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Sexta Turma

Sexta Turma - STJ

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Sexta Turma

HABEAS CORPUS N. 150.177-SP (2009/0198382-1)

Relatora: Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora

convocada do TJ-PE)

Impetrante: Defensoria Pública da União

Advogado: Carla Cristina Miranda de Melo Guimarães - Defensoria

Pública da União

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Paciente: Jaime Moraes de Oliveira (preso)

EMENTA

Penal. Habeas corpus. Tráfi co de drogas e furto qualifi cado. Crime

cometido na vigência da Lei n. 6.368/1976. Condenação com base

em provas colhidas exclusivamente na fase inquisitorial. Inocorrência.

Princípio da consunção. Inaplicável. Dosimetria da pena. Adequação.

Causa especial de redução da pena. Dedicação a atividade criminosa.

Impossível reexame probatório. Via indevidamente utilizada

como sucedâneo de agravo em recurso especial. Não cabimento.

Constrangimento não evidenciado. Ausência de ilegalidade manifesta.

1. Na esteira dos recentes precedentes do Supremo Tribunal

Federal e desta Corte Superior de Justiça, é incabível o habeas corpus

utilizado em substituição ao recurso adequado.

2. As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se

admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição

ao recurso cabível. Precedentes.

3. A inadequação da via eleita, contudo, não desobriga este

Tribunal Superior de, ex offi cio, fazer cessar manifesta ilegalidade que

importe no cerceamento do direito de ir e vir do paciente.

4. A sentença condenatória está fundamentada não apenas nos

revelantes elementos amealhados no inquérito policial, como também

nos laudos periciais e oitivas de testemunhas da instrução criminal,

sendo incabível a declaração de nulidade do feito por cerceamento de

defesa.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

884

5. Para que uma conduta seja absorvida pela outra é necessário

que a primeira sirva apenas como ato preparatório da segunda, sendo

considerada irrelevante e eliminando a autonomia do referido crime.

6. No caso, o furto praticado pelo paciente se deu com abuso da

confi ança depositada, consistente na subtração de objeto ilícito, produto

de outro crime, e ocorreu dentro das dependências da Polícia Federal,

ludibriando a segurança daquele órgão, não podendo tal conduta ser

considerada desprezível e tampouco simples ato preparatório.

7. O modus operandi utilizado na prática delitiva revela a intensa

periculosidade dos agentes e gravidade concreta da conduta, de modo

que o potencial lesivo do furto praticado não pode ser absorvido pelo

tráfi co.

8. A teor do que dispõe o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, o juiz, ao

fi xar a pena, considerará com preponderância sobre o previsto no art.

59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do

produto, a personalidade e a conduta social do agente.

9. Na espécie, o Tribunal de origem se valeu da quantidade de

entorpecente comercializada pelos agentes - 24,855 Kg de cocaína

- e das circunstâncias em que foi perpetrado o delito para justifi car o

aumento da pena-base.

10. A Lei n. 11.343/2006, em seu art. 33, § 4º, determina que nos

delitos defi nidos no caput e § 1º do mesmo dispositivo legal, as penas

poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente

seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades

criminosas e nem integre organização criminosa.

11. A Corte originária, analisando os elementos concretos que

permearam a conduta delitiva, em especial a grande quantidade de

entorpecente apreendido, bem como o organizado esquema criminoso

traçado para possibilitar a prática delitiva, concluiu que o paciente e

seus comparsas dedicavam-se a atividade criminosa.

12. Tal posicionamento não pode ser modifi cado nesta via, uma

vez que para se concluir o contrário seria necessário o revolvimento de

todo o conjunto probatório, providência incabível em sede de habeas

corpus.

13. Ordem não conhecida.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 885

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do

habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. A Sra. Ministra

Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião

Reis Júnior e Assusete Magalhães votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Brasília (DF), 4 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-

PE), Relatora

DJe 19.12.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada

do TJ-PE): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor

de Jaime Moraes de Oliveira, referente à Ação Penal n. 2005.61.81.005351-1,

apontando como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Segundo narra a inicial acusatória, entre as datas de 18.1 a 25.2 do

ano de 2005, o ora paciente e três corréus, teriam subtraído do interior do

Departamento de Polícia Federal em São Paulo, aproximadamente 24,855 kg

de cocaína, que se encontrava depositada naquele departamento, após ter sido

apreendida nos autos do IP n. 21-00008/05 (e-fl s. 27-34).

Ato contínuo à subtração, os denunciados teriam passado a vender a

substância entorpecente, situação comprovada pelas declarações das testemunhas

e pela apreensão de vultosa quantia, incompatível com seus rendimentos, nas

residências dos comparsas (e-fl . 426).

Ao fi m da instrução, o paciente foi condenado pela prática dos crimes

previstos no artigo 155 do Código Penal, e artigo 12, da Lei n. 6.368/1976,

sendo-lhe aplicada a pena fi nal de 9 (nove) anos de reclusão e 250 (duzentos e

cinquenta) dias-multa.

Ficou determinado que os primeiros quatro anos de reclusão - pena

referente ao tráfi co - seriam cumpridos integralmente em regime fechado e os

últimos cinco anos inicialmente em regime fechado (e-fl s. 425-452).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

886

Irresignados com a sentença proferida, tanto o Ministério Público Federal

quanto os condenados interpuseram recurso de apelação. A defesa de Jaime

requereu sua absolvição, por ausência de elementos que comprovassem a

materialidade delitiva. Subsidiariamente, pediu a redução da pena e a admissão

do sistema progressivo de cumprimento da pena.

O Ministério Público requereu a majoração das penas impostas aos réus.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu parcial provimento ao

recurso ministerial para majorar a pena total aplicada aos corréus Jaime e Márcio

para 14 (quatorze) anos de reclusão, mais pagamento de 490 (quatrocentos

e noventa) dias-multa, sendo reconhecida a incidência de circunstâncias

qualifi cadora no crime de furto. O apelo defensivo também foi parcialmente

provido para reconhecer o direito à progressão do regime prisional aos apelantes

(e-fl s. 510-526).

Eis a ementa do julgado:

Processual Penal e Penal: bis in idem da persecução penal. Não ocorrência.

Tráfi co de drogas. Art. 155, § 4º, incisos II e IV, c.c. o artigo 29, caput do Código

Penal e artigo 12, caput, da Lei n. 6.368/1976. Materialidade delitiva e autoria

comprovadas. Absorção. Impossibilidade. Dosimetria da pena. Majoração da

pena-base. Recurso do Ministério Público Federal e co-réus parcialmente providos.

I - As esferas administrativa e penal são independentes, não podendo ser

confundida a atividade da autoridade administrativa com o exercício do poder

jurisdicional na apreciação de ação penal.

II - A materialidade delitiva restou comprovada de forma inequívoca, através

do Laudo de Exibição e Apreensão, relativo ao Inquérito Policial n. 21.0008/05,

do Laudo de Constatação preliminar, do memorando que encaminhou

a referida substância ao Nucrim, onde consta o respectivo comprovante de

recebimento do material, da comunicação ao Superintendente da Polícia Federal

do desaparecimento da substância e, fi nalmente, pelo relatório elaborado na

sindicância instaurada em decorrência do fato ocorrido.

III - A autoria dos crimes, por sua vez, também restou devidamente comprovada,

tanto na fase de investigação policial quanto na instrução processual, por meio de

provas que sustentam e dão embasamento à comprovação da autoria, no que se

refere aos co-réus Jaime e Márcio.

IV – Confi gura-se impossível a relação de absorção entre os crimes de furto e

tráfi co, uma vez que esta somente ocorrerá quando uma das condutas típicas do

outro delito for meio necessário ou fase normal de preparação ou execução do

delito do tráfi co de entorpecente, o que no caso concreto não ocorreu.

V – Reconhecido direito à progressão do regime prisional.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 887

VI – Majoração da pena-base em razão das circunstâncias e da forma como foi

praticado o delito.

VII – Recurso do Ministério Público Federal e dos acusados parcialmente

providos. (e-fl s. 525-526).

Alegando omissão quanto à aplicação retroativa do art. 33, § 4º, da Lei

de Entorpecentes, o ora paciente opôs embargos de declaração, que foram

acolhidos em parte, apenas para sanar omissão referente à apreciação da causa

de redução de pena sem, no entanto, modifi car o julgado embargado.

Das últimas informações prestadas pelo juízo de origem, em 3.11.2011,

consta que o réu interpôs recurso especial, inadmitido na origem. O trânsito

em julgado do acórdão para o Ministério Público e para o ora paciente foi

certifi cado em 24.3.2010 (e-fl s. 600-611).

Neste habeas corpus, a Defensoria Pública alega, em resumo, que:

a) a decisão condenatória baseou-se, exclusivamente, em elementos obtidos

durante o inquérito policial, violando-se, assim, os princípios do contraditório e

da ampla defesa;

b) “o furto da substância entorpecente foi praticado exclusivamente

para possibilitar o tráfi co da droga subtraída, de modo que, pelo princípio da

consunção, o crime meio (furto) deve ser absorvido pelo crime fi m (tráfi co), que

é de maior gravidade e penas mais rigorosas” (e-fl . 9);

c) as circunstâncias em que se deu o delito e a natureza e quantidade do

entorpecente apreendido não justifi cariam o aumento da pena-base acima do

mínimo legal;

d) embora tenha se envolvido com o tráfi co, o paciente não faz do crime

seu estilo de vida e tampouco integra organização criminosa, preenchendo os

requisitos necessários para obter a redução da pena prevista no § 4º, do artigo

33, da Lei n. 11.343/2006.

Ao final, requer a concessão da ordem para absolver o paciente.

Subsidiariamente, pugna pelo redimensionamento da pena e afastamento da

hediondez do delito pelo reconhecimento do tráfi co privilegiado.

O Ministério Público Federal, às e-fls. 544-558, em parecer do

Subprocurador-Geral da República Francisco Dias Teixeira, opinou pela

denegação da ordem.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Em 4.5.2011 o presente mandamus foi atribuído ao Ministro Vasco Della

Giustina (Desembargador convocado do TJ-RJ), que solicitou informações

atualizadas ao Tribunal a quo e ao juízo de primeiro grau, em 16.9.2011.

As informações foram prestadas às fl s. e-STJ 570-597, 600-611. O feito

foi atribuído a esta Relatora em 23.8.2012.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada

do TJ-PE) (Relatora): Tenho por imperioso reconhecer a inadequação da via

eleita, utilizada indevidamente como sucedâneo de agravo em recurso especial,

pelo que não se faz merecedora de conhecimento a impetração.

As Turmas julgadoras integrantes da eg. 3ª Seção deste Superior Tribunal

de Justiça têm sinalizado a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem

de se prestigiar a lógica do sistema recursal.

As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se admitindo que o

remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso cabível.

Nesse sentido, são os precedentes deste Superior Tribunal de Justiça e do

Supremo Tribunal Federal: HC n. 156.087-SP, Rel. Ministra Maria Th ereza de

Assis Moura, HC n. 108.715, Rel. Min. Marco Aurélio e HC n. 110.423, HC n.

107.882 e HC n. 108.399, estes da relatoria do Ministro Luiz Fux.

Considerando o âmbito restrito do mandamus, cumpre analisar apenas se

existe manifesta ilegalidade que implique em coação à liberdade de locomoção

do paciente.

Para isso, dada a diversidade de alegações apresentadas neste habeas corpus,

passo à análise dos temas individualmente.

I - Cerceamento de defesa.

Afirma a impetrante que a decisão condenatória estaria embasada,

unicamente, em elementos obtidos durante o inquérito policial, o que violaria os

princípios do contraditório e da ampla defesa.

A alegação não prospera. Da atenta leitura da sentença condenatória

infere-se que o magistrado utilizou os depoimentos dos peritos, colhidos em

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 889

juízo, e as informações obtidas mediante oitiva das testemunhas, para condenar

os acusados.

Para melhor esclarecer, transcrevo o seguinte excerto da sentença

condenatória, concluindo que a materialidade delitiva e autoria do delito

estariam demonstradas, in verbis:

Iniciando pela prova documental, foram anexadas cópias do auto de

apresentação e apreensão da substância entorpecente, relativo ao Inquérito

Policial n. 21.0008/05 (fl s. 14, 41 e 49), do laudo preliminar de constatação (fl .

46), do memorando que encaminhou a referida substância ao NUCRIM, do qual

consta o respectivo comprovante de recebimento do material (fl . 42 e 50), da

comunicação ao Superintendente da Polícia Federal do desaparecimento da

substância (fl . 12) e, por fi m, do relatório elaborado na sindicância instaurada em

decorrências dos fatos (fl s. 246-256).

Tais documentos demonstram, em linhas gerais, o seguinte:

a) a substância apreendida constituía cocaína, consoante a conclusão do laudo

preliminar acima citado;

b) o entorpecente foi recebido no NUCRIM em 18.01.2005, data que consta

do carimbo aposto no memorando de encaminhamento por funcionário que

trabalhava no núcleo, o que também foi confi rmado no relatório elaborado para

apuração dos fatos no âmbito administrativo;

c) o desaparecimento foi descoberto no momento em que o perito solicitou a

entrega do material para realização do exame defi nitivo, conforma comunicado

pelo Chefe de Setor.

Especificamente no que tange à alínea “c”, cabe salientar que foram ouvidos,

no decorrer da instrução, os peritos Robertson Kasuhiro Kooshino e Calos Nalvo

Machado Junior, os quais, na condição de chefe do Núcleo de Criminalística e perito

encarregado de elaborar o laudo fi nal, foram os primeiros a terem conhecimento

dos fatos, tendo descrito, na condição de testemunhas, as circunstâncias em que

ocorreram.

(...)

A corroborar os depoimentos mencionados, também os funcionários terceirizados

que trabalhavam na própria secretaria do NUCRIM, desempenhando as funções

de receber o material e entregá-lo aos peritos quando requisitado o exame,

confi rmaram, quando ouvidos na qualidade de testemunhas do Juízo, o recebimento

do entorpecente e seu posterior desaparecimento das dependências do depósito.

(...)

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Conjugadas as provas documentais e orais acima analisadas, as quais

demonstram ter efetivamente desaparecido o entorpecente e, considerando-se que

tal desaparecimento ocorreu no período em que a substância fi cou acautelada no

depósito, só se pode concluir que aquela foi subtraída do local.

Por todos esses motivos, tenho que fi cou comprovada a materialidade delitiva.

2.2. Autoria

2.2.1. Jaime Morais Oliveira

As evidências colhidas durante a instrução fornecem elementos sufi cientes

para atribuir a autoria do crime previsto no art. 155, caput, do Código Penal, ao

acusado.

Em primeiro lugar, observo que Jaime trabalhava como empregado

terceirizado, tendo como função a realização de serviços de manutenção das

dependências do prédio, o que lhe possibilitava acesso, no mínimo, ao corredor

do 10º andar, ainda que seu cartão magnético não permitisse seu ingresso na sala

em que se localizava o depósito.

Na oportunidade em que foi interrogado em Juízo, o próprio réu confi rmou tal

circunstância, nos seguintes termos (fl s. 381-385):

(...) que trabalhava na época dos fatos, no prédio da Polícia Federal

em São Paulo como técnico em refrigeração e que tinha acesso a alguns

espaços; que no caso do 10º andar, tinha acesso ao corredor, mas não ao

depósito em que estava localizada a cocaína; (...)

Fixada essa premissa, verifico que, não obstante Jaime tenha declaração

também em seu interrogatório, que trabalhava das sete às dezessete horas,

constam dos autos registros de que teria ingressado especifi camente no corredor

que dava acesso à sala em que estava acautelada a substância em horários não

compatíveis com o turno que afi rmou desempenhar.

(...)

Em palavras outras, é de se reconhecer que, se Jaime realmente realizava

serviços de manutenção fora de seu horário de trabalho, a pedido do supervisor,

tal fato poderia ser confi rmado, a princípio, pela oitiva daquele que na qualidade

de testemunha, especialmente em se considerando que os serviços, ainda

segundo o próprio acusado, não são sempre documentados.

Realizada a oitiva, verifica-se, ao contrário, que a tese defendida não se

coaduna com o conteúdo do depoimento prestado por Maurício José da Silva, o

qual era superior hierárquico do réu na época dos fatos (...).

Nesse ponto, observo que o depoimento coincide com os das testemunhas

de acusação Júlio Sávio Monfardini, Delegado de Polícia Federal que presidiu o

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 891

Inquérito Policial instaurado para apurar o caso, e Robertson, chefe do NUCRIM,

o que constitui mais uma evidência a militar em sentido oposto à versão

apresentada pelo réu.

(...)

3. Art. 12, caput, da Lei n.º 6.368/76.

No que tange ao tráfi co ilícito de entorpecentes, fi caram comprovadas sua

materialidade e a autoria dos acusados Jaime e Márcio, não sendo possível a

atribuição desta última aos réus Robson e Reginaldo, em função do que acima se

explanou.

Nesse tópico, não pode ser aceita a tese da defesa de que a inexistência de

laudo final que atestasse a natureza da substância furtada geraria nulidade

insanável e impossibilitaria a apreciação do mérito.

(...)

Em relação ao tráfi co, tenho que podem ser aplicadas as mesmas considerações

acima expendidas, especialmente por constar dos autos o exame preliminar da

substância furtada (fl s. 45-46) e, ainda, outras provas que demonstram constituir

aquela cocaína, quais sejam: auto de apresentação e apreensão do entorpecente,

com discriminação da quantidade, lavrado nos autos do Inquérito 21.0008/05

(fl s. 13, 41 e 49), memorandos de encaminhamento do material para o NUCRIM,

do qual consta carimbo de recebimento por este último órgão (fl s. 42 e 50) e de

ciência do exame a ser realizado pelos peritos (fl . 40).

(...)

De qualquer forma, não há eiva a ser declarada, por serem os documentos acima

mencionados sufi cientes para comprovar a natureza da droga, mormente quando

corroborados pela prova oral colhida durante a instrução e acima analisada.

Fixada a premissa de que a coisa furtada constituía substância entorpecente e

tendo sido atribuída a Jaime e Márcio a prática do furto, a eles também deve ser

imputado o tráfi co.

É que, a partir do momento em que retiraram a cocaína do Departamento de

Polícia Federal e a levaram consigo incidiram, no mínimo, na conduta de guardar,

que já consta do rol do art. 12 da Lei n.] 6.368/1976, cabendo frisar que, consoante

as declarações prestadas por Gilmar Barbosa Nunes no Inquérito e analisadas em

item anterior, Jaime praticou, também, a conduta de expor à venda.

Diante do que se expôs, fi cou demonstrada a materialidade delitiva do tráfi co,

tendo Jaime e Márcio praticado condutas previstas no rol do art. 12, caput, da Lei

n. 6.368/1976.

(e-fl s. 427-432 e e-fl s. 442-444, com destaques).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Assim, o decisum fundamentou sua condenação não apenas nos revelantes

elementos amealhados no inquérito policial, como também nos laudos periciais

e testemunhas da instrução criminal, sendo incabível a declaração de nulidade

do feito por cerceamento de defesa, como pretende a impetrante.

Em casos semelhantes, essa Corte já se pronunciou, in verbis:

Habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Condenação com base em elementos

coletados exclusivamente durante o inquérito policial. Art. 155 do Código

de Processo Penal. 1. Sigilo das votações. Princípio da íntima convicção.

Impossibilidade de identifi cação dos elementos utilizados pelos jurados para

condenar a paciente. 2. Apelação. Art. 593, inciso III, alínea d, do Código de

Processo Penal. Juízo de constatação. Decisão que encontra arrimo nas provas

produzidas em juízo. Constrangimento ilegal. Inexistência. 3. Ordem denegada.

(...)

4. No caso, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, ao manter a condenação

da paciente, externando a sua convicção acerca dos fatos narrados na inicial

acusatória, baseou-se não só nos elementos de informação colhidos durante a

investigação. Apontou, também, depoimentos coletados durante a instrução

criminal, que constituem fonte idônea de convencimento.

5. O habeas corpus é antídoto de prescrição restrita, que se presta a reparar

constrangimento ilegal evidente, incontroverso, que se mostra de plano ao

julgador. Não se destina à correção de situações que, ainda que existentes,

demandam para sua identificação, aprofundado exame de fatos e provas.

Deveras, deve-se verifi car a alegação de que os depoimentos coletados durante

a instrução criminal “não servem à prova fi el e cabal da participação da paciente

nos fatos narrados na denúncia” no juízo de maior alcance - o juízo de revisão

criminal.

6. Habeas corpus denegado.

(HC n. 173.965-PE, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma,

julgado em 1º.3.2012, DJe 29.3.2012).

Condenação baseada exclusivamente em elementos informativos colhidos no

inquérito policial. Não ocorrência. Inexistência de nulidade.

1. Embora esta Corte Superior de Justiça tenha entendimento consolidado

no sentido de considerar inadmissível a prolação do édito condenatório

exclusivamente com base em elementos de informação colhidos durante o

inquérito policial, tal situação não se verifi ca na hipótese, já que as instâncias

ordinárias apoiaram-se também em elementos de prova colhidos no âmbito do

devido processo legal.

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RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 893

(HC n. 174.849-RJ, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em

14.2.2012, DJe 29.2.2012).

II - Aplicação do princípio da consunção

Extrai-se dos autos que os acusados subtraíram do interior do

Departamento de Polícia Federal em São Paulo 24,855 kg de cocaína, que se

encontrava depositada naquele departamento, após ter sido apreendida em uma

investigação policial.

Para realizar tal conduta, os agentes “valeram-se das facilidades decorrente

do fato de trabalharem naquele departamento como funcionários terceirizados,

o que lhes possibilitava amplo acesso às dependências do prédio, mediante a

utilização de cartão magnético que lhes era entregue.” (e-fl . 425).

Dias após a subtração, os denunciados comercializaram a substância

entorpecente, situação comprovada pelas declarações das testemunhas e pela

apreensão de grande quantidade de moeda nacional e estrangeira na residência

dos acusados (R$ 37.000,00; €$ 10.000,00; US$ 19.000,00), quantia esta

incompatível com seus rendimentos (e-fl s. 31 e 426).

Com efeito, a descrição dos fatos deixa evidente que o objeto de ambos os

delitos é o mesmo - substância entorpecente - e o resultado fi nal almejado pelos

infratores seria a obtenção de vantagem fi nanceira com a venda da droga.

Entretanto, para que uma conduta seja absorvida pela outra é necessário que

a primeira sirva apenas como ato preparatório da segunda, sendo considerada

irrelevante e eliminando a autonomia do referido crime.

No caso, o furto praticado pelo paciente se deu com abuso da confi ança

depositada, consistente na subtração de objeto ilícito, produto de outro crime,

e ocorreu dentro das dependências da Polícia Federal, ludibriando a segurança

daquele órgão, não podendo tal conduta ser considerada desprezível e tampouco

simples ato preparatório.

A esse respeito extraio do acórdão impugnado o seguinte excerto, in verbis:

Com efeito, a conduta dos acusados reveste-se de caráter anti-social altamente

reprovável, pelas circunstâncias em que foi perpetrado o delito. Ambos tiveram

que elaborar plano engenhoso e rico em detalhes para acessar o 10º andar onde

fi ca o depósito do Nucrim, que fi ca trancado. Demonstraram grande ousadia e

completa ausência de freios inibitórios para a prática de crimes, ao decidirem

subtrair o entorpecente de dentro da própria sede da Polícia Federal.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

894

Alie-se a essas circunstâncias ainda a grande quantidade de cocaína subtraída

- quase vinte e cinco quilos - que foi recolocada no comércio clandestino de

entorpecentes, causando dano à saúde pública e jogando por terra todo o

trabalho policial que havia sido realizado para sua apreensão. (e-fl s. 520-521).

Diante de tais elementos, não vejo como considerar, nessa hipótese, que o

crime de tráfi co de entorpecentes seja mais relevante que o furto qualifi cado, a

ponto de eliminar a punição por este último.

Ao contrário, o modus operandi utilizado na prática delitiva revela a intensa

periculosidade dos agentes e gravidade concreta da conduta, de modo que o

potencial lesivo do furto praticado não pode ser absorvido pelo tráfi co. Além

disso, percebe-se que a ofensa perpetrada em cada um dos delitos se refere a

bens jurídicos distintos, sendo em um protegido o patrimônio da vítima e em

outro a saúde pública.

Deste modo, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção,

mas em autonomia das condutas.

III - Dosimetria no tráfi co de entorpecentes

A defesa afi rma que as circunstâncias em que se deu o crime de tráfi co

de entorpecentes e a natureza e quantidade do entorpecente apreendido não

justifi cariam o aumento da pena-base acima do mínimo legal.

Na primeira etapa referente à dosagem da pena, o magistrado singular

fi xou a reprimenda em 4 (quatro) anos de reclusão, mantendo-a neste patamar

ante a ausência de outras circunstâncias que ensejassem a sua modifi cação.

Irresignados com a sentença proferida, tanto o Ministério Público Federal

quanto os condenados interpuseram recurso de apelação.

A defesa de Jaime requereu sua absolvição, por ausência de elementos

que comprovassem a materialidade delitiva. Subsidiariamente, pediu a redução

da pena e a admissão do sistema progressivo de cumprimento da pena. O

Ministério Público requereu a majoração das penas impostas aos réus.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, entendendo que a conduta

do acusado seria efetivamente mais culpável, acolheu as alegações ministeriais,

realizando nova dosagem da pena, nos seguintes termos:

No que se refere à dosimetria da pena, o Ministério Público Federal pleiteia,

nas razões de apelação de fl s. 991-1.002, a majoração das penas impostas aos

apelantes.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 895

Nesse ponto, entendo que assiste razão à acusação. Com efeito, a conduta

dos acusados reveste-se de caráter anti-social altamente reprovável, pelas

circunstâncias em que foi perpetrado o delito. Ambos tiveram que elaborar plano

engenhoso e rico em detalhes para acessar o 10º andar onde fi ca o depósito do

Nucrim, que fi ca trancado. Demonstraram grande ousadia e completa ausência

de freios inibitórios para a prática de crimes, ao decidirem subtrair o entorpecente

de dentro da própria sede da Polícia Federal.

Alie-se a essas circunstâncias ainda a grande quantidade de cocaína subtraída

- quase vinte e cinco quilos - que foi recolocada no comércio clandestino de

entorpecentes, causando grande dano à saúde pública e jogando por terra todo o

trabalho policial que havia sido realizado para sua operação.

Desse modo, não se pode fi xar próximo ao mínimo legal, como fez a sentença

em análise, a pena para conduta revestida de tamanha gravidade. Afi gura-se

razoável, de outra parte, o pedido formulado pelo Ministério Público Federal

em suas razões de apelação (fl s. 991-1.002), para que a pena-base de cada um

dos delitos praticados pelos réus seja fi xada no termo médio entre o mínimo e o

máximo abstratamente cominado pelo tipo penal.

Com base nas razões acima expostas, fi xo a pena-base para o crime de tráfi co

de drogas no termo médio entre o mínimo de 03 (três) e o máximo de 15 (quinze)

anos de reclusão abstratamente cominados pelo artigo 12, da Lei n. 6.368/1976,

ou seja, fi xo em 09 (nove) anos de reclusão a pena-base para o crime de tráfi co de

entorpecentes para cada um dos réus. (e-fl s. 520-521).

Examinando as razões do Tribunal de origem, que se valeu da quantidade

de entorpecente subtraída e comercializada pelos agentes e do modus operandi

empregado no cometimento do crime para justifi car o aumento da pena-base,

não vislumbro qualquer constrangimento a ser sanado.

Com efeito, a teor do que dispõe o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, o juiz,

ao fi xar a pena, considerará com preponderância sobre o previsto no art. 59

do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a

personalidade e a conduta social do agente.

No caso, o aumento está plenamente justifi cado.

Como bem ressaltado no acórdão impugnado, além da enorme quantidade

de entorpecente (quase 25 kg de cocaína) apreendida, o paciente e seus corréus

se valeram de diversos ardis para acessar o local onde a droga estaria depositada,

devolvendo posteriormente ao mercado ilícito, entorpecente que já havia sido

apreendido pelas autoridades policiais.

Tais razões são sufi cientes para manter o aumento no patamar estabelecido

pela instância a quo.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

896

Nesse mesmo contexto, confi ra-se os seguintes precedentes:

Habeas corpus. Tráfi co de drogas e associação para o narcotráfi co. Dosimetria.

Pena-base. Natureza e quantidade de drogas apreendidas. Art. 42 da Lei n.

11.343/2006. Exasperação da reprimenda. Fundamentação concreta e idônea.

Constrangimento ilegal não evidenciado.

1. Não há constrangimento ilegal quando verificado que as instâncias

ordinárias levaram em consideração especialmente a natureza e a elevada

quantidade da droga apreendida em poder do paciente para a exasperação da

pena-base, a teor do disposto no art. 42 da Lei n. 11.343/2006 (pouco mais de 22

kg de cocaína).

2. Ordem denegada.

(HC n. 170.574-MG, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado

em 21.8.2012, DJe 5.9.2012).

Penal. Tráfico. Pena-base. Exasperação. Legalidade. Quantidade da droga

apreendida. Causa especial de diminuição. Imposição de 1/6.

Alteração. Impossibilidade. Substituição da pena privativa de liberdade por

restritiva de direitos. Impossibilidade. Possibilidade de recorrer em liberdade.

Pedido prejudicado neste particular.

1. Tendo sido apreendida grande quantidade de drogas (3.975 gramas de

cocaína), legitimada está a exasperação da pena-base, conforme os ditames do

art. 42 da Lei n. 11.343/2006.

2. Concretamente fundamentada em um sexto a diminuição da pena, na

terceira fase da dosimetria, dado o montante de droga, não há ilegalidade

manifesta a sanar, demandando revolvimento fático-probatório a imposição de

um outro percentual de redução.

3. Mantida a pena fi nal, maior de quatro anos, não é possível a substituição

pretendida.

4. Prejudicada, por falta de objeto, a questão do recurso em liberdade, em

virtude do trânsito em julgado da condenação.

5. Ordem julgada prejudicada em parte e, no mais, denegada.

(HC n. 203.199-SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta

Turma, julgado em 19.6.2012, DJe 29.6.2012).

Habeas corpus. Penal. Crime de tráfico ilícito de drogas. Pena-base acima

do mínimo legal. Fundamentação idônea. Grande quantidade de drogas.

Possibilidade. Art. 33, § 4º, da nova Lei de Tóxicos. Causa especial de diminuição

de pena afastada pelo Tribunal a quo.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 897

Ausência de constrangimento ilegal. Habeas corpus denegado.

1. A exasperação da pena-base restou sufi cientemente fundamentada, em

razão da natureza e da grande quantidade de droga apreendida (2.940g (dois mil,

novecentos e quarenta gramas) de cocaína).

2. O art. 42 da Lei n. 11.343/2006 impõe ao Juiz considerar, com preponderância

sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga,

tanto na fi xação da pena-base, quanto na determinação do grau de redução da

causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da nova Lei de Tóxicos.

3. Na hipótese, destacou o Tribunal de origem que a quantidade da droga

apreendida - 2.940g (dois mil, novecentos e quarenta gramas) de cocaína -, bem

como o fato do passaporte do Paciente revelar a realização de viagens despidas

de qualquer justifi cativa plausível e de custo incompatível com as condições

econômicas informadas, evidenciam o seu grau envolvimento com o tráfi co de

drogas, distinguindo-o, portanto, do trafi cante ocasional.

4. Não se aplica a causa de diminuição inserta no § 4º do art. 33 da Lei n.

11.343/2006, na medida em que, conforme consignado no acórdão impugnado,

de forma devidamente fundamentada, o Paciente não preenche os requisitos

legais.

5. Para efeitos de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art.

33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, “A conduta social do agente, o concurso eventual

de pessoas, a receptação, os apetrechos relacionados ao tráfi co, a quantidade

de droga e as situações de maus antecedentes exemplificam situações

caracterizadoras de atividades criminosas.” (STF, RHC n. 94.806-PR, 1ª Turma, Rel.

Min. Cármen Lúcia, DJe de 16.4.2010.)

6. Habeas corpus denegado.

(HC n. 211.357-SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

4.9.2012, DJe 17.9.2012).

IV - Redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006

Por fi m, afi rma a impetrante que embora tenha se envolvido com o tráfi co,

o paciente não faz do crime seu estilo de vida e tampouco integra organização

criminosa, preenchendo os requisitos necessários para obter a redução da pena

prevista na Lei de Entorpecentes.

Ora, a Lei n. 11.343/2006, em seu art. 33, § 4º, determina que nos delitos

defi nidos no caput e § 1º do mesmo dispositivo legal, as penas poderão ser

reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primários, de bons

antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e nem integre organização

criminosa.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

898

Cumpridas tais exigências, deve o julgador aplicar a referida benesse, tendo

liberdade para escolher a fração mais adequada ao caso concreto, desde que o

faça de forma fundamentada, sob pena de constrangimento ilegal.

A situação em exame, contudo, é diferenciada.

Primeiro, deve-se atentar para o fato de que a conduta delitiva foi praticada

na vigência da Lei n. 6.368/1976, sendo a dosimetria realizada toda com base

naquela legislação.

Nesse caso, esta Corte de Justiça, a partir do julgamento do EREsp

n. 1.094.499-MG, de relatoria do Ministro Felix Fischer, já firmou seu

entendimento no sentido de que a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006

aos crimes cometidos na vigência da Lei n. 6.368/1976 é inadmissível, por

constituir uma norma híbrida, não prevista no ordenamento jurídico.

Ainda seguindo tal orientação, a Terceira Seção decidiu que sendo a nova

Lei de Entorpecentes mais vantajosa ao condenado, sua aplicação retroativa

seria possível, desde que de forma integral. Tal avaliação, contudo, caberia ao

Juízo das Execuções, tendo em vista a necessidade de se constatar qual seria a

norma mais benéfi ca.

No caso, contudo, o Tribunal de origem, em sede de embargos declaratórios,

examinou a possibilidade de incidência da referida benesse, justifi cando seu

entendimento, nos seguintes termos:

Independentemente do meu particular entendimento no sentido da

inadmissibilidade da combinação de aspectos mais benignos de duas leis, o

que implicaria na criação de uma nova lei, é certo que no presente caso os

embargantes não satisfazem os requisitos constantes do § 4º, do artigo 33 do

novel diploma, verbis:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,

vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer

consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer

drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com

determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500

(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

(...)

§ 4º Nos delitos defi nidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas

poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão

em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 899

bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre

organização criminosa.

Ora, frente às circunstâncias que nortearam a prática delituosa, a quantidade

(quase vinte e cinco quilos), o modus operandi (ambos tiveram que elaborar plano

engenhoso e rico em detalhes para acessar o 10º andar onde fi ca o depósito do

Nucrim, que fi ca trancado) e a natureza da droga apreendida (cocaína), afi gura-

se inequívoco que a conduta dos acusados reveste-se de caráter anti-social

altamente reprovável. Demonstraram grande ousadia e completa ausência de

freios inibitórios para a prática de crimes, ao decidirem subtrair o entorpecente

de dentro da própria sede da Polícia Federal. Alie-se a essas circunstâncias ainda

a grande quantidade de cocaína subtraída, que foi recolocada no comércio

clandestino de entorpecentes, causando grande dano à saúde pública e jogando

por terra todo o trabalho policial que havia sido realizado para sua apreensão, o

que certamente se fez por conta e ordem de organização criminosa, a demonstrar

que a conduta dos embargantes está inserida em estágio intermediário da cadeia

do tráfi co. A dedicação à atividade criminosa revela-se como motivo determinante

da conduta por eles praticada, de sorte que não fazem jus à causa de diminuição

de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. (e-fl . 532).

Diante dos argumentos supracitados, não é possível deferir ao sentenciado

o benefício da redução de pena.

A Corte originária, analisando os elementos concretos que permearam a

conduta delitiva, em especial a grande quantidade de entorpecente apreendido,

bem como o organizado esquema criminoso traçado para possibilitar a prática

delitiva, concluiu que o paciente e seus comparsas dedicavam-se à atividade

criminosa.

Tal posicionamento não pode ser modifi cado nesta via, uma vez que para

se concluir o contrário seria necessário o revolvimento de todo o conjunto

probatório, providência incabível em sede de habeas corpus.

Nesse sentido, confi ram-se esses precedentes:

Art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Pretendida aplicação. Delito cometido na

vigência da Lei n. 6.368/1976. Combinação de leis no tempo. Impossibilidade.

Emprego de uma ou outra legislação, em sua integralidade. Permissibilidade.

Precedentes. Requisitos subjetivos. Não preenchimento. Quantidade e natureza

da droga e modus operandi. Dedicação a atividades criminosas. Negativa de

mitigação motivada. Coação ilegal não demonstrada.

1. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça vem decidindo pela

impossibilidade de combinação das leis no tempo, permitindo contudo a

aplicação da nova regra mais benigna, trazida pela Lei n. 11.343/2006, ao crime

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

900

de narcotráfi co cometido na vigência da Lei n. 6.368/1976, somente se o cálculo

da redução for efetuado sobre a pena-base cominada ao delito do art. 33 da novel

Lei de Drogas.

2. Inocorre constrangimento ilegal quando a Corte originária entende que o

agente não satisfaz as exigências para a aplicação da nova causa de especial redução

de pena disposta no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, diante da natureza e da

expressiva quantidade de droga apreendida em seu poder e do o modus operandi

empregado na prática do delito, que levaram à conclusão de que se dedicaria a

atividades criminosas.

3. Para concluir-se que o condenado não se dedicava a atividades ilícitas,

necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório colacionado

durante a instrução criminal, o que é incabível na via estreita do remédio

constitucional.

(...)

(HC n. 112.865-SP, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em

25.5.2010, DJe 21.6.2010).

(...)

3. O Tribunal a quo reconheceu a dedicação do paciente às atividades

criminosas. Entendimento que não pode ser revisto no âmbito do habeas corpus

por demandar aprofundado reexame fático-probatório.

4. No caso, o regime mais rigoroso mostra-se adequado, de acordo com o que

preceituam os arts. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, e 42 da Lei de Tóxicos, levando

em conta a quantidade e natureza de droga apreendida em poder do paciente

(22 papelotes de cocaína).

6. Inviável a substituição por restritivas de direitos, a teor do que dispõe o art.

44, I, do Código Penal.

7. Ordem não conhecida.

(HC n. 245.844-SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma,

julgado em 16.10.2012, DJe 19.10.2012).

Recurso especial. Penal e Processo Penal. Tráfi co. Causa de diminuição de pena

do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Inaplicabilidade. Expressiva quantidade

de drogas e maus antecedentes. Não preenchimento dos requisitos legais.

1. Esta Corte Superior de Justiça tem decidido que a expressiva quantidade de

entorpecentes apreendida em poder do acusado constitui circunstância hábil a

denotar a dedicação às atividades criminosas, podendo impedir a aplicação da causa

de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 à míngua

do preenchimento dos requisitos legais.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 901

2. Para além dos maus antecedentes do réu, a expressiva quantidade de

entorpecente apreendida (43 kg de maconha), constitui circunstância hábil a

denotar dedicação às atividades criminosas.

3. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.112.071-SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta

Turma, julgado em 4.9.2012, DJe 17.9.2012).

Diante de todo o exposto, não há nos julgados proferidos pelo Tribunal

Regional Federal da 3ª Região qualquer constrangimento passível de correção.

Ante o exposto, não conheço da ordem e deixo de concedê-la de ofício por

não vislumbrar fl agrante ilegalidade.

É como voto.

Tendo em vista o contido no Ofício n. 7.937/R, do Supremo Tribunal

Federal (fl s. e-STJ 625), ofi cie-se ao e. Ministro Luiz Fux, comunicando o

julgamento deste habeas corpus.

HABEAS CORPUS N. 156.263-SP (2009/0239701-0)

Relator: Ministro Og Fernandes

Impetrante: Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini e outro

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Paciente: Edivar Vilela de Queiroz

Paciente: Antonio Vilela de Queiroz

Paciente: Ibar Vilela de Queiroz

Paciente: Fernando Galletti de Queiroz

Paciente: Ismael Vilela de Queiroz

Paciente: Izonel Vilela de Queiroz

Paciente: Edvair Vilela de Queiroz

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional.

Impossibilidade. Não conhecimento. Previsão constitucional expressa

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

902

do recurso ordinário como instrumento processual adequado ao

reexame das decisões de Tribunais denegatórias do writ. Art. 20 Lei

n. 7.492/1986. Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia. Peça

acusatória que aponta a suposta participação da empresa dirigida pelos

ora pacientes em desvio de verbas oriundas de fi nanciamento público

sem, contudo, individualizar as condutas. Responsabilização penal

objetiva. Impossibilidade.

1. A Constituição Federal define o rol de competências do

Superior Tribunal de Justiça para o exercício da jurisdição em âmbito

nacional e, no que se refere ao reexame das decisões dos Tribunais

Estaduais ou Regionais Federais, quando denegatórias de habeas

corpus, estabelece taxativamente o instrumento processual adequado

ao exercício de tal competência, a saber, o recurso ordinário (ex vi do

art. 105, II, alínea a, da CF).

2. É preciso uma releitura do habeas corpus, que tutela a liberdade

de locomoção e posiciona-se como salvaguarda contra arbitrariedades

porventura ainda ocorrentes no Estado Democrático, raciocínio que

vai ao encontro dos princípios da máxima efetividade e da força

normativa da Constituição.

3. Verifi cada hipótese de dedução de habeas corpus em lugar do

recurso ordinário constitucional, impõe-se o seu não conhecimento,

nada impedindo, contudo, que se corrija de ofício eventual ilegalidade

fl agrante como forma de sanar o constrangimento ilegal.

4. Segundo a jurisprudência desta Corte, o trancamento da ação

penal, pela via do habeas corpus, é medida excepcional, só admissível

quando despontada dos autos, de forma inequívoca, a ausência de

indícios de autoria ou materialidade delitiva, a atipicidade da conduta

ou a extinção da punibilidade.

5. Na hipótese, a peça acusatória não descreve minimamente

as condutas atribuídas aos ora pacientes, limitando-se a apontar a

participação da empresa por eles dirigida em supostas fraudes voltadas

à prática delitiva.

6. “O simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria de uma

empresa, por si só, não signifi ca que ela deva ser responsabilizada pelo

crime ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade penal

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 903

objetiva, repudiada pelo nosso direito penal” (HC n. 117.306-CE,

Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJ de 16.2.2009).

Ademais, reconhecido pelo próprio agente fi nanceiro que o contrato

de fi nanciamento “foi concluído conforme a fi nalidade”.

7. Ordem não conhecida. Flagrante o constrangimento ilegal,

concede-se ordem de ofício para, reconhecendo a inépcia formal da

denúncia, trancar a Ação Penal n. 2004.61.02.007995-9 (6ª Vara

Federal de São Paulo), sem prejuízo de apuração de possíveis fraudes

cometidas na execução do Contrato de Financiamento n. 00.2.673.1.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, não conhecer do habeas corpus, mas, de ofício expediu ordem, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior,

Assusete Magalhães, Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada

do TJ-PE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Edivar Vilela de

Queiroz.

Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Antonio Vilela

de Queiroz.

Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Ibar Vilela de

Queiroz.

Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Fernando

Galletti de Queiroz.

Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Ismael Vilela de

Queiroz.

Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Izonel Vilela de

Queiroz.

Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Edvair Vilela de

Queiroz.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

904

Brasília (DF), 20 de novembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 7.12.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de habeas corpus, substitutivo de

recurso ordinário, impetrado em favor de Edivar Vilela de Queiroz, Antônio

Vilela de Queiroz, Ibar Vilela de Queiroz, Fernando Galletti de Queiroz,

Ismael Vilela de Queiroz, Izonel Vilela de Queiroz e Edvair Vilela de Queiroz,

apontando-se como autoridade coatora o Tribunal Federal da 3ª Região.

Consta dos autos que os pacientes foram denunciados pela suposta

prática do crime previsto no art. 20 da Lei n. 7.492/1986, pois teriam aplicado,

“em finalidade diversa da prevista em contrato, recursos provenientes de

fi nanciamento concedido por instituição fi nanceira ofi cial BNDES, desviando-

os dos fins a que se destinavam, através de falsas prestações de contas

(relativamente às quantias devidas às empresas York e Sulmaq) e da constituição

da empresa ‘fantasma’ Construtora AGR Ltda., a qual, sendo por eles gerenciada,

recebia indevidamente as verbas públicas advindas do contrato” (e-fl s. 30).

Buscando o trancamento da ação penal, a defesa impetrou habeas corpus

junto à Corte a quo, apontando a inépcia da peça acusatória e também a ausência

de justa causa para a persecução penal, tendo a ordem sido denegada nos termos

desta ementa (e-fl s. 52-53):

Processual Penal. Habeas corpus. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional.

Crime de perigo. Posterior regularização do débito. Trancamento da ação penal.

Pedido rejeitado. Constitucionalidade do artigo 20 da Lei n. 7.492/1986. Inépcia

da denúncia. Poderes de gerência. Ordem denegada.

1. O artigo 20 da Lei n. 7.492/1986 não viola os princípios constitucionais da

razoabilidade e da proporcionalidade.

2. O fato de a empresa haver regularizado as pendências fi nanceiras junto

ao BNDES não acarreta o trancamento da ação penal instaurada por infração ao

artigo 20 da Lei n. 7.492/1986.

3. O desvio de recursos e a perpetração de fraude na prestação de contas não

se apagam mediante a regularização do débito contraído, uma vez que, além de

o crime tipifi cado no artigo 20 da Lei n. 7.492/1986 ser de perigo e não de dano,

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 905

o bem jurídico tutelado pela norma é a higidez do Sistema Financeiro Nacional e

não o patrimônio da instituição fi nanceira.

4. Se a denúncia descreve condutas típicas e esmiúça-as de modo a permitir

a qualquer dos réus o exercício amplo do direito de defesa, não é de acolher-se a

arguição de inépcia.

5. Ainda que a circunstância de determinados pacientes não possuírem

poderes de gerência tenha a aptidão de servir-lhes como indício favorável, não

sendo possível excluir por completo as respectivas responsabilidades criminais,

deve ser repelido o pedido de habeas corpus para o trancamento da ação penal,

de modo a permitir-se que, na instância própria e mediante o aprofundamento

da instrução, seja proferida decisão segura a respeito da situação jurídica de cada

um.

6. À vista dos bens jurídicos tutelados pela Lei n. 7.492/1986, não merece

acolhida a invocação do princípio da insignifi cância.

7. Ordem denegada.

Neste writ, repetem os temas tratados na instância anterior e aduzem

que na denúncia “não há qualquer menção, tênue e implícita que seja, a ações

individualizadas aptas a serem conduzidas ao tipo penal imputado” (e-fl s. 5).

Alegam que, “ao fi nal de apuração administrativa, em 29.5.2006, o BNDES

concluiu que o contrato de fi nanciamento ‘foi concluído conforme a fi nalidade

determinada no referido instrumento”, mas “o Ministério Público Federal já

havia se antecipado”, oferecendo, em 23.7.2004, “denúncia genérica contra os

pacientes” (e-fl s. 5).

Pugnando pelo reconhecimento da inépcia da incoativa, defendem que

“a acusação é indeterminada e genérica: não há uma só ação individualizada e

atribuível a cada um dos pacientes” (e-fl s. 8).

Salientam, mais, que “nenhum dos 7 nomes dos pacientes foi usado como

sujeito durante a ‘descrição’ dos fatos, ou seja, não foram considerados como

praticantes de alguma ação” (e-fl s. 8).

Aduzem faltar justa causa à ação penal, dizendo que “o contrato e seu

cumprimento foram objeto de específi ca apuração administrativa que, como

já transcrito no voto vencido, concluiu pelo fi el cumprimento de seus termos”

(e-fl s. 19).

Destacam, outrossim, que “a denúncia foi ofertada e recebida antes de

o BNDES confi rmar que o fi nanciamento foi executado nos termos do que

pactuado com a Indústria e Comércio de Carnes Minerva Ltda.” (e-fl s. 19).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

906

Em 15.12.2009, a liminar foi indeferida pelo Desembargador convocado

Celso Limongi, que, em 14.5.2010, fi rmou suspeição (e-fl s. 133).

Pelas palavras do Subprocurador-Geral Moacir Mendes Sousa, o

Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (e-fl s. 119-120):

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crime contra o Sistema

Financeiro Nacional. Trancamento da ação penal. Justa causa. Ausência de suporte

probatório para a ação penal. Impossibilidade. Inépcia da denúncia. Inocorrência.

Inviável o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa, quando a

denúncia narra fato que, em tese, constitui infração penal – aplicar, em fi nalidade

diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de fi nanciamento

concedido por instituição fi nanceira ofi cial ou por instituição credenciada para

repassá-lo –, com todos os elementos indispensáveis ao exercício da ampla

defesa, havendo indícios de serem os acusados os autores do crime, tendo em

vista os elementos colhidos na fase investigatória.

Da mesma forma, a via de cognição sumária do habeas corpus não comporta

o trancamento da ação penal, quando a matéria envolve exame aprofundado de

prova.

A denúncia atende os requisitos previstos no artigo. 41, do Código de Processo

Penal, não podendo ser considerada inepta.

Parecer pelo conhecimento da súplica como substitutivo de recurso ordinário,

denegando-se a ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Inicialmente, impende que se faça

uma breve consideração acerca do cabimento do habeas corpus no âmbito do

Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do que vem sendo feito pela Suprema

Corte Federal nos processos de sua competência.

A Constituição da República defi ne o rol de competências do Superior

Tribunal de Justiça para o exercício da jurisdição em âmbito nacional.

No que se refere ao reexame das decisões dos Tribunais Estaduais ou

Regionais Federais, quando denegatórias de habeas corpus, a Carta Política

estabelece taxativamente o instrumento processual adequado ao exercício de tal

competência, a saber, o recurso ordinário. Leia-se o art. 105, II, alínea a:

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 907

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...)

II – julgar, em recurso ordinário:

a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais

Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos

Territórios, quando a decisão for denegatória.

Daí não parecer salutar que esta Corte continue a admitir a impetração de

habeas corpus (originário) como substitutivo de recurso, dada a clareza do texto

constitucional, que prevê expressamente a via recursal própria ao enfrentamento

de insurgências voltadas contra acórdãos que não atendam às pretensões

veiculadas por meio do writ nas instâncias ordinárias.

Nessa quadra, a existência de previsão específi ca, no art. 105, II, a, da CF, de

cabimento de recurso ordinário contra decisões denegatórias de habeas corpus

exclui toda e qualquer interpretação no sentido de autorizar o manejo do writ

originário nesta Corte, substitutivo de recurso ordinário, com fundamento no

art. 105, I, c, da CF.

Acrescente-se que o revigoramento, na jurisprudência, do recurso ordinário,

cuja fonte se encontra na própria Carta Política, andará em pleno compasso com

os princípios da máxima efetividade e da força normativa da Constituição, que

consubstanciam verdadeiro norte no processo de interpretação e concretização

do texto constitucional.

Cumpre restaurar a consciência da missão constitucional do Superior

Tribunal de Justiça, isto é, de intérprete da lei federal. Não cabe ao Tribunal

Superior reexaminar fatos ou apreciar o grau de justiça das decisões proferidas

pelos Tribunais Estaduais e Federais.

Nesse âmbito, esta Corte e o Supremo Tribunal Federal têm refi nado

o cabimento do habeas corpus, restabelecendo o seu alcance aos casos em que

demonstrada a necessidade de tutela imediata à liberdade de locomoção, de

forma a não fi car malferida ou desvirtuada a lógica do sistema recursal vigente.

Lembro recente julgado da Primeira Turma do Supremo Tribunal, de

21.8.2012:

Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.

Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou

arbitrariedade.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

908

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do

cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também não é

passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico.

Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição

Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102,

II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter

substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito

constitucional. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado.

(HC n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012).

Entretanto, uma vez constatada a existência de ilegalidade flagrante,

nada impede que esta Corte defi ra ordem de ofício, como forma de tolher o

constrangimento ilegal. Mostra-se necessária, assim, uma breve incursão nas

questões suscitadas pelo impetrante.

Conforme relatado, o objeto da presente impetração cinge-se ao

trancamento da ação penal a que respondem os pacientes pela suposta prática

do delito previsto no art. 20 da Lei n. 7.492/1986. Teriam eles aplicado,

em finalidade diversa da prevista em contrato, recursos provenientes de

fi nanciamento concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

e Social (BNDES).

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 909

Alegam os impetrantes, em suma, inépcia da denúncia, já que elaborada

de forma totalmente genérica e indeterminada, sem que apontasse uma só ação

individualizada e atribuível a cada um dos pacientes.

Acrescentam que “os pacientes estão sendo processados criminalmente

(apenas) pelo fato de integrarem o contrato social da empresa, sem que dos

autos conste qualquer indício de efetiva participação nos fatos narrados” (e-fl . 9).

Aduzem, ademais, faltar justa causa à ação penal, pois o próprio BNDES

teria reconhecido, em momento posterior ao oferecimento da denúncia, a

regularidade no cumprimento do contrato, atestando que o projeto para o qual

foi obtido o fi nanciamento foi integralmente realizado.

Pois bem. Após ler – e reler – a denúncia, na parte em que narra as condutas

atribuídas à empresa que tem os pacientes como sócios-gerentes, convenço-me

de sua inépcia. Isso porque nela não constam informações precisas sobre as

pessoas que teriam praticado o fato (quis), bem como informações relativas aos

meios empregados (quibus auxiliis), donde se constatam, no caso, defi ciências a

comprometer a ordem formal.

Para melhor elucidar a questão, vejamos o que diz a inicial acusatória (e-fl s.

23-31):

(...) Os denunciados, na qualidade de sócio-gerentes da Indústria e Comércio

de Carnes Minerva Ltda., aplicaram em fi nalidade diversa da prevista em contrato,

recursos provenientes de financiamentos concedido pelo Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Em 19.2.2001 a Indústria e Comércio de Carnes Minerva Ltda., celebrou com

o BNDES Contrato de Financiamento n. 00.2.67351 (fl s. 11-23), pelo qual recebeu

um crédito de R$ 17.940.000,00 (dezessete milhões, novecentos e quarenta mil

reais) destinado à implantação de uma unidade de industrialização de carne

bovina em Palmeiras de Goiás-GO, com capacidade de abate de 500 cabeças por

dia, e desossa de 1.000 cabeças/dia e pagamento de até 70% dos equipamentos

nacionais adquiridos para a execução do projeto.

O desvio dos recursos foi constatado por investigação administrativa do

BNDES após denúncia anônima recebida em 27.5.2003 noticiando fraude nas

prestações de contas e mencionando dois fornecedores de equipamentos, York

International Ltda. e Sulmaq Industrial Comercial e, também, a Construtora AGR

Ltda., responsável pela construção civil.

Os representantes da I.C.C Minerva Ltda. não conseguiram demonstrar a correta

aplicação dos recursos obtidos. Em razão do desvio de valores, foi declarado

o vencimento antecipado do contrato, com a imediata exigibilidade dos saldos

existentes (fl s. 73).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

910

A empresa Sulmaq apresentou notas fi scais relativas aos produtos vendidos e

serviços prestados (fl s. 180-210). Estas, contudo, diferem totalmente, quanto aos

valores e datas, das que a I.C.C. Minerva Ltda. apresentou ao BNDES com o fi m de

comprovar a aplicação dos recursos.

(...)

Além disso, no livro razão da I.C.C. Minerva Ltda. do período de 1º.1.2000 a

31.12.2003 não constam as operações informadas pela York e Sulmaq (fl s. 58-59).

Outros fatos indicadores da fraude empregada pelos denunciados são o

endereço, os proprietários e a data de constituição da empresa AGR, responsável

pela construção civil da unidade de industrialização.

(...)

Os sócios da AGR são ou foram empregados de outras empresas do Grupo

Minerva, os famigerados “laranjas”. (...)

Estes fatos concatenados (endereço, os proprietários e a data de constituição

da empresa AGR) revelam que a empresa AGR foi constituída premeditadamente

com fi m exclusivo de colaborar no desvio dos recursos obtidos no BNDES. À

corroborar, a numeração próxima das notas fi scais emitidas pela AGR em favor

da I. C. C. Minerva Ltda., denotando a unicidade na prestação de serviços (fl s. 347,

352 e 257).

(...)

Pelo demonstrado, resta livre de dúvidas que a I. C. C. Minerva Ltda. é

a verdadeira proprietária e controladora da AGR, criada com o objetivo lícito

de mascarar os verdadeiros rumos dos recursos originários diretamente de

fi nanciamento público, revertendo-os em seu próprio proveito.

Ainda, urge mencionar que os denunciados Fernando Galletti de Queiroz e

Antonio Vilela de Queiroz, em reuniões realizadas nos dias 18.8.2003 e 2.9.2003

na sede do BNDES, assumiram a existência de fraude na prestação de contas,

inclusive com reconhecimento de que as notas fi scais foram falsifi cadas (...).

Assim agindo, os denunciados aplicaram, em fi nalidade diversa da prevista

em contrato, recursos provenientes de fi nanciamento concedido por instituição

fi nanceira ofi cial - BNDES, desviando-os dos fi ns a que se destinavam, através de

falsas prestações de contas (relativamente às quantias devidas às empresas York

e Sulmaq) e da constituição da empresa “fantasma” Construtora AGR Ltda., a qual,

sendo por eles gerenciada, recebia indevidamente as verbas públicas advindas do

contrato.

Segundo a peça exordial, a Empresa Minerva Ltda., cujo quadro societário

é integrado pelos ora pacientes, teria se valido de diversos expedientes para

desviar recursos decorrentes de fi nanciamento obtido perante o BNDES.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 911

A trama engendrada envolveria a prestação de contas baseada em

documentos falsos ou alterados, bem como a criação de uma empresa “laranja”,

responsável pela construção civil da unidade de industrialização objeto do

fi nanciamento.

Ao longo de toda a descrição contida na inicial acusatória, revelam-se as

possíveis manobras realizadas pela empresa de propriedade dos pacientes, no

intuito de desviar as verbas obtidas mediante fi nanciamento público, totalizando

R$ 17.940.000,00. Tais fatos, é verdade, impressionam.

Porém, em nenhuma passagem da incoativa houve preocupação em

demonstrar como e em que medida cada um dos acusados teria contribuído

para a consecução do delito. Ao menos, qual era a participação na gerência

da empresa, diga-se, qual função desempenhavam, não fi cando esclarecido

tampouco o montante que teria sido desviado, já que o valor referido acima

corresponde ao total contratado.

Ora, não se deve perder de vista que o Direito, ao passo que acompanha a

sociedade e a ela deve a proteção dos bens jurídicos mais sagrados, está sujeito a

seus próprios preceitos fundantes, estejam eles contidos em lei, na Constituição

da República, ou nos princípios gerais. Daí se dizer que o fi m perseguido, por

mais louvável que o seja, não deve, em hipótese alguma, justifi car os meios

adotados.

Com efeito, o devido processo legal e seu consectário, a segurança jurídica,

princípios arraigados ao Estado Democrático de Direito, não admitem que a

persecução penal se opere de forma desordenada e destoante da técnica legal.

A denúncia é peça de acusação, mas, sobretudo, de justiça e, igualmente, de

defesa, já que, a partir dela, o acusado tomará ciência do que lhe é imputado, sem

qualquer obscuridade, e produzirá suas alegações de forma ampla.

Dessa forma, ainda que a jurisprudência de nossas Cortes Superiores

venha fl exibilizando a necessidade de individualização e descrição minudente

das condutas em crimes societários, baseada justamente na difi culdade de se

descortinar, em tais delitos, a exata participação de cada um dos envolvidos, não

se pode, de outro lado, dar azo à imputação totalmente genérica e indeterminada,

sem que se diga, a exemplo do caso em apreço, sequer qual atividade cada um

dos acusados exercia na empresa, e em que medida poderia ser responsável pelas

condutas delituosas praticadas.

Tanto é assim que se chegou ao absurdo de incluir na peça acusatória

pessoa interditada civilmente por sentença judicial, desde 1995 – Izonel Vilela

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

912

de Queiroz (e-fl s. 163-164) –, e que não poderia, nessas condições, exercer atos

compatíveis com a gerência, ao tempo dos fatos (2001). Isso demonstra que a

imputação recaiu sobre os pacientes apenas pelo fato de fi gurarem no contrato

social da empresa, sem que o órgão de acusação se acautelasse quanto à efetiva

participação de cada um deles no evento delituoso aqui versado.

Não podemos perder de vista que estamos no âmbito criminal, seara

do Direito que traz as consequências mais gravosas para o indivíduo, com

possibilidade de intervenção direta em sua liberdade. Assim, a imputação de

uma conduta delituosa deve estar diretamente relacionada à atuação do agente,

perquirindo-se, ainda, sobre a configuração de dolo ou culpa na conduta,

elemento subjetivo imprescindível à caracterização do crime.

Penso não ser sufi ciente a alusão presente na peça acusatória, no sentido

de que “os denunciados Fernando Galletti de Queiroz e Antônio Vilela de

Queiroz, em reuniões realizadas nos dias 18.8.2003 e 2.8.2003 na sede do

BNDES, assumiram a existência de fraude na prestação de contas, inclusive com

reconhecimento de que as notas fi scais foram falsifi cadas”.

Isso porque os aludidos pacientes, consoante a expressa dicção da denúncia,

assumiram a existência de fraude, mas não declararam possuir qualquer

participação nessas fraudes. Segundo se observa das informações prestadas pelo

BNDES à Procuradoria da República (e-fl . 330), verbis: “os representantes da

Minerva admitiram haver irregularidades na prestação de contas, alegando,

porém, que o contador era o responsável pela preparação da documentação e

que haveria abusado da confi ança nele depositada”.

Assim, mesmo nesse ponto, em que constam diretamente os nomes

dos pacientes Fernando Galletti e Antônio Vilela, não deixa de ser inepta a

denúncia, pois aí também não se explicitou de que forma ocorreram tais fraudes,

nem tampouco a quem deviam ser atribuídas, inexistindo indícios mínimos de

autoria.

Desse modo, impõe-se o reconhecimento da mácula apontada na exordial.

Em casos análogos ao presente, esta Corte vem assim decidindo:

Habeas corpus. Lavagem de dinheiro. Evasão de divisas. Denúncia que acusa

com base no status do paciente. Ausência de descrição de condutas típicas.

Nulidade do processo por inépcia da denúncia. Ordem parcialmente concedida.

Extensão do julgado às co-rés.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 913

1 - A imputação não pode ser feita com base no status do denunciado, devendo

ser indicados os fatos sobre os quais ela repousa.

2 - São os fatos que delimitam o recebimento da denúncia e eventual sentença,

devendo ser cuidadosamente expostos, em relação a cada um dos envolvidos,

salvo a necessidade de denúncia geral, quando impossível a sua individualização.

3 - A denúncia contaminada pela deficiente narrativa dos fatos, ou por sua

inexistência, é causa de nulidade absoluta, posto que difi culta a ampla defesa e o

contraditório.

4 - A peça acusatória que faz imputação a uma determinada pessoa,

simplesmente pelo seu status, confi gura caso de responsabilidade penal objetiva e

deve ser repudiada.

5 - Se a denúncia não contém a descrição dos fatos pelos quais o denunciado

está sendo responsabilizado, ela é inepta e provoca a nulidade do processo desde

o seu início, inclusive a partir de seu oferecimento.

6 - Ordem parcialmente concedida para anular o processo desde o oferecimento

da denúncia, inclusive, e estender os efeitos do julgado a duas corrés.

(HC n. 89.297-CE, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJ de

10.12.2007).

Habeas corpus. Crime societário. Recolhimentos previdenciários. Denúncia.

Inépcia. Necessidade de individualizar minimamente a conduta praticada pelos

acusados. Existência de constrangimento ilegal.

1. Segunda operosa jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal,

a descrição das condutas dos acusados na denúncia dos denominados crimes

societários não necessita cumprir todos os rigores do art. 41 do CPP, devendo-se

fi rmar pelas particularidades da atividade coletiva da empresa.

2. Isso não significa que se deva aceitar descrição genérica baseada

exclusivamente na posição hierárquica dos envolvidos no comando da empresa,

porquanto a responsabilização por infrações penais deve levar em conta, qualquer

que seja a natureza delituosa, sempre a subjetivação do ato e do agente do crime.

3. Ordem concedida para trancar a ação penal, por inépcia formal da denúncia,

sem prejuízo de que outra seja elaborada com o cumprimento dos ditames legais.

(HC n. 65.463-PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ de

25.5.2009).

Processo Penal. Habeas corpus. Crime tributário. Atribuição do delito aos

membros da diretoria, por mera presunção. Ausência de vínculo entre um

determinado ato e o resultado criminoso. Denúncia genérica e consagradora

da responsabilidade objetiva. Recurso provido para declarar a inépcia formal da

denúncia e a consequente nulidade dos atos posteriores.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

914

De nada adiantam os princípios constitucionais e processuais do contraditório,

da ampla defesa, em suma, do devido processo legal na face substantiva e

processual, das próprias regras do Estado Democrático de Direito, se permitido for

à acusação oferecer denúncia genérica, vaga, se não se permitir a individualização

da conduta de cada réu, em crimes plurissubjetivos.

O simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria de uma empresa, só por só,

não signifi ca que ela deva ser responsabilizada pelo crime ali praticado, sob pena de

consagração da responsabilidade objetiva repudiada pelo nosso direito penal.

É possível atribuir aos denunciados a prática de um mesmo ato (denúncia

geral), porquanto todos dele participaram, mas não é possível narrar vários atos

sem dizer quem os praticou, atribuindo-os a todos, pois neste caso não se tem

uma denúncia geral, mas genérica.

Recurso provido para declarar a inépcia da denúncia e a nulidade dos atos que

lhe sucederam.

(RHC n. 24.515-DF, Relator Desembargador convocado Celso Limongi, DJ de

16.3.2009).

No entanto, embora pudesse encerrar aqui a análise da impetração, merece

atenção a alegação dos impetrantes, consistente na ausência de justa causa para

a ação penal, pois o próprio BNDES, em momento posterior ao recebimento

da denúncia, teria emitido parecer, em que afi rma que “o projeto do Contrato

n. 00.2.673.5.1 foi concluído conforme fi nalidade determinada no referido

instrumento e que a empresa encontra-se em dia com suas obrigações junto ao

BNDES, não havendo, portanto, nenhuma pendência em aberto” (e-fl . 95).

Acrescenta, ainda, terem sido liberados, no total, R$ 15.454.017,33, e

que a evolução físico-fi nanceira do projeto foi compatível com o investimento

realizado, sendo que as metas físicas atingidas superaram as contratadas e que o

índice fi nal de garantia superou o inicialmente contratado, na medida em que

o valor liberado foi inferior ao contratado e o investimento realizado foi maior

que o previsto.

Eventuais fraudes supostamente cometidas no primeiro momento de

execução do contrato devem ser objeto de apuração específi ca, direcionada aos

prováveis responsáveis por sua realização, o que não se observa na presente

denúncia, em que foram apontadas apenas como os meios utilizados para a

consecução de delito maior, qual seja, o desvio das verbas.

Diante disso, pelo vício formal verifi cado na inicial acusatória, não há razão

para o prosseguimento da presente ação penal.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 915

Pelo exposto, não conheço do habeas corpus. Mostrando-se fl agrante o

constrangimento ilegal, expeço ordem de ofício para, reconhecendo a inépcia

formal da denúncia, trancar a Ação Penal n. 2004.61.02.007995-9 (6ª Vara

Federal de São Paulo), sem prejuízo de apuração de possíveis fraudes cometidas

na execução do Contrato de Financiamento n. 00.2.673.1.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Sr. Presidente, acompanho V. Exa.,

até chamando a atenção para o fato de ter sido denunciado um incapaz, o que

me assusta. Não houve, realmente, maior cuidado do Ministério Público em se

aprofundar nas investigações. Houve um exame extremamente superfi cial, o que

acabou acarretando a inépcia dessa denúncia.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas, de ofício, expeço ordem.

VOTO

A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Sr. Presidente, nesses casos de

denúncia, em crimes societários, sempre tenho muita preocupação de examinar

a denúncia e não ser tão infl exível, quanto à apreciação dos requisitos do art.

41 do Código de Processo Penal, porque penso que, se chegar às últimas

consequências, nesse particular, o Poder Público fi ca, em determinadas situações,

impedido de oferecer denúncia. Mas esse caso é muito específi co. Demonstrou-

se que há, inclusive, a denúncia contra inimputável, que está respondendo à

Ação Penal, há 8 (oito) anos.

Não tenho dúvida em acompanhar V. Exa.

HABEAS CORPUS N. 177.358-SP (2010/0117103-1)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Impetrante: Mário Henrique Ditticio - Defensor Público

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

916

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Airton Lopes de Jesus Junior (preso)

EMENTA

Processo Penal. Habeas corpus. Homicídios qualificados, um

tentado e outro consumado. (1) Impetração substitutiva de recurso

ordinário. Impropriedade da via eleita. (2) Jurado. Impedimento.

Participação em Conselho de Sentença em dezembro de 2008.

Atuação no colegiado leigo em dezembro de 2009. Não impugnação

na ata. Nulidade absoluta. Patente ilegalidade. Concessão de ofício.

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego

do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia

constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi

impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso

ordinário.

2. Por mais que a impugnação de vício ocorrido na sessão

de julgamento do júri não tenha constado da ata de julgamento,

corporifi cando nulidade absoluta, é de ser declarada a eiva de ofício. Na

espécie, certa jurada integrou o Conselho de Sentença em dezembro

de 2008, vindo a participar do colegiado leigo, em outro feito, em

dezembro de 2009. Desta forma, tendo composto o Conselho de

Sentença nos doze meses que antecederam à publicação da lista geral,

tem-se o impedimento, a tornar írrita a sessão de julgamento do

Tribunal do Júri.

3. Ordem não conhecida, concedido habeas corpus de ofício

para anular a ação penal, a partir da sessão de julgamento do júri,

expedindo-se alvará de soltura clausulado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, não conheceu do habeas corpus, mas concedeu a

ordem de ofício, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.”

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 917

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Assusete

Magalhães e Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/

PE) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro

Og Fernandes.

Dr(a). Mário Henrique Ditticio, pela parte paciente: Airton Lopes de

Jesus Junior.

Brasília (DF), 5 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 15.2.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura: Trata-se de habeas

corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Airton Lopes de Jesus Junior,

apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo (HC n. 990.10.145603-6).

Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado, como incurso no art.

121, § 2º, IV, c.c. o art. 61, II, e, e no art. 121, § 2º, IV, c.c. os arts. 14, II, e 29,

todos do Código Penal, à pena de 17 (dezessete) anos de reclusão, em regime

fechado.

Objetivando ver reconhecida a nulidade do julgamento pelo Tribunal do

Júri, a Defesa impetrou o prévio writ, sendo denegada a ordem, aos seguintes

fundamentos (fl s. 22-25):

Ao que se infere dos autos, uma das juradas que compôs o Conselho de

Sentença no dia 16 de dezembro de 2009 - data em que o paciente foi condenado

ao cumprimento da pena de 17 (dezessete) anos de reclusão, em regime inicial

fechado, como incurso no artigo 121, § 2º, IV, c.c. o artigo 61, II, e, do Código Penal,

bem como no artigo 121, § 2º, IV, c.c. o artigo 14, II, e 29, todos, do Código Penal -,

também fi gurou como jurada, perante o mesmo Juízo, em 11 de dezembro de

2008 (fl s. 11-14 e 17-18).

Embora censurável a inobservância do disposto no artigo 426, § 4º, do Código

de Processo Penal, inexistiu, ao contrário do que pretendeu demonstrar o

aguerrido defensor do ora paciente, nulidade absoluta alguma (artigos 448 e 449,

do Código de Processo Penal), pois se cuida de mera nulidade relativa.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

918

E justamente por se tratar de nulidade relativa, da qual não resultou qualquer

prejuízo, nenhum ato será declarado nulo, consoante dispõe o artigo 563, do

Código de Processo Penal.

De mais a mais, a ilustrada defensoria não cuidou de oportunamente

impugnar a lista de jurados, assim como não recusou, quando do sorteio, a

jurada pretensamente impedida, fazendo-o apenas em relação à jurada Rosana

Albuquerque M. Souza.

Seja como for, a mera alegação de inobservância de preceito legal, sem a

mínima e efetiva demonstração de prejuízo, não tem o condão de acarretar a

nulidade do julgamento, como pretendido.

Ante o exposto, pelo meu voto, denego a ordem.

Daí o presente mandamus, no qual o impetrante sustenta que “a sessão

plenária está eivada de nulidade absoluta, consubstanciada na participação de

uma jurada impedida de compor o Conselho de Sentença” (fl . 2), nos termos do

art. 426, § 4º, do Código de Processo Penal.

Aduz que a nulidade, por ser absoluta, não preclui e dispensa demonstração

de prejuízo, acentuando, mesmo assim, que o prejuízo é claro, pois a condenação

se deu por 4 votos a 3. Ressalta que é inexigível que a defesa comparecesse

à sessão de julgamento com cópias de todas as atas de todas as sessões de

julgamento realizadas um ano anterior em todos os plenários.

Requer, liminarmente e no mérito, a anulação do julgamento, com a

imediata expedição de alvará de soltura clausulado em favor do paciente, preso

já mais de 3 (três) anos.

A liminar foi indeferida, fl s. 34-35.

As informações foram prestadas às fl s. 46, 48-80

O Ministério Público Federal apresentou parecer, fl s. 83-85, da lavra do

Subprocurador-Geral da República Haroldo F. da Nóbrega, opinando pela

denegação da ordem.

Foi requerida preferência no julgamento, fl . 89.

Segundo as últimas informações, foi julgado a apelação, à qual foi negado

provimento, sobrevindo o trânsito em julgado (fl . 93).

É o relatório.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 919

VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): Preliminarmente,

cumpre registrar a compreensão firmada nesta Corte, sintonizada com o

entendimento do Pretório Excelso, de que se deve racionalizar o emprego do

habeas corpus, valorizando a lógica do sistema recursal. Nesse sentido:

Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do

disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,

proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão

da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do

substitutivo do habeas corpus. Processo-crime – Diligências – Inadequação. Uma

vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na

condução do processo, indeferi-las.

(HC n. 109.956, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em

7.8.2012, Processo Eletrônico DJe-178 DIVULG 10.9.2012 PUBLIC 11.9.2012)

É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de

recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do Resp ou a

impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do

emprego do mandamus, sob pena de sua hipertrofi a representar verdadeiro

índice de inefi cácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente clara

ilegalidade, não é de se conhecer da impetração.

Passa-se, então, à verifi cação da ocorrência de patente ilegalidade.

O paciente foi submetido a julgamento em 16.12.2009 (fls. 9-10).

Contudo, dentre os membros do Conselho de Sentença, fi gurou jurada (Th irza

Félix Mendonça) que, em 11.12.2008, em outro feito, integrou o colegiado leigo

(fl . 26) - cf. fl . 69.

Trata-se de situação reveladora de impedimento, nos moldes do art. 426, §

4º, do Código de Processo Penal. Segundo tal dispositivo, não pode ser incluído

na lista geral, o jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos doze

meses que antecederam à publicação da lista geral.

Segundo o § 1º de tal dispositivo, a lista geral dos jurados é defi nitivamente

publicada até 10 de novembro. Pois bem, como a mencionada juíza leiga

participou de julgamento em dezembro de 2008, não poderia ter seu nome

incluído na lista publicada até novembro de 2009, da qual se originou a

composição do Conselho de Sentença que condenou o paciente.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

920

Em um primeiro lanço, a hipótese não deveria ensejar o reconhecimento

da eiva, tendo em vista que a Defesa deixou de consignar a insurgência na ata de

julgamento. Nesse sentido, o seguinte precedente, remoto, do Pretório Excelso:

Penal. Habeas corpus. Suspeição dos jurados. Nulidade. Preclusão. Omissão no

exame de fundamento da defesa. Deferimento parcial. A suspeição dos jurados

e matéria preclusa, já que relacionada ao julgamento em plenário deveria ser

suscitada naquela ocasião (art. 571, inc. I, do CPP). Não procede a alegação de

que o óbice apenas foi descoberto posteriormente, visto que, com a publicação

da lista de jurados, era plenamente possível a defesa examinar a ocorrência de

impedimento ou de suspeição - ou mesmo de mera inconveniência na atuação de

determinada pessoa no Conselho de Sentença - para que, em plenário, pudesse

requerer as exclusões necessárias. Injustifi cável, portanto, que, somente após o

resultado desfavorável, venha a parte alegar nulidade. Procede, no entanto, a

alegação de omissão no exame de matéria de defesa, pois a contrariedade da

decisão do Júri a prova dos autos teve como apoio fatico a situação de legitima

defesa e, não, a de negativa de autoria, tal como apreciado e rejeitado pelo

acórdão. Habeas corpus deferido, determinando-se a Corte local que supra a

omissão, sem prejuízo do restante do acórdão, liberado o paciente, se por al não

se encontrar preso, uma vez que a sentença lhe permitiu apelar em liberdade.

(HC n. 71.722, Relator(a): Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em

27.9.1994, DJ 25.11.1994 PP-32301 EMENT VOL-01768-02 PP-00278).

Todavia, com a evolução da jurisprudência, passou-se a entender que,

em casos de nulidade absoluta, a despeito da ausência da pronta insurgência,

registrada na ata de julgamento, seria, sim, possível o seu reconhecimento. Nesse

sentido:

Habeas corpus. Júri. Quesitação complexa. Conselho de Sentença. Perplexidade.

Prejuízo à defesa do réu. Nulidade absoluta. Precedentes.

Se os quesitos são formulados de forma complexa, causando perplexidade

aos jurados e prejuízo à defesa, a nulidade é absoluta e pode o julgamento ser

anulado, ainda que não tenha constado qualquer protesto na ata da Sessão do

Júri. Precedentes.

Ordem concedida para anular a sessão de julgamento realizado pela 1ª Vara do

Tribunal do Júri de Teresina-PI.

(HC n. 54.279-PI, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 5.9.2006,

DJ 4.6.2007, p. 429).

Recurso especial. Processual Penal. Homicídios. Alegada violação aos arts.

484, inciso V, e 564, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Quesitação.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 921

Nulidade. Inexistência. Necessidade de arguição em Plenário. Preclusão.

Precedentes.

1. A expressão “diversos pontos da acusação”, constante do inciso V do art. 484

do Código de Processo Penal, diz respeito a condutas criminosas e teses jurídicas

distintas, não tendo relação com o número de vítimas.

2. No caso, a tese de acusação sustentada pelo Ministério Público em plenário

foi a de que os Recorrentes concorreram para o assassinato das dezenove vítimas

com suas condutas, ao comandarem as tropas na ação da polícia militar. Não

foram utilizadas teses distintas para cada vítima pela Acusação ou pela Defesa.

A conduta dos Recorrentes foi única, como também um só o ponto de acusação,

inexistindo, portanto, qualquer nulidade na formulação dos quesitos.

3. Os quesitos descrevem, com clareza, a conduta imputada aos Réus,

conforme apresentada em plenário, e não conduziram o Júri a nenhuma resposta

dúbia ou controversa, ao contrário, extraíram claramente o veredicto manifestado

pelos jurados populares.

4. A impugnação à formulação dos quesitos deve ocorrer no julgamento em

Plenário, sob pena de preclusão, nos termos do art. 571, inciso VIII, do Código de

Processo Penal, ressalvadas as nulidades absolutas, não confi guradas na hipótese.

5. Os advogados de ambos os Réus manifestaram anuência à redação dos

quesitos, não podendo arguir suposta nulidade para a qual tenham concorrido,

nos termos do que dispõe o art. 565 do Código de Processo Penal.

6. Recursos especiais desprovidos.

(REsp n. 818.815-PA, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

25.8.2009, DJe 1º.2.2010).

Criminal. Julgamento pelo Juri. Participação de jurado impedido. Arguição de

nulidade. - Recurso especial. Viabilidade de seu conhecimento para valoração da

prova do suporte factual da nulidade arguida, qual a de ter participação do Juri o

irmão de uma das vitimas.

(REsp n. 51.656-PI, Rel. Ministro José Dantas, Quinta Turma, julgado em

31.8.1994, DJ 12.9.1994, p. 23.779).

Finalmente, é importante consignar a seguinte lição do Professor Associado

da USP, GUSTAVO BADARÓ:

Visando acabar com a fi gura do chamado “jurado profi ssional”, o novo art.

426, § 4º, do CPP determina que “o jurado que tiver integrado o Conselho de

Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista geral fi ca

dela excluído”. A previsão é exagerada. Se é verdade que se deve evitar o “jurado

de carteirinha”, pois contrário ao espírito do Tribunal do Júri, cuja estrutura não

se compatibiliza com um corpo permanente e estável de julgadores, não menos

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

922

verdade é o fato de que o jurado ter integrado o Conselho de Sentença uma única

vez não o torna um “jurado profi ssional”. A norma deveria ter previsto um número

maior de participações do jurado para que ele fosse considerado impedido [na

cidade São Paulo, em que o Tribunal do Júri funciona permanentemente, e não

em sessões periódicas, havia o sistema de jubilação dos jurados. O revogado

Dec-Lei n. 9.008, de 24.2.1938, e o art. 103, III, da antiga Consolidação das Normas

da Corregedoria-Geral de Justiça dispunham que seria jubilado o jurado que

perfi zesse um número de seis pontos (um ponto para cada comparecimento e

mais um pelo fato de haver servido efetivamente como membro do Conselho de

Sentença)].

O dispositivo projetado cria um verdadeiro requisito negativo para a seleção

do jurado. Assim, se por equívoco o nome do jurado que integrou o Conselho

de Sentença vier a ser incluído na lista no ano seguinte, se ele integrar algum

Conselho de Sentença, o julgamento será absolutamente nulo, por vício de

formação do Conselho de Sentença (CPP, art. 564, III, j). (As reformas no processo

penal. Coord. Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 112-

113).

É importante consignar que, absoluta a nulidade, desponta cristalino o

prejuízo diante do score da votação, em que houve apertada vantagem: 4x3.

Nessa realidade, houve a franca possibilidade de um jurado impedido ter sido o

fi el da balança.

Tendo em vista que o longo tempo transcorrido, a sessão do júri ocorreu

no ano de 2009, de rigor é o reconhecimento de que não se justifi caria mais a

manutenção do édito de prisão processual.

Assim, tendo em vista o caráter extraordinário da impetração, revelador de

ilegalidade fl agrante, tem-se por justifi cada a sua excepcional cognição.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de

ofício para para anular a ação penal, a partir da sessão de julgamento do júri de

16.12.2009 (Processo n. 920/05, 4º Tribunal do Júri da Comarca da Capital de

São Paulo), expedindo-se alvará de soltura clausulado.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Presidente): Srs. Ministros, trata-se de

uma matéria que efetivamente, do ponto de vista da função de um Tribunal

como o nosso, um Tribunal de unifi cação da legislação infraconstitucional, é

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 923

muito signifi cativa. E é signifi cativa em uma matéria polêmica, que é a questão

da nulidade absoluta e nulidade relativa. A doutrina a respeito disso e também

a jurisprudência do processo penal brasileiro nos Tribunais Superiores são

no sentido de promover um elastério em relação à compreensão do que seja

nulidade relativa, restringindo o teor da compreensão da nulidade absoluta.

Por outro lado, parece-me que temos aqui outros aspectos importantes, que

são a questão da fi nalidade dessa nulidade e o princípio do devido processo legal.

O que se pretendeu, quando o legislador estabeleceu a alternatividade, diria eu,

a oxigenação do corpo de jurados de uma determinada comarca? Respondo:

não “profi ssionalizar” pela repetir da composição, esse grupo que julga os fatos,

nos processos da competência do júri. Há um obstáculo que me parece também

razoável, qual seja a difi culdade de selecionar pessoas que atendam aos critérios

estabelecidos pelo Código de Processo Penal para atuar em um Conselho de

Sentença.

No caso concreto, temos que examinar esses dois focos: um, a disposição do

Código de Processo Penal, tendo em vista a regra do rodízio; e o outro, a questão

da compreensão do júri, que representa a sintonia fi na em face dos sentimentos,

dos valores da sociedade a respeito de um determinado fato. No caso concreto,

julgo, estamos diante do Conselho de Sentença de uma Comarca como a capital

de São Paulo, com as possibilidades de coleta de nomes para os jurados, muito

diferente como se estivéssemos a tratar de um júri na Comarca de Brodósqui, da

qual há pouco se falou, que é uma cidade pequena, do interior paulista, em que

essa elaboração da lista de jurados anualmente alterada acontece, suponho, com

muita difi culdade.

Acho que, a questão do devido processo legal deve ser compreendida como

garantia em benefício do processo isento, mas, sobretudo, em favor do paciente.

Estamos diante de uma regra que foi recentemente modifi cada e que só

oferece algum sentido se for compreendida no sentido teleológico. Modifi cou-se

um Código que vinha desde 1942 com a inteligência da contínua recomposição

do Conselho de Sentença.

Ora, se de um lado o temperamento que se deu à lei no início deste

século foi no sentido de interpretar com mais rigor e com mais especifi cidade a

necessidade da mudança da composição do Conselho de Sentença para que se

efetive essa alteração em tempo curto, de um ano; de outro, aquelas difi culdades

que se oporiam a essa regra não subsistem no caso em tela.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

924

Estamos aqui a falar de uma ação penal que foi levada a julgamento

na maior comarca do País. A presunção que me parece razoável é a de que é

possível essa alternância de jurados na Comarca de São Paulo sem os mesmos

sacrifícios que seriam identifi cados em uma cidade menor.

A matéria, efetivamente, é muito instigante, do ponto de vista do do estudo.

Avalio que o descumprimento da regra implicou prejuízo ao paciente, posto que

na questão fundamental, teve contra si quatro votos contra e três favoráveis e

por isso, resultou condenado. Esse prejuízo, entendo, vem em detrimento das

garantias fundamentais.

Assim, acompanho o voto da eminente Ministra Relatora, obviamente

respeitando quem possa pensar de forma diferente, porque essa, realmente, é

uma matéria muito interessante e rarefeita, seja pelo volume da doutrina, seja

pela qualidade do trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública na pesquisa

referida, pois é escassa a jurisprudência.

Não conheço do pedido de habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício

para anular a ação penal, a partir da sessão de julgamento, que ocorreu em 2009.

HABEAS CORPUS N. 218.767-PA (2011/0221562-0)

Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior

Impetrante: Alexandre Barbosa Lisboa

Advogados: Fabiano Oliveira Emery

Alexandre Barbosa Lisboa e outro(s)

Alexandre Amaral de Lima Leal

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Paciente: Liberalino Ribeiro de Almeida Neto (preso)

EMENTA

Habeas corpus. Processual Penal. Arts. 171, § 3º, 288, 299 e

312 do CP, 89 e 90 da Lei n. 8.666/1993 e 1º, I e III, do Decreto-

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 925

Lei n. 201/1967. Direito de acesso aos autos. Ausência de interesse

processual. Prisão preventiva. Prefeito municipal. Fundamentação

idônea. Garantia da ordem pública e da instrução criminal.

1. A defesa teve acesso aos autos da representação criminal antes

mesmo do ajuizamento do presente writ, razão pela qual não haveria

interesse processual a amparar esse aspecto da impetração.

2. Ao paciente, ocupante do cargo de Prefeito municipal de Vitória

do Xingu-PA, é imputado, além de outros delitos lesivos ao patrimônio

público, o fato de ser um dos líderes de uma quadrilha especializada

em fraudar licitações realizadas pela própria municipalidade, as quais

culminavam com a contratação irregular de empresas que, apesar de

colocadas em nome de “laranjas”, na verdade, eram de propriedade

do paciente ou de familiares. Por meio dessa atuação ilícita, eram

desviadas verbas federais destinadas ao município.

3. As decisões impugnadas relatam perseguições e agressões

verbais a testemunhas, acompanhadas de danos ao patrimônio e,

inclusive, envenenamento de animais domésticos. Mencionam, ainda,

o fato de que uma testemunha teria ingressado em programa de

proteção, porque o paciente seria investigado, também, por exploração

sexual de menores.

4. Hipótese em que o paciente, juntamente com os demais

coinvestigados, teria se utilizado de seu poderio político e da

capacidade de infundir temor à população local, no intuito de criar

obstáculos à instrução criminal. Afi rmou o Tribunal de origem que o

grupo criminoso seria destemido e não se intimidaria em praticar todo

o tipo de atos ilícitos para difi cultar a materialização dos crimes apurados.

5. Elementos concretos que justifi cam a prisão preventiva tanto

pela conveniência da instrução criminal como pela garantia da ordem

pública, sendo inviável a aplicação de medida cautelar alternativa.

6. Cassada a liminar, não mais subsiste a decisão que estendeu

seus efeitos aos demais investigados.

7. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, ordem

denegada, tornando sem efeito a liminar e os pedidos de extensão

deferidos.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

926

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, conhecer parcialmente da ordem de habeas corpus e, nessa extensão,

denegá-la, tornando sem efeito a liminar e os pedidos de extensão deferidos, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. O Sr. Ministro Vasco Della Giustina

(Desembargador convocado do TJ-RS) e a Sra. Ministra Maria Th ereza de

Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 28 de fevereiro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior, Relator

DJe 21.3.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de habeas corpus com pedido

liminar impetrado em favor de Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, em que é

apontado como coator o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Narram os impetrantes que o paciente, prefeito do município de Vitória do

Xingu-PA, teve sua prisão preventiva decretada pela Relatora da Representação

Criminal n. 0033274-04.2011.4.01.0000, em que é apurada a suposta prática

dos crimes tipifi cados nos arts. 171, § 3º, 288, 299 e 312 do Código Penal,

nos arts. 89 e 90 da Lei n. 8.666/1993 e no art. 1º, I e III, do Decreto-Lei n.

201/1967.

Sustentam que a decretação de prisão cautelar, em especial após o advento

da Lei n. 12.403/2011, deve ser reservada para hipóteses excepcionais, não

confi guradas na situação concreta.

Afi rmam não estarem presentes os pressupostos do art. 312 do Código

de Processo Penal. Não há conveniência da instrução criminal, pois o paciente

não obstruiu a coleta de nenhuma prova. Também não existe necessidade de

garantia de aplicação da lei penal, pois, sendo ele prefeito da municipalidade,

não teria intenção de evadir-se do local. Igualmente, a permanência dele em

liberdade não traria risco à ordem pública.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 927

Dizem que as medidas já determinadas pela autoridade policial (sequestro

e arresto de bens imóveis, bloqueio de valores via Banco Central e realização de

busca e apreensão) seriam sufi cientes, não se mostrando razoável a manutenção

da prisão.

Asseveram, ainda, que estaria sendo obstruído o acesso da defesa aos autos

do inquérito, em fl agrante violação da Súmula Vinculante n. 14-STF.

Alegam, também, que, requerida a revogação da prisão preventiva, o

Relator, na origem, teria encaminhado os autos ao Ministério Público, sendo

que não era necessária essa manifestação, uma vez que o Parquet já havia

opinado sobre o pedido de prisão. Aduzem que tal providência causou atraso na

apreciação do pedido, que ainda se encontraria pendente de análise.

Pedem a concessão da ordem para que seja revogada a prisão cautelar, bem

como para que seja garantido o acesso da defesa aos autos.

Prestadas as informações, houve o indeferimento do pedido liminar (fl s.

416-419).

Em pedido de reconsideração, deferiu-se parcialmente o pleito, para

revogar a prisão preventiva do paciente e conceder-lhe a liberdade provisória,

aplicando-se-lhe as medidas cautelares previstas no art. 319, III e VI, do

Código de Processo Penal (fl s. 467-473). Posteriormente, deferiu-se a extensão

da medida aos corréus José Danilo Damaso de Almeida, Roseli Aparecida de

Almeida Braga, Aldir Nazário de Carvalho, Helton Wagner Lisardo, Carlos

Alberto Gama de Almeida, Isaac Costa da Silva, Paulo Cesar de Miranda e Ivo

Krombauer (fl s. 619-623).

O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fl s. 427-

431).

O paciente, então, pediu a reconsideração da medida cautelar de

afastamento do cargo de Prefeito municipal, sendo indeferido o pleito (fl s. 742-

743).

O Município de Vitória do Xingu-PA, então, pediu fosse revogado o

deferimento da liminar, restabelecendo-se a prisão do paciente (fl s. 746-784),

sendo postulada a adoção da mesma providência pelo Ministério Público

Federal (fl s. 1.116-1.234).

É o relatório.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

928

VOTO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator): Inicialmente, segundo

consta das informações e conforme se verifi ca do teor da decisão de fl s. 239-257

e da certidão de fl . 258, a defesa teve acesso aos autos da representação criminal

antes mesmo do ajuizamento do presente writ, razão pela qual não haveria

interesse processual a amparar esse aspecto da impetração.

A propósito, disse a referida decisão (fl . 240):

[...] defi ro, em parte, o pedido formulado pelos ora requerentes, para que seja

permitida vista dos autos, em Secretaria, sendo-lhes autorizado a extração de

fotocópias, exclusivamente no que disser respeito a cada um dos requerentes e

excetuando os documentos referentes às diligências em andamento que possam

ser eventualmente frustradas com o acesso, devendo a Secretaria velar pela estrita

observância das regras e formalidades pertinentes à tramitação dos processos

sigilosos, particularmente, no caso, o que dispõe o art. 3º, §§ 3º e 4º, e o art. 9º, §§ 3º e

4º, ambos da Resolução n. 058/2009, do Conselho da Justiça Federal.

[...]

Também a certidão mencionada (fl . 408):

[...]

Certifi co, ainda, que à fl . 727 consta certidão do comparecimento do advogado

Alexandre Barbosa Lisboa, procuração à fl . 477, representando o investigado

Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, à Coordenadoria e manuseando os autos da

representação, obteve cópias de peças que indicou e dentro das especifi cações da

Resolução n. 58/2009, art. 9º; idêntica certidão de comparecimento do advogado

Diego Costa Batista, procuração à fl. 695-697, representando o investigado

Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, manuseando os autos e obtendo cópias de

peças que indicou dentro das cautelas previstas na Resolução supracitada.

[...]

Passa-se a apreciar a alegação de ausência de fundamentação do decreto

prisional.

A então Relatora, na origem, ao decretar a prisão preventiva, assim

fundamentou sua decisão (fl s. 32-36):

[...]

O pedido de prisão preventiva encontra-se previsto no art. 311 e seguintes

do Código de Processo Penal, sendo que no presente caso todos os requisitos

encontram-se devidamente preenchidos, senão vejamos.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 929

As condutas dos representados confi guram o crime previsto no art. 171, § 3º,

art. 288, 299 e 312, todos do Código Penal, art. 89 e 90 da Lei n. 8.666/1993, art.

1º, incisos I e III do Decreto-Lei n. 201/1967, crimes de ação penal de iniciativa

pública, conforme abaixo serão devidamente individualizados segundo a conduta

de cada representado.

Também encontramos presentes os requisitos previstos no art. 312 para a

concessão da medida pleiteada.

Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal (art.

312, 1ª parte): Os representados persistem na prática criminosa, ativamente,

desde março/2009. As cifras de recursos públicos periodicamente desviados

e apropriados pela organização criminosa só estão aumentando de forma

exponencial, como verifi cado nas principais fraudes acima apontadas. A audácia

dos membros dessa organização, que acreditam que não serão descoberto, os tem

deixado confi antes e mais corajosos, ao ponto de valorar ainda mais os certames.

Tal fato é percebido pela última licitação feita no valor de R$ 7.405.437,67, cuja

empresa vencedora foi a Auto Mecânica ISPA Ltda., empresa do já conhecido

“laranja” Paulo Cesar de Miranda (o mesmo suposto sócio da Construtora Colina e

Construtora WGR).

Assim as prisões preventivas são necessárias para que se evite a continuidade

das condutas delituosas, mesmo porque, caso contrário, a credibilidade da Justiça

fi caria comprometida e a sensação de impunidade se torna inevitável diante da

aparente incolumidade dos representados.

[...]

Ademais a prisão preventiva dos representados também evitará que o

montante dessa última licitação seja desviado, aumentando ainda mais o saque

aos cofres públicos.

Prova da existência do crime (art. 312, última parte): A tipicidade da

conduta é evidente, não restam dúvidas quanto à intenção dos membros da

organização criminosa na obtenção da fácil e ilícita vantagem, auferida mediante

o desvio dos recursos públicos federais, estaduais e até municipais, bem como da

utilização da máquina pública para fi ns particulares.

Indícios suficientes de autoria (última parte): Não há qualquer dúvida

também acerca da autoria dos representados nos crimes que lhes são apontados,

em razão da vasta prova documental reunida em quase um ano de árdua

investigação, nos depoimentos de algumas testemunhas e inclusive de alguns

“laranjas” utilizados pela quadrilha, nas fi lmagens, fotografi as, transcrições de

interceptações telefônicas, provas que deixam reluzentes a participação de cada

um dos envolvidos.

Crime punido com reclusão (artigo 313, inciso I, CPP): A pena constante

dos preceitos dos arts. 171, § 3º, art. 288, 299, 312, todos do Código Penal, art. 1º,

incisos I do Decreto-Lei n. 201/1967 prevêem pena de reclusão.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

930

O modus operandi dos representados é típico como o já visto em casos

semelhantes, sendo que os representados são ainda mais audaciosos no presente

caso, pois ao invés de apenas receberem a conhecida “comissão” das empresas

vencedoras dos certames licitatórios, em Vitória do Xingu-PA, foi feito um

esquema que independentemente da “comissão”, a própria empresa vencedora

já é da organização criminosa, ou seja, a totalidade dos recursos públicos transita

entre os membros da quadrilha.

Vejamos a participação de cada um dos representados, onde citaremos os

crimes praticados e seu envolvimento pela ordem e grau de importância até o

presente momento desvendado:

[...]

2.2. LIBERALINO RIBEIRO DE ALMEIDA NETO - mentor:

Prefeito de Vitória do Xingu-PA, fi lho de Jose Danilo Damaso, cumpriu mandato

no período entre os anos de 1996 a 2000, sendo novamente eleito prefeito no ano

de 2008.

A posição de chefe do Poder Executivo Municipal lhe tem proporcionado

estratégica posição e a ativa participação nos crimes práticos pela organização

criminosa, a começar pela nomeação (fl s. 84) dos membros da comissão única de

licitação de Vitória do Xingu, composta de pessoas que fazem parte de fraudes,

dentre as quais citamos os representados: Carlos Alberto Gama de Almeida (já

foi sócio da empresa Xingulat) e Benedito da Silva (sócio de 03 empresas do

grupo criminoso - Xingulat, Construtora Araguaia e Comercial Amigão). Tal fato

demonstra sua participação no crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993

(fraude a licitação).

O Prefeito Liberalino tinha participação na constituição das empresas com

auxílio de “laranjas”, conforme se infere do depoimento de Davi Pereira de Sousa

Lima (fl s. 315-316), Sebastião Torquato Soares (fl s. 497-498) e Elsa Laire Dall Acqua

(fl s. 373-374), restando confi gurada a conduta do crime previsto no art. 299 do

Código Penal.

Ao conceder o título defi nitivo de propriedade, em 30.10.2000, (fl s. 35 do IPL)

para o representado Edison Camargo Chandoha (sócio de 02 empresas - Xingulat

e Agropecuária Danielle), cometeu o crime previsto no art. 1, inciso X do Dec. n.

201/1967.

Em 5.1.2009 quando este representado concedeu o Alvará de Licença para

a empresa Xingu Cerâmica Ltda. Me. para exploração de substâncias minerais

por 50 anos, praticou crime de corrupção passiva (art. 317 do CP). Inclusive a

testemunha Gilson Neves Sales - fl s. 311-312 cita que essa empresa é do prefeito

Liberalino. Sendo que Sebastião Torquato Soares em seu depoimento as fl s. 497-

498 cita que a empresa é de José Danilo Damasio, o que confi rma que realmente

perante a população, a empresa é da família Almeida.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 931

A confusão entre bens da prefeitura e bens particulares, bem como a utilização

de funcionários, caminhões e maquinários da prefeitura de Vitória do Xingu para

realização de trabalhos diversos (terraplanagem, aterros, limpeza de terreno) fi cou

comprovada pelo depoimento de Gilson Neves Sales - fl s. 311-312 e de Elsa Laire

Dall Acqua (fl s. 302-305), e pelos vídeos do CD de fl s. 47, restando confi gurado o

crime previsto no art. 1, inciso II do Dec. n. 201/1967 (utilizar indevidamente em

proveito próprio bem público).

A utilização desses mesmos maquinários citados no depoimento de Gilson

Neves Sales (fls. 311-312) e vídeos de fls. 47, para a realização da obra de

recuperação da estrada Vicinal Água Boa, que deveria ter sido realizada com

recursos oriundos do Governo do Estado do Pará (fls. 26-27, 158, 162-173),

confi gura o crime previsto no art. 1, inciso II (utilizar indevidamente em proveito

alheio bem público) e inciso III (desviar verba pública) do Dec. n. 201/1967.

Os demais membros da quadrilha se referem a Liberalino, o chamando de

“Chefe” (fl s. 16 do Rel. Circ. N. 001/2011), sendo que outros o chamam de “Patrão”

(fl s. 111 do Rel. Circ. n. 001/2011), o que defi ne seu posto de comando dentro da

organização criminosa.

A interceptação telefônica autorizada judicialmente e realizada no período de

2.5 a 17.5.2011 demonstrou que:

- Liberalino foi avisado, por pessoa não identifi cada, para retirar os bens de seu

nome e de sua irmã, fl s. 08-09 do Rel. Circ. n. 002/2011;

- Liberalino tinha plena ciência e ativa participação nos processos licitatórios

da Prefeitura de Vitória do Xingu, segundo os áudios de fl s. 13-15 do Rel. Circ.

n. 002/2011, onde ele conversa com o contador Anfrísio Augusto Nery da

Costa Nunes, sendo que ao seu lado está o representado Carlos Alberto Gama -

presidente da Comissão de Licitação (fato constatado, pois ele inicia a conversa e

depois passa o telefone para Carlos).

O direcionamento e no não atendimento as formalidades exigidas em lei para

as diversas licitações acima citadas confi guram o crime previsto no art. 89 da Lei

de Licitações, sendo que a união para a prática dos crimes gera a conduta do art.

288 do CP.

[...]

Por sua vez, ao indeferir o pedido de revogação da prisão, a Relatora

consignou que (fl s. 240-255 – grifo parcialmente nosso):

[...]

Quanto ao pedido do Sr. Liberalino Ribeiro de Almeida Neto às fl s. 543-558, de

revogação da prisão preventiva, da análise dos autos, verifi co que subsistem os

fundamentos para a manutenção da prisão cautelar.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

932

Com efeito, naquilo que, concessa venia, reputo como essencial ao deslinde da

questão, verifi ca-se que ao proferir a decisão de fl s. 261-322, asseverei que:

“(...)

Assim, com base nos últimos relatos acima, assim como nos demais

11 (onze) eventos lesivos citados pela autoridade policial, tem-se que os

pressupostos da presente medida cautelar, quais sejam, os indícios de

autoria e materialidade, restaram sufi cientemente demonstrados.

b-1) DA NECESSIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA

INVESTIGAÇÃO E POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Alega o Ministério Público Federal a necessidade da medida cautelar de

segregação, como garantia da instrução criminal, sob a alegação:

(...)

Restam, portanto, plenamente caracterizados os requisitos do artigo 312

do CPP para o deferimento das prisões preventivas dos investigados, pois

em liberdade, simplesmente terão total disponibilidade para se desfazer da

prova documental que ainda será arrecadada mediante busca e apreensão,

intimidar testemunhas, etc. O grupo é bastante destemido e não se intimidará

em praticar todo o tipo de atos ilícitos para difi cultar a materialização dos

crimes apurados.

Além da conveniência da instrução processual penal, que no caso em

análise afl ora de todo o contexto fático narrado, há ainda que se garantir

a ordem pública. Na realidade, os poderes executivo e legislativo do

município estão totalmente dominados pelos integrantes da quadrilha e,

apenas com a sua segregação cautelar será possível se garantir a ordem

pública no referido município, evitando-se a continuidade delitiva, além

de se reforçar perante a sociedade local, a credibilidade dos órgãos

encarregados da persecução criminal no âmbito do devido processo legal.

Outrossim, conforme informado pela autoridade policial representante:

“a prisão preventiva dos representados também evitará que o montante

desta última licitação seja desviado, aumentando ainda mais o saque aos

cofres públicos” (fl s. 172-173).

Da análise dos autos, sobretudo do contido no ofício de fl. 235-238, acima

transcrito, verifica-se a presença dos elementos concretos a demonstrar que os

investigados José Danilo Damaso de Almeida, Liberalino Ribeiro de Almeida Neto,

Heltton Vagner Lisardo, Isaac Costa da Silva e Carlos Alberto Gama de Almeida estão

a colocar em risco a investigação criminal.

As últimas informações da autoridade policial relatam que o grupo estaria

constrangendo testemunhas e outras pessoas que delas se aproximam (Ocorrências

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 933

Policiais n. 558/2011, n. 572/2011, relatadas nas informações de fl s. 245-247), o que

leva a concluir que poderão não só infl uir no ânimo das testemunhas, como estão a

criar ameaças sobre a integridade física dessas pessoas. É o que se conclui da análise

das informações abaixo transcritas:

Trazemos, pelo presente, informações sobre fatos que vem ocorrendo

nos últimos dias. Trata-se de manobras para constranger e intimidar

testemunhas, algumas delas através de ato aparentemente legal, mas que

enseja fi nalidades obscuras.

Dia 21.7.2011, a Ex-Vereador Elsa Laire Dall Acqua informou que o Prefeito

Liberalino estava realizando, através de terceiros, medições em sua propriedade

e de seus familiares para assim poder desapropria-los. Segundo a mesma, isso

estava sendo feito de forma provocativa para constranger e obter uma reação

que comprometesse a Vereadora. De fato, a mesma possui um gênio explosivo

e Liberalino sabe disso.

Além disso, o Prefeito, possui apoio irrestrito de todos os vereadores que

segundo denúncias atendem aos mandos e desmandos do Prefeito. Isto parece

estar se confi rmando, pois há sólidas suspeitas de que os vereadores recebem

benesses materiais do Prefeito. Há notícias de mensalinho decorrente de

recebimento de veículos por parte do Prefeito.

Conforme já foi aqui comprovado e informado (consta em livro de

ocorrência), e aqui novamente reiterado, o Vereador Genildo estava

realizando vigilância de um Policial federal seguindo o mesmo em um

veículo sem placas. Dias anteriores, o alvo Paulo Roberto Moura de Santana

dirigia o mesmo veículo em que estava o Vereador Genildo, um corsa classic,

sem placas. Paulo Roberto Moura de Santana é proprietário da Paulão

Veículos e tio do secretário de fi nanças, Heltton Vagner Lisardo, e possui

sociedade com Liberalino e Heltton em lotéricas. Todos são membros da

quadrilha criminosa.

Portanto, é provável que o carro em que estava o Vereador Genildo

tenha sido dado pelo Prefeito através de Paulo Roberto e quem está

ordenando, essas ações de “contra-inteligência”, é Heltton Vagner Lisardo,

sob o comando do Prefeito Liberalino.

Feitas essas considerações cumpre esclarecer que o Prefeito está com

“a faca e o queijo” na mão para utilizar de meios aparentemente legais e

outros ilegais para constranger testemunhas, como está fazendo com Elsa

Dall Acqua.

Outrossim, outras situações obscuras vem ocorrendo de acordo com as

Ocorrências de n. 558/2011 e n. 572/2011 registradas nesta delegacia.

Segundo Ocorrência n. 558/2011 a casa de Elsa foi invadida dia 16.7.2011

de madrugada. Para não alertar os moradores, os invasores enveneraram

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

934

seu cachorro e de seus vizinhos e retiraram as lâmpadas que fi cam fora de

sua residência. Ela notou pegadas em volta de sua residência, mas nada foi

furtado.

Conforme Ocorrência n. 572/2011, no dia 26.7.2011, havia um veículo

realizando vigilância em frente a residência de Elsa Laire Dall Acqua que

ao perceber o veículo Pólo Preto pediu a um amigo chamado Admildo da

Costa Santos, vulgo Pitta, que tirasse foto do mesmo. Pitta disfarçadamente

tirou fotos, porém o mesmo veículo iniciou movimento realizando manobra

brusca, andando em marcha ré e subindo no meio fi o. Do veículo saiu o

policial civil conhecido como Luiz Lopo, e, de uma forma ameaçadora,

questionou Pitta que saiu em seguida em sua moto para evitar discussão ou

atitude violenta do mesmo.

À noite, por volta das 19:00 outro policial civil de Vitória do Xingu, de

nome Marcelo, foi até a casa de Pitta para falar com o pai e o irmão dele,

ameaçando-o para que ele parasse de tirar fotos e de andar com Elsa Laire

Dall Acqua, pois “a casa ia cair pra ele”.

No dia seguinte, 27.7.2011, Maia, marido de Elsa foi intimado a

comparecer a Delegacia de Polícia Civil no dia 29.7.2011 e segundo Elsa é

mais uma manobra em resposta ao ocorrido no dia anterior, supra citado.

Ela também afirma que esta manobra está sendo orquestrada pelo

Prefeito Liberalino e Heltton Vagner Lizardo. Maio foi avisado que o motivo da

intimação refere-se a licença de uma placa de taxi de propriedade dele, e que

há rumores de que querem tirar a propriedade da placa e o direito de uso dele.

Ademais, há outro informante que está sendo pressionado pelos alvos,

pois passaram a desconfi ar dele, e que segundo outros informantes, existe

o risco daquele não resistir as investidas e provocações dos alvos ocorrendo

assim vazamento de informações da presente Operação.

O risco de atentado contra a vida de testemunhas e informantes confi rma-

se com o fato da testemunha e ex-conselheira tutelar Mariza ter ingressado

no programa de proteção a testemunha em razão de denúncia de exploração

sexual de menores pelo Prefeito Liberalino e por prevaricação do Promotor de

Justiça Edmilson Leray.

É preciso ressaltar que um dos membros da quadrilha é Isaac da

Celpa cujo o histórico de roubo a banco é notório e sabido em Altamira.

Consultando empresários e outros cidadãos da região foi possível colher

informações de que Isaac continua as amizades “da pesada”, ou vagabundos,

como contaram aqueles. Ou seja é preciso considerar a hipótese de que

Liberalino pode utilizar-se dos serviços de Isaac que possui contatos

perigosos e obscuros.

Isaac não possui apenas amizade com os níveis mais baixos do crime,

como homicidas e assaltantes, mas também possui uma estranha relação

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 935

com o Deputado Federal Wandelkolk o que já foi constatado através de

interceptação telefônica já apresentado em relatório.

Cumpre lembrar que Isaac compareceu a esta delegacia recentemente

oferecendo serviços de dedetização realizando levantamento dentro desta

descentralizada” (fl s. 245-247).

Depreende-se dos autos, também, que há dois relatos da Polícia Federal

(fl s. 194 e 240), relativos a episódios distintos, que noticiam que documentos

públicos e computadores foram retirados da Prefeitura e armazenados na casa

dos investigados Carlos Alberto Gama de Almeida Neto, evidenciando que há

ação do grupo no sentido de eliminar provas e obstar as investigações:

“Como prova concreta desses fatos pode-se citar que ano passado, ao

desconfi arem dessa investigação, providenciaram que parte dos documentos

licitatórios fosse armazenada na casa do representado Carlos Alberto Gama

de Almeida (presidente da comissão única de licitação), segundo comprova os

dados da informação policial de fl s. 346-347 e fotos do CD de fl s. 350 do IPL” (fl .

194).

“Hoje no período da manhã em Vitória do Xingu, a Secretaria de Saúde

fechou as suas portas e dispensou seus funcionários. Seis veículos pararam

em frente a mesma e recolheram documentos e computadores. Informantes

que foram comprar pão às 06:30 da manhã notaram movimentação estranha

neste horário dentro da Secretaria de Saúde.

Às 11:00hs carros estão parando em frente a Prefeitura e levando

documentos a casa de Liberalino. O que chamou a atenção dos informantes é

que são muitos “papéis” (fl . 240).

[...]

b-2) DA NECESSIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA

ORDEM PÚBLICA

Quanto aos demais fundamentos constantes do art. 312 do Código de Processo

Penal, restou evidenciada, também, a necessidade da segregação cautelar de

alguns dos investigados como garantia da ordem pública.

[...]

No caso, os fatos anunciados pela autoridade policial indicam que os

investigados Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, José Danilo Damaso de

Almeida, Benedito da Silva, Ivo Krombauer e Aldir Nazário de Carvalho já se

conheciam de período remoto em que, a que tudo indica, com o mesmo modus

operandi, utilizaram-se de empresas com sócios laranjas para desvios de

verbas públicas e crimes correlatos, ilícitos que parecem se repetir, atualmente,

em relação aos recursos recebidos pela Prefeitura de Vitória do Xingu-PA, com

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

936

a mesma desenvoltura e participação do mesmo núcleo de pessoas e com

a inclusão de outras, como os demais investigados Paulo César de Miranda,

Heltton Vagner Lisardo, Isaac Costa da Silva e Roseli Aparecida de Almeida

Braga (conforme registram os episódios sucessivos citados no item “I - a)” da

presente decisão), o que demonstra que há continuidade na perpetração das

condutas e autoriza a ilação de que soltos continuarão na prática delitiva.

Desta forma, verificando que os fatos relatados na representação

demonstram que a conduta ilícita da organização está a se estender no

Município de Vitória do Xingu e que há forte vínculo de subordinação dos

demais atores em relação aos demais investigados (supostos mentores e

articuladores dos ilícitos), torna-se imperativo reconhecer a necessidade de se

resguardar o meio social com a segregação cautelar dos investigados, a fi m de

evitar que outros ilícitos se repitam e as lesões ao erário sejam intensifi cadas.

[...]

Outrossim, não se pode ignorar, in casu, o que considerou o Ministério Público

Federal às fl s. 647-661, em parecer subscrito pelos eminentes Procuradores Regionais

da República, Dr. Alexandre Espinosa Brabo Barbosa e a Dra. Raquel Branquinho P. M.

Nascimento, que asseveraram:

“(...)

Superada a questão acima, resta a análise do pedido de liberdade provisória

apresentado pelo investigado Liberalino Ribeiro de Almeida Neto (fl s. 543-558),

o qual fundamenta sua pretensão na ausência de necessidade e adequação

da medida à luz na recente legislação que privilegiou a implementação de

medidas cautelares, mostrando-se o decreto prisional uma medida excepcional.

Também sustenta o requerente a ausência de concreta caracterização da

necessidade da medida por conveniência da instrução criminal, aplicação da

lei e garantia da ordem pública. Assim, requer, fundamentado no artigo 316

do CPP, a revogação da prisão provisória e, subsidiariamente, com base no

artigo 319 desse mesmo estatuto legal, a substituição da prisão cautelar por

outra medida prevista nesse dispositivo legal, exceto a suspensão da atividade

pública.

Não há qualquer amparo fático-jurídico à pretensão do acusado Liberalino,

seja no que se refere à revogação da prisão cautelar, seja quanto à sua

substituição, neste momento das investigações, por outra medida cautelar.

A gravidade e complexidade dos crimes perpetrados por um grupo de

pessoas, liderado pelo peticionante, o prefeito Liberalino Ribeiro e seu pai,

que montaram, no município de Vitória do Xingu uma estrutura organizada

de utilização de bens públicos no interesse particular, apropriação de bens

públicos e desvio de recursos públicos federais, é de uma extensão devastadora.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 937

Primeiramente, há que se observar a peculiaridade da atuação dessa

quadrilha, que tem o pleno domínio financeiro, logístico e de pessoal

de um município extremamente carente, onde inexiste qualquer estrutura

minimamente organizada de fi scalização da gestão de recursos públicos de

todas as esferas de poder, principalmente federal, já que praticamente inexiste

arrecadação própria e a prestação dos serviços mais relevantes aos munícipes

demanda a transferência de recursos pela União Federal.

O aparelhamento da prefeitura municipal pelo prefeito e seu pai,

um dos mentores do esquema, é um dos principais aspectos do bom

funcionamento do esquema e justamente um dos principais fatores que

demanda o acautelamento prisional dos integrantes da quadrilha, para que

as apurações criminais possam ter um curso minimamente razoável.

O organizado e sistemático funcionamento da quadrilha decorre, em

grande parte, da alocação, por parte do peticionante, o acusado Liberalino,

de integrantes dessa mesma organização criminal em funções estratégicas

da prefeitura de Vitória do Xingu. Ora, é habitual e sistemático o desvio

de recursos públicos por meio de fraudes em licitação. E esse mecanismo

é operacionalizado justamente por pessoas que integram a quadrilha e

são da extrema confi ança de Liberalino e de seu pai, com quem mantém

vínculos há décadas.

Assim, o presidente da Comissão Permanente de Licitação (órgão

estratégico da atuação da quadrilha), o requerido Carlos Alberto Gama

de Almeida, atuava, decisivamente, para montar os processos licitatórios

em todas - simplesmente - em todas as dezenas de licitações fraudadas,

montadas e forjadas já identifi cadas pela CGU.

Nessa mesma Comissão de Licitação, um dos membros que atuava em

conluio com o presidente Carlos Alberto é justamente um antigo ‘capanga’

do pai de Liberalino, o requerido Benedito da Silva ‘Mestre Bio’ o qual,

apesar da sua pouca instrução formal, é um tipo de ‘faz tudo’ para Liberalino

e seu pai: ocupa funções estratégicas na prefeitura onde proporciona a

apropriação desvio de bens e recursos públicos; fi gura como ‘laranja’ em

empresas vencedoras de pseudo licitações e que na realidade pertencem a

Liberalino e a sua família; executa, diretamente, obras que foram licitadas a

empresas de ‘fachada’, etc.

Os recursos públicos são liberados para esse esquema fraudulento

justamente por um outro integrante da quadrilha, o requerido Heltton

Wagner Lisardo - Secretário de Finanças, o que permite a estrutura

necessária para a formalização, nos sistemas de transferência de recursos

da União, da destinação do dinheiro, ao contrário do que determina a

legislação, é sacado em espécie, no próprio caixa e não por meio de contas

correntes específi cas. E isso e outras fraudes apenas são possíveis porque

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

938

justamente um integrante da quadrilha ocupa a estratégica função de

Secretário de Finanças.

Pelo que fi cou constatado pela CGU até o presente momento, uma das

principais estratégias para o escoamento de dinheiro público é através de

obras de construção ou reforma de escolas e postos de atendimento médico

(verbas dos Ministérios da Educação e Saúde). Novamente Liberalino

colocou um outro parceiro integrante da quadrilha na estratégica função

de Secretário de Obras, que se trata do requerido Aldir Nazário de Carvalho

que demanda as licitações forjadas e acompanha as obras que não são, de

fato, executadas.

E, na parte da gestão dos recursos públicos destinados à saúde, Liberalino

nomeou a sua companheira e integrante da quadrilha, a requerida Roseli

Aparecida de Almeida, para a função de Secretária de Saúde, onde fi gura

como demandante e também autoridade responsável pelo pagamento de

inúmeras contratações fraudulentas e com desvio de recursos públicos, já

devidamente levantadas pela equipe de auditoria da CGU.

A situação de controle do município e das verbas destinadas à aplicação

no bem comum da carente população é tão grave que Roseli não apenas

atua como Secretária de Saúde e gestora de grande parte dos recursos

federais destinados ao Município pelo Ministério da Saúde, como também

controla o próprio órgão que deveria fi scalizar a aplicação desse dinheiro

que é o Conselho Municipal de Saúde. Imagine que a própria Roseli, que

deveria ser fi scalizada pelo Conselho, atuou, nos exercícios de 2009, 2010

e 2011, justamente como Presidente desse Conselho. Ou seja, é a própria

raposa tomando conta do galinheiro.

Parte das fraudes e desvios ocorrem por intermédio de empresas que se

encontram formalmente registradas em nome de integrantes da quadrilha,

que atuam na prefeitura, como é o caso de Benedito da Silva e também de

Isaac Costa da Silva, que é assessor do requerente, o acusado Liberalino e

cunhado de Paulo César de Miranda, um outro comparsa de Liberalino e

que fi gura como ‘laranja’ deste em empresas envolvidas no esquema.

O senso de total controle e domínio da situação é de tal forma intenso

que Liberalino e seu grupo, sem qualquer pudor, constitui e registra

empresas ‘de fachada’, que são vencedoras de inúmeros certames fi ctícios

realizados pelo município, sob o comando da própria quadrilha, em nome

de laranjas que atuam na própria prefeitura ou que mantém intenso

relacionamento com Liberalino, que é o líder desse esquema e um dos que

mais se benefi cia economicamente do seu funcionamento.

A situação acima resumidamente narrada já revela, por si, a necessidade

de manutenção da prisão preventiva de Liberalino Ribeiro e de seus comparsas

até que o Estado, representado pela Polícia Federal, Controladoria-Geral da

União e Ministério Público Federal, tenha condições de mapear, levantar e

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 939

efetivamente apurar a real extensão dos graves crimes praticados por essa

quadrilha, o que se apresenta praticamente impossível caso estivessem soltos

e efetivamente impossível caso estivessem ocupando os mesmos postos

estratégicos na Prefeitura desse sofrido município.

[...]

Não são apenas os integrantes diretos da quadrilha que atuam na

prefeitura. Já se apurou que Liberalino tem a prática de colocar pessoas que lhe

prestam ‘favores’ espúrios, como fi gurar em contratos sociais de empresas de

fachada, etc, e seus familiares, como funcionários da prefeitura. Obviamente,

esse grupo de funcionários também atua sob o comando de Liberalino e com

a proximidade deste, mais difícil o retorno à normalidade na gestão dessa

Prefeitura e mais difícil se revelam as apurações.

O atual quadro fático ainda é extremamente sensível e o Parquet federal

entende que, a cada momento, surgem novas provas e graves evidências de

que a liberação do Prefeito e de seu grupo ocasionará o verdadeiro caos nessa

localidade, tanto para pressionar testemunhas a retratarem informações já

prestadas, etc, quanto para destruir provas dos crimes praticados.

A autoridade policial competente vem, diuturnamente, desde o decreto de

prisão, atuando para ouvir todos os investigados e também testemunhas para

materializar os crimes apurados. No entanto, essa tarefa ainda se encontra em

plena atividade. Ao se considerar que a atividade da quadrilha era justamente

utilizar a gestão da prefeitura para o enriquecimento ilícito e o desvio de

dinheiro, as situações a serem materializadas são inesgotáveis. Nesse aspecto,

observa-se que o Relatório Preliminar da CGU contém aproximadamente

55 constatações de graves irregularidades, envolvendo quase uma centena

de licitações fraudadas, num universo de mais de cinco mil documentos que

constitui a base documental dessas apurações que ainda não se concluíram.

[...]

Dessa forma, verifi cando que subsistem os motivos que ensejaram a prisão

cautelar do requerente Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, e que este é apontado

como o mentor, articulador e líder do grupo, deflui-se que a sua liberdade

potencializaria a situação de riscos de ameaças às testemunhas e de destruição de

provas, relatada nos autos, revelando-se necessária a manutenção da constrição

para garantia da investigação e instrução criminal. Da mesma forma, subsistem

as razões expostas na decisão que embasaram a custódia cautelar também como

garantia à ordem pública, motivo pelo qual, indefi ro o pedido de revogação da

prisão preventiva.

[...]

Como se verifi ca, o paciente, ocupante do cargo de Prefeito Municipal

de Vitória do Xingu-PA, seria um dos principais líderes de uma quadrilha

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

940

especializada em fraudar licitações realizadas pela própria municipalidade,

as quais culminavam com a contratação irregular de empresas que, apesar de

colocadas em nome de “laranjas”, na verdade, eram de propriedade do paciente

ou de familiares. Por meio dessa atuação ilícita, eram desviadas verbas federais

destinadas ao município. É imputada a ele, ainda, a prática de outros delitos que

lesaram o patrimônio público.

Num primeiro momento e em juízo perfunctório, entendi que a

manutenção da custódia não era apropriada, uma vez que parecia ser viável

alcançar os objetivos indicados no decreto prisional (garantia da ordem pública

e da instrução criminal) por meio da aplicação de algumas medidas cautelares

previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, em sua redação atual.

A propósito, na ocasião, deixei assim consignado (fl s. 469-472 – sem grifo

no original):

[...]

Houve a juntada aos autos de ofício encaminhado pela autoridade policial ao

Tribunal de origem, noticiando que, além das prisões preventivas, “os mandados

de busca também foram cumpridos” (fl . 449).

Tenho que, diante do cumprimento dos mandados de busca e apreensão, fi cou

evidenciada a plausibilidade jurídica do pedido formulado no presente writ.

A decisão impugnada justifi cou a segregação, nesse aspecto, porque “documentos

públicos e computadores foram retirados da Prefeitura e armazenados na casa dos

investigados Carlos Alberto Gama de Almeida e Liberalino Ribeiro de Almeida Neto”

(fl . 243).

Contudo, uma vez coletados tais documentos e máquinas nas buscas e apreensões

realizadas, tal fundamento não mais subsiste, pois as provas que estavam em poder

do paciente já estão sob a guarda da autoridade policial.

Outrossim, eventual tentativa de utilização do cargo público para obstaculizar as

investigações, pode ser neutralizada com o afastamento do paciente da função de

Prefeito Municipal, sendo desproporcional, para esse fi m, sua manutenção no cárcere.

Por outro lado, numa primeira análise, as eventuais ameaças a testemunhas,

segundo relatado no decisum impugnado, teriam decorrido em exercício do cargo

público, com a realização de medições em propriedades de testemunhas e seus

familiares, no intuito de promover a futura desapropriação (fl . 241).

Nesse contexto, as medidas cautelares de afastamento do cargo de prefeito

municipal, bem como de proibição de manter contato com determinadas pessoas

(art. 319, III e VI, do Código Penal), se mostram sufi cientes para garantir a ausência

de empeços à persecução penal, não havendo motivo que autorize a manutenção da

segregação preventiva.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 941

[...]

Ante o exposto, reconsidero a decisão para deferir a liminar, revogando a prisão

preventiva do paciente e concedendo-lhe a liberdade provisória. Aplico-lhe,

porém, as medidas cautelares previstas no art. 319, III e VI, do Código de Processo

Penal, e determino seu afastamento das funções de Prefeito Municipal de Vitória

de Xingu-PA, bem como está proibido de manter qualquer tipo de contato, direto

ou por meio de terceiros, com os integrantes da atual administração municipal,

bem assim com alguma das testemunhas arroladas no inquérito, podendo, se for

o caso, fazer-se uso da monitoração eletrônica para aferir o cumprimento dessas

determinações.

[...]

A instrução do feito e manifestações do Ministério Público Federal

posteriores à liminar concedida propiciaram-me um conhecimento mais

profundo do quadro fático que toma conta da cidade de Vitória do Xingu-PA.

Entendo agora que o que foi narrado nas decisões impugnadas juntamente

com aquilo que foi trazido a conhecimento deste Juízo justifi cam a custódia do

paciente, pela necessidade não só de se resguardar a instrução criminal quanto

de se garantir a ordem pública.

As decisões impugnadas relatam perseguições e agressões verbais a

testemunhas, acompanhadas de danos ao patrimônio e, inclusive, envenenamento

de animais domésticos. Há, ainda, menção ao fato de que uma testemunha teria

ingressado em programa de proteção, porque o paciente seria investigado,

também, por exploração sexual de menores.

Por outro lado, o paciente, juntamente com os demais coinvestigados,

tem se utilizado de seu poderio político e da capacidade de infundir temor à

população local para criar obstáculos à instrução criminal.

Tais fatos continuaram a acontecer após a liminar acima referida, inclusive

com agressões físicas à testemunha de outro processo em que o paciente se

encontra como investigado, mesmo com o seu afastamento da Prefeitura da

cidade de Vitória do Xingu-PA, criando-se um clima de insegurança em toda a

cidade.

A propósito, a decisão impugnada, encampando o parecer ministerial,

afi rmou que o grupo [criminoso] é bastante destemido e não se intimidará em

praticar todo o tipo de atos ilícitos para difi cultar a materialização dos crimes apurados

(fl . 241).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

942

Igualmente, segundo consignado pelo Tribunal de origem, a conduta

ilícita está a se estender no Município de Vitória do Xingu e há forte vínculo de

subordinação dos demais atores em relação aos dois primeiros investigados (supostos

mentores e articuladores dos ilícitos), torna-se imperativo reconhecer a necessidade de

se resguardar o meio social com a segregação cautelar dos investigados, a fi m de evitar

que outros ilícitos se repitam e as lesões ao erário sejam intensifi cadas (fl . 246).

Vale transcrever trecho do pedido formulado pelo Ministério Público

Federal encaminhado a este Relator em 1º de fevereiro do corrente, para que

fosse reconsiderada a decisão que concedeu, em parte, liminar anteriormente

concedida. Tal petição deixa clara a situação que atualmente impera no

município de Vitória do Xingu-PA, não obstante os termos da liminar acima

referida (fl s. 1.116-1.122):

[...]

2. Este Subprocurador-Geral da República tomou ciência dos fatos noticiados

nas manifestações em anexo, a saber:

- Ofício GAB PRR1/DF/RB n. 007/2012, de 12 de janeiro de 2012,

encaminhado a esta Procuradoria Geral da República pela ilustre

Procuradora Regional da República Raquel Branquinho P. M. Nascimento;

- Denúncia formulada contra o réu deste processo, entre outras pessoas,

no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, datada de 26 de

setembro de 2011;

- Manifestação de Procuradores Regionais da República perante o

Tribunal Regional Federal da Primeira Região, relativamente ao Inquérito

Policial n. 111/2011-DPF/ATM/PA, datada de 6 de setembro de 2011;

- Of. PRM/ATM/GAB2/n. 1.003/2011 em que Procuradores da República

do Pará comunicam a Procuradora Regional da República Raquel

Branquinho P. M. Nascimento, acerca do termo de declarações TD PRM/

ATM/101/2011, a saber, depoimento perante à Procuradoria da República

do Município de Altamira-PA da Senhora Marinalva Alves da Silva.

3. Todos estes documentos tornam claro que o paciente, Liberalino Ribeiro

de Almeida, Prefeito afastado da cidade de Vitória do Xingu-PA, não obstante

a aplicação de medidas cautelares por Vossa Excelência, os termos do art. 319,

incisos III e IV, do Código de Processo Penal, está a merecer o decreto de prisão que

impugnou, uma vez que não é sufi ciente a determinação de que não mantenha

qualquer tipo de contato, direto ou por meio de terceiros, com os integrantes da

atual administração municipal, bem assim com algumas testemunhas arroladas

no inquérito.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 943

4. Em verdade, os citados documentos demonstram que tais medidas não

sao o bastante (como aliás, os demais elementos do processo já indicavam a

necessidade da prisão).

5. Os documentos em anexo dão conta de sérios fatos ocorridos no âmbito

do Município de Vitóra do Xingu-PA. A denúncia apresenta com pormenores o

modus operandi da quadrilha chefi ada pelo paciente e seu genitor, especializada

na “prática de ilícitos consistentes na falsifi cação de documentos, constituição de

empresas de ‘fachada’ e obtenção de empréstimos fraudulentos, apropriação e desvio

de bens públicos e que atuou desde meados da década de 1990, associação essa que

perdurou até o momento da prisão decreta nestes autos” (fl . 23). Os documentos

destacam a necessidade de restabelecer a custódia cautelar do paciente e seus

comparsas, pelo deliberado descumprimento das medidas cautelares impostas,

a revelar a ineficácia de tais medidas, bem como o comprometimento das

autoridades locais para investigar, processar e punir o bando pela prática de

outros crimes relacionados à exploração sexual de menores. Registre-se a notícia

de que cópia do Inquérito Policial n. 111/2011 foi encaminhado ao Conselho

Nacional do Ministério Público para avaliar a conduta do Promotor de Justiça

local.

6. A par das acusações narradas na denúncia, o paciente é apontado com oo

“chefe” de uma organização criminosa voltada à exploração sexual de menores, o

que é objeto do citado Inquérito n. 111/2011-DPF/ATM/PA. Essas novas condutas

teriam sido descobertas na investigação daqueles crimes de desvio e apropriação

de verbas públicas, falsifi cação de documentos, entre outros descritos na peça

acusatória.

7. Segundo o Ofício GAB PRR1/DF/RB n. 007/2012, de 12 de janeiro de 2012,

subscrito ilustre pela Procuradora Regional da República Raquel Branquinho P.

M. Nascimento, e o termo de declarações de Marinalva Alves da Silva, colhido

na Procuradoria da República no Município de Altamira-PA, objeto do OF.PRM/

ATM/GAB2/n. 1.003/2011, de 9 de dezembro de 2011, após a soltura do paciente

e seus comparsas, além de constantes ameaças de morte às testemunhas do

referido inquérito policial e vítimas de abuso sexual, uma das menores (vítima) que

ousou detalhar esse odioso crime foi brutalmente espancada. Registra-se que uma

das principais denunciantes e testemunha no processo, mesmo contemplada no

Programa de Proteção à Testemunha - Provita, sente-se ameaçada, pois continua

sendo procurada por pessoas ligadas ao paciente e pessoas de sua ligação (teria sido

procurada em casas de marentes que moram distante - Santarém e Macapá).

8. Pede-se vênia para reproduzir manifestação da ilustre Procuradora Regional

Raquel Branquinho P. M. Nascimento, que segue em anexo:

Senhor Subprocurador,

Cumprimentando-o, encaminho a Vossa Excelência cópia do termo

de declarações prestadas pela Sra. Marinalva Alves da Silva, membro do

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

944

Conselho Tutelar no município de Vitória do Xingu aos Procuradores da

República que atuam na Procuradoria da República de Altamira-PA.

A Sra. Marinalva retrata, em seu depoimento, um lamentável quadro de

violência e outras indevidas interferências do Prefeito Liberalino Ribeiro de

Almeida Neto e outras comparsas na comunidade de Vitória do Xingu, o

que está causando uma grande sensação de insegurança nas pessoas que

não compactuam com a série de crimes que vem sendo praticados pela

quadrilha liderada pelo prefeito Liberalino e que se propõem a colaborar

com os agentes do estado encarregados da apuração e punição desses

fatos, na busca da aplicação da Justiça.

Já é de conhecimento de Vossa Excelência, subscritor de fundamentado

parecer nos autos do HC n. 218.767-PA (2011/0221562-0), que Procuradores

Regionais da República e o Delegado de Polícia Federal encarregado das

investigações representaram pela prisão preventiva do então Prefeito de

Vitória do Xingu, Liberalino Alves de Almeida e outras quatorze pessoas,

integrantes de uma quadrilha pelo mesmo comandada.

No âmbito das investigações criminais que culminaram no decreto

de prisão acima informado, a autoridade policial competente tomou

conhecimento de outros graves crimes praticados por Liberalino e alguns

outros integrantes da quadrilha, crimes esses relacionados à exploração

sexual de menores daquela região.

Esses graves fatos foram documentados no Inquérito Policial n.

111/2011 e, nos termos da cópia de manifestação anexa, este órgão

ministerial requereu o declínio de competência para o processamento

desses crimes ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, o que foi deferido

pela d. Desembargadora Federal relatora do caso.

Paralelamente, este órgão ministerial também pleiteou o envio de cópia

integral do apuratório acima referido ao Conselho Nacional do Ministério

Público, para apuração de conduta de Promotor Público daquela localidade,

acusado de, no mínimo, “acobertar” as ações ilícitas do investigado

Liberalino, o que também foi deferido e e efetivado pela c. Corte Regional.

Embora os fatos acima mencionados sejam de competência da Justiça

Comum, descobertos fortuitamente na investigação dos crimes de desvio

sistemático de verbas públicas federais, falsificação de documentos,

lavagem de dinheiro, dentre outros, não se pode ouvidar, nos termos da

manifestação ministerial que requereu o declínio da competência, que são

extremamente graves e evidenciam que os investigados, notadamente

Liberalino, utilizam do seu poder político e econômico para intimidar as

pessoas, abusar da confi ança dos munícipes e de seus empregados e se

aproveitar de jovens indefesas, que vivem entregues à própria sorte, numa

região distante e carente.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 945

Ultimada a primeira etapa da investigação criminal, o parquet federal,

conforme cópia anexa, apresentou denúncia contra Liberalino Alves de Almeida

e outras comparsas, pela prática dos crimes capitulados nos artigos 288 e 299

do Código Penal, 1o., inciso I do DL n. 201/1967; 89, 90 e 96 da Lei n. 8.666/1993,

na forma dos artigos 29 e 69 do CP e as investigações ainda prosseguiram em

relação a uma série de outros crimes que não foram abrangidos na referida

peça acusatória.

Liberalino e os demais réus apresentaram sucessivas petições para

concessão da liberdade provisória, pleitos esses que foram denegados no

âmbito do TRF da 1a Região, o que ensejou a interposição de Habeas Corpus

no STJ, distribuído ao i. Ministro Sebastião Reis Júnior.

O d. Ministro Relator do HC concedeu a ordem de liberdade provisória aos

presos da chamada “Operação Pandilha” mas, diante da gravidade dos fatos

que constam dos autos, sobretudo o domínio exercido por esse político na vida

das pessoas daquela região, apto a intimidar e perseguir seus desafetos sem

qualquer pudor, afastou o Prefeito do exercício do cargo público e foi além,

determinou restrições à sua liberdade, de forma a evitar que pudesse exercer

qualquer infl uência na gestão da prefeitura ou nas testemunhas do caso, ou

mesmo na destruição de provas.

[...]

O parecer ministerial da lavra de Vossa Excelência, proferido após a decisão

acima, de forma fundamentada ressalta a gravidade do caso, o que ensejou

um pronunciamento pela manutenção da prisão dos ora denunciados.

De fato, ocorreu o que se temia e foi devidamente ressaltado no parecer

ministerial acima citado. A concessão de liberdade provisória a Liberalino Alves

de Almeida e seus comparsas foi, aos poucos, minando a tranquilidade e a

segurança das pessoas da comunidade, até o ponto de ocorrer o espancamento

de uma das menores vítimas do crime de exploração sexual de menores e que

testemunhou nos autos do Inquérito n. 111/2011, relatando detalhes desse

perverso crime.

Nesse contexto, há dois dias, chegou ao conhecimento desta subscritora

cópia do depoimento prestado pela Sra. Marinalva Alves da Silva, Conselheira

Tutelar de Vitória do Xingu, a qual relatou uma série de gravíssimos fatos que

demonstram que Liberalino Alves de Almeida não tem cumprido a ordem

restritiva de conduta imposta pelo d. Ministro Sebastião Reis e, o que é pior, as

testemunhas estão sendo intimidadas por graves violências físicas.

A leitura do depoimento prestado pela Sra. Marinalva evidencia a

situação de insegurança, fragilidade e impotência vivenciada pelos membros

da comunidade que se dispuserem a colaborar com a Justiça e denunciar

os desmandos praticados pelo prefeito Liberalino e outros integrantes da

quadrilha.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

946

Os trechos abaixo transcritos demonstram que a prisão preventiva é o

único meio de se garantir a segurança das vítimas, das testemunhas e

de se preservar o contexto probatório produzido na fase pré processual:

(...) Que é, há cinco anos, Conselheira Tutelar em Vitória do Xingu,

Que no processo referente à apuração sobre pedofilia em Vitória do

Xingu, acompanhou a oitiva das adolescentes envolvidas; Que no seu

ver, tudo foi feito de forma legal, com participação do MPE, Conselheiros

Tutelares, Polícia Federal, etc; Que depois das ações todas, com a prisão

dos acusados por improbidade administrativa, sendo que alguns

deles também envolvidos no esquema de pedofilia começaram as

intimidações às testemunhas, especialmente às adolescentes; Que lhe

chamou a atenção o caso de uma das adolescentes que foi ouvida e,

dias depois, foi covardemente espancada, ocasionando graves lesões,

incluindo fratura no maxilar, estando até hoje internada no Hospital

Regional; Que quando soube do caso acontecido com a adolescente, foi

imediatamente ao hospital para ver de quem se tratava; Que chegando

no hospital, reconhece ua adolescente I.M.V da S, apesar do rosto estar

inchado; Que na saída do hospital encontrou algumas das meninas que

também haviam sido ouvidas, as quais lhe falaram que o comentário

na cidade era o de que elas seriam as próximas vítimas; Que com isso

aumentou sua preocupação. Destaquei.

Na sequência do seu depoimento, a Conselheira Tutelar relata uma

verdadeira “via cruxis” tanto para conseguir um atendimento médico

adequado para a adolescente espancada, que foi indevidamente liberada pelo

médico de Vitória do Xingu, tendo ocorrido a intervenção do Ministério Público

Estadual para a sua internação em município próximo, diante da gravidade

do caso, como para registrar a ocorrência perante a Polícia local que tratou o

caso com verdadeira indiferença e apenas registrou a ocorrência após muita

insistência da família da vítima e da Conselheira.

Prosseguindo em sua declarações, a Sra. Marinalva destacou as seguintes

ocorrências:

“Que uma coisa que lhe chama a atenção é que logo depois do

ocorrido com a adolescente, quando chegou na casa da adolescente

estavam várias pessoas ligadas ao Liberalino, por exemplo o Roney, que

estava logo na entrada da casa, e dentro da casa estava a Amazonina,

falando com a adolescente que ‘era bom esclarecer esse negócio. Para

descobrir quem tinha feito isso, que havia pessoas inocentes no meio

disso, indicando que possivelmente seria algum empregado da Isolux

(empresa recente na cidade) por serem de fora do município, agressivos,

etc’; Que, depois de tudo isso, umas das mães das adolescentes lhe

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 947

procurou no Conselho Tutelar, porque estavam falando que sua fi lha iria

ser a próxima vítima; Que acompanhou a mãe até a delegacia ....” (na

seqüência, a declarante relata a postura da investigadora Alessandra

que sempre se recusou a registrar essa nova possível ameaça e ainda

tentou intimidar a própria Conselheira). Destaquei

Em relação aos fatos ocorridos no município após a concessão da liberdade

provisória aos denunciados, a declarante ainda esclareceu que:

Que depois da situação da agressão na adolescente, as pessoas

denunciadas começaram a entrar em contato com as outras

adolescentes, para que voltassem atrás nos depoimentos; Que o

Delegado começou a ouvir as adolescentes mesmo sem a presença do

Conselho Tutelar (...) Que depois o Conselho de Direito todos “cartas

marcadas” pelo prefeito Liberalino solicitou do Conselho Tutelar tudo

que envolvia o processo de pedofi lia e envolvendo o nome de Liberalino;

Que as outras Conselheiras já haviam feito a resposta faltando somente

a assinatura da declarante; Que no ofício resposta estava claramente

uma defesa pronta para Liberalino, não deveria responder para eles,

uma vez que nunca se interessaram por nenhum caso de pedofi lia na

região e não serem de confi ança, além de não expressar qual a fi nalidade

do documento (...). Destaquei

Na seqüência, a Conselheira relata a triste realidade daqueles que se

dispõem a lutar contra o crime organizado, que fi cam à mercê da própria sorte

pois o Estado não é capaz de garantir a efetiva proteção e segurança dessas

pessoas, como ocorreu no caso ora narrado:

‘Que em relação à Conselheira Mariza, uma das principais

denunciantes e testemunha no processo, hoje ela se encontra no

Programa de Proteção À Testemunha - Provita, em virtude de denúncias

sobre pedofilia, mas, mesmo assim continua sendo procurada por

pessoas ligadas a Liberalino e ao Leray; Que duas pessoas, ligadas ao

Líber e Leray, estiveram em Santarém e em Macapá na casa de duas

cunhadas da Mariza, fazendo procuração dela, que precisavam muito

falar com ela, que era para que ela se apresentasse porque eles vão

encontrar; Uma dessas pessoas, sendo cunhado do Pedro Paulo,

ligado ao Liberalino e Leray; Que sua preocupação é muito grande em

relação a sua situação e de seus familiares, no que diz respeito à sua

integridade física, pois enquanto a Mariza, estando sob a proteção do

Provita, mesmo assim ainda é vigiada, o que dizer da declarante e de

seus familiares, que não contam atualmente com nenhuma proteção”.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

948

O trecho abaixo transcrito retrata o que, de fato aconteceu após a liberdade

provisória de Liberalino e seus comparsas, ou seja, as testemunhas e pessoas

que representavam uma mínima garantia de proteção às mesmas, como o

pároco da cidade e as Conselheiras Tutelares, passaram a ser intimidados:

“Que depois que os denunciados foram soltos, todas as testemunhas

e denunciantes começaram a sofrer intimidações; Que são soltados

fogos diariamente em Vitória do Xingu, com oque a comemorar a saída

da prisão dos denunciados; Que soltaram pistolas a noite toda em frente

a sua casa e seu marido, que é hipertenso, passou mal; Que há um bar

na frente de sua casa e que virou ponto de encontro de partidários de

Liberalino; que sente muita insegurança; Que não tem mais forças

para lutar; Que ao que sabe, pelo acordo judicial, eles não poderiam

aproximar-se das testemunhas nem entrar em contato comentário

órgãos públicos, porém isso não vem ocorrendo, sendo flagrante a

intimidação”. Destaquei

A situação acima demonstra que a única medida apta a trazer a segurança

e a tranqüilidade necessárias à comunidade e, principalmente, aos que são

testemunhas e colaboradores na investigação dos graves crimes praticados é o

acautelamento prisional do prefeito afastado Liberalino Ribeiro de Almeida

Neto, ao se considerar o enorme poder que o mesmo detém na comunidade,

não apenas em relação aos moradores do município, pessoas humildes e

batalhadoras, mas também em relação a policiais e membro Ministério Público

local, ora investigado pelas autoridades competentes.

O denunciado Liberalino fez tabula rasa da decisão que lhe concedeu a

liberdade provisória e, diretamente ou por interpostas pessoas, vêm praticando

atos atentatórios à regular tramitação das investigações, principalmente para

intimidar as testemunhas e fazê-la voltar atrás nos seus depoimentos.

[...]

Não podemos nos esquecer que a prisão preventiva tem como uma de

suas razões de ser a proteção da sociedade, impedindo o acusado de continuar

a cometer novos delitos e de difi cultar a apuração daqueles dos quais é acusado.

Os fatos comunicados a este Juízo pelo Ministério Público, acima

transcritos, deixam claro que o paciente, a despeito das medidas restritivas

deferidas por este Juízo, continua exercendo ainda grande infl uência política e

administrativa na cidade.

Entendo assim, numa análise mais aprofundada e diante dos fatos presentes

nos autos, que as medidas cautelares do art. 319, III e VI, do Código de

Processo Penal são insufi cientes para resguardar a instrução criminal e garantir a

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 949

ordem pública, havendo fundamento idôneo e sufi ciente para justifi car a prisão

preventiva do paciente, mormente diante da necessidade também de se evitar

que o acusado cometa novos delitos.

Transcreve-se, por fim, excerto do parecer ministerial, da lavra do

Subprocurador-Geral da República Hugo Gueiros Filho (fl . 812):

[...]

7. A decisão impugnada (fl s. 19-79 e-STJ) que manteve a segregação preventiva

do paciente é irretocável, uma vez que está sufi cientemente fundamentada, em

face das circunstâncias do caso concreto.

8. A prisão do paciente faz-se necessária, inicialmente, para garantir a ordem

pública, em razão da gravidade concreta das condutas praticadas (estelionato

qualifi cado, quadrilha, falsidade ideológica, peculato, apropriação de bens ou

rendas públicas, desvio ou aplicação indevida de rendas ou verbas públicas

e crimes contra o processo licitatório - fl . 427 e-STJ), além da periculosidade,

demonstrada pelas circunstâncias e audácia empregadas na execução dos crimes,

assim como nos atos posteriores.

9. A custódia preventiva, baseada na preservação da ordem pública (art. 312,

do CPP), é medida útil e necessária ao caso concreto, vez que, além de evitar a

reiteração delituosa, concorre para conter outros delitos a que está propenso o

paciente, em face de sua manifesta periculosidade.

10. Ademais, há notícia nos autos de que o paciente, juntamente com outras

pessoas, ameaçou testemunhas.

[...]

Por derradeiro, cassada a liminar, não mais subsiste a decisão que estendeu

seus efeitos aos demais investigados.

Ante o exposto, conheço parcialmente do habeas corpus e, nessa parte, denego

a ordem, tornando sem efeito a liminar e a decisão que estendeu seus efeitos aos

demais investigados.

HABEAS CORPUS N. 241.302-SP (2012/0090363-5)

Relatora: Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora

convocada do TJ-PE)

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

950

Impetrante: Benedito Gaspar Gusmão Filho

Advogado: Marco Antonio José Sadeck e outro(s)

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Paciente: Benedito Gaspar Gusmão Filho

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de revisão criminal. Não cabimento.

Inexistência de manifesto constrangimento ilegal evidenciado.

Facilitação de contrabando ou descaminho. Art. 318 do CP. Alteração

na dosimetria da pena. Eventual prescrição. Não ocorrência.

1. Na esteira dos recentes precedentes do Supremo Tribunal

Federal e desta Corte Superior de Justiça, é incabível o habeas corpus

substitutivo de revisão criminal. As hipóteses de cabimento do writ

são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja

utilizado em substituição ao recurso cabível. Precedentes.

2. A inadequação da via eleita, contudo, não desobriga este

Tribunal Superior de, ex offi cio, fazer cessar manifesta ilegalidade que

importe no cerceamento do direito de ir e vir do paciente.

3. Na espécie, inexiste ilegalidade manifesta a ser sanada

mediante a concessão de habeas corpus de ofício. A decisão

condenatória que fi xou a pena defi nitiva em 4 anos e 4 meses de

reclusão pela prática do crime de facilitação de contrabando e

descaminho restou devidamente fundamentada, fazendo constar que

o ora paciente, agente da polícia federal, utilizou-se de automóvel

particular com placa fria e armas de origem ilegal para facilitar

a introdução no território nacional de enorme quantidade de

mercadorias estrangeiras, que incluíam duzentas e vinte e quatro

garrafas de champanhe; duas mil, cento e setenta e oito caixas de

uisque de marcas variadas; seiscentas e quarenta garrafas de vodka

de várias marcas e doze garrafas de conhaque. No total são três mil

e cinquenta e quatro garrafas de bebida. Tal carga foi avaliada em

montante equivalente a R$ 282.200,00.

4. Habeas corpus não conhecido.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 951

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do

habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. A Sra. Ministra

Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião

Reis Júnior e Assusete Magalhães votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-

PE), Relatora

DJe 1º.3.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada

do TJ-PE): Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, substitutivo de

revisão criminal, impetrado em benefício de Benedito Gaspar Gusmão Filho,

apontando como autoridade coatora o eg. Tribunal Regional Federal da 3ª

Região que, ao negar provimento ao apelo defensivo do paciente (Apelação n.

08284046319874036111), apenas alterou, ex offi cio, o valor do dia-multa para o

mínimo legal e manteve hígida sentença de primeiro grau que, condenando-o

a pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime

previsto no art. 318 do Código Penal, fi xou o regime inicial semiaberto para o

cumprimento da reprimenda.

Consta dos autos que o ora paciente e o corréu Mário Jorge Fernandes

Pires, então agentes da polícia federal, foram denunciados, regularmente

processados e condenados pela prática, em maio de 1987, do crime de facilitação

de contrabando ou descaminho previsto no artigo 318 do Código Penal.

O Juízo de piso julgou procedente o pedido acusatório para condenar o

ora paciente, como antecipado, à pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de

reclusão, em regime semiaberto, pela prática do crime tipifi cado no artigo 318

do Código Penal.

Inconformada com o teor da r. sentença proferida, a defesa manejou

recurso de apelação, alegando a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

952

com base na pena mínima prevista para o tipo penal, anteriormente à alteração

do artigo 318 pela Lei n. 8.137/1990, bem como a alteração da dosimetria

penal. Para tanto, afi rmou que os elementos utilizados para o aumento da pena

base constituem elementos objetivos do tipo, não podendo ser considerados,

sob pena de bis in idem. Aduziu que os acusados, enquanto policiais federais,

têm permissão para o uso de armas especiais e pleiteou a inaplicabilidade das

modifi cações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990.

A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por

unanimidade, negou provimento ao apelo, nos termos da seguinte ementa

(e-STJ fl s. 23-35):

Penal. Apelação criminal. Facilitação de contrabando. Art. 318 CP.

Inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990. Pedido não

conhecido. Falta de interesse recursal. Alegação de prescrição pela pena mínima.

Descabimento. Materialidade e autoria comprovadas. Pena base mantida.

Alteração do valor do dia multa. Mínimo legal.

1. Apelação criminal contra sentença que condenou os corréus à pena de 4

(quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e 120

(cento e vinte dias multa) no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo, em razão

da prática do crime tipifi cado no artigo 318 do Código Penal.

2. O fato data de 16.5.1987, quando vigorava a redação original do artigo 318

do Código Penal, antes da alteração dada pela Lei n. 8.137/1990, o qual previa

uma pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. A sentença, por ocasião da fi xação

da pena, afastou de forma expressa as alterações trazidas com o advento da Lei n.

8.137/1990, observando a vigência dos dispositivos antigos, de modo que falta

interesse recursal nesse ponto. Pedido não conhecido.

3. Inocorrência da prescrição. Quando proferida sentença, o prazo prescricional

é contado de acordo com a pena cominada no decisum, nos termos do artigo 110

do Código Penal. A pena concretizada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro)

meses de reclusão, pelo que o prazo a ser observado é o constante do artigo 109,

inciso III, do Código Penal, isto é 12 (doze) anos.

4. Portanto, não se verifica a prescrição, dado que entre a data do fato

(16.5.1987) e o recebimento da denúncia (19.8.1993), entre esta e a publicação

da sentença (15.5.2002), e entre a publicação da sentença e o julgamento deste

recurso não transcorreram mais de 12 (doze) anos.

5. Materialidade e autoria delitivas que se extraem dos documentos constantes

dos autos e depoimentos testemunhais.

6. Pena base mantida. Os policiais federais utilizaram-se de placas “frias” e de

armas de origem ilegal na operação, além disso as consequências do crime são

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 953

consideráveis, uma vez que a facilitação do contrabando se deu em relação a mais de

três mil garrafas de bebida, sendo certo que o valor da carga à época equivalia a um

mil e quatrocentos e onze salários mínimos.

7. Alteração do valor do dia-multa, tendo em vista que dos autos não consta

qualquer informação referente à situação fi nanceira do apelante, restando fi xado

no mínimo legal, isto é, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época

dos fatos.

8. Pedido de inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990

não conhecido. Preliminar de prescrição rejeitada. Apelação desprovida.

Alteração, ex offi cio, do valor do dia-multa.

Neste writ, pugna o impetrante pela diminuição da pena, exasperada em 2

anos e 4 meses acima do mínimo legal com base em circunstância elementar do

próprio tipo penal, bem como pelo reconhecimento da prescrição.

O Relator originário do feito, e. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador

convocado do TJ-RS), indeferiu o pedido liminar formulado na impetração

(e-STJ fl s. 43-44) e solicitou informações à autoridade competente.

Prestadas as informações (e-STJ fl s. 48-61, 63-227, 229-242 e 259-261),

foram-nos enviadas cópias da denúncia, da sentença, do recurso apelatório da

defesa e do respectivo acórdão de julgamento, dos embargos de declaração,

do recurso especial, do recurso extraordinário, bem como das decisão não

os admitindo. Ademais, foi informado que ocorreu o trânsito em julgado

da condenação para o ora paciente em 23.4.2012, motivo pelo qual foram

expedidos mandados de prisão em desfavor do ora paciente e do corréu.

Em contato telefônico com o Diretor de Secretaria da 1ª Vara Federal de

Marília-SP, Sr. Nelson, realizado em 8.1.2013, foi obtida a informação de que

o feito encontra-se sobrestado no aguardo do cumprimento dos mandados de

prisão expedidos.

Foram os autos ao Ministério Público Federal, que emitiu parecer, da

lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Oswaldo José Barbosa Silva,

opinando pelo não conhecimento do pedido, afi rmando que a sentença fi xou a

pena-base do paciente acima do mínimo legal, considerando as circunstâncias

de fato que envolveram a prática criminosa e que se afastam dos elementos do

tipo penal (e-STJ fl s. 272-276).

É o relatório.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

954

VOTO

A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada

do TJ-PE) (Relatora): As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não

se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao

recurso cabível, no caso, a revisão criminal. Nessa esteira, oportuna a colação, à

guisa de exemplo, do recentíssimo precedente:

Habeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecentes. Dosimetria da pena. Via

inadequada. Writ substitutivo de recurso especial. Ausência de ilegalidade

manifesta. Pena-base acima do mínimo legal. Constrangimento ilegal. Não

ocorrência. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Quantidade e natureza da

droga. Quantum devidamente fundamentado. Ordem denegada.

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de se

prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do writ são restritas,

não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição a

recursos ordinários (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco

como sucedâneo de revisão criminal.

2. Não é possível a impetração de habeas corpus substitutivo de recurso

especial. Para o enfrentamento de teses jurídicas na via restrita, imprescindível

que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação seja

evidente e independa de qualquer análise probatória.

3. O writ não foi criado para a finalidade aqui empregada, de rediscutir a

dosimetria da pena. Há que se utilizar o recurso cabível ou, após o trânsito em

julgado, a revisão criminal, se for o caso. A prevalecer tal postura, o recurso

especial tornar-se-á totalmente inócuo. Certamente não foi essa a intenção do

legislador constituinte ao prever o habeas corpus no art. 5º, LXVIII, da Constituição

Federal, e, em seu art. 105, III, definir as hipóteses de cabimento do recurso

especial ao Superior Tribunal de Justiça.

4. In casu, não se vislumbra ilegalidade manifesta a ser reconhecida, porquanto

o Colegiado estadual adotou fundamentos concretos para justifi car a exasperação

da pena-base acima do mínimo legal, não parecendo arbitrário o quantum

imposto, tendo em vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis,

bem como levando-se em consideração a quantidade e a natureza da droga

apreendida.

5. Ante a superveniência do trânsito em julgado da condenação, a ação

apropriada à espécie seria a revisão criminal, uma vez que que a via estreita

do writ não permite a desconstituição de sentença condenatória já coberta

pelo manto da coisa julgada, sobretudo quando a análise do tema demanda o

revolvimento de matéria fática.

6. Ordem denegada.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 955

(HC n. 164.793-DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,

julgado em 2.8.2012, DJe 15.8.2012).

Sob esta mesma ótica, merece destaque, ainda, a recente orientação do

Pretório Excelso sobre a questão. Com efeito, a Primeira Turma do Supremo

Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC n. 107.436-MG, de

relatoria do e. Ministro Marco Aurélio, consolidando entendimento que já

vinha sendo construído no âmbito daquele Colegiado (HC n. 108.715, Rel.

Min. Marco Aurélio e HC n. 110.423, HC n. 107.882 e HC n. 108.399, estes

da relatoria do Ministro Luiz Fux), concluiu pela inadequação do habeas corpus

quando sugerido pela hipótese, inclusive, o manejo da revisão criminal.

Assim, à luz da novel orientação jurisprudencial, proveniente, agora, tanto

desta Corte Superior, quanto do Supremo Tribunal Federal, que reconhece ser

inadequada a utilização do remédio heróico em substituição à revisão criminal,

não merece conhecimento a presente impetração.

Ressalte-se, porém, que a inadequação da via eleita não desobriga esta

Corte Superior de fazer cessar, ex offi cio, manifesta ilegalidade que importe no

cerceamento do direito de ir e vir do paciente.

Na espécie sustenta o Impetrante a tese de que houve excessiva exasperação

da pena com base nos próprios elementos do tipo penal, tendo em vista ter sido

condenado à pena de 4 anos e 4 meses pela prática do crime tipifi cado no artigo

318 do CP ao tempo em que vigia a pena em abstrato de 2 a 5 anos de reclusão.

Pugna assim pela alteração na dosimetria da pena, bem como pelo consequente

reconhecimento da prescrição.

Vejam o teor da sentença condenatória no trecho em que interessa (e-STJ

fl s. 12-22):

Dito isto, resta apenas fixar o quantum da reprimenda a ser imposta aos

réus, fazendo a ressalva que, diante da data do fato, consideraremos as penas

cominadas ao art. 318 do CP, antes das modifi cações introduzidas pela Lei n.

8.137/1990. Neste aspecto, cumpre destacar desde logo a especial gravidade da

conduta objetivamente perpetrada por eles. Agindo em violação de seus deveres

funcionais, lograram facilitar a introdução, no território nacional, de uma enorme

quantidade de mercadorias estrangeiras, que incluíam duzentas e vinte e quatro

garrafas de champanhe; duas mil, cento e setenta e oito caixas de uisque de marcas

variadas; seiscentas e quarenta garrafas de vodka de várias marcas e doze garrafas

de conhaque. No total são três mil e cinquenta e quatro garrafas de bebida!!!

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

956

Esta carga foi avaliada em dois milhões, setecentos e oitenta e um mil unidades

da moeda então vigente (06/87), o que equivalia a um mil e quatrocentos e onze

salários mínimos da época (salário mínimo de junho/87: Cz$ 1.969,92). Trazendo

estes valores para unidades da moeda hoje vigente, temos um total de R$ 282.200,00.

Não é portanto um contrabando de bagatela, e podemos asseverar com segurança

terem os réus perpetrado uma conduta objetivamente muito grave. Some-se a

isto outros elementos objetivos que demonstram o especial dolo com que agiram,

demonstrando uma personalidade voltada à prática de crimes, notadamente a

preparação do auto particular com placas “frias” e uso de armas de origem ilegal na

operação (pistolas 9mm e 7,65mm, revólver 38, escopeta calibre 12). Por tudo isso,

nos sentimos autorizados a fi xar sua pena-base bem acima do mínimo legal: quatro

anos e quatro meses de reclusão, além do pagamento de cento e vinte dias multa,

cada qual no valor de um décimo de salário mínimo.

Estando ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas

de diminuição ou aumento da pena, torno defi nitivo o quantum mencionado.

Os condenados poderão apelar em liberdade e iniciarão o cumprimento de

sua pena no regime semi-aberto.

Vejamos o consignado pelo Tribunal de origem (e-STJ fl s. 23-35):

Os apelantes Benedito Gaspar Gusmão Filho e Mário Jorge Fernandes Pires

foram denunciados como incursos nas penas do artigo 318, c.c. artigo 29, e 288,

parágrafo único, c.c. artigo 69 do Código Penal. O recorrente Benedito Gaspar

Gusmão Filho foi denunciado também pela prática do crime disposto no artigo

334 do Código Penal.

Entretanto, o juiz a quo os condenou apenas como incursos no artigo 318 do

Código Penal.

No recurso de apelo, os corréus suscitaram a ocorrência da prescrição pela

pena mínima e insurgiram-se contra a fixação da pena, pleiteando, ainda, a

inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990.

1. Do pedido de inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n.

8.137/1990.

O fato data de 16.5.1987, quando vigorava a redação original do artigo 318 do

Código Penal, antes da alteração dada pela Lei n. 8.137/1990, o qual previa uma

pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

Este pedido, contudo, não é de ser conhecido por falta de interesse recursal,

já que a sentença, por ocasião da fi xação da pena, afastou de forma expressa as

alterações trazidas com o advento da Lei n. 8.137/1990, observando a vigência

dos dispositivos antigos.

2. Da alegação de prescrição pela pena mínima.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 957

Da análise dos autos, tenho que não ocorreu o decurso do prazo da prescrição da

pretensão punitiva estatal.

Isto porque, quando proferida sentença, o prazo prescricional é contado de acordo

com a pena cominada no decisum, nos termos do artigo 110 do Código Penal.

Sendo assim, a pena concretizada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro)

meses de reclusão, pelo que o prazo a ser observado é o constante do artigo 109,

inciso III, do Código Penal, isto é 12 (doze) anos.

Portanto, não se verifi ca a prescrição, dado que entre a data do fato (16.5.1987) e

o recebimento da denúncia (19.8.1993 - fl . 382), entre esta e a publicação da sentença

(15.5.2002 - fl . 860), e entre a publicação da sentença e o julgamento deste recurso

não transcorreram mais de 12 (doze) anos.

Dessa forma, não é de ser reconhecida a ocorrência da prescrição da pretensão

punitiva estatal.

3. Da materialidade delitiva e da autoria.

Da análise dos autos, tenho que estão suficientemente demonstradas a

materialidade do crime do artigo 318 do Código Penal, bem como a sua autoria.

O objeto material do delito de facilitação de contrabando e descaminho

é extraído pelo exame pericial efetuado pela Polícia Civil do qual constam,

inclusive, fotos do caminhão-tanque que servia de transporte para os produtos

contrabandeados, os quais foram encontrados camufl ados no tanque falso do

veículo (fl s. 88-98). Esse laudo foi posteriormente ratifi cado pelo laudo da Polícia

Federal acostado às fl s. 243-254.

A autoria, por outro lado, se verifica sobretudo pelos depoimentos

testemunhais. À fl . 446-447, consta depoimento de Jayme Petra de Mello Filho,

Delegado Federal aposentado, à época chefe imediato dos acusados, no sentido

de que os corréus não possuíam qualquer ordem de missão a ser cumprida na região

em que foram encontrados:

Que, à época dos fatos, era chefe da Seção de Operações da Delegacia

de Ordem Política e Social da Polícia Federal; que, à época dos fatos, os

acusados eram agentes federais lotados na mencionada delegacia e Seção,

subordinados diretamente ao depoente; que, geralmente, os agentes

federais recebem ordens de missão, para executar diligências; que, às

vezes, os agentes passam de manhã na Delegacia, pegam as ordens de

missão e saem para cumpri-las, voltando ou não ao serviço; que não foi

emitida qualquer ordem de missão para os acusados, para o cumprimento

de diligências, durante o fi m de semana e nenhuma nos últimos tempos a

ser cumprida na região de Bauru ou qualquer região da grande São Paulo;

que os acusados não lhe pediram para se ausentar da sede de trabalho,

bem como não deu qualquer determinação verbal, para que os acusados

efetivassem diligências.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

958

Ainda, os depoimentos de fls. 547-552 confirmam que os corréus

demonstravam cumplicidade com os responsáveis pelo contrabando, quando

foram vistos conversando no posto, ocasião em que o gerente do posto Bela

Vista, na região de Ourinhos-SP, acionou os policiais militares, que começaram a

observar a movimentação dos suspeitos:

que eram por volta das 22:30 horas e o depoente combinou com o Sargento

Medeiros encontro no Posto Rodoviário, próximo ao Posto Bela Vista; que então

o Sarente Medeiros comunicou ao depoente que suspeitava de pessoas que se

encontravam no Auto Posto Bela Vista; que o Sargento Medeiros a pedido do

Gerente daquele Auto Posto compareceu no local e encontrou uma pessoa que

se apresentou como Agente Federal, que estava armada e alegava estar com o

veículo monza danifi cado. (Claudecir Zanetti - fl s. 547-548).

realizava patrulhamento de rotina pela cidade, em companhia de seus

colegas de farda Sargento Medeiros e soldados Lucio e Adão, quando

receberam comunicação de pessoas em atitudes suspeitas no auto posto

Bela Vista; que a viatura foi dirigida até aquele posto, ocasião em que os réus,

pessoas que o depoente reconhece nesta sala de audiências foram abordados.

(Sidney Fernandes - fl . 549).

que o depoente na época do fato denunciado trabalhava como Gerente

do Auto Posto Cometa localizado em Salto Grade localizado nesta comarca;

que em dia que o depoente não se recorda, mas que lhe pareceu ser num

sábado surgiram três pessoas num automóvel que o depoente não se recorda;

que essas pessoas pediram o telefone do Posto do depoente; que o depoente

cedeu o telefone e então observou que eles mantinham conversa estranha,

pois verbalizavam palavras sem nexo, (...) como que se estivessem falando em

código; que o depoente fi cou desconfi ado e comunicou o ocorrido a polícia;

que a polícia ocorreu ao local e abordou aquelas pessoas que se identifi caram

como agentes federais. (Helton Ângelo Bomtempo - fl . 551).

Além disso, a atitude dos corréus de utilizarem um carro com a placa original

camuflada por uma placa falsa (fl. 258) corrobora o fato de terem facilitado o

contrabando dos produtos estrangeiros.

Demais, a sentença refere que os corréus já atuavam na região:

Em seus interrogatórios perante o juízo, eles negaram com energia sua

estadia na mesma região do interior do Estado poucos dias antes de sua prisão,

em circunstâncias que, no tudo e por tudo, eram absolutamente análogas

àquelas no dia dos fatos descritos na exordial. Mas as testemunhas Milton

Moisés da Cunha (fls. 550) e João Rissi (fls. 167 verso) confirmaram com

certeza uma abordagem do acusado Benedito Gaspar no auto posto

Cometa, coisa que se deu um ou dois dias antes de sua prisão. (fl . 856).

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 959

Portanto, os apelantes, como Policiais Federais, tinham o dever de coibir

a prática do contrabando e descaminho, entretanto, ao contrário, no caso

em apreço, os funcionários permitiram a sua ocorrência, razão pela qual são

considerados sujeitos ativos do crime.

4. Da fi xação da pena.

A pena base fi xada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de

reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor de 1/10 (um décimo) do salário

mínimo, sob o seguinte fundamento:

Dito isto, resta apenas fi xar o quantum da reprimenda a ser imposta aos

réus, fazendo a ressalva que, diante da data do fato, consideraremos as penas

cominadas ao art. 318 do CP, antes das modifi cações introduzidas pela Lei n.

8.137/1990. Neste aspecto, cumpre destacar desde logo a especial gravidade

da conduta objetivamente perpetrada por eles. Agindo em violação de seus

deveres funcionais, lograram facilitar a introdução, no território nacional, de

uma enorme quantidade de mercadorias estrangeiras, que incluíam duzentas

e vinte e quatro garrafas de champanhe; duas mil, cento e setenta e oito caixas

de uísque de marcas variadas; seiscentas e quarenta garrafas de vodka de

várias marcas e doze garrafas de conhaque. No total são três mil e cinqüenta e

quatro garrafas de bebida!!!

Esta carga foi avaliada em dois milhões, setecentos e oitenta e um

mil unidades de moeda então vigente (06/87), o que equivalia a um mil e

quatrocentos e onze salários mínimos da época (salário mínimo de junho/1987:

Cz$ 1.969,92). Trazendo estes valores para unidades da moeda hoje vigente,

temos um total de R$ 282.200,00. Não é portanto um contrabando de

bagatela, e podemos asseverar com segurança terem os réus perpetrado

uma conduta objetivamente muito grave. Some-se a isto outros elementos

objetivos que demonstram o especial dolo com que agiram, demonstrando

uma personalidade voltada à prática de crimes, notadamente a preparação

do auto particular com placas “frias” e o uso de armas de origem ilegal na

operação (pistolas 9mm. E 7,65mm., revólver 38, escopeta calibre 12). Por tudo

isso, nos sentimos autorizados a fi xar sua pena-base bem acima do mínimo

legal: quatro anos e quatro meses de reclusão, além do pagamento de cento e

vinte dias multa, cada qual no valor de um décimo do salário mínimo.

Os apelantes pedem a diminuição da pena base ao argumento de que os

elementos considerados para sua majoração integram o próprio tipo penal, não

podendo ser levados em consideração, sob pena de bis in idem.

De fato, a violação de dever funcional por parte dos corréus constitui elemento

do próprio tipo penal, o que, portanto, não pode ser levado em conta para a

majoração da pena base. Entretanto, entendo que esta deve permanecer fi xada

tal como na sentença diante das circunstâncias em que o crime foi cometido e

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

960

das consequências que decorreram da sua prática, conforme fundamentado no

decisum.

Os policiais federais utilizaram-se de placas “frias” e de armas de origem ilegal na

operação, além disso as consequências do crime são consideráveis, uma vez que a

facilitação do contrabando se deu em relação a mais de três mil garrafas de bebida,

sendo certo que o valor da carga à época equivalia a um mil e quatrocentos e onze

salários mínimos.

Assim, levando em conta a redação do artigo 318 do Código Penal, antes da

sua alteração pela Lei n. 8.137/1990, mantenho a pena base fi xada em 4 (quatro)

anos e 4 (quatro) meses de reclusão e o pagamento de 120 (cento ) dias-multa.

Sem agravantes ou atenuante, nem causas de aumento ou diminuição da

pena, torno defi nitiva a pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e o

pagamento de 120 (cento ) dias-multa.

Contudo, deve ser alterado o valor do dia-multa, tendo em vista que dos autos

não consta qualquer informação referente à situação financeira do apelante.

Portanto, fi xo o valor do dia-multa no mínimo legal, isto é, 1/30 (um trigésimo) do

salário mínimo vigente à época dos fatos.

Ante o exposto:

1) não conheço do pedido de inaplicabilidade das alterações introduzidas pela

Lei n. 8.137/1990;

2) rejeito a preliminar de prescrição da pretensão punitiva pela pena mínima;

3) nego provimento à apelação.

4) altero, de ofício, o valor do dia-multa, fi xando-o em 1/30 (um trigésimo) do

salário mínimo vigente à época dos fatos.

É o voto”.

A teor do que dispõe o art. 59 do Código Penal Brasileiro, o juiz,

atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade

do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como

ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e sufi ciente

para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre as cominadas.

Tal decisão deve estar fundamentada em elementos concretos dos autos,

próprios da conduta delitiva do criminoso na situação examinada. Na espécie,

verifica-se que o julgador monocrático proferiu decisão fundamentada ao

exasperar a pena-base, valendo-se de elementos idôneos, quais sejam, o fato de o

paciente, agente da polícia federal, juntamente com seu comparsa, ter utilizado

automóvel particular com placa fria e armas de origem ilegal para facilitar

a introdução no território nacional de enorme quantidade de mercadorias

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 961

estrangeiras, que incluíam duzentas e vinte e quatro garrafas de champanhe;

duas mil, cento e setenta e oito caixas de uisque de marcas variadas; seiscentas

e quarenta garrafas de vodka de várias marcas e doze garrafas de conhaque. No

total são três mil e cinquenta e quatro garrafas de bebida. Tal carga foi avaliada

em montante equivalente a R$ 282.200,00.

No mesmo sentido, o Tribunal a quo manteve a pena fi xada em primeira

instância em 4 anos e 4 meses de prisão em regime semi-aberto pelo fato de

“Os policiais federais utilizaram-se de placas ‘frias’ e de armas de origem ilegal na

operação, além disso as consequências do crime são consideráveis, uma vez que a

facilitação do contrabando se deu em relação a mais de três mil garrafas de bebida,

sendo certo que o valor da carga à época equivalia a um mil e quatrocentos e onze

salários mínimos.”

Diante disso, tem-se por devidamente motivadas as decisões primevas de

forma a não merecer qualquer reparo.

A propósito, destaca-se que, em situações análogas ou assemelhadas à

presente, esta Corte vem também assim decidindo:

Habeas corpus. Denunciação caluniosa. Pena-base fi xada acima do mínimo

legal. Regime prisional inicial fechado. Indicação de circunstâncias judiciais

desfavoráveis. Constrangimento ilegal. Inexistência. Ordem denegada.

1. Havendo a indicação de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao paciente, é

possível, tanto a fi xação da pena-base acima do patamar mínimo previsto na lei,

quanto do regime fechado para o início de cumprimento da reprimenda.

2. Ao estabelecer a pena-base acima do patamar mínimo e fi xar o regime

prisional inicial fechado, a juíza sentenciante apontou concretamente a

existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, notadamente os motivos, as

circunstâncias e as conseqüências do crime.

3. Na hipótese, a vítima acabou fi cando presa injustamente por cerca de dois

meses, em razão da trama engendrada pelo ora paciente e sua comparsa, não

havendo dúvidas de que as conseqüências do delito foram de grande monta.

4. Ordem denegada.

(HC n. 79.160-SP, de minha Relatoria, Julgado em 13.11.2012/ DJe 28.11.2012).

Penal. Habeas corpus. Roubo majorado, estupro e atentado violento ao pudor.

Dosimetria. Pena-base acima do mínimo legal. Ausência de fundamentação em

relação ao delito de roubo.

I - omissis.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

962

II - Não há ilegalidade no decreto condenatório que, analisando o art. 59, do CP,

verifica a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis aptas a embasar a

fi xação da pena-base acima do mínimo legal. (Precedentes).

III - omissis.

IV - Dessa forma, (...) constata-se que foi fi xada a pena-base acima do patamar

mínimo, mas com fundamentação concreta e dentro do critério da discricionariedade

juridicamente vinculada, baseada principalmente no modus operandi, nas

circunstâncias e conseqüências do crime. Não há, portanto, como proceder a

qualquer reparo em sede de habeas corpus.

Writ parcialmente concedido.

(HC n. 98.418-DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 6.5.2008,

DJe 4.8.2008);

Pena-base (fixação acima do mínimo legal). Ilegalidade (não-ocorrência).

Circunstâncias judiciais não-favoráveis (caso).

1. Quando da fi xação da pena, o juiz estabelecerá a pena-base levando em conta

as circunstâncias previstas no art. 59 do Cód. Penal.

2. Sendo desfavoráveis as circunstâncias judiciais, correta a fi xação da pena-base

acima do mínimo legal.

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 757.261-RS, Relator Ministro

Nilson Naves, DJ de 19.12.2007);

Por fi m, no que toca ao pedido de decretação da prescrição, melhor sorte

não socorre ao paciente.

Isto porque, quando proferida sentença, o prazo prescricional era contado

de acordo com a pena cominada no decisum, nos termos do artigo 110 do

Código Penal.

Assim, a pena concretizada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro)

meses de reclusão, pelo que o prazo a ser observado é o constante do artigo 109,

inciso III, do Código Penal, isto é 12 (doze) anos.

Portanto, não se verifica a prescrição, dado que entre a data do fato

(16.5.1987) e o recebimento da denúncia (19.8.1993 - fl . 382), entre esta e a

publicação da sentença (15.5.2002 - fl . 860), e entre a publicação da sentença e

o julgamento deste recurso não transcorreram mais de 12 (doze) anos.

Ante o exposto, não conheço do presente writ.

É como voto.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 963

HABEAS CORPUS N. 246.649-SP (2012/0130641-1)

Relatora: Ministra Assusete Magalhães

Impetrante: Heleni de Souza Xarrua

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Vlademir Francisco de Assis (preso)

EMENTA

Penal e Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso

ordinário. Duplo crime de homicídio qualifi cado – nas modalidades

tentada e consumada, praticados contra policiais militares – e

formação de quadrilha armada (art. 121, § 2º, I e IV, art. 121, § 2º,

I e IV, c.c. art. 14, II, e art. 288, parágrafo único, todos do Código

Penal, em concurso material e na forma da Lei n. 9.034/1995).

Utilização do remédio constitucional como sucedâneo de recurso. Não

conhecimento do writ. Precedentes do Supremo Tribunal Federal

e do Superior Tribunal de Justiça. Paciente preso temporariamente,

em 1º.7.2006, convertida a segregação, em 28.8.2006, em prisão

preventiva, mantida pela sentença de pronúncia. Acórdão do Tribunal

de 2º grau, que denegou a ordem, mantendo a prisão, decorrente da

sentença de pronúncia, prolatada em 4.9.2009. Excesso de prazo não

imputável ao judiciário. Razoabilidade. Complexidade do feito, que

envolve 19 acusados e imputação de prática de vários delitos. Suposto

integrante de organização criminosa. Pendência de julgamento dos

recursos em sentido estrito, interpostos pelas defesas. Precedentes

do STJ. Ausência de manifesta ilegalidade, a ensejar a concessão de

habeas corpus, de ofício. Ordem não conhecida, com recomendação.

I. Dispõe o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal que será

concedido habeas corpus “sempre que alguém sofrer ou se achar

ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,

por ilegalidade ou abuso de poder”, não cabendo a sua utilização como

substitutivo de recurso ordinário, tampouco de recurso especial, nem

como sucedâneo da revisão criminal.

II. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao

julgar, recentemente, os HCs n. 109.956-PR (DJe de 11.9.2012) e

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

964

n. 104.045-RJ (DJe de 6.9.2012), considerou inadequado o writ,

para substituir recurso ordinário constitucional, em Habeas corpus

julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, reafi rmando que o remédio

constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de

banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal.

III. O Superior Tribunal de Justiça também tem reforçado a

necessidade de se cumprir as regras do sistema recursal vigente, sob

pena de torná-lo inócuo e desnecessário (art. 105, II, a, e III, da

CF/1988), considerando o âmbito restrito do habeas corpus, previsto

constitucionalmente, no que diz respeito ao STJ, sempre que alguém

sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua

liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nas

hipóteses do art. 105, I, c, e II, a, da Carta Magna.

IV. Nada impede, contudo, que, na hipótese de habeas corpus

substitutivo de recursos especial e ordinário ou de revisão criminal

– que não merece conhecimento –, seja concedido habeas corpus, de

ofício, em caso de fl agrante ilegalidade, abuso de poder ou decisão

teratológica.

V. In casu, contudo, não há manifesto constrangimento ilegal,

passível da concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

VI. É certo que a prisão preventiva, medida de caráter excepcional,

somente pode ser decretada quando devidamente amparada em fatos

concretos, que demonstrem a presença dos requisitos legais, em

observância ao princípio constitucional da presunção de inocência,

sob pena de antecipar reprimenda a ser cumprida, no caso de eventual

condenação, respeitando-se, de toda forma, a razoabilidade, quanto ao

tempo de segregação cautelar do acusado.

VII. Todavia, o excesso de prazo, segundo o pacífi co entendimento

do Superior Tribunal de Justiça, deve ser aferido dentro dos limites da

razoabilidade, considerando circunstâncias excepcionais que venham

a retardar o término da instrução criminal ou do processo, não se

restringindo à simples soma aritmética de prazos processuais.

VIII. Tratando-se de Ação Penal complexa, na qual fi guram 19

acusados, em que se apura a suposta prática, em concurso material, de

dois delitos de homicídio duplamente qualifi cados (um, consumado, e

o outro, tentado), além de formação de quadrilha armada, nos termos

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 965

da Lei n. 9.034/1995, cometidos por suposto integrante da facção

criminosa intitulada Primeiro Comando da Capital, não há falar em

excesso de prazo injustifi cado, sobretudo porque o paciente já foi

pronunciado e há pendência de julgamento, pelo Tribunal de origem,

de vários Recursos em Sentido Estrito, interpostos pela defesa –

inclusive do paciente –, contra a sentença de pronúncia.

IX. O pedido de extensão da ordem, nos termos do art. 580

do Código de Processo Penal, deve ser requerido ao Tribunal de

origem – que concedeu habeas corpus, em favor de outros dois corréus,

e reconheceu o alegado excesso de prazo, na instrução do feito, antes

da sentença da pronúncia, em situação fática diversa da dos presentes

autos –, e não ao Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida

supressão de instância.

X. Habeas corpus não conhecido, com recomendação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, não conhecer do habeas corpus, com recomendação, nos termos do

voto da Sra. Ministra Relatora. Vencida a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis

Moura, que concedia ordem de ofício.

As Sras. Ministras Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora

convocada do TJ-PE), Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros

Og Fernandes e Sebastião Reis Júnior votaram com a Sra. Ministra Relatora,

quanto ao não conhecimento da ordem de habeas corpus.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Brasília (DF), 21 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministra Assusete Magalhães, Relatora

DJe 26.3.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Trata-se de habeas corpus, substitutivo

de recurso ordinário, impetrado, em 24.6.2012, em favor de Vlademir Francisco

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

966

de Assis, preso temporariamente, convertida a segregação em prisão preventiva, e

denunciado pela apontada prática dos delitos tipifi cados no art. 121, § 2º, I e IV,

art. 121, § 2º, I e IV, c.c. o art. 14, II, e art. 288, parágrafo único, todos do Código

Penal, em concurso material e na forma da Lei n. 9.034/1995, apontando, como

autoridade coatora, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Alega a impetrante que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal,

porque estaria “preso, por força de prisão temporária desde 28 de agosto de

2006”, convertida em prisão preventiva e mantida na sentença de pronúncia,

estando o feito “em fase de recurso em sentido estrito, junto à 2ª Câmara

Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em razão de decisão de

pronúncia” (fl . 2e).

Salienta que foram impetrados “vários habeas corpus, perante a 2ª Câmara

Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo” (fl . 2e), ao fundamento de excesso

de prazo, ordens que foram denegadas, a despeito de a referida Câmara ter

deferido pedido de habeas corpus, na mesma Ação Penal de que trata o presente

writ, para relaxar, por excesso de prazo, a prisão cautelar de dois corréus, Adriano

Paulo da Costa e Anderson Paixão Bertoldo, tendo o paciente direito à extensão

da ordem concedida aos aludidos corréus, sob pena de ofensa ao princípio da

isonomia.

Por tais motivos, busca a impetrante, inclusive liminarmente, seja relaxada

a prisão do paciente, por excesso de prazo, considerando a ordem já concedida,

pelo Tribunal Estadual.

A liminar foi indeferida, a fl . 53e, pelo Ministro Ari Pargendler, então

Presidente do Superior Tribunal de Justiça.

Informações prestadas, pelo Tribunal de origem (fl s. 56-268e).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-

Geral da República, Mauricio Vieira Bracks, opinou pela denegação da ordem

(fl s. 272-275e).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Assusete Magalhães (Relatora): Consoante relatado,

verifi ca-se que o presente pedido de Habeas corpus foi impetrado em substituição

a recurso ordinário, constitucionalmente previsto para impugnar acórdão

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 967

proferido por Tribunal de 2º Grau, quando denegatória a ordem, nos termos do

art. 105, II, a, da Constituição Federal.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, após o julgamento, pela

1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, dos HCs n. 109.956-PR (DJe de

11.9.2012) e n. 104.045-RJ (DJe de 6.9.2012) – quando se considerou incabível

o habeas corpus, para substituir recurso ordinário constitucional, contra denegação

da ordem, pelo STJ – , fi rmou entendimento pela inadequação do writ, para

substituir recursos especial e ordinário ou revisão criminal, reafi rmando que o

remédio constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de

banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal.

Confi ram-se, nesse sentido, os seguintes julgados do Superior Tribunal de

Justiça: HC n. 213.935-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe de

22.8.2012; e HC n. 150.499-SP, Rel. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura,

Sexta Turma, DJe de 27.8.2012.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também tem negado seguimento

a habeas corpus, substitutivos de recurso ordinário, com fulcro no art. 38 da Lei

n. 8.038/1990, quando inexiste fl agrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão

da ordem, de ofício (HC n. 114.550-AC, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de

24.8.2012; HC n. 114.924-RJ, Rel. Ministro Dias Toff oli, DJe de 28.8.2012).

Em caso de habeas corpus substitutivo de recursos especial e ordinário ou

de revisão criminal – que não merece conhecimento –, cumpre analisar, contudo,

em cada caso, se existe manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na

decisão impugnada, que implique ameaça ou coação à liberdade de locomoção

do paciente, a ensejar a concessão da ordem, de ofício.

In casu, contudo, não há manifesto constrangimento ilegal, passível da

concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Por oportuno, transcrevo as informações prestadas pelo Tribunal de origem,

em 27.7.2012, in verbis:

Por fatos ocorridos aos 12 de maio de 2006, o ora paciente foi preso

temporariamente e denunciado nos autos da Ação Penal n. 309.01.2006.021049-0,

Controle n. 98/06, oriunda da Vara do Júri da Comarca de Jundiaí, por infringência ao

art. 121, § 2°, I e IV, art. 121, § 2°, I e IV, c.c. o art. 14, II, e art. 288, parágrafo único, todos

do Código Penal, c.c. o art. 1° e seguintes da Lei n. 9.034/1995, todos na forma do art.

69 da Lei Penal, sendo denunciados vários outros corréus por este e por outros delitos.

Aos 28 de agosto subsequente, foi decretada a prisão preventiva de todos os

acusados.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

968

Realizada a instrução e superadas as demais fases processuais, sobreveio decisão,

aos 4 de setembro de 2009, que pronunciou o acusado a fi m de ser submetido a

julgamento perante o Tribunal do Júri, por infringência ao art. 121, § 2°, I e IV, do

Código Penal, art. 121, § 2°, I e IV, c.c. o art. 14, II, ambos do referido Codex, art. 288,

parágrafo único, do Estatuto Penal, c.c. os arts. 1° e seguintes da Lei n. 9.034/1995,

tudo na forma do art. 69 da Lei Penal, sendo pronunciados diversos outros corréus

por estes e por outros delitos, vedado a todos o direito de aguardar o julgamento em

liberdade.

Contra a decisão de pronúncia insurgiram-se os réus.

Nesta Corte, o recurso em sentido estrito foi registrado sob o número 0021049-

39.2006.8.26.0309 (antigo número 990.10.433291-5). Presentemente, os autos estão

conclusos ao Desembargador Relator sorteado.

Esclareço, por oportuno, que, após a decisão de pronúncia proferida no

Juízo a quo, foram impetrados em favor do ora paciente, nesta Corte, os Habeas

Corpus n. 00070560-21.2010.8.26.0000 (antigo n. 990.10.070560-1), n. 0193408-

10.2010.8.26.0000 (antigo n. 990.10.193408-6) e n. 0234469-11.2011.8.26.0000

objetivando, em todos, a concessão da liberdade provisória sob a alegação de excesso

de prazo para a formação da culpa ante a não submissão a julgamento perante o

Tribunal do Júri.

Indeferidas as medidas liminares e processados os writs, a Segunda Câmara

Criminal, em sessões de julgamento realizadas, respectivamente, aos 17 de maio

de 2010, 26 de julho de 2010 e 13 de fevereiro de 2012, sem discrepância de votos,

denegou ordem à primeira impetração e não conheceu das demais impetrações.

Os acórdãos transitaram em julgado.

Cumpre-me esclarecer, que, anteriormente à mencionada decisão de pronúncia,

foram impetrados em favor dos corréus Adriano Paulo da Costa e Anderson Paixão

Bertoldo, mencionados na inicial desse writ, respectivamente, os Habeas Corpus n.

0065464-93.2008.8.26.0000 (antigo n. 990.08.065464-0) e Habeas Corpus n. 0147629-

66.2009.8.26.0000 (antigo n. 990.09.147629-3) objetivando a concessão da liberdade

provisória sob a alegação de injustifi cado excesso de prazo para a formação da culpa.

A Turma Julgadora, aos 22 de setembro de 2008, por unanimidade, apreciando

a primeira impetração, concedeu a ordem para relaxar a prisão em flagrante de

Adriano Paulo da Costa, garantindo-lhe o direito de aguardar solto o encerramento

do feito, determinada a expedição de alvará de soltura e, ainda, aos 24 de agosto

de 2009, por maioria de votos, concedeu ordem na segunda impetração para relaxar

a prisão preventiva do corréu Anderson Paixão Bertoldo, por excesso de prazo,

determinada a expedição de alvará de soltura, assinalando que poderá aguardar

solto o julgamento do processo, a menos que fato novo justifi que novo decreto

de prisão preventiva.

Os arestos resultaram irrecorridos (fl s. 57-59e).

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 969

Do que se depreende da inicial, ataca a impetrante o acórdão proferido

no julgamento do HC n. 990.10.070560-1 (numeração atual 0070560-

21.2010.8.26.0000), no qual o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

denegou a ordem, em 17.5.2010, pelos seguintes fundamentos:

Trata-se de impetração em favor de Vlademir Francisco de Assis, preso

cautelarmente desde 1º de julho de 2006 (prisão temporária, substituída por

preventiva e fi nalmente em razão de sentença de pronúncia), sob a acusação de

envolvimento numa série de homicídios praticados por integrantes de conhecido

movimento criminoso deste Estado (PCC).

Sustenta a douta impetrante que o paciente estaria sendo vítima de

constrangimento ilegal decorrente de injustifi cado excesso de prazo, pois preso há

quase quatro anos, não foi ainda submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri (fl s.

2-8).

Indeferido o pedido de liminar (fls. 110-111), o juízo prestou informações

confirmando que atualmente o paciente está preso em razão de sentença de

pronúncia que lhe negou o benefício de responder solto ao processo (fl s. 114-115).

A Egrégia Procuradoria Geral da Justiça ofereceu parecer pela denegação da

ordem (fl s. 117-123).

É o relatório.

Trata-se de processo com aproximadamente duas dezenas de réus, decorrente da

onda de ataques contra autoridades paulistas no mês de maio de 2006, sob comando

e patrocínio do criminoso movimento cognominado PCC.

Evidente que, diante do número de réus e das difi culdades naturais inerentes a tal

tipo de processo, que houve demora na prolatação da sentença de pronúncia, sem

que se possa afi rmar que foi ela desarrazoada.

Vige atualmente no Brasil, relativamente ao prazo de encerramento de

processos com réus presos, o chamado princípio da razoabilidade, previsto em

nossa Constituição Federal, artigo 5º, LXXVIII.

Portanto, não há mais falar em prazos rígidos e limitados, como era aquele

que estabelecia em oitenta e um dias o máximo admissível para encerramento da

instrução.

Evidentemente o que seja prazo razoável é questão das mais árduas e

imprecisas.

Entretanto, examinando-se caso a caso, sempre será possível verifi car se o

processo vem tendo andamento razoavelmente rápido ou não.

Como dito de início, as circunstâncias especialíssimas do processo impedem que

se diga afrontado tal princípio constitucional.

A sentença de pronúncia já foi prolatada, em 4 de setembro de 2009, e assim

sendo, já não há falar em excesso de prazo, observando-se que naturalmente o

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

970

juízo de origem tomará providências para que cada réu seja julgado pelo Tribunal

do Júri o mais rapidamente possível, promovendo-se tantos desmembramentos

quantos forem necessários para tanto.

Até o momento, para mim não há constrangimento ilegal por excesso de

prazo.

Por outro lado, a sentença contem adequada e concreta fundamentação para

denegação do benefício de aguardar em liberdade o julgamento pelo Júri.

Assim sendo, denego a ordem, comunicando-se (fl s. 184-186e).

Os outros dois habeas corpus (HCs n. 990.10.193408-6 e n. 0234469-

11.2011.8.26.0000), impetrados no Tribunal a quo, em favor do paciente, em que

se alegava também excesso de prazo na prisão cautelar, não foram conhecidos,

o primeiro, por se tratar de mera reiteração do HC n. 990.10.070560-1, cujo

acórdão ora se ataca, e o segundo, por ser o Relator a autoridade impetrada (fl s.

204-207e e 251-255e).

Com efeito, a prisão preventiva, medida de caráter excepcional, somente

pode ser decretada quando devidamente amparada em fatos concretos, que

demonstrem a presença dos requisitos legais, em observância ao princípio

constitucional da presunção de inocência, sob pena de antecipar reprimenda a

ser cumprida no caso de eventual condenação, devendo, ainda, ser observada a

razoabilidade, quanto ao tempo de segregação do acusado.

Nesse contexto, por se tratar, justamente, de prisão provisória, havendo

excesso injustifi cado para a conclusão do feito, não imputável à defesa, deve o

réu ser liberado, a fi m de que responda ao processo em liberdade.

Todavia, o excesso de prazo, segundo o pacífi co entendimento do Superior

Tribunal de Justiça, deve ser aferido dentro dos limites da razoabilidade,

considerando circunstâncias excepcionais que venham a retardar o término da

instrução criminal ou do processo, não se restringindo à simples soma aritmética

de prazos processuais.

Vale destacar, quanto ao assunto, o entendimento fi rmado nas seguintes

Súmulas:

Pronunciado o réu, fi ca superada a alegação do constrangimento ilegal da

prisão por excesso de prazo na instrução (Súmula n. 21-STJ).

Encerrada a instrução criminal, fi ca superada a alegação de constrangimento

por excesso de prazo (Súmula n. 52-STJ).

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 971

Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução,

provocado pela defesa (Súmula n. 64-STJ).

In casu, consta da sentença de pronúncia (fl . 71e) que, em 1º.7.2006, foi

decretada a prisão temporária do paciente, prorrogada por decisão proferida

em 28.7.2006. Posteriormente, em 28.8.2006, foi decretada a prisão preventiva,

conforme decisão de fl . 37e.

Consta, do acórdão impugnado, que o paciente encontra-se preso

cautelarmente desde 1º.7.2006, por força de prisão temporária, convertida em

preventiva, e, fi nalmente, em razão de sentença de pronúncia, proferida em

4.9.2009 (fl . 184e).

O paciente foi denunciado, em 4.9.2006, pela suposta prática, em

concurso material, de dois delitos de homicídios duplamente qualifi cados (um,

consumado, e o outro, tentado), além de formação de quadrilha armada, nos

termos da Lei n. 9.034/1995, juntamente com outros 18 acusados, por estes e

outros crimes.

A denúncia, acostada a fl s. 138-165e, narra, no que interessa, in verbis:

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 12 de maio de 2006, por

volta das 23:30 horas, na Rua Senador da Fonseca, na cidade e comarca de Jundiaí,

Marcos Antônio Roque, vulgo “Fião”, qualifi cado a fl s. 349-352, Juliano da Silva Dias,

vulgo “Cabelera”, qualifi cado a fl s. 279-283, Ricardo Alexandrino da Silva, vulgo

“Ricardinho”, qualifi cado a fl s. 322-326, Sérgio Eduardo de Castro, vulgo “Cabelinho”,

qualifi cado a fl s. 300-304, Vlademir Francisco de Assis, vulgo “Mirim”, qualifi cado

a fl s. 336-340, Paulo Sérgio Elídio, vulgo “Paulinho”, qualifi cado a fl s. 491, Fabiano

Michel Galvão, vulgo “Fabianinho” (já falecido, fato este ainda sem comprovação

nos autos), e um indivíduo conhecido pelo apelido de “Edinho Preto” (também

já falecido, fato também ainda sem comprovação nos autos), agindo todos em

concurso e unidade de propósitos, com intento homicida, por motivo torpe e uso

de recurso que difi cultou a defesa da vítima, mediante disparos de arma de fogo,

mataram o Policial Militar Nelson Pinto, neste produzindo os ferimentos descritos no

laudo de exame necroscópcio de fl s. 20-22, que foram a causa de sua morte.

Consta, ainda, que, no dia 12 de maio de 2006, por volta das 23:30 horas, na Rua

Senador da Fonseca, na cidade e comarca de Jundiaí, Marcos Antônio Roque, vulgo

“Fião”, qualifi cado a fl s. 349-352, Juliano da Silva Dias, vulgo “Cabelera”, qualifi cado

a fl s. 279-283, Ricardo Alexandrino da Silva, vulgo “Ricardinho”, qualifi cado a fl s.

322-326, Sérgio Eduardo de Castro, vulgo “Cabelinho”, qualifi cado a fl s. 300-304,

Vlademir Francisco de Assis, vulgo “Mirim”, qualificado a fls. 336-340, Paulo

Sérgio Elídio, vulgo “Paulinho”, qualifi cado a fl s. 491, Fabiano Michel Galvão, vulgo

“Fabianinho” (já falecido, fato este ainda sem comprovação nos autos), e um

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

972

indivíduo conhecido pelo apelido de “Edinho Preto” (também já falecido, fato

também ainda sem comprovação nos autos), agindo todos em concurso e unidade

de propósitos, com intento homicida, por motivo torpe e uso de recurso que difi cultou

a defesa da vítima, mediante disparos de arma de fogo, tentaram matar o Policial

Militar Marcos Henrique dos Santos Moraes, neste produzindo os ferimentos descritos

no laudo de exame de corpo de delito a ser oportunamente juntado aos autos, não

consumando o delito por circunstâncias alheias às suas vontades, eis que a vítima foi

socorrida e recebeu pronto e efi caz atendimento médico.

Consta, também, que Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”,

não qualificado nos autos, filho de Alejandro Juvenal Herbas Camanho e de

Rosita Serafim de Oliveira, nascido em 25 de janeiro de 1968, em Osasco-SP,

preso no CRP de Presidente Bernardes-SP, e Júlio César Guedes de Moraes,

vulgo “Julinho Carambola, não qualifi cado nos autos, fi lho de Sebastião da Silva

Moraes e de Antônia Guedes de Moraes, nascido em 3 de outubro de 1971, em

São Paulo-SP, preso na Penitenciária II de Presidente Venceslau-SP, concorreram,

de qualquer modo, para os crimes de homicídio e de tentativa de homicídio acima

mencionados, eis que, como dois dos líderes máximos da organização criminosa

conhecida como “Primeiro Comando da Capital” ou “PCC”, determinaram a todos

os seus integrantes que matassem todos os policiais, civis e militares, e demais

autoridades que encontrassem a partir do dia 12 de maio de 2006, no Estado de São

Paulo, ordem esta que foi encaminhada aos membros da referida facção da cidade de

Jundiaí e cumprida.

Consta, outrossim, que Rodrigo de Brito Ubaldo, vulgo “Dacova”, qualifi cado

a fls. 469-474, concorreu, de qualquer modo, para os crimes de homicídio e de

tentativa de homicídio acima mencionados, pois, como líder da organização

criminosa conhecida como “Primeiro Comando da Capital” ou “PCC” na região de

Jundiaí, recebeu a ordem de execução dos policiais militares e autoridades públicas,

convocou reunião de membros da facção na cidade de Jundiaí, retransmitiu-lhes as

ordens dos líderes máximos da organização e determinou-lhes que fossem cumpridas

de imediato, tentando dar pessoalmente cumprimento a elas.

(...)

Os crimes de homicídio consumado e de tentativa de homicídio acima

mencionados foram cometidos por motivo torpe, consistente na repugnante intenção

de eliminar o maior número possível de integrantes da força policial paulista e de dar

uma demonstração de força da organização criminosa autodenomimada “Primeiro

Comando da Capital” ou “PCC”, espalhando o terror entre a população do Estado de

São Paulo.

Os crimes de homicídio consumado e de tentativa de homicídio acima

mencionados foram cometidos com uso de recurso que difi cultou as defesas das

vitimas, pois estas tiveram o veículo em que se encontravam cercado por oito

indivíduos, em quatro motocicletas e, de imediato, sem que tivessem oportunidade

de esboçar qualquer reação, foram alvos de múltiplos disparos. `

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 973

Consta que, desde data incerta, mas com certeza no ano de 2006, na cidade de

Jundiaí, Rodrigo de Brito Ubaldo, vulgo “Dacova”, qualifi cado a fl s. 469-474, Gelson

Gomes, vulgo “Gelsinho”, qualifi cado a fl s. 592-598, Adriano Paulo da Costa, vulgo

“Balato”, Marcos Antônio Rogque, vulgo “Fião”, qualifi cado a fl s. 349-352, Juliano

da Silva Dias, vulgo “Cabelera”, qualificado a fls. 279-283, Ricardo Alexandrino

da Silva, vulgo “Ricardinho”, qualifi cado a fl s. 322-326, Sérgio Eduardo de Castro,

vulgo “Cabelinho”, qualificado a fls. 300-304, Vlademir Francisco de Assis,

vulgo “Mirim”, qualifi cado a fl s. 336-340, Paulo Sérgio Elídio, vulgo “Paulinho”,

qualifi cado a fl s. 491, Marcos Paulo Ferreira Lustosa, vulgo “Marquinho”, qualifi cado

a fl s. 634-638, Adriano Bezerra Messias, vulgo Piti, qualifi cado a fl s. 489, Eduardo

Alexandre da Silva, vulgo “Dú”, qualifi cado a fl s. 483, Anderson Paixão Bertoldo,

vulgo “Gordinho do Cecap”, qualifi cado a fl s. 497-501, Rodrigo Musseli Teles da Silva,

vulgo “Rodriguinho”, qualifi cado a fl s. 558-563, Henrique Daniel dos Santos, vulgo

“Sanguíneo”, qualifi cado a fl s. 198, e Fernanda Vetori Maria, qualifi cada 490, entre

outros indivíduos ainda não identifi cados, associaram-se, em quadrilha ou bando

armado, na forma de organização criminosa, para o fi m de cometer crimes.

(...)

Na semana que antecedeu o domingo conhecido como “Dias das Mães”, neste

ano de 2006, a liderança do “Primeiro Comando da Capital”, na qual se incluem

os denunciados Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, e Júlio César

Guedes de Moraes, vulgo “Julinho Carambola, a fi m de dar uma demonstração de

força da organização criminosa e de espalhar o terror entre a população do Estado

de São Paulo, determinou a seus integrantes, através de ordem denominada por eles

como um “salve”, que autoridades públicas, policiais e integrantes de certo partido

político deveriam ser atacados e mortos.

O “torre” de apelido “Cabrerinha” retransmitiu a ordem da liderança para um dos

“pilotos” de Jundiaí, Rodrigo de Brito Ubaldo (Dacova), na sexta-feria, dia 12 de

maio de 2006.

Este último denunciado convocou, então, os integrantes e colaboradores da

organização criminosa na cidade de Jundiaí e região próxima, que se reuniram em

imóvel cedido para este fi m por Gelson Gomes (“Gelsinho”).

À reunião compareceram Rodrigo de Brito Ubaldo (Dacova), Gelson Gomes

(Gelsinho), Adriano Paulo da Costa (Balato), Marcos Antônio Roque (Fião), Juliano

da Silva Dias (Cabelera), Ricardo Alexandrino da Silva (Ricardinho), Sérgio Eduardo

de Castro (Cabelinho), Vlademir Francisco de Assis (Mirim), Paulo Sérgio Elídio

(Paulinho), Marcos Paulo Ferreira Lustosa (Marquinho), Adriano Bezerra Messias

(Piti), Eduardo Alexandre da Silva (Dú), Anderson Paixão Bertoldo (Gordinho do

Cecap), Rodrigo Musseli Teles da Silva (Rodriguinho), Henrique Daniel dos Santos

(Sanguíneo), além dos já falecidos - fato ainda sem comprovação nos autos -

Fabiano Michel Galvão (“Fabianinho”) e “Edinho Preto”.

Rodrigo (“Dacova”) transmitiu a ordem da liderança aos membros da

organização acima citados e todos concordaram em cumpri-la, apoiaram-na e

decidiram dar imediato cumprimento.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

974

Para tanto, os denunciados que estavam na reunião dividiram-se em grupos, cada

qual devendo matar todo e qualquer membro da força policial do Estado de São

Paulo que encontrassem naquela noite.

Então, em quatro motocicletas, saíram juntos os denunciados Marcos (Fião),

Juliano (Cabelera), Ricardo (Ricardinho), Sérgio (Cabelinho), Vlademir (Mirim), Paulo

Sérgio (Paulinho), e os já falecidos Fabiano Michel Galvão (“Fabianinho”) e “Edinho

Preto”.

O restante saiu em grupos para cumprir a ordem de matar os policiais que

encontrassem.

Os oito membros da organização ocupantes das motocicletas acima mencionadas

atingiram o desiderato quando trafegavam, por volta das 23:30 horas, na Rua

Senador da Fonseca, pois avistaram viatura da Policia Militar, um GM Corsa, placas

CMW-5150, prefi xo I-11101, ocupada pelas vítimas Nelson Pinto e Marcelo Henrique

dos Santos Moraes, tendo o primeiro ao volante.

Em dado momento, os oito denunciados que estavam nas motocicletas cercaram

a viatura pelas laterais e impediram que seguisse seu trajeto e, imediatamente,

passaram a efetuar múltiplos disparos de armas semi-automáticas contra as vítimas.

O Policial Militar Nelson Pinto, atingido por alguns dos disparos e ferido na cabeça,

perdeu o controle do veiculo, que somente parou depois de chocar-se contra um muro.

Já o Policial Militar Marcelo Henrique, apesar de ter multiplos ferimentos produzidos

pelos projéteis disparados, fi ngiu-se de morto para escapar do intento homicida do

bando. Logo depois, foi socorrido e recebeu pronto e efi caz atendimento médico.

Tal grupo de extermínio, então, comunicou ao “piloto” Rodrigo (“Dacova”)

que a missão fora cumprida. Os demais denunciados que estavam na reunião não

conseguiram matar qualquer policial em Jundiaí, pois, por sorte, não se depararam

com qualquer deles (fl s. 138-158e).

A despeito de toda a complexidade do feito, onde se apuram fatos bastantes

graves, com 19 (dezenove) réus, envolvendo a prática de vários delitos, o Juízo

de 1º Grau, em 4.9.2009, pronunciou o paciente (fl s. 60-137e), além dos outros

denunciados, oportunidade em que manteve a prisão preventiva de todos eles,

apontando a gravidade concreta dos delitos, pelos seguintes fundamentos:

No direito processual penal moderno, especialmente no âmbito do direito

processual dos ricos, a prisão antes do trânsito em julgado é medida excepcional,

sendo a regra geral a da Iiberdade.

O caso destes autos representa situação clássica e paradigmática dessa

excepcionalidade, pois a prisão cautelar de natureza processual penal para todos os

réus mostra-se aqui imperativa e inafastável.

São pronunciados por crimes gravíssimos, não sendo demais considerar que os

delitos narrados nos autos representam alguns dos mais graves crimes já cometidos

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 975

na história do país; havidos no âmbito de uma onda sem precedentes de ataques a

bens e a agentes do poder publico, que puseram de sobressalto a sociedade paulista.

A ordem publica recomenda e exige a manutenção da prisão cautelar.

A instrução que se desenvolve durante o plenário do júri cobra, da mesma forma, a

manutenção da custodia processual, por ser a ela conveniente.

Os acusados são apontados como integrantes de um perigoso grupo terrorista

que pratica e vem praticando crimes de supina covardia, sanguinários e inspirados

tais delitos num profundo desprezo pelos mais comezinhos princípios da vida em

sociedade.

Os homicídios consumado e tentado descritos nos autos teriam sido premeditados

numa reunião, praticados em situação de grupo de extermínio, por meio de

emboscada, em situação que subtraiu completamente as vitimas a possibilidade de

defesa. A denuncia narra que o motivo inspirador dos crimes dolosos contra a vida foi

vil, abjeto e repugnante.

Já os delitos elencados na Lei de Tóxicos igualmente merecem tratamento

severo e cobram a prisão pela pronuncia. Segundo a denúncia, não se referem a

meros crimes de trafi co, mas a situação de complexa estrutura de recebimento,

processamento e distribuição de substâncias entorpecentes em larga escala, com

estrutura empresarial complexa ligada a esses delitos.

Os acusados que aqui são pronunciados pelos conexos crimes de

entorpecentes são apontados na exordial acusatória como líderes do trafi co de

entorpecentes na região, bem como integrantes da estrutura de liderança da

organizaçao criminosa já acima mencionada.

Também referências nos autos de que as armas empregadas nos crimes teriam

sido guardadas por algum tempo com os acusados.

Dentro nesse quadro, a decretação ou a manutenção da prisão processual pela

pronuncia se mostra de rigor para todos os réus, que, depois de pronunciados, caso

mantidos fossem em liberdade, poderiam frustrar a aplicação da lei penal (fl . 136e).

Irresignada, a defesa do paciente, além de outros quinze corréus, interpôs

Recurso em Sentido Estrito contra a sentença de pronúncia, conforme

consta das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora,

anteriormente transcritas (fl . 58e), bem como do andamento processual colhido

no site do Tribunal de origem.

Destaca a PGR, sobre o presente processo:

07. Realmente, não se vislumbra ilegalidade por excesso de prazo na prisão

cautelar, pois o Paciente já foi pronunciado, trata-se de feito complexo, com

pluralidade de crimes e de réus, e, bem assim, porque a relativa morosidade da

tramitação não advém de descaso do juízo, mas da impetração de habeas corpus e

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

976

da i nterposição de recurso pela defesa. Assim, é de rigor a manutenção da decisão

impugnada, para manter a custódia preventiva, em linha com o entendimento

perfilhado por essa colenda Superior Casa de Justiça, a exemplo dos seguintes

precedentes:

Habeas corpus. Homicídio qualifi cado e porte ilegal de arma de fogo.

Prisão preventiva mantida em sede de pronúncia. Excesso de prazo. Ausência

de desídia do estado juiz. Fundamentos da prisão cautelar. Conveniência da

instrução criminal. Constrangimento ilegal não evidenciado.

1. Os prazos indicados na legislação processual penal não são peremptórios,

podendo ser flexibilizados diante das peculiaridades do caso concreto e à

luz do princípio da razoabilidade, de maneira que não se pode concluir pelo

excesso pela mera soma aritmética dos prazos processuais.

2. Não há falar em excesso de prazo para o julgamento do paciente perante

o Conselho de Sentença quando verificado que, além de não evidenciada

nenhuma desídia da autoridade judiciária na condução do feito, eventual

atraso no julgamento do acusado ocorreu de forma justificada, por ato

da própria defesa, a qual solicitou sucessivas vezes a revogação da prisão

preventiva do paciente, ocasionando, naturalmente, uma maior delonga no

trâmite processual.

3. Havendo elementos concretos de que testemunhas estariam se

sentindo intimidadas pelo paciente, encontra-se justificada a custódia

cautelar para a conveniência da instrução criminal, que, nas hipóteses

dos processos afetos ao Tribunal do Júri, ocorre em duas etapas, judicium

acusationis (sumário de culpa), já realizada, e judicium causae, ainda por

ocorrer.

4. Ordem denegada (HC n. 215.281-SC, Rel. Ministro Sebastião Reis

Júnior, Sexta Turma, julgado em 19.6.2012, DJe 1º.8.2012).

Habeas corpus. Crime contra a vida. Homicídio qualifi cado. Alegação de

constrangimento ilegal. Circunstâncias autorizadoras presentes. Condições

pessoais favoráveis. Insuficiência. Decisão fundamentada. Pleito pela

revogação da prisão preventiva. Excesso de prazo. Inocorrência. Incidência

da Súmula n. 21-STJ. Precedentes.

1. O fato de estar inserido no rol dos delitos hediondos ou equiparados

não basta para a imposição da constrição cautelar, por ser necessária a

existência de circunstâncias que demonstrem a sua adoção.

2. As Turmas componentes da Terceira Seção do Superior Tribunal de

Justiça já cristalizaram o entendimento de inexistir constrangimento ilegal

quando a prisão, sufi cientemente fundamentada, retratar a necessidade da

medida para as garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 977

3. No caso concreto, a segregação do paciente encontrava-se, à época,

fundamentada na ameaça às testemunhas, concretizando requisito hábil

do art. 312, do CPP, no sentido de ser mantida a prisão preventiva para a

conveniência da instrução criminal.

4. O Superior Tribunal de Justiça, em orientação uníssona, entende que

persistindo os requisitos autorizadores da medida cautelar (art. 312 CPP),

despiciendo o paciente possuir condições pessoais favoráveis.

5. Improcede a alegação de excesso de prazo para a formação da culpa,

diante da complexidade das circunstâncias dos procedimentos, sendo que, na

espécie, a eventual demora se encontra justifi cada pela razoabilidade.

6. Pronunciado o réu, fi ca superada a alegação de constrangimento ilegal

da prisão por excesso de prazo na instrução (Súmula n. 21-STJ), quando a

eventual demora na realização da sessão de julgamento do Tribunal do

Júri, se encontra justifi cada pela razoabilidade, diante da complexidade das

circunstâncias dos procedimentos.

7. Ordem denegada, com a recomendação que o Juízo processante

implemente celeridade na ação penal em curso.

(HC n. 221.716-PA, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador

convocado do TJ-RJ), Quinta Turma, julgado em 8.5.2012, DJe 4.6.2012).

08. Pelas razões expostas, e ao lume dos precedentes transcritos, o Ministério

Público Federal opina pela denegação da ordem (fl s. 274-275e).

Examinados os autos, concluo não haver excesso de prazo injustifi cado

na prisão cautelar do paciente, agora decorrente de sentença de pronúncia,

prolatada em 4.9.2009. Ao contrário, as instâncias ordinárias, embora o feito

seja extremamente complexo, seja pelo número de acusados – 19 –, seja pelos

vários crimes a eles imputados, seja, enfi m, pelos vários incidentes processuais

daí decorrentes, têm conferido razoável celeridade na condução do processo.

A análise da informação processual do feito, em 1º Grau, demonstra que

teve ele andamento regular, com vários incidentes processuais, não fi cando

paralisado, desde a sua distribuição, em 3.7.2006.

Consoante pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, havendo

complexidade no feito, decorrente, por exemplo, da pluralidade de réus, de

diversidade de delitos, do excesso de diligências requeridas pela defesa, da

necessidade de expedição de cartas precatórias, pode ser afastada a alegação de

excesso injustifi cado de prazo, o qual não pode ser imputado ao Judiciário.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

978

Impõe destacar que os supostos fatos imputados ao paciente, praticados

na qualidade de integrante da facção criminosa intitulada “Primeiro Comando

da Capital” (PCC), na região de Jundiaí-SP, mostram-se extremamente graves,

tendo sido o paciente pronunciado como coautor de duplo homicídio qualifi cado

(um, na modalidade tentada, e outro, consumado), contra dois policiais militares,

além de formação de quadrilha armada, na forma da Lei n. 9.034/1995.

Já tendo havido a pronúncia do paciente e demais acusados, em 4.9.2009,

os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

estando aguardando o julgamento dos Recursos em Sentido Estrito, interpostos

pelas defesas dos acusados – inclusive do paciente –, conforme se extrai das

informações prestadas pelo Juízo de 1º Grau, a fl . 241e.

De fato, em consulta ao site do Tribunal a quo, observa-se que os autos

principais foram remetidos, à Corte de origem, em 17.8.2010, e lá recebidos,

em 23.9.2010. O exame da respectiva informação processual, no 2º Grau,

demonstra que os autos, em vários volumes, são constantemente movimentados,

para a juntada de documentos e petições, seguida de despacho do Relator, sendo

que, em 19.2.2013, foram eles encaminhados para o Serviço de Processamento

de Grupos-Câmaras-SJ 5.1.2.

Embora a prisão cautelar do paciente, em decorrência da pronúncia,

perdure por mais de 3 (três) anos, não se pode ignorar que a delonga decorre de

condições especialíssimas e da complexidade do feito, que envolve 19 (dezenove)

réus, que respondem por vários crimes, estando o seu desenvolvimento a

depender do julgamento de recursos, interpostos pela defesa, perante o Tribunal

de 2º Grau.

Conquanto, a meu sentir, o excesso de prazo da prisão cautelar encontre-se

razoavelmente justifi cado, deve o Recurso em Sentido Estrito do paciente ser

levado a julgamento com brevidade, a fi m de que não se extrapolem os limites

da razoabilidade, eis que o Juízo de 1º Grau está a aguardar o seu julgamento,

para a realização da sessão do Júri.

Ademais, não reúne condições de êxito a alegação de que, por isonomia,

deveria ser expedido alvará de soltura, em favor do paciente, tendo em vista

que a Corte de origem deferiu, a dois corréus, a ordem de habeas corpus, com o

reconhecimento de excesso de prazo.

Por primeiro, eventual pedido de extensão, nos termos do art. 580 do

Código de Processo Penal, deve ser requerido ao Tribunal que proferiu a ordem

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 979

de habeas corpus, e não ao Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida

supressão de instância.

Outrossim, os habeas corpus originários (HCs n. 990.08.065464-0 e n.

990.09.147629-3), a que se refere a impetrante, nos quais o Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo deferiu a ordem, expedindo alvará de soltura, em

favor, respectivamente, de Adriano Paulo da Costa e Anderson Paixão Bertoldo,

corréus da mesma Ação Penal, foram deferidos em 22.9.2008 e 24.8.2009,

anteriormente, portanto, à prolação da sentença de pronúncia, em situação

fática, pois, diversa da dos presentes autos.

Vale destacar que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, ao julgar, em 26.10.2010, o HC n. 162.348-SP, de relatoria do

Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), impetrado

em favor do corréu Rodrigo Musseli Teles da Silva, denegou a ordem de habeas

corpus, com a seguinte fundamentação, in verbis:

Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Rodrigo Musseli Teles da

Silva, preso preventivamente e denunciado por homicídio qualifi cado e formação de

quadrilha com atuação em organização criminosa (Lei n. 9.034/1995), apontando-se

como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Busca-se na impetração seja relaxada a prisão do paciente por excesso de prazo

para a formação da culpa ou, alternativamente, a extensão dos efeitos do acórdão

do Tribunal Estadual que concedeu a liberdade ao corréu Adriano Paulo da Costa,

afi rmando serem idênticas as situações processuais dos acusados.

A liminar foi indeferida à fl . 43.

Notifi cados, prestaram informações o Juiz de primeiro grau (fl s. 47-48) e o

Tribunal de origem (fl s. 135-136).

A douta Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se (fl s. 147-148),

opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.

Tenho que a ordem deve ser denegada, pois, conforme demonstram as

informações prestadas, o paciente foi pronunciado, em 4.9.2009, como incurso no

art. 121, § 2º, I e V, c.c. art. 14, II, e 29; todos do Código Penal, e no art. 288, parágrafo

único, do Estatuto Penal, c.c. o art. 1º e seguintes da Lei n. 9.034/1995.

Dessa forma, fi ca superada a alegação de excesso de prazo na formação da culpa,

nos termos do Enunciado n. 21 da Súmula desta Corte, verbis:

Pronunciado o reu, fi ca superada a alegação do constrangimento ilegal

da prisão por excesso de prazo na instrução.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

980

Ademais, como bem destacado pelo parquet, trata-se de processo extremamente

complexo envolvendo vinte e um réus e a prática de vários crimes praticados em uma

onda de violência promovida por uma estruturada organização criminosa, com

necessidade de oitiva de diversas testemunhas e expedição de cartas precatórias,

inexistindo, a meu ver, qualquer constrangimento ilegal a ser sanado.

Nesse sentido:

A - Habeas corpus. Homicídios qualifi cados. Quadrilha armada. Prisão

preventiva. Excesso de prazo. Razoabilidade. Ação penal complexa.

Organização criminosa. Superveniência de decisão de pronúncia. Atraso

superado. Inteligência da Súmula n. 21-STJ. Constrangimento não

evidenciado.

1. Tratando-se de ação penal complexa, que busca elucidar a suposta

prática de dois crimes de homicídio qualifi cado, além de quadrilha armada,

cometidos por supostos integrantes de organismo criminoso altamente

estruturado, que comandavam a ação ilícita de dentro de estabelecimento

prisional, tendo as respectivas interceptações telefônicas somado cerca de

540 horas de gravações, encontra-se justificado eventual dilação do prazo

necessário para o encerramento da instrução, à luz da razoabilidade, não se

vislumbrando, na hipótese, desídia da autoridade judiciária na condução do

feito.

2. Ademais, com a superveniência da pronúncia do paciente, encontra-se

superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo, conforme

dicção do Verbete Sumular n. 21 deste Superior Tribunal de Justiça.

3. Ordem denegada.

(HC n. 142.299-SP, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de 6.9.2010).

B - Habeas corpus. Processual Penal. Homicídio qualifi cado a mando do

PCC. Sentença de pronúncia. Prisão preventiva. Princípio da razoabilidade.

Feito complexo. Demora justifi cada. Decreto prisional fundamentado.

1. Embora tenha transcorrido mais de três anos desde a decretação da

prisão, por ocasião da pronúncia, trata-se de feito complexo, envolvendo

14 (catorze) denunciados, com necessidade de expedição de várias cartas

precatórias, de nomeação de seguidos defensores dativos, ocasionando

compreensível demora na conclusão da instrução do processo.

2. O Paciente é acusado, juntamente como outros detentos, de executar

friamente as vítimas, juradas de morte pela organização criminosa

denominada PCC, dentro do Presídio, por espancamento e golpes de

estilete, a revelar sua extrema periculosidade, mostrando-se sobejamente

motivado o decreto prisional.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 981

3. Há de se destacar que o Paciente já se encontrava cumprindo pena no

estabelecimento prisional onde, em tese, praticara o crime, sendo que está

hoje em regime fechado, com término previsto para 27.3.2031.

4. Ordem denegada, mas concedido habeas corpus de ofício, para

determinar ao juízo processante que leve o feito a julgamento perante o

Júri Popular com a brevidade possível.

(HC n. 149.199-SP, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 28.6.2010).

C - Processual Penal. Habeas corpus. Homicídio qualificado. Excesso

de prazo na conclusão da instrução. Decisão de pronúncia. Súmula n. 21-

STJ. Fundamentação da decisão. Periculosidade do agente. Necessidade

de garantir a instrução criminal e resguardar a ordem pública. Ordem

denegada.

1. De acordo com o Enunciado n. 21 desta Corte, pronunciado o réu, fi ca

superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo

na instrução criminal.

2. Embora a decisão de pronúncia seja um título judicial diferente

daquele que determinou a prisão preventiva, pode conter os mesmos

fundamentos desta para alicerçar a prisão.

3. A periculosidade do agente pode ser aferida pelo modus operandi do

delito, pelo fato do paciente pertencer, segundo testemunhas, a uma forte

organização criminosa e incutir medo em quem pretendia depor contra ele,

fato que justifi ca a necessidade de garantir a instrução criminal e resguardar

a ordem pública.

4. Ordem denegada.

(HC n. 92.863-SP, Relatora a Ministra Jane Silva (Desembargadora

convocada do TJ-MG), DJe de 10.3.2008)

De outro lado, não há que se falar em extensão dos efeitos da decisão da Corte a

quo que concedeu a liberdade ao corréu Adriano Paulo da Costa, porque, como dito

no acórdão atacado, a situação processual dos acusados é distinta, pois quando foi

concedido o benefício ao corréu a instrução ainda não havia se encerrado e no caso

do paciente já foi proferida sentença de pronúncia em seu desfavor.

Com a pronúncia, passou a existir novo título com novos fundamentos a justifi car

a custódia cautelar, devendo o novo título ser submetido inicialmente à análise do

Tribunal Estadual, sob pena de indevida supressão de instância.

Vejam-se os nossos precedentes:

A - Processo Penal. Homicídio qualifi cado. Decreto de prisão preventiva.

Superveniência de sentença de pronúncia. Novo título. Fundamentação

distinta do decreto originário. Controvérsia não-apreciada pelo Tribunal de

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

982

origem. Impossibilidade de conhecimento. Supressão de instância. Excesso

de prazo para o encerramento da instrução criminal. Súmula n. 21-STJ.

Ordem não-conhecida. Remessa dos autos ao Tribunal de origem.

1. Havendo novo título a respaldar a custódia cautelar do paciente –

sentença de pronúncia que negou o direito de aguardar em liberdade por

outros fundamentos que não os contidos no decreto de prisão preventiva

originário –, a controvérsia não pode ser apreciada pelo Superior Tribunal de

Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.

2. O excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal, segundo

pacífi co magistério jurisprudencial deste Superior Tribunal, deve ser aferido

dentro dos limites da razoabilidade, considerando circunstâncias excepcionais

que venham a retardar a instrução criminal e não se restringindo à simples

soma aritmética de prazos processuais.

3. Havendo pronúncia, fi ca superada a alegação do constrangimento ilegal

da prisão por excesso de prazo, a teor da Súmula n. 21 do STJ.

4. Ordem não-conhecida, com determinação da remessa dos autos ao

Tribunal de origem a fi m de que aprecie, como entender de direito, o mérito

deste writ.

(HC n. 143.767-SP, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de

29.3.2010).

B - Penal. Processo Penal. Habeas corpus. Prisão preventiva.

Fundamentação. Ausência. Pronúncia. Superveniência. Novo título e novo

fundamento. Fundamento lastreado em elementos concretos constantes

da folha de antecedentes. Ordem denegada.

1. A superveniência de pronúncia na qual se apresenta novo fundamento

para a custódia torna prejudicado o habeas corpus impetrado contra a

decisão que, sob outros fundamentos, decretara a prisão preventiva.

2. Os maus antecedentes anotados pela decisão de pronúncia possuem

amparo na folha de antecedentes criminais, não havendo, pois, que se falar

em fundamentação abstrata.

3. Ordem denegada.

(HC n. 63.913-SP, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJU

de 15.10.2007).

No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

A - Habeas corpus. Prisão preventiva. Superveniência de pronúncia que

constitui título prisional. Pedido julgado prejudicado.

Não mais subsistindo a decisão interlocutória que decretou a prisão

preventiva do paciente, o qual, atualmente, está preso em razão de

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 983

superveniente sentença de pronúncia, que constitui novo título prisional,

impõe-se o reconhecimento da prejudicialidade do pedido. Precedentes (HC n.

97.548, rel. min. Ellen Gracie, DJe-162 de 28.8.2009).

Habeas corpus julgado prejudicado.

(HC n. 96.486, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 5.11.2009).

B - Habeas corpus. Processual Penal. Prisão preventiva. Ordem não

conhecida no STJ. Supressão de instância. Análise. Impossibilidade. Dupla

supressão de instância. Superveniência da sentença de pronúncia. Novo

título da prisão. Ordem não conhecida.

I - Representa dupla supressão de instância a análise de matéria não

conhecida pelo STJ em razão de o writ lá manejado voltar-se contra decisão de

primeira instância jurisdicional.

II - Com a prolação da sentença de pronúncia alterou-se o título da

prisão cautelar do paciente.

III - Habeas corpus não conhecido.

(HC n. 96.993, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 13.8.2009).

Diante do exposto, denego o habeas corpus (STJ, HC n. 162.348-SP, Rel.

Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Sexta

Turma, DJE de 29.11.2010).

Por oportuno, trago à colação os seguintes precedentes:

Habeas corpus. Homicídio triplamente qualifi cado. Aborto provocado

por terceiro. Ameaça. Cárcere privado. Prisão preventiva. Fundamentação

calcada em elementos concretos. Ocorrência. Requisitos do art. 312 do CPP.

Preenchimento. Pronúncia. Réu preso. Ausência de fato novo. Excesso de

prazo. Processo complexo. Pluralidade de réus. Necessidade de expedição de

precatórias. Súmula n. 21-STJ. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância.

Constrangimento ilegal não evidenciado.

1. A prisão preventiva do paciente está devidamente fundamentada,

com a indicação de elementos concretos no tocante à garantia da ordem

pública, à conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal,

evidenciadas pelo modus operandi dos delitos, pelo emprego de veneno

contra a vítima gestante e o nascituro, pelo intenso sofrimento e agonia

suportados por ambos antes de falecerem, além de se apontar a existência

de ameaças às vítimas e testemunhas e o emprego de fuga.

2. As instâncias ordinárias, quando proferida a pronúncia, concluíram

persistir os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva do

paciente, os quais se apoiaram em elementos concretos contidos nos

autos, além de ressaltar que o paciente aguardou preso a conclusão do

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

984

procedimento criminal, inexistindo, ademais, fatos novos capazes de

promover a sua soltura após a segregação preventiva.

3. A ação penal tramita regularmente, tratando-se de processo complexo,

em que se apura a prática de quatro delitos, com pluralidade de réus e

necessidade de expedição de cartas precatórias, não havendo óbice para a

incidência da Súmula n. 21-STJ.

4. Condições pessoais favoráveis não possuem o condão de, por si sós,

conduzirem à revogação da prisão preventiva quando houver elementos

concretos nos autos que autorizam a manutenção da medida extrema.

5. Ordem denegada (STJ, (HC n. 235.005-MT, Rel. Ministro Sebastião Reis

Júnior, Sexta Turma, DJe de 20.6.2012).

Habeas corpus. Processual Penal. Homicídio qualifi cado a mando do PCC.

Sentença de pronúncia. Prisão preventiva. Princípio da razoabilidade. Feito

complexo. Demora justifi cada. Decreto prisional fundamentado.

1. Embora tenha transcorrido mais de três anos desde a decretação da

prisão, por ocasião da pronúncia, trata-se de feito complexo, envolvendo

14 (catorze) denunciados, com necessidade de expedição de várias cartas

precatórias, de nomeação de seguidos defensores dativos, ocasionando

compreensível demora na conclusão da instrução do processo.

2. O Paciente é acusado, juntamente como outros detentos, de executar

friamente as vítimas, juradas de morte pela organização criminosa

denominada PCC, dentro do Presídio, por espancamento e golpes de

estilete, a revelar sua extrema periculosidade, mostrando-se sobejamente

motivado o decreto prisional.

3. Há de se destacar que o Paciente já se encontrava cumprindo pena no

estabelecimento prisional onde, em tese, praticara o crime, sendo que está

hoje em regime fechado, com término previsto para 27.3.2031.

4. Ordem denegada, mas concedido habeas corpus de ofício, para

determinar ao juízo processante que leve o feito a julgamento perante o Júri

Popular com a brevidade possível (STJ, HC n. 149.199-SP, Rel. Ministra Laurita

Vaz, Quinta Turma, DJe de 28.6.2010).

Habeas corpus. Paciente pronunciado, em 30.5.2005. Por homicídio

triplamente qualifi cado (art. 121, § 2º, II, . III e IV, c.c. art. 29, ambos do CPB).

Pretensão de inocência. Inadmissibilidade de atividade investigatória na via

eleita. Excesso de prazo. Enunciado n. 21 da Súmula de Jurisprudência do STJ.

Elevado número de acusados (12 réus). Complexidade do feito: crime praticado

em estabelecimento prisional, por supostos integrantes de conhecida facção

criminosa atuante no Estado de São Paulo. Grande quantidade de recursos

manejados pelas defesas, o que resultou, inclusive, no desaforamento do

julgamento para a comarca de Presidente Prudente-SP. Parecer do MPF pela

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 985

denegação da ordem. Ordem denegada, com recomendação de imediata

designação de data para o julgamento do paciente.

1. A pretensão do paciente de ver reconhecida sua inocência não

comporta cabimento em sede de Habeas Corpus, por demandar atividade

investigativa incompatível com a evidente estreiteza cognitiva da via eleita.

2. Firme é o entendimento desta Corte Superior quanto à superação da

alegação de excesso de prazo na formação da culpa, quando já pronunciado

o paciente por infração ao art. 121, § 2º, II, III e IV, c.c. art. 29, ambos do CPB,

nos termos do Enunciado Sumular n. 21-STJ.

3. Nada obstante verifi car-se atraso superior a 4 anos, desde a pronúncia,

sem que tenha sido realizado o julgamento do paciente, a demora encontra

justifi cativa no elevado número de acusados envolvidos no fato (são 12 os réus),

pela evidente complexidade do feito, porquanto envolve homicídio triplamente

qualifi cado ocorrido dentro de um estabelecimento prisional, levado a cabo

por supostos integrantes de conhecida facção criminosa, atuante no Estado

de São Paulo, e, principalmente, em razão da grande quantidade de recursos

manejados pelas defesas, o que resultou, inclusive, no desaforamento do

julgamento para a comarca de Presidente Prudente-SP.

4. Parecer do MPF pela denegação da ordem.

5. Ordem denegada, com recomendação de imediata designação de data

para o julgamento do paciente (STJ, HC n. 143.094-SP, Rel. Ministro Napoleão

Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe de 14.12.2009).

Ante o exposto, não conheço do Habeas corpus, recomendando, porém, que

o impetrado julgue o Recurso em Sentido Estrito do paciente com brevidade,

implementando medidas, se o caso, para que tal venha a ocorrer, a fi m de

permitir que o feito seja também julgado, com brevidade, pelo Tribunal do Júri,

em 1º Grau.

Encaminhe-se cópia do presente acórdão, com urgência, ao impetrado e ao

Juízo de 1º Grau.

É como voto.

VOTO VENCIDO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: A meu ver, a hipótese é de

concessão da ordem de ofício.

Conforme se extrai dos autos, o paciente foi preso temporariamente

por crime praticado em 12.5.2006, sendo decretada sua prisão preventiva em

28.8.2006, portanto, há cerca de 6 anos e 7 meses.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

986

Ele foi pronunciado em 4.9.2009, ocasião em que foi preservada a custódia

cautelar. Até a presente data, ou seja, passados mais de três anos da pronúncia, o

recurso em sentido estrito ainda não foi julgado. E não há qualquer perspectiva

de que o paciente seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri em prazo

razoável, especialmente considerando a complexidade do feito.

Por mais que se reconheça a gravidade do delito imputado ao paciente, a

complexidade da causa e a quantidade de acusados, é demasiada a delonga no

encarceramento do paciente.

Em situações análogas, esta Corte declarou a ilegalidade da manutenção

da prisão cautelar. Confi ram-se:

Recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Prisão preventiva.

Excesso de prazo. Paciente preso cautelarmente há mais de 06 (seis) anos.

Constrangimento ilegal evidenciado. Superveniência da sentença de pronúncia.

Súmula n. 21 do STJ. Mitigação. Princípios da razoabilidade e da duração razoável

do processo. Recurso provido.

1. Em que pese a gravidade dos fatos apurados na ação penal, constata-se

que o Paciente está preso preventivamente desde 20.5.2006, ou seja, há mais

de 6 (seis) anos, sem perspectiva de julgamento no Tribunal do Júri, o que já

demonstra excesso a sinalizar o desrespeito ao Princípio da Razoabilidade.

2. A teor da Súmula n. 21 desta Corte, “pronunciado o réu, fi ca superada a

alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”.

Tal entendimento, porém, deve ser mitigado, à luz do Princípio da Razoabilidade,

em se considerando que não pode o réu permanecer preso cautelarmente, de

forma indefi nida, no aguardo do julgamento do mérito, como na espécie.

3. “A interposição de recurso em sentido estrito contra a sentença de pronúncia

constitui prerrogativa inerente ao direito de defesa e ao legítimo exercício da

garantia do duplo grau de jurisdição, não se havendo de imputar ao paciente,

que lança mão desse recurso, a responsabilidade pelo excesso de prazo da prisão

cautelar” (HC n. 123.497-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 22.3.2010).

4. É de se reconhecer, portanto, que a demora injustifi cada confi gura, sem

dúvidas, afronta ao Princípio da Duração Razoável do Processo, previsto no art. 5º,

inciso LXXVII, da Constituição da República, acrescido pela Emenda Constitucional

n. 45/2004 (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”).

5. Recurso ordinário provido para determinar a expedição de alvará de soltura

em favor do Paciente, se por outro motivo não estiver preso, a fi m de que possa

aguardar o julgamento pelo Tribunal do Júri em liberdade.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 987

(RHC n. 29.115-PI, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

18.12.2012, DJe 1º.2.2013).

Habeas corpus. Tentativa de homicídio. Excesso de prazo. Superveniência de

decisão de pronúncia. Enunciado n. 21 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Não incidência. Prisão cautelar que perdura por mais de cinco anos. Ausência

de previsão para o julgamento pelo Tribunal do Júri. Constrangimento ilegal

caracterizado. Ordem concedida.

1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o excesso

de prazo não resulta de simples operação aritmética. Complexidade do processo,

retardamento injustifi cado, atos procrastinatórios da defesa e número de réus

envolvidos são fatores que, analisados em conjunto ou separadamente, indicam

ser, ou não, razoável o prazo na formação da culpa.

2. No caso, a demora na conclusão do processo encontra-se absolutamente

divorciada dos padrões de razoabilidade. O paciente está preso há mais de 5

(cinco) anos, data a pronúncia de 30 de março de 2009, e ainda não há previsão

para o julgamento pelo Tribunal Popular. Além disso, o processo penal de que ora

se cuida não ostenta a nota da complexidade, sem falar no fato de que a causa

em questão não pode ser qualifi cada como um litígio de caráter multitudinário,

pois trata-se de feito envolvendo apenas um acusado, ressaltando-se que foi

expedida uma única carta precatória para o interrogatório do réu na primeira fase

do procedimento escalonado do Júri. O Tribunal de Justiça não apontou eventual

colaboração da defesa para a demora e furtou-se de noticiar a designação de data

para o julgamento pelo Júri.

3. A já existente pronúncia não impede o exame do pedido. Na espécie, o

Enunciado n. 21 da Súmula desta Corte deve ser afastado em homenagem aos

princípios da celeridade e da dignidade humana, tendo em vista que não pode o

acusado permanecer preso, de forma indefi nida, aguardando o julgamento pelo

Tribunal Popular. Precedentes.

4. A interposição de recurso em sentido estrito contra a sentença de pronúncia

constitui prerrogativa inerente ao direito de defesa e ao legítimo exercício da

garantia do duplo grau de jurisdição, não se havendo de imputar ao paciente,

que lança mão desse recurso, a responsabilidade pelo excesso de prazo da prisão

cautelar.

5. A liberdade, não se pode olvidar, é a regra em nosso ordenamento

constitucional, somente sendo possível sua mitigação em hipóteses estritamente

necessárias. Contudo, a prisão de natureza cautelar não confl ita com a presunção

de inocência, quando devidamente fundamentado pelo juiz ser ela necessária.

6. A despeito de a fundamentação da prisão cautelar não ter sido,

originariamente, objeto do presente habeas corpus, não há, na decisão de

pronúncia, elemento concreto, palpável, de convicção, que justifi que a prisão de

índole excepcional, circunstância, pois, que também acarretaria, ainda que de

ofício, a revogação da prisão decretada em desfavor do paciente.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

988

7. Ordem concedida para determinar a expedição de alvará de soltura em favor

do paciente, se por outro motivo não estiver preso, a fi m de que possa aguardar o

seu julgamento, pelo Tribunal do Júri, em liberdade, mediante comparecimento a

todos os atos do processo.

(HC n. 201.831-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado

em 5.6.2012, DJe 20.6.2012).

Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado e furto qualificado.

Prisão preventiva. Pronúncia. Recurso em sentido estrito julgado. Falta de

fundamentação do acórdão. Recurso especial interposto. Writ substitutivo.

Impossibilidade. Não conhecimento. Excesso de prazo. Prisão que perdura

por mais de quatro anos. Processo há mais de 1 ano e 5 meses sem o juízo de

admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Ilegalidade.

1. É imperiosa necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem

de se prestigiar a lógica do sistema recursal. Deve ser observada sua função

constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou

ameaça à liberdade de locomoção.

2. As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se admitindo que

o remédio constitucional seja utilizado em substituição a recursos ordinários

(apelação, agravo em execução, recurso especial etc.), tampouco como sucedâneo

de revisão criminal.

3. O habeas corpus não foi criado para a finalidade aqui empregada, de

reconhecer omissão em acórdão proferido em sede de recurso em sentido estrito.

Para tal intento, existe o recurso especial, que inclusive foi interposto, estando

ainda em fase de admissibilidade na Corte Estadual.

4. A celeridade processual é ideia-força imanente ao Estado Democrático

de Direito. Hipótese em que a prisão processual se arrasta por mais de quatro

anos. O recurso em sentido estrito já foi julgado há mais de 1 ano e 5 meses e

sequer houve o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário

interpostos. O feito fi cou mais e 1 ano aguardando as contrarrazões do parquet.

Ilegalidade evidente.

5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido para

relaxar a prisão da paciente na ação penal aqui tratada, em razão do excesso de

prazo. Ela deve ser colocada em liberdade, se por outro motivo não estiver presa.

(HC n. 172.830-PE, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,

julgado em 17.11.2011, DJe 8.2.2012).

Assim, não parece razoável que seja preservada a prisão cautelar do

paciente, que já perdura há mais de seis anos, sem que sequer tenha havido

o julgamento do recurso em sentido estrito formulado contra a sentença de

pronúncia.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 989

Segundo o meu juízo, tal delonga denota inaceitável excesso de

prazo, revelador de constrangimento ilegal. Na contramão dos comandos

constitucionais, o Estado retardou a marcha processual por circunstâncias

que não podem, creio, ser atribuídas comportamento da Defesa, como se viu,

golpeando a garantia da razoável duração do processo.

A doutrina é enfática em proclamar que a cristalização do direito à

celeridade processual é o primeiro passo no sentido de se estabelecer um prazo

fi xo para a segregação cautelar, como já ocorre na prisão temporária:

(...) as pessoas têm o direito de saber, de antemão e com precisão, qual é

o tempo máximo que poderá durar um processo penal. Essa afi rmação, com

certeza, causará espanto e até um profundo rechaço por algum setor atrelado

ainda ao paleopositivismo e, principalmente, cego pelo autismo jurídico. Basta

um mínimo de capacidade de abstração, para ver que isso está presente - o

tempo todo - no direito e fora dele. É inerente às regras do jogo. Por que não se

pode saber, previamente, quanto tempo poderá durar, no máximo, um processo?

Porque a arrogância jurídica não quer esse limite, não quer reconhecer esse

direito do cidadão e não quer enfrentar esse problema.

Além disso, dar ao réu o direito de saber previamente o prazo máximo

de duração do processo ou de uma prisão cautelar, é uma questão de

reconhecimento de uma dimensão democrática da qual não podemos abrir mão.

(LOPES JR., Aury, BADARÓ, Gustavo Henrique, Direito ao processo penal no prazo

razoável, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, pp. 108-109).

Assim, de rigor o relaxamento da custódia cautelar do paciente nos autos

da ação penal aqui tratada, sem prejuízo de que seja preso por outro processo ou

por motivação superveniente.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de

ofício para relaxar a prisão do paciente, por excesso de prazo.

RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 34.059-BA (2012/0214956-8)

Relator: Ministro Og Fernandes

Recorrente: Carlos Alberto Fructuoso

Recorrente: Elias José Vaz Calil

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

990

Recorrente: José de Souza Lima

Recorrente: Robinson Gaudino Caputo

Advogados: Paulo Olimpio Gomes de Souza

Fabricio Dreyer de Ávila Pozzebon

Felipe Dreyer de Avila Pozzebon e outro(s)

Recorrido: Ministério Público Federal

EMENTA

Recurso ordinário em habeas corpus. Crime contra o Sistema

Financeiro Nacional. Evasão de divisas. Exportação de mercadorias.

Ausência de comprovação de ingresso de moeda estrangeira no país.

Art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986. Inadequação típica.

1. A conduta de promover a saída de mercadorias para o exterior

(exportação), sem comprovar o ingresso no País da moeda estrangeira

correspondente, por estabelecimento autorizado a operar em câmbio,

não se enquadra na fi gura típica prevista no art. 22, parágrafo único,

da Lei n. 7.492/1986.

2. O que se proíbe com o referido dispositivo legal é a saída de

moedas ou divisas do país, não podendo ser abarcada nessa previsão

a remessa de mercadorias, tampouco a ausência de internalização do

montante recebido, sob pena de se promover nítida interpretação

ampliativa, inadmissível na seara criminal, regida pelos princípios da

legalidade estrita e da taxatividade.

3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento

para trancar a ação penal de que se cuida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro

Relator. O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior e as Sras. Ministras Assusete

Magalhães, Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-

PE) e Maria Th ereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 991

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Dr(a). Leonel Annes Keunecke, pelas partes recorrentes: Carlos Alberto

Fructuoso, Elias José Vaz Calil, José de Souza Lima e Robinson Gaudino

Caputo.

Brasília (DF), 19 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministro Og Fernandes, Presidente e Relator

DJe 5.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso ordinário interposto por

Carlos Alberto Fructuoso, Elias José Vaz Calil, José de Souza Lima e Robinson

Gaudino Caputo contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região,

que denegou o habeas corpus lá impetrado, no termos da seguinte ementa:

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Pedido de trancamento de ação

penal. Crime contra o Sistema Financeiro. Evasão de divisas. Alegação de

constrangimento ilegal por ausência de justa causa para o prosseguimento

da ação penal. Incabível a via estreita do habeas corpus para exame de prova.

Constrangimento ilegal não confi gurado.

1. Para o prosseguimento da ação penal basta a existência de elementos

mínimos demonstrativos da ocorrência de um delito, com a descrição precisa

de fatos revestidos, em tese, de ilicitude penal. O só fato de não ser cristalina a

inocorrência de conduta criminosa do agente ou sua manifesta atipicidade faz

com que a prática dos fundamentos e dos limites do agir do paciente seja objeto

de apuração.

2. A análise da negativa de autoria e materialidade delitivas é incompatível

com o rito do habeas corpus, que não se presta a exame aprofundado da questão

fática.

3. Ordem denegada.

Consta dos autos que os recorrentes foram denunciados pela prática do

delito previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986 (operação de

câmbio não autorizada), c.c. o art. 71 do Código Penal.

Segundo a denúncia, os recorrentes teriam, “entre 7 de junho de 1994 e

22 de abril de 2000, na qualidade de representantes legais da empresa Linear

Equipamentos Eletrônicos S/A, promovido, sem a autorização legal, a saída de

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

992

mercadorias para o exterior (exportação), sem comprovar o ingresso no país da

moeda estrangeira correspondente ou a repatriação das mercadorias exportadas”.

Objetivando o trancamento da ação penal, a defesa impetrou habeas corpus,

que foi denegado pelo Tribunal de origem.

Daí o presente recurso ordinário, por meio do qual os recorrentes buscam,

mais uma vez, o trancamento da ação penal, em virtude da inexistência de

justa causa para a persecução penal, ao argumento de que a conduta narrada na

exordial acusatória seria atípica.

Alegam que o ilícito previsto no art. 22 da Lei n. 7.492/1986 não se

confi gura quando o agente, ao exportar mercadorias, deixa de efetuar a operação

de câmbio correspondente, ou de concluir os contratos de câmbio regularmente

realizados, pois nessa hipótese, não há propriamente “evasão” de divisas.

Buscam, assim, o trancamento da ação penal.

A liminar foi indeferida às e-fl s. 135-136.

A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo improvimento

do reclamo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Conforme relatado, buscam

os recorrentes o trancamento da presente ação penal, levando em conta a

atipicidade da conduta a eles imputada.

Narra a denúncia que (e-fl s. 21-22):

Entre 7 de junho de 1994 e 22 de abril de 2000, em Ilhéus-BA, os denunciados

Carlos Roberto Frectuoso, Elias José Vaz Calil, José de Souza Lima e Robinson

Gaudino Caputo, por meio de pessoa jurídica por eles constituída e representada

(Linear Equipamentos Eletrônicos S/A), agindo em concurso e com unidade de

propósitos, promoveram, sem a autorização legal, a saída de mercadorias para

o exterior (exportação), sem comprovar o ingresso no País da moeda estrangeira

correspondente, por estabelecimento autorizado a operar em câmbio. Tampouco, os

acusados comprovaram a repatriação das mercadorias exportadas.

As remessas de mercadorias somaram US$ 958.429,3, correspondendo a 43

despachos de exportação. Os dirigentes da empresa deixaram de comprovar a

entrada no país de US$ 70.667,56 (setenta mil, seiscentos e sessenta e sete dólares

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 993

dos Estados Unidos e cinquenta e seis centavos) perante o Banco Central. A não

declaração de valores e o não retorno das mercadorias ao território nacional

confi guram a manutenção dos valores não declarados no exterior.

Em depoimentos prestados em 22 de outubro de 2008, Robinson Gaudino

Caputo, José de Souza Lima, Carlos Alberto Fructuoso e Elias José Vaz Calil,

confi rmaram ser acionistas da empresa Linear Equipamentos Eletrônicos S/A, com

sede em Santa Rita do Sapucaí-MG, exercendo funções de diretoria. Disseram

ter conhecimento da venda de equipamentos para o exterior no período acima

indicado. Contaram que houve inadimplência por parte de alguns compradores

e, uma vez que seria muito oneroso repatriar as mercadorias, pois teriam que

pagar imposto de importação, alegaram que os sócios da empresa, os próprios

denunciados, decidiram arcar com o prejuízo, pagando multa de cerca de US$

100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos) - fl s. 97 a 103.

(...)

Os denunciados enviaram divisas para o exterior em prejuízo da União, tendo

induzido e mantido o Bacen e a RFB em erro, para obter vantagem indevida,

decorrente da não formalização dos contratos de câmbio. Não houve o ingresso

da moeda estrangeira no País em virtude da exportação nem a repatriação das

mercadorias.

Em assim agindo, os ora denunciados incorreram nas penas do art. 22,

parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, c.c. art. 29, do CP, pelo que requer o

Ministério Público Federal a condenação de todos por sonegação de cobertura

cambial em exportação, após o devido processo legal (...).

O juiz de primeiro grau, ao analisar o conteúdo da defesa preliminar

apresentada pelos ora recorrentes, afastou a alegação de atipicidade da conduta,

assim consignando (e-fl . 62):

Por oportuno, esclareço que descabe alegação de atipicidade da conduta, visto

que, como bem asseverou o MPF, as exportações de mercadorias supostamente

foram efetuadas pelos acusados, sem a comprovação do ingresso correspondente

em moeda estrangeira nem a repatriação de mercadoria. Desta forma, tendo havido,

supostamente, a saída das mercadorias do país, em desconformidade com a

ordem legal, deu-se a evasão, conduta que se amolda perfeitamente ao tipo descrito

na denúncia.

No presente recurso, alegam, por sua vez, que a conduta imputada é

manifestamente atípica. A uma, porque a ação incriminada é a de saída de

“moeda ou divisa” do território nacional, e o seu não ingresso não constitui

conduta que possa ser a ela equiparada. A duas, porque tal saída não se deu

“sem autorização legal” ou “em desconformidade com a ordem legal”, mas

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

994

sim, inexistiu o ingresso do valor relativo ao inadimplemento ocorrido (US$

70.667,56).

Sustentam, ainda, que o conceito de “divisa” e o de “moeda” previstos na

fi gura típica não abarca as “mercadorias exportadas”.

Após detida análise dos autos, penso serem procedentes as razões

defensivas.

De fato, nota-se que a conduta apontada como criminosa pelo Ministério

Público consiste na promoção de saída de mercadorias para o exterior (exportação),

sem a comprovação de ingresso de moeda estrangeira no país, relativa ao valor total

de exportação das mercadorias, não ocorrendo também a repatriação dessas.

Em vista disso, os pacientes foram denunciados como incursos no art. 22,

parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, in verbis:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fi m de promover

evasão de divisas do País:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem

autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver

depósitos não declarados à repartição federal competente.

Ora, fi ca claro, a partir da simples leitura do dispositivo acima transcrito,

que a conduta que se visa coibir com a dita norma penal é a de promover a saída

de moeda ou divisa para o exterior, ou ainda, manter no exterior depósitos não

declarados à repartição federal competente.

Ocorre que a inicial acusatória fez recair sobre os recorrentes a conduta

de terem promovido, “sem a autorização legal, a saída de mercadorias para o

exterior (exportação), sem comprovar o ingresso no País da moeda estrangeira

correspondente, por estabelecimento autorizado a operar em câmbio”, o que, à

evidência, não se enquadra no aludido tipo penal.

Note-se que os recorrentes fi zeram sair do país mercadorias, e que o conceito

destas não pode ser equiparado ao de “moeda” ou “divisas” utilizados pelo

legislador, sob pena de se promover nítida interpretação ampliativa, inadmissível

na seara criminal, regida pelos princípios da legalidade estrita e da taxatividade.

Da mesma maneira, não há como considerar típica a conduta relativa à

ausência de ingresso no país de moeda estrangeira, enquanto o que se proíbe

com o referido dispositivo legal é a saída de moeda ou divisa para o exterior.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 995

É de sabença que o Direito Penal traduz intervenção direta na liberdade

dos indivíduos, dando suporte à atuação do jus puniendi estatal, razão pela

qual torna-se essencial que as condutas pelas quais possam ser repreendidos os

agentes sejam conhecidas por eles, de modo a evitar arbitrariedades.

Nesse contexto, não se descura da importância que o princípio da reserva

legal adquire no Direito Penal, mostrando-se imprescindível que a conduta

reprovável se encaixe perfeitamente no modelo descrito na lei penal vigente

na data da ação ou omissão, o que, conforme visto, não ocorreu na hipótese em

apreço.

Transcrevo a lição de Cezar Roberto Bitencourt e Juliano Breda:

Somente para afastar os “fantasmas interpretativos” relembramos que o

vocábulo “saída” referindo-se à “moeda ou divisa”, complementando com a

locução “para o exterior”, não pode, em hipótese alguma, ser interpretado

como “entrada” sem violentar o princípio da reserva legal e, fundamentalmente,

a função taxativa da tipicidade (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

e Contra o Mercado de Capitais, Lumens Juris, Editora, 2ª Edição, RJ, 2011, p.

276).

Diante de tais motivos, faço coro às numerosas vozes deste Superior

Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que, em casos análogos ao

presente, assim já decidiram:

Penal. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Evasão de divisas.

Exportação de mercadorias. Ausência de liquidação do contrato cambial.

Depósito não declarado no exterior. Presunção. Impossibilidade. Ônus da prova.

Recurso desprovido.

1. O crime de evasão de divisas previsto na última parte do parágrafo único

do art. 22 da Lei n. 7.492/1986 - manutenção de depósito no exterior - pressupõe

a identifi cação da instituição e dos valores guardados ao arrepio da autoridade

monetária brasileira.

2. O mero fato de não ter sido liquidado no Brasil o contrato de câmbio

é incapaz de gerar a presunção de que a empresa exportadora recebeu o

pagamento objeto do acordo e o mantém em instituição fi nanceira situada fora

do país.

3. Não pode o intérprete estender o sentido da norma contida na primeira parte

do parágrafo único da lei em comento, a fim de considerar típica a ausência de

internalização do pagamento recebido, sob pena de absoluto desvirtuamento do

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

996

comando normativo, o qual apenas criminaliza a saída de divisas do território

nacional.

4. O conceito de divisas não inclui, segundo a doutrina majoritária e precedentes

dos Tribunais Superiores, mercadorias destinadas à exportação.

5. Recurso especial desprovido. (REsp n. 914.077-RS, relator o Ministro Jorge

Mussi, Dje de 17.12.2010).

Penal e Processo Penal. Agravo regimental em recurso especial. Contrariedade

ao art. 22, p. único, da Lei n. 7.492/1986. Inocorrência. Saída de mercadorias para

o exterior. Não ingresso de moeda estrangeira. Atipicidade. Súmula n. 83-STJ.

Dissídio jurisprudencial. Art. 255-RISTJ. Inobservância. Recurso especial a que se

nega seguimento.

1. A conduta relativa à exportação de mercadorias sem a respectiva liquidação

do contrato de câmbio, com o ingresso das correspondentes divisas, não se

enquadra no fato típico descrito no artigo 22, parágrafo único da Lei n. 7.492/1986.

2. Para comprovação da divergência jurisprudencial, não basta a simples

transcrição de ementas, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias

que identifi quem ou assemelhem os casos confrontados.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 997.329-RS,

Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Dje de 25.4.2011).

Penal. Recurso especial. Art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986.

Exportacão de mercadorias sem a operação de câmbio correspondente.

Atipicidade.

I - A exportação de mercadorias, sem a correspondente operação de câmbio, não

confi gura o crime do art. 22, Parágrafo Único, da Lei n. 7.492/1986 (Precedente do

STF).

II - No tocante à fi gura delineada na parte fi nal do parágrafo único do art. 22 da

L. n. 7.492/1986, é manifesto que não cabe subsumir à previsão típica de promover a

“saída de moeda ou divisa para o exterior”, a conduta de quem, pelo contrário, nada

fez sair do País, mas, nele, deixou de internar moeda estrangeira ou o fez, mas de

forma irregular. (STF - HC n. 88.087-RJ, Relator Min. Sepúlveda Pertence, DJe de

15.12.2006).

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso ordinário em habeas

corpus para trancar a ação penal de que se cuida, ante a ausência de tipicidade da

conduta.

É como voto.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 997

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 30.172-MT

(2009/0153233-9)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Recorrente: João Arcanjo Ribeiro (preso)

Advogado: Zaid Arbid

Recorrido: Ministério Público Federal

EMENTA

Processo Penal. Recurso ordinário em mandado de segurança.

Manifestação da defesa para obstar o julgamento do writ. Fax

remetido na véspera da sessão. Artigo 565 do Código de Processo

Penal. Nulidade. Inocorrência. Adiamento. Deferimento facultativo.

Demonstração da relevância e pertinência. Imprescindível. Diligência

defensiva pela apreciação tempestiva da petição. Ausência. Desídia da

defesa. Perdimento dos bens. Trânsito em julgado. Imprescindibilidade.

Sequestro de outro bem. Efetividade de medida anterior. Inovação.

Inexistência. Manifestação prévia da defesa. Impossibilidade.

Contraditório postergado. Recurso a que se nega provimento.

1. Não há falar em nulidade na realização do julgamento do

mandado de segurança, por ausência de sustentação oral, quando a

defesa remete fax na véspera da sessão para obstar a sua realização,

declinando para tanto a necessidade de estar presente em outro

compromisso profi ssional, do qual tinha conhecimento há mais de

um mês.

2. É facultativo o deferimento do pedido de adiamento da

apreciação do recurso pelo colegiado, sendo imprescindível para o

atendimento do pleito dispor de fundamentação adequada, de modo a

destacar a sua relevância e pertinência. Precedentes.

3. In casu, não logrou êxito o impetrante em demonstrar a

necessidade da modifi cação da pauta, nem mesmo o fez em tempo

hábil, não diligenciando nem mesmo em prol da apreciação tempestiva

da petição pelo relator do writ, incidindo portanto em clara desídia.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

998

4. Conforme o disposto no artigo 565 do Código de Processo

Penal, não cabe a arguição de nulidade pela própria parte que lhe deu

causa ou que tenha concorrido para a sua existência.

5. O Juízo de origem somente mencionou a necessidade do

trânsito em julgado quanto à perda da titularidade do direito dos bens

discriminados, em caso de condenação do acusado, e não no tocante

ao sequestro, visto que o próprio cerne da medida assecuratória

consiste na sua natureza cautelar, de forma a possibilitar eventual

ressarcimento patrimonial, não ofendendo ao direito de propriedade,

mas também sem descurar da sua fi nalidade mor de promover e

garantir uma futura pretensão reparatória.

6. Não inova o magistrado a quo ao prolatar decisum buscando

evitar uma possível dilapidação do patrimônio, em especial a um dado

empreendimento, eis que apenas efetiva medida anterior, assegurando

o seu resultado prático.

7. A manifestação prévia da defesa não ocorre na medida cautelar

patrimonial de sequestro, a qual é determinada inaldita altera pars, em

prol da integridade patrimonial e contra a sua eventual dissipação;

sendo o contraditório postergado, podendo a defesa insurgir-se em

oposição a determinação judicial, dispondo dos meios recursais legais

previstos para tanto.

8. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega

provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de

Justiça: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso em mandado

de segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros

Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Assusete Magalhães e Alderita Ramos de

Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-PE) votaram com a Sra. Ministra

Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 999

Brasília (DF), 4 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 11.12.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Trata-se de Recurso

Ordinário em Mandado de Segurança interposto por João Arcanjo Ribeiro, com

fundamento no artigo 12 da Lei n. 1.533/1951 e artigo 33 da Lei n. 8.038/1990,

manejado contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Mandado

de Segurança n. 2008.01.00.040982-9-MT).

Depreende-se dos autos que foi imputada ao requerente a prática das

supostas condutas delitivas previstas no artigo 16 da Lei n. 7.492/1986 (crime

contra o sistema fi nanceiro); artigo 1º, incisos VI e VII, da Lei n. 9.613/1998

(crime de lavagem de dinheiro); e artigo 288 do Código Penal (crime de

formação de quadrilha) - Processo n. 2002.36.00.007873-7-MT, da 1ª Vara

Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso-MT.

Determinada a busca e apreensão dos bens do acusado, o Tribunal Regional

Federal da 1ª Região proferiu acórdão indicando a necessidade de se especifi car

os bens. Na data de 19.12.2006, o Juízo de origem prolatou a seguinte decisão

(fl s. 25-35):

Vistos etc.

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região condenou João Arcanjo

Ribeiro e Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro, entre outros, pelos crimes do art. 16 da Lei

n. 7.492/1986 (crime contra o sistema fi nanceiro), art. 1º, incisos VI e VII, da Lei n.

9.613/1998 (crime de lavagem de dinheiro), e artigo 288 do Código Penal (crime

de formação de quadrilha). O acórdão recebeu a seguinte ementa:

Processo Penal. Penal. Competência da Justiça Federal. Crimes conexos

de competência da Justiça Federal e da Estadual. Prevalência da Justiça

Federal. Inexistência de prerrogativa de função. Competência do juízo do

primeiro grau. Investigação realizada pelo Ministério Público. Requisição

de inquérito pelo juiz. Denúncia. A-tecnia. Número de testemunhas.

Litispendência e crime de quadrilha. Documentos em língua estrangeira.

Manutenção do réu preso após a sentença. Crime contra o Sistema

Financeiro Nacional. Factorings. Evasão de divisas. Patrimônio a descoberto.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1000

Lavagem de dinheiro. O princípio da consunção. Organização criminosa.

Crime de quadrilha. Dosimetria da pena. Delação (traição) premiada. Pena

de perdimento.

1. Havendo conexão entre crimes da competência da Justiça Federal

e da Estadual, a prevalência para o processo e julgamento é da Justiça

Federal, que tem sede constitucional, não da Estadual, que é de natureza

residual, não se aplicando o disposto no art. 78, II, a, do CPP.

2. Não fi gurando, na relação processual, acusado que tenha prerrogativa

de foro em Tribunal Superior ou Regional, a competência para o processo é

do juízo de primeiro grau. O deputado estadual, arrolado como testemunha,

não modifi ca a competência para conhecimento do processo, que continua

sendo da alçada do juízo de primeiro grau.

3. Não é admissível que o mesmo órgão que investiga, estando, portanto,

envolvido diretamente na colheita de prova, acuse. A separação das

atribuições, investigação e acusação, é exigência do Estado Democrático

de Direito, uma garantia do cidadão. Na hipótese, apesar da grande

interferência do Ministério Público no inquérito, não se pode afi rmar que

tenha de modo absoluto dirigido o inquérito (Precedentes do TRF-1: HC n.

2006.01.00.00.021038-6-TO e HC n. 2006.01.00.021220-8-DF).

4. O juiz não pode e não deve deliberar sobre a opinio delicti, em razão

de perder a imprescindível imparcialidade ao deliberar sobre a mesma,

ao requisitar a instauração de inquérito, por tratar-se de uma atividade

persecutória. Pode sim valer-se do disposto no art. 40 do CPP, pois, nesse

caso, não se trata de opinio delicti e sim de notitia criminis. No entanto,

o fato de o juiz ter requisitado a instauração de inquérito não é causa de

nulidade do processo, haja vista que os réus só vieram insurgir-se depois de

instaurada a ação penal.

5. A denúncia há de ser uma narrativa precisa, objetiva, despida de

adjetivos desnecessários. Deve a denúncia conter a resposta às seguintes

perguntas: Quem? Que coisa? Onde? Quais os meios? Por que? De que

maneira? A a-tecnia da denúncia, porém, não implica nulidade do processo.

6. Imputando a denúncia mais de um fato delituoso a vários réus, é

possível que possam ser arroladas 8 (oito) testemunhas para cada fato.

7. Não pode o agente ser denunciado em duas ações como membro de

uma mesma quadrilha. O fi m específi co da quadrilha, crime autônomo, é

o cometimento de crimes. Em relação a cada um desses crimes, se forem

apurados separadamente, o quadrilheiro não pode ser denunciado

por mais uma vez por crime de quadrilha, se a quadrilha é uma só.

Litispendência não comprovada.

8. Os documentos escritos em língua estrangeira para serem anexados

aos autos devem ser traduzidos para o português (CPP art. 236).

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1001

9. Se o réu responde a processo preso, condenado, deve continuar preso.

Entendimento em contrário é ilógico e irrazoável.

10. Factoring é empresa comercial que presta serviços e compra

créditos de pessoas jurídicas e não físicas, não capta recursos nem empresta

dinheiro, não faz adiantamentos. Aquele que faz a empresa factoring

operar emprestando dinheiro e fazendo captação de recursos, agindo

como instituição fi nanceira, comete o crime do sistema fi nanceiro nacional

(Lei n. 7.492/1986, art. 16).

11. Aquele que remete dinheiro para o exterior, sem autorização legal, ou

lá o mantém em depósito, sem declará-lo à repartição federal competente,

comete o crime previsto no parágrafo único do art. 22 da Lei n. 7.492, de

1986.

12. Inexistindo imputação de crime de sonegação fi scal, não se pode

apreciar a questão do patrimônio a descoberto.

13. O objeto material do crime de lavagem de dinheiro são os bens,

dinheiro e valores obtidos com a prática de um crime estabelecido em um

dos incisos do art. 1º da Lei n. 9.613, de 1998. O agente para lavar o dinheiro,

obtido de forma ilícita, oculta ou dissimula sua natureza, origem, localização

etc. Constituem suas ações: ocultação, dissimulação e integração. É um

crime autônomo, grave e altamente prejudicial à economia nacional.

14. Se a fi nalidade da remessa do dinheiro para o exterior é torná-lo

limpo, legitimar sua origem, e não promover a evasão de divisas do país,

temos um só crime: o de lavagem. Há, na hipótese, um confl ito aparente de

normas, em que a remessa do dinheiro foi o meio para a prática do crime

de lavagem. A norma consutiva ou de absorção constitui uma fase mais

avançada para proceder-se a lesão do bem jurídico. O crime de lavagem

absorve (crime consuntivo) o crime contra o sistema financeiro (crime

consunto). Lex consumens derogat legi consumptae.

15. A pena do crime de lavagem de dinheiro é aumentada se o mesmo é

cometido por intermédio de organização criminosa (Lei n. 9.613/1998, § 4º

do art. 1º). Não há uma defi nição legal do que seja organização criminosa,

inexiste conceito. Diversos são os requisitos do crime organizado. Reunidos,

pelo menos três deles, segundo a doutrina, tem-se confi gurado o crime

organizado.

16. A organização criminosa é causa de aumento de pena do crime de

lavagem. A quadrilha é crime autônomo, com existência de um vínculo

psicológico para a prática de crimes.

17. O direito penal não é instrumento de vingança, seja individual

seja social; nem a Justiça é o meio de efetivá-la. Não é de aceitar-se o

entendimento de Van Bemelen de que: “Na realidade a justiça não é mais

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1002

que a antiga vingança impessoal coberta de um verniz fi losófi co. Raspai a

justiça e achareis a vingança”.

18. É difícil aplicar-se a pena proporcional ao condenado, ao seu modo

de ser, dar a justa pena à sua culpabilidade e para sua ressocialização. A lei

penal, no entanto, dá os meios para o juiz assim agir (cf. art. 59 do Código

Penal) e para agir assim deve o juiz ser humano, conhecer a realidade da

vida, procurar agir com justiça. Daí a busca da proporcionalidade que

atua “como limite a que deve sujeitar-se a função punitiva, de modo que

a pena não ultrapasse, em espécie ou quantidade, o limite superior da

culpabilidade do agente pelo fato” (Mir Puig).

19. A delação (traição) premiada revela a incompetência do Estado na

luta contra o crime, na inefi ciência do sistema de persecução penal. Vale-

se, então, da fraqueza de caráter de determinados indivíduos. A delação

premiada é a institucionalização da traição.

20. Deve o juiz especifi car os bens, direitos e valores do acusado que

são produtos do crime ou que foram adquiridos com recursos deles

provenientes. A liberação dos bens só pode ser determinada após o trânsito

em julgado do acórdão.

É a síntese. Passo a decidir.

(...)

No caso dos autos, só por si, o acórdão produziu automaticamente a

perda da titularidade dos bens, direitos e valores dos condenados, muito

embora tenha afastado esse efeito na forma com que fora reconhecido

pela sentença, isto é, de maneira ampla e irrestrita, em face de todos os

bens, direitos e valores, pois entendeu o Tribunal ser imprescindível a

discriminação dos bens, direitos e valores efetivamente tidos como produto

do crime ou que constituam seu proveito.

O Tribunal, ao reformar a sentença quanto ao perdimento, divergiu

do juízo a quo apenas quanto à sua forma e alcance, não quanto ao

efeito automático do confi sco decorrente do acórdão condenatório. Esta

conclusão tanto é certa que o próprio Relator do acórdão, Desembargador

Federal Tourinho Neto, reconheceu, expressamente, a possibilidade do

Ministério Público Federal vir a realizar essa discriminação, apartando o joio

do trigo.

Assim, estando a depender apenas do trânsito em julgado do acórdão

a devolução de todos os bens, direitos e valores, sejam de origem lícita ou

ilícita e diante da inércia do Ministério Público Federal, entendo ser possível

realizar esse apontamento de bens, direitos e valores ex offi ciu, por força

do disposto nos arts. 126 e 127 do Código de Processo Penal, os quais

autorizam o juiz ordenar o seqüestro dos bens de proveniência ilícita, haja

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1003

vista não ter sido vedado pelo Tribunal essa discriminação, fundamentada,

para fi ns de seqüestro e posterior confi sco.

Na hipótese específi ca destes autos, o sequestro não se dá pra fi ns de

futura ação penal, mas em decorrência de ação penal julgada procedente,

em grau de recurso, portanto, para fi ns de futura execução, estando seus

efeitos confi scatórios na pendência do trânsito em julgado do acórdão e

desta decisão.

O acórdão reconheceu ser ilícita a atividade da factoring dos acusados

João Arcanjo Ribeiro e Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro, enquanto suas empresas

operaram como instituição fi nanceira. Portanto, todos os bens, direitos e

valores obtidos por meio dessa atividade carregam a pecha da ilicitude.

Desse total de recursos obtidos ilicitamente, parte permaneceu no país,

sendo que a outra parte foi remetida para o exterior, confi gurando, sendo o

acórdão, o crime de lavagem de dinheiro.

Do total remetido ao exterior, parte lá permaneceu, a exemplo dos

recursos investidos no empreendimento Universal Crowe Plaza Hotel, do

qual o condenado João Arcanjo Ribeiro é um dos sócios, e da Conta Bancária

n. 18-188-822, do Deutsche Bank de Nova York, Estados Unidos da América,

cuja titularidade é da empresa Aveyron S/A, também de propriedade do

condenado.

(...)

Assim, partindo do que fora assentado no acórdão, nas palavras do

e. Desembargador Relator, Tourinho Neto, isto é, de que “houve remessa

ilegal - de recursos - para o exterior”, remessa esta que no entendimento

do Relator configurou lavagem de dinheiro, entendo que o sequestro

do hotel e da conta bancária deve ser realizado, haja vista tratar-se de

produto e proveito do crime de lavagem de dinheiro, os quais não podem,

em hipótese alguma, serem devolvidos ao condenado, pena do adágio

popular - o crime compensa - encontrar, mais uma vez, justificativa na

jurisprudência da Justiça brasileira.

Isto posto, decreto o sequestro da cota parte de participação pertencente

a João Arcanjo Ribeiro no empreendimento Universal Crowe Plaza Hotel,

Orlando, Flórida, Estados Unidos da América, assim como da Conta n. 18-

188-822, Deutsche Bank de Nova York, Estados Unidos da América, em

nome da Aveyron S/A, também de propriedade do condenado, para fi ns de

confi sco, após o trânsito em julgado do acórdão e desta decisão.

(...)

Na data de 13.8.2008, o magistrado decretou ainda a intervenção judicial

em dada empresa do requerente. Eis o teor do decisum (fl s. 264-278):

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1004

Por intermédio da manifestação de fl s. 19.209-19.215, o administrador judicial

ressalta a necessidade de se promover uma intervenção para controle e gerência

da Universal Tower’s Investimentos e Participações Ltda. - UTI, em especial para

administrar a quota-parte desta na Universal Tower’s Construction, INC. - UTC,

ambas seqüestradas por ordem deste juízo.

Segundo alega o administrador, o seqüestro determinado em 19 de dezembro

de 2006, e confi rmado pelo e. TRF da 1a Região, sequer teve a sua documentação

encaminhada para os Estados Unidos da América, para fins de pedido de

cooperação judiciária, conforme ressaltou o Coordenador do Departamento

de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Aff onso Guerra

Gomes Pereira. Ainda segundo informações por este prestadas, mesmo após o

encaminhamento da documentação, não há prazo defi nido para a efetivação da

ordem de seqüestro.

Entretanto, de acordo com o peticionante, chegou ao.seu conhecimento a

intenção do Sr. João Arcanjo Ribeiro de desviar os recursos e bens existentes nos

Estados Unidos da América, referentes ao Universal Crowe Plaza Hotel, situado

em Orlando, Flórida. O administrador noticia que foi procurado pelo auditor

independente Alfeu de Melo, acompanhado do Sr. Zilberto Zanchet, sócio do

Sr. João Arcanjo Ribeiro naquele empreendimento, sendo informado que corre

uma demanda perante a justiça americana; no Condado de Orange, Flórida (Caso

n. 06-CA-7402), para a dissolução da sociedade empresarial Universal Tower’s

Construction, INC. - UTC, interposta pela Constrazza International Construction,

INC, que tem como sócio o Sr. Zilberto Zanchet, vez que fora ilegalmente afastada

da administração da sociedade, além de não ter mais acesso à documentação

fiscal e administrativa do empreendimento (documentos comprobatórios

juntados aos autos).

Para o auditor, a intenção do Sr. Arcanjo é de inviabilizar a empresa, a fi m de

que seja posteriormente alienada a preço vil, em operação simulada, causando

prejuízo à União quando da efetivação do seqüestro. Por outro lado; o ativo seria

desviado e possivelmente levado para paraísos fi scais.

Ainda segundo a manifestação, o Sr. Zilberto Zanchet teria recebido uma

proposta do Sr. João Arcanjo Ribeiro, em audiência de conciliação, para compra

da quota-parte do primeiro, pelo montante de US$ 10.000:000,00 (dez milhões de

dólares), quantia essa que seria oriunda de atividade ilícita e que ainda não fora

judicialmente localizada e bloqueada.

Para o administrador, considerando o ciclo de audiências designadas nos autos

daquele processo que tramita perante a justiça alienígena, o risco de dano acima

noticiado aumenta exponencialmente (fl s. 19.228-19.232).

Ressalta ainda que o empreendimento milionário - estimado em US$

40.000.000.00 (quarenta milhões de dólares) - foi ganhador, nos últimos anos, do

prêmio de maior ocupação; sendo um sucesso empresarial, mas que está em risco,

pois a empresa que o administra - Interstate Hotels & Resorts - apenas cumpre as

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1005

obrigações fraudulentas assumidas pela Universal Towers Construction, INC. -

UTC, ou seja, os lucros mensalmente obtidos estariam sendo pulverizados através

das despesas simuladas da UTI, acionista majoritária.

Assim, para evitar o perecimento da garantia, necessária seria a intervenção

judicial na atividade empresarial, uma vez que a Universal Tower’s Investimentos e

Participações Ltda. - UTI detém a titularidade de 65% (sessenta e cinco por cento)

das quotas do Universal Tower’s Construction, - INC. - UTC, sendo uma sociedade

empresária nacional, registrada na Junta Comercial em Cuiabá-MT, que tem

como acionistas o Sr. João Arcanjo Ribeiro e a Sra. Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro.

Portanto, intervindo na UTI, gerencia-se a UTC, salvando-a do colapso.

Com a manifestação vieram os documentos de fl s. 19.216-19.246.

Ouvido, o Ministério Público Federal opinou favoravelmente, ratifi cando a

necessidade da decretação da medida. sugerida pelo administrador judicial.

Autos conclusos.

É o relatório.

(...)

Este juízo determinou o sequestro do empreendimento através da decisão de

fl s. 17.683-17.693, cujos fundamentos e dispositivo estão a seguir transcritos:

(...)

Contra a mencionada decisão foi impetrado o Mandado de Segurança

tombado sob o n. 2007.01.00.001558-6-MT, já julgado pelo o c. Tribunal Regional

da 4a Região, assim ementado:

Processo Penal. Mandado de segurança. Seqüestro de bens. Agravo

regimental.

1. Inexistência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação para o

impetrante, de molde a justifi car a impetração de mandado de segurança.

2. Seqüestro determinado em ação cautelar, ainda em primeiro grau de

jurisdição e não na ação penal, pendente de recurso especial.

3. Seqüestro de bens determinados com a probabilidade, segundo a

decisão a quo, de ter origem ilícita.

4. Da decisão que defere ou indefere liminar em mandado de segurança

não cabe agravo regimental (RI-TRF-1, art. 293, § 1º).

(AGMS n. 2007.01.00,001558-6-MT, Rel. Desembargador Federal Tourinho

Neto, Segunda Seção, DJ p. 4, de 18.5.2007).

Apesar de a medida de urgência postulada pelo impetrante ter-lhe sido

favorável, percebe-se que o Eminente Relator, Desembargador Federal Tourinho

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1006

Neto, reviu o posicionamento anterior para denegar a segurança postulada. Por

oportuno, segue a transcrição do r. voto:

(...)

Do resumo feito acima, constata-se que. à medida de seqüestro está

plenamente em vigor, motivo pelo qual este juízo abstém-se de emitir nova

fundamentação sobre o cabimento da mesma, posto que matéria já apreciada,

inclusive pela instância ad quem. A fumaça do bom direito, portanto, permanece

intacta.

2.2. Perigo da demora - incremento do risco

Já o perigo da demora demandará maior atividade cognitiva, em razão dos

novos fatos materializados nos autos. Concentrar-ae-á na efetividade da medida.

Isso porque, segundo informações até então disponíveis, o seqüestro da

quota-parte pertencente a João Arcanjo Ribeiro empreendimento Universal Crowè

Plaza Hotel sequer foi materializado, pois depende de atividade integrativa a ser

desempenhada pelos Estados Unidos da América, através do instrumento da

cooperação jurídica internacional ainda não acionado pela República Federativa

do Brasil, não havendo qualquer previsão para a sua conclusão, conforme foi

mencionado no relatório supra.

Por outro lado, as informações prestadas pelo administrador judicial enunciam

uma provável tentativa de dilapidação do empreendimento. Com efeito, os

argumentos trazidos aos autos são densos, notadamente porque corroborados

pela documentação acostada.

O primeiro deles, referente à demanda que tramita perante a justiça, americana,

no Condado de Orange, Flórida (Caso n. 06-CA-7402), e que tem como objeto a

dissolução, da sociedade empresarial Universal Tower’s Construction; INC. - UTC,

interposta pela Constrazza International Construction, INC., está devidamente

demonstrada nos autos pela petição de fl s. 19.219-19.225. Analisando-a, verifi ca-

se-que a pretensão ali veiculada não é apenas para á. dissolução judicial da

Universal Towers (fl . 19.222); mas também abrange o direito de inspecionar todos

os documentos pela então requerente (fl . 19.224).

Na toada dessa segunda pretensão (ação para inspeção de registros),

surge a evidência de que a Constrazza International Construction, INC, fora

completamente afastada da administração da atividade empresarial e,

consequentemente, do acesso à documentação fiscal e administrativa do

empreendimento. Os documentos de fl s. 19.226-19.227 corroboram o alegado

pelo administrador judicial.

É de se destacar ainda a mudança na direção da Universal Tower’s Construction,

INC. - UTC, passando a Sra. Kelly Arcanjo Ribeiro, fi lha de João Arcanjo Ribeiro,

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1007

a figurar como presidente da empresa, enquanto que este último mantém a

condição de diretor (fl s. 19.227 e 19.245-19.246).

Sintomática a passagem dos itens “9”, “10” e “25” da petição inicial da demanda

aforada pela Constrazza (fl s. 19.220-19.221 e 19.223):

(...)

A legitimar, há ainda a alegação de que o Sr. Zilberto Zanchet (representante

da Constrazza) teria recebido uma proposta do Sr. João Arcanjo Ribeiro, em

audiência conciliatória para compra da parte da primeira, pelo montante de

US$ 10.000.000,00 (dez milhões de dólares). Apesar de a proposta não estar

materializada em documento, a mesma soa verossímil, em razão do conjunto

probatório acostado.

De tais fatos permite-se extrair a fundada suspeita de que o Sr. João Arcanjo

Ribeiro pretende assumir o total controle da empresa, a fi m de inviabilizá-la,

fato que coloca em extremo risco a medida de seqüestro decretada e, por

conseqüência, a própria efi cácia do provimento condenatário fi nal.

O prejuízo para o processo seria enorme, tendo em vista que o empreendimento

é milionário - estimado em US$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de dólares) -,

tendo sido ganhador, nos últimos anos, do prêmio de maior ocupação na região.

Mesmo sendo um sucesso empresarial, não há como negar que a Universal

Tower’s Construction, INC. - UTC está em risco, havendo indícios de que a empresa

que o administra (Interstate Hotels & Resorts) apenas estaria cumprindo as

obrigações supostamente fraudulentas assumidas pela UTC, na medida em que

esta é administrada pela UTI, ou seja, os lucros mensalmente obtidos estariam

sendo pulverizados através das despesas simuladas da UTI, titular da maior quota-

parte daquela.

2.3. Atividade empresarial-assunção-administração judicial

Na esteira do. que foi afirmado rio item anterior, a assunção da Sra. Kelly

Arcanjo Ribeiro à condição de presidente da Universal Tower’s Construction,

INC. - UTC constitui ato atentatório à efetividade da jurisdição. É que, por via

transversa, o Sr. João Arcanjo Ribeiro continua na detenção do domínio da

atividade empresarial, na medida em que sé utiliza da parente como longa manus

das suas decisões.

Altamente recomendável, portanto, a retirada da Sra. Kelly da chefia da

atividade empresarial, não só pela simulação aqui descortinada, como também

para que o empreendimento não reste completamente inviabilizado.

Cuida-se de medida que pode ser implementada com. menos atividade

burocrática, pois basta retirar da Sra. Kelly a representação da Universal Towers

Investimentos e Participações Ltda. - UTI, pessoa jurídica constituída e registrada

na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1008

A substituição da Sra. Kelly Arcanjo Ribeiro pelo administrador judicial, na

representação da sociedade empresária estabelecida no Brasil, gera o efeito

imediato de conduzi-lo à condição de administrador do empreendimento situado

no estrangeiro.

2.4. Seqüestro anterior-subsistência

É importante ressaltar que a medida aqui postulada não prejudica

a materialização da anteriormente definida pelo juízo em fls. 17.683-17.693,

devidamente confi rmada-pelo e. TRF da 1ª Região, conforme enunciado no item

2.1.

Cuida-se apenas de uma atividade judicial complementar, com vistas à

efetivação material do seqüestro. Em. outras palavras, é uma medida acautelatória,

da própria tutela cautelar anteriormente concedida. Busca-se, portanto, assegurar

o resultado prático do seqüestro, para que este possa acautelar o eventual

provimento jurisdicional desfavorável ao Sr. João Arcanjo Ribeiro.

O fundamento de validade desta medida repousa nos artigos 4º e 5º da Lei

n. 9.613/1998; artigos 125 e ss, do CPP, sem prejuízo do poder geral de cautela

previsto nos artigos 798 e 799 do CPC, aplicáveis subsidíariamente ao processo

penal, por. força do art. 3º do CPP.

2.5. Representação externa da UTI

Considerando a existência de demanda tramitando nos Estados Unidos da

América envolvendo a Universal Tower s Construction, INC, - UTC, que tem como

sócia majoritária a Universal Towers Investimentos e Participações Ltda. - UTI, este

juízo entende pertinente a atuação do administrador judicial naqueles autos,

representando esta última, ademais dos atos ordinários de administração do

empreendimento.

Dessa forma, a presença do administrador judicial em território americano,

juntamente com o, assessor jurídico, faz-se imprescindível.

Para tanto, deverá ser solicitada ao Ministério das Relações Exteriores a

expedição de Passaporte Ofi cial, nos termos do art. 8º do Decreto n. 5.978, de 4

de dezembro de 2006, especifi cando o local, o período e a descrição da missão a

ser desempenhada.

3. DISPOSITIVO

Pelo exposto, decreto a intervenção judicial na Universal Tower’s Investimentos

e Participações Ltda. - UTI, pessoa jurídica de direito privado, inscrita sob o CNPJ

(...) designando o administrador judicial já nomeado por este juízo, o Sr. Francisco

Ferreira Bonfi m (...) qual será investido dos poderes ordinários de administração/

gerência, da aludida empresa, especialmente para administrar a quota-parte

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1009

desta na Universal Tower’s Construction, INC. - UTC (...). Por conseqüência, a

Sra. Kelly Arcanjo Ribeiro fi ca desde já retirada da função de representante da

UTI. Expedir o competente mandado de administração, a ser averbado junto ao

registro da Universal Towers Investimentos e Participações Ltda., - UTI na Junta

Comercial do Estado de Mato Grosso.

Considerando que a Universal Tower’s Construction, INC. - UTC é uma empresa

constituída é situada nos Estados Unidos da América, deverá ser expedido ofi cio

ao Ministério das Relações Exteriores, solicitando-lhe a expedição de passaporte

ofi cial e de nota verbal, esta a ser enviada para a Embaixada dos Estados Unidos

da América, para fi ns de concessão de visto de entrada para o administrador

judicial e o respectivo assessor jurídico, ambos qualifi cados em fl . 19.215, devendo

constar do ofi cio o local, o período, e a descrição da missão a ser desempenhada.

(...)

A decisão foi retifi cada somente para determinar que “o Sr. João Arcanjo

Ribeiro fi ca desde já retirado da função de representante da UTI.” (fl . 279).

Inconformada, a defesa impetrou mandado de segurança perante

o Colegiado Federal, que denegou a ordem em 15.10.2008. Confira-se o

fundamento do julgado (fl s. 411-416):

1. João Arcanjo Ribeiro, brasileiro, casado, atualmente recolhido na

Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande, Mato Grosso

do Sul, impetra mandado de segurança contra ato do Juiz Federal Substituto da

1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, Marcel Peres de Oliveira,

“com a fi nalidade de suspender a execução da decisão proferida nos autos de

providência assecuratória criminal, proposta pelo Ministério Público Federal aos 4

de dezembro de 2002, tombados sob o n. 2002.36.00.007873-7”.

Alega o impetrante que (fl s. 04):

Aos 19 de dezembro de 2006, a pretexto de cumprimento do acórdão

exarado na Apelação Criminal n. 2003.36.00.008505-4, foi decretado, de

ofício, pelo Juiz Federal em Substituição na 1ª Vara da Seção Judiciária do

Estado de Mato Grosso, o seqüestro da cota parte do Hotel Universal Crowe,

em Orlando, Flórida, nos Estados Unidos da América, de propriedade

do impetrante, sem, contudo, imiscuir na posse e na administração do

empreendimento (docs. 02 e 03).

Diz que (fl s. 7):

Nada obstante, o juiz impetrado, em ilegítima alteração nos estados de

direito e de fato da mencionada decisão judicial e do bem por ela atingido,

resolveu, em um só momento, tanto destituir preposto do impetrante da

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1010

administração/gerência da Universal Tower’s Investimentos e Participações

Ltda. quanto a embaraçar o seu direito ao contraditório e a ampla defesa.

Afi rma que (fl s. 8-9):

Não busca o impetrante, agora, com o atual writ, demonstrar o acerto

ou desacerto do reproduzido pronunciamento, o que, aliás, só será possível

após a restauração do seu direito líquido e certo ao devido processo legal, ao

contraditório e a ampla defesa, até aqui, a reboque do abuso de poder, do ardil

do jogo de palavras, afrontosamente negados.

Com efeito, proferiu-se decisório, que, a olhos mais desatentos, informa

a privação do impetrante sobre um empreendimento em normal e

regular atividade nos Estados Unidos da América, marcou-se data para

sua execução, 28 de agosto de 2008, e não se permitiu que ele ao menos

conhecesse das razões ou fábulas justifi cadoras do brutal confi sco.

2. Foi concedida liminar (fl s. 246-247).

3. A autoridade apontada coatora, Juiz Marcel Peres, informa o seguinte (fl s.

321-322):

Conforme se observa da inicial deste writ, a causa de pedir alegada pelo

impetrante consiste, basicamente, na inobservância do contraditório. Este

juizo confi rma que não houve a colheita de manifestação prévia da defesa

para se proferir a decisão guerreada, mas isso se deveu ao fato de que as

circunstâncias exigiam a aplicação, no caso, da técnica do contraditório

diferido.

Isso porque a oitiva prévia do requerido colocaria em risco a efetividade

da medida decretada, principalmente no que concerne à possibilidade

de alteração do quadro societário da pessoa jurídica constituída nos EUA

(Universal Tower’s Construction, INC.- UTC).

Com efeito, ao contrário das pessoas jurídicas constituídas e registradas

na República Federativa do Brasil, sobre as quais o Poder Judiciário detém

o poder jurídico de desconstituir ou de declarar ineficazes quaisquer

atos fraudulentos, a Universal Tower’s Construction, INC. – UTC está imune

a tal tipo de provimento, pois constituída sob as leis dos EUA, estando

ali sediada. A única possibilidade seria através da co-participação deste

país, sendo que a prática já revelou que se trata de instrumento lento e

burocrático.

Assim, qualquer ato praticado sob a jurisdição estrangeira, mesmo que

fraudulento, comprometerá o resultado da medida de seqüestro.

Faço observar que o periculum in mora ensejador do decisum em tela

restou demonstrado através da manifestação do administrador judicial,

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1011

de fl s. 19.209-19.215 (e documentos 19.216-19.246), cuja cópia segue em

anexo.

Portanto, informo que a intervenção judicial decretada por este Juízo

visou, na essência, a assegurar a efi cácia da decisão de seqüestro proferida

em fl s. 17.683-17.693 a qual foi, inclusive, confi rmada por esse e. Tribunal,

nos autos do MS n. 2007.01.00.001558-6-MT, mas que até a presente data

não foi implementada.

Por fi m, ao contrário do que afi rma o impetrante, o contraditório não foi

suprimido, mas tão-somente postergado, sendo que o processo encontra-

se à disposição da defesa, conforme despachos de fl s. 19.309, 19.315 e

19.320, além da certidão de fl . 19.313, para se manifestar acerca da decisão.

Ministério Público Federal, pelo Procurador Regional da República Luiz

Francisco Fernandes de Souza, opinou pena não concessão da segurança (fl s.

398-4.020.

5. É o relatório.

1. A conclusão da decisão atacada, datada de 15 de agosto de 2008, está vazada

nos seguintes termos (338-339):

Pelo exposto, decreto a intervenção judicial na Universal Tower’s

Investimentos e Participações Ltda. – UTI, pessoa jurídica de direito privado,

inscrita no CNPJ (...), designando o administrador judicial já nomeado por

este Juízo, o Sr. Francisco Ferreira Bonfi m, brasileiro, casado, RG (...), o qual

será investido dos poderes ordinários de administração/gerência da aludida

empresa, especialmente para administrar a quota-parte desta na Universal

Tower’s Construction, INC. – UTC, com endereço na 7.800, Universal BLVD,

Orlando, Flórida 32819 – EUA. Por conseqüência, o Sr. João Arcanjo Ribeiro

fi ca desde já retirado da função de representante UTI. Expedir o competente

mandado de administração, a ser averbado junto ao registro da Universal

Tower’s Investimentos e Participações Ltda. – UTI na Junta Comercial do

Estado de Mato Grosso (...)”

II – Em face do contido às fl s. 19.295-19.297, faça-se constar do ofício a ser

expedido ao Ministério das Relações exteriores que, em relação à solicitação

da expedição do passaporte ofi cial, o expediente, informe-se ainda, para o

cumprimento da missão o administrador judicial e o respectivo assessor

jurídico se deslocarão às cidades de Orlando-FL, Miami-FI, e Nova York-NY.

III – Quanto à cidade de Washington-DC o deslocamento do

administrador judicial e seu assessor jurídico mostra-se, em princípio,

desnecessário, já que o motivo do deslocamento está sujeito ao implemento

de uma condição relativamente remota.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1012

Antes, em 19 de dezembro de 2006, o MM Juiz Federal da 2ª Vara da Seção

Judiciária do Estado de Mato Grosso, Jéferson Schneider, em substituição legal

neste processo, decretou o seqüestro da cota parte de participação pertencente ao

ora impetrante, João Arcanjo Ribeiro, no “empreendimento Universal Crowe Plaza

Hotel, Orlando, Flórida, Estados Unidos da América do Norte” (v. fl s. 346-356).

Decisão esta que, segundo informa o próprio impetrante, foi mantida por este

Tribunal (v. ACr n. 2007.36.00.003794-9 e MS n. 2007.01.00.00.1558-6, cf. fl s. 5).

Para proferir a decisão ora impugnada, foi provocado pelo administrador

judicial, Francisco Ferreira Bonfi m, que, em 18 de julho de 2008, pediu que fosse

tomada medida de urgência para garantir a efetivação do seqüestro’ (fl s. 357-363),

dizendo que (fl s. 358):

(...) enquanto não for efetivado o Seqüestro naquele país, os bens

existentes estarão na iminência de se perderem ou serem envolvidos em

transações fraudulentas para que quando o seqüestro seja efetivado, não

se encontre tais bens ou então estejam totalmente endividados, ou ainda,

desvalorizados, causando assim prejuizos irreparáveis à União, que será a

benefi ciária deste patrimônio face ao perdimento decretado nos autos da

ação criminal.

Neste norte, cumpre ao administrador informar a este juízo, que recebeu

informações de intenções fraudulentas por parte do acusado para desviar

os recursos e bens existentes nos Estados Unidos, referente ao Universal

Crowne Plaza Hotel em Orlando, Flórida, nos Estados Unidos da América.

O Administrador informa que foi procurado pelo Sr. Alfeu de Melo,

portador do Rg. (...) (Doc. 01), dizendo-se representante do Sr. Zilberto

Zanchet, sócio do Sr. Arcanjo, no empreendimento Universal Tower

Construction, Inc. (UTC) Vale dizer que o auditor estava acompanhado

de uma pessoa que não se apresentou. Posteriormente, o auditor nos

informou que a pessoa que o acompanhara na ocasião era o próprio Sr.

Zilberto Zanchet.

Nesta primeira reunião o auditor nos informou que existe uma ação na

Justiça Americana, no condado de Orange, Florida (caso n. 06-CA- 7402)

para dissolução da sociedade empresarial Universal Tower’s Construction,

inc (UTC), interposta pelo Sr. Zilberto eis que fora, ilegalmente, afastado

da administração da sociedade, e não tem acesso a documentação fi scal e

administrativa do empreendimento.

Na verdade, o MM Juiz a quo, autoridade apontada como coatora, determinou,

com a decisão impugnada, dar efetividade à medida de seqüestro que determinara

em 19 de dezembro de 2006. Não houve, portanto, nenhuma inovação. Explica o

ilustre Juiz nessa decisão (fl s. 335-336):

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1013

É importante ressaltar que a medida aqui postulada não prejudica a

materialização da anteriormente defi nida pelo juízo em fl s. 17.683-17.693,

devidamente confi rmada pelo e. TRF da 1ª Região, conforme enunciado no

item 2.1.

Cuida-se apenas de uma atividade judicial complementar, com vistas

à efetivação material do seqüestro. Em outras palavras, é uma medida

acautelatória da própria tutela cautelar anteriormente concedida. Busca-se,

portanto, assegurar o resultado prático do seqüestro, para que este possa

acautelar o eventual provimento jurisdicional desfavorável ao Sr. João

Arcanjo Ribeiro.

O fundamento de validade desta medida repousa nos artigos 4º e 5º da

Lei n. 9.613/1998; artigos 125 e ss. do CPP, sem prejuízo do poder geral de

cautela previsto nos artigos 798 e 799 do CPC, aplicáveis subsidiariamente

ao processo penal, por força do art. 3º do CPP.

Correto o entendimento do ilustre Magistrado Marcel Peres de Oliveira.

Não há, pois, direito líquido e certo a ser assegurado.

2. Ante o exposto, denego o presente mandado de segurança impetrado por

João Arcanjo Ribeiro, cassando a liminar concedida às fl s. 246-247.

Posteriormente, opôs embargos de declaração, cujo seguimento foi negado

(fl . 465). Interposto agravo regimental, negou-se provimento ao recurso, em

15.4.2009, nestes termos (fl s. 499):

Não há qualquer ofensa ao princípio do juiz natural o fato de a decisão

impugnada, que negou seguimento a recurso, ter sido proferida singularmente

pelo relator, haja vista que é atribuição deste conhecer ou não dos embargos

declaratórios interpostos em face de acórdão, para, somente quando for

conhecido, submeter o julgamento do mérito à sessão, conforme se depreende

do art. 30, inciso XXV, do Regimento Interno do E.TRF-1ª Região.

Portanto, não há nulidade alguma em razão de os embargos declaratórios

não terem sido submetidos ao órgão colegiado, em razão de ser manifestamente

inadimissível.

Como decidi à fl . 459, o presente mandado de segurança foi incluído em pauta

para ser julgado no dia 15.10.2008 e, na véspera (dia 14, às 18h35m), o impetrante

enviou petição, via fax, pedindo o adiamento. Entretanto, somente recebi a

petição depois da sessão de julgamento (v. despacho lançado no rosto da petição

em fax - o original só chegou no dia 16).

Dessa forma, a alegação de que o pedido de adiamento do julgamento poderia

ter sido analisado não prospera, haja vista que essa pretensão restou prejudicada,

perdendo, portanto, seu objeto.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1014

Decidi, ainda, que, apesar de a audiência ter sido marcada, no dia 6 de agosto,

no Juízo Estadual, 15ª Vara da Comarca de Cuiabá, o advogado do impetrante

só veio comunicar o fato a este Juízo na véspera do julgamento (dia 14, às

18h35m) (doc. de fl s. 418-419), correndo o risco de não haver tempo sufi ciente

para a análise de sua pretensão ao protocolar petição horas antes da sessão de

julgamento do processo, como ocorreu.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

Adveio, então, o presente recurso ordinário, no qual alega o recorrente

que na decisão de sequestro não se imiscuiu na posse e na administração

do empreendimento, o que somente ocorre com o confisco, condicionado

ao trânsito em julgado, o que não ocorreu nem na Apelação Criminal n.

2007.36.00.00.3794-9, nem na n. 2003.36.00.008505-4.

Menciona que outros bens do acusado estão no aguardo de solução judicial.

Defende que, até o resultado da “controvérsia sobre quais bens permanecerão

sob a guarda do administrador, cujo acertamento, induvidosamente, restituirá ao

recorrente a posse e administração daqueles não cedidos, em juízo, a terceiros,

não há falar em permissão para inovar atos de gestão e de posse sobre os demais

bens e direitos do acervo patrimonial do recorrente, sobretudo aqueles onde

assinado o trânsito em julgado como termo para essa atuação” (fl . 516).

Sustenta que, “nada obstante, o juiz a quo, em ilegítima alteração nos

estados de direito e de fato da mencionada decisão judicial e do bem por ela

atingido, resolveu, em um só momento, tanto destituir preposto do recorrente da

administração e da gerência da Universal Tower’s Investimentos e Participações

Ltda. quanto embaraçar o seu direito ao contraditório e a ampla defesa” (fl . 516).

Assere que não se conheceu das razões que justificariam a medida

constritiva, não sendo dada vista prévia para a manifestação da defesa.

Afi rma que, após o deferimento do pleito assecuratório, o Ministério

Público Federal permaneceu indevidamente por longo período com os autos,

difi cultando os recursos defensivos.

Aduz que, conquanto o juízo tenha determinado a devolução imediata dos

autos e a restituição do prazo recursal defensivo, mostrou-se inefi caz a medida

que assim o fez na véspera do término do lapso temporal.

Destaca que peticionou, via fax, antes do julgamento do Mandado de

Segurança n. 2008.01.00.040982-9-MT, pleito de adiamento, eis que já

comprometido com outro ato processual; declinou, ainda, a necessidade de

sustentação oral, diante da complexidade do feito.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1015

Consigna que novo cerceamento de defesa ocorreu na espécie.

Obtempera que “o processo principal é uma medida assecuratória, em

que o propósito é acautelar o ressarcimento futuro dos prejuízos do crime

e o pagamento da sanção pecuniária, em nada se apresentando como uma

expropriação cautelar que se esgota em si mesma, convindo destacar que a

constrição sobre cotas sociais deve monástica obediência aos princípios

societários, regidos por lei específi ca” (fl . 531).

Pondera que “a decretação do seqüestro e a natural indisponibilidade

desses títulos, como ordenados, deve incidir apenas sobre os aspectos fi nanceiros

das ações, sendo impossível estender a constrição aos atos relativos à gestão

da pessoa jurídica, pena de, não sendo assim, trair a própria ratio essendi dos

institutos previstos no Capítulo VI do Código de Processo Penal, esgarçando

a disciplina do artigo 1.071 do Código Civil e transformando medida cautelar

assecuratória em instrumento de natureza satisfativa, ao arrepio do direito” (fl .

532).

Salienta que “não se resume em outorgar eficácia a seqüestro antes

decretado, mas solucionar a antecipação dessa medida conservativa, a

reboque de ardiloso expediente do administrador judicial, com episódios e

provas supervenientes, sem se oportunar o contraditório e a ampla defesa ao

embargante, transformando-o em odioso confi sco judicial, sem atentar para a

ausência da coisa julgada e sem considerar o comando do acórdão exarado na

Apelação Criminal sob o n. 2003.36.00.008505-4, da 3a Turma do Tribunal

Regional Federal da 1a Região” (fl . 532).

Enfatiza que “a situação que dos autos consta vai além, por envolver,

com o auxílio de novos documentos (sobre os quais o embargante não pode

pronunciar-se a respeito), de intervenção judicial, de natureza incidental e

de cabimento restrito e emergencial, onde os prepostos do recorrente foram

afastados da gerência e administrarão do empreendimento, sem a vigilância do

due process of law.” (fl . 533).

Pugna, ao fi nal, pelo provimento do recurso, a fi m de que seja anulado o

acórdão impugnado, por cerceamento de defesa, sendo concedida a segurança,

“restaurando o equilíbrio na relação jurídica entre as partes, afastando as

irreversíveis sequelas formais e processuais decorrentes da sintomática agressão

à garantias fundamentais do recorrente, a exemplo do contraditório e da ampla

defesa, em suas verdadeiras extensões jurídicas” (fl . 536).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1016

As contrarrazões foram apresentadas pelo Parquet estadual às fl s. 619-626.

O Tribunal de origem admitiu o recurso à fl . 628.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal manifestou-se, às fl s.

633-649, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral Maria das Mercês de C.

Gordilho Aras, pelo desprovimento do recurso ordinário.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): Inicialmente,

cumpre destacar que estes autos foram a mim distribuídos por prevenção ao

REsp n. 803.811-MT, que foi julgado prejudicado. Passa-se, então, ao exame

deste recurso.

O objeto do presente expediente recursal abarca, essencialmente, a análise

da existência de nulidade processual, ante a realização da sessão de julgamento

sem a sustentação oral defensiva, além de eventual cerceamento de defesa

também perante o juízo de primeiro grau.

Nesse âmbito, é de ver que o Desembargador Federal relator do mandado

de segurança assim se pronunciou em sede de embargos de declaração sobre a

questão suscitada (fl . 465):

(...)

Foi o presente mandado de segurança incluído em pauta para ser julgado

no dia 15 de outubro de 2008. Na véspera, dia 14, às 18 horas e 35 minutos,

o impetrante envia petição, via fax, pedindo o adiamento, alegando que seu

advogado “já estar comprometido, em sua agenda profi ssional, com outro ato

processual, a ser realizado na mesma data e em outra Unidade da Federação

a que situada essa Egrégia Corte (doc. 1), a implicar na impossibilidade de sua

locomoção em tempo hábil para participar, a contento, da anotada sessão

plenária” (fl s. 417).

Recebi a petição depois da sessão de julgamento (v. despacho lançado no

rosto da petição em fax - o original só chegou no dia 16).

Observe-se, outrossim, que a audiência foi marcada, no dia 6 de agosto, no

Juízo Estadual, 15ª Vara da Comarca de Cuiabá, e o advogado do impetrante só

veio comunicar a este Juízo na véspera, do julgamento, dia 14, às 18 horas e 35

minutos (doe. de fl s. 418-419).

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1017

Os embargos de declaração devem ser opostos quando no acórdão algum

vício, o que, no caso, não é apontado.

Ante o exposto, nego seguimento aos presentes embargos de declaração.

Interposto agravo regimental, eis o dito pelo Colegiado Federal (fl . 499):

1. Não há qualquer ofensa ao princípio do juiz natural o fato de a decisão

impugnada, que negou seguimento a recurso, ter sido proferida singularmente

pelo relator, haja vista que é atribuição deste conhecer ou não dos embargos

declaratórios interpostos em face de acórdão, para, somente quando for

conhecido, submeter o julgamento do mérito à sessão, conforme se depreende

do art. 30, inciso XXV, do Regimento Interno do E.TRF-1ª Região.

Portanto, não há nulidade alguma em razão de os embargos declaratórios

não terem sido submetidos ao órgão colegiado, em razão de ser manifestamente

inadimissível.

Como decidi à fl . 459, o presente mandado de segurança foi incluído em pauta

para ser julgado no dia 15.10.2008 e, na véspera (dia 14, às 18h35m), o impetrante

enviou petição, via fax, pedindo o adiamento. Entretanto, somente recebi a petição

depois da sessão de julgamento (v. despacho lançado no rosto da petição em fax - o

original só chegou no dia 16).

Dessa forma, a alegação de que o pedido de adiamento do julgamento poderia

ter sido analisado não prospera, haja vista que essa pretensão restou prejudicada,

perdendo, portanto, seu objeto.

Decidi, ainda, que, apesar de a audiência ter sido marcada, no dia 6 de agosto, no

Juízo Estadual, 15ª Vara da Comarca de Cuiabá, o advogado do impetrante só veio

comunicar o fato a este Juízo na véspera do julgamento (dia 14, às 18h35m) (doc. de

fl s. 418-419), correndo o risco de não haver tempo sufi ciente para a análise de sua

pretensão ao protocolar petição horas antes da sessão de julgamento do processo,

como ocorreu.

2. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

Dos documentos acostados aos autos, verifi ca-se que a petição interposta,

solicitando a alteração da data de julgamento do writ e a necessidade de

sustentação oral, foi protocolada em 14.10.2008, às 18h35 (fl . 422), sendo

proferido despacho de recebimento em 15.10.2008 (fl . 422), após a sessão do

colegiado.

De se notar, ainda, que a defesa desde 6.8.2008 já tinha conhecimento de

seu outro compromisso profi ssional, da audiência de instrução a ser realizada no

dia 15.10.2008, em feito diverso do ora em apreço (fl s. 426-427).

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1018

Causa espécie, portanto, que o recorrente alegue a nulidade da sessão de

julgamento, por cerceamento de defesa, visto que a colocação em pauta do

mandamus para o dia 15.10.2008 foi devidamente publicada, somente havendo

manifestação defensiva pela alteração do julgamento para fi ns de sustentação

oral na véspera da sessão colegiada.

Considere-se, ainda, que o deferimento da solicitação é facultativo,

conforme o entendimento exarado pelos Tribunais Superiores, sendo

imprescindível dispor de fundamentação adequada, de modo a destacar a

relevância e pertinência do pleito, a fi m de que o relator do feito possa tecer

uma consideração sobre o pedido de adiamento da apreciação do recurso pelo

colegiado. In casu, não logrou êxito o recorrente em demonstrar a necessidade da

modifi cação da pauta, nem mesmo o fez em tempo hábil.

De mais a mais, careceu de zelo o impetrante do mandado de segurança,

pois não diligenciou em prol da apreciação tempestiva da petição pelo relator do

writ, não enviando, verbi gratia, alguém que pudesse fazer a petição chegar em

mãos em tempo, incidindo portanto em clara desídia.

Nessa senda, confi ra-se o disposto no artigo 565 do Código de Processo

Penal:

Art. 565. Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa,

ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à

parte contrária interesse.

Esta Corte não tem admitido que a parte se benefi cie de mácula a qual

tenha dado causa. Sobre o assunto, vejam-se estes precedentes:

Habeas corpus. Alegação de cerceamento de defesa. Advogado que não pôde

estar presente à sessão de julgamento para fazer sustentação oral. Não ocorrência

de nulidade da decisão que recebeu a denúncia contra o paciente. Precedentes

do STF e do STJ.

1. Quando houver justo e demonstrado impedimento, o pedido de adiamento

da sessão de julgamento deve ser deferido.

2. Se mais de um advogado assiste o réu em sua defesa técnica, não há como

arguir de nulo o julgamento, quando qualquer um deles, conquanto pudesse

substituir aquele que alegou impedimento, não o faz. Afi nal, segundo o artigo

565 do Código de Processo Penal, “nenhuma das partes poderá argüir nulidade a

que haja dado causa, ou para que tenha concorrido”.

3. A sustentação oral não é ato essencial à defesa.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1019

4. Precedentes do STJ e do STF.

5. No caso, apesar de o pedido de adiamento da sessão de julgamento ter sido

feito em tempo hábil para apreciação, como se tratava, em princípio, de pedido

de caráter urgente e enviado na véspera do julgamento, deveria a defesa ter

diligenciado para que a petição fosse analisada tempestivamente pelo Relator,

o que não ocorreu. Ademais, os outros advogados constituídos deveriam ter

comparecido à sessão para fazer a pretendida sustentação oral. Não obstante

isso, consoante o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, não gera nulidade

o indeferimento de pedido de adiamento de sessão de julgamento, mesmo

com a impossibilidade de comparecimento do advogado da parte para oferecer

sustentação oral.

6. Ordem denegada.

(HC n. 117.512-MG, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado

do TJ-SP), Sexta Turma, julgado em 21.9.2010, DJe 11.10.2010).

Processual Penal e Penal. Recurso especial. Art. 1º, II, do Decreto-Lei n.

201/1967. Pedido de adiamento não apreciado. Sustentação oral. Nulidade.

Inocorrência. Recebimento da denúncia. Ausência de prejuízo ao erário público.

Inexistência de dolo ou culpa. Não indicação do dispositivo de lei federal violado.

Súmula n. 284-STF.

I - Para que haja o adiamento da sessão de julgamento, é necessário que o

pedido seja realizado em tempo hábil para sua apreciação e que haja a efetiva

demonstração da plausibilidade dos motivos que ensejaram o pedido, o que não

ocorreu no presente caso (Precedentes do STF e do STJ).

II - Além do mais, tratando-se, em princípio, de pedido de caráter urgente e

aviado na véspera do julgamento (menos de 24 horas), deveria o advogado ter

diligenciado no sentido de que a petição fosse apreciada em tempo pelo Exmº Sr.

Desembargador Relator, ou até mesmo deveria o causídico ter comparecido no

dia do julgamento a fi m de argüir o pretendido adiamento, tendo em vista não

ser tal pedido (de adiamento) de acolhimento obrigatório (Precedentes do STF e

do STJ).

III - O recurso excepcional, quanto ao permissivo da alínea a, deve apresentar

a indicação do texto infra-constitucional violado e a demonstração do alegado

error, sob pena de esbarrar no óbice do verbete insculpido na Súmula n. 284-STF

(aplicável ao apelo especial ex vi art. 26 da Lei n. 8038/1990) (Precedentes).

Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

(REsp n. 758.756-PB, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em

15.12.2005, DJ 20.3.2006, p. 344).

Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Apelação. Pedido de adiamento

da sessão de julgamento. Indeferimento. Ausência de justificativa plausível.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1020

Cerceamento de defesa não confi gurado. Ordem denegada.

1. O adiamento da sessão de julgamento do recurso de apelação deve ser

acompanhado de justifi cativa plausível, pois a sua realização não pode fi car ao

alvedrio das partes.

2. No caso, o impetrante foi constituído para realizar a sustentação oral

do recurso interposto apenas na véspera do dia designado para a sessão de

julgamento, circunstância que evidencia a desídia do paciente na defesa dos seus

interesses.

3. Aplicação do disposto na primeira parte do artigo 565 do Código de

Processo Penal.

4. Ordem denegada.

(HC n. 100.559-RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em

19.11.2009, DJe 15.12.2009).

O Pretório Excelso assim já se manifestou:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Alegação de cerceamento de

defesa. Causídico que não pôde estar presente à sessão de julgamento para

oferecer sustentação oral. Nulidade da decisão que recebeu a denúncia contra o

agravante. Inocorrência. Precedente do Pleno.

1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido que, por

possuir caráter facultativo, o indeferimento de pedido de adiamento de sessão

de julgamento, pela impossibilidade de comparecimento do advogado da parte

para oferecer sustentação oral, não gera nulidade.

2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido

processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites

da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio

de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa

meramente refl exa ao texto da Constituição.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AI n. 717.895 AgR-PR - Ag.Reg. no Agravo de Instrumento; Relator(a): Min. Eros

Grau; Julgamento: 3.2.2009; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação DJe-043

DIVULG 5.3.2009. PUBLIC 6.3.2009).

No tocante à menção na decisão prolatada pelo Juízo de origem, em

19.12.2006, acerca da condicionante do trânsito em julgado, contrariamente ao

que fora dito pelo recorrente, essa somente refere-se à perda da titularidade do

direito dos bens discriminados - que ocorrerá se advier a condenação do acusado

- e não ao sequestro, no qual apenas a administração dos bens fi ca a cargo de um

gerenciador judicial, não abrangendo a propriedade.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1021

Sobre o tema, eis as seguintes lições doutrinárias:

O sequestro será levantado se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido

o acusado, por sentença, na dicção da lei, irrecorrível, ou seja, transitada em

julgado. Deveria ter tido que o sequestro também será levantado em caso de

arquivamento do inquérito policial.

Ainda, julgados procedentes os embargos, o sequestro será levantado.

Transitada em julgado a decisão condenatória e julgados improcedentes os

embargos porventura opostos, tem-se então que a medida, por força da coisa

julgada, pode ser executada. Os bens devem ser avaliados e vendidos em leilão,

sendo todas as providências realizadas no juízo penal. (GIMENES, Marta Cristina

Cury Saad. As medidas assecuratórias do Código de Processo Penal como forma

de tutela cautelar destinada à reparação do dano causado pelo delito - Tese de

Doutorado - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

p. 173-174).

A reparação do dano causado pelo delito é fi nalidade - ainda que secundária -

da tutela penal condenatória. Assim sendo, o sistema processual penal necessita

de medidas cautelares que assegurem tal resultado, nas hipóteses em que o

tempo necessário para a prolação do provimento condenatório permita que a

situação patrimonial do investigado ou do acusado se altere, gerando o risco

de que, quando do provimento fi nal, tal fi nalidade seja frustrada pela demora

processual. (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Série

Universitária. Rio de Janeiro: Ed. Campus: Elsevier, 2012. p. 793).

De fato, o próprio cerne da medida assecuratória consiste na sua

natureza cautelar, de forma a possibilitar eventual ressarcimento patrimonial,

não ofendendo ao direito de propriedade, mas também sem descurar da sua

fi nalidade mor de promover e garantir uma futura pretensão reparatória.

Inclusive, de se notar que, no decisum de 13.8.2008, não incidiu em eventual

inovação o magistrado de origem, visto que apenas buscou evitar uma possível

dilapidação do patrimônio, em especial no tocante ao empreendimento objeto

da decisão - Universal Tower’s Investimentos e Participações Ltda. - UTI -,

dando efetividade à medida anteriormente determinada, assegurando o seu

resultado prático - vide fl . 327.

Por fi m, observa-se que a manifestação prévia da defesa não ocorre em

casos como o ora em apreço, de medida cautelar patrimonial de sequestro, a qual

é determinada inaldita altera pars, sem anterior intimação defensiva. Conforme

explanou o magistrado (fl . 327):

(...)

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1022

Isso porque a oitiva prévia do requerido colocaria em risco a efetividade da

medida decretada, principalmente no que concerne à possibilidade de alteração

do quadro societário da pessoa jurídica constituída nos EUA (Universal Towers

Construction, INC.-UTC).

Com efeito, ao contrário das pessoas jurídicas constituídas e registradas na

República Federativa do Brasil, sobre as quais o Poder Judiciário detém o poder

jurídico de desconstituir ou de declarar inefi cazes quaisquer atos fraudulentos,

a Universal Tower s Construction, INC. - UTC está imune a tal tipo de provimento,

pois constituída sob as leis dos EUA, estando ali sediada. A única possibilidade

seria através da co-participação deste país, sendo que a prática já revelou que se

trata de instrumento lento e burocrático.

Assim, qualquer ato praticado sob a jurisdição estrangeira, mesmo que

fraudulento, comprometerá o resultado da medida de seqüestro.

(...)

Com efeito, em prol da integridade patrimonial e contra a sua eventual

dissipação, posterga-se o contraditório, sendo que a defesa pode se insurgir em

oposição a determinação judicial, dispondo dos meios recursais legais previstos

para tanto.

Com notável lucidez a parecerista ministerial assim opinou, verbis (fl . 647):

(...)

Não se vislumbra, destarte, qualquer ofensa aos preceitos constitucionais

apontados pelo ora Recorrente, sendo aceito pela doutrina e pela jurisprudência

pátrias o contraditório diferido - assegurado na hipótese vertente -, mormente

em se tratando de providências cautelares, que podem ter seu objetivo frustrado,

caso seja dado prévio conhecimento a quem deva suportar os seus efeitos.

(...)

Ante o exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 897.824-RS (2006/0237183-6)

Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior

Recorrente: Valdecir Nervis

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1023

Advogado: Liane Camargo Svoboda

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Procurador: Clóvis Juarez Kemmerich e outro(s)

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Adicional de

25%. Requerimento administrativo. Aplicação retroativa. Data do

agravamento da condição do segurado. Impossibilidade.

1. Pretensão do autor para seja reconhecida a retroação dos efeitos

da decisão que lhe conferiu o direito ao acréscimo de 25%, em virtude

da necessidade de assistência permanente, à data do agravamento da

incapacitação, decorrente, in casu, de um derrame cerebral.

2. A regra geral fi rmada para a concessão da aposentadoria por

invalidez deve prevalecer, também, no que toca ao acréscimo previsto

no art. 45 da Lei de Benefícios. À evidência, a percepção do benefício

pressupõe a demonstração da necessidade de assistência permanente,

aferível, tão somente, com a postulação administrativa e o consequente

exame médico-pericial. Precedente da Quinta Turma.

3. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro

Relator. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado

do TJ-RS), Maria Th ereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior, Relator

DJe 14.11.2011

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1024

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de recurso especial

interposto com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, em face de

acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado

(fl . 62):

Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Art. 45 da Lei n. 8.213/1991.

Acréscimo de 25%. Concessão a partir do requerimento administrativo. Direito

adquirido. Inexistência.

Tendo a situação fática ensejadora do acréscimo do art. 45 da Lei n. 8.213/1991

ocorrido após a concessão do benefício por invalidez, tal acréscimo somente é

devido a partir de quando requerido na esfera administrativa.

Inconformado, o recorrente pleiteia o reexame do feito, à luz do art. 45

da Lei n. 8.213/1991, a fi m de que seja reconhecido o direito à majoração de

25% sobre o benefício de aposentadoria por invalidez durante o período de

30.12.2000 a 15.7.2002.

Contra-arrazoado o recurso, sustenta o INSS o não conhecimento das suas

razões, ao argumento de que o recorrente não logrou indicar o ponto em que

restaria contrariado o dispositivo em comento.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator): Primeiramente, cumpre

trazer a exame a redação do dispositivo legal que rege a matéria, qual seja, o art.

45 da Lei n. 8.213/1991:

Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da

assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por

cento).

Parágrafo único. O acréscimo de que trata este artigo:

a) será devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal;

b) será recalculado quando o benefício que lhe deu origem for reajustado;

c) cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor da

pensão.

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1025

No caso dos autos, tanto o Juízo de primeiro grau quanto o Tribunal a quo

entenderam que ocorreu o devido preenchimento dos requisitos necessários à

concessão do benefício ao segurado, destoando os julgados tão somente no que

tange ao dies a quo do pagamento.

Pretende o autor seja reconhecida a retroação dos efeitos da decisão que

lhe conferiu o direito ao acréscimo de 25%, em virtude da necessidade de

assistência permanente, à data do agravamento da incapacitação, decorrente, in

casu, de um derrame cerebral.

O Juiz de primeira instância considerou que a ignorância do segurado

acerca da existência do acréscimo de 25% sobre o salário de benefício não pode

vir em seu prejuízo, admitindo, com isso, a retroação.

Do acórdão recorrido, extrai-se posicionamento diverso, no sentido de

que seria impossível ao INSS verifi car quais os benefi ciários da aposentadoria

por invalidez que fariam jus ao acréscimo legal, de modo que a concessão deste

dependeria da provocação da autarquia mediante requerimento administrativo.

Parece mais acertado este último entendimento.

Analisando as características gerais da aposentadoria por invalidez, verifi ca-

se que, de acordo com o art. 42, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, sua concessão

depende da verifi cação da condição de incapacidade do segurado, mediante

exame médico-pericial a cargo da Previdência Social.

Da mesma forma, para se aferir a necessidade de assistência permanente,

deve haver a provocação por parte do segurado, a fi m de viabilizar a referida

condição pelo exame médico do INSS.

Quanto ao termo inicial da aposentadoria por invalidez, é pacífica a

jurisprudência desta Corte no sentido de que, havendo requerimento

administrativo, os efeitos fi nanceiros do reconhecimento da moléstia devem

retroagir à data deste.

Nesse sentido:

Previdenciário. Agravo regimental no agravo de instrumento. Auxílio-doença.

Termo inicial do benefício. Requerimento administrativo. Precedentes. Agravo

improvido.

1. Havendo indeferimento do benefício em âmbito administrativo, o termo inicial

dos benefícios previdenciários de auxílio-acidente, auxílio-doença e aposentadoria

por invalidez fi xar-se-á na data do requerimento. Precedentes do STJ.

2. Agravo regimental improvido.

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1026

(AgRg no Ag n. 1.107.008-MG, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma,

DJe 15.3.2010 – grifo nosso).

Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Termo a quo. Pedido

administrativo.

1 - O termo inicial para a concessão da aposentadoria por invalidez é a data

da apresentação do laudo pericial em juízo, caso não tenha sido reconhecida a

incapacidade na esfera administrativa.

2 - In casu, consoante asseverado no voto condutor do acórdão recorrido,

houve requerimento administrativo, tendo o Instituto recorrente admitido a

existência de incapacidade laborativa da segurada, pelo que o benefício se torna

devido a partir daquela data.

3 - Recurso especial conhecido em parte (letra c) mas improvido.

(REsp n. 475.388-ES, Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, DJ 7.4.2003 –

grifo nosso).

Cuidando especifi camente do acréscimo de 25%, decorrente da necessidade

de assistência permanente do aposentado por invalidez, a Quinta Turma desta

Corte decidiu da seguinte forma:

Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Adicional de 25%. Inovação

da Lei n. 8.213/1991. Necessidade de requerimento. Aplicação retroativa.

Impossibilidade.

1. Nos termos do artigo 45 da Lei de Benefícios, o segurado aposentado por

invalidez que necessitar de assistência permanente de outra pessoa, fará jus a um

acréscimo de 25%.

2. Se na época em que concedida a aposentadoria ao recorrente não havia

previsão legal de acréscimo, somente a partir do surgimento da nova regra, mediante

requerimento da parte interessada e comprovada a necessidade, nasce para o

segurado o direito ao complemento.

3. O advento da norma autorizativa, por si, não impõe à Previdência o dever

de revisar as aposentadorias em manutenção, haja vista a exigência de que

o beneficiado necessite de assistência de outrem. Com efeito, a aferição de tal

circunstância depende, sem dúvida, da iniciativa do próprio interessado.

4. Recurso especial improvido.

(REsp n. 1.104.004-RS, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 1º.2.2010).

O feito julgado pela Quinta Turma destoa parcialmente do caso em

tela, uma vez que, naquele, o direito ao acréscimo de 25% adveio de alteração

legislativa, enquanto que, na presente hipótese, decorreu de nova doença, que

Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1027

agravou o quadro físico do segurado. Não obstante isso, a questão posta em

debate é a mesma, qual seja, a necessidade de provocação do INSS para postular

a revisão do montante do benefício.

A regra geral fi rmada para a concessão da aposentadoria por invalidez

deve prevalecer, também, no que toca ao acréscimo previsto no art. 45 da Lei

de Benefícios. À evidência, a percepção do benefício pressupõe a demonstração

da necessidade de assistência permanente, aferível, tão somente, com a

postulação administrativa e o consequente exame médico-pericial. A aferição da

circunstância que dá causa ao acréscimo em tela depende, é claro, da iniciativa

do próprio interessado.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Sra. Presidente, a matéria é interessante, acho que S. Exa., inclusive, tem

precedente que cita a situação paralela à aposentadoria.

Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator.