERIA 2003-2005; 2008-2012; ONU, 2009 (UN in Liberia, At Work Together).
107
Pelo diagrama, percebe-se que a maior parte das agências da ONU (em negrito) atua
nas três áreas, o que condiz com a função de coordenar o trabalho dos demais atores
envolvidos. As principais organizações governamentais e não governamentais (como ICRC,
WVI, OXFAM e CARE) de atuação internacional, bem como algumas agências de
cooperação de governos (ex. GTZ, USAID) também atuam em todas as áreas, ainda que,
muitas vezes, em projetos distintos. Paralelamente, é possível perceber que, entre as agências
e organizações, a especialização ocorre de forma mais marcante, principalmente no caso da
assistência humanitária. Em suma, a ideia de que, nas operações multidimensionais, ocorreria
a divisão de tarefas entre organizações e agências especializadas e que caberia à ONU
coordenar a realização das atividades parece se confirmar.
Finalmente, vale observar que a convergência das políticas implementadas e a divisão
de tarefas entre as organizações apontam para a existência de um nexo entre segurança
coletiva, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento no âmago das operações de
paz multidimensionais. Tal nexo sugere uma importante transformação institucional que
aponta para a consolidação de novas ideias acerca da manutenção da paz e da estabilidade,
cada vez mais pautadas pela redefinição de elementos da ordem interna dos Estados em
reconstrução, como, por exemplo, a forma de governar, e pelo esforço de adequar esses
elementos a padrões aceitos internacionalmente, como as práticas de boa governança.
108
4 GOVERNAMENTALIDADE E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
A transformação dos meios pelos quais a sociedade internacional passou a promover a
paz e a segurança a partir do final da Guerra Fria, como discutido nos capítulos anteriores,
pode ser relida como a emergência de novas técnicas para operacionalizar o transplante dos
padrões internacionais de boa governança para os Estados em reconstrução, conduzindo-os
pelo caminho que levaria do conflito e da pobreza, à paz e ao desenvolvimento. Este capítulo
pretende rediscutir esse processo com base no conceito de governamentalidade, formulado
por Foucault, como uma forma de colonização do espaço social internacional e de suas
fronteiras, por meio da difusão de modos de existência liberais, articulados na ideia de Paz
Democrática.
Especificamente, pretende-se enfocar a fase de conclusão do trabalho dos atores
internacionais de reconstrução na Libéria, resumida em dois documentos principais: a
Estratégia de Redução da Pobreza (PRS), formulada pelo governo, e a nova UNDAF, agora
regular, que delineia os termos das políticas de assistência ao desenvolvimento a serem
realizadas no país pela ONU e seus parceiros durante o processo de transição do poder e,
posteriormente, como suporte ao governo nacional. A retomada das rédeas do
desenvolvimento pelo governo, traduzida pela ONU como ownership, consolidaria o
transplante de padrões internacionais de boa governança para o Estado em reconstrução. Esse
transplante, marcaria a transição entre o status de objeto das práticas de ajuda para o de
sujeito da sociedade internacional, o que credenciaria o Estado a estabelecer relações diretas
com suas principais organizações, e a apresentar demandas nacionais em um contexto
sistêmico, sem necessidade de mediação por parte dos agentes de reconstrução. Em outros
termos, a capacidade de agência do Estado no sistema internacional seria, progressivamente,
(re)construída.
Inicialmente, pretende-se retomar o conceito de governamentalidade, como formulado
por Foucault, para, posteriormente, reler as principais transformações dos mecanismos de
manutenção da paz a partir dos anos 1990, como parte de um processo de rearticulação
internacional do conceito. Finalmente, deverá ser enfocada a conclusão dos trabalhos de
reconstrução na Libéria, com vistas a discutir a formação de um nexo entre segurança e
desenvolvimento, amarrado pelas instituições democráticas e pelos padrões de boa
governança, que promoveriam a transformação das sociedades marcadas pelo conflito para
unidades políticas estáveis, dispostas a compartilhar a causa da paz.
109
4.1 Governamentalidade e constituição de Estados na Modernidade
Segundo Foucault (1979a), a governamentalidade pode ser tomada como um discurso
histórico-político, que emergiu no final do século XVIII como resultado de uma série de
transformações históricas dos mecanismos utilizados para nortear condutas e organizar
relações entre os indivíduos nas mais diversas sociedades. O governo 100
, entendido como
―condução da conduta‖, sempre foi uma questão presente nas discussões acerca da produção
da ordem social, seja nos tratados para aconselhar o comportamento dos príncipes, seja nas
doutrinas de obediência professadas pela Igreja. Contudo, a partir do século XVI, essa questão
passou a ser progressivamente problematizada, diante de dois movimentos concomitantes e
distintos: por um lado, a dispersão do governo das almas e da vida privada com a dissidência
religiosa; e, por outro, a concentração do poder na forma do Estado territorial centralizado
(FOUCAULT, 1979a). Nesse contexto, a superioridade das racionalidades cosmo-teológicas
de produção da ordem social foi desafiada pela razão de Estado, e a figura divinizada do
príncipe cedeu lugar a princípios seculares, considerados inerentes à razão humana e ao
Estado ele mesmo. Esse momento teria marcado o início da emergência do discurso da
governamentalidade como uma racionalidade autônoma em relação ao soberano (GORDON,
1991).
Foucault (1979a), no entanto, afirma que o discurso da governamentalidade só se
consolidou como método de governo capaz de influenciar a luta política após o século XVIII,
quando se fez possível o desbloqueio da arte de governar, até então limitada por um conjunto
de leis, decretos e regulamentos produzidos pelo mercantilismo, que reforçava as estruturas
institucionais e mentais da soberania, ao mesmo tempo em que restringia a economia à casa e
à família. Para o autor, somente na modernidade, quando a economia foi incorporada à
política – e assim deixou de ser uma questão de comando da família e tornou-se associada à
população 101
–, foi possível reformular a compreensão acerca do fundamento da soberania,
com a introdução de um novo componente: a sociedade. A necessidade de lidar com a
população como um elemento da soberania tornou mais complexa a arte de governar e
100 A palavra ‗governar‘, embora tenha adquirido uma conotação política forte na era do absolutismo, tem um
sentido semântico mais amplo e se refere a todos os cuidados que se pode proporcionar aos indivíduos por meio
do exercício de uma atividade de mando ou de prescrição sempre benevolente. Alude, assim, ao domínio sobre
os corpos, individuais ou coletivos, e não sobre o Estado ou o território (FOUCAULT, 1979a). 101 Ao tratar a emergência da população como um problema, Foucault (1979a) se refere ao reconhecimento de
fenômenos próprios à população, que foram identificados pelo desenvolvimento da estatística, que passa a
revelar as regularidades do domínio demográfico. A partir desse momento, essa nova realidade, agora
quantificada e classificada, não pode mais ser reduzida à esfera da família.
110
demandou o desenvolvimento de técnicas mais apuradas de disciplina e controle. Na
formulação de Foucault (1979a),
a ideia de um novo governo da população torna ainda mais agudo o problema do
fundamento da soberania e ainda mais aguda a necessidade de desenvolver a
disciplina. Devemos compreender as coisas não em termos de substituição de uma
sociedade de soberania por uma sociedade disciplinar e desta por uma sociedade de
governo. Trata-se de um triângulo: soberania-disciplina-gestão governamental, que
tem na população seu alvo principal e nos dispositivos de segurança seus
mecanismos essenciais ( p.171).
Nota-se que Foucault não tratou a emergência da governamentalidade como fenômeno
característico de um único Estado; pelo contrário, a definiu como uma faceta que compõe o
diagrama da modernidade e participa da consolidação do modelo de Estado soberano
moderno como principal forma de organização das relações políticas e sociais. A
governamentalidade, assim, teria perpassado o processo de ―legar populações, que estiveram
sujeitas a fontes de autoridade que se sobrepunham, a comandantes soberanos, tidos como
responsáveis primários pelo governo das populações dentro de seu território‖ (HINDESS,
2004, p. 27 tradução livre). 102
Nesse sentido, pode ser pensada em meio a um movimento
transversal de dispersão de estratégias de poder, tecnologias e técnicas, que ocorreu para além
de qualquer fronteira; portanto, internacional como a modernidade ela mesma. Em outros
termos, a governamentalização pode ser interpretada como reconfiguração dos atributos e da
forma de exercer a soberania, tanto para dentro quanto para fora das fronteiras dos Estados.
Ainda que Foucault (1979a) tenha tratado a governamentalidade como algo que não se
limita às fronteiras de qualquer Estado, é importante lembrar que o autor não avançou na
problematização das possibilidades de articulação internacional do conceito. Seu objetivo era
desconstruir o mito do Estado soberano como uma unidade indivisível, dotada de
individualidade e existência absoluta. Em vez de descrever o Estado como uma realidade
concreta, Foucault (1979a) propunha pensá-lo como uma combinação plural de métodos de
governo que não se resumia à lógica do soberano. Nesse sentido, a soberania deveria ser lida
como uma racionalidade que, na modernidade, aliou-se à disciplina e à governamentalidade
na conformação do Estado Moderno. Segundo Husyman,
a soberania é uma matriz de governo particular, definida por uma tensão entre dois
entendimentos de governo, um como primado da lei, e outro como decisão
executiva, na ausência ou nos limites da ordem constitucional. Ela também separa o
102 ―assigning populations that had been subject to overlapping sources of authority to sovereign rulers who were
acknowledged as having primary responsibility for the government of populations within their territories‖.
111
governo doméstico – onde o primado da lei é considerado prática normal – e o
governo internacional – onde a decisão executiva é a prática normal e o primado da
lei é a exceção (2006, p.38, tradução livre). 103
Dessa forma, a consolidação da governamentalidade na sociedade moderna foi
possível somente quando outras racionalidades conseguiram impor-se discursivamente em
relação ao domínio até então exclusivo do soberano. Quando a condução da população – não
apenas como uma massa indistinta e subordinada ao soberano, mas em seus detalhes e em
suas nuances – foi definida como objetivo central de governo, os múltiplos aparatos e saberes
específicos sobre como gerenciar essa população ganharam um peso considerável em relação
ao próprio regime de leis. A governamentalidade, assim, teria feito a ligação entre a
capacidade totalizadora da soberania e a característica individualizadora da disciplina
(GORDON, 1991), ao articular uma estratégia de governo que tem seu lugar privilegiado nas
práticas estatais, mas que não pode ser reduzida a elas. Nas palavras de Foucault (1979a), ―o
que é importante para nossa modernidade, para nossa atualidade, não é tanto a estatização da
sociedade, e sim o que chamaria de governamentalização do Estado‖ (p. 171).
Valendo-se da confluência entre emergência da população, instrumentalização do
saber econômico e dos dispositivos de segurança, a governamentalidade permitiu que a arte
de governo se desvinculasse da razão de Estado e se transformasse em uma forma de
gerenciamento plural, capilarizada e produtiva. 104
Essa nova forma de governar teria refletido
o triunfo de ideias liberais como uma lógica capaz de organizar as relações sociais e políticas
e estabelecer os limites para o exercício do poder soberano, ao informá-lo sobre ―[...] como o
governo é possível, o que lhe é permitido fazer e a quais ambições ele deve renunciar para dar
conta de tudo o que está sob seu poder‖ (GORDON, 1991, p.15, tradução livre). 105
Assim, a
população deixou de ser mero objeto das vontades do soberano e foi reconfigurada como
elemento ativo do governo, no sentido tanto de problematizar a ordem baseada na razão de
Estado, quanto de oferecer uma ordem alternativa, baseada no que seria uma capacidade
natural dos indivíduos de regularem a si próprios por meio da criação de arranjos que
garantissem a realização de objetivos de comuns, como a paz e a prosperidade.
103 Sovereignty is a particular matrix of government defined by a tension between government as rule of law and government as executive decision in the absence or at the limits of the constitutional order. It also separates
domestic government where the rule of law is considered the normal practice and international government
where the executive decision is the normal practice and the rule of law the exception. 104 ―O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma
força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso.
Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social, muito mais do que uma
instância negativa que tem por função reprimir‖ (FOUCAULT, 1979c, p.8). 105 ―[...] how government is possible, what it can do, and what ambitions it must needs renounce to be able to
accomplish what lies within its powers‖.
112
A lógica do raciocínio liberal, conforme descrita por Owen (1996), pressupõe que
todos os homens compartilhariam o interesse fundamental na autopreservação e no bem-estar
material. Dessa forma, haveria uma tendência natural à harmonia de interesses entre os
indivíduos, desde que estes tivessem garantida a liberdade de agir de acordo com suas
próprias preferências e o fizessem sem violar a liberdade dos demais de agir da mesma
maneira. Por isso, o respeito à liberdade individual foi definido como princípio essencial do
liberalismo, apoiado na existência de um conjunto de instituições voltadas para a organização
da vida pública dos indivíduos de modo a assegurar a proteção de seus direitos fundamentais
(DOYLE, 1996). As instituições – e, de forma mais geral, o próprio liberalismo –, portanto,
apostariam na racionalidade e no comportamento público dos indivíduos e seriam uma forma
de organizar um grupo de seres racionais que demandam leis gerais para sua
sobrevivência, mas que buscam isentar-se e estabelecer suas constituições de
maneira que, apesar de as atitudes privadas serem opostas, estas atitudes privadas
constranjam umas às outras de tal maneira que este [seu] comportamento público
seja semelhante ao que seria se eles não tivessem tais atitudes egoístas (KANT, 1795
apud DOYLE, 1996, p.5, tradução livre). 106
Seguindo esse raciocínio, a existência de boas instituições seria a chave para converter
vícios privados em benefícios públicos, para lembrar a fábula de Mandeville. Como
consequência da valorização do individuo frente ao soberano, o liberalismo, mais do que uma
doutrina filosófica, passou a funcionar como racionalidade norteadora das relações sociais e
definiu a preservação das liberdades e o amadurecimento da razão individual como fins
últimos da política. Para a consecução desses fins, os liberais apostavam na existência de
instituições capazes de garantir um conjunto de direitos – civis, sociais, econômicos e
participativos – e princípios normativos – isonomia jurídica, economia de mercado,
propriedade privada e soberania externa (DOYLE, 1996). Tomados desde uma perspectiva
foucaultiana, tal arcabouço de direitos e princípios pode ser lido como um conjunto de
técnicas governamentais voltadas não para a coerção dos comportamentos, e sim para sua
condução com vistas ao aperfeiçoamento moral dos indivíduos. 107
Nesses termos, ―o
liberalismo é uma lógica particular de governo – uma forma de poder característica da
106 To organize a group of rational beings who demand general laws for their survival, but of whom each inclines
toward exempting himself, and to establish their constitutions in such a way that, in spite of the fact that private
attitudes are opposed, these private attitudes mutually impede each other in such a manner that [their] public
behavior is the same as if they did not have such evil attitudes. 107 O poder liberal pressupõe a existência de sujeitos individualizados, que possam ser controlados, monitorados
e disciplinados por meio de uma gramática normativa de direitos e deveres na qual o próprio indivíduo se torna,
ao mesmo tempo, seu governante e seu guarda. O objetivo do governo, nesse caso, não é restringir ou impedir a
conduta, mas normalizá-la para que ela possa ser livre. Nesse domínio, o poder tem a capacidade de produzir
sujeitos disciplinados pela norma.
113
sociedade moderna, que opera indiretamente pela produção de indivíduos autônomos e
responsáveis mediante a ‗condução da conduta‘ e de um conjunto de ‗técnicas
governamentais‘‖ (NEUMANN; SENDING, 2007, p.694, tradução livre). 108
Ainda que as faces nacional e internacional da governamentalidade estejam
intrinsecamente relacionadas – uma sendo condição de possibilidade para a outra – pode-se
pensar que o discurso histórico-político da soberania acabou por circunscrever a problemática
da população e o desenvolvimento das artes de governo às preocupações próprias do espaço
doméstico. Ao plano internacional, por sua vez, caberiam preocupações outras, que não a
forma como cada Estado procura controlar e conduzir sua população. Entretanto, após a
Guerra Fria, esse ―como‖ tornou-se uma questão importante para a definição do lugar de cada
Estado na ordem internacional.
4.2 Emergência de um espaço internacional governamentalizado
Até aquele momento, a força do discurso histórico-político da soberania, recuperada
pela lógica da balança de poder, previa que os principais instrumentos de governabilidade
internacional voltados para o controle da população seriam aqueles dos Estados nacionais. A
preservação da soberania garantiria a contiguidade entre Estado, povo e território,
maximizaria a eficácia dos mecanismos de controle e, assim, levaria à estabilização das
relações não só entre indivíduos e Estados, como também da relação entre os próprios Estados
soberanos. Dessa forma, os aparatos de governamentalização, como sistemas de educação,
saúde e encarceramento, eram pensados como políticas de Estado, destinadas a conter e
controlar uma população marcada fundamentalmente pelo pertencimento nacional.
Esse entendimento se refletiu na conformação do sistema internacional durante a
Guerra Fria, pautada pelo respeito à noção de equilíbrio de poder e ao princípio da soberania
como as principais formas de garantir a ordem e a estabilidade, conforme foi discutido no
Capítulo 1. Outro reflexo dessas ideias, também discutido anteriormente, pode ser observado
na forma pela qual a ONU conduzia os processos de paz e (re)construção de Estados até o
início dos anos 1990, privilegiando a demarcação das fronteiras, a restituição da soberania e o
108 ―Liberalism is a particular logic of governing – a form of power that is characteristic of modern society,
which operates indirectly by shaping and fostering autonomous and responsible individuals through the ‗conduct
of conduct‘ and the ensemble of ‗governmental techniques‘‖.
114
estabelecimento de governos fortes, que pudessem exercer controle efetivo sobre seu território
e sua população e, com isso, garantir a preservação da ordem interna. Naquele contexto, o
somatório de unidades soberanas domesticamente estáveis e internacionalmente dispostas no
esquema da bipolaridade seria suficiente para garantir a paz e a ordem na sociedade de
Estados, independente dos mecanismos de governo utilizados por cada Estado em particular,
com exceção da predileção demonstrada por eles em relação à proposta ideológica de cada
bloco.
Mesmo com o fim da Guerra Fria, o Estado se manteve como o principal responsável
por dirigir a aplicação de mecanismos de governo. Entretanto, a partir daquele momento, as
formas de governar foram progressivamente problematizadas, à luz da redefinição de
diretrizes sobre como exercer um bom governo – ou sobre como governar da melhor maneira
possível –, lançadas internacionalmente com intensa participação das organizações
internacionais. Nesse cenário, a agenda de segurança internacional, antes tomada por
preocupações estratégicas, passou a incluir uma gama bastante diversificada de questões,
como desenvolvimento, direitos humanos, participação política, meio ambiente e melhoria
geral das condições de vida. Essas questões foram reunidas com a formulação do conceito de
segurança humana e consolidação da ideia de que só seria possível haver paz na medida em
que ela fosse compartilhada por todos os habitantes do planeta (CGG, 1996). Mais do que
isso, a garantia dessa segurança seria possível por meio da aplicação de critérios e
metodologias, também formulados pelas organizações internacionais, que incidiam sobre a
relação entre governantes e população e apontavam para a redução do poder discricionário de
cada Estado sobre a condução da conduta dos indivíduos que habitam seu território.
Essas ideias foram reforçadas por diagnósticos recorrentes, que associavam o declínio
da ordem bipolar ao enfraquecimento do controle dos Estados sobre suas populações e, de
forma mais ampla, ao aumento do número de conflitos devido a essa falta de controle.
Ignatieff (2003), por exemplo, afirmou que o fim do suporte dos grandes blocos aos governos
nacionais, aliado a dificuldades econômicas, infraestrutura precária, multiplicidade de grupos
étnicos e religiosos e instituições políticas incapazes de se estenderem por todo o território,
teria provocado a erosão das bases de muitos Estados e diminuído a habilidade das elites
locais de controlar ou conciliar os interesses dos diversos grupos internos. Como resultado,
vários desses Estados teriam passado por processos de desagregação e falência, que teriam
aberto espaço para a atuação de grupos que contestavam a autoridade do governo, e
precipitado a ocorrência de guerras civis. Para os defensores dessa abordagem, os conflitos
estabeleceriam uma relação de causalidade mútua com a deterioração das condições de vida,
115
um ciclo vicioso no qual pobreza e violência resultariam em milhares de vítimas, deslocados
internos, refugiados e migrantes, além de uma infinidade de relacionamentos ilegais e
extralegais entre rebeldes e governos, que alimentariam a própria continuidade dos conflitos
(DUFFIELD, 2001).
A identificação das raízes do conflito na Libéria, como proposta por uma série de
autores, incluindo a própria ONU, e recuperada no Capítulo 2, é condizente com esse tipo de
diagnóstico. Sayle et al (2009), por exemplo, destacou que a disputa entre as potências foi
determinante para o apoio recebido dos EUA pelo governo de Samuel Doe nos anos 1980,
mesmo diante da constatação de que o presidente recorria amplamente às ameaças e à
perseguição política contra seus opositores e fomentava disputas sangrentas entre os grupos
étnicos da Libéria para se manter no poder. Como evidência da utilização desses métodos, o
autor lembra que, em 1985, Doe mandou assassinar cerca de três mil pessoas das etnias Gio e
Mano, do condado de Nimba, que faziam oposição ao governo, o que teria provocado
profunda revolta da população local (SAYLE et al ,2009). Paralelamente, Charles Taylor,
antigo aliado de Doe que fora hostilizado pelo presidente, firmou uma aliança com o ditador
líbio Muammar Kadafi, que ofereceu treinamento a Taylor em troca do combate aos aliados
norte-americanos na África (SAYLE et al ,2009). Para Sayle et al (2009), quando as atenções
dos EUA se voltaram para os acontecimentos que poriam fim à Guerra Fria, e,
consequentemente, reduziram seu apoio ao governo Doe, foram criadas as condições para que
Taylor pudesse engendrar um golpe contra o presidente, o qual contou com o apoio maciço da
população de Nimba. A retirada do apoio norte-americano e a guerra civil que se seguiu
teriam causado o colapso da economia na Libéria e reforçado o ciclo entre pobreza e violência
que, de acordo com Sayle et al (2009), somou-se à gestão corrupta e precária dos governos
seguintes e ao domínio de parte do território do país por grupos rebeldes como as principais
causas do novo conflito, a partir de 2003, que motivou a intervenção da ONU.
Diagnósticos como esses, que apontavam a incapacidade de governo do Estado sobre
os indivíduos, reforçaram o aspecto potencialmente problemático das questões populacionais,
tanto no que se refere à relação entre Estado e população quanto à relação entre Estados. Para
muitos autores, a incapacidade apresentada por alguns Estados de controlar (IGNATIEFF,
2003) ou proteger (SHUE, 2004) sua população, em um contexto de distensão das relações
entre as potências e de porosidade cada vez maior das fronteiras, aumentaria as chances de
transbordamento dos conflitos internos para os países vizinhos e de criação de instabilidade
regional, ou, até mesmo, internacional. Vale ressaltar que tais diagnósticos e entendimentos
não se limitaram aos estudiosos de conflitos; pelo contrário, podem ser claramente percebidos
116
nos documentos do Conselho de Segurança a partir de 1990, entre eles a Resolução que
determinou a instituição da OMP na Libéria (S/RES/1497, 2003), baseada no reconhecimento
de que a situação no país constituía uma ameaça à estabilidade em toda a região da África
Ocidental, bem como à paz e à segurança internacionais. Em situações como essas, a ONU
teria a responsabilidade de intervir para proteger a vida e o bem-estar da população (ICISS,
2001) e de reconstruir as instituições e a infraestrutura do Estado, como forma de garantir a
preservação da segurança humana a longo prazo (ONU, 2003).
De forma geral, a conclusão desses diagnósticos parece ter sido que o acordo básico de
coexistência entre os Estados, baseado na troca de reconhecimento de jurisdições soberanas e
na prerrogativa de agir como guardiães legítimos dos interesses de cada comunidade política
(BULL, 2002), teria se tornado insuficiente para garantir a paz. Se considerar-se o relativo
sucesso em consolidar tais diagnósticos como enunciados válidos, é possível tomar o final da
Guerra Fria como um momento de reabertura – pelo menos parcial – do embate discursivo
sobre o estatuto da soberania, especialmente no que se refere às regras de autodeterminação e
não intervenção, como forma de organizar as relações no plano internacional. A releitura com
lentes foucaultianas permite perceber que, ao chamarem atenção para as raízes internas dos
conflitos internacionais, tais discursos acabaram por reconstruir a população como
personagem político para as relações internacionais. Um personagem já conhecido pelos
Estados desde o século XVIII (FOUCAULT, 1979a), mas que, até então, não havia sido
enquadrado como um problema a ser tratado nas relações entre eles. Assim, várias questões
relacionadas à população foram classificadas como problemas internacionais e desafios à
própria ordem estatal.
A recolocação do problema da população e de como conduzi-la em termos sistêmicos
desafiou a premissa de que os Estados soberanos seriam os guardiões legítimos da ordem
internacional, tomada como dada nas teorias tradicionais de Relações Internacionais. Esse
desafio funcionou como condição de possibilidade para que técnicas governamentais fossem
apropriadas como instrumentos para a produção de estabilidade no sistema internacional. A
produção dessa estabilidade passaria pela atualização dos instrumentos de governo, o que
seria facilitado por um conjunto de metodologias pré-testadas e comprovadamente eficientes,
definidas como ―boas práticas‖.
O desenvolvimento e a difusão dessas boas práticas pode ser reinterpretado como um
desbloqueio da arte de governar populações no domínio internacional, o que indicaria uma
tentativa de sistematização de técnicas governamentais dispersas como parte de um projeto
político de governança desse espaço social. Com isso, o Estado
117
[...] re-emerge simultaneamente como resultado de técnicas de governo e como um
princípio que integra simbolicamente essas práticas governamentais diversas em
uma redenção da comunidade política, [assim] a questão central é se e em que
medida o estado realmente funciona como princípio e domínio de aplicação dessas
técnicas de governo (HUYSMAN, 2006, p. 41-42, tradução livre). 109
Quando a governamentalização passou a ser articulada internacionalmente como um
conjunto de técnicas de governo voltadas para um horizonte de estabilidade, tornou-se
necessária a redefinição dos lugares e papéis desempenhados por indivíduos e populações no
sistema internacional. Entre as propostas que pretendiam dar conta dessa redefinição, ganhou
força uma versão atualizada do liberalismo do século XVIII, cuja particularidade estava na
construção de um aparato que possibilitaria a operacionalização de seu caráter universalista,
agora também, no domínio internacional. 110
A expressão máxima dessa nova aposta do
liberalismo foi a ideia de Paz Democrática, que tem como pano de fundo a crença na
democracia como o princípio, por excelência, de arranjos institucionais capazes de conduzir o
sistema internacional à paz.
Para os defensores da paz democrática, dado que os indivíduos compartilhariam o
interesse natural pela paz e que instituições democráticas garantiriam a liberdade e a
passagem das preferências dos cidadãos para a dimensão da tomada de decisão estatal, a
vigência de regimes democráticos seria capaz de constranger possíveis comportamentos
agressivos dos Estados democráticos, uns em relação aos outros. De acordo com essa lógica, a
difusão do modelo liberal-democrático implicaria a consolidação de padrões de governança
que informariam a conduta interna e internacional dos Estados, tendo como base a primazia
do indivíduo. Nesse sentido, é importante notar que a noção de paz democrática pressupõe a
existência de um conjunto de características e direitos fundamentais, inerentes à condição
humana, que devem ser garantidos incondicionalmente. Tal afirmação revelaria o caráter
cosmopolita do liberalismo, que o tornaria passível de universalização e aplicação em um
leque populacional diverso, como mecanismo de estabilização política e social. Na
modernidade recente, esse passo lógico teria autorizado democracias liberais a falar em nome
109 […] re-emerges as both an outcome of techniques of government and as a principle that symbolically integrates these diverse governmental practices into a rendition of political community, [thus] the central
question is whether and the degree to which the state functions indeed as the principle and domain of application
of these techniques of government. 110 Uma das características centrais do liberalismo é sua pretensão de realizar modelos universais. Entretanto, até
esse momento, tal pretensão esteve articulada a uma lógica de soberania exclusivista, que afirma que o melhor
caminho para se chegar à universalidade seriam desenvolvimentos particulares, empreendidos pelos estados. A
ideia defendida aqui é que os discursos que se apropriaram da lógica liberal no pós Guerra Fria, em especial o da
Paz Democrática, propõem novos caminhos para a concretização de ideais universais, abrindo espaço para que a
sociedade civil ou arranjos multilaterais possam participar do processo.
118
de um novo referente político, a população, que, agora dotada de características universais,
passaria a ser confundida com a própria humanidade.
Esse duplo movimento, por um lado, de redefinição da população como um problema
em termos de ameaças difusas para dentro e para fora das fronteiras do Estado; e, por outro,
de contenção e condução dessa população – entendida como humanidade – nos termos da Paz
Democrática, teria permitido o ―desbloqueio da arte de governo‖ no espaço social
internacional. Além disso, teria criado condições para a emergência da governamentalidade
como uma estratégia para ordenar as relações sociais, que se coloca como alternativa à lógica
até então predominante da balança de poder. 111
Ainda que não seja possível falar em uma
vitória absoluta do discurso liberal-democrático como resposta à configuração atual do
problema da população, pode-se afirmar que o conjunto de seus princípios tem sido
efetivamente traduzido em uma série de técnicas, competências e saberes específicos. Esse
aparato reformulou a arte de governo de acordo com métodos que não se sustentam apenas na
relação doméstica cidadão/Estado; orientam-se por certos tipos de identidades e
comportamentos considerados legítimos e efetivos na sociedade internacional. A
operacionalização desse conjunto de princípios pode ser lida como um esforço de
rearticulação internacional da governamentalidade.
4.3 Governamentalização internacional pela via liberal-democrática
Uma das condições para que certos discursos normativos possam emergir e cristalizar-
se na conformação dos sujeitos é a existência de estratégias políticas que os sustentem, ainda
que tais estratégias possam carregar consigo discursos conflitantes (RANSOM, 1997). O
discurso liberal, articulado nos termos da Paz Democrática, consolidou-se pela pluralização e
constante atualização de técnicas governamentalizantes, destinadas a adequar sujeitos às
(boas) artes de governo. O trunfo da estratégia política que orienta esse discurso está na
afirmação da universalidade do modelo liberal-democrático, por meio de dois passos:
primeiro, a estabilização das vontades dos indivíduos, entendidas como derivadas da própria
111 Durante os séculos XVII, XIX e XX, o princípio da balança de poder entre os Estados foi amplamente
reconhecido tanto pelas práticas quanto pelo pensamento político daquele período. Atualmente, apenas a escola
realista argumenta a preponderância desse principio, como sendo o único capaz de garantir a ordem nas relações
internacionais, desconsiderando aspectos normativos (RENGGER, 1999). Por isso, enquanto a lógica da balança
de poder foi capaz de subjugar discursos de ordem concorrentes, não havia espaço para a problematização das
artes de governo no âmbito internacional, uma vez que a razão de estado se sobressaía à lógica da população.
119
condição humana, e não mais do pertencimento a uma sociedade ou Estado específico; e
segundo, a proposição de um modelo institucional, também universal, para garantir a
realização dessas vontades, qual seja, a democracia.
Seguindo esse raciocínio, os homens compartilhariam valores que se sobreporiam à
ordem dos Estados, o que possibilitaria a criação de padrões e instrumentos sistêmicos de
governança, que deveriam orientar a conduta dos Estados no que tange à garantia de direitos e
interesses fundamentais dos indivíduos, e até mesmo à prerrogativa de agir em caso de falha
de outros Estados na proteção desses direitos. 112
Isso seria possível na medida em que, por
ser capaz de identificar um modelo universal de indivíduo, a lógica liberal forneceria
elementos para prever não só seus interesses, como também as possíveis causas de conflitos
entre eles e entre os Estados. O raciocínio liberal ofereceria ainda modelos de arranjos
institucionais destinados a tratar essas causas e prevenir a ocorrência ou a recorrência dos
conflitos. Logo, a difusão desses arranjos – baseados em princípios democráticos e liberais –
seria a grande estratégia para reorganizar comunidades políticas; conter e proteger
populações; e, consequentemente, manter a paz no sistema internacional.
A relação entre a democratização dos Estados e a paz internacional, como formulada
pelos liberais, ganhou espaço privilegiado nas propostas de edificação de um novo
ordenamento internacional, formuladas pelas organizações internacionais no pós Guerra Fria.
Especialmente no campo das operações de paz, ela serviu de base para repensar a atuação
dessas organizações em casos de guerra e processos de reconstrução, como o que está em
curso na Libéria. Nesse sentido, a ONU afirma que
a expansão da democracia é uma das tendências mais animadoras dos últimos anos.
Só a democracia permite que as questões de um país sejam conduzidas – e seu
desenvolvimento direcionado – de forma a atender aos interesses e anseios dos povos. A democracia cria condições para que a proteção dos direitos fundamentais
dos cidadãos fique assegurada. É ela que provê a base mais sólida para a paz e a
estabilidade nas relações internacionais (CGG, 1996, p.43).
Entretanto, a própria ONU reconhece que, apesar de seus atrativos – especialmente
ligados às políticas de proteção aos direitos – a democracia não seria capaz de se difundir e se
consolidar no sistema internacional espontaneamente. A constituição de uma ordem
internacional democrática e pacífica dependeria da capacidade de seus defensores de atrair
112 Buchanam e Keohane (2004), por exemplo, defendem a criação de arranjos institucionais ―desenvolvidos para
proteger países vulneráveis contra intervenções injustificadas [...], de modo a garantir que as regras que regulam
o uso preventivo da força sejam aplicadas de maneira justa‖ (p.1). No original, ―designed to help protect
vulnerable countries against unjustified interventions [...], ensuring the fairness of rules governing the preventive
use of force‖.
120
novos adeptos, compelindo os Estados a promover a paz e a tentar evitar a guerra. Os
resultados das políticas de desenvolvimento econômico seriam um dos grandes atrativos dessa
nova ordem, trazendo prosperidade e progresso a seus participantes. Isso porque a difusão das
trocas econômicas via mercado possibilitaria a configuração de um acordo de divisão
internacional do trabalho cooperativo, que permitiria que os Estados aproveitassem suas
vantagens comparativas, gerando bem-estar material, fortalecendo a formação de alianças e de
laços de interdependência (DOYLE, 1996). 113
Apoiadas na lógica liberal, as Organizações Internacionais definiram o
desenvolvimento como elemento fundamental para a difusão da democracia – portanto, para a
paz sistêmica –, e assumiram uma relação de complementaridade entre o que seriam os três
pilares da nova ordem internacional: paz, democracia e desenvolvimento. Para a ONU,
a construção da paz, como descrita em ‗Agenda para a Paz‘, requer o fortalecimento
daquelas instituições que mais contribuem para consolidar o senso de confiança e
bem-estar entre as pessoas. Torna-se cada vez mais claro que os elementos
fundamentais desse processo são a democracia e o desenvolvimento. As
democracias raramente entram em choque. A democratização sustenta a causa da
paz. A paz, por sua vez, é pré-requisito do desenvolvimento. Portanto, a democracia
é essencial para que o desenvolvimento se sustente ao longo do tempo. E sem
desenvolvimento não há democracia. As sociedades que não dispõem de um mínimo
de bem-estar tendem a entrar em conflito. Por isso, essas três grandes prioridades
estão interligadas (BOUTROS-GHALI, 1993, apud, CGG, 1996, p.44).
A crença na interdependência entre essas três prioridades constituiu a base dos
projetos de reestruturação dos mecanismos de governança internacional propostos pelas
organizações internacionais no pós Guerra Fria. Neles, democracia, desenvolvimento e paz
foram relacionadas à vontade popular e definidas, simultaneamente, como objetivo universal e
funcional dessas organizações (ZANOTTI, 2005), credenciando-as como promotoras e
gestoras do que seria uma nova ordem. Como parte dessa tarefa, caberia ao corpo técnico das
OIs traduzir o ideal da paz democrática em princípios e técnicas efetivas de governo, capazes
de conduzir sociedades e indivíduos a esse ideal. Como foi discutido na análise da operação
de paz na Libéria (2003-2008), a essa tradução ocorreu, em parte, pela divisão do processo de
reconstrução do Estado em três áreas – segurança, assistência humanitária e assistência ao
desenvolvimento, que teriam como objetivos principais assegurar a interrupção definitiva dos
conflitos violentos; dar início à reconstrução das instituições e da infraestrutura do Estado,
proteger e prestar assistência a ex-combatentes e civis, em especial refugiados e IDPs,
113 Além disso, a ampliação da dimensão do mercado na vida das sociedades acabaria por retirar uma série de
decisões da esfera dos estados, deixando-os fora de muitas crises (DOYLE, 1996).
121
recuperar atividades produtivas e recriar as bases para o desenvolvimento sustentável. Pela
descrição dos componentes e elementos das três áreas, foi possível perceber que esses
objetivos seriam alcançados por medidas como: realização de eleições nacionais livres e
democráticas; reconstrução das instituições estatais, ancorada em princípios como direitos
humanos, participação, transparência e accountability; consolidação do primado da lei;
reforma do setor de segurança; ampliação da capacidade nacional de gerenciamento e
reforma; provisão de serviços básicos à população e garantia da segurança alimentar;
recuperação da atividade econômica; e utilização dos recursos naturais de forma equitativa e
sustentável, de modo a promover o bem-estar para toda a população. Essas medidas se
repetem entre as três áreas e têm sido descritas nos arranjos multilaterais como formas de
garantir que o Estado reconstruído seja capaz de cumprir sua responsabilidade com a
população, conduzindo-a ao caminho da segurança, da democracia, do desenvolvimento, e,
sobretudo, da paz; ou, simplesmente, como difusão de práticas de ‗boa governança‘.
O conceito de boa governança foi elaborado, inicialmente, pelo Banco Mundial, que
acabou transformando-se em ator central para sua difusão e definição como racionalidade
política das principais organizações internacionais nos anos 1990 (ZANOTTI, 2005). O
Banco definiu governança como ―a maneira pela qual o poder é exercido na gestão dos
recursos econômicos e sociais de um país, com vistas ao seu desenvolvimento‖ (BANCO
MUNDIAL, 1992 apud ZANOTTI, 2005, p.5, tradução livre). 114
A boa governança, por sua
vez, ―[...] se refere à eficiência do serviço público; primado da lei e respeito aos contratos; à
eficiência do setor judiciário; respeito aos direitos humanos; imprensa livre e uma estrutura
institucional pluralista‖ (ZANOTTI, 2005, p.5 tradução livre). 115
Observando essas
definições, é possível perceber que a noção de boa governança, como formulada pelo Banco
Mundial, se apoia na crença liberal de que a existência de boas instituições seria a chave para
o bom funcionamento das relações políticas e sociais, regulando, controlando e transformando
a vida das populações de modo a conduzi-las à paz e ao desenvolvimento. Como percebe
Moynihan, ―a verdade central dos conservadores é que a cultura, e não a política, determina o
êxito de uma sociedade. A verdade central dos liberais é que a política pode mudar a cultura e
salvá-la de si mesma‖ (apud HARRISON; HUNTINGTON, 2002, p.13).
Pouco a pouco, a boa governança tornou-se um dispositivo em torno do qual as
organizações internacionais passaram a propor e desenvolver aparatos para subsidiar a
114 ―The manner in which power is exercised in the management of a country's economic and social resources for
development‖. 115 ―[…] refers to efficiency in public service, rule of law with regard to contracts, an effective judiciary sector,
respect for human rights, a free press, and pluralistic institutional structure‖.
122
expansão universal do modelo liberal-democrático, como pré-condição para a manutenção da
paz. Como parte desse esforço, em 1997, a ONU definiu a boa governança como conceito
central para a reestruturação de suas atividades voltadas para a manutenção da paz e da
estabilidade internacionais. Tais atividades passaram a ter como foco a otimização de arranjos
institucionais considerados adequados, entendidos como meios para canalizar demandas
sociais e fazer com que estas sejam discutidas e equacionadas de forma não violenta. 116
O
caso da Libéria ilustra bem esse trabalho, que, além das instituições próprias do Estado,
também tem em vista o apoio à construção e ao fortalecimento de organizações da sociedade
civil ou de base comunitária, como, por exemplo, grupos de defesa dos direitos humanos ou
relacionados à imprensa, em um horizonte de participação democrática e educação para a paz.
Para Zanotti (2005),
a boa governança é um projeto global de engenharia estatal que trata das instituições
do estado, mas não se limita a tanto. Ela também promove programas de
institucionalização difusa de processos sociais [...]. Isso leva à difusão capilarizada
de mecanismos institucionais no corpo social, à proliferação de processos
codificados e à padronização das informações, de modo que as demandas sociais
possam ser canalizadas, compreendidas e processadas pelos centros de governo (p.7,
tradução livre). 117
Com isso, alguns processos essenciais, como a produção de diagnósticos, classificação
e categorização daquilo que se considera o sujeito/objeto a ser normalizado, bem como o
próprio processo de governamentalização daqueles que ainda não desfrutam do status de
―bons membros‖ da comunidade internacional são reconfigurados transnacionalmente, 118
permitindo a emergência de artes de governo que circunscrevem a arena internacional como
um todo. A formulação e disseminação dessas artes de bom governo permitiriam às
organizações internacionais atuarem de forma mais direta no conhecimento e controle das
116 De acordo com Zanotti (2005), a ONU descreve as atividades com esse propósito como formas de promover
o empoderamento da sociedade civil. Essas atividades visam facilitar a construção de um conjunto de
instituições (ONGs, partidos, grupos de interesse e assim por diante) interessadas em recolher as demandas dos
cidadãos e canalizá-las para os centros de decisão, bem como em prover serviços sociais. 117 Good governance is a global project of state engineering that addresses, but does not limit itself to, state
institutions. It also promotes programs of diffused institutionalization of social processes […]. This process leads to a capillary diffusion into the social body of institutional mechanisms, a proliferation of codified processes, and
a standardization of information so that social demands can be channeled, understood, and processed by
governing centers. 118 Para Huysman (2006), ―a questão é como a transnacionalização das técnicas para governar a insegurança
estão moldando e integrando práticas dispersas na forma de domínios políticos transnacionais, como sociedades
em rede, nas quais as práticas tanto de governo quanto da liberdade são exercidas‖ (p.42 tradução livre). No
original, ―the question is how the transnationalization of techniques of governing insecurity are modulating and
integrating dispersed practices into transnational political domains, such as a network society, where the practice
of both freedom and government is exercised‖.
123
populações, evidenciando o esforço desses organismos para a sistematização da
governamentalidade na esfera internacional.
Nesse sentido, o Banco Mundial, desenvolveu uma série de indicadores para medir os
graus de governança alcançados por 212 países e territórios, que dizem respeito ao que seriam
as seis dimensões da governança, de acordo com o Banco: (i) voz e accountability,
relacionada à participação popular, liberdade de expressão, associação e imprensa; (ii)
estabilidade política e ausência de violência, que avalia a estabilidade e a probabilidade do
governo ser destituído por meios inconstitucionais ou violentos; (iii) efetividade do governo,
que diz respeito à qualidade e independência em relação a pressões políticas dos serviços
públicos e civis, à qualidade da formulação e implementação de políticas e à credibilidade do
comprometimento do governo para com essas políticas; (iv) qualidade da regulação, que trata
da habilidade do governo para formular e implementar políticas e regulações relevantes, que
permitam e promovam o desenvolvimento do setor privado; (v) primado da lei, relacionado à
confiança e obediência às regras da sociedade, particularmente cumprimento de contratos,
direitos de propriedade, polícia, tribunais e probabilidade de ocorrência de crimes ou
violência; e (vi) controle da corrupção, associado à utilização do poder público para a
consecução de benefícios privados (KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI, 2009a).
Os dados da pesquisa são coletados anualmente, desde 1996, pelo próprio Banco
Mundial, organizações internacionais, agências de análise de risco, ONGs, agências
multilaterais e governamentais e organizações do setor público. De acordo com o Banco,
esses dados não são utilizados diretamente na alocação de recursos entre os países; todavia,
servem como parâmetro para propostas de melhoria dos padrões de governança, bem como
para análises de risco realizadas por investidores e até mesmo doadores (KAUFMANN;
KRAAY; MASTRUZZI, 2009a). O mau desempenho dos países em relação à governança é
frequentemente apontado como uma das principais causas dos conflitos internos, como
ocorre, por exemplo, na análise da UNDAF (2003) sobre a guerra civil na Libéria, que
relaciona a má governança à pobreza e à violência. Consequentemente, o documento prevê
que o processo de reconstrução do Estado deveria enfocar a melhoria institucional como
forma de prevenir a retomada do conflito (UNDAF LIBERIA, 2003). Tanto o diagnóstico
quanto a profilaxia propostos na UNDAF parecem ser endossados pela análise dos
indicadores de governança na Libéria, realizada pelo Banco Mundial, conforme apresentação
nos Gráficos 2 a 7.
124
Gráfico 2: Voz e Accountability na Libéria (1996-
2008) Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,
2009b
Gráfico 4: Estabilidade Política na Libéria (1996-
2008)
Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,
2009b
Gráfico 6: Efetividade do Governo na Libéria
(1996-2008) Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,
2009b
Gráfico 3: Qualidade da Regulação na Libéria
(1996-2008)
Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,
2009b
Gráfico 5: Primado da Lei na Libéria (1996-2008)
Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,
2009b
Gráfico 7: Controle da Corrupção na Libéria (1996-
2008)
Fonte: KAUFMANN; KRAAY; MASTRUZZI,
2009b
125
Nos gráficos, pode-se observar que o desempenho do país em quase todos os
indicadores é extremamente ruim no período que antecede a guerra. A partir da instituição da
UNMIL (2003) e do início do processo de reforma do Estado, os indicadores começam a
apresentar melhora, o que coincide com a ampliação do fluxo de assistência humanitária
(CAP, 2003) e ao desenvolvimento (UNDAF, 2003). A presença da ONU possibilitou a
retomada, em 2003, da concessão de recursos do Banco Mundial à Libéria – que esteve
suspensa por mais de uma década –, como parte do programa de reconstrução (BM, 2009).
Entretanto, a normalização das relações entre o país e o Banco só ocorreu em 2007, depois da
consolidação do governo eleito, quando a Libéria pôde, inclusive, se beneficiar do alívio
parcial das dívidas, concedido a países pobres altamente endividados (BM, 2009). No ano
seguinte, acompanhando a conclusão da fase inicial das reformas empreendidas pelo governo
e a melhoria dos índices de governança, o Fundo Monetário Internacional também retomou
suas relações com a Libéria (LIBÉRIA, 2008).
De acordo com Zanotti (2005),
a boa governança, semelhante ao governo governamentalizado de Foucault,
multiplica os instrumentos para conhecer populações e transformar massas
indistintas em ‗sociedades civis‘. Ela promove mecanismos plurais, capilarizados e
difusos para conhecer, ordenar e realizar cálculo em relação a espaços indistintos e
desregulados ( p.7, tradução livre). 119
Esses espaços indistintos coincidem com as localidades ainda não normalizadas pelas artes da
boa governança. No discurso da paz democrática, o subdesenvolvimento e a ausência de
democracia caracterizariam esses espaços como inseguros, construindo-os como outsiders em
relação à nova sociedade internacional, e também como ameaças à forma de existência agora
defendida por ela, cada vez mais relacionada aos conteúdos da liberdade e da democracia.
Com isso, a preservação do modo de vida liberal-democrático depende da sua capacidade de
colonizar suas fronteiras, transformando as sociedades tidas como perigosas por meio de
arranjos institucionais eficientes que as conduziriam à modernização.
Se até a Guerra fria, as preocupações de expansão de normas internacionais limitaram-
se a garantir a sujeição das comunidades políticas (em especial os recém-descolonizados) ao
ideal regulatório oferecido pela forma do Estado soberano, e a estabilizar a relação entre eles
na dimensão sistêmica, de acordo com a lógica bipolar, o fim da ameaça soviética permitiu
uma rearticulação espaço-temporal em que a pertença à sociedade internacional ganhou um
119 Good governance, similarly to Foucault's governmentalized government, multiplies instruments for knowing
populations and transforming indistinct masses into ‗civil societies‘. It promotes plural, yet capillary and
widespread mechanisms for knowing, ordering, and calculating unregulated and indistinct spaces.
126
conteúdo claro, enraizado em estruturas de sentido liberais. Segundo Walker (2006), mais
recentemente, a autorização para a participação de indivíduos e Estados nessa sociedade tem
passado por um processo de convergência entre critérios temporais e espaciais, nos quais
padrões de organização interna dos Estados nacionais foram elencados entre os requisitos
básicos para o estabelecimento da ordem e a manutenção da integridade sistêmica. Com
efeito, observou-se uma mudança
[...] da forma para substância, do mero sujeito/soberano moderno para a expressão
apropriada da democracia modernizante, de maneira a intensificar a contradição
entre a regra que afirma a jurisdição doméstica e a regra que afirma a necessidade de
incluir/excluir jurisdições domésticas em nome da integridade sistêmica (WALKER,
2006, p.72, tradução livre). 120
Com isso, características referentes à ordem interna, como democracia e economia de
mercado, foram classificadas como novos atributos para legitimar a condição de Estado
soberano e a participação como membro no sistema de Estados (WALKER, 2006). Esse
processo, no qual a essência dos sujeitos modernos passa a ser articulada internacionalmente,
cria espaço para que a delimitação de fronteiras entre normal/anormal seja desenhada com
base em modelos universais. Essa reivindicação de universalidade permite que a prerrogativa
de tomada de decisão seja, em alguma medida, transferida das mãos do soberano para as de
burocratas internacionais, que detém conhecimento específico sobre as boas práticas de
governo e acreditam fielmente em suas técnicas como sendo as mais racionais e acertadas, de
forma que aparências de soberania tomam forma no campo da governamentalidade (JABRI,
2006; BUTLER, 2004). A governamentalização internacional implica, assim, uma articulação
específica entre poder e conhecimento, na qual questões politicamente controversas são
tecnicamente enquadradas por meio de uma linguagem neutra que ―tem como objetivo criar
visibilidade no lugar da obscuridade, transparência no lugar da opacidade, accountability no
lugar da corrupção, eficiência no lugar da redundância, efetividade no lugar da imprecisão,
direitos no lugar dos abusos, primado da lei no lugar da imprevisibilidade‖ (ZANOTTI, 2005,
p.13 tradução livre). 121
Esse processo fica evidente no caso da reconstrução da Libéria, no qual técnicas
voltadas para a produção de ordem interna foram idealizadas e implementadas por atores
120 […] from form to substance, from the merely modern sovereign/subject to the appropriate expression of
modernizing democracy, so as to intensify the contradiction between the rule affirming domestic jurisdiction and
the rule affirming the need to include/exclude domestic jurisdictions on grounds of systemic integrity. 121 ―aims at creating visibility out of obscurity, transparency out of opacity, accountability out of corruption,
efficiency out of redundancy, effectiveness out of aimlessness, rights out of abuses, rule of law out of
unpredictability‖.
127
internacionais. Nesse sentido, a pretensa universalidade dos modelos não só deu azo à
participação direta e multidimensional desses atores, como também possibilitou a enorme
convergência entre as políticas desenvolvidas por eles no país, conforme mostrado no
diagrama de distribuição das políticas de reconstrução na Libéria, no capítulo anterior (p.104).
Paralelamente, o enquadramento técnico das questões governamentais levou à especialização
dos atores envolvidos nas missões de paz, dedicados a alterar pequenas partes do quadro geral
encontrado no país, sob coordenação da ONU. Tanto a especialização das agências, divididas
entre OMP, assistência humanitária e assistência ao desenvolvimento, quanto a coordenação
das atividades, realizada pela ONU, foram ilustradas pelo outro diagrama, também
apresentado no capítulo anterior (p.106), que mostra a distribuição das organizações e
agências que participam da reconstrução.
4.4 Segurança, desenvolvimento e transformação social na Libéria
Para Mark Duffield (2001), como resultado do processo de globalização, ―[...] houve
uma notável transformação de relações hierárquicas, territoriais e burocráticas de governo
para relações mais poliárquicas, não territoriais e interligadas de governança‖ (p.11, tradução
livre). 122
Tal transformação funcionaria como condição de possibilidade para a emergência de
redes de governança global, bem como para uma nova articulação entre os discursos de
segurança e desenvolvimento. Essa nova articulação discursiva seria marcada por dois
processos que se complementam: por um lado, a reproblematização da segurança, na qual o
subdesenvolvimento passou a ser entendido como perigoso; e, por outro, a radicalização do
desenvolvimento, que passou a implicar a transformação das sociedades como um todo
(DUFFIELD, 2001).
Tanto a reproblematização da segurança quanto a radicalização do desenvolvimento
podem ser claramente identificadas nos diagnósticos e tratamentos propostos pelas
organizações e agências internacionais, e até pelo próprio governo nacional, em relação ao
conflito na Libéria. A UNDAF (2003), por exemplo, defendeu a existência de uma relação de
causalidade mútua entre subdesenvolvimento e conflito, que teria sido a responsável pela
122 ―[…] there has been a noticeable move from hierarchical, territorial and bureaucratic relations of government
to more polyarchical, non-territorial and networked relations of governance‖.
128
violência e pelo agravamento dos problemas humanitários no país. De acordo com o
documento,
um ciclo vicioso entre conflito armado, proliferação de pequenas armas, alto índice
de desemprego, especialmente entre os jovens, governança precária e o comércio
ilícito de recursos minerais, como diamantes e madeira, que alimentavam o conflito,
exacerbaram o espiral de violência e pobreza que impediu a resolução do conflito, a
recuperação sustentada e o respeito pelo primado da lei e pelos direitos humanos.
Combinados, o conflito e a pobreza levam ao subdesenvolvimento, que, por sua vez,
promove mais conflito e mais pobreza. Assim, o trio formado por pobreza, conflito e subdesenvolvimento cria um jogo de ‗soma zero‘, no qual o desenvolvimento
humano sustentável fica comprometido (UNDAF LIBERIA, 2003, p. 5, tradução
livre). 123
Essa mesma relação entre subdesenvolvimento e conflito foi recuperada pelo governo
da Libéria, em 2008, para descrever as causas do colapso do Estado nos anos anteriores.
Baseado em dados do Banco Mundial, o governo traçou um paralelo entre exclusão e
marginalização de parte da população das instituições de governança e do aproveitamento de
recursos econômicos; governança precária; má administração dos recursos do país; corrupção;
colapso econômico; e aumento das tensões políticas e da violência ao longo dos anos,
culminando na explosão da guerra civil (LIBÉRIA, 2008). Essa relação foi ilustrada pelo
Gráfico 8, reproduzido a seguir.
123 A vicious circle between armed conflict, the proliferation of small arms, a high level of unemployment,
particularly among youths, weak governance, and the illicit trade of mineral resources, such as diamonds and
timber, used to fuel the conflict have exacerbated a spiral of violence and poverty that have hindered conflict
resolution, sustained recovery and respect for the rule of law and human rights. Combined, both conflict and
poverty lead to underdevelopment, which in turn, promotes more conflict and more poverty. Accordingly, the
trio of poverty, conflict, and underdevelopment conspire and create a ―zero-sum‖ game in which sustainable
human development is ultimately compromised.
129
Gráfico 8: Performance econômica (evolução do PIB per capita em dólares norte-
americanos) e tensão política na Libéria (1960-2005)
Fonte: LIBÉRIA, 2008, p.14.
Reforçando a causalidade, o governo, assim como a UNDAF (2003) ressaltam a
relação entre os efeitos do conflito e o agravamento do quadro de subdesenvolvimento do
país, constatado por meio de dados do FMI que demonstram a piora de todos os indicadores
econômicos, bem como de provisão de serviços, que revelam a deterioração da infraestrutura
(LIBÉRIA, 2008). A Tabela 1, reproduzida a seguir, reúne esses indicadores.
TABELA 1
Valores adicionados por setor na Libéria (1987-2005), em dólares norte-americanos
1987 2005
Redução
(%)
PIB Real 1167 401,7 65,6
Agricultura e Pesca 368,7 177,9 51,8
Borracha 59,9 41,5 30,7
Café 0,9 0,1 90,8
Cacau 5,9 1,2 79,5
Arroz 117,1 28,4 75,7
Mandioca 57,4 44 23,3
Outros 127,6 62,7 50,9
Silvicultura 56,6 59 -4,3
Troncos e tábuas 34,4 0 100
Carvão e Lenha 22,2 59 -166,2
Mineração e Garimpo 124,9 0,7 94,4
Minério de Ferro 116,2 0 100
Outros 8,7 0,7 91,9
130
Manufatura 86,9 51,7 40,5
Cimento 23 14,9 35,5
Bebidas e Cerveja 52,5 33,7 35,9
Outros 11,4 3,2 71,8
Serviços 529,9 112,3 78,8
Água e Eletricidade 18,2 2,7 85,3
Construção 39 8 79,4
Comércio, Hotéis, etc 71,5 19,2 73,1
Transportes e Comunicação 89,5 27,6 69,2
Instituições Financeiras 141,8 10 93
Serviços Governamentais 129 31,5 75,6
Outros Serviços 40,9 13,3 67,4
Adaptado de: LIBÉRIA, 2008, p.16
Em ambos os documentos, a intervenção da ONU é descrita como uma oportunidade
para quebrar o ciclo de subdesenvolvimento e conflitos e recolocar a Libéria no caminho da
paz e do desenvolvimento sustentável. Para trilhar esse caminho, contudo, ―a sociedade
propícia ao conflito que se encontra na Libéria precisa dar lugar a uma sociedade de paz,
tolerância, justiça e acesso igual às oportunidades‖ (UNDAF LIBERIA, 2003, p.5, tradução
livre). 124
Segundo Mark Duffield (2001), quando as modalidades de subdesenvolvimento são
tomadas como perigosas, a relação entre segurança e desenvolvimento se modifica e a
transformação das sociedades pela substituição de valores e modos de organização
tradicionais pelos liberais torna-se condição fundamental para o estabelecimento de um tipo
específico de paz, a saber, a paz liberal, que
combina e mescla ‗liberal‘ (como nas doutrinas liberais políticas e econômicas
contemporâneas) com ‗paz‘ (a atual predileção política com vistas à resolução de
conflitos e à reconstrução social). Reflete o atual consenso de que a melhor
abordagem para o conflito no Sul é um conjunto de medidas conectadas de melhoria,
harmonização e, especialmente, transformação. Ainda que isso possa incluir a
provisão de alívio imediato e assistência para a reabilitação, a paz liberal incorpora
um humanitarismo novo, ou político, que dá ênfase a coisas como resolução e prevenção de conflitos, reconstrução de redes sociais, fortalecimento de instituições
civis e representativas, promoção do primado da lei e reforma do setor de segurança
no contexto de uma economia de mercado efetiva. Em muitos aspectos, ainda que
124 ―Liberia's conflict prone society has to give way to an enbling society of peace, tolerance, justice and equal
access to opportunities‖.
131
contestada e longe de estar garantida, a paz liberal reflete uma agenda radical de
desenvolvimento e transformação social (DUFFIELD, 2001, p.11, tradução livre).125
A paz liberal, portanto, pode ser entendida como um projeto político em si mesmo,
cujo objetivo seria prevenir conflitos e ―transformar as sociedades disfuncionais e afetadas
pela guerra que se encontram em suas fronteiras em entidades cooperativas, representativas e,
especialmente, estáveis‖ (DUFFIELD, 2001, p.11, tradução livre). 126
A promoção e
preservação dessa paz se dão pela atuação de complexos estratégicos, redes de atores
―estatais-não-estatais, militar-civis e público-privados na busca de seus objetivos‖
(DUFFIELD, 2001, p.12, tradução livre). 127
Nesse emaranhado de atores, encontram-se
―ONGs internacionais, governos, estabelecimentos militares, Instituições Financeiras
Internacionais, companhias de segurança privada, Organizações Governamentais
Internacionais, o setor privado, entre outros‖, que podem ser considerados ―estratégicos no
sentido de perseguirem uma agenda radical de transformação social, interessados na
estabilidade global‖ (DUFFIELD, 2001, p.12, tradução livre). 128
Essa nova concepção de paz sugere a consolidação de um nexo discursivo entre
segurança e desenvolvimento, amarrado pela transformação das sociedades por meio do
transplante de instituições e práticas de boa governança, informadas pelo corolário da
democracia liberal. Inicialmente, a operação desse transplante seria feita pelas redes de atores
chamadas por Duffield (2001) de complexos estratégicos. Contudo, a conclusão desse
processo, e, de forma mais ampla, seu sucesso seriam evidenciados pela capacidade das
estruturas governamentais de passar a formular demandas por meio dos padrões e canais
institucionais criados pelos parceiros internacionais responsáveis pela reconstrução. Assim, a
condução da conduta dos indivíduos por parte do governo teria que incorporar a arte da boa
governança, como articulada internacionalmente, o que permitiria a esses países se
125 Combines and conflates ‗liberal‘ (as in contemporary liberal economies and political tenets) with ‗peace‘ (the
present policy predilection towards conflict resolution and societal reconstruction). It reflects the existing
consensus that conflict in the South is best approached through a number of connected, ameliorative,
harmonizing and, especially, transformational measures. While this can include the provision of immediate relief
and rehabilitation assistance, liberal peace embodies a new or political humanitarianism that lays emphasis on
such things as conflict resolution and prevention, reconstructing social networks, strengthening civil and representative institutions, promoting the rule of law, and security sector reform in the context of a functioning
market economy. In many respects, while contested and far from assured, liberal peace reflects a radical
developmental agenda of social transformation. 126 ―[…] to transform the dysfunctional and war-affected societies that it encounters on its borders into
cooperative, representative and, especially, stable entities‖. 127 ―[...] state-non-state, military-civilian, and public-private actors in pursuit of its aims‖. 128 ―[...] international NGOs, governments, military establishments, IFI‘s, private security companies, IGOs, the
business sector, and so on. They are strategic in the sense of pursuing a radical agenda of social transformation in
the interests of global stability‖.
132
recolocarem na confluência entre consolidação da paz, promoção do desenvolvimento e
recuperação da capacidade de agência no sistema internacional.
Na linguagem proposta pela Doutrina Capstone (2008), uma das evidências da
chegada desse momento seria a elaboração de um documento, no qual o governo nacional
eleito traduzisse a consolidação da paz e da segurança nos termos de uma Estratégia de
Redução da Pobreza (PRS), reforçando o nexo entre segurança e desenvolvimento. Para
lembrar a sucessão das fases de reconstrução descrita pela Doutrina – estabilização,
consolidação da paz e recuperação e desenvolvimento a longo prazo – a Estratégia de
Redução da Pobreza estaria na transição entre a segunda e a terceira fase, na qual,
gradualmente, as rédeas do desenvolvimento deixam as mãos dos atores internacionais e são
legadas ao Estado reconstruído (LIBÉRIA, 2008; LOPES; THEISOHN, 2003).
Vale ressaltar que, mesmo que o processo de reconstrução contribua efetivamente para
a melhoria da capacidade de gestão do Estado e para alguma recuperação econômica, a
situação desses países permanece, em geral, bastante frágil. Dessa forma, quaisquer que sejam
as políticas de desenvolvimento planejadas pelo Estado, sua implementação efetiva ainda
carece, em larga medida, do suporte e dos recursos dos parceiros internacionais, sejam eles
agências da ONU, organizações não governamentais, OIs, investidores privados ou doadores.
Entretanto, as regras que balizam a atuação desses atores preveem, normalmente, uma lista de
critérios que os países precisam preencher para se tornarem elegíveis para as políticas de
desenvolvimento, a despeito das necessidades físicas ou sociais que possam apresentar
(LOPES; THEISOHN, 2003).
Baseado no conhecimento que dispõem sobre cada país e sobre a conduta de seus
governos, esses atores selecionam aqueles que apresentam, pelo menos, um conjunto mínimo
de elementos que participam da definição da condição de membros da sociedade
internacional, o que indicaria sua capacidade de absorver os recursos provenientes das
parcerias que possam firmar e utilizá-los para aprimorar suas técnicas de governo,
consagrando-se como bons membros dessa sociedade. O status de bom membro seria medido,
inicialmente, pelo avanço em relação a quatro metas, definidas como pilares da Estratégia de
Redução da Pobreza: consolidação da paz e da segurança; revitalização da economia;
fortalecimento da governança e do primado da lei; e reabilitação da infraestrutura e da
provisão de serviços básicos (LIBÉRIA, 2008). Quanto maiores os avanços, maior a
autonomia do Estado para negociar os termos de sua relação com os atores internacionais.
Nesse sentido, os Estados teriam sua capacidade de agência progressivamente restituída (ou
reconstruída), o que lhes permitiria traduzir suas particularidades em termos de demandas a
133
serem consideradas na formulação de projetos e no fechamento de acordos de financiamento,
inclusive no que concerne à negociação das condicionalidades e salvaguardas normalmente
impostas (LOPES; THEISOHN, 2003). Nas negociações com o Banco Mundial, por exemplo,
um pais ganha mais recursos quanto melhor for a implementação de suas políticas
sociais e econômicas na promoção de crescimento econômico e redução da pobreza.
Entretanto, esse critério normalmente funciona contra os países que se recuperam de
conflitos, que tipicamente tem desempenho ruim na implementação dessas políticas,
justamente no momento em que mais precisam de recursos financeiros. O Banco,
portanto, desenvolveu um novo conjunto de indicadores mais condizente com a
situação dos países pós-conflito, como segurança humana e progresso rumo à paz e à
governança (ONU, 2003, p.188, tradução livre). 129
A formulação da Estratégia de Redução da Pobreza (PRS) pelo governo da Libéria,
como era de se esperar, ocorreu quando as atividades da missão de paz no país já
encontravam-se em estágio avançado de implementação, em abril de 2008. Para garantir que
as metas definidas atendessem aos critérios estabelecidos por seus parceiros em potencial,
como o Banco Mundial, o processo de elaboração da PRS foi marcado por inúmeras
consultas, realizadas tanto com a população local quanto com atores internacionais
(LIBÉRIA, 2008). As demandas apresentadas por ambos os grupos eram repassadas para um
comitê responsável por traçar as linhas gerais das políticas de reconstrução e
desenvolvimento, composto pela presidente do país; representantes dos ministérios das
Finanças, Defesa, Planejamento e Assuntos Econômicos e Serviços Públicos; ONU; Banco
Mundial; Fundo Monetário Internacional; União Africana; Comissão Européia; ECOWAS; e
pelos governos dos Estados Unidos e da China (LIBÉRIA, 2008, p.42). Os quatro pilares
foram relacionados ao avanço na implementação das Metas de Desenvolvimento do Milênio,
à garantia da segurança e à melhoria dos indicadores de governança (LIBÉRIA, 2008).
Segundo a Estratégia,
paz e segurança são pré-requisitos para o progresso econômico sustentado e a
redução da pobreza. Sem paz, o crescimento econômico e a redução da pobreza não
procedem. Da mesma maneira, a paz e a segurança nacional serão severamente
ameaçadas se a pobreza crônica continuar a crescer. A paz sustentável dependerá, em larga medida, da habilidade de criar oportunidades econômicas inclusivas e
prover serviços sociais básicos em todo o país. De forma similar, a infraestrutura
básica é necessária para o crescimento mais amplo e para a provisão de serviços
nação afora, e provê as bases para sistemas descentralizados de governança. A
129 A country gets more resources the better its implementation of economic and social policies that promote
growth and poverty reduction. This often works against post-conflict countries, however, since they typically
have performed poorly on this front at the very time they most need financial resources. The Bank, therefore,
devised a new set of indicators better tailored for post-conflict countries, such as human security and progress
towards peace and governance.
134
governança e o primado da lei garantem as bases institucionais para o desempenho
econômico consistente e alívio da pobreza, e a justiça necessária para assegurar que
as queixas sejam resolvidas por meio do diálogo dentro do sistema político, como
oposição à violência (LIBÉRIA, 2008, p.44, tradução livre). 130
Entre os esforços empreendidos pelo governo da Libéria para a melhoria da
governança no país, merece destaque o Programa de Governança e Gestão Econômica
(GEMAP) 131
, desenvolvido, desde 2006, em parceria entre o Governo da Libéria (GOL) e a
comunidade internacional 132
―[...] para garantir que os fundos das instituições da Libéria e os
recursos naturais cheguem ao governo, que o governo administre esses fundos de maneira
correta e transparente, e os empregue com efetividade na reconstrução do país‖ (GEMAP,
2009, p.1, tradução livre). 133
Uma das principais estratégias do Programa é o recrutamento de
consultores internacionais para trabalhar nos escritórios das principais instituições da
Libéria134
, para treinar líderes locais, construir capacidades, e produzir relatórios sobre o
funcionamento dos sistemas de governança no país, especialmente sobre receitas e gastos
públicos. A expectativa é que o GEMAP ―[...] ajude a promover maior confiança, do povo da
Libéria e da comunidade internacional no governo‖ (GEMAP, 2009, p.1, tradução livre) 135
, e
possibilite que os recursos e investimentos retornem à Libéria, como forma de patrocinar as
políticas de desenvolvimento idealizadas pelo governo do país.
Para Lopes e Theisohn (2003), o exercício de controle e comando sobre as atividades
de desenvolvimento, das ideias aos resultados, garantiria aos Estados a propriedade
(ownership) sobre seu futuro e marcaria a passagem da ajuda para o desenvolvimento. Ainda
segundo os autores, essa ―[...] propriedade significa que os governos internalizaram as
reformas de tal maneira que estão preparados para defendê-las diante do público doméstico‖
130 Peace and security are pre-requisites for sustained economic progress and a reduction of poverty. Without
peace, economic growth and poverty reduction cannot proceed. Likewise, peace and national security will be
severely threatened if chronic poverty continues to rise. Sustainable peace will largely depend upon the ability to
create inclusive economic opportunities and deliver basic social services throughout the country. Similarly, basic
infrastructure is required for broad-based growth and delivery of services nationwide, and provides the basis for
decentralized governance systems. Governance and the rule of law provide the institutional base for strong
economic performance and poverty alleviation, and the justice that is needed to ensure that grievances are settled
through dialogue within the political system, as opposed to violence. 131 Governance and Economic Management Program. 132 Os parceiros do GEMAP são os mesmos que compõem o comitê de reconstrução na formulação da Estratégia
de Redução da Pobreza, com exceção do governo da China (GEMAP, 2009). 133 ―[…] to ensure that the funds from Liberia‘s institutions and natural resources flow into the government, that
the government manages those funds well and transparently, and spends it effectively on rebuilding the country‖. 134 Até hoje, os consultores do GEMAP trabalharam no Ministério das Finanças (MOF); Banco Central da
Libéria (CBL); Bureau de Orçamento (BOB); Ministério da Fazenda, Mineração e Energia (MLME); Autoridade
Portuária Nacional (NPA); Corporação de Refino de Petróleo da Libéria (LPRC); Comissão Geral de Auditoria
(GAC); Agência de Serviços Gerais (GSA); e Comissão de Governança e Reforma (GRC), entre outros órgãos
governamentais (GEMAP, 2009). 135 ―[…] helps provide the Liberian people and the international community greater confidence in the
government‖.
135
(LOPES; THEISOHN, 2003, p.30, tradução livre). 136
Em outras palavras, isso significa que o
governo estaria preparado para participar da transformação social no país e se recolocar como
membro ativo da sociedade internacional, não mais como receptor passivo da ajuda. Assim,
na carta que abre a Estratégia de Redução da Pobreza, a presidente da Libéria, Ellen Johnson
Sirleaf, afirma que as políticas ali previstas são ―[...] verdadeiramente nossas – cultivadas em
casa, por todos nós‖ (LIBÉRIA, 2008, p.7, tradução livre) 137
, como resultado do processo de
reconstrução do país e de sua entrada no campo de desenvolvimento, e pede que os parceiros
internacionais ―[...] redirecionem suas políticas e programas, de acordo com a Estratégia‖
(p.7, tradução livre). 138
Como a reconstrução da Libéria foi considerada um caso de relativo sucesso, o esforço
do governo de recuperar a propriedade sobre o processo de desenvolvimento do país recebeu
um voto de confiança da sociedade internacional. Como evidência disso, a nova UNDAF
elaborada pelo Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG) para atender às
necessidades da Libéria, levou em conta as propostas da PRS e foi formulada para auxiliar o
governo na consecução das metas propostas. A primeira UNDAF regular da história do país
foi aberta por uma carta do Ministro do Planejamento e dos Assuntos Econômicos da Libéria,
Amara Konneh, na qual reafirmava o comprometimento do povo e do governo com a paz, a
segurança e a realização das Metas de Desenvolvimento do Milênio, para, em seguida, pedir
apoio internacional para a implementação dos projetos da PRS (UNDAF LIBERIA, 2008).
Em seguida, a Representante Especial do Secretário Geral e coordenadora da UNMIL, Ellen
Margrethe Løj, atestou o sucesso do trabalho de reconstrução até aquele momento e o
comprometimento do governo, além de ter ressaltado a oportunidade histórica, representada
pela PRS, de a Libéria retomar o caminho da paz e do desenvolvimento. As palavras da
Representante foram reforçadas pelos representantes das agências da ONU no país 139
, que
ainda se comprometeram a contribuir para o sucesso da PRS.
Com a participação do governo e o aval dos parceiros internacionais, a UNDAF
(2008) foi pensada para dar suporte à PRS, que, de acordo com o documento, é composta por
―[...] estratégias de desenvolvimento sensíveis à questão do conflito e que procuram tratar
suas causas estruturais, ao mesmo tempo em que asseguram que o desenvolvimento contribua
e equacione, de forma séria, os desafios da construção da paz‖ (UNDAF LIBERIA, 2008, p.5,
136 ―[…] ownership will be taken to mean that governments have internalized reforms to such extent that they are
prepared to defend them before their domestic constituencies‖. 137 ―[…] truly ours – home grown by all of us‖. 138 ―[…] refocus their policies and programs in alignment with the Strategy‖. 139 Assinaram o documento os representantes da FAO; UNESCO; WFP; OIT; UNFPA; OMS; OIM; ACNUR;
BM; EACDH; UNICEF; OCHA; UNAIDS; UNIFEM; PNUD; UNOPS.
136
tradução livre). 140
Além disso, a UNDAF pretendia auxiliar reformas essenciais, além de
assistir o processo de transferência definitiva das responsabilidades da UNMIL para o
governo nacional, que deve ser concluído em 2010, ainda no período de vigência da UNDAF,
que se estende até 2012 (UNDAF LIBERIA, 2008). A convergência entre os objetivos da
PRS (LIBÉRIA, 2008), da UNDAF (2008) e as Metas de Desenvolvimento do Milênio 141
pode ser observada no Quadro 10, que resume esses objetivos.
Pilares da PRS Objetivos da
UNDAF Metas de Desenvolvimento do Milênio
Consolidação da
Paz e da Segurança Paz e Segurança
Declaração do Milênio: paz, conflito e
desarmamento
Revitalização da
Economia
Desenvolvimento
Sócioeconômico
Equitativo
1. Erradicar a fome a pobreza extrema
3. Promover igualdade de gênero e
empoderamento das mulheres
7. Assegurar sustentabilidade ambiental
8. Criar uma parceria global para o
desenvolvimento
Fortalecimento da
Governança e do
Primado da Lei
Boa Governança e
Primado da Lei
De acordo com a Declaração do
Milênio, intervenções relacionadas à boa
governança têm impacto em todas as
metas
Reabilitação da
Infraestrutura e
Provisão de
Serviços Básicos
Educação e Saúde
2. Educação Universal Primária
3. Promover igualdade de gênero e
empoderamento das mulheres
4. Reduzir a mortalidade infantil
5. Reduzir mortalidade materna
_
HIV/AIDS:
Prevenção,
Tratamento e
Cuidados
6. Combate ao HIV, AIDS, Malária e
outras doenças
Quadro 10: Principais objetivos da PRS, UNDAF e sua relação com as Metas de Desenvolvimento do
Milênio.
Adaptado de: LIBÉRIA, 2008; UNDAF LIBERIA, 2008.
Como foi discutido, a implementação da UNDAF (2008-2012) acompanharia a
conclusão do trabalho de reconstrução e o início de um relacionamento mais direto entre a
Libéria e os parceiros do desenvolvimento. Na linguagem das organizações internacionais, o
140 ―[…] conflict-sensitive development strategies that address the structural causes of conflict, while at the same
time ensuring that development contributes to and seriously addresses peacebuilding challenges‖. 141 A relação entre seus objetivos e as Metas de Desenvolvimento do Milênio é descrita na própria UNDAF
(2008).
137
país teria dado mais um passo no caminho que leva do conflito ao desenvolvimento, da mera
condição de objeto da ajuda para a de sujeito da sociedade internacional e representante
legítimo dos anseios de seu povo perante essa sociedade. Segundo essas organizações, esse
seria o passo a ser dado pela Libéria, agora, ainda que o desenvolvimento e o pertencimento
pleno levem mais tempo. A Figura 7, retirada da UNDAF (2008), resume todo o processo de
reconstrução empreendido pela ONU, agências e organizações internacionais, ONGs, setor
privado e doadores na Libéria e ilustra essa ideia de passagem da guerra para a paz, da
reconstrução para o desenvolvimento.
Figura 7: Processo de reconstrução da Libéria e a formulação da UNDAF
Fonte: UNDAF LIBERIA, 2008.
Acompanhando a linha do tempo (eixo inferior), observam-se os apelos apresentados
pelos atores vinculados à assistência humanitária (CAP, CHAP), situados no início do
processo; um pouco acima, os projetos apresentados individualmente pelas agências da ONU
e pelo time da organização no país (CCA); e, finalmente, os documentos de planejamento do
próprio governo nacional, que tem na PRS sua expressão máxima. A seta no centro da figura
leva do conflito e dos esforços iniciais de recuperação do pessoal da ajuda, em 2004, ao
desenvolvimento descentralizado, relacionado às Metas do Milênio e coordenado pelo
governo, como representante de todos os cidadãos, situado no futuro. Em meio a tudo isso,
fazendo mediação entre o passado e o futuro, entre as prioridades do governo e os padrões
138
internacionais de condução da conduta, encontra-se a UNDAF e, no limite, as propostas de
desenvolvimento apresentadas pela sociedade internacional por meio da ONU. Essa posição
reforça o nexo entre segurança e desenvolvimento, citado anteriormente e sugere um novo
papel para as políticas de desenvolvimento, qual seja, a expansão do modo de vida liberal para
outros espaços mediante suas instituições e práticas de boa governança e de mercado; e a
garantia última para a manutenção da paz e da segurança no sistema internacional.
De acordo com Zanotti (2006), ―a extensão de mecanismos de governo consistentes,
claros e contínuos não é apenas o principal fundamento para a ‗boa governança‘ de cada
Estado em particular, mas é também uma precondição para a ascensão a estruturas
supranacionais‖ (p.13). O acesso a essas estruturas sinaliza o passo fundamental para que as
comunidades políticas possam sair de um caminho de guerra e iniciar um caminho de paz.
Seguindo essa crença, organizações internacionais comprometidas com tarefas de
governamentalização, especialmente aquelas em torno da órbita das Nações Unidas, passaram
a assumir uma posição estratégica na (re)definição de quem já estivesse no caminho da paz –
poderia ser beneficiado por montantes significativos de financiamento para o
desenvolvimento –; já os que estivessem fora desse caminho, demandariam cuidados
especiais no âmbito de um intensivo programa de normalização.
Para além de uma simples divisão de trabalho, as múltiplas dimensões que constituem
essa passagem entre os momentos de estabilização, consolidação da paz e desenvolvimento
sustentado podem ser relidas como uma linha temporal, na qual cada etapa representa a adição
de um novo conteúdo ao processo de modernização. Tal divisão temporal, além de conduzir
esses novos seres em direção à atualização de conteúdos programáticos, relaciona a superação
de cada estágio ao alcance de um conjunto de direitos e deveres que autoriza a capacidade de
agência desses seres na sociedade internacional. Se as operações de paz se encarregam de
incutir procedimentos básicos de vida civilizada – construção de sujeitos – a cooperação para
o desenvolvimento supõe a observância a esses procedimentos como prerrequisito de uma
troca que, por um lado, irá atualizar os conteúdos desses sujeitos/seres; por outro, ampliar a
massa de estados e cidadãos capazes de agir de forma livre e responsável – desenvolvimento
de agentes.
139
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho procurou abordar as principais transformações normativas, institucionais e
operacionais relacionadas às operações de manutenção da paz a partir da Guerra Fria, bem
como a tradução dessas diretrizes gerais para a linguagem de seus operadores no campo,
como forma de fornecer evidências que permitissem repensar o processo mais amplo de
mudança estrutural do próprio sistema internacional no período. Nesse sentido, é importante
considerar que a descrição tanto da reorganização das atividades da ONU relacionadas à
manutenção da segurança e da estabilidade, quanto do processo de reconstrução do Estado na
Libéria, que perpassou os três capítulos, não foi utilizada com o intuito de avaliar a
capacidade da ONU de realizar as promessas e objetivos estabelecidos por ela, como, por
exemplo, aqueles implicados no conceito de segurança humana; tampouco a qualidade das
instituições construídas na Libéria, ou a solidez da paz implantada no país. Pretendeu-se, de
fato, identificar as diretrizes e os meios de atuação dos agentes internacionais, na tentativa de
acessar o processo pelo qual a própria ideia de paz vem sendo reconstruída no sistema
internacional.
A identificação dos componentes da paz e dos principais elementos a eles
relacionados, que foi possível, especialmente, por meio da análise da operação desdobrada na
Libéria, evidenciou a incorporação de novas dimensões, como o desenvolvimento ou os
direitos humanos, à agenda da segurança internacional, sugerindo uma redefinição do
significado de paz e dos caminhos que levariam a ela, articulados em torno dos diagnósticos e
profilaxias previstos no corolário da Paz Democrática. As atividades relacionadas à
consolidação da paz, como mostradas no diagrama construído no segundo capítulo, apontam
para a superação da noção de equilíbrio de poder como a principal maneira de garantir a
perpetuação dessa paz no sistema internacional, e para sua progressiva substituição por uma
abordagem que aposta na possibilidade de difundi-la pela mudança dos regimes de
governança. Essa mudança seria uma forma de induzir a transformação das sociedades
afetadas pelo conflito em sociedades democráticas, nas quais o respeito a direitos
considerados fundamentais e a operação do livre mercado trabalhariam juntas no sentido de
prevenir a ocorrência (ou a recorrência) de conflitos violentos.
Assim, propor um nexo entre segurança, assistência humanitária e assistência ao
desenvolvimento permite compreender o papel da ONU na reconstrução de Estados como
expressão da própria reconfiguração da noção de paz no sistema internacional, e não como
140
idealizadora de métodos e técnicas de combate efetivo às causas de conflitos com dimensões
potencialmente internacionais. Entretanto, esse passo lógico só é possível com o recurso a
ideias e conceitos que permitam abordar as propostas de reordenamento das relações
internacionais de forma mais ampla, como o de governamentalidade, que oferece um
entendimento alternativo, pautado na reconfiguração dos atributos e da forma de exercer a
soberania pela inclusão de outros elementos. Na linguagem das organizações internacionais, o
processo de governamentalização teria sua interface na ideia de ownership, conforme
apresentada no terceiro capítulo, que evidencia a necessidade de assimilação desses novos
atributos como condição para a restituição da capacidade de agência no sistema internacional.
Finalmente, vale ressaltar que casos como o da Libéria, no qual atores internacionais
autorizados entram em cena para construir, ou reconstruir, sujeitos de sua sociedade, podem
ser tomados, com base na abordagem de Foucault, como situações-limite, que têm lugar nas
fronteiras do sistema internacional como se apresenta hoje, participando do traçado das linhas
que separam aqueles que fazem ou não parte dele, e da redefinição do tratamento reservado a
cada um deles. Tais situações seriam nichos privilegiados no sentido de permitir ao
observador perceber alguns dos embates que participam da construção de seu próprio tempo e
repensá-los com uma postura crítica.
141
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162
APÊNDICE – Lista de Organizações da Figura 6
AASMAM - Anti- AIDS/STD/Malaria Awareness Movement Inc
ACBF - African Capacity Building Foundation
ACDI/VOCA - (ONG norte-americana)
ACF - Action Contre la Faim
ACTED - Agency for Technical Cooperation and Development
ADB - African Development Bank
ADEN - African Development Network (ONG local)
ADRA - Adventist Development and Relief Agency
AEL - Association of Environmental Lawyers
AEL - Association of Evangelical of Liberia
AFELL - Association of Female Lawyers of Liberia
Africare
AGENDA - Actions for Genuine Democratic Alternatives
AGRHA - Action for Greater Harvest
AGROSPHERE
AHA - African Health Assistance
AI - Amnesty International
ANDP - Aid for the Needy Development Programme
ANPPCAN - African Net for the Prevention & Protection against Child Abuse and
Neglect
ANPPCAN - African Network for the Prevention & Protection Against Child Abuse
ARC - American Refugee Committee-International
ASUR (ONG Francesa)
AU - African Union
AVSI - Associazione Volontari Il Servizio Internazionale (Itália)
AWEPA - Association for European Parliamentarians for Africa
CADI - Children Aid Direct
CAI - Church Aid Inc
CAL - Community Aid Liberia
CAM - Christian Aid Ministries
CARD - Comunity Assistance for Rural Development (ONG local)
163
CARE
CARITAS
Catholic Hospital
CBOs - Community Based Organizations
CCC - Concerned Christian Communities
CCF - Christian Children's Fund
CEDE - Center for Democratic Empowerment
CEEP - Center for Environmental Education and Protection
CEMESP - Center for Media Studies & Peacebuilding
CEMIR - Conférence Episcopale pour les Migrants et les Réfugiés
CENAP - Centre d'Alerte et de Prévention des Conflits
CENTAL - Center for Transparency & Accountability in Liberia
CES - Catholic Education Secretariats
CESP - Christian Empowerment & Sustainable Program
CGD - Center for Global Development
CHAL - Christian Health Association of Liberia
CHERISH International
Child Art
CHS - Catholic Health Service
CI - Conservation International
CIRID - Centre Independant de Recherches et d'Initiatives pour le Dialogue
CISV - Communita Impregno Servizio Volontariato
CIVICUS - World Alliance for Citizen Participation
CJPC - Catholic Justice and Peace Comission
COBEC-AIDS - Community-Based Education and counselling for HIV/AIDS
CONCERN Worldwide
CONWASA - Concern Women Against the Spread of AIDS (ONG local)
COOPI - Cooperazione Internazionale (ONG italiana)
CORD (ONG do UK)
Cordaid (ONG Holanda)
CPAR - Canadian Physicians for Aid and Relief
CPD - Center for Peacebuilding and Democracy
CRID - Center for the Rehabilitation of the Injured and Disabled
164
CRS - Catholic Relief Service
Crusaders for peace
CS - Combat Stress (ONG local)
CSOs - Civil Society Organizations
CTCCR - Center for Trauma Counseling and Conflict Resolution
CUAMM - Medici con l'Africa Cuamm (ONG italiana)
CUSD - Community Union for Sustainable Development
CUSS - Community United for Sanitation Services
CVT - Center for Victims of Torture
DEN'L - Development Education Network for Liberia
DFID - Department for International Development - United Kingdom
DKH - Diakonie Katastrophenhilfe
Don Bosco Homes
DRC - Danish Refugee Council
DWHH - Deutsche Welthungerhilfe
ECOWAS - Economic Community of West African States
ECREP - Evangelical Children Rehabilitation Programme
EFA - Environmental Foundation for Africa
EMSF - Enfance Meurtie Sans Frontiere
EPA - Environmental Protection Agency
EQUIP
ERADRO - Environment Relief and Development Research Organization
ERF Emergency Response Fund
ERS - Emergency Rehabilitation Services (ONG local)
EU - European Union
FACE - Farmers Associated to Conserve the Environment
FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations
FAWE - Forum for African Women Educationalist
FCA - Finn Church Aid
FFI - Fauna and Flora International
FHRD - Foundation for Human Rights and Democracy
FIND - Foundation for International Dignity
FLY - Federation of Liberian Youth
165
FOHRD - Foundation for Human Rights & Democracy
FOL - Friends of Liberia
FPAL - Family Planning Association of Liberia
FRC - Finnish Refugee Council
GAA - German Argo Action / Deutsche Welthungerhilfe
GFTAM - Global Fund for Tuberculosis, HIV/AIDS and Malaria
Girls in Crisis
Gold Child (ONG local)
Goya Medical Association
GTZ - Gesellschaft Fűr Technische Zusammerenarbeit
GWSS - Global Water Supply and Sanitation
HDF - Human Development Foundation
HDP - Human Development Program
HELP Liberia Foundation
HI - Hope International
HR - Horn Relief
HRGSH - Human Rights Group to Save Humanity
HRPF - Human Rights and Protection Open Forum
HU - Humanity United
Humanist Watch
IAS - Initiative pour une Afrique Solidaire
IAVE - International Association for Volunteer Effort
Ibis Education for Development
ICG - International Crisis Group
ICRC - International Committee of the Red Cross
ICTJ - International Center for Transitional Justice
IFESH - International Foundation for Education and Self Help
IFRC - International Federation of Red Cross and Red Crescent Societies
ILO - International Labour Organization
IMC - International Medical Corps
IMC - International Missionaries of Charity
IMDD - Institute for Media Development and Dignity
IMF - International Monetary Fund
166
INTERSOS - Organizzonazione Umanitaria per L‘emergenza
IOM - International Organization For Migration
IRC - International Rescue Committee
IRD - International Relief and Development
JFK Hospital
JSI - John Snow, Inc.
JUWADA - Julijuah Ward Development Association
JVC - Jesuit Volunteer Corps
LAPS - Liberia Association of Psychosocial Services (ONG local)
LATRU - Lakayta Township Resettlement Union (ONG local)
LCDF - Liberia Community Development Foundation
LCIP - Liberian Community Infrastructure Program
LDI - Liberia Democratic Institute
LEAP - Local enterprise assistance programme
LEHSO (ONG local)
LIFE - Liberia Indigenous Forum for the Environment
LINFU - Liberia National Farmers Union
LINNK - Liberian NGOs Network
LIURD - Liberia Islamic Union of Reconstruction and Development
LMDA - Liberia Medical and Dental Association
LNGG - Liberia National Girls Guides
LNRC - Liberia National Red Cross
LOIC - Liberia Opportunities Industrialization Center
LUHWASA - Liberians United Humanitarian Water & Sanitation Agency
LUSH - Liberians United to Save Humanity
LWF - Lutheran World Federation
LWI - Liberian Women's Initiative
LWMAC - Liberian Women Media Action Committee
MALAO - Movement Contre les Armes Légerès em Afrique de l'Ouest (ONG Senegal)
MARWONET - Mano River Women's Peace Network
MC - Mercy Corps
MCI - Mines Clearance International
MDA - Médecins d'Afrique
167
MDM - Medicins du Monde
Medica Mondiale - (ONG alemã)
MENTOR - Malaria Emergency and Technical Operational Response
MERCI - Medical Emergency Relief Cooperative International
MERLIN - Medical Emergency Relief International
MOSWOM - Maryanne's Outreach for Single Women and Mothers
MRU - Mano River Union
MSF - Médecins Sans Frontières
MSG - Management Steering Group
MTI - Medical Teams International
MUSH - Men United to Save Humanity
NARDA - New African Research and Development Agency
New Era Integrated Agriculture and General Construction
NFPR - National Federation for Peacebuilding and Reconciliation
NMC - National Muslim Council
NRC - Norwegian Refugee Council
NUOD - National Union of the Organization of the Disable
NWMTI - Northwest Medical Teams International (ONG cristã)
OCAM - Organisation for Children and Adolescent Mothers
OCHA - Office for the Coordination of Humanitarian Affairs
OCPH - Organisation Catholique pour la Promotion Humaine
OFDA - Office for Disaster Assistance (ONG norte-americana)
OHCHR - Office of the High Commissioner of Human Rights
OSIWA - Open Society Initiatve for West Africa
OXFAM
PAP - Prisioners Assistance Programme
PARACOM (ONG local)
PBRC - Peace Building Resource Center
PCG - Protection Core Group
Phebe Hospital
PMU - Pentecostal Mission Unlimited Inter-life
POCAL - Pollution Control Association of Liberia
PRECA - Prisioner Rehabilitation & Empowerment
168
PSI - Population Services International
PU - Premier Urgence
PUL - Press Union of Liberia
PWJ - Peace Winds Japan
READ - Rural Economic & Agricultural Development Corp
Refugee Care
SCF - Save the Children Fund
SCNL - Society for the Conservation of Nature of Liberia
SDA - Service and Development Agency
SDC/SHA - Swiss Agency for Development and Cooperation/Swiss Humanitarian Aid
Unit
SDP - Sustainable Development Promoters
SECADEV - Secours Catholique et Developpement
SEWODA - Southeastern Women Development Association
SFCG - Search for Common Ground
Smile Africa
Solidarité - Aide Humanitaire d'Urgence
SPI - Samaritan's Purse International
Stichting Vluchteling
Susukuu (ONG local)
Swedish Civil Contingencies Agency (MSB)
TCC - The Carter Center
TEARFUND (Christian org)
THINK - (ONG local)
Trocaire - (ONG irlandesa)
UCCA-AIDS - United Christians Campaigning Against AIDS
UMCOR - United Methodist Church Committee on Relief
UNAIDS - Joint United Nations Programme on HIV/AIDS
UNDEF - United Nations Democracy Fund
UNDP - United Nations Development Programme
UNDSS - United Nations Department of Safety and Security
UNEP - United Nations Environment Programme
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
169
UNFPA - United Nations Populations Fund
UNHABITAT - United Nations Human Settlements Programme
UNHCHR - United Nations High Commissioner for Human Rights
UNHCR - United Nations High Commissioner for Refugees
UNICEF - United Nations Children's Fund
UNIDO - United Nations Industrial Development Organization
UNIFEM - United Nations Development Fund for Women
UNMAS - United Nations Mine Action Service
UNOPS - United Nations Office for Project Services
UNSECOORD - United Nations Security Coordinator
US Embassy
USAID - United States Agency for International Development
VETAID
VIA - Visions in Action
WACSI - West Africa Civil Society Institute
WAH - Women Against Hunger
WANP - West Africa Network for Peacebuilding - Liberia
WB - World Bank Group: WB, IBRD, IFC, MIGA*
WDB - World Development Bank
WFP - World Food Programme
WHDN - Women's Health Development Network
WHO - World Health Organization
WIPNET - Women in Peacebuilding Network
WLCU - World Lebanese Cultural Union
WONGOSOL - Women NGO Secretariat of Liberia
WR - World Relief
WVI - World Vision International
YAEHD - Youth Aid Education Health & Development Liberia
YAI - Youth Action International
YMCA - Young Men's Christian Association
YOCAD - Youth Capacity Development International (ONG local)
YUSUD - Youth United for Sustainable Development
YWCA - Young Women Christian Association
170
ZOARC - Zoa Refugee Care
ZODWOCA - Zorzor District Women Care (ONG local)