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VIII ENTBL – Encontro Nacional de Turismo com Base Local Planejamento do turismo para o desenvolvimento local Curitiba, 3 a 6 de novembro de 2004 Turismo e Desenvolvimento Local no Estado do Rio de Janeiro Claudio A. G. Egler Gisela A. Pires do Rio Apresentação O tema turismo e desenvolvimento local sugere a articulação entre uma atividade peculiar e seu potencial em desencadear um processo sustentado de mudanças positivas na economia de um determinado lugar. Esta sugestão tem implicações importantes no que diz respeito aos fundamentos do próprio processo de desenvolvimento, que envolve distintas dimensões desde a ambiental, passando pela econômica e humana, para chegar à institucional. O papel do turismo pode ser avaliado, portanto, desde o ponto de vista de seus impactos sobre o ambiente, passando pelas possibilidades de elevação do nível de renda e bem estar social até a construção de novas institucionalidades, capazes de conferir maior autonomia ao lugar. Uma das questões que o tema nos remete é sobre as atividades geradoras de renda e aquelas que se constituem simples transferência de renda. Uma discussão antiga mas nem por isso de menor importância. Quais as efetivas possibilidades do turismo contribuir para o desenvolvimento local e regional? O turismo pode ser considerado uma atividade geradora e multiplicadora de renda? Essas duas indagações possuem implicações tanto no que diz respeito à organização espacial, como em relação às potencialidades de desenvolvimento local que vão além da retórica da Política Nacional de Turismo e dos de planos de desenvolvimento turístico como aqueles implementados na região Nordeste (PRODETUR) ou no mesmo na cidade do Rio de Janeiro, como o plano Maravilha 1 . 1 O plano Maravilha foi realizado em 1997 pela RIOTOUR e teve por objetivos promover o incremento do fluxo de turistas internacionais, consolidar a liderança do Rio de Janeiro no plano nacional; promover a imagem turística da cidade e incentivar a realização de eventos. No escopo do plano, foi desenvolvido em 1998, o projeto Carioquinha que prevê a redução de dos preços de ingressos nos pontos turísticos para os moradores da cidade.

Turismo e Desenvolvimento Local no Estado do Rio de Janeiro

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VIII ENTBL – Encontro Nacional de Turismo com Base Local Planejamento do turismo para o desenvolvimento local Curitiba, 3 a 6 de novembro de 2004

Turismo e Desenvolvimento Local no Estado do Rio de Janeiro

Claudio A. G. Egler Gisela A. Pires do Rio

Apresentação O tema turismo e desenvolvimento local sugere a articulação entre uma atividade

peculiar e seu potencial em desencadear um processo sustentado de mudanças positivas na

economia de um determinado lugar. Esta sugestão tem implicações importantes no que diz

respeito aos fundamentos do próprio processo de desenvolvimento, que envolve distintas

dimensões desde a ambiental, passando pela econômica e humana, para chegar à

institucional.

O papel do turismo pode ser avaliado, portanto, desde o ponto de vista de seus

impactos sobre o ambiente, passando pelas possibilidades de elevação do nível de renda e

bem estar social até a construção de novas institucionalidades, capazes de conferir maior

autonomia ao lugar. Uma das questões que o tema nos remete é sobre as atividades

geradoras de renda e aquelas que se constituem simples transferência de renda. Uma

discussão antiga mas nem por isso de menor importância.

Quais as efetivas possibilidades do turismo contribuir para o desenvolvimento local

e regional? O turismo pode ser considerado uma atividade geradora e multiplicadora de

renda? Essas duas indagações possuem implicações tanto no que diz respeito à organização

espacial, como em relação às potencialidades de desenvolvimento local que vão além da

retórica da Política Nacional de Turismo e dos de planos de desenvolvimento turístico

como aqueles implementados na região Nordeste (PRODETUR) ou no mesmo na cidade do

Rio de Janeiro, como o plano Maravilha1.

1 O plano Maravilha foi realizado em 1997 pela RIOTOUR e teve por objetivos promover o incremento do fluxo de turistas internacionais, consolidar a liderança do Rio de Janeiro no plano nacional; promover a imagem turística da cidade e incentivar a realização de eventos. No escopo do plano, foi desenvolvido em 1998, o projeto Carioquinha que prevê a redução de dos preços de ingressos nos pontos turísticos para os moradores da cidade.

De um modo bastante esquemático, pode-se notar que, no Brasil, constituíram-se,

nas duas últimas décadas, alguns pólos turísticos de expressão internacional. Enquanto a

cidade do Rio de Janeiro, e mais recentemente, o Litoral Sul e a Região dos Lagos,

representam espaços de inserção funcional mais antigos e consolidados, a região litorânea

do Nordeste ampliou essa funcionalidade a partir da segunda metade da década de 1980. O

tratamento dado a este setor econômico tem sido, no entanto, equivalente ao de uma

atividade extrativa, isto é a questão se resume, de modo prescritivo, em como aumentar a

eficiência na exploração dos pontos turísticos em detrimento de aspectos importantes para o

desenvolvimento como arranjo institucional, diversidade de agentes envolvidos, relações

como política cambial, valorização dos serviços conexos e da infra-estrutura. Assim, no

contexto de planos e políticas nacionais poucas são as mudanças substanciais propostas.

Não obstante essas considerações, podemos observar algumas experiências segundo as

quais a ação local é capaz de criar economias de associação a partir do território e, assim,

criar singularidades a partir do potencial turístico existente. É sobre este aspecto que o

presente trabalho pretende discutir as relações entre turismo e desenvolvimento local no

estado do Rio de Janeiro.

Turismo e Desenvolvimento O turismo vem merecendo a atenção por parte dos geógrafos há bastante tempo.

Cazes (1992), por exemplo, define os anos 80 como marco para o aparecimento de uma

produção da geografia sobre esse tema. Sem ignorar os trabalhos precursores da década de

1960, o autor indica a criação do Grupo de trabalho em Geografia do Turismo pela União

Geográfica Internacional, em 1972, como importante mecanismo de consolidação da

produção geográfica sobre o assunto.

No Brasil, os trabalhos de Yazigi (1998; 2001) e Rodrigues (1996; 1997) marcam,

no âmbito da geografia, uma retomada das preocupações com o tema à luz das

transformações observadas em várias localidades. As perspectivas de tratamento e

abordagens são bastante amplas, sendo possível observar uma prioridade sobre os seguintes

aspectos: transformação e criação de paisagens (Yazigi, 2002), construção de identidades

(Yazigi, 2001), sustentabilidade dos projetos turísticos (Faria, 2001), valores e

representações discursivas (Coelho, 1998), turismo em áreas rurais (Almeida e Riedl,

(2000), etc. Além desses trabalhos, observa-se um interesse crescente por vários aspectos

dessa temática a partir do número de dissertações apresentadas em diversos programas de

pós-graduação2 e por encontros e simpósios voltados para o tema, dos quais este VIII

ENTBL constitui um exemplo bastante expressivo. As coletâneas organizadas na última

década (Yázigi, 2002; Lemos; 1996; Faria, 2001) refletem, de modo semelhante, o amplo

leque de preocupações dos autores e os avanços de suas respectivas pesquisas sobre o tema.

Permanecem, entretanto, pontos e elementos que ainda não foram completamente

explorados ou que precisam ser mais cuidadosamente analisados. Entre aqueles, observa-se

um conjunto de afirmações que apontam o turismo como solução/ alternativa para a crise

econômica (Almeida e Riedl, 2000), ou ainda como indústria3 sem chaminé. Este último

ponto constitui uma representação freqüente que nos parece, porém, bastante equivocada a

respeito dessa atividade.

A relação entre turismo e desenvolvimento pode ser analisada em diferentes níveis,

compreendendo fluxos internacionais, efeitos no tecido social e produtivo, impactos

ambientais, funcionalização de regiões e lugares, distorções na cultura local, etc. Além

desses aspectos, alguns estudos mais antigos consideram essa relação em termos de

estruturas e formas de dominação. Girvan (1973) e Britton (1982), por exemplo,

consideravam que o desenvolvimento do turismo em quase nada diferia de uma economia

de plantation. Para esse autores, o turismo como estratégia de desenvolvimento engendrava

um sistema econômico sem controle por parte dos agentes locais e regionais. Assim, os

complexos turísticos instalados em ilhas tropicais seriam apenas produto do controle e

poder comercial de companhias globais.

Em estudos mais recentes sobre o tema, alguns autores escapam dessa estrutura

simplista, enfatizando diferenças mais sutis na organização e controle sobre o território e

articulação entre as escalas global e local e inserção do lugares na economia-mundo. Shaw

e Williams (1994) mostram como essa indústria, em escala mundial, é dominada por

poucas companhias que operam ao lado de uma constelação de pequenas e médias e, ao

mesmo tempo, independentes empresas e consideram que a complexidade da atividade

2 No V Encontro Nacional da ANPEGE, chamava atenção o número de trabalhos que tratavam do tema. 3 No corpo desse trabalho, indústria do turismo significa tratar essa atividade a partir de uma categoria de organização- a indústria. Neste sentido, as unidades prestadoras de serviços incluem um leque enorme de unidades e de serviços que podem caracterizar situações particulares geradoras de interdependências duráveis e estruturantes do território.

turística reside no conjunto de serviços associados à produção e consumo dos lugares. Hall

(1994) salienta as Inter-relações entre arranjos institucionais, estabilidade política e grupos

de interesses na compreensão das questões que dizem respeito ao desenvolvimento do

turismo contemporâneo. Nesse sentido, o turismo não é necessariamente superior às outras

atividades econômicas, embora para muitos dos planejadores essa atividade apareça como

solução redentora (Hall, 1994).

A questão que se coloca é a seguinte: seria possível que uma tal inserção funcional

pudesse desencadear um processo de transformação do sistema produtivo local? No Estado

do Rio de Janeiro, há indícios de que esse processo, quando estruturado pelo poder local,

pode manifestar-se de modo positivo, isto é, quando orientadas pela capacidade de

governança local. Se, por um lado, os exemplos de desenvolvimento de clusters de

indústrias interrelacionadas ou clusters de inovação (Amin, 2004) direcionam o foco para

as atividades de transformação, por outro, a mobilização em torno de interdependências

locais pode favorecer a emergência de uma indústria do turismo de modo mais substantivo

do que a exploração pura e simples de belezas naturais. Este, parece ser o caso de Rio das

Ostras, município situado na região dos Lagos, no estado do Rio de Janeiro.

A noção de cluster4 está intimamente ligada aos espaços da produção que associam

concentração geográfica e setorial como condições necessárias para sua formação, bem

como as articulações sistemáticas entre instituições e organizações. Os clusters5 são,

segundo Porter (1998), concentrações geográficas de firmas e instituições interconectadas

operando em um setor, compreendendo, portanto, um leque unidades produtivas e outras

entidades que asseguram a competitividade. Ainda aqui a ênfase permanece na articulação

setorial, mas acrescenta a ação institucional de base local como condição necessária do

desempenho do cluster.

A discussão nos remete, por essa via, à noção dos distritos industriais como espaços

setoriais dinâmicos, incorporando, porém, a ação local como condição da origem e

expansão dos clusters. As características genéricas de acessibilidade perdem seu peso

relativo em favor da ação local, principalmente aquela voltada para as economias de

4 Para uma introdução à discussão de clusters no Brasil ver Ilgiori (2001) 5 As experiências brasileiras em torno de clusters industriais orienta-se em geral para a caracterização de arranjos produtivos aqueles encontrados no Vale dos Sinos (RS), em Franca (SP), Cerâmica (SC), Telecomunicação (Campinas, SP), entre outros (Iogli, 2001).

associação (Amin, 2004). Ao deslocar essa grade analítica para uma indústria ligada ao

setor de serviços, coloca-se em evidência a possibilidade de se desenvolver arranjos

produtivos associados ao conjunto de infra-estrutura e serviços indiretos capazes de criar

efeitos de polarização (crescimento e desenvolvimento) a partir dos serviços.

Impõe-se, nesse ponto, um esclarecimento a respeito do termo instituição. Este

termo, como tanto outros, envolve um grande número de significados. Observa-se o uso do

termo para remeter tanto aos aspectos de normas jurídicas e da ordem constitucional, como

aos hábitos e convenções constituídos informalmente por uma sociedade. Aplica-se,

igualmente para o conjunto de regras que regulam o comportamento dos agentes. No que

diz respeito ao desenvolvimento regional e local, o que está em jogo é a natureza do

compromisso institucionalizado que confere movimento ao território. Além disso, a

velocidade das transformações decorrentes do processo de reestruturação produtiva

implicaram, no Brasil, novas configurações territoriais, entre elas a emancipação de

municípios, abrindo possibilidades de reconversão dos territórios, o desenvolvimento de

novas atividades e as opções de inserção em escala global pelo aproveitamento de

potenciais locais.

As relações entre turismo e desenvolvimento analisada a partir da noção de clusters

e economias de associação assume expressão como processo espacial na medida em que

permite colocar em relevo a existência de formas de organização que asseguram a

integração de decisões públicas e privadas, de um lado, e, de outro, mobiliza a base de

recursos que possibilita a especialização funcional. È por essa via de análise que o turismo

pode estar associado ao desenvolvimento local, implicando considerar, nesse caso, as

formas de competição e cooperação entre os diferentes territórios.

Esta maneira bastante esquemática de situar a atividade turística em sua relação com

o desenvolvimento nos permite melhor posicionar, acredita-se, os esforços e estratégias da

ação local. Esta não se restringe unicamente aos serviços em rede sob controle de agentes

locais mas, e sobretudo, cria as economias de associação. Estas últimas incluem a

proximidade relacional entre instituições, que mesmo atuando em domínios diferentes,

possuem um efeito sobre o comportamento dos agentes. Trata-se, nesse caso, do

estabelecimento de regularidades complementares e coerentes de modo a reduzir o peso das

estruturas imperfeitas do mercado. Esta posição altera de modo considerável as constantes

afirmativas sobre uma suposta vocação natural para o turismo, dada pelo quadro natural,

uma obra do acaso. Ao contrário, observa-se a criação de recursos que resultam de

estratégias e da ação de organizações e agentes econômicos que criam as condições de

governança, diferente, portanto, daquela situação acima mencionada sobre as economias de

plantation.

Inserção Regional e Desenvolvimento Local Assume-se, no contexto deste trabalho, o local como categoria de análise, isto é

como escala geográfica. Trata-se de uma escala que se define de modo articulado e

diferenciado em relação à escala global. Assim, o local é compreendido como relação

espaço-tempo específica em uma área geográfica cuja delimitação não corresponde, por

exemplo, aos limites administrativos dos entes federados. Cabe, no entanto, ressaltar que os

agentes públicos que atuam nessa escala, compreendem, em grande parte, as prefeituras.

Este elemento pode sugerir a correspondência direta entre local e municipalidade. Esta

relação não é, contudo, direta. As tensões entre local e municipalidade permitem a

emergência de dispositivos institucionais que criam e recriam as condições de governança

que transcende a divisão político administrativa.

Países como a Espanha, por exemplo, onde a indústria do turismo desenvolveu-se, a

partir dos anos de 1980, sob responsabilidade do planejamento e gestão das regiões

autônomas, apontam como resultado a dificuldade de articulação e coordenação entre as

políticas territoriais e setoriais (Baidal, 2004). Yázigi (1998) argumenta que no

planejamento do turismo no Brasil prevalece ainda a visão de que explorar o potencial

turístico resume-se à atração de investimentos em hotelaria. Nesse sentido, os autores se

aproximam quanto aos limites do planejamento setorial, sem referências às economias de

associação.

Em trabalho recente sobre as possibilidades e limites da ação econômica local no

contexto brasileiro Diogo (2004) argumenta que esta constitui uma resposta das prefeituras

à uma dinâmica global de crise do emprego e acirramento da competição entre territórios.

Este trabalho é bastante ilustrativo como contraponto para as questões sobre inserção

regional, desenvolvimento e a criação de economias de associação. Para este autor o

fortalecimento da ação econômica local e a constituição de arranjos produtivos não foi uma

simples opção dos governos municipais e das empresas. Essas práticas foram necessárias

para garantir a sobrevivência das empresas locais e a permanência dos investimentos nas

localidades. Em outros termos, a ação local é vista como resposta à necessidade de

articulação e coordenação de recursos genéricos e específicos localizados no território.

É importante não confundir a escala local com o lugar. A materialidade do lugar,

que representa a síntese de múltiplos processos e formas, confere características geográficas

e históricas próprias que o distingue de outros lugares. É a expressão da relação universal

versus particular. Nesse aspecto reside um dos principais componentes da construção

daquilo que hoje se denomina um “produto turístico”. De um lado, é necessário possuir

fatores que são universais, no que diz respeito tanto à qualidade dos serviços pessoais,

como o acesso às redes globais, de outro, devem estar presentes elementos que o

particularizam diante de outros lugares, tais como atrativos naturais e/ou culturais. Tais

elementos podem, e muitas vezes o são, produzidos. Isto pode ocorrer tanto na forma de

parques temáticos, como também na própria velocidade de inserção nas redes globais,

criando espaços-tempo diferenciados, como por exemplo as cidades lênticas da Itália.

É importante estabelecer a distinção entre o modo de vinculação do lugar com seu

entorno, ou seja com outros lugares vizinhos, do seu modo de inserção nas redes que se

definem nas diversas escalas. É nesse ponto que se pode definir os limites e alcances da

ação local e o caso do município de Rio das Ostras, no Estado do Rio de Janeiro, pode ser

muito ilustrativo acerca dessa questão. Situado na área de influência da Bacia de Campos,

um território do petróleo (Egler e Pires do Rio; 2004), fazendo limite com Macaé, seu pólo

regional mais dinâmico e nas vizinhanças de Cabo Frio e Armação de Búzios, que são

destinos turísticos relativamente consolidados no contexto fluminense, a municipalidade de

Rio das Ostras optou por criar uma “marca” própria associada ao lugar, que a individualize

tanto quanto aos fluxos regionais de turismo e lazer provenientes da metrópole carioca,

como também garanta sua inserção diferenciada nas redes globais das atividades de

exploração e produção de petróleo. Tal marca pretende definir a cidade como um lugar

particular, que valoriza sua natureza e cultura, e um local integrado nos circuitos globais,

capaz de sediar uma Zona Especial de Negócios destinada a ser um pólo de serviços

avançados para o setor petrolífero.

Dimensões do Turismo de Base Local no Rio de Janeiro Do ponto de vista ambiental, o estado do Rio de Janeiro possui atrativos

paisagísticos que lhe conferem posição de destaque no cenário nacional e internacional. O

conjunto de serras que formam a borda do Planalto Atlântico, aliado ao extenso litoral, ora

profundamente recortado na Costa Verde, ora com vastas extensões de lagoas e restingas na

Região dos Lagos, resulta em um mosaico diferenciado de paisagens, que já foi

extensamente descrito pelos viajantes desde do século XIX.

A presença das elevações serranas e do litoral são características naturais que vêm

sendo trabalhadas há muito no imaginário fluminense, ao ponto da própria bandeira do

estado trazer essa marca ambiental. Tais paisagens foram funcionalizadas desde o período

colonial, onde as grandes reentrâncias costeiras formadas pela Baia da Ilha Grande, de

Sepetiba e da Guanabara constituíam abrigos naturais para a navegação, ao mesmo tempo

em que promontórios rochosos, como o de Arraial do Cabo e de Armação dos Búzios,

avançam mar adentro, facilitando a pesca e captura de baleias, cujo óleo foi essencial para a

construção urbana nos primórdios da colonização.

A transferência da capital colonial para a cidade do Rio de Janeiro em meados do

século XVIII, em conseqüência de sua posição privilegiada no controle do acesso às Minas

Gerais, consolida a presença local do aparelho de controle metropolitano sobre a colônia, o

que foi potencializado com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, nos primórdios

do século XIX, definindo o papel de capital que atravessou o Império e chegou até 1960.

Nesse sentido, a cidade do Rio de Janeiro e seu entorno acumularam, parodiando Braudel,

muitos sedimentos de história, que formam um atrativo turístico importante que está

presente não apenas no centro metropolitano, como também em cidades como Paraty e

Petrópolis e zonas rurais, como as fazendas de café no Vale do Paraíba.

A beleza cênica da paisagem da orla da Baia da Guanabara, combinada com papel

de capital conferido ao Rio de Janeiro foram fatores importantes para a transformação da

cidade em uma espécie de vitrine do Brasil (Lessa; 2000), representação trabalhada

intensamente durante todo século XX. Hoje, o legado dessa imagem é contraditório. De um

lado, o Rio ainda é uma cidade aberta, tanto no sentido cosmopolita do termo, como no

cultural, pois permanece como destino preferencial de turistas estrangeiros e sedia um dos

mais importantes centros da indústria de entretenimento do Brasil: as Organizações Globo.

De outro, é uma cidade partida, tanto no que diz respeito às suas vinculações com o restante

do estado, cujo afastamento está se acentuado com a crise econômica que perdura há

décadas, como também em seu próprio território, onde a segregação e os conflitos urbanos

estão colocando em cheque o seu próprio futuro enquanto polis civilizada.

Essas características explicam em grande medida a distribuição do equipamento

hoteleiro no estado do Rio de Janeiro. A Figura 1 mostra a existência de quatro pólos

regionais: a Costa Verde, no litoral sul do estado, o médio vale do Paraíba do Sul, antiga

área cafeicultora, e a região dos Lagos, mais especificamente os municípios de Búzios,

Cabo Frio, Arraial do Cabo, Araruama e Saquarema e, finalmente, a área metropolitana.

Esses pólos, localizados preferencialmente na zona costeira (à exceção do Médio Vale),

contrapõe-se aos reduzidos investimentos no resto do estado.

Esses quatro pólos refletem, por um lado, as estratégias de conversão e

oportunidades de investimentos para contornar o lento e progressivo esvaziamento

econômico do estado e, por outro, formas de construção e inserção dos lugares a partir de

recomposições de fronteiras institucionais. Na região metropolitana, particularmente na

cidade do Rio de Janeiro, se concentra a maior parte do equipamento hoteleiro do estado.

Todavia, uma fração considerável desse equipamento não é exclusivamente tributária da

atividade turística. A polifuncionalidade da cidade e atratividade do sítio, explicam o

elevado número de hotéis na região.

A partir da metrópole, é possível observar dois eixos de integração: um em direção

ao litoral Sul, hoje conhecido como Costa Verde, e o segundo em direção ao litoral Norte,

para a região dos Lagos. Nessas duas regiões turismo e lazer se confundem: há tanto a

ocupação pela construção de residências secundárias, como equipamentos para receber

fluxos de pessoas de outros estados e de outros países.

A costa Verde6, como denominação oficial da regionalização turística do estado,

apareceu no início da década de 1990. Durante muitos anos, o litoral Sul permaneceu como

uma das áreas mais isoladas e de fraca integração com a metrópole, sendo aberta para

implantações industriais e turísticas quando da construção da rodovia Rio– Santos, nos anos

70. Nesse pólo, Paraty emerge como produto turístico consolidado, cuja capacidade em

6 A proximidade da Serra do Mar da costa configura um litoral sinuoso com baías e enseadas e a demarcação do Parque Nacional da Bocaina explicam a atual denominação.

articular ações em várias escalas reforçam sua polarização. De patrimônio histórico

nacional a patrimônio da humanidade e, mais recentemente, de lugar privilegiado para

exposição da literatura internacional, destaca-se como lugar singular, bastante diferente dos

complexos hoteleiros, produtos indiferenciados e que funcionam como enclaves, situados

em Angra dos Reis.

Em direção ao litoral norte, o asfaltamento da BR 101 e a construção da ponte Rio

Niterói, no início da década de 1970, permitiram a conexão dessa região à metrópole

carioca, facilitando, assim, sua integração e permitindo que a função turística assumisse

importância na região, substituindo a indústria salineira, como atividade predominante.

Hoje, a exploração de petróleo na bacia de Campos vem imprimindo um novo ritmo à

região. Mais do que em qualquer outra região do estado, nela evidencia-se o embate entre

duas formas de inserção em rede globais.

Finalmente o quarto pólo, refere-se ao médio vale do Paraíba do Sul. Essa porção do

estado corresponde à uma das áreas mais dinâmicas, cujo tecido produtivo tem por base o

complexo metal-mecânico. A função turística não está, entretanto, diretamente relacionada

a esse setor. A possibilidade de visitação do Parque Nacional de Itatiaia, a existência de

localidades igualmente isoladas situadas em elevadas altitudes e a facilidade de acesso a

Penedo, que se individualiza como lugar a partir da colonização finlandesa, propiciaram o

desenvolvimento dessa atividade. Mais recentemente, a conversão das antigas fazendas de

café em hotéis-fazenda ou sua abertura à visitação ampliaram a base da função turística

nessa região.

No que diz respeito ao tipo de equipamento (Figura 2) desses pólos observa-se as

seguintes características: predominância de hotéis na região metropolitana, pousadas nos

demais pólos e a pouca expressão de hotéis-fazenda. Essa distribuição assume no estado do

Rio de Janeiro uma relação importante com o grau de urbanização e o avanço da franja

metropolitana. Poucos são os atrativos não-urbanos que distinguem-se como produtos; em

sua maioria ainda não foram suficientemente elaborados como singularidades capazes de

conferir aos lugares uma forma de individualização como nos casos de Paraty, Búzios e

Penedo. Os pólos turísticos estruturam-se preferencialmente a partir das cidades que

estabelecem uma rede capilar de circuitos para atrair o turista. Nesses casos, a atividade

turística é vista como elemento endógeno.

Os efeitos dessa construção na geração de emprego reflete as diferenças observadas

(Figura 3). O número de empregos gravitam em torno das atividades auxiliares como

aluguéis de carros e embarcações, restaurantes, serviços de comunicação e agências de

viagem. Esses indicadores mostram a polarização da região metropolitana em relação aos

demais destinos turísticos do estado. As pousadas como tipo predominante de

estabelecimento em Paraty, Búzios e Penedo caracterizam a participação de mão de obra

familiar e poucos empregados, reforçando o papel das pequenas empresas na geração de

renda. A distribuição do PIB confirma (Figura 4), nesse sentido, as desigualdades já

assinaladas. A predominância do setor serviços como principal fonte de renda é extensiva a

todo o estado. Nos pólos turísticos, o PIB per capta permanece, no entanto, reduzido. Os

valores mais elevados encontram-se na região metropolitana e no médio vale, onde essa

função divide com outras atividades o peso relativo na geração de renda.

O turismo está ligado ao setor de serviços e, ao mesmo tempo, requer serviços que

lhe são complementares. A base do crescimento desse conjunto á ainda pouco evidente. Os

indicadores aqui analisados não contemplam, por exemplo, a informalidade que caracteriza

o funcionamento do setor no estado. Entende-se informalidade, nos termos de Kon (2004),

como categoria cuja tendência de crescimento não equivale a uma situação de atraso ou

simplesmente precariedade das condições de trabalho. Como tendência social, merece mais

detalhamento tendo em vista sua relação com a diminuição da capacidade de geração de

empregos no setores formais.

Considerações finais O quadro descrito e analisado neste trabalho implica no reconhecimento de novas

formas de ação local. As questões relacionadas ao potencial do setor de turismo em

propiciar condições de desenvolvimento assume uma dupla face: a criação de

singularidades para inserção em redes mais amplas, reduzindo a formação de enclaves

territoriais e, por outro, a definição das opções tendo em vista a diversidade cada vez maior

de atores a fim de tornar os lugares produtos turísticos. Essas considerações implicam, uma

vez mais, na ação organizada dos agentes locais e sua capacidade em implementar

estratégias de diferenciação e inserção.

No plano institucional, a descentralização das decisões tende a favorecer as ações

locais e a criação de novas instâncias de decisão sem oposição ao movimento geral de

globalização. Como as modalidades de ação local são variadas, é nesse contexto de

diversidade que o setor de turismo no estado do Rio de Janeiro pode ser melhor

compreendido. Não é possível caracterizar uma superioridade do conjunto de ações de um

pólo em relação a outro. De modo claro, a construção de cada um deles apoiou-se em

estratos temporais, não se resumindo, portanto, às ações de curto prazo. Nesse sentido, a

natureza das instituições podem definir estratégias de desenvolvimento local, impulsionado

uma dinâmica mais duradoura. Rio das Ostras ilustra esse caminho. Município situado no

contado de duas especializações setoriais (o turismo e a exploração de petróleo e gás) a

ação local vem conseguindo integrar as dimensões mais estratégicas no que diz respeito à

diferenciação e adaptação do lugar à evolução da estrutura regional.

Sob o ponto de vista da dinâmica do desenvolvimento local, a especialização

setorial do pólos turísticos analisados requer ainda uma capacidade de antecipação dos

movimentos gerais. Nesse sentido, Paraty parece ser a que melhor representa o potencial de

articulação entre recursos locais e institucionais. Não obstante tal característica, a difusão

dessa estratégia institucional não consegue alterar a opção pela construção de enclaves que

se concentram no município vizinho de Angra dos Reis.

A emergência de novas institucionalidades de base local mencionadas ao longo

desse trabalho constituem condições necessárias para a ampliação da capacidade de

diferenciação dos territórios. Todavia, as expectativas em torno do turismo como base do

desenvolvimento local colocam problemas de definição quanto à extensão do território

submetido a essa dinâmica. Este não se resume à base física ou ao somatório dos recursos

turísticos objetivos, mas o espaço no qual as atividades dos agentes podem fortalecê-lo ou,

ao contrário, impor limitações significativas.

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Figura 1

Figura 2

Figura 3

Figura 4