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Universidade de Brasília Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Programa de Iniciação Científica – ProIC/UnB
Timor-Leste e seus desafios administrativosaos olhos do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD)
Por Yu ZhimingOrientadora: Kelly Cristiane da Silva
Introdução
Localizado na parte oriental da ilha de Timor no Sudeste
Asiático, hoje República Democrática de Timor-Leste foi uma
colônia portuguesa até 1975. Quando tornou independente do
Portugal, o território foi rapidamente anexado pela República
da Indonésia. Em 1999, após intensos movimentos pró-
independência e manifestações, realizou-se sob a supervisão
das Nações Unidas o referendo de independência. Mesmo com
repressão violenta por parte dos militares indonésios, a
República Democrática de Timor-Leste foi oficialmente fundada
em 20 de maio de 2002, quando se elegeu o presidente Xanana
Gusmão.
O recém-fundado país de Timor-Leste recebeu importante
apoio internacional para sua estabilização e construção da
nação. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
1
(PNUD), que oferece cooperação técnica junto à Operação de
Paz das Nações Unidas para Timor-Leste desde 1999, é o
parceiro mais influente do país.
De certa forma, o PNUD “constrói” a nação de Timor-Leste
com seus conhecimentos técnicos: mensura o país em termos de
desenvolvimento e progresso, determina as dificuldades e
desafios, sugere políticas que têm “efeito de governo” e
apresenta o país para o mundo. Para clarificar esse processo,
o presente artigo tem três objetivos, 1) identificar os
desafios administrativos/de desenvolvimento que o PNUD
levanta sobre Timor-Leste, 2) identificar o modelo de
Estado/de desenvolvimento que o PNUD sugere positivamente ao
governo de Timor-Leste nos seus discursos, 3) analisar a
receptividade do discurso e dos documentos do PNUD pela elite
governante timorense – a fim de observar como os discursos e
políticas internacionais para o desenvolvimento, no solo
timorense, são elaborados e aplicados. A hipótese é de que o
PNUD possui uma política internacional definida e sua atuação
em Timor Leste é uma aplicação técnica e objetiva desse
tecnicismo, que se traduz, de forma compartilhada, em
projetos locais e políticas públicas, sem intervenção
política – como sugere Mitchell e Fergunson.1
1 MITCHELL, Timothy. Rule of Experts. Egypt, Techno-politics, modernity. Los Angeles: University of California Press, 2002; FERGURSON, James. Theanti-political machine.Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994.
2
Para cumprir os objetivos, o artigo se recorre
primariamente à análise de documentos, que compreende os
relatórios e planos políticos do PNUD. Organiza-se em três
partes, primeiro, descrevem-se o papel do PNUD na evolução
das ideias de cooperação para desenvolvimento e como o PNUD
as conduz nas suas políticas internacionais; segundo,
analisam-se os documentos publicados pelo PNUD na sua
cooperação com o governo leste-timorense, a fim de descobrir
“o que é” e “o que deveria ser” o Timor-Leste para o PNUD;
terceiro, avaliam-se as relações entre as Nações Unidas e o
governo local, na dinâmica da cooperação desde a fundação da
república até os dias atuais.
O PNUD e a cooperação internacional para o desenvolvimento.
A história de PNUD pode ser considerada como uma
transcrição política dos discursos de cooperação
internacional para o desenvolvimento. Em 1945, o capítulo IX
da Carta das Nações Unidas, intitulado “cooperação económica
e social internacional”, prescreveu no artigo 55º2 que:
Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosasentre as Nações, baseadas no respeito do princípio daigualdade de direitos e da autodeterminação dos povos,as Nações Unidas promoverão:
2 NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/ONU/ONU-Carta-IX-55-60.htm
3
a. A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego econdições de progresso e desenvolvimento económico esocial;
b. A solução dos problemas internacionais económicos,sociais, de saúde e conexos, bem como a cooperaçãointernacional, de carácter cultural e educacional;
c. O respeito universal e efectivo dos direitos dohomem e das liberdades fundamentais para todos, semdistinção de raça, sexo, língua ou religião.
Em 1949, o Presidente dos Estados Unidos Harry S.
Truman, no seu discurso de posse, destacou-se que “nossos
imponderáveis recursos em conhecimentos técnicos são em
crescimento constante e inexauríveis.”3 No mesmo ano,
contando com o apoio financeiro dos Estados Unidos,
estabeleceu-se o Programa Expandido da Assistência Técnica,
primeiro programa multilateral para desenvolvimento com
contribuição voluntária dos países.
Nesse Programa se discutiam as atividades de
desenvolvimento das Nações Unidas e lá se encaminhavam os
projetos para as agências especializadas. De acordo com Ruben
P. Mendez, 4 era esse processo a “autodeterminação técnica”,
que, segundo politólogos David Mitrany 5 e Roger Tooze, é uma
resolução dos problemas nacionais no nível das organizações3 TRUMAN, Harry S. Inaugural Adsress. 1949. Disponível em: http://www.britannica.com/presidents/article-9116976.4 MENDEZ. Ruben, P. This historical sketch of the United NationsDevelopment Programme (UNDP). Disponível em:http://www.javvo.com/colerche/UNDP_000.htm. Último acesso em 24 de agostode 2012.5 TOOZE, Roger. The Progress of International Functionalism. British Journal ofInternational Studies, Vol. 3, No. 2 (Jul., 1977), pp. 210-217.Disponível em: http://www.jstor.org/stable/20096803.
4
internacionais, no qual os Estados confiam no mecanismo
técnico das cooperações dessas organizações funcionais.
Em 1965, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento criado pela Assembleia Geral substituiu o
Programa Expandido e herdou sua rede global de assistência
técnica, na qual se assinavam acordos de cooperação com a
designação dos “representantes residentes” nos países
receptores. Os Representantes Residentes, por sua vez,
coordenava os projetos de assistência técnica e as agências
especializadas de cooperação.
Os papéis do PNUD
Desde os anos de 1990, o PNUD exerce dois papéis
importantes que se entrelaçam, desde seu escritório central
em Nova Iorque para os escritórios regionais nacionais: papel
técnico e papel coordenador.6
No primeiro papel, inclui-se o estudo e a elaboração dos
Relatórios de Desenvolvimento Humano (sua importância será
discutida a seguir) e no segundo papel, a representação das
Nações Unidas pelo escritórios do PNUD. Normalmente, o chefe
do PNUD local (Representante Residente) é também o
Coordenador Residente das Nações Unidas – chefe da missão
6 UNDP. UNDP strategic plan, 2008-2011. Accelerating global progress on human development. 2007. Disponível em: http://www.undp.org/content/dam/undp/library/corporate/Executive%20Board/dp07-43Rev1.pdf.
5
diplomática das Nações Unidas no país, quem é designado pelo
Secretário Geral das Nações Unidas.
De certa forma, exceto os grupos especializados como o
Banco Mundial que possuem sua própria rede de comunicação e
decisão, todas as agências das Nações Unidas respondem à
coordenação de PNUD – como o Fundo de População das Nações
Unidas – UNFPA, o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados – ACNUR, o Fundo das Nações Unidas para a Infância
– UNICEF, Entidade das Nações Unidas para a Igualdade Gênero
e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres e a Organização
das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura – UNESCO.
No caso de Timor-Leste, o sistema ONU centra-se nos
Representantes Especiais do Secretário Geral, porém os Vices
Representantes Especiais são sempre os Representantes
Residentes do PNUD. Com a previsão da saída da Missão do
Timor-Leste,7 ocorrera uma transferência de tarefas a partir
da chefia da missão para a chefia do PNUD, quem representaria
o Sistema ONU, não mais extraordinariamente, a relação entre
Timor-Leste e as Nações Unidas.
O processo do PNUD encaminhar o discurso internacional
na forma de assistência técnica, em um mecanismo de responder
a um problema identificado em um determinado país, também
poderia ser chamado de governança global. Ou seja, o modelo7 UM Security Council. Security Council Extends Mission in Timor-Leste Until 31 December, Endorses Phased Drawdown Following Successful 2012 Elections. 2012. http://www.un.org/News/Press/docs/2012/sc10554.doc.htm.
6
técnico preexiste aos eventos: tanto a identificação de um
problema de desenvolvimento quanto à resposta é feita no
nível internacional, portanto externo ao país alvo.
O Índice de Desenvolvimento Humano e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
Entre esses conhecimentos técnicos, como medir o
desenvolvimento visualmente torna-se necessário. Um dos
instrumentos mais fundamentais para o PNUD avaliar o estado
de desenvolvimento de todos os países é o Índice do
Desenvolvimento Humano – IDH. Contando com a contribuição
teórica de Amartya Sem, o PNUD elaborou o primeiro Relatório
de Desenvolvimento Humano, No qual8 o desenvolvimento, já
sinônimo do desenvolvimento humano, foi definido como:
[...] o processo de alargar as escolhas das pessoas. A
princípio, essas escolhas podem ser infinitas e mudam
constantemente. Mas em todos os níveis de
desenvolvimento, os três mais essenciais são as quais
as pessoas conseguem uma vida longa e saudável,
adquirem conhecimentos e tenham acesso a recursos
necessários para um padrão de vida decente.
O índice é composto por indicadores de saúde, educação e
renda, ponderando em um resultado entre 0 – 1: mais próximo
de 1, melhor o desenvolvimento humano e, de 0, o contrário.
No Relatório de 1990, já se classificaram os países entre
três grupos: de alto, médio e baixo desenvolvimento humano –8 UNDP. Human Development Report, 1990. Capítulo 10, Página 10. Disponívelem: http://hdr.undp.org/en/media/hdr_1990_en_chap1.pdf. (tradução nossa)
7
liderados por Japão, Suécia e Suíça e se terminam com Níger,
Mali e Burkina Faso. Ao longo dos anos, firmou-se o IDH como
um dos principais índices que avaliam o desenvolvimento de um
país, “medindo” os esforços dos países tanto em termos
absolutos quanto relativos.
Além do IDH, o PNUD conta com os Objetivos do Milênio do
Desenvolvimento (ODM). Esses objetivos derivam da Declaração
do Milênio, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas em
2000. Os ODMs são “uma série de objetivos de desenvolvimento
concretos” 9 que compreendem:
1. Erradicar a pobreza extrema e a fome2. Atingir o ensino básico universal3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomiadas mulheres4. Reduzir a mortalidade infantil5. Melhorar a saúde materna6. Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças7. Garantir a sustentabilidade ambiental8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento
A partir de 2005, o andamento dos ODM se destaca como
uma parte importante dos Relatórios de Desenvolvimento
Humano, avaliando os comprometimentos dos países assinantes.
O próprio Relatório possui propósito descritivo, porém a
avaliação dos ODM, como objetivos políticos, exercem grande
9 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-multilaterais/direitos-humanos-e-temas-sociais/metas-do-milenio/objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio.
8
influência na dinâmica política para os países. Como exemplo,
um relatório de ODM de 2010 foi intitulado de “Desbloqueado o
Progresso: Lições dos países pilotos no Quadro de Aceleração
dos ODM”.10 Com esses instrumentos do PNUD, é recorrente um
país “competir” internacionalmente com outros países ou
comparar seus índices diacronicamente ao longo dos anos.
Nesse sentido, o IDH e os ODM, apesar da sua declarada
objetividade técnica, servem-se como importantes argumentos
para discursos políticos.
Timor-Leste e seus desafios administrativos aos olhos do PNUD
Desde 2002, quando o PNUD começou a atuar em Timor-
Leste, foram produzidos três Relatórios de Desenvolvimento
Humano nos anos de 2002, 2006 e 2011. Conforme a explicada
importância desses relatórios e os instrumentos neles
contidos, esses documentos são essenciais para avaliar como
Timor-Leste é visto pelo PNUD. E, de acordo com as políticas
internacionais do PNUD, a priori, evidenciar-se-á uma
aplicação direta dessas políticas, com auxílio dos
instrumentos como IDH e ODM.
Na prática confere-se essa transferência dos saberes
internacionais para o Timor-Leste. Além disso, percebe-se
claramente a edificação de um país, ou de um ideal do Estado
10 UNDP.“Unlocking Progress: MDG Acceleration Framework (MAF) lessons from pilot countries”. 2010. Disponível em: http://www.undp.org/content/undp/en/home/librarypage/mdg/unlocking-progress-maf-lessons-from-pilot-countries/
9
segundo moldes internacionais. Primeiro, as bases de operação
de PNUD em Timor-Leste são estabelecidas no Acordo de
Cooperação firmado em 2002. Mas a estrutura administrativa,
bem como as funções de PNUD, são estabelecidos
internacionalmente nos documentos como os Planos Globais
Estratégicos. Nestes, também como constam no sítio web
oficial, os objetivos do PNUD são basicamente quatro:
Governança Democrática, Redução de Pobreza e Cumprimento dos
ODM, Prevenção e Recuperação de Crises e Desenvolvimento
Ambiental e Sustentável. Relativamente recente, conta com o
objetivo do empoderamento das mulheres e da igualdade de
gênero.
Segue a análise detalhada dos relatórios, de uma forma
diacrônica. Discutir-se-ão como Timor-Leste é percebido ao
longo dos anos, como se vem construindo a nação em termos
técnicos e quais são os desafios administrativos/de
desenvolvimento.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2002
O primeiro relatório foi muito importante para sumarizar
o ambiente da atuação e os desafios imediatos para a equipe
das Nações Unidas, já que nos anos anteriores, na ausência de
um governo local, foi a equipe internacional que iniciou com
a construção da nação. Na publicação do Relatório de 2002,
10
contextualiza-se em um momento de encaminhar o governo
internacional de Timor-Leste para o primeiro governo eleito.
Em primeiro lugar, o Timor-Leste é percebido como um
solo hostil, cujas infraestruturas foram destruídas, onde as
mulheres são oprimidas e o povo vivendo em pobreza praticando
um modo de vida de baixa produtividade. Nas palavras do
Relatório, “este país é o mais pobre da Ásia e um dos mais
pobres do mundo.”11
O quadro de desenvolvimento ilustrado pelo PNUD se
representa com clareza nos trechos abaixo:
[...] Muitas pessoas morrem de doenças que podem serprevenidas como malária, infecções do tractorespiratório e diarreia.[...] A sua produtividade é baixa e durante décadasTimor-Leste teve de importar alimentos básicos.[..] os grupos mais pobres estão entre as famílias quetêm muitas crianças pequenas, parcelas de terradiminutas e pouco gado e naquelas que vivem em áreasque estão sujeitas a inundações e a erosão do solo.[...] Com a população a crescer a um ritmo de 2.5% aoano, cerca de 20.000 jovens integrarão anualmente aforça de trabalho.[...] As mulheres também têm menos poder; e a violênciabaseada no género é uma questão grave e poucodocumentada.
11 PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2002: o Caminho à nossa frente. Página 1. Disponível em: http://www.tl.undp.org/undp/Publications/UNDP%20Timor-Leste%20publications/NHDR%202002/NHDR%20TL_2002_PT.pdf, Último acesso em 24 deagosto de 2012.
11
[...] a maioria do terreno é inclinada, com uma pequenacamada de solo, muita da qual é arrastada em inundaçõesque surgem rapidamente.[...] a maioria das pessoas sente-se mais segura e ataxa de criminalidade é baixa.[...] A eleição presidencial de Abril de 2002 tambémteve um resultado notável—mais de 86% dos eleitoresvotaram efectivamente.
No relatório de 2002, registrou-se a evolução de IDH:
0,362 em 1993, 0,393 em 1996, 0,399 em 1997, 0,395 em 1999 e
0,421 em 2001. Embora teve uma “ligeira melhoria”, ainda se
situava em um dos países menos desenvolvidos do mundo, no
153º dos 162 países avaliados. O desafio para Timor-Leste era
então nas áreas de saúde, educação, estrutura política,
judicial e policial, alimentos e produto econômico. Se
considerar o índice de gênero, que mede a igualdade de
gênero, o IDH leste-timorense reduziria para 0,37.
Portanto, através dessas informações técnicas e
estatísticas, evidencia-se então para os leitores a imagem da
nação de Timor-Leste, “situa-se na parte leste da ilha de
Timor, a mais oriental das ilhas Sunda Menores” com uma
população de 794 mil pessoas e alastrado por miséria e
pobreza. O quadro era-se então de um governo recém-
estabelecido nas cinzas de guerra civil, vindo do nada,
identificando “o caminho pela nossa frente” – como se sugere
o subtítulo do relatório.
12
Nesse contexto, explicam-se os trechos abaixo a
idealização do governo do Timor-Leste pelo PNUD:
[...] Todas as agências do governo, sejam elas dadefesa, serviços sociais, comunicações, etc., devempromover e definir a visão de serviço a bem dasociedade civil.(Págia 35.)[...] Neste caso, o governo deve actuar seriamentesobre a situação de imensa pobreza em Timor-Leste sequiser ser um instrumento útil para a sociedade civil.(Idem)[...] O governo também terá que deixar espaçosuficiente para as vozes da oposição... (Idem)... (grifo nosso)
Com a ênfase no governo, a “nação”, um conceito nãoespecificado no relatório, parece um fruto da construção dogoverno, seguindo os critérios de democracia edesenvolvimento:
Para administrar um Estado-Nação moderno e construiruma economia mais diversificada e mais desenvolvida,terão de adquirir novos conhecimentos e desenvolvernovas capacidades—muitas das quais requerem longosanos de educação e formação.(pg.12)Assim, há quatro respostas concretas se Timor-Lesteavançar como uma nova nação: Estabilidade política,Direitos Humanos e democracia, Diálogo e solidariedadecom a cultura Timorense [...] (pg. 32)
Perante essa situação e as tarefas do desenvolvimento, o
relatório por inteiro é uma descrição dos desafios de
desenvolvimento. No capítulo “construindo uma administração
eficaz”, cita o legado indonésio prejudicial ao
desenvolvimento, como “o excesso de pessoal, uma forma
complexa de administração e uma cultura de dependência que
13
deixou as pessoas com pouca confiança para fazer mais do que
‘esperar por ordens’ das chefias.” Registra-se o poder ainda
centralizado, a incompetência do pessoal, a falta da ética
administrativa, a deficiência na comunicação pela falta de
uma língua efetivamente nacional.
No capítulo “o horizonte da educação”, citam-se o
analfabetismo reinante, a multiplicidade de línguas, a
precária qualidade do ensino e de pessoal que se instalou na
época indonésio pretendente a “indonesiar” o povo timorense.
Para PNUD, “a sociedade tradicional timorense é profundamente
hierarquizada o que constitui um desafio para a introdução de
certos conceitos democráticos, tais como a noção de
igualdade.” Para isso, o PNUD sugere a educação cívica que,
segundo a filosofia de desenvolvimento, ensine à população “o
conhecimento cívico, as capacidades cívicas e também as
virtudes cívicas. São esses “os traços de carácter
necessários para manter e acentuar a governação democrática e
a cidadania” e a sociedade pacífica.
No capítulo “crescimento económico para o
desenvolvimento humano”, fazem-se referência à carência nas
condições sanitárias, às economias rurais pouco produtivas e
vulneráveis aos choques climáticos, a falta de
desenvolvimento na cultura de café e na pesca, a falta de
sistema financeiro rural e a falta de condições para atrair e
sustentar o capital privado. Para a atração de investimento
14
estrangeiro, o Timor-Leste precisa desenvolver a
regularização das propriedades de terra, fortalecer o uso da
moeda nacional, baixar o nível de salário, especificar os
códigos civis, comerciais e as leis trabalhistas.
Em sínteses, o desenvolvimento é uma realidade almejada
que ainda não se achava no solo timorense, nem na sua
cultura, nem no seu povo, nem na sua economia, nem no seu
governo. Toda a realidade é um desafio. “O Caminho pela nossa
frente”, como é o subtítulo do relatório, sugere transformar
essa realidade hostil no caminho do desenvolvimento.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2006
O relatório de 2006 avalia novamente o desenvolvimento
timorense após a primeira gestão de governo – quatro anos
depois do primeiro relatório. De certa forma, o Timor-Leste
já está encaminhado para o desenvolvimento, com a expectativa
de cumprir os ODMs e melhorar o IDH.12
Nesse relatório, o IDH de 2004 subiu ligeiramente para
0,426, melhorando significativamente na educação, porém com
queda nos indicadores de saúde (expectativa de vida ao
nascer) e renda (PIB per capita). Em 2003, Timor-Leste ainda
se situava no 140º lugar, sendo o mais baixo da Ásia e um dos12 PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano em Timor-Leste 2006: o Caminho para Sair da Pobreza. Disponível em: http://www.tl.undp.org/undp/Publications/UNDP%20Timor-Leste%20publications/NHDR%202006/NHDR%20TL%202006%20PT.pdf. Último acesso em 24 de agosto de 2012
15
mais pobres do mundo, pelo índice da pobreza humana. A pouca
variação no índice indica desafios semelhantes do relatório
anterior. A justificativa é “como país recentemente
independente, Timor-Leste está fazer um arranque tardio”. O
IDH ajustado ao gênero registrou também uma melhoria pouco
significativa.
Em 2004, o governo ganha o perfil político e dialoga
politicamente com os técnicos de PNUD, ilustra-se nos trechos
como:
[...] O Governo está também determinado aassegurar que os aspectos relacionados com ogénero estão considerados em todas as políticas eprocessos. (pg. 19)[...] Governo independente endossou fortemente osODMs. O actual Presidente da República assistiu àassembleia como observador e seguindo atransmissão da responsabilidade pelo UNTAET aoGoverno Nacional em Maio de 2002, Timor-Lestetornou-se o membro mais novo das Nações Unidas emSetembro de 2002 – assumindo, assim, aresponsabilidade de cumprir com as diversasconvenções das NU, incluindo a Declaração doMilénio e os ODMs.(pg. 23)
Quanto à ideia da nação, aparece como uma referência aofuturo próspero:
[...] Têm a sua visão de para onde querem ir, danação que eles pretendem que seja. Mas terconsciência dessa visão será uma tarefa árdua elonga e existem à sua frente muitas decisõesdolorosas que terão de ser tomadas.(pg.52, grifonosso)
Em 2006, a imagem do solo hostil persiste como legado da
ocupação indonésia e da guerra de independência. Nas áreas
16
avaliadas pelo IDH, os padrões de saúde e de educação ainda
são muito baixos e o crescimento econômico é lento
paralelamente à pobreza presente. Em termos de saúde, a
população é vulnerável às doenças como diarreia, malária,
dengue, tuberculose e lepra. O PNUD afirma que parte dessa
realidade se explica pela falta de condição sanitária, a
falta de acesso à água potável e aos serviços básicos de
saúde. Em termos de educação, a taxa de alfabetização era
muito baixa (56% e 44% para homens e mulheres,
respectivamente) e a abstenção e a desistência escolar são
frequentes. Em termos de renda, “cerca de 40% das pessoas
vivem num estado de pobreza de rendimento, com menos de $0,55
por pessoa por dia”.
Além disso, em relação à igualdade de gênero – o qual
constitui uma preocupação adicional do IDH, as mulheres
timorenses têm menor nível de educação, sofrem violência
doméstica e discriminação no trabalho, muitas não tem acesso
ao serviço de planejamento familiar e são vulneráveis a
elevadas taxas de fertilidade – com alta mortalidade materna.
O PNUD também aponta a escassa infraestrutura de
transporte e eletricidade presente no país. Criticou também o
uso de lenha – que prejudica tanto o ambiente quanto a saúde
da população.
No capítulo “combatendo a pobreza rural”, o PNUD
sustenta que é necessário haver o crescimento econômico. Em
17
comparação com o relatório de 2002, repete-se a necessidade
da criação de um sistema de crédito rural, do fortalecimento
do setor privado e da diversificação econômica.
No capítulo “custeando os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio”, o PNUD afirma que o Timor-Leste precisa
recuperar os anos “perdidos”, visto que sua independência foi
10 anos depois do início da corrida pelos ODM. Então o
desafio é não apenas desenvolver, mas desenvolver
aceleradamente. Nesta perspectiva, o PNUD calcula que requer
um crescimento para preencher a lacuna de 480 milhões de
dólares.
No capítulo “trabalhando em conjunto: instituições e
parcerias”, o PNUD repete suas sugestões de 2002 sobre a
descentralização governamental e também encoraja as mídias,
afirmando que
Os órgãos de comunicação também podem contribuir
não só agindo como fontes de informação e
educação pública em áreas como a agricultura,
saúde e saneamento, mas também servindo de cães
de guarda públicos que podem expor a corrupção e
os direitos humanos e outros abusos.13
No último capítulo “uma agenda anti-pobreza”, consta-se
sugestões de desenvolvimento principalmente para a população
pobre das áreas rurais, como “reforçando as capacidades
humanas”, “ensino básico para todos”, “melhorar o desempenho
13 Idem. Página 31.
18
de saúde”, abordar a subnutrição e segurança alimentar,
“alargando as possibilidades e providenciando emprego
decente”, “aumentar a produtividade agrícola” e “melhorar a
infraestrutura rural.”
Em resumo, o PNUD aponta o caminho de desenvolvimento,
destacando a pobreza como o obstáculo principal – requerendo
do governo basicamente um crescimento econômico suficiente
destinado a essas prioridades de desenvolvimento. Como o
próprio subtítulo do relatório sugere: “o caminho para sair
da pobreza,” todos os esforços políticos de desenvolvimento
se põem no presente, lutando com o passado, quem é
responsável pela pobreza.
O Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2011
Avaliando o Relatório de 2011 sob um olhar comparativo,
podem-se destacar pontos importantes: primeiro, a ênfase
positiva à atuação do governo foi sem precedente; segundo,
repetem-se em grande medida os mesmos desafios dos relatórios
anteriores; terceiro, mostra-se um tênue melhoramento em
termos de estatísticas em relação aos relatórios anteriores;
quarto, propõe-se o uso do rendimento de petróleo e gás para
acelerar o desenvolvimento.
19
No Relatório,14 o IDH de Timor-Leste subiu para 0,502 –
categoria média no ranking internacional. Embora ainda na
120º lugar, mas graças ao crescimento econômico, já
ultrapassou Mianmar, Laos e Camboja no Sudeste Asiático e os
países subsaarianos no mundo. O PNUD reconhece no artigo os
esforços do governo timorense e da cooperação internacional,
apontando melhorias nas áreas de educação, saúde e renda.
Acredita-se que Timor-Leste já está no caminho para cumprir
com os Objetivos do Milênio. Porém ainda enfrenta grandes
desafios nessas áreas, como a pressão demográfica, o
desemprego, a falta de formação qualificada e a desigualdade
de desenvolvimento – entre as classes e gêneros.
A solução proposta foi a utilização consciente e
sustentável dos ingressos de petróleo e gás. Contudo, PNUD
afirma que a exploração petrolífera por parte do governo
“gerou intensos debates.” Em outras palavras, a exploração
excessiva do petróleo e do fundo do petróleo é duramente
criticada.
De maneira geral, o diagnóstico mantém-se muito
semelhante dos anteriores, apontando os mesmos desafios nas
áreas de saúde, educação e renda, como o problema das línguas
14 UNDP. Timor Leste Human Development Report 2011: Managing NaturalResources for Human Development Developing the Non-Oil Economy to Achievethe MDGs. Disponível em:http://hdr.undp.org/en/reports/national/asiathepacific/timorleste/Timor-Leste_NHDR_2011_EN.pdf. Último acesso em 25 de agosto de 2012.
20
oficiais, o sugerindo repetidamente o desenvolvimento rural,
a capacitação de pessoal, a atração de investimento, o
fortalecimento do setor privado, a diversificação econômica,
melhoramento de infraestrutura e a proteção do meio ambiente.
A parte os elogios, como o melhoramento na saúde
infantil, a instalação de microcrédito rural etc., entre este
e o último relatório, a questão da segurança reemergiu. Por
parte se explica pelos tumultos entre os anos de 2007 e 2008,
por outra parte a criminalidade urbana se explica pela falta
de emprego disponível aos jovens. O relatório ainda criticou
sobre as ações do governo de instalarem termoelétricas e de
usarem excessivamente o fundo de petróleo – mantido como uma
reserva para o futuro.
Além dos desafios “normais”, consta-se curiosamente no
relatório o debate sobre a cultura. Transcrevem-se a seguir
alguns dos trechos nas seções em relação à igualdade de
gênero:“A divisão de trabalho entre homens e mulheres noTimor-Leste é fortemente legitimada pelos valores,normas e práticas patriarcais tradicionais,particularmente no setor rural.” (Página 32.)
“O acesso à educação das mulheres e meninas eram tambémconsiderado restrito pelas práticas tradicionais degravidez e casamento precoces, associado com a falta deapoio dos lideres da comunidade e dos administradoresdas escolas para mulheres e meninas participarem daeducação da mesma forma que os homens e meninos.”(Página 33)
21
Não somente em relação à questão de gênero, a culturatimorense aparece como obstáculo para o desenvolvimento bem-sucedido:
Além destes dois aspectos de capacidade institucional,os comentaristas também argumentaram que odesenvolvimento bem sucedido em países ricos emrecursos parece ser facilitado pelo surgimento de umestado que tem duas características cruciais. Oprimeiro é o domínio político de mercado baseada emelites proprietárias, ou grupos com fortes ligações àpropriedade, ao invés de elites tradicionais ou líderesde determinado grupos étnicos. Estudos têm demonstradoque os primeiros são mais propensos a seguir aspolíticas econômicas que promovam o desenvolvimento,dentro da economia de mercado.” (Página 60)
[...] Há, no entanto, uma compreensível relutância porparte das famílias de agricultores a se envolverem emdesenvolvimentos de novos de capacidades, por medo dorisco e de afastar-se das formas tradicionais decultivo já experimentadas e testadas - especialmente sehouver limitado recurso de experimento e incentivospara as novas abordagens.” (Página 87)
Em outro trecho, a tradição em relação aos direitoscostumeiros da terra pode ser um empecilho a negócios:
Terras comunais são raramente vendidas, Uma lisan15 sãousualmente exógamos. Membros caso com outros grupos deuma lisan. Esse movimento cria redes complexas de aliançae troça entre grupos e, entre outros benefícios, provémmeios importantes para os modos de vidas agrícolastenham acesso a terra. (Página 102)
Para isso, sugeriu-se ao governo a reforma dos direitos
de modo a propiciar um ambiente melhor para investimentos,
vistos como fator crucial para o desenvolvimento.
Em resumo, nesse relatório, o governo e as ações
governamentais foram alvo de debate e avaliação,15 "Literalmente, casas tradicionais.” Idem.
22
diferentemente da condição objetiva pré-existente ao Timor-
Leste, ressaltada nos relatórios anteriores. Parece que houve
uma transferência de condição objetiva para a
responsabilidade subjetiva do governo – depois de quase 10
anos de estabelecimento do Timor-Leste.
A Dinâmica da cooperação entre o PNUD e o governo local
Por um lado, o PNUD previu e participou do
fortalecimento da capacidade governamental, por outro lado,
evidencia-se um processo gradual de disputa pela autoridade
no qual o relacionamento entre o PNUD e o governo tem se
deteriorado. Da análise dos três relatórios, a posição do
governo se destaca do alvo de assistência e de construção
para um sujeito autônomo de cooperação. Os resultados
recentes da avaliação de desenvolvimento, como publicados nos
documentos do PNUD, incitam discórdias e antipatias por parte
dessa elite governante.
Um dos eventos que testemunham a tensão foi a publicação
do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2011. Desde o final
de 2010, o Relatório, ainda esboço, já foi alvo de crítica16:
Assessores de alto nível, timorenses e internacionais
que trabalham para o governo em Díli fizeram críticas
contundentes ao relatório de 234 páginas elaborado pela
16 THE SIDNEY MORNING HERALD. East Timor leaders scathing about crucial UNreport. 3 de janeiro de 2011. Disnponível em: http://www.smh.com.au/world/east-timor-leaders-scathing-about-crucial-un-report-20110102-19d22.html. Último acesso em 24 de agosto de 2012.
23
Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, dizendo
que é politicamente tendencioso, e cita dados
imprecisos e a maioria das suas conclusões não têm
fontes.
As críticas incluem o viés políticos do Relatório, a
falta de fonte dos dados e, quando houver, a desatualização
dessas fontes. E a reação do governo se intensifica17:
O Secretário de Estado da Segurança, Francisco da Costa
Guterres , disse que as Nações Unidas falharam a
compreender a complexidade da relação entre Timor Leste
e seu ex-colonizador, Indonésia. Sr. Guterres rotulou o
estudo de PNUD como enviesado, impreciso e
culturalmente ignorante. (tradução nossa)
Além das falhas técnicas presentes, a discórdia parece
ser incitada pelo partido da oposição, Frente Revolucionário
de Timor-Leste Independente – FRETILIN, que usou o relatório
de 2011 para criticar o baixo desempenho do governo vigente.
E, a partir disso, generalizou-se uma disputa entre mídias e
partidos, que envolveu o PNUD como um alvo de ataque.
Entretanto, o episódio não é isolado. Em 2008, houve o
vazamento de um relatório confidencial da UNMIT, o qual havia
criticado o governo de Timor Leste, alertando “perigo de
anarquia”.18 Xanana Gusmão, então chefe de governo, confrontou17 BBC. East Timor hits out at UN report. 4 de janeiro de 2011. http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-pacific-12111853. Último acesso em 24 de agosto de 2012. 18 THE AUSTRALIAN. East Timor 'At Risk of Anarchy' Says UN Report. 23 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.etan.org/et2008/12december/27/23etrisk.htm. Último acesso em
24
a crítica da UNMIT, afirmando que a situação de segurança em
Timor estava perfeitamente normal, diferente da quase
anárquica que o relatório vazado da missão apontou.19
Novamente em 2011, um relatório confidencial da UNMIT
que criticou a centralização do poder praticada por Xanana
Gusmão, após publicado na mídia local incitou fúrias por
parte do governo,20 que expressou sua
indignação com a inaceitável pseudo-análise inventadapor um burocrata da UNMIT referindo-se à liderança doprimeiro-ministro Xanana Gusmão.Ninguém neste país, ou na região, está mais empenhadodo que o primeiro-ministro Xanana Gusmão na democracia,no primado da lei e na paz.
Enquanto ao próprio Xanana Gusmão, expressou sua fúria21:
"A minha proposta é esta: UNMIT [Missão das Nações
Unidas em Timor-Leste] e especialistas em Timor,
ofereçam os vossos serviços para melhorar o Iraque,
Afeganistão, Paquistão, e apoiem a democracia no Iémen,
Síria ou Líbia"
24 de agosto de 2012.19 THE AUSTRALIAN. ETimor hits out over UN report. 29 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.etan.org/et2008/12december/27/29ethits.htm. Último acesso em 24 de agosto de 2012.20 SAPO. Presidente indignado com documento da missão da ONU. 19 de maio de 2011. Disponível em http://noticias.sapo.mz/lusa/artigo/12566506.html.Último acesso em 24 de agosto de 2012.21 SAPO-Expresso. Timor-Leste: Façam as malas e vão para o Iraque ou Afeganistão, diz Xanana Gusmão à ONU. 19 de maio de 2011. Disponível em: http://expresso.sapo.pt/timor-leste-facam-as-malas-e-vao-para-o-iraque-ou-afeganistao-diz-xanana-gusmao-a-onu=f649883. Último acesso em 24 de agosto de 2011.
25
Embora esses eventos são marcados pela disputa
partidária do Timor-Leste, na qual a oposição utiliza-se como
argumento os documentos internacionais para criticar o
governo, mas os conflitos no processo da cooperação são
também evidenciados.
A crescente autonomia do governo leste-timorense,
conforme analisado nos relatórios do PNUD, ocasiona
inevitável disputa pela autoridade. Pois a equipe do PNUD
detinha a autoridade de construir a nação nos documentos e
possuía saberes específicos para tal. Parte como resposta a
essa situação, o governo liderou em 2010 o censo
populacional.
Os objetivos do censo 2010 foram para “prover ao governo
e sócios informações sobre as características social,
econômica e demográfica da população timorense, que serão
utilizadas para os programas de desenvolvimento nacional,
alocação dos recursos nacionais, revisão das fronteiras
administrativas e eleitorais, localizar infraestruturas
sociais como escolas e hospitais e para pesquisas.”22
Com sucesso, o censo de 2010 construiu a nação de Timor-
Leste em termos técnicos e estatísticos. Timor-Leste é
detalhadamente ilustrado como um país que tem 1,066,582
22 DNE. Population Distribution by Administrative Areas Volume 2 (ENGLISH). Disponível em: http://dne.mof.gov.tl/published/2010%20and%202011%20Publications/Pub%202%20English%20web/Publication%202%20FINAL%20%20English%20Fina_Website.pdf. Último acesso em 25 de agosto de 2012.
26
habitantes, sendo 541,147 homens e 525,435 mulheres; 184.652
famílias, 71 pessoas/km², 96,9% são católicos, 10.983
estrangeiros, 70,6% dos jovens matriculados, 56,1% letrados,
90% da população trabalham, 42,9% da população rural não tem
acesso à água tratada, etc.23 Além de atualizar as referências
sobre Timor Leste, parte da crítica ao Relatório de 2011 se
baseou nos dados atualizados do censo de 2010.
Portanto, vê-se que há um processo de negociação na
cooperação para desenvolvimento, seja nas consultas públicas,
seja nas reuniões políticas, seja nas críticas. Para que a
cooperação seja satisfatória, é necessária que haja harmonia
entre as partes. Entretanto, indaga-se o que ocasiona essa
séries de disputas e a possível falta de concerto revelado
entre o PNUD/Nações Unidas e o Governo de Timor Leste.
Primordialmente, compara-se a fonte de recursos
financeiros entre PNUD Brasil, onde o PNUD atua desde os anos
de 1960, e o PNUD Timor-Leste, um dos mais recentes países do
mundo – onde o PNUD atua há cerca de 10 anos. Descobre-se que
no caso brasileiro, devido ao reconhecimento do
desenvolvimento brasileiro, o PNUD Brasil é praticamente
financiado pelo governo brasileiro – sem doações
internacionais;24
23 Idem.24 PNUD. Como o PNUD é financiado. Disponível em: http://www.pnud.org.br/ObjetivosPNUD.aspx?indice=3. Último acesso em 25 de agosto de 2012.
27
Enquanto em Timor Leste, o PNUD é totalmente financiado
com recursos internacionais.25 Entre 1999 a 2010, os recursos
são provenientes das agências dos governos estrangeiros
(Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, União Europeia,
Finlândia, França, Alemanha, Indonésia, Irlanda, Itália,
Japão, Coreia, Luxemburgo, Países Baixos, Nova Zelândia,
Noruega, Portugal, Suécia, Espanha, Suíça, Tailândia, Reino
Unido e Estados Unidos) e dos fundos internacionais (do
próprio PNUD e das Nações Unidas e do Fundo Global para
Desenvolvimento). Condizentemente, os projetos financiados se
identificam com o perfil dos doadores. Por exemplo, em 2010,
65% dos recursos do PNUD em Timor Leste foram destinados para
as tarefas da área “Governança Democrática”, que inclui a
reforma judiciária e as eleições; 24% para “Prevenção e
Recuperação da Crise”, 7% para a “Dedução da Pobreza” e 4%
para “Meio Ambiente”.26
De certa forma, explicam-se as palavras radicais de
Xanana Gusmão, quando ataca aos leste-timorenses que
trabalham para a equipe das Nações Unidas: "não devem
25 PNUD. Bilateral donors and International Financial Institutions. Disponível em http://www.tl.undp.org/undp/partnership.html. Último acessoem 25 de agosto de 2012.26 UNDP Programme delivery by unit areas 2010 - UNDP Timor-Leste. Disponível em: http://www.tl.undp.org/undp/pdf_file/Program%20delivery%202010.pdf. Último acesso em 26 de agosto de 2012.
28
rastejar pelo dinheiro de outros". "Porque isso é uma doença,
a que chamamos colonialismo mental."27
Ou seja, apesar da alegada diligência pela necessidade
nacional, observa-se no caso do PNUD Brasil uma dependência
do PNUD em relação ao governo nacional e a necessidade
fundamental de manter a harmonia – sendo o governo o
principal stakeholder28 – diferentemente do PNUD Timor-Leste em
que stakeholders internacionais (como a Assembleia Geral, ONGs
e agências estrangeiras de cooperação/assistência)
predominam.
Conclusão
Respondendo aos objetivos do artigo, descreveram-se as
políticas do PNUD, as quais seguem os discursos
internacionais do desenvolvimento, e difunde-se na vasta rede
de operação na qual o PNUD transfere seus conhecimentos
técnicos e coordena as relações entre os países membros e as
Nações Unidas. Viu-se que o PNUD publica documentos de
importante referência, como os Relatórios do Desenvolvimento
Humano, nos quais compilam instrumentos como o Índice de
27 SAPO-Expresso. Timor-Leste: Façam as malas e vão para o Iraque ou Afeganistão, diz Xanana Gusmão à ONU. 19 de maio de 2011. Disponível em: http://expresso.sapo.pt/timor-leste-facam-as-malas-e-vao-para-o-iraque-ou-afeganistao-diz-xanana-gusmao-a-onu=f649883. Último acesso em 24 de agosto de 2011.28 Linguagem empresarial utilizada para designar as partes que detém interesse – ou, traduzida para português: as partes interessadas.
29
Desenvolvimento Humano e os Objetivos do Milênio de
Desenvolvimento. Especificamente sobre Timor Leste, esses
documentos são de grande importância pois “constroem” a nação
de Timor Leste para os leitores e, através desses relatórios,
avaliam-se o estado do desenvolvimento no país.
Na análise dos três relatórios, percebe-se o modelo
claro de uma nação “desenvolvimentista”, a qual teria logrado
as ideias de Desenvolvimento Humano e cumprido os Objetivos
do Milênio de Desenvolvimento, além de ser democrático em
termos de eleições, possuir um governo funcional, ter devidas
infraestruturas e apresentar estatísticas satisfatórias nas
áreas de saúde, renda e educação.
Nesses relatórios, o Timor Leste emergiu do passado da
ocupação indonésia e caminha para o desenvolvimento. Avalia-
se que o Timor Leste obteve sua consolidação democrática,
está construindo um governo funcional que crescentemente
adquire a habilidade da elaboração das políticas, da
administração dos recursos e a capacidade autossustentável –
que se prepara para se despedir das intervenções
internacionais.
Entretanto, os desafios nas áreas avaliados pelo PNUD,
como a pobreza, a desigualdade de gênero, a carência de
infraestrutura, o baixo nível de educação etc., persistem ao
longo dos anos. Grossamente esses desafios podem ser vistos
30
em três tipos: o primeiro se diz quanto à condição objetiva
na qual nasce o Estado de Timor Leste, como as
infraestruturas destruídas, a precária condição de saúde, o
legado indonésio que atrasa o desenvolvimento da nação; o
segundo se diz as práticas tradicionais como de cultivo, de
uso dos recursos, da hierarquia familiar, da inexistência
prévia da ideia de desenvolvimento como a diversificação
econômica, a alfabetização, o saneamento etc.; o terceiro se
diz à atuação do governo, que desempenha abaixo da
expectativa do PNUD, como a corrupção ainda presente, a falta
da unificação da língua que causa o problema de comunicação,
a ineficiência de pessoal e o autoritarismo por vezes
criticado pelas Nações Unidas e o reconhecido, todavia lento,
progresso no caminho de desenvolvimento.
Todavia, o aparente tecnicismo é também um fruto de
negociações constantes entre o governo local e o PNUD. As
discórdias registradas a partir das críticas e alegações
confirmam a existência desse processo de negociação. Suas
eventuais falhas se explicam pelo modelo de financiamento
internacional do PNUD em Timor Leste e a crescente autonomia
do governo local, que disputa pela autoridade de “construir a
nação”.
Porém, as críticas da elite governante local nunca se
incidem sobre os saberes técnicos do desenvolvimento, mas
31
sobre o resultado que politicamente não lhes favorecem. Por
isso vê-se esforços para dominar e “nacionalizar” os
processos técnicos. Em outras palavras, a cooperação
internacional para o desenvolvimento, bem como o conjunto de
saberes técnicos, servem a propósitos políticos e é parte das
dinâmicas do processo.29
De certa forma, confirma-se a hipótese inicial do
artigo, de que o PNUD possui uma política internacional
definida e sua atuação em Timor Leste é apenas uma aplicação
técnica e objetiva desse tecnicismo – aceito pela elite
local; porém enfatizamos que o próprio processo da condução
influencia no resultado: tanto nos relatórios que precisam da
consulta política prévia, quanto na dinâmica partidária
interna que sugere a saída da interferência internacional.
29 MITCHELL, Timothy. Rule of Experts. Egypt, Techno-politics, modernity. Los Angeles: University of California Press, 2002
32
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