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Vermelhos e azuis: um estudo sobre os determinantes do voto nas eleições presidenciais brasileiras (2002–2010) Jairo Nicolau * 17 de julho de 2014 Resumo O propósito do artigo é dimensionar os efeitos de um conjunto de variáveis sobre o desempenho dos candidatos do PT e do PSDB nas eleições de 2002, 2006 e 2010. A ideia é investigar em que medida características socioeconômicas (índice de desenvolvimento humano, proporção de moradores pentecostais e tamanho da população), padrões de políticas públicas (grau de participação em programas de transferência de renda) afetam o desempenho dos candidatos. Outro fator analisado é o papel das regiões: até que que ponto as eventuais diferenças nas votações do PT e PSDB nas cidades deve-se ao fato de estas pertencerem a uma determinada região do país e não à outra? A análise de dados é realizada por intermédio de regressão linear, tomando os municípios como unidade de análise. Palavras-chaves: eleições no Brasil; PSDB; PT; eleições presidenciais no Brasil. Introdução Cinco das seis eleições para a Presidência da República realizadas no Brasil após a redemocratização foram marcadas pela polarização entre os candidatos do PT e do PSDB. Os nomes das duas legendas ficaram, ora em primeiro lugar, ora em segundo, nos oito pleitos (se considerarmos os dois turnos) disputados desde 1994. A polarização entre os dois partidos chama ainda mais atenção em contraste com a alta fragmentação partidária observada nas eleições para o Congresso no mesmo período. * Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro 1

"Vermelhos e azuis: um estudo sobre os determinantes do voto nas eleições presidenciais brasileiras (2002-2010)", ABCP, 2014

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Vermelhos e azuis:um estudo sobre os determinantes do voto naseleições presidenciais brasileiras (2002–2010)

Jairo Nicolau ∗

17 de julho de 2014

Resumo

O propósito do artigo é dimensionar os efeitos de um conjunto devariáveis sobre o desempenho dos candidatos do PT e do PSDB nas eleiçõesde 2002, 2006 e 2010. A ideia é investigar em que medida característicassocioeconômicas (índice de desenvolvimento humano, proporção de moradorespentecostais e tamanho da população), padrões de políticas públicas (grau departicipação em programas de transferência de renda) afetam o desempenhodos candidatos. Outro fator analisado é o papel das regiões: até que que pontoas eventuais diferenças nas votações do PT e PSDB nas cidades deve-se aofato de estas pertencerem a uma determinada região do país e não à outra? Aanálise de dados é realizada por intermédio de regressão linear, tomando osmunicípios como unidade de análise.

Palavras-chaves: eleições no Brasil; PSDB; PT; eleições presidenciais noBrasil.

IntroduçãoCinco das seis eleições para a Presidência da República realizadas no Brasil

após a redemocratização foram marcadas pela polarização entre os candidatos doPT e do PSDB. Os nomes das duas legendas ficaram, ora em primeiro lugar, ora emsegundo, nos oito pleitos (se considerarmos os dois turnos) disputados desde 1994. Apolarização entre os dois partidos chama ainda mais atenção em contraste com a altafragmentação partidária observada nas eleições para o Congresso no mesmo período.

∗Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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A permanência dos dois partidos como atores fundamentais na disputa presi-dencial sugere algumas perguntas: Será que o PT e o PSDB conseguiram estabelecerredutos eleitorais ao longo do tempo? Será que as duas legendas criaram bases sociaispermanentes no período?

A literatura sobre as eleições presidenciais, baseada em dados agregadosmunicipais identificou algumas mudanças relevantes no padrão geográfico e socialda votação dos partidos, particularmente a do PT. (SOARES; TERRON, 2008)mostraram a forte mudança nos padrões espaciais e sociais da votação de Lula,quando as disputas de 2006 e 2002 são comparadas. (MARZAGÃO, 2013) apresentouevidências de forte associação entre os redutos de Lula em 2006 com os de Dilma em2010. Outro tema que mereceu uma atenção especial dos pesquisadores é o efeito doprograma Bolsa Família nos votos do candidato do PT em 2006 e 2010.(NICOLAU;PEIXOTO, 2007; CARRARO et al., 2007; ZUCCO, 2008; SOARES; TERRON,2008).

O propósito do artigo é dimensionar os efeitos de um conjunto de fatoressobre o desempenho dos candidatos do PSDB e do PT, nas três eleições de 2002,2006 e 2010. A ideia é investigar em que medida características socioeconômicas(índice de desenvolvimento humano, proporção de moradores pentecostais e tamanhoda população), padrões de políticas públicas (grau de participação em programasde transferência de renda) afetam o desempenho dos candidatos. Outro fator a seranalisado será o papel das regiões: até que que ponto as eventuais diferenças nasvotações do PT e PSDB nas cidades deve-se ao fato de estas pertencerem a umadeterminada região do país e não à outra? A pesquisa utiliza os municípios comounidade de análise.

Em relação à bibliografia anterior sobre o tema, o artigo inova em doisaspectos. O primeiro é o de analisar comparativamente o desempenho do PT e doPSDB. Com exceção de Terron (TERRON, 2009) , a literatura que utiliza dadosagregados preocupou-se em explicar exclusivamente o sucesso dos candidatos do PT.O segundo é a comparação sistemática dos dados do primeiro turno das eleiçõespresidenciais de 2002, 2006 e 2010. A ideia é utilizar as mesmas variáveis e o mesmométodo (regressão linear), e com isso, garantir uma comparação mais criteriosa dodesempenho dos candidatos de cada partido ao longo do tempo.

O artigo está dividido em três seções. A primeira apresenta as variáveisindependentes e o método que será utilizado na análise dos dados. A segunda mostraos resultados da análise estatística. A última seção resume os principais resultados.

1 Variáveis e métodosOs estudos sobre eleições presidenciais brasileiras que utilizam os municípios

como unidade de análise podem ser divididos em dois grupos, segundo os métodosutilizados. O primeiro grupo emprega os tradicionais métodos estatísticos (correlaçãoe regressão linear) para dimensionar o impacto de uma série de fatores sobre o votodos candidatos nos municípios (NICOLAU; PEIXOTO, 2007; ZUCCO, 2008). Umsegundo grupo enfatiza a dimensão espacial da votação. A ideia é observar padrões de

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voto pelo território nacional por intermédio de mapas (JACOB et al., 2010), identificareventuais redutos e empregar econometria espacial para dimensionar o impacto doterritório simultaneamente a outros fatores (TERRON, 2009; MARZAGÃO, 2013).

Este trabalho se alinha à tradição do primeiro grupo e utiliza a regressãolinear para a análise dos dados. O propósito é explorar o efeito de conjunto devariáveis sobre o voto, levando em conta apenas a região como fator contextual. Emum segundo momento a ideia é avaliar, por intermédio de modelos de regressãoespacial, em que medida a votação concentrada em municípios contíguos acrescentaem explicação relação ao modelo linear utilizado neste artigo.

As variáveis independentes selecionadas foram as seguintes: o índice de de-senvolvimento humano (IDH), a população total (medida em escala logarítmica), opercentual de membros de igrejas pentecostais, o percentual de famílias beneficiadaspelo Programa Bolsa Família e a Região.

Os dados do IDH, calculados para os anos censitários de 2000 e 2010, foramobtidos junto ao site do Ipeadata1. No lugar de trabalhar com um conjunto devariáveis socioeconômicas, optei por trabalhar apenas com IDH, já que ele faz umasíntese excelente da situação social do município. O total da população e o percentualde pentecostais de cada cidade também foram retirados dos censos de 2000 e 2010.Análises baseadas em pesquisas de opinião mostraram que pertencer a denominaçõesevangélicas aumentou a probabilidade de o eleitor votar em Garotinho em 2002, eem Marina Silva em 2010. (NICOLAU, 2007; PEIXOTO; RENNÓ, 2011). Um temaainda pouco explorado nas pesquisas com dados agregados é se o total de evangélicosde uma cidade estaria associado de alguma maneira ao percentual de votos obtidospelos candidatos 2

O efeito do Bolsa Família na eleições presidenciais é provavelmente o temamais discutido entre os estudiosos das eleições no Brasil(BOHN, 2011; CARRAROet al., 2007; NICOLAU; PEIXOTO, 2007; ZUCCO; POWER, 2013). Para mensurara abrangência do programa em âmbito municipal, os pesquisadores têm utilizadodiferentes medidas: percentual das famílias beneficiadas; gastos do programa percapita; razão bolsa família/PIB; média mensal de benefícios por família; razãogastos do programa por família pobres e por famílias indigentes. Optei por utilizar opercentual de famílias beneficiadas pelo programa em cada cidade.3

Embora o programa Bolsa Família tenha sido criado apenas no governoLula, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso já existiam programasde transferência de renda (Auxílio Gás, Bolsa Escola e Bolsa Alimentação). Osnúmeros da pesquisa para 2002 representam o somatório de famílias beneficiadaspelos programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação. Por isso, é possível que eles sejamsuperestimados, já que uma família podia participar simultaneamente de ambos;segundo Zucco (2013), por definição, os beneficiados pelo Auxílio Gás já participavamde um dos dois programas.1 http://www.ipeadata.gov.br/2 O dados incluem apenas os evangélicos denominados pelo IBGE de “evangélicos de origem

pentecostal”.3 Os dados foram coletados e organizados por Cesar Zucco.

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A Figura 1 mostra a mediana de famílias cobertas pelos programas detransferência de renda nos municípios brasileiros, segundo a regiões, nos três anoseleitorais. Ainda que os dados de 2002 provavelmente estejam super estimados,podemos observar um crescimento acentuado do percentual de famílias cobertas apartir da criação do Bolsa Família no primeiro governo Lula. Entre 2006 e 2010 osnúmeros praticamente se estabilizam, com exceção da região Norte, onde a medianade famílias beneficiadas pelo Bolsa Família nos municípios passou de 35,4% para45,9%.

Alguns estudos incluíram o partido do prefeito eleito na eleição municipalantecedente como um fator que poderia estar associado ao voto nas eleições presi-denciais (MARZAGÃO, 2013; ZUCCO, 2008) A ideia é baseada em duas premissas.A primeira é que redutos de um partido nas eleições municipais tenderiam a semanter nas eleições nacionais. Neste caso, o argumento serviria, particularmente,para os partidos que lançaram candidatos à presidência. A segunda premissa é que oprefeito tenderia a utilizar a máquina municipal para o candidato que ele apoia parapresidente.

Figura 1 – Percentual de famílias que recebem o Bolsa Família.

As barras mostram o percentual mediano de famílias que recebem os programas de transferência derenda (2002) e o Bolsa Família (2006 e 2010) nos municípios de cada região.

As Figuras 2, 3 e 4 apresentam o percentual mediano de votos obtidos peloscandidatos à Presidência nas cidades governadas por seis partidos (PP, PFL/DEM,PT, PSDB, PMDB e PT), respectivamente em 2002, 2006 e 2010.4 Os dados mostram4 Os partidos são os dos prefeitos no momento da eleição municipal que antecede a presidencial.

4

claramente que o desempenho do PSDB e do PT não tem nenhuma associação com asprefeituras conquistadas dois anos antes das eleições em nenhum dos anos analisados.Curiosamente, nas eleições de 2006 e 2010, Lula e Dilma tiveram votações medianasmaiores nas cidades governadas pelo DEM do que nas cidades governadas pelo PT.Por esta razão, decidi não incorporar o partido do prefeito na análise estatística queserá apresentada na seção seguinte.

Figura 2 – Votação para presidente, segundo o partido do prefeito, 2002.

As barras mostram o percentual mediano da votação obtidas por Lula e Serra nas cidades, cujoprefeito foi eleito (2000) por um dos partidos selecionados.

2 Os resultadosO percentual de votos no primeiro turno - incluindo brancos e nulos no

cômputo total - foi tomado como variável dependente. Deste modo, foram construídosseis modelos: Lula (PT-2002), Serra (PSDB-2002), Lula (PT-2006), Alckmin (PSDB-2006), Dilma (PT-2010) e Serra (PSDB-2010). Os resultados são apresentados deduas maneiras. No texto, optei por apresentar os coeficientes de cada modelo porintermédio de gráficos. Desta forma, é mais fácil visualizar os efeitos e compararos modelos de cada candidato. As tradicionais tabelas com os resultados completospara cada um dos modelos estão disponibilizadas em anexo.

Eventuais mudanças de legenda por troca ou substituição do prefeito pelo vice de outro partidosnão são consideradas.

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Figura 3 – Votação para presidente, segundo o partido do prefeito, 2006.

As barras mostram o percentual mediano da votação obtidas por Lula e Serra nas cidades, cujoprefeito foi eleito (2004) por um dos partidos selecionados.

A Figura 5 mostra os resultados dos modelos para Lula e Serra nas eleições de2002. Os círculos em cada linha representam os valores do coeficiente (b) produzidospelos modelos. Um primeiro dado que chama a atenção é o efeito dos programas detransferência de renda. A variável bolsa tem associação positiva com a votação deSerra. Embora os efeitos sejam reduzidos, o sentido positivo da associação chamaa atenção, sobretudo se lembrarmos que o candidato do PSDB procurou fazeruma campanha descolada dos projetos do governo Cardoso e pouco mencionou osprogramas de transferência de renda em sua campanha. Por outro lado, a votaçãode Lula tem uma associação negativa com os programas de transferência de renda.

Outra dado que chama a atenção em 2002 é o efeito do nível de desenvol-vimento social dos municípios. A variável idh-2000 está positivamente associadatanto para Lula quanto para Serra. Ou seja, ambos tendem a ser melhor votadosnas cidades com maior desenvolvimento social. A diferença é que esta associação émuito mais expressiva no caso de Lula. Em relação ao percentual de pentecosatais,observamos uma associação negativa para os dois candidatos, com um coeficienteum pouco mais expressivo para Serra.

O efeito das regiões foi dimensionado tomando a região Sudeste como categoriade comparação. Destaca-se o bom desempenho de Lula na região Sul, onde eleobteve, em média, 4,4 pontos percentuais a mais de votos comparativamente aoSudeste, e o mal desempenho de Serra no Nordeste, onde ele obteve, em média,7,2 pontos percentuais a menos de votos. Vale a pena lembrar que dois outros

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Figura 4 – Votação para presidente, segundo o partido do prefeito, 2010.

As barras mostram o percentual mediano da votação obtidas por Dilma e Serra nas cidades, cujoprefeito foi eleito em 2008 por um dos partidos selecionados.

candidatos à Presidência – Garotinho (PSB) e Ciro Gomes(PPS) – obtiveramvotações concentradas, respectivamente, nas regiões Nordeste e no Sudeste do país,e com isso afetaram o padrão de votos de Lula e Serra. Por fim, observa-se que avotação de Lula manteve o padrão, verificado em eleições anteriores, de associaçãopositiva com o tamanho da população do município (ver variável logpopulação-2000 ).Em contraste, o candidato do PSDB tende a ter maior votação nas pequenas cidades.

As eleições de 2006 assinalam uma expressiva mudança em relação as eleiçõesde 2002, mudança esta já assinalada por outros trabalhos (NICOLAU; PEIXOTO,2007; ZUCCO, 2008; SOARES; TERRON, 2008). A correlação entre votação de Lulae o índice de desenvolvimento humano passou a ter o sinal negativo: o candidatodo PT tende a ter um percentual de votos nas cidades de menor desenvolvimento.Para Alckmin observamos um aprofundamento da votação nas cidades de maiordesenvolvimento social. O primeiro turno de 2006 foi a mais polarizado e com maiordivisão social do voto entre os já disputados no país. A ausência de outros candidatoscom votação expressiva colaborou por aprofundar esta tendência.

A Figura 6 mostra os resultados dos coeficientes dos modelos de regressãopara Lula e Alckmin nas eleições de 2006 - os resultados completos das regressões sãoapresentados na Tabela 2, em anexo. A votação de Lula tende a ser muito mais altanos municípios que obtiveram alta cobertura do programa, enquanto a de Alckmintende a ser menor nestas cidades. Como já assinalado, este é um tema bastanteestudado e com evidências consistentes a respeito dos efeitos observados no gráfico –

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para exceções ver:(BOHN, 2011; CARRARO et al., 2007).

(Intercept)

logpopulacao_2000

pentecostal_2000

idh_2000

regiaoCentro−Oeste

regiaoNordeste

regiaoNorte

regiaoSul

bolsa_2002−

20 0 20 40

Model Lula Serra_02

Eleições, 2002

Figura 5 – Coeficientes da regressão linear. Variável dependente: percentual dos votos do PT ePSDB nos municípios.

As esferas mostram os valores dos coeficientes de cada variável independente. As linhas lateriasindicam os erros das estimativas; a mais grossa um erro padrão, a mais fina dois erros padrão.

O efeito do programa Bolsa família observado na Figura 6 sugere duas questões.A primeira é até que ponto o programa foi responsável direto pelo voto em Lula.Sabemos que o seu primeiro governo implementou uma série de programas sociaisfocados na população de baixa renda, entre eles, destacam-se, o ProUni, programa de

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financiamento universitário para jovens de baixa renda, e o Luz para Todos, projetode eletrificação que favoreceu, sobretudo, os moradores da zona rural. Durante oGoverno Lula, o salário mínimo subiu 46,4% acima da inflação, medida pelo IPCA, oque favoreceu o consumo da população de menor renda (QUEIROZ, 2014). Por quecreditar ao Bolsa Família, e não aos outros programas o excelente desempenho deLula nos municípios mais pobres do país em 2006? E mais, os resultados não seriamfruto de um conjunto de fatores e não de um programa específico?

Obviamente, é impossível saber se as áreas mais pobres do país passaram avotar no PT em 2006 especificamente por terem sido beneficiadas pelos programassociais. Mas a abrangência do Bolsa Família - que chegou ao fim do governo atendendocerca de 11 milhões de famílias - e a amplitude da cobertura nos municípios maispobres fizeram com que ele se tornasse o principal programa do governo. Por estarazão, acredito que o Bolsa Família seja um excelente indicador global das políticassociais do governo Lula.5

A segunda questão sugerida pelo Figura 5 diz respeito a uma possível associa-ção entre o IDH e o Bolsa Família, o que eventualmente poderia afetar os resultadosda regressão. Como o programa é considerado eficaz em alcançar as famílias maispobres (SOARES; RIBAS; SOARES, 2009), poderíamos estar diante um caso em queas duas acabariam se confundindo, e expressariam de maneiras diferentes o mesmofenômeno. Pelo menos estatisticamente esta hipótese está descartada. O teste quemede a eventual colinearidade entre as variáveis mostrou que nenhuma das utilizadasestão fortemente associadas de modo a afetar os resultados dos modelos para 2006.6

Em 2006, a região passou a ser um fator muito mais importante para distinguiros candidatos do PT e PSDB. Mantido constante os efeitos das outras variáveis, avotação de Lula é, em de pontos percentuais, maior nos municípios do Nordeste (5.7),do Norte (3.3) e menor nos do Centro-Oeste (-4.9) e do Sul (-3.5). Alckmin obtém,em média, menos 7.7 pontos percentuais nas cidades do Nordeste e um desempenhomelhor no Centro-Oeste (5.9) e no Sul (3.9). Lembre-se que estes dados usam oSudeste como categoria de referência. Apesar de observarmos um novo padrão nadistribuição regional do voto, a relação entre o tamanho da população e o voto não sealtera em 2006. A votação do candidato do PT continua a ter uma relação positivacom o tamanho da população, enquanto o inverso ocorre em relação ao candidato doPSDB.

A Figura 7 mostra os coeficientes dos dois modelos de regressão para aseleições de 2010; os resultados completos estão apresentados na Tabela 3, em Anexo.O primeiro dado que chama a atenção é a permanência do efeito do programa BolsaFamília como principal fator associado ao voto em Dilma e Serra. A direção e a forçada associação são as mesmas observadas dois anos antes: quanto maior é a coberturado programa, maior tende ser a votação do candidato do PT e menor tende a ser5 Outra vantagem em trabalhar com o dados do Bolsa Família é que diferentemente dos outros

programas, tais como o Prouni e o Luz para Todos que atingem segmentos específicos é suaimplementação em todos municípios do país, com ampla base de dados disponível para consulta.O aumento do salário mínimo também uma política que beneficiou moradores de todo o país émais difícil de ser operacionalizada.

6 Para avaliar o grau de colinearidade entre as variáveis utilizei o teste de VIF para os doismodelos (Alckmin e Lula).

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(Intercept)

logpopulacao_2010

pentecostal_2010

idh_2010

regiaoCentro−Oeste

regiaoNordeste

regiaoNorte

regiaoSul

bolsa_2006

−25 0 25 50

Model Alckmin Lula_06

Eleições, 2006

Figura 6 – Coeficientes da regressão linear. Variável dependente: percentual dos votos do PT ePSDB nos municípios.

As esferas mostram os valores dos coeficientes de cada variável independente. As linhas lateriasindicam os erros das estimativas; a mais grossa um erro padrão, a mais fina dois erros padrão.

a do PSDB. Em linhas gerais, o argumento desenvolvido anteriormente serve para2010. O programa Bolsa Família funcionaria também como o um indicador síntesepara as políticas sociais do segundo governo Lula. E os números deixam claro que oprograma Bolsa Família produziu novamente um efeito decisivo nos resultados daseleições deste ano.

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(Intercept)

logpopulacao_2010

pentecostal_2010

idh_2010

regiaoCentro−Oeste

regiaoNordeste

regiaoNorte

regiaoSul

bolsa_2010

−25 0 25 50 75

Model Dilma Serra

Coeficientes − regressão OLS, 2010

Figura 7 – Coeficientes da regressão linear. Variável dependente: percentual dos votos do PT ePSDB nos municípios.

As esferas mostram os valores dos coeficientes de cada variável independente. As linhas lateriasindicam os erros das estimativas; a mais grossa um erro padrão, a mais fina dois erros padrão.

Uma mudança expressiva ocorreu na disputa de 2010. Ao contrário do pleitode 2006 – em que o IDH foi negativamente associado à votação de Lula –, em 2010observamos que esta variável praticamente deixa de ter efeito sobre a votação do PT.De outro lado, o sinal se inverte para o candidato do PSDB. Que fatores poderiamexplicar esta mudança? Uma hipótese é que a ampliação do Programa Bolsa Família

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pode ter reduzido o efeito do IDH como variável autônoma. De fato, a correlaçãoentre o desenvolvimento humano e a cobertura do programa passou de 0.78 em 2006para 0.83 em 2010. Uma segunda hipótese é que em contraste com as eleições de2006, quando a polarização entre os dois principais partidos foi acentuada, as de2010 tiveram a presença de uma terceira candidata, Marina Silva (PV), que obtevevotação expressiva em muitos municípios.

O efeito da variável região foi mais intenso no modelo do PSDB. Em com-paração aos votos obtidos no Sudeste, Serra recebeu as seguintes votações (médiapara os municípios) em pontos percentuais na regiões: Sul (+1,7), Norte (+4,4),Centro-Oeste (+5,1) e Nordeste (-3,6). Novamente, o Nordeste aparece como aregião de pior desempenho do PSDB. Diferentemente de 2006, a Região Sul teveum efeito positivo para o PT; Dilma obteve 4,9 pontos percentuais a mais de votoscomparativamente ao Sudeste. Mas em outras regiões, o efeito não foi expressivo.Uma comparação entre as Figuras 6 e 7 mostra que em 2006 a dimensão regionalteve um peso mais decisivo na votação dos candidatos do que em 2010.

Por fim, vale observar os efeitos da relação entre o percentual de pentecostaisnas cidades e a votação para presidente. As associações apontada pelos pesquisadoresa partir de micro-dados nas eleições de 2002 e 2010 não se confirmam com a mesmaintensidade na análise com dados agregados. Controlando pelos efeitos de outrasvariáveis, o percentual de pentecostais tem um efeito muito reduzido, e com sinaloscilando no tempo, na votação do PT e PSDB. De qualquer modo, um quadrocompleto dos eventuais efeitos da religião necessita uma análise da votação doscandidatos evangélicos nas disputas anteriores: Garotinho(2002) e Marina (2010).

Considerações finaisEste artigo procurou comparar de maneira sistemática o desempenho dos

candidatos do PT e do PSDB nas eleições presidencias recentes. A ideia foi dimensi-onar os efeitos de um mesmo conjunto de variáveis independentes sobre a votaçãoobtida pelos candidatos do PT e do PSDB no primeiro turno das eleições brasileirasde 2002, 2006 e 2010.

Entre as variáveis selecionadas, a que mais chamou a atenção foi a quedimensionou o efeito dos programas de transferência de renda, particularmenteo Programa Bolsa família. Minha sugestão é que este deve ser interpretado nãoapenas como um programa específico, mas como um proxy das políticas sociaisimplementadas pelos governos do PT. Em 2002, antes da criação do Bolsa Família, osdados dos programas de transferência de renda mostraram uma associação positivacom a votação do PSDB, ainda que o candidato do partido (Serra) não tenhaexplorado o tema durante a campanha. Já em 2006 e 2010 o novo programa foi oprincipal fator para explicar a variação da votação dos candidatos à Presidência nosmunicípios.

O grau de desenvolvimento social dos municípios – medido pelo IDH – afetoude maneira variada a votação dos candidatos. Um aspecto relevante foi a mudança deperfil nas duas eleições vencidas por Lula. Em 2002, mantidos constantes os efeitos

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de outras variáveis, a votação de Lula tinha uma tendência de aumentar nas cidadesmais prósperas. Já em 2006, a votação foi negativamente associada ao IDH. Naeleição seguinte, ainda que positivo, o IDH teve um efeito muito reduzido na votaçãode Dilma. Em contraste, a votação do PSDB manteve-se positivamente associada aoIDH em 2002 e 2006, mas em 2010, os resultados se inverteram.

Em relação às outras variáveis, destaca-se o efeito da região. As eleiçõesde 2006 foram as que a dimensão regional mais dividiu os candidatos. As regiõesNordeste e Norte fizeram diferença positiva para Lula e negativa para Alckmin. Jánas regiões Sul e Centro-Oeste o padrão se inverteu. Na disputa de 2010, houve umdeclínio do efeito da região no resultado.

Este artigo é faz parte de um projeto mais amplo, cujo propósito é de analisaros resultados das eleições presidenciais brasileiras em âmbito municipal. Os próximospassos da pesquisa envolverão: a ampliação da comparação com as três primeiraseleições do período democrático (1989, 1994 e 1998); a utilização de novos métodosde análise estatística, tais como pareamento (matching) e regressão espacial; e,eventualmente, a incorporação de novas variáveis independentes.

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Referências

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SOARES, G. A. D.; TERRON, S. Dois Lulas: a geografia eleitoral da reeleição(explorando conceitos, métodos e técnicas de análise geoespacial). Opinião Pública,v. 14, n. 2, p. 269–301, 2008. Citado 2 vezes nas páginas 2 e 7.

SOARES, S.; RIBAS, R. P.; SOARES, F. V. Focalização e cobertura do ProgramaBolsa-Família: qual é o significado dos 11 milhões de famílias? 2009. Citado napágina 9.

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ZUCCO, C.; POWER, T. J. Bolsa Família and the Shift in Lula’s Electoral Base,2002–2006: A Reply to Bohn. Latin American Research Review, v. 48, n. 2, p. 3–24,2013. Citado na página 3.

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Tabela 1 – Modelos de regressão linear (OLS). Votos para presidente, 2002

Variável dependente:Lula Serra(1) (2)

logpopulacao_2000 1.253∗∗∗ −2.148∗∗∗

(0.128) (0.131)pentecostal_2000 −0.137∗∗∗ −0.395∗∗∗

(0.028) (0.029)idh_2000 29.957∗∗∗ 5.040

(3.748) (3.833)regiaoCentro-Oeste −2.108∗∗∗ 3.225∗∗∗

(0.531) (0.543)regiaoNordeste −1.500∗∗ −7.211∗∗∗

(0.583) (0.596)regiaoNorte −0.101 1.075∗

(0.595) (0.608)regiaoSul 4.423∗∗∗ −1.049∗∗∗

(0.382) (0.391)bolsa_2002 −19.324∗∗∗ 3.039

(2.087) (2.134)Constante 7.564∗∗ 47.395∗∗∗

(3.061) (3.130)Observações 5,507 5,507R2 0.244 0.169R2Ajustado 0.243 0.168

Nota: ∗p<0.1; ∗∗p<0.05; ∗∗∗p<0.01

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Tabela 2 – Modelos de regressão linear (OLS). Votos para presidente, 2006

Variável dependente:Lula Alckmin(1) (2)

logpopulacao_2010 1.252∗∗∗ −1.892∗∗∗

(0.130) (0.131)pentecostal_2010 0.148∗∗∗ −0.105∗∗∗

(0.025) (0.025)idh_2010 −30.245∗∗∗ 38.222∗∗∗

(5.555) (5.595)regiaoCentro-Oeste −4.980∗∗∗ 5.932∗∗∗

(0.538) (0.542)regiaoNordeste 5.711∗∗∗ −7.403∗∗∗

(0.577) (0.581)regiaoNorte 3.299∗∗∗ −0.226

(0.605) (0.609)regiaoSul −3.457∗∗∗ 3.899∗∗∗

(0.397) (0.400)bolsa_2006 38.441∗∗∗ −36.761∗∗∗

(1.269) (1.279)Constante 43.612∗∗∗ 40.877∗∗∗

(4.751) (4.785)Observações 5,562 5,562R2 0.579 0.611R2 Ajustado 0.578 0.610

Nota: ∗p<0.1; ∗∗p<0.05; ∗∗∗p<0.01

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Tabela 3 – Modelos de regressão linear (OLS). Votos para presidente, 2010

Variável dependente:Dilma Serra(1) (2)

logpopulacao_2010 −0.329∗∗∗ −1.102∗∗∗

(0.117) (0.116)pentecostal_2010 −0.203∗∗∗ 0.045∗∗

(0.023) (0.022)idh_2010 1.067 −10.207∗

(5.336) (5.308)regiaoCentro-Oeste −0.058 5.072∗∗∗

(0.491) (0.488)regiaoNordeste −0.093 −3.659∗∗∗

(0.546) (0.543)regiaoNorte −1.156∗∗ 4.375∗∗∗

(0.575) (0.572)regiaoSul 4.908∗∗∗ 1.742∗∗∗

(0.363) (0.361)bolsa_2010 49.821∗∗∗ −38.588∗∗∗

(1.292) (1.285)Constante 35.971∗∗∗ 62.284∗∗∗

(4.583) (4.558)Observações 5,547 5,547R2 0.542 0.534R2 Ajustado 0.541 0.533

Nota: ∗p<0.1; ∗∗p<0.05; ∗∗∗p<0.01

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