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Verdes que em vosso tempo se mostrou . Das boticas jesuíticas da Província do Brasil SÉCULOS XVII XVIII Bruno Martins Boto Leite

Verdes que em vosso tempo se mostrou. Das boticas jesuíticas da Província do Brasil, Séculos XVII – XVIII

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Verdes que em vosso tempo se mostrou. Das boticas jesuíticas da Província do BrasilSÉCULOS XVII – XVIII

Bruno Martins Boto Leite

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Verdes que em vosso tempo se mostrou

A Companhia de Jesus, na Época Moderna, foi uma das organiza-ções mais importantes no que diz respeito à circulação de conhe-cimentos e de coisas ao redor do mundo: seus intelectuais, situados em muitos lugares do globo, intercambiavam entre si diversos conhecimentos gestados em diferentes geografias. O padre Atha-nasius Kircher, por exemplo, havia elaborado sua importante obra China illustrata, sobre as coisas provindas da China, com base em nada mais do que informações e objetos passados a ele por outros jesuítas que se encontravam no Oriente. Ele nunca havia pisado na China.2 O padre Riccioli havia escrito seu importante tratado de geografia, Geographiae et hydrographiae reformatae libri duode-cim,3 servindo-se de informações que astrônomos jesuítas e cosmó-grafos da Península Ibérica haviam recolhido nos domínios de ultramar. E, finalmente, para ilustrar essa questão com algumas poucas amostras no extenso mar de exemplificações, o astrônomo Cristóforo Borri, estando na Cochinchina, intercambiava, com outros jesuítas missionários em outros pontos do extenso Oriente, informações sobre a observação de cometas nos céus orientais.4

Além disso, se por meio dos intelectuais da Companhia os saberes circularam de forma eficaz, a estrutura da própria Compa-nhia de Jesus, disposta como uma rede, permitia que essa circula-ção fosse ainda mais eficiente. Todos os colégios da Companhia eram vinculados ao comando da Ordem em Roma e deviam prestar contas, anualmente, ao geral da Companhia, o que fazia com que muitas cartas fossem enviadas de todas as partes do mundo aos jesuítas situados na Europa. A organização centralizada da Com-panhia estabelecia um elo entre todos os polos onde a Ordem havia se difundido na geografia do mundo funcionando, como dissemos, como uma rede.5

1 Mestre em História pelo IFCS/

UFRJ e doutor em História pelo

Instituto Universitário Europeu

(EUI) de Florença.2 Kircher, Athanasius. 1667. China

monumentis, qua sacris qua profanis,

nec non variis naturae et artis

spectaculis aliarumque rerum

memorabilium argumentis Illustrata.

Antuérpia: Jacobum a Meurs.3 Riccioli, Giovanni Battista. 1661.

Geographiae et hydrographiae

reformatae libri duodecim. Bolonha:

Typographia Haeredis Victorij

Benatij.4 Borri, Cristoforo. 1631. Collecta

Astronomica ex Doctrina... De tribus

caelis aereo, sydereo, empyreo.

Lisboa: Matias Rodrigues, em

particular p. 115-116.5 Sobre as implicações que essa

estrutura em rede teve no

conhecimento produzido pelos

jesuítas, veja-se Harris, Steven J.

Mapping Jesuit Science: the Role

of Travel in the Geography of

Knowledge. In: O’Malley, John W.

et al. 1999. The Jesuits. Cultures,

Sciences and the Arts, 1540-1773.

Toronto: University of Toronto

Press, p. 212-240. Uma análise

atualizada das teias tecidas pela

rede dos jesuítas na assistência

portuguesa, de que o Brasil

formava parte, pode-se encontrar

em Dauril Alden. 1996. The

Making of an Enterprise. The Society

of Jesus in Portugal, its Empire, and

Beyond, 1540-1750. Stanford:

Stanford University Press.

Página de abertura: Albert Eckhout, 1660. Detalhe de Nhambu-guaçu, ilustração do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

Athanasius Kircher, 1667. Poivre, ilustração da página 190 do livro China monumentis qua sacris qua profanis, nec non variis naturae et artis spectaculis, aliarumque rerum memorabilium argumentis illustrata. Descoberta no Oriente, descrita e analisada por Garcia de Orta, a pimenta fez carreira nas boticas, hortos e jardins de toda a Europa e de todo o império português. Empregada essencialmente como tempero, teve grande impacto na vida dos europeus e seus domínios. Acervo Bibliothèque Nationale de France, Paris

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Athanasius Kircher, 1667. Ananas; Ficus Indica, Arbor Paradisi e Arbor Papaya, ilustrações das páginas 189, 188 e 187 respectivamente, do livro China monumentis qua sacris qua profanis, nec non variis naturae et artis spectaculis, aliarumque rerum memorabilium argumentis illustrata. Muitas plantas do Oriente, como o figo e o mamão, haviam sido importadas para o Brasil pelos navegadores portugueses. Inicialmente, o abacaxi, assim como o cajueiro, fora exportado para as terras orientais também pelos portugueses e muitos autores o haviam descrito como sendo proveniente daquelas geografias. Seu fruto era tido como um importante alexifármaco e foi empregado no tratamento de muitas epidemias de peste, como aquela de Florença, ocorrida entre 1630 e 1633. A presença de plantas do Oriente e da América, como o figo, o papaia e o abacaxi, nas obras de jesuítas como o padre Athanasius Kircher, atesta a efetiva circulação que esses saberes tinham no interior da Companhia. Acervo Bibliothèque Nationale de France, Paris

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A estrutura da Companhia organizava-se em torno dos colégios em todo o mundo. Esses colégios, em alguns casos interdependen-tes como os do Brasil, eram interligados com outros colégios eu-ropeus e com sua matriz: o Colégio Romano. Eles faziam circular um número enorme de epístolas das regiões as mais distantes da América, da África e do Oriente até a Europa e desta até esses lu-gares, informando as características e as realizações dos padres.

Se os colégios da Companhia de Jesus trocavam informa-ções entre si, o mesmo pode ser dito das boticas dos colégios, as quais, estando incrustadas na materialidade dessas instituições, trocavam com outras boticas de outros colégios jesuítas informa-ções sobre o conhecimento empregado e inovado. Essas farmácias faziam circular receitas, como aquelas do padre Manuel Tristão que seriam enviadas aos jesuítas de Portugal pelas próprias mãos do reitor do Colégio da Bahia e do Rio de Janeiro, Fernão Cardim, 6 assim como ingredientes simples e compostos descobertos para as muitas boticas da Companhia.

Nessas idas e vindas de textos e ingredientes, muitas plan-tas e saberes sobre elas eram levados do Brasil para as boticas da Europa e do Oriente, do Oriente ao Brasil e à Europa e da Europa ao Brasil e ao Oriente. As boticas dos colégios jesuítas formavam, assim, uma extensa e animada teia através da qual circulavam in-formações, saberes e, por vezes, pessoas.

Essas trajetórias dos vegetais e dos saberes botânicos apoia-vam-se, portanto, na existência e organização das boticas jesuíticas. A circulação das plantas dependia da compreensão da finalidade, neste caso aquela oficinal ou médica, que se tinha delas para a produção de remédios. A importação e a exportação das plantas estavam em consonância com a ciência que se tinha do seu uso nas boticas. Em outras palavras, a circulação das plantas estava di-retamente relacionada ao conhecimento que se tinha delas e ao uso que lhe seria atribuído.

Desde a fundação dos colégios da Companhia de Jesus no Brasil, os jesuítas encarregaram-se da produção de medicamentos, assim como do estudo dos simples 7 brasileiros, para suprir a popula-ção doente com remédios de botica. Coisa que já acontecia em ou-tros lugares onde a Companhia havia disposto os seus colégios, co-mo a Europa, a Ásia e a África. Os padres não eram os únicos a exer-cer esse tipo de função, contudo, sua ação no que tange a produção e os estudos dos medicamentos no Brasil era, sem sombra de dúvida, destacada diante do que havia nas cidades e vilas do Brasil da época.

Os jesuítas, como já se sabe, não somente exerceram essa função como também criaram na América portuguesa espaços para a produção e para o estudo dos medicamentos: as boticas. Nes-ses lugares de saber, hábeis irmãos boticários realizavam a tarefa de reproduzir, com aquilo que tinham à mão, as receitas inventa-das nas boticas da Europa.

6 Cf. a introdução ao Tratados da terra

e gente do Brasil de Fernão Cardim,

organizado por Ana Maria Azevedo,

São Paulo: Hedra, 2009.7 Os simples eram substâncias

extraídas da natureza que tinham

uso oficinal e serviam de base na

composição de medicamentos

mais complexos ou compostos.

Eram ingredientes de origem

mineral, vegetal e animal

estudados na sua relação com a

medicina. A ciência dos simples

pode ser comparada ao que hoje

denominamos farmacognosia.

Planta do Colégio Jesuítico e Quartel Militar na Vila de Santos no anno de 1801. As boticas jesuíticas eram importantes lugares de saber interligados aos colégios da Companhia de Jesus no Brasil. Novos métodos de produção eram ali desenvolvidos e empregados, como aquele da espagiria ou iatroquímica. Fala-se da farta presença de aparelhos de destilação nesses lugares. Acervo Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro

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Desde o início, as boticas europeias basearam-se na tradição clás-sica, de Dioscórides, do De materia medica, e de Galeno, do De sim-plicium medicamentorum, herdando uma longa e antiga cultura de receitas médicas, de conhecimentos da flora, fauna e dos minérios da Europa. Com a preponderância da tradição árabe no período medieval, essas boticas entraram em contato com novas receitas e com o conhecimento dos simples de novas geografias, como aquelas de parte da África e de parte da Ásia. Os médicos e filósofos árabes (Avicena, Averrois, Rasis, Serapião e outros) trouxeram in-contestes novidades ao ofício do boticário europeu. 8

Além disso, no século XVI, no momento da expansão ultra-marina, espanhois e portugueses contribuíram para a vida cultural das boticas europeias com um enorme manancial de novos conhe-cimentos empíricos. Novos simples do Oriente foram trazidos a lume pela pluma de Garcia de Orta que, num esforço claro de re-visão do conhecimento acumulado sobre o tema pela Antiguidade lançou no cenário cultural europeu a importância incontornável da tradição árabe. Novos simples da América espanhola foram descritos pelo médico Nicolau Monardes, que, trancado em seu pequeno gabinete de curiosidades em Sevilha, mostrou aos inte-lectuais de então que muito havia ainda a ser conhecido na esfera do mundo. 9

Ao lado dessas novidades, os processos químicos trazidos à cultura europeia pela arte espagírica dos árabes e pela filosofia de Paracelso transformaram substancialmente as práticas e o dia a dia dos boticários da Europa.

Esses processos, ocorridos desde a época medieval até finais do século XVI, faziam das boticas da Europa um lugar de tradições cruzadas, onde a cultura árabe, os aportes das descobertas ultra-marinas e as inovações as mais recentes em medicina tinham im-portância fundamental. Assim sendo, as boticas jesuíticas do Bra-sil importavam aos trópicos uma intensa vida cultural e adiciona-vam não parcas inovações a esses processos.

8 Para o estudo das boticas

europeias da época moderna, cf.

Allant, André. 1952. La boutique de

l’apothicaire au XVIIe siècle. Cahors:

Impr. A. Coueslant; Olmi,

Giuseppe. 1992. L’inventario del

mondo: catalogazione della natura e

luoghi del sapere nella prima età

moderna. Bologna: Il Mulino;

Reutter de Rosemont, Louis. 1931-

1932. Histoire de la pharmacie à

travers les âges. Paris: J. Peyronnet.9 Para o estudo da importância de

Orta e Monardes na cultura

médica da época moderna, cf.

Boxer, Charles R. 1963. Two

Pioneers of Tropical Medicine: Garcia

d’Orta and Nicolau Monardes.

Londres: Wellcome Historical

Medical Library; Ficalho,

Francisco M. de. 1886. Garcia de

Orta e o seu tempo. Lisboa:

Imprensa Nacional; Guerra,

Francisco. 1961. Nicolás Bautista

Monardes, su vida y su obra, ca.

1493-1588. México: Compañia

Fundidora de Fierro y Acero

Monterrey; Pina, Luís de. 1958.

Investigadores portugueses sobre

medicina tropical (Bosquejo histórico

da medicina exótica portuguesa).

Porto: Imprensa Portuguesa.

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Garcia da Orta, 1563. Frontispício do livro Coloquios dos simples, e drogas he cousas mediçinais da India, e asi dalguâs frutas achadas nell [...]. Esta importante obra foi responsável pela vulgarização de conhecimentos sobre os simples (minerais, flora e fauna) da Índia. Seu autor, médico de Martim Afonso de Sousa, descreveu, catalogou e analisou um número importante de simples, muitos dos quais, até aquele momento, ainda não haviam sido descritos. A importância de Garcia da Orta para o conhecimento desses novos simples havia sido cantada por Camões. Os jesuítas tinham importância similar no que tange o conhecimento dos simples da América portuguesa, ainda que o saber por eles adquirido não tivesse sido difundido para todos. Acervo Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

Autor desconhecido, século XVIII. Ilustração do manuscrito redigido em árabe intitulado Five Treatises on Alchemy, originário do Oriente Médio. Desde a época medieval, as práticas laboratoriais, ou de espagiria, eram empregadas pelos médicos árabes.A partir do final do século XVI, a importância dada à espagiria ganharia terreno em toda a Europa e a prática seria readaptada pelas teorias médicas de Paracelso e seus seguidores. Acervo The British Library, Londres

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Pedanius Dioscórides, 1555. Frontispício e dedicatória do livro Pedacio Dioscorides Anazarbeo, acerca de la materia medicinal, y de los venenos mortiferos [...]. Esta obra foi o principal ponto de partida para o estudo dos elementos que integravam os remédios das farmácias europeias. Além disso, serviu de arena para importantes disputas de médicos sobre a natureza e função dos simples. Desde o século XVI, muitos comentários deste livro foram escritos e publicados na Europa, por meio dos quais os contendores teciam suas interpretações e seus aportes ao conhecimento dos simples. O frontispício belissimamente colorido pertence ao comentário do médico espanhol Andrés de Laguna ao livro de Dioscórides, que era fartamente empregado pelos jesuítas do Brasil no estudo das matérias-primas medicamentosas, como se pode depreender por sua presença em muitas bibliotecas de colégios e por sua citação em numerosos escritos dos padres que aqui estavam. Acervo Biblioteca Nacional de España, Madri

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Pedanius Dioscórides, 1555. Chicória, Arruda e Aristoloquia, ilustrações do livro Pedacio Dioscorides Anazarbeo, acerca de la materia medicinal, y de los venenos mortiferos [...]. A presença de plantas europeias nas boticas jesuítas de todo o mundo não europeu, em especial da América portuguesa, é inconteste. Muitas delas, tradicionalmente usadas nas boticas da Europa, haviam sido importadas para o Brasil pelos jesuítas e eram cultivadas em suas quintas. Os sais da chicória e da arruda europeias eram alguns dos ingredientes químicos que compunham a receita da triaga brasílica, indicada contra venenos e doenças epidêmicas. A aristolóquia redonda integrava a massa de cezoens da botica do Colégio do Rio de Janeiro, a qual servia contra as febres. Acervo Biblioteca Nacional de España, Madri

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Pedanius Dioscórides, 1555. Rosa, Laranja e Limão, ilustrações do livro Pedacio Dioscorides Anazarbeo, acerca de la materia medicinal, y de los venenos mortiferos [...]. Os simples europeus como a rosa e os cítricos também compunham a farmacopeia dos jesuítas boticários da América portuguesa. Uma variedade de rosa era usada na composição de um cozimento para a virgindade perdida da botica do Colégio da Bahia. Os agrumes ou as frutas cítricas eram tidos como conservantes, pois seu sumo impedia a corrupção das coisas. Tendo em vista que, segundo a medicina da época, a substância na base das epidemias agia de modo a putrefazer as coisas, tudo aquilo que impedia a corrupção dos corpos, como os agrumes, era empregado no combate às pestes. Acervo Biblioteca Nacional de España, Madri

Pedanius Dioscórides, 1555. Aloe, ilustração do livro Pedacio Dioscorides Anazarbeo, acerca de la materia medicinal, y de los venenos mortiferos [...]. O aloé ou azebar era um ingrediente incluído pelo irmão boticário Francisco da Silva na composição do emplastro para matar lombrigas. A planta tinha propriedades vermífugas para os médicos do período. Acervo Biblioteca Nacional de España, Madri

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Nas boticas jesuíticas do Brasil, usavam-se os métodos e as receitas extraídos da tradição clássica, da tradição árabe e dos aportes da iatroquímica com o acesso aos ingredientes vindos da Europa, Ásia e África. Ao longo do tempo, do século XVI ao XVII, os jesuítas fo-ram incluindo novos ingredientes da flora e da fauna nativas do Brasil, pela sua utilidade e pelo fato de estarem ao alcance de suas mãos.

Assim, nas boticas jesuíticas do Brasil concentravam-se sa-beres sobre as plantas europeias, sobre aquelas conhecidas dos an-tigos árabes, vindas de partes do Oriente e da África e sobre aquelas descobertas nos domínios orientais portugueses, nos domínios da América espanhola e no Brasil. As boticas dos colégios da Compa-nhia de Jesus agregavam um farto conhecimento a respeito de gran-de diversidade vegetal da América portuguesa e do mundo, o qual fazia com que viesse da Europa, da África e do Oriente uma grande quantidade de plantas a serem empregadas nessas boticas e tam-bém com que muitas das plantas aqui descobertas e utilizadas pelos padres fossem exportadas para uso nas boticas da Europa e da Ásia.

As boticas jesuíticas do Brasil se configuravam, portanto, como um eixo de saberes e polo de circulação de elementos farma-cêuticos, entre os quais, os que aqui nos interessam, aqueles de origem vegetal.

Esse estudo baseia-se na tradição das boticas e, essencial-mente, na análise das receitas de remédios produzidos nas boticas jesuíticas do Brasil da época moderna, em especial de finais do sé-culo XVII e início do século XVIII. Dentre os documentos disponí-veis para esta análise,10 utiliza-se essencialmente o manuscrito romano Collecção de várias receitas e segredos particulares, datado de 1766.11 Ele fornece informações mais detalhadas tanto das boticas brasileiras quanto daquelas dos colégios de outras regiões, como as da Europa e as do Oriente, e permite empreender a análise desejada.

10 As primeiras receitas de remédios

produzidos nas boticas do Brasil de

que temos notícia foram escritas

pelo irmão Manuel Tristão, que

trabalhou no Colégio da Bahia, de

Recife, de Olinda e na Aldeia de

S. André de Goiana, e foi um dos

primeiros boticários do Brasil.

Ele se encontrava, já idoso, no

Colégio de Olinda, onde morreu,

em 1621. As suas receitas estavam

anexadas às cartas de Fernão

Cardim sequestradas pelo pirata

inglês Francis Cook. Parte desses

documentos, em especial a carta de

Cardim, fora publicada pelo inglês

Samuel Purchas que havia tido

contato com o espólio de Cook. Na

publicação de Purchas, a autoria do

manuscrito de Cardim é atribuída

ao boticário Manuel Tristão pela

presença das receitas no final

do conjunto documental. Muito

mais tarde, depois que Capistrano

de Abreu resolveu a questão da

autoria do Tratado da terra e gente

do Brasil como sendo de Cardim,

não se falou mais nos documentos

deixados por Tristão. Na cópia da

carta de Cardim que Francisco

Adolpho de Varnhagen encontrou

na Biblioteca Pública de Évora não

houve menção alguma à cópia das

receitas de Manuel Tristão, que

até hoje, infelizmente, não foram

encontradas. Cf. Cardim, Fernão.

1847. Narrativa epistolar de uma

viagem e missão jesuítica pela Bahia,

Ilheos, Porto Seguro, Pernambuco,

Espírito Santo, Rio de Janeiro, S.

Vicente, São Paulo, etc. Desde o anno

de 1583 ao de 1590, indo por visitador

o P. Christovam de Gouvea. Lisboa:

Imprensa Nacional; Idem. 1881. Do

princípio e origem dos Índios do Brasil e

de seus costumes, adoração e cerimônias.

Rio de Janeiro: Typographia da

Gazeta de Notícias; Idem. 1925.

Tratados da terra e gente do Brasil –

Introduções e notas de Baptista Caetano,

Capistrano de Abreu e Rodolpho

Garcia. Rio de Janeiro: Editores J.

Leite e Cia.; Purchas, Samuel. 1625.

Hakluytus Posthumus, or Purchas his

pilgrimes, volume IV. Londres: Henry

Fetherson.

Além dessas receitas advindas da

prática das boticas brasileiras, temos

também dois outros documentos

do século XVIII. O primeiro deles,

disponível na Biblioteca da Casa de

Oswaldo Cruz, é o Formulário médico:

atribuído aos jesuítas e encontrado em

uma arca da igreja de São Francisco de

Curitiba, 1703. Nesse documento, há

várias informações sobre as práticas

boticárias nas boticas jesuíticas do

Brasil. Contudo, as informações

ali presentes carecem de nomes

e referências locais que nos

permitam situá-las nos contextos

mais específicos analisados. O

segundo documento a esse respeito

é o manuscrito da Collecção de

várias receitas (Roma: 1766). Esse

documento foi escrito por um irmão

boticário que circulou bastante

entre os colégios jesuítas do Brasil e

do mundo. Ele próprio diz ter estado

nas quatro partes do mundo. Ali

encontram-se, com muitos detalhes,

informações sobre as receitas

usadas nas boticas dos colégios da

Companhia, em alguns casos seus

autores / inventores e o lugar onde

foram elaboradas. Este manuscrito

tem uma importância inconteste

na história da farmacologia da

Companhia de Jesus. 11 Collecção de varias receitas e segredos

particulares das principais boticas

de nossa Companhia de Portugal, da

India, de Macao, e do Brazil. Compostas

e experimentadas pelos melhores

médicos, e boticários mais célebres que

tem havido nestas partes. Aumentada

com alguns índices, e notícias muito

curiozas, e necessárias para a boa

direcção e acerto contra as enfermidades.

1766. Roma: Archivum Romanum

Societatis Iesu, Op. NN. 17.

Autor desconhecido, 1766. Folha de rosto e índice do manuscrito Collecção de varias receitas e segredos particulares das principaes boticas de nossa Companhia de Portugal, da India e de Macao, e do Brazil [...]. O modo como o manuscrito foi organizado sugere que ele tenha sido feito para ir ao prelo. Contudo, isso nunca aconteceu. Em 1766, a Companhia de Jesus estava vivendo um intenso processo de supressão e extinção. O feito de compilação do autor pode estar relacionado a um intento de preservação de certos conhecimentos, neste caso os de farmácia, que os padres da Companhia haviam adquirido e mantido em segredo por décadas. Acervo Archivum Romanum Societatis Iesu, Vaticano

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Autor desconhecido, 1766. Dedicatória e prólogo do manuscrito Collecção de varias receitas e segredos particulares das principaes boticas de nossa Companhia de Portugal, da India e de Macao, e do Brazil [...]. A obra é dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, mostrando claramente a vinculação desse projeto boticário com a ação protridentina da Companhia de Jesus no mundo. Podemos, por conta disso mesmo, pensar, mais particularmente, numa farmácia de padre e, de modo mais abrangente, numa ciência de padre. O próprio autor deixa clara a vinculação do projeto científico com a atividade eclesiástica “advertindo que são couzas estas da Religião, e não tuas”. Trata-se de um documento fundamental para o estudo das boticas e do conhecimento farmacêutico dos padres da Companhia de Jesus no Império português. No prólogo, afirma-se a condição de segredo do conhecimento ali exposto. Diz o autor que “não fiz esta collecção de receitas particulares das novas boticas, senão para que se não perdessem tão bons segredos [...]”. Acervo Archivum Romanum Societatis Iesu, Vaticano

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Sendo o projeto jesuítico converter as populações indígenas aqui residentes à religião católica tridentina, os padres, desde o início, fundaram escolas e colégios no intuito de formar e preparar reli-giosos para a tarefa da conversão. Com o passar do tempo, e com a mudança no projeto educacional da Companhia, os jesuítas co-meçaram a formar não somente seus noviços mas também os próprios colonos aqui residentes. Esses colégios, nesse novo mo-mento da história educacional da Companhia, foram ganhando vulto e importância. Construíram-se suntuosos prédios ao lado dos quais os jesuítas implantaram boticas para produzir remédios e enfermarias para cuidar dos doentes.

Havia no Brasil, quando da expulsão dos jesuítas em 1759, 17 colégios da Companhia,12 o que nos remete para a existência, aproximada, de 15 a 17 boticas. Há notícias, nos documentos dos padres, de que existiram, sem dúvida, as boticas dos colégios da Bahia, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão e Pará. Contudo, é bem provável que todo colégio jesuíta do Brasil tivesse uma bo-tica própria.13

As boticas situavam-se ao lado dos edifícios dos colégios e sua descrição geral, segundo o padre historiador, era a seguinte: a Botica era constituída por uma sala e uma oficina; a loja ou farmácia pro-priamente dita, onde estavam os remédios à disposição do público, presi-dida por uma imagem, que habitualmente era a de Nossa Senhora da Saúde; e a oficina ou laboratório, onde se fabricavam os medicamentos.14

A botica da Bahia era ampla, ao rés do chão (Terreiro de Jesus), no lugar precisamente onde é hoje a entrada para a Faculdade de Medi-cina da Universidade da Bahia.15 A botica do Colégio de São Paulo seguia-se à igreja, à biblioteca e ao salão de atos ou Aula Magna. A botica do Colégio do Maranhão era dotada de fartos instrumentos para a dissolução e a resolução de substâncias. No inventário de 1760, dizia-se haver nela, além dos instrumentos clássicos de pro-dução de medicamentos seguindo o método galênico, fornalhas, alambiques, almofarizes e outros instrumentos bastante familiares aos laboratórios de química ou alquimia daquela época.16

As boticas e os boticários dos Colégios da Companhia de Jesus da América portuguesa

12 Esses colégios eram: o Colégio

da Bahia, Recife, Olinda, Paraíba,

Fortaleza, Porto Seguro, Maranhão,

Pará, Ilhéus, Paranaguá, Rio

de Janeiro, São Paulo, Espírito

Santo, Colônia de Sacramento,

Florianópolis, Santos e São Vicente.

Cf. Leite, Serafi m. 1938-1950.

História da Companhia de Jesus no

Brasil. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira.13 Infelizmente, ainda falta um estudo

descritivo e analítico detalhado das

boticas jesuíticas do Brasil, pois,

como dizia Serafi m Leite, a história

das antigas boticas do Brasil ainda

não se escreveu. Cf. Leite, Serafi m,

1953, p. 87.14 Idem, p. 92.15 Idem, pp. 91-92.16 O inventário de 1760 registrava que

Tinha mais [de] 400 [vasos],

todos com remédios necessários para

aquela terra, os quais importariam

400$000 reis. Perto da botica

situavam-se o depósito e a ofi cina

ou laboratório. E aqui havia Tres

fornalhas, uma estufa com os trastes

seguintes: hum alambique de cobre

estanhado, dois alambiques de barro

vidrado, 5 tachos de arame, um

almofariz de 2 arrobas com sua mão

de ferro, e outro de 12 libras com

sua mão, mais ainda 2 pequenos; tinha

mais 4 almofarises de mármore

com mãos de pau, mais 2 de marfi m

pequenos, 6 tamizes com suas tampas

de couro, 4 sedaços. § Tinha mais 2

almarios grandes e hum bufete grande

com 4 gavetas; 2 pares de balanças

pequenas; mais duas que eram

ordinarias, uma de arame, outra de

folha. Havia mais na Botica huma

imagem da Senhora com sua coroa

de prata e com seu Menino que tinha

resplendor de prata. Tinha mais

30 tomos de Medicina e Botica, um

candieiro de arame, 6 espatulas

de arame, huma imprensa, 2 bacias

de arame, 2 escumadeiras de arame.

Ficou mais em casa do cirurgião

Manuel de Sousa 30$000 reis

em remedios, 5 tomos de Medicina,

um alambique de cobre estanhado,

2 alambiques de barro vidrado.

Roma: Archivum Romanum

Societatis Iesu, Bras., 28, 27. Apud

Leite, 1953, p. 92.

Manuel Rodrigues Teixeira, c. 1786. Prospecto visto pela frente de hua porção da cidade da Bahia. A botica do Colégio da Bahia era, sem sombra de dúvida, a mais importante na América portuguesa. A grandeza e centralidade daquele colégio haviam engrandecido e concentrado na sua botica obras e grandes intelectuais farmacêuticos da Companhia de Jesus, como o irmão Francisco da Silva e o irmão André da Costa. Acervo Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

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Além dessas boticas clássicas, os jesuítas tinham também certas adaptações adequadas às necessidades missionárias, como era o caso da Botica do Mar do Colégio do Maranhão, que consistia num barco cuja função era a de prover as populações ribeirinhas com medicamentos.17

Nessas boticas, produziam-se os medicamentos que seriam doados ou vendidos a parte da população brasileira feitos segundo o modelo das farmacopeias tradicionais europeias, como a lusita-na de D. Caetano de Santo António,18 e segundo receitas de autores de renome como João Curvo Semmedo. Além disso, outros mode-los de produção medicamentosa eram inventados pelos irmãos boticários, como atestam as inovadoras receitas da Collecção de várias receitas (1766).

Na produção das mezinhas, usavam-se produtos de origem mineral, vegetal e animal. De origem mineral havia as folhas-de-

-ouro e o sal de chumbo em pó, empregados, respectivamente, nas receitas do bezoartico do curvo singular contra febres malignas da botica do Colégio do Recife e do unguento para comechoens de corpo da botica do Colégio da Bahia. De origem vegetal as bicuíbas e o bálsamo do Brasil eram utilizados, o primeiro, no olio de bicuíbas expresso da botica do Colégio da Bahia, e o segundo, em muitas receitas de boti-cas brasileiras, europeias e orientais. E, finalmente, de origem ani-mal, as Jararacas usadas para a produção dos trociscos (espécie de pílula) empregados na confecção da triaga brasílica, e as pérolas, ou aljofar, utilizadas na receita do bezoartico já mencionado.

As boticas da Bahia, Recife e do Rio de Janeiro, segundo o autor da Collecção de varias receitas, eram as mais importantes, as principais.19 Serafim Leite, por outro lado, afirma ser a Botica do Colégio de Recife a mais famosa do Nordeste.20 Essas boticas, além de serem as mais conhecidas, são as únicas acerca das quais dis-pomos de informações sobre os receituários ali inventados e em-pregados.

Com base na leitura do manuscrito da Collecção de varias receitas, observamos que, na botica do Colégio da Bahia, havia sido inventado um total de 40 novas receitas. Ali, além da habitual pro-dução de medicamentos com base nas receitas e simples importa-dos da Europa, produziam-se muitos novos medicamentos. E, mais do que isso, na Botica do Colégio da Bahia inovava-se a forma de produzir os medicamentos, novas receitas eram criadas pelos ir-mãos boticários que ali estavam. Entre essas receitas, as mais curio-sas e interessantes são o já mencionado olio de bicuíbas expresso, o olio de erva da costa, a panacea mercurial, a pedra infernal, as pílulas angélicas, a rosa solis e a importantíssima triaga brasílica.

17 Idem, p. 94. Um exemplo importante

da cultura boticária nas missões é

o do padre Pedro de Montenegro.

Esse jesuíta levara para as missões

do Paraguai um importante

conhecimento boticário a ser ali

empregado e intentava passá-lo

aos índios. Isso é evidente no

manuscrito libro de la propiedad y

bitudes de los arboles i plantas de las

missiones no qual muitas plantas

europeias e orientais tiveram seus

nomes traduzidos para o tupi ou

para o guarani tornando aquele

conhecimento ocidental acessível

àqueles nativos. 18 Santo Antônio, D. Caetano de. 1704.

Pharmacopeia Lusitana. Coimbra:

Joam Antunes. Essa obra foi

encontrada em algumas bibliotecas

jesuítas no Brasil.19 O título mesmo do manuscrito

Collecção de várias receitas e segredos

particulares afirma serem os

medicamentos provenientes das

principais boticas de nossa Companhia

de Portugal, da India, de Macao e do

Brazil. Visto que do manuscrito

somente constam receitas das

boticas dos colégios da Bahia, Recife

e Rio de Janeiro, temos nessas três

as principais boticas jesuíticas do

Brasil, ao menos na primeira metade

do século XVIII.20 Leite, Serafim, 1953, p. 163.

Autor desconhecido, 1766. Receita do olio de bicuibas incluída no manuscrito Collecção de varias receitas e segredos particulares das principaes boticas de nossa Companhia de Portugal, da India e de Macao, e do Brazil [...]. Empregado nas afecções da cabeça e do peito e para as “dores de madre”, o óleo era aplicado nas regiões onde se sentia dor – uma espécie de tintura de arnica daqueles tempos. As receitas da Collecção eram organizadas alfabeticamente e em cada seção o autor incluiu belíssimas capitulares, como essa da letra O. Acervo Archivum Romanum Societatis Iesu, Vaticano

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Autor desconhecido, 1766. Notícia breve dos lugares, onde se achão alguns Simpleces, que compoem a Triaga sobredita, do manuscrito Collecção de varias receitas e segredos particulares das principaes boticas de nossa Companhia de Portugal, da India e de Macao, e do Brazil [...]. Após a receita da triaga brasílica, acha-se uma lista de simples brasileiros com sua respectiva proveniência. Vê-se o conhecimento botânico e fitogeográfico dos padres. Nota-se também que alguns desses ingredientes, como a raiz de capeba e as jararacas, eram cultivados e criados nas quintas dos colégios para prover as boticas.Acervo Archivum Romanum Societatis Iesu, Vaticano

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O olio de bicuíbas expresso era uma espécie de unguento feito com o óleo extraído dos frutos de bicuíba, recomendado para afecções da cabeça e do peito no lugar do unguento nervino e peitoral e para as dores de madre, aplicado sobre a barriga da mulher grávida. O olio de erva da costa era retirado das folhas do Saião, que substituía, no Brasil, o olio rosado,21 para purgação do intestino, contra as dores das tripas e dores de madre. A panacea mercurial era um remédio produzido pela destilação em alambiques de calomelanos,22 um composto de mercúrio, em espírito de vinho, e servia, usado inter-namente, para toda casta de gallico,23 para obstruções, para o mal escorbutico e lombriga e, se usado externamente, para escrófulas, herpes e todo tipo de escoriação da cútis. Além disso, a panacea era também empregada como linimento para empingens ou bálsamo para impingem.24

Usava-se a pedra infernal, feita com prata e água forte para abrirem-se as fontes, exterminar as verrugas, consumir as carnes supér-fluas e calosas das úlceras e outros semelhantes fins. A pílula angéli-ca era elaborada com resinas, trociscos e óleos diversos, e era indi-cada para purgar a cólera com muita suavidade. Preparava-se a rosa solis com muitas plantas do Oriente, empregada para confortar o estômago e contra as indigestões. E, finalmente, o grande remédio da botica do Colégio da Bahia, a triaga brasílica, confeccionada com diversas plantas da flora nativa, como a caapiá,25 o mil-ho-mens, a capeba, a jurubeba, o angericó, o jaborandi, a pagimirioba, a ipecacuanha, o cravo-do-maranhão, a angélica, o ibiraé e outras, e empregada contra qualquer veneno ou enfermidade de natureza venenosa, como as doenças epidêmicas.26

A receita da triaga brasílica era mantida em segredo e cobi-çada por todos aqueles que produziam medicamentos.

Essa receita apresentava uma variação reformada que nada mais era do que a receita original da triaga brasílica melhorada com alguns ingredientes químicos. Muitos deles, como o olio chi-mico de pindaíba e o sal chimico de caroba, ilustravam o encontro do processo espagírico ou químico com os ingredientes nativos da flora brasileira. Essa variação era obra do irmão boticário André da Costa, que residia no Colégio da Bahia como farmacêutico e tinha um vasto conhecimento acerca da medicina química de João Curvo Semmedo.27

21 Cf. sobre o óleo rosado, Dioscórides.

1563. Acerca de la materia medicinal.

Comentado por André de Laguna.

Salamanca: Mathias Gast., p. 38-39;

Santo Antônio, D. Caetano de. 1704.

Pharmacopeia Lusitana. Coimbra:

Joam Antunes, p. 307-309.22 Segundo o Vocabulário português

e latino: “Calomelanos. Palavra

de médico. He o nome de hum

Mercúrio, ou Azougue, que he o

mais suave & melhor de todos os

Mercúrios. Querendo dar a um

gallicado hum pouco de mercúrio

chamado Calomelanos”. Bluteau,

Raphael. 1728. Polyanth. Medic. 780.

Num 60. Volume 2, p. 63. O mercúrio

era usado na época moderna como

um remédio no combate à sífilis.23 O morbo gálico ou mal francês era

o modo como muitos médicos

europeus da época apelidavam a

sífilis. 24 No Novo Dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa (1992), a impingem é

uma designação imprecisa comum a

várias dermatoses. 25 Essa planta era tida como um

antídoto ou contraveneno.26 Sobre a triaga brasílica, cf. Leite,

Bruno Martins Boto. 2012. Mezinhas

antigas e modernas: a invenção

da triaga brasílica pelos jesuítas

do Colégio da Bahia no período

colonial. In: Anais do 13° Seminário

Nacional de História da Ciência e da

Tecnologia. São Paulo: Sociedade

Brasileira de História da Ciência;

Santos, Fernando Santiago dos.

2003. Os jesuítas, os indígenas e as

plantas brasileiras: considerações

sobre a Triaga Brasílica. Dissertação

de mestrado. São Paulo: PUC-SP;

Teixeira, Alessandra dos Santos.

2011. A farmacopeia jesuítica na

América Portuguesa entre os séculos

XVII e início do XVIII. Dissertação de

mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS.

27 O irmão André da Costa (1648-

1712) era natural de Lyon e era

tido por notável boticário (optimus

pharmacopolae) e insigne químico

(chimicus insignis) segundo o

catálogo trienal de 1679. Archivum

Romanum Societatis Iesu, Bras. 5 (2),

222 (1679); Bras. 6, 22. Além disso,

reunia plantas medicinais nas

quintas e fazendas da Companhia e

minerais que lhe pareciam úteis, ou

então mandava buscar, às vezes de

bem longe, simples a serem usados

em suas experiências e receitas. O

padre Bettendorf, reitor dos colégios

do Maranhão e do Pará, escreveu as

seguintes palavras acerca do irmão

boticário André da Costa: Não se

deve passar aqui em silêncio uma pedra

branca, que lasca a modo de talco e

parece vidro, cuja mina se achou em o

tanque grande, para a banda do mato,

uns seis ou sete palmos afastada da

vala; e do canto dela uns vinte, pouco

mais ou menos. Soube desse mineral, o

Ir. André, apoticário da Baía, e mandou

pedir algum para suas mesinhas.

[Bettendorf, Johann, Chronica, p. 307]

Ele faleceu na Bahia, paralítico, em

1712. Cf. Leite, Serafim. 1953, p. 147.

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Autor desconhecido, 1766. Triaga brasílica incluída no manuscrito Collecção de varias receitas e segredos particulares das principaes boticas de nossa Companhia de Portugal, da India e de Macao, e do Brazil [...].

Tratava-se de um antídoto composto inventado pelos padres do Colégio da Bahia, e baseado na fórmula da antiga triaga ou teríaca do médico romano Andrômaco, notabilizada pelo livro De theriaca ad Pisonem de Galeno. Contudo, a triaga brasílica apresentava uma grande quantidade de simples nativos da América portuguesa cujas propriedades haviam sido estudadas pelos jesuítas pela observação direta da natureza e pelas informações que eles puderam obter com as populações indígenas. Acervo Archivum Romanum Societatis Iesu, Vaticano

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Na botica do Colégio do Recife foi inventado um número menor de receitas do que no Colégio da Bahia.28 Um total de sete novas receitas da autoria de D. Lourenza, do cirurgião Manuel dos Santos e outros, como os boticários Francisco da Silva,29 que também es-teve na Botica da Bahia, e seu pupilo o boticário Manuel Dinis,30 foi desenvolvido naquele colégio.

Essa botica produzia, entre outros, um chá laxativo (cujo modelo era tirado de uma receita francesa de Montpellier), uma água oftálmica e um unguento para tudo. A tizana laxativa momplia-censis era uma infusão feita de várias plantas vindas da América espanhola, como a salsaparrilha, o pau-santo e o sassafrás, sendo indicada para qualquer infecção gallica. A agoa otalmica romana era um preparado elaborado com a destilação de várias outras águas, quintílio e pérolas num almofariz e que servia para curar as infla-mações dos olhos. Finalmente, o unguento para tudo era preparado com plantas orientais, como o sândalo, e ingredientes europeus, como o azeite, a cera e o terebento, aplicado para dirigir, encarnar e cicatrizar qualquer chaga.

Finalmente, na Botica do Colégio do Rio de Janeiro, onde também trabalhou o famoso boticário Francisco da Silva, aparen-temente foram inventadas somente duas novas receitas: a massa para cezoens e o vinho febrefugo. A primeira era um eletuário31 feito com uma planta nativa, a quina, e muitas plantas europeias, como a aristolóquia redonda, o lírio e a centáurea e recomendado para toda a casta de febre que vem com o frio. A segunda era uma bebida de composição muito similar à fórmula da primeira receita. Tam-bém era composta de quina e aristolóquia, mas seu emprego vol-tava-se para o curso ou para purgar, contra a apoplexia, paralisia e febres terçãs.

Pode-se observar que, na produção desses medicamentos nas boticas do Brasil, achavam-se amalgamados a tradições farma-cêuticas europeias (a clássica oriunda de Galeno e a química, mais moderna e renovada por Paracelso) conhecimentos sobre as plan-tas da Europa, do Oriente, da América espanhola e do Brasil. Se nessas boticas a novidade era a descoberta das até então desconhe-cidas plantas brasileiras, não podemos, de modo algum, olvidar a existência de outras tradições igualmente importantes na cultura dos boticários jesuítas.

Constam do manuscrito Collecção de várias receitas e segredos parti-culares 49 receitas inventadas genericamente nas boticas dos colé-gios jesuíticos do Brasil e também 14 receitas atribuídas a boticá-rios que trabalhavam em boticas brasileiras, o que aumenta o total para 63 receitas inventadas no Brasil pelos boticários da Compa-nhia de Jesus. Isso atesta a intensa atividade produtiva e intelec-tual das boticas jesuíticas da América portuguesa. Pelo estudo dessas receitas, mais especialmente pelo estudo das plantas utili-zadas nesses medicamentos, buscou-se analisar a proveniência dessas plantas e traçar um pequeno perfil fitogeográfico para ob-servar mais precisamente como essas boticas se conformaram como locais de circulação e dispersão de espécies utilizadas na produção medicamentosa. Essa circulação subentende também aquela de saberes europeus e orientais para as boticas brasileiras da Companhia de Jesus.

28 Esse menor número de receitas

inventadas na Botica do Colégio de

Recife invalida, de certa forma, a

afirmação de Serafim Leite sobre

a botica deste colégio ser a mais

famosa do Nordeste. Isso porque a

maior quantidade de invenções

farmacêuticas da Botica do Colégio

da Bahia comprova a primazia desta

botica sobre aquela. Primazia que

se deu em matéria de acumulação e

inovação de saberes farmacêuticos e

mesmo talvez em notabilidade.29 Francisco da Silva (1695-1763) era

natural de Lisboa e foi boticário do

Colégio da Bahia, São Paulo, Rio de

Janeiro, Olinda e Recife. Teve grande

importância para o reavivamento

da produção farmacêutica no Brasil

daquele tempo, sendo por isso

muito famoso em sua época. Faleceu

em Roma, em 19 de setembro de

1763. Leite, Serafim. 1953, p. 261-262.30 O irmão boticário Manuel Dinis

(1708-1780) era natural de Braga e

atuava em Recife e Olinda, depois de

ter se formado nesta arte no Colégio

da Bahia. Leite, Serafim. 1953, p.

162-163.31 O eletuário é um sacaróleo pastoso

feito com pós, polpas e/ou extratos

medicamentosos. Era um preparado

imerso numa solução açucarada.

Autor desconhecido, 1766. Panacea mercurial, receita do manuscrito Collecção de varias receitas e segredos particulares das principaes boticas de nossa Companhia de Portugal, da India e de Macao, e do Brazil [...]. Na época moderna, o tratamento da sífilis se fazia pelo uso de mercúrio ou guaiaco (pau-santo). O mercúrio era há muito empregado pelos árabes na medicina e fora utilizado contra a sífilis, pela primeira vez, pelo médico suíço Paracelso. Já o guaiaco fora introduzido na medicina europeia pelas obras de Nicolau Monardes. Os dois métodos eram adotados pelos jesuítas na América portuguesa. No Colégio da Bahia era produzida a panaceia mercurial, que tinha em sua composição mercúrio sublimado e espírito de vinho. No Colégio de Recife era produzida a tizana laxativa à base de guaiaco e mercúrio que também servia para o mesmo fim. Acervo Archivum Romanum Societatis Iesu, Vaticano

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Plantas exóticas e nativas na cultura das boticas jesuíticas brasileiras

Pela análise do conjunto de receitas referentes aos medicamentos produzidos nas boticas dos colégios jesuíticos do Brasil, pode-se observar uma grande diversidade de simples empregados na pro-dução medicamentosa dos jesuítas. Dos ingredientes usados para a sua confecção pode-se observar e isolar os simples de natureza vegetal dos demais ingredientes animais ou minerais usados nos remédios, como as jararacas e os pós de ouro.

Os ingredientes de origem vegetal podem ser mais bem compreendidos se compararmos as informações extraídas da Col-lecção de varias receitas com os dados contidos em livros de história natural utilizados na época pelos boticários europeus. Usamos aqui o De materia medica de Dioscórides,32 o De simplicium medica-mentorum de Cláudio Galeno, o De simplicibus medicinis de vários autores árabes, como Serapião, Rasis e Averrois, os Colóquios dos simples e drogas e cousas medicinais da Índia de Garcia da Orta, o Aromatum et simplicium aliquot medicamentorum apud indos nascen-tium historia de Carlos Clúsio, o Tratado de las drogas, y medicinas de las Indias Orientales de Cristóvão da Costa, o Historia medicinal de las cosas que se tienen de nostras Indias Occidentales que sirven en Medicina de Nicolau Monardes e os Quatro libros de la naturaleza y virtudes de las plantas y animales que estan recevidos en el uso de Me-dicina en la Nueva España de Francisco Hernandez.

As plantas presentes nas receitas jesuíticas das boticas bra-sileiras mencionadas em Dioscórides, Galeno e nos árabes eram conhecidas de longa data entre os europeus e provinham essen-cialmente da Europa, de parte da África e de parte do Oriente. As plantas mencionadas em Garcia da Orta, Carlos Clúsio e Cristóvão da Costa provinham essencialmente do Oriente redescoberto pelos portugueses. Aquelas citadas por Nicolau Monardes e Francisco Hernandez provinham da América espanhola. E, finalmente, as plantas que sobravam da comparação dessas informações eram oriundas essencialmente do Brasil. A obra Historia Naturalis Bra-siliae (1648), de Guilherme Piso, reforça a proveniência de algumas dessas plantas.

Com essa análise filológica foi possível relacionar as plan-tas utilizadas nas boticas da Companhia de Jesus do Brasil com a sua proveniência geográfica. Das 122 plantas empregadas pelos jesuítas em suas boticas nas receitas inventadas na América por-tuguesa, 69 já eram de longa data conhecidas dos boticários euro-peus e integravam um conhecimento trazido para cá pelos portu-gueses; 19 eram oriundas dos novos domínios portugueses do Oriente; 9 advinham das conquistas espanholas e, finalmente, 25 eram provenientes do Brasil.

32 O De materia medica era, na época

moderna, um território de disputas

em torno da definição e classificação

dos simples. A obra de Dioscórides

trazia muitas lacunas e perguntas

não respondidas, assim, ao comentar

aquilo que sobrou daquele texto,

muitos autores completavam o que

faltava com suas leituras. Além

disso, os comentários ao texto em

questão configuravam-se como

lugares de disputa pela hegemonia

de certos tipos de epistemologia de

análise das coisas da natureza. Assim,

por meio dos comentários ao texto

em questão cada autor dispunha

seu modelo epistemológico e seu

modo de ler e interpretar o livro

do mundo. Cada comentário ao De

materia medica era uma obra nova

de história natural. Os comentários

de Antonio Musa Brasavola, Amato

Lusitano, Pier Andrea Mattioli, etc.

portavam consigo, cada um deles, a

afirmação de uma forma precisa de

ler, estudar e interpretar as coisas da

natureza. Sobre essa questão cf. Leite,

Bruno Martins Boto. 2012. Entre

bibliotecas e boticas – a controvérsia

dos simples entre Amato Lusitano

e Pietro Andrea Mattioli, século

XVI. In: Alessandrini N., Russo M.,

Sabatini G. e Viola A. (org.). Di buon

affetto e commerzio. Relações luso-

italianas na Idade Moderna. Lisboa:

Cham. A edição do De materia

medica que utilizamos neste estudo

foi aquela, bastante recorrente nas

bibliotecas jesuíticas do Brasil, em

espanhol, comentada por André de

Laguna.

Nicolo Monardes, 1576. Del Garofalo, ilustração do livro Due libri dell’Historia dei Simplici, Aromati, et altre cose, che vengono portate dall’Indie Orientali [...], com anotações de Carlo Clusio a respeito da obra originalmente assinada por Garcia da Horta

Cristóvão da Costa, 1582. Caryophyl arbor [árvore do cravo]. Ilustração do livro Aromatum et medicamentorum in orientali India nascentium liber.

As plantas originárias do Oriente fizeram fortuna na farmacologia dos jesuítas na América portuguesa. O cravo-da-índia integrava várias receitas, como o bálsamo apoplético das boticas dos Colégios de Macau e da Bahia, assim como a variação para as mulheres, que combatia as vertigens e confortava o cérebro; a caçoula admirável, usada para dar bom cheiro e expelir os ares corruptos da peste e a famosíssima triaga brasílica. Acervo Missouri Botanical Garden Library, Saint Louis

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Essa estimativa quantitativa das plantas usadas nas receitas ino-vadas nos colégios do Brasil mostra, em primeiro lugar, a prepon-derância da cultura boticária europeia nas boticas brasileiras e, em segundo lugar, o destaque e importância das boticas jesuíticas do Brasil, e de seus boticários, na descoberta e uso de exemplares na-tivos da flora brasileira.

É importante observar o papel significativo das boticas je-suíticas ao trazer e aclimatar no Brasil33 plantas já há muito conhe-cidas na Europa como o açafrão, o alecrim, a alfazema, a arruda, a aveia, o aipo, a aloé, as azeitonas, o coentro, o cominho, a erva-doce, o gengibre, o hortelã, a laranja, o limão, o lírio, a manjerona, a mir-ra, a romã, a rosa, a salsa, o tremoço, o trevo, o trigo, etc.

Essas plantas compunham o arsenal empregado há séculos pelos boticários europeus na confecção dos remédios usados con-tra as doenças que grassavam no dia a dia e contra aquelas que despontavam nos momentos de crise, como as pestes. Sua presen-ça nas boticas jesuíticas do Brasil atesta uma importação/circulação considerável de componentes da tradição europeia. Sem contar que o modo como os boticários jesuítas preparavam seus medica-mentos ainda derivava dessa tradição.34

Essa transferência da cultura europeia para o Brasil é o que marca o processo colonizador brasileiro. É por isso que Cardim afirmou que “este Brasil já é outro Portugal”, antes de falar das plan-tas e dos animais de enorme importância para o país trazidos do ultramar. Complementando o dito, Cardim precisava que “porém está já Portugal, como dizia, pelas comodidades que de lá lhe vêm”.35

A presença de plantas dos domínios portugueses do Orien-te e dos domínios castelhanos da América também demonstra a importância que intelectuais boticários, como Garcia da Orta e Nicolau Monardes, tiveram não somente para a cultura e a vida europeia mas também para a do Brasil. O conhecimento acerca da almécega da Índia, do benjoim, da canela, da beldroega, do cate, do cravo, da noz-moscada, da raiz-da-china, do ruibarbo, da tutia etc. deslocava-se dos médicos orientais para as páginas do diálogo de Orta e daí inundava a cultura dos europeus no Velho e no Novo Mundo.36 Não podemos esquecer que vinha do Oriente uma das plantas mais importantes para a economia brasileira: a cana-de-

-açúcar.

33 Os jesuítas utilizavam suas quintas e

fazendas para o cultivo das plantas

usadas nas boticas. No manuscrito

da Collecção de várias receitas, em

especial na parte referente à

localização das plantas usadas na

triaga brasílica, fala-se do cultivo

da raiz de capeba, da raiz de

jaborandi, da raiz de jarro, da raiz de

pagimirioba, do neambuz e do cipó-

de-cobra. Além disso, nessas quintas,

os jesuítas também encontravam

ou criavam as jararacas para serem

empregadas na fórmula da triaga.

[Archivum Romanum Societatis

Iesu, Op. NN. 17, pp. 410-412].34 Cf. sobre a dependência da

tradição europeia na invenção dos

medicamentos brasileiros, Leite,

Bruno Martins Boto. 2012. Mezinhas

antigas e modernas: A invenção

da triaga brasílica pelos jesuítas

do Colégio da Bahia no período

colonial. In: Anais do 13° Seminário

Nacional de História da Ciência e da

Tecnologia. São Paulo: Sociedade

Brasileira de História da Ciência.35 Cardim, Fernão. 2009. Tratados da

terra e gente do Brasil. São Paulo:

Hedra, p. 168.36 A importância do empreendimento

de Orta para o mundo havia sido

cantada por ninguém menos que

Luís Vaz de Camões que, numa

poesia na abertura dos Colóquios

dedica a Martim Afonso de Sousa os

seguintes versos: Verdes que em vosso

tempo se mostrou / Ho fruto daquella

orta, honde floreçem / Prantas novas,

que hos doutos não conheçem. Orta,

Garcia da. 1563. Colóquio dos simples,

e drogas he cousas mediçinais da India.

Goa: Joannes de Endem.

O conhecimento da batata, do cardo, da jalapa do Peru, do paca--maca, do pau-santo, do sassafrás, da salsaparrilha, do tabaco etc. movia-se das conquistas espanholas, do contato dos médicos espa-nhois na América, para as páginas do médico Nicolau Monardes que, em seu gabinete, tornava públicas a descrição e as virtudes de muitas plantas que se apresentavam novas aos olhos dos boti-cários e médicos europeus.

Esses intelectuais que, entre muitos outros, sintetizaram as conquistas botânicas da expansão ultramarina, ampliaram o uni-verso cultural e material das boticas adicionando saberes novos sobre novas plantas e novas plantas para a produção de novos me-dicamentos. Essas aquisições culturais, como podemos ver da aná-lise do manuscrito jesuítico, não se limitaram às boticas da Euro-pa, mas também chegaram ao Brasil, ao menos por meio das boti-cas dos jesuítas.

Ademais, e isso é muitíssimo importante, os jesuítas do Bra-sil também empreenderam um esforço de síntese comparado àque-le de Garcia da Orta e de Nicolau Monardes quanto ao conheci-mento das plantas brasileiras. Desde o início da chegada dos jesuí-tas, podemos ver o forte conhecimento adquirido por eles das coisas naturais do Brasil.

Nicolo Monardes, 1576. Ritratto della foglia e dei rami della Canella e frontispício do livro Due libri dell’Historia dei Simplici, Aromati, et altre cose, che vengono portate dall’Indie Orientali [...], com anotações de Carlo Clusio a respeito da obra originalmente assinada por Garcia da Horta. De enorme importância na farmacopeia dos irmãos boticários do Brasil, a canela estava presente nas receitas da água-de-canela, que servia para a fortificação do estômago, da cabeça e do coração; do emplastro para dores de cabeça, produzido no Colégio da Bahia; e na jalea optima de ponta de veado, indicada para corrigir a acritude dos humores e resistir à malignidade dos ares. Acervo Missouri Botanical Garden Library, Saint Louis

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Anchieta, em sua famosa carta de 1560 ao padre geral,37 menciona já a copaíba,38 da qual se extraía o bálsamo do Brasil, e a ipecacua-nha.39 Fernão Cardim, em sua carta ao geral de 1585, menciona, além da copaíba40 e da ipecacuanha,41 a almécega do Brasil, tirada de uma árvore chamada de igcica,42 a caroba,43 o jaborandi44 e a erva caapiá.45 Além disso, Cardim tratou de algumas plantas, como o aipo, malvaísco e a beldroega,46 que eram europeias e orientais, como se fossem nativas. Naquela época, a analogia era um recurso muito usado pelos intelectuais, muitas plantas brasileiras foram identificadas pela semelhança que tinham com espécies que já se conhecia, como a própria almécega, que na origem era uma resina de uma árvore oriental, e o cravo-da-índia.47

Essas plantas aparecem já na lista das plantas brasileiras usadas pelos jesuítas em suas boticas. A capeba, a jerubeba, o an-gericó, a angélica, o jaborandi, a pagimirioba, a ipecacuanha, a caapiá, o cravo-do-maranhão, o ibiraé, a erva caacica, a pindaíba, o nambuz, a copaíba, a caroba, a quina, o urucu etc. eram, já desde meados do século XVI, utilizados pelos padres na confecção de medicamentos para os doentes como vimos nas menções feitas a elas pelos primeiros jesuítas do Brasil. Isso nos permite afirmar, com veemência, que grande parte, senão a maioria, das coisas re-latadas pela história natural de Guilherme Piso era já, de muito tempo, conhecida dos irmãos boticários da Companhia de Jesus. Assim sendo, a Historia Naturalis Brasiliae teve muito mais uma importância de difusão do conhecimento que se tinha, na medida em que tornou públicos muitos saberes que os boticários da Com-panhia de Jesus mantinham em segredo, do que propriamente científica.

37 Anchieta, José de. 1988. Cartas

jesuíticas 3. Belo Horizonte: Itatiaia,

p. 113-153.38 Sobre a copaíba, Anchieta escreve

que Das árvores uma parece digna de

notícia, da qual, ainda que outras haja

que distilam um líquido semelhante

à resina, útil para remédio, escorre

um suco suavíssimo, que pretendem

seja o bálsamo, que a princípios corre

como oleo por pequenos furos feitos

pelo caruncho ou também por talhos de

foices ou de machados, coalha depois

e parece converter-se em uma espécie

de bálsamo; exala um cheiro muito

forte, porém suavíssimo e é otimo para

curar feridas, de tal maneira que em

pouco tempo (como dizem ter-se por

experiencia provado) nem mesmo sinal

fica das cicatrizes. Op. cit., p. 136.39 Sobre a ipecacuanha, Anchieta

relata que Há uma certa raiz,

abundante nos campos, utilissima

para o mesmo fim [relaxar o ventre e

limpar o estômago]; raspa-se e bebe-

se misturada com água; esta, se bem

que provoque o vómito com bastante

violência, todavia bebe-se sem perigo de

vida. Idem, p. 137. 40 Cardim chama essa planta de

Cupaigba. Cardim, Fernão. 2009.

Tratado da terra e gente do Brasil. São

Paulo: Hedra, p.113.41 Cardim menciona essa planta sob a

alcunha de Igpecacóaya. Idem, p. 131.42 Igcica. Esta árvore dá a almécega; onde

está cheira muito por um bom espaço,

dão-se alguns golpes na árvore, e logo

incontinente estila um óleo branco

que se coalha; serve para emplastros

em doenças de frialdade, e para se

defumarem; também serve em lugar de

incenso. Idem, p. 115.43 Caaroba. Destas árvores há uma

grande abundância, as folhas delas

mastigadas, e postas nas boubas as

fazem secar, e sarar maneira que

não tornam mais, e parece que o pau

tem o mesmo efeito que o da China, e

Antilhas para o mesmo mal. Da flor se

faz conserva para os doentes de boubas.

Idem, p. 116.

44 Iabigrandi. Esta árvore há pouco que

foi achada, e é, como dizem alguns

indiáticos, o Betele [arbusto indiano]

nomeado da Índia; os rios e ribeiros

estão cheios destas árvores: as folhas

comidas são o único remédio para as

doenças de fígado, e muitos nesse Brasil

sararam já de mui graves enfermidades

do fígado, comendo elas. Idem, p. 117. 45 Cayapiá. Esta erva é pouco que é

descoberta, é único remédio para

peçonha de toda a sorte, maxime de

cobras, e assim se chama erva-de-cobra,

e é tão bom remédio como unicórnio

de Bada, pedra de bazar, ou coco de

Maldiva. Não se aproveita dela mais

que a raiz, que é delgada, e no meio faz

um nó como botão; esta moída, deitada

em água e bebida mata peçonha da

cobra; também é grande remédio para

as feridas de flechas ervadas, e quando

algum é ferido fica sem medo, e seguro,

bebendo a água desta raiz; também

é grande remédio para as febres,

continuando-a, e bebendo-a algumas

manhãs; cheira esta erva à folha de

figueira de Espanha. Idem, p. 133.46 Idem, p. 136, 138. 47 Oliveira, no Systema de materia

medica vegetal brasileira, mencionava

que havia grande comunicação

com a Índia Oriental, onde então

prevalecia o poder lusitano, e daí

resultou que muitos portugueses

transferissem para o Brasil os

conhecimentos que tinham

adquirido das plantas medicinais

do Oriente, bem como muitos

gêneros daquelas terras. Além disso,

foi costume nomear certas plantas

brasileiras com nomenclaturas

forjadas da experiência farmacêutica

oriental, como era o caso do

cravo-do-maranhão e da almécega

do Brasil. Cf. Oliveira, Henrique

Velloso de. 1854. Systema de Materia

Medica vegetal brasileira… extrahida

e traduzida das obras de Martius. Rio

de Janeiro: Eduardo & Henrique

Laemmert; Marques, Cezar Augusto.

1870. Diccionário historico-geographico

da Provincia do Maranhão. Maranhão:

Typ. do Frias, p. 174.

Pedanius Dioscórides, 1555. Tremoços e Acorum, ilustrações do livro Pedacio Dioscorides Anazarbeo, acerca de la materia medicinal, y de los venenos mortiferos [...]. Das plantas cultivadas na Europa, o tremoço era empregado nas receitas do emplastro para matar lombrigas e da triaga contra lombrigas, ambas do irmão boticário Francisco da Silva. O açoro era parte da receita da triaga brasílica. Acervo Biblioteca Nacional de España, Madri

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Plantas brasileiras nas boticas estrangeiras

Se os aportes de médicos boticários como Garcia da Orta e Nicolau Monardes tinham chegado ao Brasil, os aportes dos boticários da Companhia de Jesus haviam também viajado ao exterior. Não a toda a Europa, porque, como dissemos, os jesuítas obravam em segredo,48 mas unicamente às boticas da Companhia espalhadas pelo mundo.

Nas receitas das boticas de Portugal, como aquelas do Colé-gio de Santo Antão e da Casa de São Roque, e naquelas das boticas do Oriente, como aquela do Colégio de Macau, encontravam-se menções a diversas plantas brasileiras. Ali, os boticários conhe-ciam as suas virtudes e empregavam-nas na confecção dos medi-camentos. Donde se infere que eram levadas àquelas partes muitas plantas nativas do Brasil.

Nas boticas portuguesas, as plantas utilizadas eram a quina, o bálsamo do Brasil ou copaíba e a almécega do Brasil.49 Nas boticas orientais da Companhia de Jesus, usavam-se preferencialmente a quina e o bálsamo do Brasil.50

Além dessas boticas, o bálsamo de copaíba era usado na Bo-tica do Colégio Romano como uma alternativa ao opobálsamo eu-ropeu na receita da famosíssima triaga daquele colégio.

Temos, no total, 18 receitas de boticas jesuíticas fora do Brasil que faziam uso de plantas descobertas nestas geografias, das quais, além da quina e do óleo de copaíba, constavam também o cravo-do-maranhão e bagas de aroeira.51

Iam para fora do Brasil, por meio das cartas, muitas infor-mações sobre as plantas brasileiras e, pelas naus e pelos agentes da Companhia, muitas plantas brasileiras. A quina e a copaíba notabilizavam-se enormemente nas boticas jesuíticas da Europa e da Ásia e constituíram-se como ingredientes importantes, senão necessários, na produção medicamentosa dessas geografias.

48 O autor anônimo do manuscrito

da Collecção de varias receitas exorta

o leitor que sejas muito acautellado

e escrupuloso em não revelar algum

destes segredos, pois em consciência

se não pode fazer, advertindo que

são cousas estas da Religião, e não

tuas. Roma: Archivum Romanum

Societatis Iesu, Op. NN. 17. Prólogo

ao Leitor.

É interessante observar o

paradoxo que é esse manuscrito.

Ele parece ter sido feito para ser

impresso, organizado de modo

a ser enviado ao prelo. Contudo,

o caráter da informação e esse

tipo de afirmação se opõem a

toda tentativa de tornar públicos

esses saberes. Provavelmente esse

manuscrito constituía-se numa

tentativa de sintetizar os aportes

das boticas de Jesus para servir de

instrumento interno aos boticários

da Companhia. É provável que a

intenção desse manuscrito fosse

propor uma espécie de farmacopeia

jesuítica dirigida unicamente aos

jesuítas e secreta para os leigos.

Sobre os medicamentos secretos,

cf. Marques, Vera Regina Beltrão.

1999. Natureza em boiões. São Paulo:

Unicamp. Em especial o capítulo 4.49 Essas plantas eram usadas nas

seguintes receitas presentes na

Collecção, a saber, a agoa de Inglaterra

que costumava fazer na botica de

S. Antão, que continha a quina, o

balsamo apoplético da botica de Sao

Roque, que continha o bálsamo do

Brasil, e o emplastro admirável da

botica de S. Roque, que continha

a almécega do Brasil. Roma:

Archivum Romanum Societatis Iesu,

Op. NN. 17, p. 16-18, 68, 120-121.

50 Essas plantas serviam de ingrediente

para a Agoa febrefuga da botica

do Collegio de Macao optima, o

bezoartico de curvo da botica do Coll.

de Macao e a massa para sezoens

da botica do Collegio de Macao, que

empregavam a quina, e para o

balsamo estomacal da botica do Coll.

de Macao, o bezoartico apopletico das

boticas dos collegios de Macao e Bahia

optimo, para homens e mulheres, e

a tintura estomacal da botica do coll de

Macao, que empregavam o bálsamo

do Brasil extraído da copaíba.51 Além das receitas já mencionadas

do Colégio Romano, das boticas

portuguesas e das boticas de Macau,

constam também aquelas sem

nenhuma referência como agoa

febrefuga p. terçans e quartans, a agoa

febrefuga, o linimento para empiges

e as pílulas histéricas e aquelas do

boticário Manuel de Carvalho, de

quem não sabemos precisamente

a origem e o lugar de trabalho.

Conjectura-se, entretanto, que

ele era de Portugal por não estar

presente nas informações oferecidas

por Serafim Leite sobre os boticários

que trabalharam nas boticas dos

colégios do Brasil, contudo isso

ainda carece de averiguação mais

aprofundada.

Albert Eckhout, 1660. Urucu, estampa do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. As ilustrações botânicas de Eckhout apontam para o interesse que os holandeses tinham no conhecimento que já era posse dos portugueses. O urucu, conhecido dos padres da Companhia de Jesus, era um dos compostos da triaga brasílica. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

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Conclusão

Com base no que foi dito e analisado, pode-se dizer que as boticas dos colégios da Companhia de Jesus do Brasil configuraram-se co-mo lugares de fusão de tradições culturais, sendo aquela mais pre-ponderante, ou se quisermos hegemônica, a que vinha da Europa. Essas boticas eram Europas portáteis, traziam consigo a tradição farmacêutica das boticas europeias. As boticas jesuíticas do Brasil deixavam-se inovar pelos novos aportes do Oriente e da América espanhola, como acontecia com as boticas europeias, e, além disso, traziam para a cultura científica dos jesuítas novos aportes e co-nhecimentos de botânica brasileira.

Contudo, esses aportes não eram divulgados para “todos”. O conhecimento obtido nas boticas jesuíticas do Brasil era cousa da Religião e não de toda a humanidade. Como o Estado português, a Companhia de Jesus empregava uma política de segredo e de sigilo que fazia com que os conhecimentos obtidos pelos padres fossem só e unicamente para o uso deles mesmos. Por isso, pode-mos dizer que os jesuítas antecederam, e muito, os holandeses no conhecimento da flora brasileira. Isso não somente por estarem aqui há muito mais tempo que os batavos, mas também, como vimos, por empregarem, desde sua chegada, seus conhecimentos da flora local na produção de medicamentos e na cura dos doentes.

Além disso, pode-se dizer que as boticas dos jesuítas, do Bra-sil e do resto do mundo, promoveram a circulação de muitos sa-beres botânicos e de muitas plantas das mais diferentes geografias. As boticas dos colégios jesuíticos do Brasil trouxeram para cá plan-tas do Oriente, da Europa e da América espanhola. As mesmas boticas exportaram para os colégios do Oriente e da Europa, Por-tugal e Roma, muitas plantas brasileiras.

No Brasil, achavam-se nas boticas jesuíticas de então plan-tas europeias como o alecrim, a arruda e o hortelã, plantas orien-tais como o benjoim, a canela e o cravo, plantas da América espa-nhola como a batata, a jalapa e o pau-santo e plantas brasileiras como a angélica, a quina e a copaíba. A estrutura da Companhia de Jesus, como uma vasta rede, permitia que saberes e plantas cir-culassem dos quatro cantos do mundo para o Brasil e deste para os quatro cantos do mundo.

Albert Eckhout, 1660. Cidra-real, ilustração do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. Os holandeses atestaram a presença no Brasil de várias plantas cultivadas na Europa trazidas pelos portugueses. A cidra integrava a composição de muitos medicamentos dos colégios jesuítas da América portuguesa, como por exemplo a triaga contra lombrigas do irmão boticário Francisco da Silva e a triaga brasílica. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

Albert Eckhout, 1660. Romeiro, ilustração do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. Cultivada na Europa, assim como a cidra, a romã era usada num composto produzido na botica do Colégio do Rio de Janeiro: a massa para cezoens era um medicamento indicado para combater as febres trazidas pelo frio. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

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Albert Eckhout, 1660. Jaborandi-guaçu, ilustrações do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. Já conhecida dos padres jesuítas como Cardim, essa planta possuía virtudes contra as doenças do fígado e por isso era cultivada pelos padres em suas quintas. Como muitas outras plantas nativas, serviu de ingrediente ao composto da triaga brasílica. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

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Albert Eckhout, 1660. Caaroba, ilustração do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. Foi descrita pelo padre Fernão Cardim em suas cartas ao geral da Companhia. Segundo ele, essa árvore tinha as mesmas propriedades do pau-da-china. Nas boticas dos Colégios da Companhia de Jesus do Brasil, era usada na confecção da conserva de caroba, variante brasileira contra a sífilis, e da triaga brasílica. Nesta, a caroba passava por um processo químico que exemplificava a adaptação de um novo simples a um novo método farmacêutico. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

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Acima: Albert Eckhout, 1660. Nhambu-guaçu, ilustração do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. Os naturalistas holandeses, sem sombra de dúvida, melhoraram o conhecimento sobre a natureza brasileira adquirido antes deles pelos portugueses. O nambuz era, como muitas outras plantas nativas do Brasil, um dos ingredientes da triaga brasílica. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

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Na página à esquerda: Albert Eckhout, 1660. Ibiraba, ilustração do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. Diversas plantas nativas da América portuguesa passaram a ser empregadas na farmacopeia europeia pela ação do irmãos boticários da Companhia de Jesus. Usava-se a casca do ibiraé na confecção da triaga brasílica. Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

À direita: Albert Eckhout, 1660. Caapiá, ilustração do livro Theatri Rerum Naturalium Brasiliae. A caapiá era tida pelos médicos da época como um importante alexifármaco, sendo empregada contra a ação de venenos e doenças epidêmicas. Foi fartamente usada na produção de medicamentos antidotais, como a famosa triaga brasílica, e no tratamento das epidemias pestilenciais, como a que assolou Pernambuco na década de 1690. Uma variedade de caapiá da América espanhola, ali chamada de contrayerba, foi exportada em larga escala para a Itália e utilizada no tratamento das pestes que devastaram a península na primeira metade do século XVII.Acervo Biblioteka Jagiellonska, Cracóvia

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