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Universidade de Brasília Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação Programa de Iniciação Científica – ProIC/UnB Timor-Leste e seus desafios administrativos aos olhos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Por Yu Zhiming Orientadora: Kelly Cristiane da Silva Introdução Localizado na parte oriental da ilha de Timor no Sudeste Asiático, hoje República Democrática de Timor-Leste foi uma colônia portuguesa até 1975. Quando tornou independente do Portugal, o território foi rapidamente anexado pela República da Indonésia. Em 1999, após intensos movimentos pró- independência e manifestações, realizou-se sob a supervisão das Nações Unidas o referendo de independência. Mesmo com repressão violenta por parte dos militares indonésios, a República Democrática de Timor-Leste foi oficialmente fundada em 20 de maio de 2002, quando se elegeu o presidente Xanana Gusmão. O recém-fundado país de Timor-Leste recebeu importante apoio internacional para sua estabilização e construção da nação. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento 1

Timor-Leste e seus desafios administrativos aos olhos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

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Universidade de Brasília Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação

Programa de Iniciação Científica – ProIC/UnB

Timor-Leste e seus desafios administrativosaos olhos do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD)

Por Yu ZhimingOrientadora: Kelly Cristiane da Silva

Introdução

Localizado na parte oriental da ilha de Timor no Sudeste

Asiático, hoje República Democrática de Timor-Leste foi uma

colônia portuguesa até 1975. Quando tornou independente do

Portugal, o território foi rapidamente anexado pela República

da Indonésia. Em 1999, após intensos movimentos pró-

independência e manifestações, realizou-se sob a supervisão

das Nações Unidas o referendo de independência. Mesmo com

repressão violenta por parte dos militares indonésios, a

República Democrática de Timor-Leste foi oficialmente fundada

em 20 de maio de 2002, quando se elegeu o presidente Xanana

Gusmão.

O recém-fundado país de Timor-Leste recebeu importante

apoio internacional para sua estabilização e construção da

nação. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

1

(PNUD), que oferece cooperação técnica junto à Operação de

Paz das Nações Unidas para Timor-Leste desde 1999, é o

parceiro mais influente do país.

De certa forma, o PNUD “constrói” a nação de Timor-Leste

com seus conhecimentos técnicos: mensura o país em termos de

desenvolvimento e progresso, determina as dificuldades e

desafios, sugere políticas que têm “efeito de governo” e

apresenta o país para o mundo. Para clarificar esse processo,

o presente artigo tem três objetivos, 1) identificar os

desafios administrativos/de desenvolvimento que o PNUD

levanta sobre Timor-Leste, 2) identificar o modelo de

Estado/de desenvolvimento que o PNUD sugere positivamente ao

governo de Timor-Leste nos seus discursos, 3) analisar a

receptividade do discurso e dos documentos do PNUD pela elite

governante timorense – a fim de observar como os discursos e

políticas internacionais para o desenvolvimento, no solo

timorense, são elaborados e aplicados. A hipótese é de que o

PNUD possui uma política internacional definida e sua atuação

em Timor Leste é uma aplicação técnica e objetiva desse

tecnicismo, que se traduz, de forma compartilhada, em

projetos locais e políticas públicas, sem intervenção

política – como sugere Mitchell e Fergunson.1

1 MITCHELL, Timothy. Rule of Experts. Egypt, Techno-politics, modernity. Los Angeles: University of California Press, 2002; FERGURSON, James. Theanti-political machine.Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994.

2

Para cumprir os objetivos, o artigo se recorre

primariamente à análise de documentos, que compreende os

relatórios e planos políticos do PNUD. Organiza-se em três

partes, primeiro, descrevem-se o papel do PNUD na evolução

das ideias de cooperação para desenvolvimento e como o PNUD

as conduz nas suas políticas internacionais; segundo,

analisam-se os documentos publicados pelo PNUD na sua

cooperação com o governo leste-timorense, a fim de descobrir

“o que é” e “o que deveria ser” o Timor-Leste para o PNUD;

terceiro, avaliam-se as relações entre as Nações Unidas e o

governo local, na dinâmica da cooperação desde a fundação da

república até os dias atuais.

O PNUD e a cooperação internacional para o desenvolvimento.

A história de PNUD pode ser considerada como uma

transcrição política dos discursos de cooperação

internacional para o desenvolvimento. Em 1945, o capítulo IX

da Carta das Nações Unidas, intitulado “cooperação económica

e social internacional”, prescreveu no artigo 55º2 que:

Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosasentre as Nações, baseadas no respeito do princípio daigualdade de direitos e da autodeterminação dos povos,as Nações Unidas promoverão:

2 NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/ONU/ONU-Carta-IX-55-60.htm

3

a. A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego econdições de progresso e desenvolvimento económico esocial;

b. A solução dos problemas internacionais económicos,sociais, de saúde e conexos, bem como a cooperaçãointernacional, de carácter cultural e educacional;

c. O respeito universal e efectivo dos direitos dohomem e das liberdades fundamentais para todos, semdistinção de raça, sexo, língua ou religião.

Em 1949, o Presidente dos Estados Unidos Harry S.

Truman, no seu discurso de posse, destacou-se que “nossos

imponderáveis recursos em conhecimentos técnicos são em

crescimento constante e inexauríveis.”3 No mesmo ano,

contando com o apoio financeiro dos Estados Unidos,

estabeleceu-se o Programa Expandido da Assistência Técnica,

primeiro programa multilateral para desenvolvimento com

contribuição voluntária dos países.

Nesse Programa se discutiam as atividades de

desenvolvimento das Nações Unidas e lá se encaminhavam os

projetos para as agências especializadas. De acordo com Ruben

P. Mendez, 4 era esse processo a “autodeterminação técnica”,

que, segundo politólogos David Mitrany 5 e Roger Tooze, é uma

resolução dos problemas nacionais no nível das organizações3 TRUMAN, Harry S. Inaugural Adsress. 1949. Disponível em: http://www.britannica.com/presidents/article-9116976.4 MENDEZ. Ruben, P. This historical sketch of the United NationsDevelopment Programme (UNDP). Disponível em:http://www.javvo.com/colerche/UNDP_000.htm. Último acesso em 24 de agostode 2012.5 TOOZE, Roger. The Progress of International Functionalism. British Journal ofInternational Studies, Vol. 3, No. 2 (Jul., 1977), pp. 210-217.Disponível em: http://www.jstor.org/stable/20096803.

4

internacionais, no qual os Estados confiam no mecanismo

técnico das cooperações dessas organizações funcionais.

Em 1965, o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento criado pela Assembleia Geral substituiu o

Programa Expandido e herdou sua rede global de assistência

técnica, na qual se assinavam acordos de cooperação com a

designação dos “representantes residentes” nos países

receptores. Os Representantes Residentes, por sua vez,

coordenava os projetos de assistência técnica e as agências

especializadas de cooperação.

Os papéis do PNUD

Desde os anos de 1990, o PNUD exerce dois papéis

importantes que se entrelaçam, desde seu escritório central

em Nova Iorque para os escritórios regionais nacionais: papel

técnico e papel coordenador.6

No primeiro papel, inclui-se o estudo e a elaboração dos

Relatórios de Desenvolvimento Humano (sua importância será

discutida a seguir) e no segundo papel, a representação das

Nações Unidas pelo escritórios do PNUD. Normalmente, o chefe

do PNUD local (Representante Residente) é também o

Coordenador Residente das Nações Unidas – chefe da missão

6 UNDP. UNDP strategic plan, 2008-2011. Accelerating global progress on human development. 2007. Disponível em: http://www.undp.org/content/dam/undp/library/corporate/Executive%20Board/dp07-43Rev1.pdf.

5

diplomática das Nações Unidas no país, quem é designado pelo

Secretário Geral das Nações Unidas.

De certa forma, exceto os grupos especializados como o

Banco Mundial que possuem sua própria rede de comunicação e

decisão, todas as agências das Nações Unidas respondem à

coordenação de PNUD – como o Fundo de População das Nações

Unidas – UNFPA, o Alto Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados – ACNUR, o Fundo das Nações Unidas para a Infância

– UNICEF, Entidade das Nações Unidas para a Igualdade Gênero

e o Empoderamento das Mulheres – ONU Mulheres e a Organização

das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura – UNESCO.

No caso de Timor-Leste, o sistema ONU centra-se nos

Representantes Especiais do Secretário Geral, porém os Vices

Representantes Especiais são sempre os Representantes

Residentes do PNUD. Com a previsão da saída da Missão do

Timor-Leste,7 ocorrera uma transferência de tarefas a partir

da chefia da missão para a chefia do PNUD, quem representaria

o Sistema ONU, não mais extraordinariamente, a relação entre

Timor-Leste e as Nações Unidas.

O processo do PNUD encaminhar o discurso internacional

na forma de assistência técnica, em um mecanismo de responder

a um problema identificado em um determinado país, também

poderia ser chamado de governança global. Ou seja, o modelo7 UM Security Council. Security Council Extends Mission in Timor-Leste Until 31 December, Endorses Phased Drawdown Following Successful 2012 Elections. 2012. http://www.un.org/News/Press/docs/2012/sc10554.doc.htm.

6

técnico preexiste aos eventos: tanto a identificação de um

problema de desenvolvimento quanto à resposta é feita no

nível internacional, portanto externo ao país alvo.

O Índice de Desenvolvimento Humano e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

Entre esses conhecimentos técnicos, como medir o

desenvolvimento visualmente torna-se necessário. Um dos

instrumentos mais fundamentais para o PNUD avaliar o estado

de desenvolvimento de todos os países é o Índice do

Desenvolvimento Humano – IDH. Contando com a contribuição

teórica de Amartya Sem, o PNUD elaborou o primeiro Relatório

de Desenvolvimento Humano, No qual8 o desenvolvimento, já

sinônimo do desenvolvimento humano, foi definido como:

[...] o processo de alargar as escolhas das pessoas. A

princípio, essas escolhas podem ser infinitas e mudam

constantemente. Mas em todos os níveis de

desenvolvimento, os três mais essenciais são as quais

as pessoas conseguem uma vida longa e saudável,

adquirem conhecimentos e tenham acesso a recursos

necessários para um padrão de vida decente.

O índice é composto por indicadores de saúde, educação e

renda, ponderando em um resultado entre 0 – 1: mais próximo

de 1, melhor o desenvolvimento humano e, de 0, o contrário.

No Relatório de 1990, já se classificaram os países entre

três grupos: de alto, médio e baixo desenvolvimento humano –8 UNDP. Human Development Report, 1990. Capítulo 10, Página 10. Disponívelem: http://hdr.undp.org/en/media/hdr_1990_en_chap1.pdf. (tradução nossa)

7

liderados por Japão, Suécia e Suíça e se terminam com Níger,

Mali e Burkina Faso. Ao longo dos anos, firmou-se o IDH como

um dos principais índices que avaliam o desenvolvimento de um

país, “medindo” os esforços dos países tanto em termos

absolutos quanto relativos.

Além do IDH, o PNUD conta com os Objetivos do Milênio do

Desenvolvimento (ODM). Esses objetivos derivam da Declaração

do Milênio, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas em

2000. Os ODMs são “uma série de objetivos de desenvolvimento

concretos” 9 que compreendem:

1. Erradicar a pobreza extrema e a fome2. Atingir o ensino básico universal3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomiadas mulheres4. Reduzir a mortalidade infantil5. Melhorar a saúde materna6. Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças7. Garantir a sustentabilidade ambiental8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento

A partir de 2005, o andamento dos ODM se destaca como

uma parte importante dos Relatórios de Desenvolvimento

Humano, avaliando os comprometimentos dos países assinantes.

O próprio Relatório possui propósito descritivo, porém a

avaliação dos ODM, como objetivos políticos, exercem grande

9 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/temas-multilaterais/direitos-humanos-e-temas-sociais/metas-do-milenio/objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio.

8

influência na dinâmica política para os países. Como exemplo,

um relatório de ODM de 2010 foi intitulado de “Desbloqueado o

Progresso: Lições dos países pilotos no Quadro de Aceleração

dos ODM”.10 Com esses instrumentos do PNUD, é recorrente um

país “competir” internacionalmente com outros países ou

comparar seus índices diacronicamente ao longo dos anos.

Nesse sentido, o IDH e os ODM, apesar da sua declarada

objetividade técnica, servem-se como importantes argumentos

para discursos políticos.

Timor-Leste e seus desafios administrativos aos olhos do PNUD

Desde 2002, quando o PNUD começou a atuar em Timor-

Leste, foram produzidos três Relatórios de Desenvolvimento

Humano nos anos de 2002, 2006 e 2011. Conforme a explicada

importância desses relatórios e os instrumentos neles

contidos, esses documentos são essenciais para avaliar como

Timor-Leste é visto pelo PNUD. E, de acordo com as políticas

internacionais do PNUD, a priori, evidenciar-se-á uma

aplicação direta dessas políticas, com auxílio dos

instrumentos como IDH e ODM.

Na prática confere-se essa transferência dos saberes

internacionais para o Timor-Leste. Além disso, percebe-se

claramente a edificação de um país, ou de um ideal do Estado

10 UNDP.“Unlocking Progress: MDG Acceleration Framework (MAF) lessons from pilot countries”. 2010. Disponível em: http://www.undp.org/content/undp/en/home/librarypage/mdg/unlocking-progress-maf-lessons-from-pilot-countries/

9

segundo moldes internacionais. Primeiro, as bases de operação

de PNUD em Timor-Leste são estabelecidas no Acordo de

Cooperação firmado em 2002. Mas a estrutura administrativa,

bem como as funções de PNUD, são estabelecidos

internacionalmente nos documentos como os Planos Globais

Estratégicos. Nestes, também como constam no sítio web

oficial, os objetivos do PNUD são basicamente quatro:

Governança Democrática, Redução de Pobreza e Cumprimento dos

ODM, Prevenção e Recuperação de Crises e Desenvolvimento

Ambiental e Sustentável. Relativamente recente, conta com o

objetivo do empoderamento das mulheres e da igualdade de

gênero.

Segue a análise detalhada dos relatórios, de uma forma

diacrônica. Discutir-se-ão como Timor-Leste é percebido ao

longo dos anos, como se vem construindo a nação em termos

técnicos e quais são os desafios administrativos/de

desenvolvimento.

O Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2002

O primeiro relatório foi muito importante para sumarizar

o ambiente da atuação e os desafios imediatos para a equipe

das Nações Unidas, já que nos anos anteriores, na ausência de

um governo local, foi a equipe internacional que iniciou com

a construção da nação. Na publicação do Relatório de 2002,

10

contextualiza-se em um momento de encaminhar o governo

internacional de Timor-Leste para o primeiro governo eleito.

Em primeiro lugar, o Timor-Leste é percebido como um

solo hostil, cujas infraestruturas foram destruídas, onde as

mulheres são oprimidas e o povo vivendo em pobreza praticando

um modo de vida de baixa produtividade. Nas palavras do

Relatório, “este país é o mais pobre da Ásia e um dos mais

pobres do mundo.”11

O quadro de desenvolvimento ilustrado pelo PNUD se

representa com clareza nos trechos abaixo:

[...] Muitas pessoas morrem de doenças que podem serprevenidas como malária, infecções do tractorespiratório e diarreia.[...] A sua produtividade é baixa e durante décadasTimor-Leste teve de importar alimentos básicos.[..] os grupos mais pobres estão entre as famílias quetêm muitas crianças pequenas, parcelas de terradiminutas e pouco gado e naquelas que vivem em áreasque estão sujeitas a inundações e a erosão do solo.[...] Com a população a crescer a um ritmo de 2.5% aoano, cerca de 20.000 jovens integrarão anualmente aforça de trabalho.[...] As mulheres também têm menos poder; e a violênciabaseada no género é uma questão grave e poucodocumentada.

11 PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2002: o Caminho à nossa frente. Página 1. Disponível em: http://www.tl.undp.org/undp/Publications/UNDP%20Timor-Leste%20publications/NHDR%202002/NHDR%20TL_2002_PT.pdf, Último acesso em 24 deagosto de 2012.

11

[...] a maioria do terreno é inclinada, com uma pequenacamada de solo, muita da qual é arrastada em inundaçõesque surgem rapidamente.[...] a maioria das pessoas sente-se mais segura e ataxa de criminalidade é baixa.[...] A eleição presidencial de Abril de 2002 tambémteve um resultado notável—mais de 86% dos eleitoresvotaram efectivamente.

No relatório de 2002, registrou-se a evolução de IDH:

0,362 em 1993, 0,393 em 1996, 0,399 em 1997, 0,395 em 1999 e

0,421 em 2001. Embora teve uma “ligeira melhoria”, ainda se

situava em um dos países menos desenvolvidos do mundo, no

153º dos 162 países avaliados. O desafio para Timor-Leste era

então nas áreas de saúde, educação, estrutura política,

judicial e policial, alimentos e produto econômico. Se

considerar o índice de gênero, que mede a igualdade de

gênero, o IDH leste-timorense reduziria para 0,37.

Portanto, através dessas informações técnicas e

estatísticas, evidencia-se então para os leitores a imagem da

nação de Timor-Leste, “situa-se na parte leste da ilha de

Timor, a mais oriental das ilhas Sunda Menores” com uma

população de 794 mil pessoas e alastrado por miséria e

pobreza. O quadro era-se então de um governo recém-

estabelecido nas cinzas de guerra civil, vindo do nada,

identificando “o caminho pela nossa frente” – como se sugere

o subtítulo do relatório.

12

Nesse contexto, explicam-se os trechos abaixo a

idealização do governo do Timor-Leste pelo PNUD:

[...] Todas as agências do governo, sejam elas dadefesa, serviços sociais, comunicações, etc., devempromover e definir a visão de serviço a bem dasociedade civil.(Págia 35.)[...] Neste caso, o governo deve actuar seriamentesobre a situação de imensa pobreza em Timor-Leste sequiser ser um instrumento útil para a sociedade civil.(Idem)[...] O governo também terá que deixar espaçosuficiente para as vozes da oposição... (Idem)... (grifo nosso)

Com a ênfase no governo, a “nação”, um conceito nãoespecificado no relatório, parece um fruto da construção dogoverno, seguindo os critérios de democracia edesenvolvimento:

Para administrar um Estado-Nação moderno e construiruma economia mais diversificada e mais desenvolvida,terão de adquirir novos conhecimentos e desenvolvernovas capacidades—muitas das quais requerem longosanos de educação e formação.(pg.12)Assim, há quatro respostas concretas se Timor-Lesteavançar como uma nova nação: Estabilidade política,Direitos Humanos e democracia, Diálogo e solidariedadecom a cultura Timorense [...] (pg. 32)

Perante essa situação e as tarefas do desenvolvimento, o

relatório por inteiro é uma descrição dos desafios de

desenvolvimento. No capítulo “construindo uma administração

eficaz”, cita o legado indonésio prejudicial ao

desenvolvimento, como “o excesso de pessoal, uma forma

complexa de administração e uma cultura de dependência que

13

deixou as pessoas com pouca confiança para fazer mais do que

‘esperar por ordens’ das chefias.” Registra-se o poder ainda

centralizado, a incompetência do pessoal, a falta da ética

administrativa, a deficiência na comunicação pela falta de

uma língua efetivamente nacional.

No capítulo “o horizonte da educação”, citam-se o

analfabetismo reinante, a multiplicidade de línguas, a

precária qualidade do ensino e de pessoal que se instalou na

época indonésio pretendente a “indonesiar” o povo timorense.

Para PNUD, “a sociedade tradicional timorense é profundamente

hierarquizada o que constitui um desafio para a introdução de

certos conceitos democráticos, tais como a noção de

igualdade.” Para isso, o PNUD sugere a educação cívica que,

segundo a filosofia de desenvolvimento, ensine à população “o

conhecimento cívico, as capacidades cívicas e também as

virtudes cívicas. São esses “os traços de carácter

necessários para manter e acentuar a governação democrática e

a cidadania” e a sociedade pacífica.

No capítulo “crescimento económico para o

desenvolvimento humano”, fazem-se referência à carência nas

condições sanitárias, às economias rurais pouco produtivas e

vulneráveis aos choques climáticos, a falta de

desenvolvimento na cultura de café e na pesca, a falta de

sistema financeiro rural e a falta de condições para atrair e

sustentar o capital privado. Para a atração de investimento

14

estrangeiro, o Timor-Leste precisa desenvolver a

regularização das propriedades de terra, fortalecer o uso da

moeda nacional, baixar o nível de salário, especificar os

códigos civis, comerciais e as leis trabalhistas.

Em sínteses, o desenvolvimento é uma realidade almejada

que ainda não se achava no solo timorense, nem na sua

cultura, nem no seu povo, nem na sua economia, nem no seu

governo. Toda a realidade é um desafio. “O Caminho pela nossa

frente”, como é o subtítulo do relatório, sugere transformar

essa realidade hostil no caminho do desenvolvimento.

O Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2006

O relatório de 2006 avalia novamente o desenvolvimento

timorense após a primeira gestão de governo – quatro anos

depois do primeiro relatório. De certa forma, o Timor-Leste

já está encaminhado para o desenvolvimento, com a expectativa

de cumprir os ODMs e melhorar o IDH.12

Nesse relatório, o IDH de 2004 subiu ligeiramente para

0,426, melhorando significativamente na educação, porém com

queda nos indicadores de saúde (expectativa de vida ao

nascer) e renda (PIB per capita). Em 2003, Timor-Leste ainda

se situava no 140º lugar, sendo o mais baixo da Ásia e um dos12 PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano em Timor-Leste 2006: o Caminho para Sair da Pobreza. Disponível em: http://www.tl.undp.org/undp/Publications/UNDP%20Timor-Leste%20publications/NHDR%202006/NHDR%20TL%202006%20PT.pdf. Último acesso em 24 de agosto de 2012

15

mais pobres do mundo, pelo índice da pobreza humana. A pouca

variação no índice indica desafios semelhantes do relatório

anterior. A justificativa é “como país recentemente

independente, Timor-Leste está fazer um arranque tardio”. O

IDH ajustado ao gênero registrou também uma melhoria pouco

significativa.

Em 2004, o governo ganha o perfil político e dialoga

politicamente com os técnicos de PNUD, ilustra-se nos trechos

como:

[...] O Governo está também determinado aassegurar que os aspectos relacionados com ogénero estão considerados em todas as políticas eprocessos. (pg. 19)[...] Governo independente endossou fortemente osODMs. O actual Presidente da República assistiu àassembleia como observador e seguindo atransmissão da responsabilidade pelo UNTAET aoGoverno Nacional em Maio de 2002, Timor-Lestetornou-se o membro mais novo das Nações Unidas emSetembro de 2002 – assumindo, assim, aresponsabilidade de cumprir com as diversasconvenções das NU, incluindo a Declaração doMilénio e os ODMs.(pg. 23)

Quanto à ideia da nação, aparece como uma referência aofuturo próspero:

[...] Têm a sua visão de para onde querem ir, danação que eles pretendem que seja. Mas terconsciência dessa visão será uma tarefa árdua elonga e existem à sua frente muitas decisõesdolorosas que terão de ser tomadas.(pg.52, grifonosso)

Em 2006, a imagem do solo hostil persiste como legado da

ocupação indonésia e da guerra de independência. Nas áreas

16

avaliadas pelo IDH, os padrões de saúde e de educação ainda

são muito baixos e o crescimento econômico é lento

paralelamente à pobreza presente. Em termos de saúde, a

população é vulnerável às doenças como diarreia, malária,

dengue, tuberculose e lepra. O PNUD afirma que parte dessa

realidade se explica pela falta de condição sanitária, a

falta de acesso à água potável e aos serviços básicos de

saúde. Em termos de educação, a taxa de alfabetização era

muito baixa (56% e 44% para homens e mulheres,

respectivamente) e a abstenção e a desistência escolar são

frequentes. Em termos de renda, “cerca de 40% das pessoas

vivem num estado de pobreza de rendimento, com menos de $0,55

por pessoa por dia”.

Além disso, em relação à igualdade de gênero – o qual

constitui uma preocupação adicional do IDH, as mulheres

timorenses têm menor nível de educação, sofrem violência

doméstica e discriminação no trabalho, muitas não tem acesso

ao serviço de planejamento familiar e são vulneráveis a

elevadas taxas de fertilidade – com alta mortalidade materna.

O PNUD também aponta a escassa infraestrutura de

transporte e eletricidade presente no país. Criticou também o

uso de lenha – que prejudica tanto o ambiente quanto a saúde

da população.

No capítulo “combatendo a pobreza rural”, o PNUD

sustenta que é necessário haver o crescimento econômico. Em

17

comparação com o relatório de 2002, repete-se a necessidade

da criação de um sistema de crédito rural, do fortalecimento

do setor privado e da diversificação econômica.

No capítulo “custeando os Objetivos de Desenvolvimento

do Milênio”, o PNUD afirma que o Timor-Leste precisa

recuperar os anos “perdidos”, visto que sua independência foi

10 anos depois do início da corrida pelos ODM. Então o

desafio é não apenas desenvolver, mas desenvolver

aceleradamente. Nesta perspectiva, o PNUD calcula que requer

um crescimento para preencher a lacuna de 480 milhões de

dólares.

No capítulo “trabalhando em conjunto: instituições e

parcerias”, o PNUD repete suas sugestões de 2002 sobre a

descentralização governamental e também encoraja as mídias,

afirmando que

Os órgãos de comunicação também podem contribuir

não só agindo como fontes de informação e

educação pública em áreas como a agricultura,

saúde e saneamento, mas também servindo de cães

de guarda públicos que podem expor a corrupção e

os direitos humanos e outros abusos.13

No último capítulo “uma agenda anti-pobreza”, consta-se

sugestões de desenvolvimento principalmente para a população

pobre das áreas rurais, como “reforçando as capacidades

humanas”, “ensino básico para todos”, “melhorar o desempenho

13 Idem. Página 31.

18

de saúde”, abordar a subnutrição e segurança alimentar,

“alargando as possibilidades e providenciando emprego

decente”, “aumentar a produtividade agrícola” e “melhorar a

infraestrutura rural.”

Em resumo, o PNUD aponta o caminho de desenvolvimento,

destacando a pobreza como o obstáculo principal – requerendo

do governo basicamente um crescimento econômico suficiente

destinado a essas prioridades de desenvolvimento. Como o

próprio subtítulo do relatório sugere: “o caminho para sair

da pobreza,” todos os esforços políticos de desenvolvimento

se põem no presente, lutando com o passado, quem é

responsável pela pobreza.

O Relatório do Desenvolvimento Humano de Timor-Leste 2011

Avaliando o Relatório de 2011 sob um olhar comparativo,

podem-se destacar pontos importantes: primeiro, a ênfase

positiva à atuação do governo foi sem precedente; segundo,

repetem-se em grande medida os mesmos desafios dos relatórios

anteriores; terceiro, mostra-se um tênue melhoramento em

termos de estatísticas em relação aos relatórios anteriores;

quarto, propõe-se o uso do rendimento de petróleo e gás para

acelerar o desenvolvimento.

19

No Relatório,14 o IDH de Timor-Leste subiu para 0,502 –

categoria média no ranking internacional. Embora ainda na

120º lugar, mas graças ao crescimento econômico, já

ultrapassou Mianmar, Laos e Camboja no Sudeste Asiático e os

países subsaarianos no mundo. O PNUD reconhece no artigo os

esforços do governo timorense e da cooperação internacional,

apontando melhorias nas áreas de educação, saúde e renda.

Acredita-se que Timor-Leste já está no caminho para cumprir

com os Objetivos do Milênio. Porém ainda enfrenta grandes

desafios nessas áreas, como a pressão demográfica, o

desemprego, a falta de formação qualificada e a desigualdade

de desenvolvimento – entre as classes e gêneros.

A solução proposta foi a utilização consciente e

sustentável dos ingressos de petróleo e gás. Contudo, PNUD

afirma que a exploração petrolífera por parte do governo

“gerou intensos debates.” Em outras palavras, a exploração

excessiva do petróleo e do fundo do petróleo é duramente

criticada.

De maneira geral, o diagnóstico mantém-se muito

semelhante dos anteriores, apontando os mesmos desafios nas

áreas de saúde, educação e renda, como o problema das línguas

14 UNDP. Timor Leste Human Development Report 2011: Managing NaturalResources for Human Development Developing the Non-Oil Economy to Achievethe MDGs. Disponível em:http://hdr.undp.org/en/reports/national/asiathepacific/timorleste/Timor-Leste_NHDR_2011_EN.pdf. Último acesso em 25 de agosto de 2012.

20

oficiais, o sugerindo repetidamente o desenvolvimento rural,

a capacitação de pessoal, a atração de investimento, o

fortalecimento do setor privado, a diversificação econômica,

melhoramento de infraestrutura e a proteção do meio ambiente.

A parte os elogios, como o melhoramento na saúde

infantil, a instalação de microcrédito rural etc., entre este

e o último relatório, a questão da segurança reemergiu. Por

parte se explica pelos tumultos entre os anos de 2007 e 2008,

por outra parte a criminalidade urbana se explica pela falta

de emprego disponível aos jovens. O relatório ainda criticou

sobre as ações do governo de instalarem termoelétricas e de

usarem excessivamente o fundo de petróleo – mantido como uma

reserva para o futuro.

Além dos desafios “normais”, consta-se curiosamente no

relatório o debate sobre a cultura. Transcrevem-se a seguir

alguns dos trechos nas seções em relação à igualdade de

gênero:“A divisão de trabalho entre homens e mulheres noTimor-Leste é fortemente legitimada pelos valores,normas e práticas patriarcais tradicionais,particularmente no setor rural.” (Página 32.)

“O acesso à educação das mulheres e meninas eram tambémconsiderado restrito pelas práticas tradicionais degravidez e casamento precoces, associado com a falta deapoio dos lideres da comunidade e dos administradoresdas escolas para mulheres e meninas participarem daeducação da mesma forma que os homens e meninos.”(Página 33)

21

Não somente em relação à questão de gênero, a culturatimorense aparece como obstáculo para o desenvolvimento bem-sucedido:

Além destes dois aspectos de capacidade institucional,os comentaristas também argumentaram que odesenvolvimento bem sucedido em países ricos emrecursos parece ser facilitado pelo surgimento de umestado que tem duas características cruciais. Oprimeiro é o domínio político de mercado baseada emelites proprietárias, ou grupos com fortes ligações àpropriedade, ao invés de elites tradicionais ou líderesde determinado grupos étnicos. Estudos têm demonstradoque os primeiros são mais propensos a seguir aspolíticas econômicas que promovam o desenvolvimento,dentro da economia de mercado.” (Página 60)

[...] Há, no entanto, uma compreensível relutância porparte das famílias de agricultores a se envolverem emdesenvolvimentos de novos de capacidades, por medo dorisco e de afastar-se das formas tradicionais decultivo já experimentadas e testadas - especialmente sehouver limitado recurso de experimento e incentivospara as novas abordagens.” (Página 87)

Em outro trecho, a tradição em relação aos direitoscostumeiros da terra pode ser um empecilho a negócios:

Terras comunais são raramente vendidas, Uma lisan15 sãousualmente exógamos. Membros caso com outros grupos deuma lisan. Esse movimento cria redes complexas de aliançae troça entre grupos e, entre outros benefícios, provémmeios importantes para os modos de vidas agrícolastenham acesso a terra. (Página 102)

Para isso, sugeriu-se ao governo a reforma dos direitos

de modo a propiciar um ambiente melhor para investimentos,

vistos como fator crucial para o desenvolvimento.

Em resumo, nesse relatório, o governo e as ações

governamentais foram alvo de debate e avaliação,15 "Literalmente, casas tradicionais.” Idem.

22

diferentemente da condição objetiva pré-existente ao Timor-

Leste, ressaltada nos relatórios anteriores. Parece que houve

uma transferência de condição objetiva para a

responsabilidade subjetiva do governo – depois de quase 10

anos de estabelecimento do Timor-Leste.

A Dinâmica da cooperação entre o PNUD e o governo local

Por um lado, o PNUD previu e participou do

fortalecimento da capacidade governamental, por outro lado,

evidencia-se um processo gradual de disputa pela autoridade

no qual o relacionamento entre o PNUD e o governo tem se

deteriorado. Da análise dos três relatórios, a posição do

governo se destaca do alvo de assistência e de construção

para um sujeito autônomo de cooperação. Os resultados

recentes da avaliação de desenvolvimento, como publicados nos

documentos do PNUD, incitam discórdias e antipatias por parte

dessa elite governante.

Um dos eventos que testemunham a tensão foi a publicação

do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2011. Desde o final

de 2010, o Relatório, ainda esboço, já foi alvo de crítica16:

Assessores de alto nível, timorenses e internacionais

que trabalham para o governo em Díli fizeram críticas

contundentes ao relatório de 234 páginas elaborado pela

16 THE SIDNEY MORNING HERALD. East Timor leaders scathing about crucial UNreport. 3 de janeiro de 2011. Disnponível em: http://www.smh.com.au/world/east-timor-leaders-scathing-about-crucial-un-report-20110102-19d22.html. Último acesso em 24 de agosto de 2012.

23

Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, dizendo

que é politicamente tendencioso, e cita dados

imprecisos e a maioria das suas conclusões não têm

fontes.

As críticas incluem o viés políticos do Relatório, a

falta de fonte dos dados e, quando houver, a desatualização

dessas fontes. E a reação do governo se intensifica17:

O Secretário de Estado da Segurança, Francisco da Costa

Guterres , disse que as Nações Unidas falharam a

compreender a complexidade da relação entre Timor Leste

e seu ex-colonizador, Indonésia. Sr. Guterres rotulou o

estudo de PNUD como enviesado, impreciso e

culturalmente ignorante. (tradução nossa)

Além das falhas técnicas presentes, a discórdia parece

ser incitada pelo partido da oposição, Frente Revolucionário

de Timor-Leste Independente – FRETILIN, que usou o relatório

de 2011 para criticar o baixo desempenho do governo vigente.

E, a partir disso, generalizou-se uma disputa entre mídias e

partidos, que envolveu o PNUD como um alvo de ataque.

Entretanto, o episódio não é isolado. Em 2008, houve o

vazamento de um relatório confidencial da UNMIT, o qual havia

criticado o governo de Timor Leste, alertando “perigo de

anarquia”.18 Xanana Gusmão, então chefe de governo, confrontou17 BBC. East Timor hits out at UN report. 4 de janeiro de 2011. http://www.bbc.co.uk/news/world-asia-pacific-12111853. Último acesso em 24 de agosto de 2012. 18 THE AUSTRALIAN. East Timor 'At Risk of Anarchy' Says UN Report. 23 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.etan.org/et2008/12december/27/23etrisk.htm. Último acesso em

24

a crítica da UNMIT, afirmando que a situação de segurança em

Timor estava perfeitamente normal, diferente da quase

anárquica que o relatório vazado da missão apontou.19

Novamente em 2011, um relatório confidencial da UNMIT

que criticou a centralização do poder praticada por Xanana

Gusmão, após publicado na mídia local incitou fúrias por

parte do governo,20 que expressou sua

indignação com a inaceitável pseudo-análise inventadapor um burocrata da UNMIT referindo-se à liderança doprimeiro-ministro Xanana Gusmão.Ninguém neste país, ou na região, está mais empenhadodo que o primeiro-ministro Xanana Gusmão na democracia,no primado da lei e na paz.

Enquanto ao próprio Xanana Gusmão, expressou sua fúria21:

"A minha proposta é esta: UNMIT [Missão das Nações

Unidas em Timor-Leste] e especialistas em Timor,

ofereçam os vossos serviços para melhorar o Iraque,

Afeganistão, Paquistão, e apoiem a democracia no Iémen,

Síria ou Líbia"

24 de agosto de 2012.19 THE AUSTRALIAN. ETimor hits out over UN report. 29 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.etan.org/et2008/12december/27/29ethits.htm. Último acesso em 24 de agosto de 2012.20 SAPO. Presidente indignado com documento da missão da ONU. 19 de maio de 2011. Disponível em http://noticias.sapo.mz/lusa/artigo/12566506.html.Último acesso em 24 de agosto de 2012.21 SAPO-Expresso. Timor-Leste: Façam as malas e vão para o Iraque ou Afeganistão, diz Xanana Gusmão à ONU. 19 de maio de 2011. Disponível em: http://expresso.sapo.pt/timor-leste-facam-as-malas-e-vao-para-o-iraque-ou-afeganistao-diz-xanana-gusmao-a-onu=f649883. Último acesso em 24 de agosto de 2011.

25

Embora esses eventos são marcados pela disputa

partidária do Timor-Leste, na qual a oposição utiliza-se como

argumento os documentos internacionais para criticar o

governo, mas os conflitos no processo da cooperação são

também evidenciados.

A crescente autonomia do governo leste-timorense,

conforme analisado nos relatórios do PNUD, ocasiona

inevitável disputa pela autoridade. Pois a equipe do PNUD

detinha a autoridade de construir a nação nos documentos e

possuía saberes específicos para tal. Parte como resposta a

essa situação, o governo liderou em 2010 o censo

populacional.

Os objetivos do censo 2010 foram para “prover ao governo

e sócios informações sobre as características social,

econômica e demográfica da população timorense, que serão

utilizadas para os programas de desenvolvimento nacional,

alocação dos recursos nacionais, revisão das fronteiras

administrativas e eleitorais, localizar infraestruturas

sociais como escolas e hospitais e para pesquisas.”22

Com sucesso, o censo de 2010 construiu a nação de Timor-

Leste em termos técnicos e estatísticos. Timor-Leste é

detalhadamente ilustrado como um país que tem 1,066,582

22 DNE. Population Distribution by Administrative Areas Volume 2 (ENGLISH). Disponível em: http://dne.mof.gov.tl/published/2010%20and%202011%20Publications/Pub%202%20English%20web/Publication%202%20FINAL%20%20English%20Fina_Website.pdf. Último acesso em 25 de agosto de 2012.

26

habitantes, sendo 541,147 homens e 525,435 mulheres; 184.652

famílias, 71 pessoas/km², 96,9% são católicos, 10.983

estrangeiros, 70,6% dos jovens matriculados, 56,1% letrados,

90% da população trabalham, 42,9% da população rural não tem

acesso à água tratada, etc.23 Além de atualizar as referências

sobre Timor Leste, parte da crítica ao Relatório de 2011 se

baseou nos dados atualizados do censo de 2010.

Portanto, vê-se que há um processo de negociação na

cooperação para desenvolvimento, seja nas consultas públicas,

seja nas reuniões políticas, seja nas críticas. Para que a

cooperação seja satisfatória, é necessária que haja harmonia

entre as partes. Entretanto, indaga-se o que ocasiona essa

séries de disputas e a possível falta de concerto revelado

entre o PNUD/Nações Unidas e o Governo de Timor Leste.

Primordialmente, compara-se a fonte de recursos

financeiros entre PNUD Brasil, onde o PNUD atua desde os anos

de 1960, e o PNUD Timor-Leste, um dos mais recentes países do

mundo – onde o PNUD atua há cerca de 10 anos. Descobre-se que

no caso brasileiro, devido ao reconhecimento do

desenvolvimento brasileiro, o PNUD Brasil é praticamente

financiado pelo governo brasileiro – sem doações

internacionais;24

23 Idem.24 PNUD. Como o PNUD é financiado. Disponível em: http://www.pnud.org.br/ObjetivosPNUD.aspx?indice=3. Último acesso em 25 de agosto de 2012.

27

Enquanto em Timor Leste, o PNUD é totalmente financiado

com recursos internacionais.25 Entre 1999 a 2010, os recursos

são provenientes das agências dos governos estrangeiros

(Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, União Europeia,

Finlândia, França, Alemanha, Indonésia, Irlanda, Itália,

Japão, Coreia, Luxemburgo, Países Baixos, Nova Zelândia,

Noruega, Portugal, Suécia, Espanha, Suíça, Tailândia, Reino

Unido e Estados Unidos) e dos fundos internacionais (do

próprio PNUD e das Nações Unidas e do Fundo Global para

Desenvolvimento). Condizentemente, os projetos financiados se

identificam com o perfil dos doadores. Por exemplo, em 2010,

65% dos recursos do PNUD em Timor Leste foram destinados para

as tarefas da área “Governança Democrática”, que inclui a

reforma judiciária e as eleições; 24% para “Prevenção e

Recuperação da Crise”, 7% para a “Dedução da Pobreza” e 4%

para “Meio Ambiente”.26

De certa forma, explicam-se as palavras radicais de

Xanana Gusmão, quando ataca aos leste-timorenses que

trabalham para a equipe das Nações Unidas: "não devem

25 PNUD. Bilateral donors and International Financial Institutions. Disponível em http://www.tl.undp.org/undp/partnership.html. Último acessoem 25 de agosto de 2012.26 UNDP Programme delivery by unit areas 2010 - UNDP Timor-Leste. Disponível em: http://www.tl.undp.org/undp/pdf_file/Program%20delivery%202010.pdf. Último acesso em 26 de agosto de 2012.

28

rastejar pelo dinheiro de outros". "Porque isso é uma doença,

a que chamamos colonialismo mental."27

Ou seja, apesar da alegada diligência pela necessidade

nacional, observa-se no caso do PNUD Brasil uma dependência

do PNUD em relação ao governo nacional e a necessidade

fundamental de manter a harmonia – sendo o governo o

principal stakeholder28 – diferentemente do PNUD Timor-Leste em

que stakeholders internacionais (como a Assembleia Geral, ONGs

e agências estrangeiras de cooperação/assistência)

predominam.

Conclusão

Respondendo aos objetivos do artigo, descreveram-se as

políticas do PNUD, as quais seguem os discursos

internacionais do desenvolvimento, e difunde-se na vasta rede

de operação na qual o PNUD transfere seus conhecimentos

técnicos e coordena as relações entre os países membros e as

Nações Unidas. Viu-se que o PNUD publica documentos de

importante referência, como os Relatórios do Desenvolvimento

Humano, nos quais compilam instrumentos como o Índice de

27 SAPO-Expresso. Timor-Leste: Façam as malas e vão para o Iraque ou Afeganistão, diz Xanana Gusmão à ONU. 19 de maio de 2011. Disponível em: http://expresso.sapo.pt/timor-leste-facam-as-malas-e-vao-para-o-iraque-ou-afeganistao-diz-xanana-gusmao-a-onu=f649883. Último acesso em 24 de agosto de 2011.28 Linguagem empresarial utilizada para designar as partes que detém interesse – ou, traduzida para português: as partes interessadas.

29

Desenvolvimento Humano e os Objetivos do Milênio de

Desenvolvimento. Especificamente sobre Timor Leste, esses

documentos são de grande importância pois “constroem” a nação

de Timor Leste para os leitores e, através desses relatórios,

avaliam-se o estado do desenvolvimento no país.

Na análise dos três relatórios, percebe-se o modelo

claro de uma nação “desenvolvimentista”, a qual teria logrado

as ideias de Desenvolvimento Humano e cumprido os Objetivos

do Milênio de Desenvolvimento, além de ser democrático em

termos de eleições, possuir um governo funcional, ter devidas

infraestruturas e apresentar estatísticas satisfatórias nas

áreas de saúde, renda e educação.

Nesses relatórios, o Timor Leste emergiu do passado da

ocupação indonésia e caminha para o desenvolvimento. Avalia-

se que o Timor Leste obteve sua consolidação democrática,

está construindo um governo funcional que crescentemente

adquire a habilidade da elaboração das políticas, da

administração dos recursos e a capacidade autossustentável –

que se prepara para se despedir das intervenções

internacionais.

Entretanto, os desafios nas áreas avaliados pelo PNUD,

como a pobreza, a desigualdade de gênero, a carência de

infraestrutura, o baixo nível de educação etc., persistem ao

longo dos anos. Grossamente esses desafios podem ser vistos

30

em três tipos: o primeiro se diz quanto à condição objetiva

na qual nasce o Estado de Timor Leste, como as

infraestruturas destruídas, a precária condição de saúde, o

legado indonésio que atrasa o desenvolvimento da nação; o

segundo se diz as práticas tradicionais como de cultivo, de

uso dos recursos, da hierarquia familiar, da inexistência

prévia da ideia de desenvolvimento como a diversificação

econômica, a alfabetização, o saneamento etc.; o terceiro se

diz à atuação do governo, que desempenha abaixo da

expectativa do PNUD, como a corrupção ainda presente, a falta

da unificação da língua que causa o problema de comunicação,

a ineficiência de pessoal e o autoritarismo por vezes

criticado pelas Nações Unidas e o reconhecido, todavia lento,

progresso no caminho de desenvolvimento.

Todavia, o aparente tecnicismo é também um fruto de

negociações constantes entre o governo local e o PNUD. As

discórdias registradas a partir das críticas e alegações

confirmam a existência desse processo de negociação. Suas

eventuais falhas se explicam pelo modelo de financiamento

internacional do PNUD em Timor Leste e a crescente autonomia

do governo local, que disputa pela autoridade de “construir a

nação”.

Porém, as críticas da elite governante local nunca se

incidem sobre os saberes técnicos do desenvolvimento, mas

31

sobre o resultado que politicamente não lhes favorecem. Por

isso vê-se esforços para dominar e “nacionalizar” os

processos técnicos. Em outras palavras, a cooperação

internacional para o desenvolvimento, bem como o conjunto de

saberes técnicos, servem a propósitos políticos e é parte das

dinâmicas do processo.29

De certa forma, confirma-se a hipótese inicial do

artigo, de que o PNUD possui uma política internacional

definida e sua atuação em Timor Leste é apenas uma aplicação

técnica e objetiva desse tecnicismo – aceito pela elite

local; porém enfatizamos que o próprio processo da condução

influencia no resultado: tanto nos relatórios que precisam da

consulta política prévia, quanto na dinâmica partidária

interna que sugere a saída da interferência internacional.

29 MITCHELL, Timothy. Rule of Experts. Egypt, Techno-politics, modernity. Los Angeles: University of California Press, 2002

32

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