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HABEAS CORPUS N. 150.177-SP (2009/0198382-1)
Relatora: Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora
convocada do TJ-PE)
Impetrante: Defensoria Pública da União
Advogado: Carla Cristina Miranda de Melo Guimarães - Defensoria
Pública da União
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Paciente: Jaime Moraes de Oliveira (preso)
EMENTA
Penal. Habeas corpus. Tráfi co de drogas e furto qualifi cado. Crime
cometido na vigência da Lei n. 6.368/1976. Condenação com base
em provas colhidas exclusivamente na fase inquisitorial. Inocorrência.
Princípio da consunção. Inaplicável. Dosimetria da pena. Adequação.
Causa especial de redução da pena. Dedicação a atividade criminosa.
Impossível reexame probatório. Via indevidamente utilizada
como sucedâneo de agravo em recurso especial. Não cabimento.
Constrangimento não evidenciado. Ausência de ilegalidade manifesta.
1. Na esteira dos recentes precedentes do Supremo Tribunal
Federal e desta Corte Superior de Justiça, é incabível o habeas corpus
utilizado em substituição ao recurso adequado.
2. As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se
admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição
ao recurso cabível. Precedentes.
3. A inadequação da via eleita, contudo, não desobriga este
Tribunal Superior de, ex offi cio, fazer cessar manifesta ilegalidade que
importe no cerceamento do direito de ir e vir do paciente.
4. A sentença condenatória está fundamentada não apenas nos
revelantes elementos amealhados no inquérito policial, como também
nos laudos periciais e oitivas de testemunhas da instrução criminal,
sendo incabível a declaração de nulidade do feito por cerceamento de
defesa.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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5. Para que uma conduta seja absorvida pela outra é necessário
que a primeira sirva apenas como ato preparatório da segunda, sendo
considerada irrelevante e eliminando a autonomia do referido crime.
6. No caso, o furto praticado pelo paciente se deu com abuso da
confi ança depositada, consistente na subtração de objeto ilícito, produto
de outro crime, e ocorreu dentro das dependências da Polícia Federal,
ludibriando a segurança daquele órgão, não podendo tal conduta ser
considerada desprezível e tampouco simples ato preparatório.
7. O modus operandi utilizado na prática delitiva revela a intensa
periculosidade dos agentes e gravidade concreta da conduta, de modo
que o potencial lesivo do furto praticado não pode ser absorvido pelo
tráfi co.
8. A teor do que dispõe o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, o juiz, ao
fi xar a pena, considerará com preponderância sobre o previsto no art.
59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do
produto, a personalidade e a conduta social do agente.
9. Na espécie, o Tribunal de origem se valeu da quantidade de
entorpecente comercializada pelos agentes - 24,855 Kg de cocaína
- e das circunstâncias em que foi perpetrado o delito para justifi car o
aumento da pena-base.
10. A Lei n. 11.343/2006, em seu art. 33, § 4º, determina que nos
delitos defi nidos no caput e § 1º do mesmo dispositivo legal, as penas
poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente
seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades
criminosas e nem integre organização criminosa.
11. A Corte originária, analisando os elementos concretos que
permearam a conduta delitiva, em especial a grande quantidade de
entorpecente apreendido, bem como o organizado esquema criminoso
traçado para possibilitar a prática delitiva, concluiu que o paciente e
seus comparsas dedicavam-se a atividade criminosa.
12. Tal posicionamento não pode ser modifi cado nesta via, uma
vez que para se concluir o contrário seria necessário o revolvimento de
todo o conjunto probatório, providência incabível em sede de habeas
corpus.
13. Ordem não conhecida.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 885
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do
habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. A Sra. Ministra
Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião
Reis Júnior e Assusete Magalhães votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
Brasília (DF), 4 de dezembro de 2012 (data do julgamento).
Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-
PE), Relatora
DJe 19.12.2012
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada
do TJ-PE): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor
de Jaime Moraes de Oliveira, referente à Ação Penal n. 2005.61.81.005351-1,
apontando como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Segundo narra a inicial acusatória, entre as datas de 18.1 a 25.2 do
ano de 2005, o ora paciente e três corréus, teriam subtraído do interior do
Departamento de Polícia Federal em São Paulo, aproximadamente 24,855 kg
de cocaína, que se encontrava depositada naquele departamento, após ter sido
apreendida nos autos do IP n. 21-00008/05 (e-fl s. 27-34).
Ato contínuo à subtração, os denunciados teriam passado a vender a
substância entorpecente, situação comprovada pelas declarações das testemunhas
e pela apreensão de vultosa quantia, incompatível com seus rendimentos, nas
residências dos comparsas (e-fl . 426).
Ao fi m da instrução, o paciente foi condenado pela prática dos crimes
previstos no artigo 155 do Código Penal, e artigo 12, da Lei n. 6.368/1976,
sendo-lhe aplicada a pena fi nal de 9 (nove) anos de reclusão e 250 (duzentos e
cinquenta) dias-multa.
Ficou determinado que os primeiros quatro anos de reclusão - pena
referente ao tráfi co - seriam cumpridos integralmente em regime fechado e os
últimos cinco anos inicialmente em regime fechado (e-fl s. 425-452).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
886
Irresignados com a sentença proferida, tanto o Ministério Público Federal
quanto os condenados interpuseram recurso de apelação. A defesa de Jaime
requereu sua absolvição, por ausência de elementos que comprovassem a
materialidade delitiva. Subsidiariamente, pediu a redução da pena e a admissão
do sistema progressivo de cumprimento da pena.
O Ministério Público requereu a majoração das penas impostas aos réus.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu parcial provimento ao
recurso ministerial para majorar a pena total aplicada aos corréus Jaime e Márcio
para 14 (quatorze) anos de reclusão, mais pagamento de 490 (quatrocentos
e noventa) dias-multa, sendo reconhecida a incidência de circunstâncias
qualifi cadora no crime de furto. O apelo defensivo também foi parcialmente
provido para reconhecer o direito à progressão do regime prisional aos apelantes
(e-fl s. 510-526).
Eis a ementa do julgado:
Processual Penal e Penal: bis in idem da persecução penal. Não ocorrência.
Tráfi co de drogas. Art. 155, § 4º, incisos II e IV, c.c. o artigo 29, caput do Código
Penal e artigo 12, caput, da Lei n. 6.368/1976. Materialidade delitiva e autoria
comprovadas. Absorção. Impossibilidade. Dosimetria da pena. Majoração da
pena-base. Recurso do Ministério Público Federal e co-réus parcialmente providos.
I - As esferas administrativa e penal são independentes, não podendo ser
confundida a atividade da autoridade administrativa com o exercício do poder
jurisdicional na apreciação de ação penal.
II - A materialidade delitiva restou comprovada de forma inequívoca, através
do Laudo de Exibição e Apreensão, relativo ao Inquérito Policial n. 21.0008/05,
do Laudo de Constatação preliminar, do memorando que encaminhou
a referida substância ao Nucrim, onde consta o respectivo comprovante de
recebimento do material, da comunicação ao Superintendente da Polícia Federal
do desaparecimento da substância e, fi nalmente, pelo relatório elaborado na
sindicância instaurada em decorrência do fato ocorrido.
III - A autoria dos crimes, por sua vez, também restou devidamente comprovada,
tanto na fase de investigação policial quanto na instrução processual, por meio de
provas que sustentam e dão embasamento à comprovação da autoria, no que se
refere aos co-réus Jaime e Márcio.
IV – Confi gura-se impossível a relação de absorção entre os crimes de furto e
tráfi co, uma vez que esta somente ocorrerá quando uma das condutas típicas do
outro delito for meio necessário ou fase normal de preparação ou execução do
delito do tráfi co de entorpecente, o que no caso concreto não ocorreu.
V – Reconhecido direito à progressão do regime prisional.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 887
VI – Majoração da pena-base em razão das circunstâncias e da forma como foi
praticado o delito.
VII – Recurso do Ministério Público Federal e dos acusados parcialmente
providos. (e-fl s. 525-526).
Alegando omissão quanto à aplicação retroativa do art. 33, § 4º, da Lei
de Entorpecentes, o ora paciente opôs embargos de declaração, que foram
acolhidos em parte, apenas para sanar omissão referente à apreciação da causa
de redução de pena sem, no entanto, modifi car o julgado embargado.
Das últimas informações prestadas pelo juízo de origem, em 3.11.2011,
consta que o réu interpôs recurso especial, inadmitido na origem. O trânsito
em julgado do acórdão para o Ministério Público e para o ora paciente foi
certifi cado em 24.3.2010 (e-fl s. 600-611).
Neste habeas corpus, a Defensoria Pública alega, em resumo, que:
a) a decisão condenatória baseou-se, exclusivamente, em elementos obtidos
durante o inquérito policial, violando-se, assim, os princípios do contraditório e
da ampla defesa;
b) “o furto da substância entorpecente foi praticado exclusivamente
para possibilitar o tráfi co da droga subtraída, de modo que, pelo princípio da
consunção, o crime meio (furto) deve ser absorvido pelo crime fi m (tráfi co), que
é de maior gravidade e penas mais rigorosas” (e-fl . 9);
c) as circunstâncias em que se deu o delito e a natureza e quantidade do
entorpecente apreendido não justifi cariam o aumento da pena-base acima do
mínimo legal;
d) embora tenha se envolvido com o tráfi co, o paciente não faz do crime
seu estilo de vida e tampouco integra organização criminosa, preenchendo os
requisitos necessários para obter a redução da pena prevista no § 4º, do artigo
33, da Lei n. 11.343/2006.
Ao final, requer a concessão da ordem para absolver o paciente.
Subsidiariamente, pugna pelo redimensionamento da pena e afastamento da
hediondez do delito pelo reconhecimento do tráfi co privilegiado.
O Ministério Público Federal, às e-fls. 544-558, em parecer do
Subprocurador-Geral da República Francisco Dias Teixeira, opinou pela
denegação da ordem.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Em 4.5.2011 o presente mandamus foi atribuído ao Ministro Vasco Della
Giustina (Desembargador convocado do TJ-RJ), que solicitou informações
atualizadas ao Tribunal a quo e ao juízo de primeiro grau, em 16.9.2011.
As informações foram prestadas às fl s. e-STJ 570-597, 600-611. O feito
foi atribuído a esta Relatora em 23.8.2012.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada
do TJ-PE) (Relatora): Tenho por imperioso reconhecer a inadequação da via
eleita, utilizada indevidamente como sucedâneo de agravo em recurso especial,
pelo que não se faz merecedora de conhecimento a impetração.
As Turmas julgadoras integrantes da eg. 3ª Seção deste Superior Tribunal
de Justiça têm sinalizado a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem
de se prestigiar a lógica do sistema recursal.
As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se admitindo que o
remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso cabível.
Nesse sentido, são os precedentes deste Superior Tribunal de Justiça e do
Supremo Tribunal Federal: HC n. 156.087-SP, Rel. Ministra Maria Th ereza de
Assis Moura, HC n. 108.715, Rel. Min. Marco Aurélio e HC n. 110.423, HC n.
107.882 e HC n. 108.399, estes da relatoria do Ministro Luiz Fux.
Considerando o âmbito restrito do mandamus, cumpre analisar apenas se
existe manifesta ilegalidade que implique em coação à liberdade de locomoção
do paciente.
Para isso, dada a diversidade de alegações apresentadas neste habeas corpus,
passo à análise dos temas individualmente.
I - Cerceamento de defesa.
Afirma a impetrante que a decisão condenatória estaria embasada,
unicamente, em elementos obtidos durante o inquérito policial, o que violaria os
princípios do contraditório e da ampla defesa.
A alegação não prospera. Da atenta leitura da sentença condenatória
infere-se que o magistrado utilizou os depoimentos dos peritos, colhidos em
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 889
juízo, e as informações obtidas mediante oitiva das testemunhas, para condenar
os acusados.
Para melhor esclarecer, transcrevo o seguinte excerto da sentença
condenatória, concluindo que a materialidade delitiva e autoria do delito
estariam demonstradas, in verbis:
Iniciando pela prova documental, foram anexadas cópias do auto de
apresentação e apreensão da substância entorpecente, relativo ao Inquérito
Policial n. 21.0008/05 (fl s. 14, 41 e 49), do laudo preliminar de constatação (fl .
46), do memorando que encaminhou a referida substância ao NUCRIM, do qual
consta o respectivo comprovante de recebimento do material (fl . 42 e 50), da
comunicação ao Superintendente da Polícia Federal do desaparecimento da
substância (fl . 12) e, por fi m, do relatório elaborado na sindicância instaurada em
decorrências dos fatos (fl s. 246-256).
Tais documentos demonstram, em linhas gerais, o seguinte:
a) a substância apreendida constituía cocaína, consoante a conclusão do laudo
preliminar acima citado;
b) o entorpecente foi recebido no NUCRIM em 18.01.2005, data que consta
do carimbo aposto no memorando de encaminhamento por funcionário que
trabalhava no núcleo, o que também foi confi rmado no relatório elaborado para
apuração dos fatos no âmbito administrativo;
c) o desaparecimento foi descoberto no momento em que o perito solicitou a
entrega do material para realização do exame defi nitivo, conforma comunicado
pelo Chefe de Setor.
Especificamente no que tange à alínea “c”, cabe salientar que foram ouvidos,
no decorrer da instrução, os peritos Robertson Kasuhiro Kooshino e Calos Nalvo
Machado Junior, os quais, na condição de chefe do Núcleo de Criminalística e perito
encarregado de elaborar o laudo fi nal, foram os primeiros a terem conhecimento
dos fatos, tendo descrito, na condição de testemunhas, as circunstâncias em que
ocorreram.
(...)
A corroborar os depoimentos mencionados, também os funcionários terceirizados
que trabalhavam na própria secretaria do NUCRIM, desempenhando as funções
de receber o material e entregá-lo aos peritos quando requisitado o exame,
confi rmaram, quando ouvidos na qualidade de testemunhas do Juízo, o recebimento
do entorpecente e seu posterior desaparecimento das dependências do depósito.
(...)
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Conjugadas as provas documentais e orais acima analisadas, as quais
demonstram ter efetivamente desaparecido o entorpecente e, considerando-se que
tal desaparecimento ocorreu no período em que a substância fi cou acautelada no
depósito, só se pode concluir que aquela foi subtraída do local.
Por todos esses motivos, tenho que fi cou comprovada a materialidade delitiva.
2.2. Autoria
2.2.1. Jaime Morais Oliveira
As evidências colhidas durante a instrução fornecem elementos sufi cientes
para atribuir a autoria do crime previsto no art. 155, caput, do Código Penal, ao
acusado.
Em primeiro lugar, observo que Jaime trabalhava como empregado
terceirizado, tendo como função a realização de serviços de manutenção das
dependências do prédio, o que lhe possibilitava acesso, no mínimo, ao corredor
do 10º andar, ainda que seu cartão magnético não permitisse seu ingresso na sala
em que se localizava o depósito.
Na oportunidade em que foi interrogado em Juízo, o próprio réu confi rmou tal
circunstância, nos seguintes termos (fl s. 381-385):
(...) que trabalhava na época dos fatos, no prédio da Polícia Federal
em São Paulo como técnico em refrigeração e que tinha acesso a alguns
espaços; que no caso do 10º andar, tinha acesso ao corredor, mas não ao
depósito em que estava localizada a cocaína; (...)
Fixada essa premissa, verifico que, não obstante Jaime tenha declaração
também em seu interrogatório, que trabalhava das sete às dezessete horas,
constam dos autos registros de que teria ingressado especifi camente no corredor
que dava acesso à sala em que estava acautelada a substância em horários não
compatíveis com o turno que afi rmou desempenhar.
(...)
Em palavras outras, é de se reconhecer que, se Jaime realmente realizava
serviços de manutenção fora de seu horário de trabalho, a pedido do supervisor,
tal fato poderia ser confi rmado, a princípio, pela oitiva daquele que na qualidade
de testemunha, especialmente em se considerando que os serviços, ainda
segundo o próprio acusado, não são sempre documentados.
Realizada a oitiva, verifica-se, ao contrário, que a tese defendida não se
coaduna com o conteúdo do depoimento prestado por Maurício José da Silva, o
qual era superior hierárquico do réu na época dos fatos (...).
Nesse ponto, observo que o depoimento coincide com os das testemunhas
de acusação Júlio Sávio Monfardini, Delegado de Polícia Federal que presidiu o
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Inquérito Policial instaurado para apurar o caso, e Robertson, chefe do NUCRIM,
o que constitui mais uma evidência a militar em sentido oposto à versão
apresentada pelo réu.
(...)
3. Art. 12, caput, da Lei n.º 6.368/76.
No que tange ao tráfi co ilícito de entorpecentes, fi caram comprovadas sua
materialidade e a autoria dos acusados Jaime e Márcio, não sendo possível a
atribuição desta última aos réus Robson e Reginaldo, em função do que acima se
explanou.
Nesse tópico, não pode ser aceita a tese da defesa de que a inexistência de
laudo final que atestasse a natureza da substância furtada geraria nulidade
insanável e impossibilitaria a apreciação do mérito.
(...)
Em relação ao tráfi co, tenho que podem ser aplicadas as mesmas considerações
acima expendidas, especialmente por constar dos autos o exame preliminar da
substância furtada (fl s. 45-46) e, ainda, outras provas que demonstram constituir
aquela cocaína, quais sejam: auto de apresentação e apreensão do entorpecente,
com discriminação da quantidade, lavrado nos autos do Inquérito 21.0008/05
(fl s. 13, 41 e 49), memorandos de encaminhamento do material para o NUCRIM,
do qual consta carimbo de recebimento por este último órgão (fl s. 42 e 50) e de
ciência do exame a ser realizado pelos peritos (fl . 40).
(...)
De qualquer forma, não há eiva a ser declarada, por serem os documentos acima
mencionados sufi cientes para comprovar a natureza da droga, mormente quando
corroborados pela prova oral colhida durante a instrução e acima analisada.
Fixada a premissa de que a coisa furtada constituía substância entorpecente e
tendo sido atribuída a Jaime e Márcio a prática do furto, a eles também deve ser
imputado o tráfi co.
É que, a partir do momento em que retiraram a cocaína do Departamento de
Polícia Federal e a levaram consigo incidiram, no mínimo, na conduta de guardar,
que já consta do rol do art. 12 da Lei n.] 6.368/1976, cabendo frisar que, consoante
as declarações prestadas por Gilmar Barbosa Nunes no Inquérito e analisadas em
item anterior, Jaime praticou, também, a conduta de expor à venda.
Diante do que se expôs, fi cou demonstrada a materialidade delitiva do tráfi co,
tendo Jaime e Márcio praticado condutas previstas no rol do art. 12, caput, da Lei
n. 6.368/1976.
(e-fl s. 427-432 e e-fl s. 442-444, com destaques).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Assim, o decisum fundamentou sua condenação não apenas nos revelantes
elementos amealhados no inquérito policial, como também nos laudos periciais
e testemunhas da instrução criminal, sendo incabível a declaração de nulidade
do feito por cerceamento de defesa, como pretende a impetrante.
Em casos semelhantes, essa Corte já se pronunciou, in verbis:
Habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Condenação com base em elementos
coletados exclusivamente durante o inquérito policial. Art. 155 do Código
de Processo Penal. 1. Sigilo das votações. Princípio da íntima convicção.
Impossibilidade de identifi cação dos elementos utilizados pelos jurados para
condenar a paciente. 2. Apelação. Art. 593, inciso III, alínea d, do Código de
Processo Penal. Juízo de constatação. Decisão que encontra arrimo nas provas
produzidas em juízo. Constrangimento ilegal. Inexistência. 3. Ordem denegada.
(...)
4. No caso, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, ao manter a condenação
da paciente, externando a sua convicção acerca dos fatos narrados na inicial
acusatória, baseou-se não só nos elementos de informação colhidos durante a
investigação. Apontou, também, depoimentos coletados durante a instrução
criminal, que constituem fonte idônea de convencimento.
5. O habeas corpus é antídoto de prescrição restrita, que se presta a reparar
constrangimento ilegal evidente, incontroverso, que se mostra de plano ao
julgador. Não se destina à correção de situações que, ainda que existentes,
demandam para sua identificação, aprofundado exame de fatos e provas.
Deveras, deve-se verifi car a alegação de que os depoimentos coletados durante
a instrução criminal “não servem à prova fi el e cabal da participação da paciente
nos fatos narrados na denúncia” no juízo de maior alcance - o juízo de revisão
criminal.
6. Habeas corpus denegado.
(HC n. 173.965-PE, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma,
julgado em 1º.3.2012, DJe 29.3.2012).
Condenação baseada exclusivamente em elementos informativos colhidos no
inquérito policial. Não ocorrência. Inexistência de nulidade.
1. Embora esta Corte Superior de Justiça tenha entendimento consolidado
no sentido de considerar inadmissível a prolação do édito condenatório
exclusivamente com base em elementos de informação colhidos durante o
inquérito policial, tal situação não se verifi ca na hipótese, já que as instâncias
ordinárias apoiaram-se também em elementos de prova colhidos no âmbito do
devido processo legal.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 893
(HC n. 174.849-RJ, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em
14.2.2012, DJe 29.2.2012).
II - Aplicação do princípio da consunção
Extrai-se dos autos que os acusados subtraíram do interior do
Departamento de Polícia Federal em São Paulo 24,855 kg de cocaína, que se
encontrava depositada naquele departamento, após ter sido apreendida em uma
investigação policial.
Para realizar tal conduta, os agentes “valeram-se das facilidades decorrente
do fato de trabalharem naquele departamento como funcionários terceirizados,
o que lhes possibilitava amplo acesso às dependências do prédio, mediante a
utilização de cartão magnético que lhes era entregue.” (e-fl . 425).
Dias após a subtração, os denunciados comercializaram a substância
entorpecente, situação comprovada pelas declarações das testemunhas e pela
apreensão de grande quantidade de moeda nacional e estrangeira na residência
dos acusados (R$ 37.000,00; €$ 10.000,00; US$ 19.000,00), quantia esta
incompatível com seus rendimentos (e-fl s. 31 e 426).
Com efeito, a descrição dos fatos deixa evidente que o objeto de ambos os
delitos é o mesmo - substância entorpecente - e o resultado fi nal almejado pelos
infratores seria a obtenção de vantagem fi nanceira com a venda da droga.
Entretanto, para que uma conduta seja absorvida pela outra é necessário que
a primeira sirva apenas como ato preparatório da segunda, sendo considerada
irrelevante e eliminando a autonomia do referido crime.
No caso, o furto praticado pelo paciente se deu com abuso da confi ança
depositada, consistente na subtração de objeto ilícito, produto de outro crime,
e ocorreu dentro das dependências da Polícia Federal, ludibriando a segurança
daquele órgão, não podendo tal conduta ser considerada desprezível e tampouco
simples ato preparatório.
A esse respeito extraio do acórdão impugnado o seguinte excerto, in verbis:
Com efeito, a conduta dos acusados reveste-se de caráter anti-social altamente
reprovável, pelas circunstâncias em que foi perpetrado o delito. Ambos tiveram
que elaborar plano engenhoso e rico em detalhes para acessar o 10º andar onde
fi ca o depósito do Nucrim, que fi ca trancado. Demonstraram grande ousadia e
completa ausência de freios inibitórios para a prática de crimes, ao decidirem
subtrair o entorpecente de dentro da própria sede da Polícia Federal.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Alie-se a essas circunstâncias ainda a grande quantidade de cocaína subtraída
- quase vinte e cinco quilos - que foi recolocada no comércio clandestino de
entorpecentes, causando dano à saúde pública e jogando por terra todo o
trabalho policial que havia sido realizado para sua apreensão. (e-fl s. 520-521).
Diante de tais elementos, não vejo como considerar, nessa hipótese, que o
crime de tráfi co de entorpecentes seja mais relevante que o furto qualifi cado, a
ponto de eliminar a punição por este último.
Ao contrário, o modus operandi utilizado na prática delitiva revela a intensa
periculosidade dos agentes e gravidade concreta da conduta, de modo que o
potencial lesivo do furto praticado não pode ser absorvido pelo tráfi co. Além
disso, percebe-se que a ofensa perpetrada em cada um dos delitos se refere a
bens jurídicos distintos, sendo em um protegido o patrimônio da vítima e em
outro a saúde pública.
Deste modo, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção,
mas em autonomia das condutas.
III - Dosimetria no tráfi co de entorpecentes
A defesa afi rma que as circunstâncias em que se deu o crime de tráfi co
de entorpecentes e a natureza e quantidade do entorpecente apreendido não
justifi cariam o aumento da pena-base acima do mínimo legal.
Na primeira etapa referente à dosagem da pena, o magistrado singular
fi xou a reprimenda em 4 (quatro) anos de reclusão, mantendo-a neste patamar
ante a ausência de outras circunstâncias que ensejassem a sua modifi cação.
Irresignados com a sentença proferida, tanto o Ministério Público Federal
quanto os condenados interpuseram recurso de apelação.
A defesa de Jaime requereu sua absolvição, por ausência de elementos
que comprovassem a materialidade delitiva. Subsidiariamente, pediu a redução
da pena e a admissão do sistema progressivo de cumprimento da pena. O
Ministério Público requereu a majoração das penas impostas aos réus.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, entendendo que a conduta
do acusado seria efetivamente mais culpável, acolheu as alegações ministeriais,
realizando nova dosagem da pena, nos seguintes termos:
No que se refere à dosimetria da pena, o Ministério Público Federal pleiteia,
nas razões de apelação de fl s. 991-1.002, a majoração das penas impostas aos
apelantes.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 895
Nesse ponto, entendo que assiste razão à acusação. Com efeito, a conduta
dos acusados reveste-se de caráter anti-social altamente reprovável, pelas
circunstâncias em que foi perpetrado o delito. Ambos tiveram que elaborar plano
engenhoso e rico em detalhes para acessar o 10º andar onde fi ca o depósito do
Nucrim, que fi ca trancado. Demonstraram grande ousadia e completa ausência
de freios inibitórios para a prática de crimes, ao decidirem subtrair o entorpecente
de dentro da própria sede da Polícia Federal.
Alie-se a essas circunstâncias ainda a grande quantidade de cocaína subtraída
- quase vinte e cinco quilos - que foi recolocada no comércio clandestino de
entorpecentes, causando grande dano à saúde pública e jogando por terra todo o
trabalho policial que havia sido realizado para sua operação.
Desse modo, não se pode fi xar próximo ao mínimo legal, como fez a sentença
em análise, a pena para conduta revestida de tamanha gravidade. Afi gura-se
razoável, de outra parte, o pedido formulado pelo Ministério Público Federal
em suas razões de apelação (fl s. 991-1.002), para que a pena-base de cada um
dos delitos praticados pelos réus seja fi xada no termo médio entre o mínimo e o
máximo abstratamente cominado pelo tipo penal.
Com base nas razões acima expostas, fi xo a pena-base para o crime de tráfi co
de drogas no termo médio entre o mínimo de 03 (três) e o máximo de 15 (quinze)
anos de reclusão abstratamente cominados pelo artigo 12, da Lei n. 6.368/1976,
ou seja, fi xo em 09 (nove) anos de reclusão a pena-base para o crime de tráfi co de
entorpecentes para cada um dos réus. (e-fl s. 520-521).
Examinando as razões do Tribunal de origem, que se valeu da quantidade
de entorpecente subtraída e comercializada pelos agentes e do modus operandi
empregado no cometimento do crime para justifi car o aumento da pena-base,
não vislumbro qualquer constrangimento a ser sanado.
Com efeito, a teor do que dispõe o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, o juiz,
ao fi xar a pena, considerará com preponderância sobre o previsto no art. 59
do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a
personalidade e a conduta social do agente.
No caso, o aumento está plenamente justifi cado.
Como bem ressaltado no acórdão impugnado, além da enorme quantidade
de entorpecente (quase 25 kg de cocaína) apreendida, o paciente e seus corréus
se valeram de diversos ardis para acessar o local onde a droga estaria depositada,
devolvendo posteriormente ao mercado ilícito, entorpecente que já havia sido
apreendido pelas autoridades policiais.
Tais razões são sufi cientes para manter o aumento no patamar estabelecido
pela instância a quo.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
896
Nesse mesmo contexto, confi ra-se os seguintes precedentes:
Habeas corpus. Tráfi co de drogas e associação para o narcotráfi co. Dosimetria.
Pena-base. Natureza e quantidade de drogas apreendidas. Art. 42 da Lei n.
11.343/2006. Exasperação da reprimenda. Fundamentação concreta e idônea.
Constrangimento ilegal não evidenciado.
1. Não há constrangimento ilegal quando verificado que as instâncias
ordinárias levaram em consideração especialmente a natureza e a elevada
quantidade da droga apreendida em poder do paciente para a exasperação da
pena-base, a teor do disposto no art. 42 da Lei n. 11.343/2006 (pouco mais de 22
kg de cocaína).
2. Ordem denegada.
(HC n. 170.574-MG, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado
em 21.8.2012, DJe 5.9.2012).
Penal. Tráfico. Pena-base. Exasperação. Legalidade. Quantidade da droga
apreendida. Causa especial de diminuição. Imposição de 1/6.
Alteração. Impossibilidade. Substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos. Impossibilidade. Possibilidade de recorrer em liberdade.
Pedido prejudicado neste particular.
1. Tendo sido apreendida grande quantidade de drogas (3.975 gramas de
cocaína), legitimada está a exasperação da pena-base, conforme os ditames do
art. 42 da Lei n. 11.343/2006.
2. Concretamente fundamentada em um sexto a diminuição da pena, na
terceira fase da dosimetria, dado o montante de droga, não há ilegalidade
manifesta a sanar, demandando revolvimento fático-probatório a imposição de
um outro percentual de redução.
3. Mantida a pena fi nal, maior de quatro anos, não é possível a substituição
pretendida.
4. Prejudicada, por falta de objeto, a questão do recurso em liberdade, em
virtude do trânsito em julgado da condenação.
5. Ordem julgada prejudicada em parte e, no mais, denegada.
(HC n. 203.199-SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta
Turma, julgado em 19.6.2012, DJe 29.6.2012).
Habeas corpus. Penal. Crime de tráfico ilícito de drogas. Pena-base acima
do mínimo legal. Fundamentação idônea. Grande quantidade de drogas.
Possibilidade. Art. 33, § 4º, da nova Lei de Tóxicos. Causa especial de diminuição
de pena afastada pelo Tribunal a quo.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 897
Ausência de constrangimento ilegal. Habeas corpus denegado.
1. A exasperação da pena-base restou sufi cientemente fundamentada, em
razão da natureza e da grande quantidade de droga apreendida (2.940g (dois mil,
novecentos e quarenta gramas) de cocaína).
2. O art. 42 da Lei n. 11.343/2006 impõe ao Juiz considerar, com preponderância
sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga,
tanto na fi xação da pena-base, quanto na determinação do grau de redução da
causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da nova Lei de Tóxicos.
3. Na hipótese, destacou o Tribunal de origem que a quantidade da droga
apreendida - 2.940g (dois mil, novecentos e quarenta gramas) de cocaína -, bem
como o fato do passaporte do Paciente revelar a realização de viagens despidas
de qualquer justifi cativa plausível e de custo incompatível com as condições
econômicas informadas, evidenciam o seu grau envolvimento com o tráfi co de
drogas, distinguindo-o, portanto, do trafi cante ocasional.
4. Não se aplica a causa de diminuição inserta no § 4º do art. 33 da Lei n.
11.343/2006, na medida em que, conforme consignado no acórdão impugnado,
de forma devidamente fundamentada, o Paciente não preenche os requisitos
legais.
5. Para efeitos de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art.
33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, “A conduta social do agente, o concurso eventual
de pessoas, a receptação, os apetrechos relacionados ao tráfi co, a quantidade
de droga e as situações de maus antecedentes exemplificam situações
caracterizadoras de atividades criminosas.” (STF, RHC n. 94.806-PR, 1ª Turma, Rel.
Min. Cármen Lúcia, DJe de 16.4.2010.)
6. Habeas corpus denegado.
(HC n. 211.357-SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
4.9.2012, DJe 17.9.2012).
IV - Redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006
Por fi m, afi rma a impetrante que embora tenha se envolvido com o tráfi co,
o paciente não faz do crime seu estilo de vida e tampouco integra organização
criminosa, preenchendo os requisitos necessários para obter a redução da pena
prevista na Lei de Entorpecentes.
Ora, a Lei n. 11.343/2006, em seu art. 33, § 4º, determina que nos delitos
defi nidos no caput e § 1º do mesmo dispositivo legal, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primários, de bons
antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e nem integre organização
criminosa.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
898
Cumpridas tais exigências, deve o julgador aplicar a referida benesse, tendo
liberdade para escolher a fração mais adequada ao caso concreto, desde que o
faça de forma fundamentada, sob pena de constrangimento ilegal.
A situação em exame, contudo, é diferenciada.
Primeiro, deve-se atentar para o fato de que a conduta delitiva foi praticada
na vigência da Lei n. 6.368/1976, sendo a dosimetria realizada toda com base
naquela legislação.
Nesse caso, esta Corte de Justiça, a partir do julgamento do EREsp
n. 1.094.499-MG, de relatoria do Ministro Felix Fischer, já firmou seu
entendimento no sentido de que a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006
aos crimes cometidos na vigência da Lei n. 6.368/1976 é inadmissível, por
constituir uma norma híbrida, não prevista no ordenamento jurídico.
Ainda seguindo tal orientação, a Terceira Seção decidiu que sendo a nova
Lei de Entorpecentes mais vantajosa ao condenado, sua aplicação retroativa
seria possível, desde que de forma integral. Tal avaliação, contudo, caberia ao
Juízo das Execuções, tendo em vista a necessidade de se constatar qual seria a
norma mais benéfi ca.
No caso, contudo, o Tribunal de origem, em sede de embargos declaratórios,
examinou a possibilidade de incidência da referida benesse, justifi cando seu
entendimento, nos seguintes termos:
Independentemente do meu particular entendimento no sentido da
inadmissibilidade da combinação de aspectos mais benignos de duas leis, o
que implicaria na criação de uma nova lei, é certo que no presente caso os
embargantes não satisfazem os requisitos constantes do § 4º, do artigo 33 do
novel diploma, verbis:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer
drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500
(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(...)
§ 4º Nos delitos defi nidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas
poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão
em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 899
bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre
organização criminosa.
Ora, frente às circunstâncias que nortearam a prática delituosa, a quantidade
(quase vinte e cinco quilos), o modus operandi (ambos tiveram que elaborar plano
engenhoso e rico em detalhes para acessar o 10º andar onde fi ca o depósito do
Nucrim, que fi ca trancado) e a natureza da droga apreendida (cocaína), afi gura-
se inequívoco que a conduta dos acusados reveste-se de caráter anti-social
altamente reprovável. Demonstraram grande ousadia e completa ausência de
freios inibitórios para a prática de crimes, ao decidirem subtrair o entorpecente
de dentro da própria sede da Polícia Federal. Alie-se a essas circunstâncias ainda
a grande quantidade de cocaína subtraída, que foi recolocada no comércio
clandestino de entorpecentes, causando grande dano à saúde pública e jogando
por terra todo o trabalho policial que havia sido realizado para sua apreensão, o
que certamente se fez por conta e ordem de organização criminosa, a demonstrar
que a conduta dos embargantes está inserida em estágio intermediário da cadeia
do tráfi co. A dedicação à atividade criminosa revela-se como motivo determinante
da conduta por eles praticada, de sorte que não fazem jus à causa de diminuição
de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. (e-fl . 532).
Diante dos argumentos supracitados, não é possível deferir ao sentenciado
o benefício da redução de pena.
A Corte originária, analisando os elementos concretos que permearam a
conduta delitiva, em especial a grande quantidade de entorpecente apreendido,
bem como o organizado esquema criminoso traçado para possibilitar a prática
delitiva, concluiu que o paciente e seus comparsas dedicavam-se à atividade
criminosa.
Tal posicionamento não pode ser modifi cado nesta via, uma vez que para
se concluir o contrário seria necessário o revolvimento de todo o conjunto
probatório, providência incabível em sede de habeas corpus.
Nesse sentido, confi ram-se esses precedentes:
Art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Pretendida aplicação. Delito cometido na
vigência da Lei n. 6.368/1976. Combinação de leis no tempo. Impossibilidade.
Emprego de uma ou outra legislação, em sua integralidade. Permissibilidade.
Precedentes. Requisitos subjetivos. Não preenchimento. Quantidade e natureza
da droga e modus operandi. Dedicação a atividades criminosas. Negativa de
mitigação motivada. Coação ilegal não demonstrada.
1. A Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça vem decidindo pela
impossibilidade de combinação das leis no tempo, permitindo contudo a
aplicação da nova regra mais benigna, trazida pela Lei n. 11.343/2006, ao crime
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
900
de narcotráfi co cometido na vigência da Lei n. 6.368/1976, somente se o cálculo
da redução for efetuado sobre a pena-base cominada ao delito do art. 33 da novel
Lei de Drogas.
2. Inocorre constrangimento ilegal quando a Corte originária entende que o
agente não satisfaz as exigências para a aplicação da nova causa de especial redução
de pena disposta no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, diante da natureza e da
expressiva quantidade de droga apreendida em seu poder e do o modus operandi
empregado na prática do delito, que levaram à conclusão de que se dedicaria a
atividades criminosas.
3. Para concluir-se que o condenado não se dedicava a atividades ilícitas,
necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório colacionado
durante a instrução criminal, o que é incabível na via estreita do remédio
constitucional.
(...)
(HC n. 112.865-SP, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em
25.5.2010, DJe 21.6.2010).
(...)
3. O Tribunal a quo reconheceu a dedicação do paciente às atividades
criminosas. Entendimento que não pode ser revisto no âmbito do habeas corpus
por demandar aprofundado reexame fático-probatório.
4. No caso, o regime mais rigoroso mostra-se adequado, de acordo com o que
preceituam os arts. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, e 42 da Lei de Tóxicos, levando
em conta a quantidade e natureza de droga apreendida em poder do paciente
(22 papelotes de cocaína).
6. Inviável a substituição por restritivas de direitos, a teor do que dispõe o art.
44, I, do Código Penal.
7. Ordem não conhecida.
(HC n. 245.844-SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma,
julgado em 16.10.2012, DJe 19.10.2012).
Recurso especial. Penal e Processo Penal. Tráfi co. Causa de diminuição de pena
do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Inaplicabilidade. Expressiva quantidade
de drogas e maus antecedentes. Não preenchimento dos requisitos legais.
1. Esta Corte Superior de Justiça tem decidido que a expressiva quantidade de
entorpecentes apreendida em poder do acusado constitui circunstância hábil a
denotar a dedicação às atividades criminosas, podendo impedir a aplicação da causa
de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006 à míngua
do preenchimento dos requisitos legais.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 901
2. Para além dos maus antecedentes do réu, a expressiva quantidade de
entorpecente apreendida (43 kg de maconha), constitui circunstância hábil a
denotar dedicação às atividades criminosas.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.112.071-SP, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta
Turma, julgado em 4.9.2012, DJe 17.9.2012).
Diante de todo o exposto, não há nos julgados proferidos pelo Tribunal
Regional Federal da 3ª Região qualquer constrangimento passível de correção.
Ante o exposto, não conheço da ordem e deixo de concedê-la de ofício por
não vislumbrar fl agrante ilegalidade.
É como voto.
Tendo em vista o contido no Ofício n. 7.937/R, do Supremo Tribunal
Federal (fl s. e-STJ 625), ofi cie-se ao e. Ministro Luiz Fux, comunicando o
julgamento deste habeas corpus.
HABEAS CORPUS N. 156.263-SP (2009/0239701-0)
Relator: Ministro Og Fernandes
Impetrante: Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini e outro
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Paciente: Edivar Vilela de Queiroz
Paciente: Antonio Vilela de Queiroz
Paciente: Ibar Vilela de Queiroz
Paciente: Fernando Galletti de Queiroz
Paciente: Ismael Vilela de Queiroz
Paciente: Izonel Vilela de Queiroz
Paciente: Edvair Vilela de Queiroz
EMENTA
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional.
Impossibilidade. Não conhecimento. Previsão constitucional expressa
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
902
do recurso ordinário como instrumento processual adequado ao
reexame das decisões de Tribunais denegatórias do writ. Art. 20 Lei
n. 7.492/1986. Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia. Peça
acusatória que aponta a suposta participação da empresa dirigida pelos
ora pacientes em desvio de verbas oriundas de fi nanciamento público
sem, contudo, individualizar as condutas. Responsabilização penal
objetiva. Impossibilidade.
1. A Constituição Federal define o rol de competências do
Superior Tribunal de Justiça para o exercício da jurisdição em âmbito
nacional e, no que se refere ao reexame das decisões dos Tribunais
Estaduais ou Regionais Federais, quando denegatórias de habeas
corpus, estabelece taxativamente o instrumento processual adequado
ao exercício de tal competência, a saber, o recurso ordinário (ex vi do
art. 105, II, alínea a, da CF).
2. É preciso uma releitura do habeas corpus, que tutela a liberdade
de locomoção e posiciona-se como salvaguarda contra arbitrariedades
porventura ainda ocorrentes no Estado Democrático, raciocínio que
vai ao encontro dos princípios da máxima efetividade e da força
normativa da Constituição.
3. Verifi cada hipótese de dedução de habeas corpus em lugar do
recurso ordinário constitucional, impõe-se o seu não conhecimento,
nada impedindo, contudo, que se corrija de ofício eventual ilegalidade
fl agrante como forma de sanar o constrangimento ilegal.
4. Segundo a jurisprudência desta Corte, o trancamento da ação
penal, pela via do habeas corpus, é medida excepcional, só admissível
quando despontada dos autos, de forma inequívoca, a ausência de
indícios de autoria ou materialidade delitiva, a atipicidade da conduta
ou a extinção da punibilidade.
5. Na hipótese, a peça acusatória não descreve minimamente
as condutas atribuídas aos ora pacientes, limitando-se a apontar a
participação da empresa por eles dirigida em supostas fraudes voltadas
à prática delitiva.
6. “O simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria de uma
empresa, por si só, não signifi ca que ela deva ser responsabilizada pelo
crime ali praticado, sob pena de consagração da responsabilidade penal
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 903
objetiva, repudiada pelo nosso direito penal” (HC n. 117.306-CE,
Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJ de 16.2.2009).
Ademais, reconhecido pelo próprio agente fi nanceiro que o contrato
de fi nanciamento “foi concluído conforme a fi nalidade”.
7. Ordem não conhecida. Flagrante o constrangimento ilegal,
concede-se ordem de ofício para, reconhecendo a inépcia formal da
denúncia, trancar a Ação Penal n. 2004.61.02.007995-9 (6ª Vara
Federal de São Paulo), sem prejuízo de apuração de possíveis fraudes
cometidas na execução do Contrato de Financiamento n. 00.2.673.1.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, não conhecer do habeas corpus, mas, de ofício expediu ordem, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior,
Assusete Magalhães, Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada
do TJ-PE) e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Edivar Vilela de
Queiroz.
Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Antonio Vilela
de Queiroz.
Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Ibar Vilela de
Queiroz.
Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Fernando
Galletti de Queiroz.
Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Ismael Vilela de
Queiroz.
Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Izonel Vilela de
Queiroz.
Dr(a). Eduardo Adolfo Viesi Velocci, pela parte paciente: Edvair Vilela de
Queiroz.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
904
Brasília (DF), 20 de novembro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Og Fernandes, Relator
DJe 7.12.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de habeas corpus, substitutivo de
recurso ordinário, impetrado em favor de Edivar Vilela de Queiroz, Antônio
Vilela de Queiroz, Ibar Vilela de Queiroz, Fernando Galletti de Queiroz,
Ismael Vilela de Queiroz, Izonel Vilela de Queiroz e Edvair Vilela de Queiroz,
apontando-se como autoridade coatora o Tribunal Federal da 3ª Região.
Consta dos autos que os pacientes foram denunciados pela suposta
prática do crime previsto no art. 20 da Lei n. 7.492/1986, pois teriam aplicado,
“em finalidade diversa da prevista em contrato, recursos provenientes de
fi nanciamento concedido por instituição fi nanceira ofi cial BNDES, desviando-
os dos fins a que se destinavam, através de falsas prestações de contas
(relativamente às quantias devidas às empresas York e Sulmaq) e da constituição
da empresa ‘fantasma’ Construtora AGR Ltda., a qual, sendo por eles gerenciada,
recebia indevidamente as verbas públicas advindas do contrato” (e-fl s. 30).
Buscando o trancamento da ação penal, a defesa impetrou habeas corpus
junto à Corte a quo, apontando a inépcia da peça acusatória e também a ausência
de justa causa para a persecução penal, tendo a ordem sido denegada nos termos
desta ementa (e-fl s. 52-53):
Processual Penal. Habeas corpus. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional.
Crime de perigo. Posterior regularização do débito. Trancamento da ação penal.
Pedido rejeitado. Constitucionalidade do artigo 20 da Lei n. 7.492/1986. Inépcia
da denúncia. Poderes de gerência. Ordem denegada.
1. O artigo 20 da Lei n. 7.492/1986 não viola os princípios constitucionais da
razoabilidade e da proporcionalidade.
2. O fato de a empresa haver regularizado as pendências fi nanceiras junto
ao BNDES não acarreta o trancamento da ação penal instaurada por infração ao
artigo 20 da Lei n. 7.492/1986.
3. O desvio de recursos e a perpetração de fraude na prestação de contas não
se apagam mediante a regularização do débito contraído, uma vez que, além de
o crime tipifi cado no artigo 20 da Lei n. 7.492/1986 ser de perigo e não de dano,
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 905
o bem jurídico tutelado pela norma é a higidez do Sistema Financeiro Nacional e
não o patrimônio da instituição fi nanceira.
4. Se a denúncia descreve condutas típicas e esmiúça-as de modo a permitir
a qualquer dos réus o exercício amplo do direito de defesa, não é de acolher-se a
arguição de inépcia.
5. Ainda que a circunstância de determinados pacientes não possuírem
poderes de gerência tenha a aptidão de servir-lhes como indício favorável, não
sendo possível excluir por completo as respectivas responsabilidades criminais,
deve ser repelido o pedido de habeas corpus para o trancamento da ação penal,
de modo a permitir-se que, na instância própria e mediante o aprofundamento
da instrução, seja proferida decisão segura a respeito da situação jurídica de cada
um.
6. À vista dos bens jurídicos tutelados pela Lei n. 7.492/1986, não merece
acolhida a invocação do princípio da insignifi cância.
7. Ordem denegada.
Neste writ, repetem os temas tratados na instância anterior e aduzem
que na denúncia “não há qualquer menção, tênue e implícita que seja, a ações
individualizadas aptas a serem conduzidas ao tipo penal imputado” (e-fl s. 5).
Alegam que, “ao fi nal de apuração administrativa, em 29.5.2006, o BNDES
concluiu que o contrato de fi nanciamento ‘foi concluído conforme a fi nalidade
determinada no referido instrumento”, mas “o Ministério Público Federal já
havia se antecipado”, oferecendo, em 23.7.2004, “denúncia genérica contra os
pacientes” (e-fl s. 5).
Pugnando pelo reconhecimento da inépcia da incoativa, defendem que
“a acusação é indeterminada e genérica: não há uma só ação individualizada e
atribuível a cada um dos pacientes” (e-fl s. 8).
Salientam, mais, que “nenhum dos 7 nomes dos pacientes foi usado como
sujeito durante a ‘descrição’ dos fatos, ou seja, não foram considerados como
praticantes de alguma ação” (e-fl s. 8).
Aduzem faltar justa causa à ação penal, dizendo que “o contrato e seu
cumprimento foram objeto de específi ca apuração administrativa que, como
já transcrito no voto vencido, concluiu pelo fi el cumprimento de seus termos”
(e-fl s. 19).
Destacam, outrossim, que “a denúncia foi ofertada e recebida antes de
o BNDES confi rmar que o fi nanciamento foi executado nos termos do que
pactuado com a Indústria e Comércio de Carnes Minerva Ltda.” (e-fl s. 19).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
906
Em 15.12.2009, a liminar foi indeferida pelo Desembargador convocado
Celso Limongi, que, em 14.5.2010, fi rmou suspeição (e-fl s. 133).
Pelas palavras do Subprocurador-Geral Moacir Mendes Sousa, o
Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (e-fl s. 119-120):
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Crime contra o Sistema
Financeiro Nacional. Trancamento da ação penal. Justa causa. Ausência de suporte
probatório para a ação penal. Impossibilidade. Inépcia da denúncia. Inocorrência.
Inviável o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa, quando a
denúncia narra fato que, em tese, constitui infração penal – aplicar, em fi nalidade
diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de fi nanciamento
concedido por instituição fi nanceira ofi cial ou por instituição credenciada para
repassá-lo –, com todos os elementos indispensáveis ao exercício da ampla
defesa, havendo indícios de serem os acusados os autores do crime, tendo em
vista os elementos colhidos na fase investigatória.
Da mesma forma, a via de cognição sumária do habeas corpus não comporta
o trancamento da ação penal, quando a matéria envolve exame aprofundado de
prova.
A denúncia atende os requisitos previstos no artigo. 41, do Código de Processo
Penal, não podendo ser considerada inepta.
Parecer pelo conhecimento da súplica como substitutivo de recurso ordinário,
denegando-se a ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Inicialmente, impende que se faça
uma breve consideração acerca do cabimento do habeas corpus no âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do que vem sendo feito pela Suprema
Corte Federal nos processos de sua competência.
A Constituição da República defi ne o rol de competências do Superior
Tribunal de Justiça para o exercício da jurisdição em âmbito nacional.
No que se refere ao reexame das decisões dos Tribunais Estaduais ou
Regionais Federais, quando denegatórias de habeas corpus, a Carta Política
estabelece taxativamente o instrumento processual adequado ao exercício de tal
competência, a saber, o recurso ordinário. Leia-se o art. 105, II, alínea a:
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 907
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
(...)
II – julgar, em recurso ordinário:
a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios, quando a decisão for denegatória.
Daí não parecer salutar que esta Corte continue a admitir a impetração de
habeas corpus (originário) como substitutivo de recurso, dada a clareza do texto
constitucional, que prevê expressamente a via recursal própria ao enfrentamento
de insurgências voltadas contra acórdãos que não atendam às pretensões
veiculadas por meio do writ nas instâncias ordinárias.
Nessa quadra, a existência de previsão específi ca, no art. 105, II, a, da CF, de
cabimento de recurso ordinário contra decisões denegatórias de habeas corpus
exclui toda e qualquer interpretação no sentido de autorizar o manejo do writ
originário nesta Corte, substitutivo de recurso ordinário, com fundamento no
art. 105, I, c, da CF.
Acrescente-se que o revigoramento, na jurisprudência, do recurso ordinário,
cuja fonte se encontra na própria Carta Política, andará em pleno compasso com
os princípios da máxima efetividade e da força normativa da Constituição, que
consubstanciam verdadeiro norte no processo de interpretação e concretização
do texto constitucional.
Cumpre restaurar a consciência da missão constitucional do Superior
Tribunal de Justiça, isto é, de intérprete da lei federal. Não cabe ao Tribunal
Superior reexaminar fatos ou apreciar o grau de justiça das decisões proferidas
pelos Tribunais Estaduais e Federais.
Nesse âmbito, esta Corte e o Supremo Tribunal Federal têm refi nado
o cabimento do habeas corpus, restabelecendo o seu alcance aos casos em que
demonstrada a necessidade de tutela imediata à liberdade de locomoção, de
forma a não fi car malferida ou desvirtuada a lógica do sistema recursal vigente.
Lembro recente julgado da Primeira Turma do Supremo Tribunal, de
21.8.2012:
Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.
Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou
arbitrariedade.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
908
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do
cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também não é
passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico.
Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição
Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102,
II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter
substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito
constitucional. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte.
2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O
Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras
absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,
mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no
exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o
controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a
correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de
aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.
3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal
autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde
que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito
de neutras as demais vetoriais.
4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada
somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias
judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do
mesmo diploma legal. Precedentes
5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e
valoração das provas, ao reexame do conjunto fático probatório determinante da
fi xação das penas.
6. Habeas corpus rejeitado.
(HC n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012).
Entretanto, uma vez constatada a existência de ilegalidade flagrante,
nada impede que esta Corte defi ra ordem de ofício, como forma de tolher o
constrangimento ilegal. Mostra-se necessária, assim, uma breve incursão nas
questões suscitadas pelo impetrante.
Conforme relatado, o objeto da presente impetração cinge-se ao
trancamento da ação penal a que respondem os pacientes pela suposta prática
do delito previsto no art. 20 da Lei n. 7.492/1986. Teriam eles aplicado,
em finalidade diversa da prevista em contrato, recursos provenientes de
fi nanciamento concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES).
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 909
Alegam os impetrantes, em suma, inépcia da denúncia, já que elaborada
de forma totalmente genérica e indeterminada, sem que apontasse uma só ação
individualizada e atribuível a cada um dos pacientes.
Acrescentam que “os pacientes estão sendo processados criminalmente
(apenas) pelo fato de integrarem o contrato social da empresa, sem que dos
autos conste qualquer indício de efetiva participação nos fatos narrados” (e-fl . 9).
Aduzem, ademais, faltar justa causa à ação penal, pois o próprio BNDES
teria reconhecido, em momento posterior ao oferecimento da denúncia, a
regularidade no cumprimento do contrato, atestando que o projeto para o qual
foi obtido o fi nanciamento foi integralmente realizado.
Pois bem. Após ler – e reler – a denúncia, na parte em que narra as condutas
atribuídas à empresa que tem os pacientes como sócios-gerentes, convenço-me
de sua inépcia. Isso porque nela não constam informações precisas sobre as
pessoas que teriam praticado o fato (quis), bem como informações relativas aos
meios empregados (quibus auxiliis), donde se constatam, no caso, defi ciências a
comprometer a ordem formal.
Para melhor elucidar a questão, vejamos o que diz a inicial acusatória (e-fl s.
23-31):
(...) Os denunciados, na qualidade de sócio-gerentes da Indústria e Comércio
de Carnes Minerva Ltda., aplicaram em fi nalidade diversa da prevista em contrato,
recursos provenientes de financiamentos concedido pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em 19.2.2001 a Indústria e Comércio de Carnes Minerva Ltda., celebrou com
o BNDES Contrato de Financiamento n. 00.2.67351 (fl s. 11-23), pelo qual recebeu
um crédito de R$ 17.940.000,00 (dezessete milhões, novecentos e quarenta mil
reais) destinado à implantação de uma unidade de industrialização de carne
bovina em Palmeiras de Goiás-GO, com capacidade de abate de 500 cabeças por
dia, e desossa de 1.000 cabeças/dia e pagamento de até 70% dos equipamentos
nacionais adquiridos para a execução do projeto.
O desvio dos recursos foi constatado por investigação administrativa do
BNDES após denúncia anônima recebida em 27.5.2003 noticiando fraude nas
prestações de contas e mencionando dois fornecedores de equipamentos, York
International Ltda. e Sulmaq Industrial Comercial e, também, a Construtora AGR
Ltda., responsável pela construção civil.
Os representantes da I.C.C Minerva Ltda. não conseguiram demonstrar a correta
aplicação dos recursos obtidos. Em razão do desvio de valores, foi declarado
o vencimento antecipado do contrato, com a imediata exigibilidade dos saldos
existentes (fl s. 73).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
910
A empresa Sulmaq apresentou notas fi scais relativas aos produtos vendidos e
serviços prestados (fl s. 180-210). Estas, contudo, diferem totalmente, quanto aos
valores e datas, das que a I.C.C. Minerva Ltda. apresentou ao BNDES com o fi m de
comprovar a aplicação dos recursos.
(...)
Além disso, no livro razão da I.C.C. Minerva Ltda. do período de 1º.1.2000 a
31.12.2003 não constam as operações informadas pela York e Sulmaq (fl s. 58-59).
Outros fatos indicadores da fraude empregada pelos denunciados são o
endereço, os proprietários e a data de constituição da empresa AGR, responsável
pela construção civil da unidade de industrialização.
(...)
Os sócios da AGR são ou foram empregados de outras empresas do Grupo
Minerva, os famigerados “laranjas”. (...)
Estes fatos concatenados (endereço, os proprietários e a data de constituição
da empresa AGR) revelam que a empresa AGR foi constituída premeditadamente
com fi m exclusivo de colaborar no desvio dos recursos obtidos no BNDES. À
corroborar, a numeração próxima das notas fi scais emitidas pela AGR em favor
da I. C. C. Minerva Ltda., denotando a unicidade na prestação de serviços (fl s. 347,
352 e 257).
(...)
Pelo demonstrado, resta livre de dúvidas que a I. C. C. Minerva Ltda. é
a verdadeira proprietária e controladora da AGR, criada com o objetivo lícito
de mascarar os verdadeiros rumos dos recursos originários diretamente de
fi nanciamento público, revertendo-os em seu próprio proveito.
Ainda, urge mencionar que os denunciados Fernando Galletti de Queiroz e
Antonio Vilela de Queiroz, em reuniões realizadas nos dias 18.8.2003 e 2.9.2003
na sede do BNDES, assumiram a existência de fraude na prestação de contas,
inclusive com reconhecimento de que as notas fi scais foram falsifi cadas (...).
Assim agindo, os denunciados aplicaram, em fi nalidade diversa da prevista
em contrato, recursos provenientes de fi nanciamento concedido por instituição
fi nanceira ofi cial - BNDES, desviando-os dos fi ns a que se destinavam, através de
falsas prestações de contas (relativamente às quantias devidas às empresas York
e Sulmaq) e da constituição da empresa “fantasma” Construtora AGR Ltda., a qual,
sendo por eles gerenciada, recebia indevidamente as verbas públicas advindas do
contrato.
Segundo a peça exordial, a Empresa Minerva Ltda., cujo quadro societário
é integrado pelos ora pacientes, teria se valido de diversos expedientes para
desviar recursos decorrentes de fi nanciamento obtido perante o BNDES.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 911
A trama engendrada envolveria a prestação de contas baseada em
documentos falsos ou alterados, bem como a criação de uma empresa “laranja”,
responsável pela construção civil da unidade de industrialização objeto do
fi nanciamento.
Ao longo de toda a descrição contida na inicial acusatória, revelam-se as
possíveis manobras realizadas pela empresa de propriedade dos pacientes, no
intuito de desviar as verbas obtidas mediante fi nanciamento público, totalizando
R$ 17.940.000,00. Tais fatos, é verdade, impressionam.
Porém, em nenhuma passagem da incoativa houve preocupação em
demonstrar como e em que medida cada um dos acusados teria contribuído
para a consecução do delito. Ao menos, qual era a participação na gerência
da empresa, diga-se, qual função desempenhavam, não fi cando esclarecido
tampouco o montante que teria sido desviado, já que o valor referido acima
corresponde ao total contratado.
Ora, não se deve perder de vista que o Direito, ao passo que acompanha a
sociedade e a ela deve a proteção dos bens jurídicos mais sagrados, está sujeito a
seus próprios preceitos fundantes, estejam eles contidos em lei, na Constituição
da República, ou nos princípios gerais. Daí se dizer que o fi m perseguido, por
mais louvável que o seja, não deve, em hipótese alguma, justifi car os meios
adotados.
Com efeito, o devido processo legal e seu consectário, a segurança jurídica,
princípios arraigados ao Estado Democrático de Direito, não admitem que a
persecução penal se opere de forma desordenada e destoante da técnica legal.
A denúncia é peça de acusação, mas, sobretudo, de justiça e, igualmente, de
defesa, já que, a partir dela, o acusado tomará ciência do que lhe é imputado, sem
qualquer obscuridade, e produzirá suas alegações de forma ampla.
Dessa forma, ainda que a jurisprudência de nossas Cortes Superiores
venha fl exibilizando a necessidade de individualização e descrição minudente
das condutas em crimes societários, baseada justamente na difi culdade de se
descortinar, em tais delitos, a exata participação de cada um dos envolvidos, não
se pode, de outro lado, dar azo à imputação totalmente genérica e indeterminada,
sem que se diga, a exemplo do caso em apreço, sequer qual atividade cada um
dos acusados exercia na empresa, e em que medida poderia ser responsável pelas
condutas delituosas praticadas.
Tanto é assim que se chegou ao absurdo de incluir na peça acusatória
pessoa interditada civilmente por sentença judicial, desde 1995 – Izonel Vilela
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
912
de Queiroz (e-fl s. 163-164) –, e que não poderia, nessas condições, exercer atos
compatíveis com a gerência, ao tempo dos fatos (2001). Isso demonstra que a
imputação recaiu sobre os pacientes apenas pelo fato de fi gurarem no contrato
social da empresa, sem que o órgão de acusação se acautelasse quanto à efetiva
participação de cada um deles no evento delituoso aqui versado.
Não podemos perder de vista que estamos no âmbito criminal, seara
do Direito que traz as consequências mais gravosas para o indivíduo, com
possibilidade de intervenção direta em sua liberdade. Assim, a imputação de
uma conduta delituosa deve estar diretamente relacionada à atuação do agente,
perquirindo-se, ainda, sobre a configuração de dolo ou culpa na conduta,
elemento subjetivo imprescindível à caracterização do crime.
Penso não ser sufi ciente a alusão presente na peça acusatória, no sentido
de que “os denunciados Fernando Galletti de Queiroz e Antônio Vilela de
Queiroz, em reuniões realizadas nos dias 18.8.2003 e 2.8.2003 na sede do
BNDES, assumiram a existência de fraude na prestação de contas, inclusive com
reconhecimento de que as notas fi scais foram falsifi cadas”.
Isso porque os aludidos pacientes, consoante a expressa dicção da denúncia,
assumiram a existência de fraude, mas não declararam possuir qualquer
participação nessas fraudes. Segundo se observa das informações prestadas pelo
BNDES à Procuradoria da República (e-fl . 330), verbis: “os representantes da
Minerva admitiram haver irregularidades na prestação de contas, alegando,
porém, que o contador era o responsável pela preparação da documentação e
que haveria abusado da confi ança nele depositada”.
Assim, mesmo nesse ponto, em que constam diretamente os nomes
dos pacientes Fernando Galletti e Antônio Vilela, não deixa de ser inepta a
denúncia, pois aí também não se explicitou de que forma ocorreram tais fraudes,
nem tampouco a quem deviam ser atribuídas, inexistindo indícios mínimos de
autoria.
Desse modo, impõe-se o reconhecimento da mácula apontada na exordial.
Em casos análogos ao presente, esta Corte vem assim decidindo:
Habeas corpus. Lavagem de dinheiro. Evasão de divisas. Denúncia que acusa
com base no status do paciente. Ausência de descrição de condutas típicas.
Nulidade do processo por inépcia da denúncia. Ordem parcialmente concedida.
Extensão do julgado às co-rés.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 913
1 - A imputação não pode ser feita com base no status do denunciado, devendo
ser indicados os fatos sobre os quais ela repousa.
2 - São os fatos que delimitam o recebimento da denúncia e eventual sentença,
devendo ser cuidadosamente expostos, em relação a cada um dos envolvidos,
salvo a necessidade de denúncia geral, quando impossível a sua individualização.
3 - A denúncia contaminada pela deficiente narrativa dos fatos, ou por sua
inexistência, é causa de nulidade absoluta, posto que difi culta a ampla defesa e o
contraditório.
4 - A peça acusatória que faz imputação a uma determinada pessoa,
simplesmente pelo seu status, confi gura caso de responsabilidade penal objetiva e
deve ser repudiada.
5 - Se a denúncia não contém a descrição dos fatos pelos quais o denunciado
está sendo responsabilizado, ela é inepta e provoca a nulidade do processo desde
o seu início, inclusive a partir de seu oferecimento.
6 - Ordem parcialmente concedida para anular o processo desde o oferecimento
da denúncia, inclusive, e estender os efeitos do julgado a duas corrés.
(HC n. 89.297-CE, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJ de
10.12.2007).
Habeas corpus. Crime societário. Recolhimentos previdenciários. Denúncia.
Inépcia. Necessidade de individualizar minimamente a conduta praticada pelos
acusados. Existência de constrangimento ilegal.
1. Segunda operosa jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal,
a descrição das condutas dos acusados na denúncia dos denominados crimes
societários não necessita cumprir todos os rigores do art. 41 do CPP, devendo-se
fi rmar pelas particularidades da atividade coletiva da empresa.
2. Isso não significa que se deva aceitar descrição genérica baseada
exclusivamente na posição hierárquica dos envolvidos no comando da empresa,
porquanto a responsabilização por infrações penais deve levar em conta, qualquer
que seja a natureza delituosa, sempre a subjetivação do ato e do agente do crime.
3. Ordem concedida para trancar a ação penal, por inépcia formal da denúncia,
sem prejuízo de que outra seja elaborada com o cumprimento dos ditames legais.
(HC n. 65.463-PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJ de
25.5.2009).
Processo Penal. Habeas corpus. Crime tributário. Atribuição do delito aos
membros da diretoria, por mera presunção. Ausência de vínculo entre um
determinado ato e o resultado criminoso. Denúncia genérica e consagradora
da responsabilidade objetiva. Recurso provido para declarar a inépcia formal da
denúncia e a consequente nulidade dos atos posteriores.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
914
De nada adiantam os princípios constitucionais e processuais do contraditório,
da ampla defesa, em suma, do devido processo legal na face substantiva e
processual, das próprias regras do Estado Democrático de Direito, se permitido for
à acusação oferecer denúncia genérica, vaga, se não se permitir a individualização
da conduta de cada réu, em crimes plurissubjetivos.
O simples fato de uma pessoa pertencer à diretoria de uma empresa, só por só,
não signifi ca que ela deva ser responsabilizada pelo crime ali praticado, sob pena de
consagração da responsabilidade objetiva repudiada pelo nosso direito penal.
É possível atribuir aos denunciados a prática de um mesmo ato (denúncia
geral), porquanto todos dele participaram, mas não é possível narrar vários atos
sem dizer quem os praticou, atribuindo-os a todos, pois neste caso não se tem
uma denúncia geral, mas genérica.
Recurso provido para declarar a inépcia da denúncia e a nulidade dos atos que
lhe sucederam.
(RHC n. 24.515-DF, Relator Desembargador convocado Celso Limongi, DJ de
16.3.2009).
No entanto, embora pudesse encerrar aqui a análise da impetração, merece
atenção a alegação dos impetrantes, consistente na ausência de justa causa para
a ação penal, pois o próprio BNDES, em momento posterior ao recebimento
da denúncia, teria emitido parecer, em que afi rma que “o projeto do Contrato
n. 00.2.673.5.1 foi concluído conforme fi nalidade determinada no referido
instrumento e que a empresa encontra-se em dia com suas obrigações junto ao
BNDES, não havendo, portanto, nenhuma pendência em aberto” (e-fl . 95).
Acrescenta, ainda, terem sido liberados, no total, R$ 15.454.017,33, e
que a evolução físico-fi nanceira do projeto foi compatível com o investimento
realizado, sendo que as metas físicas atingidas superaram as contratadas e que o
índice fi nal de garantia superou o inicialmente contratado, na medida em que
o valor liberado foi inferior ao contratado e o investimento realizado foi maior
que o previsto.
Eventuais fraudes supostamente cometidas no primeiro momento de
execução do contrato devem ser objeto de apuração específi ca, direcionada aos
prováveis responsáveis por sua realização, o que não se observa na presente
denúncia, em que foram apontadas apenas como os meios utilizados para a
consecução de delito maior, qual seja, o desvio das verbas.
Diante disso, pelo vício formal verifi cado na inicial acusatória, não há razão
para o prosseguimento da presente ação penal.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 915
Pelo exposto, não conheço do habeas corpus. Mostrando-se fl agrante o
constrangimento ilegal, expeço ordem de ofício para, reconhecendo a inépcia
formal da denúncia, trancar a Ação Penal n. 2004.61.02.007995-9 (6ª Vara
Federal de São Paulo), sem prejuízo de apuração de possíveis fraudes cometidas
na execução do Contrato de Financiamento n. 00.2.673.1.
É como voto.
VOTO
O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Sr. Presidente, acompanho V. Exa.,
até chamando a atenção para o fato de ter sido denunciado um incapaz, o que
me assusta. Não houve, realmente, maior cuidado do Ministério Público em se
aprofundar nas investigações. Houve um exame extremamente superfi cial, o que
acabou acarretando a inépcia dessa denúncia.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas, de ofício, expeço ordem.
VOTO
A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Sr. Presidente, nesses casos de
denúncia, em crimes societários, sempre tenho muita preocupação de examinar
a denúncia e não ser tão infl exível, quanto à apreciação dos requisitos do art.
41 do Código de Processo Penal, porque penso que, se chegar às últimas
consequências, nesse particular, o Poder Público fi ca, em determinadas situações,
impedido de oferecer denúncia. Mas esse caso é muito específi co. Demonstrou-
se que há, inclusive, a denúncia contra inimputável, que está respondendo à
Ação Penal, há 8 (oito) anos.
Não tenho dúvida em acompanhar V. Exa.
HABEAS CORPUS N. 177.358-SP (2010/0117103-1)
Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura
Impetrante: Mário Henrique Ditticio - Defensor Público
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
916
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Airton Lopes de Jesus Junior (preso)
EMENTA
Processo Penal. Habeas corpus. Homicídios qualificados, um
tentado e outro consumado. (1) Impetração substitutiva de recurso
ordinário. Impropriedade da via eleita. (2) Jurado. Impedimento.
Participação em Conselho de Sentença em dezembro de 2008.
Atuação no colegiado leigo em dezembro de 2009. Não impugnação
na ata. Nulidade absoluta. Patente ilegalidade. Concessão de ofício.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego
do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia
constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi
impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso
ordinário.
2. Por mais que a impugnação de vício ocorrido na sessão
de julgamento do júri não tenha constado da ata de julgamento,
corporifi cando nulidade absoluta, é de ser declarada a eiva de ofício. Na
espécie, certa jurada integrou o Conselho de Sentença em dezembro
de 2008, vindo a participar do colegiado leigo, em outro feito, em
dezembro de 2009. Desta forma, tendo composto o Conselho de
Sentença nos doze meses que antecederam à publicação da lista geral,
tem-se o impedimento, a tornar írrita a sessão de julgamento do
Tribunal do Júri.
3. Ordem não conhecida, concedido habeas corpus de ofício
para anular a ação penal, a partir da sessão de julgamento do júri,
expedindo-se alvará de soltura clausulado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A
Turma, por unanimidade, não conheceu do habeas corpus, mas concedeu a
ordem de ofício, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.”
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 917
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Assusete
Magalhães e Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/
PE) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro
Og Fernandes.
Dr(a). Mário Henrique Ditticio, pela parte paciente: Airton Lopes de
Jesus Junior.
Brasília (DF), 5 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora
DJe 15.2.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura: Trata-se de habeas
corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Airton Lopes de Jesus Junior,
apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (HC n. 990.10.145603-6).
Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado, como incurso no art.
121, § 2º, IV, c.c. o art. 61, II, e, e no art. 121, § 2º, IV, c.c. os arts. 14, II, e 29,
todos do Código Penal, à pena de 17 (dezessete) anos de reclusão, em regime
fechado.
Objetivando ver reconhecida a nulidade do julgamento pelo Tribunal do
Júri, a Defesa impetrou o prévio writ, sendo denegada a ordem, aos seguintes
fundamentos (fl s. 22-25):
Ao que se infere dos autos, uma das juradas que compôs o Conselho de
Sentença no dia 16 de dezembro de 2009 - data em que o paciente foi condenado
ao cumprimento da pena de 17 (dezessete) anos de reclusão, em regime inicial
fechado, como incurso no artigo 121, § 2º, IV, c.c. o artigo 61, II, e, do Código Penal,
bem como no artigo 121, § 2º, IV, c.c. o artigo 14, II, e 29, todos, do Código Penal -,
também fi gurou como jurada, perante o mesmo Juízo, em 11 de dezembro de
2008 (fl s. 11-14 e 17-18).
Embora censurável a inobservância do disposto no artigo 426, § 4º, do Código
de Processo Penal, inexistiu, ao contrário do que pretendeu demonstrar o
aguerrido defensor do ora paciente, nulidade absoluta alguma (artigos 448 e 449,
do Código de Processo Penal), pois se cuida de mera nulidade relativa.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
918
E justamente por se tratar de nulidade relativa, da qual não resultou qualquer
prejuízo, nenhum ato será declarado nulo, consoante dispõe o artigo 563, do
Código de Processo Penal.
De mais a mais, a ilustrada defensoria não cuidou de oportunamente
impugnar a lista de jurados, assim como não recusou, quando do sorteio, a
jurada pretensamente impedida, fazendo-o apenas em relação à jurada Rosana
Albuquerque M. Souza.
Seja como for, a mera alegação de inobservância de preceito legal, sem a
mínima e efetiva demonstração de prejuízo, não tem o condão de acarretar a
nulidade do julgamento, como pretendido.
Ante o exposto, pelo meu voto, denego a ordem.
Daí o presente mandamus, no qual o impetrante sustenta que “a sessão
plenária está eivada de nulidade absoluta, consubstanciada na participação de
uma jurada impedida de compor o Conselho de Sentença” (fl . 2), nos termos do
art. 426, § 4º, do Código de Processo Penal.
Aduz que a nulidade, por ser absoluta, não preclui e dispensa demonstração
de prejuízo, acentuando, mesmo assim, que o prejuízo é claro, pois a condenação
se deu por 4 votos a 3. Ressalta que é inexigível que a defesa comparecesse
à sessão de julgamento com cópias de todas as atas de todas as sessões de
julgamento realizadas um ano anterior em todos os plenários.
Requer, liminarmente e no mérito, a anulação do julgamento, com a
imediata expedição de alvará de soltura clausulado em favor do paciente, preso
já mais de 3 (três) anos.
A liminar foi indeferida, fl s. 34-35.
As informações foram prestadas às fl s. 46, 48-80
O Ministério Público Federal apresentou parecer, fl s. 83-85, da lavra do
Subprocurador-Geral da República Haroldo F. da Nóbrega, opinando pela
denegação da ordem.
Foi requerida preferência no julgamento, fl . 89.
Segundo as últimas informações, foi julgado a apelação, à qual foi negado
provimento, sobrevindo o trânsito em julgado (fl . 93).
É o relatório.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 919
VOTO
A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): Preliminarmente,
cumpre registrar a compreensão firmada nesta Corte, sintonizada com o
entendimento do Pretório Excelso, de que se deve racionalizar o emprego do
habeas corpus, valorizando a lógica do sistema recursal. Nesse sentido:
Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do
disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,
proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão
da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do
substitutivo do habeas corpus. Processo-crime – Diligências – Inadequação. Uma
vez inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na
condução do processo, indeferi-las.
(HC n. 109.956, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em
7.8.2012, Processo Eletrônico DJe-178 DIVULG 10.9.2012 PUBLIC 11.9.2012)
É inadmissível que se apresente como mera escolha a interposição de
recurso ordinário, do recurso especial/agravo de inadmissão do Resp ou a
impetração do habeas corpus. É imperioso promover-se a racionalização do
emprego do mandamus, sob pena de sua hipertrofi a representar verdadeiro
índice de inefi cácia da intervenção dos Tribunais Superiores. Inexistente clara
ilegalidade, não é de se conhecer da impetração.
Passa-se, então, à verifi cação da ocorrência de patente ilegalidade.
O paciente foi submetido a julgamento em 16.12.2009 (fls. 9-10).
Contudo, dentre os membros do Conselho de Sentença, fi gurou jurada (Th irza
Félix Mendonça) que, em 11.12.2008, em outro feito, integrou o colegiado leigo
(fl . 26) - cf. fl . 69.
Trata-se de situação reveladora de impedimento, nos moldes do art. 426, §
4º, do Código de Processo Penal. Segundo tal dispositivo, não pode ser incluído
na lista geral, o jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos doze
meses que antecederam à publicação da lista geral.
Segundo o § 1º de tal dispositivo, a lista geral dos jurados é defi nitivamente
publicada até 10 de novembro. Pois bem, como a mencionada juíza leiga
participou de julgamento em dezembro de 2008, não poderia ter seu nome
incluído na lista publicada até novembro de 2009, da qual se originou a
composição do Conselho de Sentença que condenou o paciente.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
920
Em um primeiro lanço, a hipótese não deveria ensejar o reconhecimento
da eiva, tendo em vista que a Defesa deixou de consignar a insurgência na ata de
julgamento. Nesse sentido, o seguinte precedente, remoto, do Pretório Excelso:
Penal. Habeas corpus. Suspeição dos jurados. Nulidade. Preclusão. Omissão no
exame de fundamento da defesa. Deferimento parcial. A suspeição dos jurados
e matéria preclusa, já que relacionada ao julgamento em plenário deveria ser
suscitada naquela ocasião (art. 571, inc. I, do CPP). Não procede a alegação de
que o óbice apenas foi descoberto posteriormente, visto que, com a publicação
da lista de jurados, era plenamente possível a defesa examinar a ocorrência de
impedimento ou de suspeição - ou mesmo de mera inconveniência na atuação de
determinada pessoa no Conselho de Sentença - para que, em plenário, pudesse
requerer as exclusões necessárias. Injustifi cável, portanto, que, somente após o
resultado desfavorável, venha a parte alegar nulidade. Procede, no entanto, a
alegação de omissão no exame de matéria de defesa, pois a contrariedade da
decisão do Júri a prova dos autos teve como apoio fatico a situação de legitima
defesa e, não, a de negativa de autoria, tal como apreciado e rejeitado pelo
acórdão. Habeas corpus deferido, determinando-se a Corte local que supra a
omissão, sem prejuízo do restante do acórdão, liberado o paciente, se por al não
se encontrar preso, uma vez que a sentença lhe permitiu apelar em liberdade.
(HC n. 71.722, Relator(a): Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em
27.9.1994, DJ 25.11.1994 PP-32301 EMENT VOL-01768-02 PP-00278).
Todavia, com a evolução da jurisprudência, passou-se a entender que,
em casos de nulidade absoluta, a despeito da ausência da pronta insurgência,
registrada na ata de julgamento, seria, sim, possível o seu reconhecimento. Nesse
sentido:
Habeas corpus. Júri. Quesitação complexa. Conselho de Sentença. Perplexidade.
Prejuízo à defesa do réu. Nulidade absoluta. Precedentes.
Se os quesitos são formulados de forma complexa, causando perplexidade
aos jurados e prejuízo à defesa, a nulidade é absoluta e pode o julgamento ser
anulado, ainda que não tenha constado qualquer protesto na ata da Sessão do
Júri. Precedentes.
Ordem concedida para anular a sessão de julgamento realizado pela 1ª Vara do
Tribunal do Júri de Teresina-PI.
(HC n. 54.279-PI, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 5.9.2006,
DJ 4.6.2007, p. 429).
Recurso especial. Processual Penal. Homicídios. Alegada violação aos arts.
484, inciso V, e 564, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Quesitação.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 921
Nulidade. Inexistência. Necessidade de arguição em Plenário. Preclusão.
Precedentes.
1. A expressão “diversos pontos da acusação”, constante do inciso V do art. 484
do Código de Processo Penal, diz respeito a condutas criminosas e teses jurídicas
distintas, não tendo relação com o número de vítimas.
2. No caso, a tese de acusação sustentada pelo Ministério Público em plenário
foi a de que os Recorrentes concorreram para o assassinato das dezenove vítimas
com suas condutas, ao comandarem as tropas na ação da polícia militar. Não
foram utilizadas teses distintas para cada vítima pela Acusação ou pela Defesa.
A conduta dos Recorrentes foi única, como também um só o ponto de acusação,
inexistindo, portanto, qualquer nulidade na formulação dos quesitos.
3. Os quesitos descrevem, com clareza, a conduta imputada aos Réus,
conforme apresentada em plenário, e não conduziram o Júri a nenhuma resposta
dúbia ou controversa, ao contrário, extraíram claramente o veredicto manifestado
pelos jurados populares.
4. A impugnação à formulação dos quesitos deve ocorrer no julgamento em
Plenário, sob pena de preclusão, nos termos do art. 571, inciso VIII, do Código de
Processo Penal, ressalvadas as nulidades absolutas, não confi guradas na hipótese.
5. Os advogados de ambos os Réus manifestaram anuência à redação dos
quesitos, não podendo arguir suposta nulidade para a qual tenham concorrido,
nos termos do que dispõe o art. 565 do Código de Processo Penal.
6. Recursos especiais desprovidos.
(REsp n. 818.815-PA, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
25.8.2009, DJe 1º.2.2010).
Criminal. Julgamento pelo Juri. Participação de jurado impedido. Arguição de
nulidade. - Recurso especial. Viabilidade de seu conhecimento para valoração da
prova do suporte factual da nulidade arguida, qual a de ter participação do Juri o
irmão de uma das vitimas.
(REsp n. 51.656-PI, Rel. Ministro José Dantas, Quinta Turma, julgado em
31.8.1994, DJ 12.9.1994, p. 23.779).
Finalmente, é importante consignar a seguinte lição do Professor Associado
da USP, GUSTAVO BADARÓ:
Visando acabar com a fi gura do chamado “jurado profi ssional”, o novo art.
426, § 4º, do CPP determina que “o jurado que tiver integrado o Conselho de
Sentença nos 12 (doze) meses que antecederem à publicação da lista geral fi ca
dela excluído”. A previsão é exagerada. Se é verdade que se deve evitar o “jurado
de carteirinha”, pois contrário ao espírito do Tribunal do Júri, cuja estrutura não
se compatibiliza com um corpo permanente e estável de julgadores, não menos
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
922
verdade é o fato de que o jurado ter integrado o Conselho de Sentença uma única
vez não o torna um “jurado profi ssional”. A norma deveria ter previsto um número
maior de participações do jurado para que ele fosse considerado impedido [na
cidade São Paulo, em que o Tribunal do Júri funciona permanentemente, e não
em sessões periódicas, havia o sistema de jubilação dos jurados. O revogado
Dec-Lei n. 9.008, de 24.2.1938, e o art. 103, III, da antiga Consolidação das Normas
da Corregedoria-Geral de Justiça dispunham que seria jubilado o jurado que
perfi zesse um número de seis pontos (um ponto para cada comparecimento e
mais um pelo fato de haver servido efetivamente como membro do Conselho de
Sentença)].
O dispositivo projetado cria um verdadeiro requisito negativo para a seleção
do jurado. Assim, se por equívoco o nome do jurado que integrou o Conselho
de Sentença vier a ser incluído na lista no ano seguinte, se ele integrar algum
Conselho de Sentença, o julgamento será absolutamente nulo, por vício de
formação do Conselho de Sentença (CPP, art. 564, III, j). (As reformas no processo
penal. Coord. Maria Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 112-
113).
É importante consignar que, absoluta a nulidade, desponta cristalino o
prejuízo diante do score da votação, em que houve apertada vantagem: 4x3.
Nessa realidade, houve a franca possibilidade de um jurado impedido ter sido o
fi el da balança.
Tendo em vista que o longo tempo transcorrido, a sessão do júri ocorreu
no ano de 2009, de rigor é o reconhecimento de que não se justifi caria mais a
manutenção do édito de prisão processual.
Assim, tendo em vista o caráter extraordinário da impetração, revelador de
ilegalidade fl agrante, tem-se por justifi cada a sua excepcional cognição.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de
ofício para para anular a ação penal, a partir da sessão de julgamento do júri de
16.12.2009 (Processo n. 920/05, 4º Tribunal do Júri da Comarca da Capital de
São Paulo), expedindo-se alvará de soltura clausulado.
É como voto.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Presidente): Srs. Ministros, trata-se de
uma matéria que efetivamente, do ponto de vista da função de um Tribunal
como o nosso, um Tribunal de unifi cação da legislação infraconstitucional, é
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 923
muito signifi cativa. E é signifi cativa em uma matéria polêmica, que é a questão
da nulidade absoluta e nulidade relativa. A doutrina a respeito disso e também
a jurisprudência do processo penal brasileiro nos Tribunais Superiores são
no sentido de promover um elastério em relação à compreensão do que seja
nulidade relativa, restringindo o teor da compreensão da nulidade absoluta.
Por outro lado, parece-me que temos aqui outros aspectos importantes, que
são a questão da fi nalidade dessa nulidade e o princípio do devido processo legal.
O que se pretendeu, quando o legislador estabeleceu a alternatividade, diria eu,
a oxigenação do corpo de jurados de uma determinada comarca? Respondo:
não “profi ssionalizar” pela repetir da composição, esse grupo que julga os fatos,
nos processos da competência do júri. Há um obstáculo que me parece também
razoável, qual seja a difi culdade de selecionar pessoas que atendam aos critérios
estabelecidos pelo Código de Processo Penal para atuar em um Conselho de
Sentença.
No caso concreto, temos que examinar esses dois focos: um, a disposição do
Código de Processo Penal, tendo em vista a regra do rodízio; e o outro, a questão
da compreensão do júri, que representa a sintonia fi na em face dos sentimentos,
dos valores da sociedade a respeito de um determinado fato. No caso concreto,
julgo, estamos diante do Conselho de Sentença de uma Comarca como a capital
de São Paulo, com as possibilidades de coleta de nomes para os jurados, muito
diferente como se estivéssemos a tratar de um júri na Comarca de Brodósqui, da
qual há pouco se falou, que é uma cidade pequena, do interior paulista, em que
essa elaboração da lista de jurados anualmente alterada acontece, suponho, com
muita difi culdade.
Acho que, a questão do devido processo legal deve ser compreendida como
garantia em benefício do processo isento, mas, sobretudo, em favor do paciente.
Estamos diante de uma regra que foi recentemente modifi cada e que só
oferece algum sentido se for compreendida no sentido teleológico. Modifi cou-se
um Código que vinha desde 1942 com a inteligência da contínua recomposição
do Conselho de Sentença.
Ora, se de um lado o temperamento que se deu à lei no início deste
século foi no sentido de interpretar com mais rigor e com mais especifi cidade a
necessidade da mudança da composição do Conselho de Sentença para que se
efetive essa alteração em tempo curto, de um ano; de outro, aquelas difi culdades
que se oporiam a essa regra não subsistem no caso em tela.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
924
Estamos aqui a falar de uma ação penal que foi levada a julgamento
na maior comarca do País. A presunção que me parece razoável é a de que é
possível essa alternância de jurados na Comarca de São Paulo sem os mesmos
sacrifícios que seriam identifi cados em uma cidade menor.
A matéria, efetivamente, é muito instigante, do ponto de vista do do estudo.
Avalio que o descumprimento da regra implicou prejuízo ao paciente, posto que
na questão fundamental, teve contra si quatro votos contra e três favoráveis e
por isso, resultou condenado. Esse prejuízo, entendo, vem em detrimento das
garantias fundamentais.
Assim, acompanho o voto da eminente Ministra Relatora, obviamente
respeitando quem possa pensar de forma diferente, porque essa, realmente, é
uma matéria muito interessante e rarefeita, seja pelo volume da doutrina, seja
pela qualidade do trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública na pesquisa
referida, pois é escassa a jurisprudência.
Não conheço do pedido de habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício
para anular a ação penal, a partir da sessão de julgamento, que ocorreu em 2009.
HABEAS CORPUS N. 218.767-PA (2011/0221562-0)
Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior
Impetrante: Alexandre Barbosa Lisboa
Advogados: Fabiano Oliveira Emery
Alexandre Barbosa Lisboa e outro(s)
Alexandre Amaral de Lima Leal
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Paciente: Liberalino Ribeiro de Almeida Neto (preso)
EMENTA
Habeas corpus. Processual Penal. Arts. 171, § 3º, 288, 299 e
312 do CP, 89 e 90 da Lei n. 8.666/1993 e 1º, I e III, do Decreto-
Jurisprudência da SEXTA TURMA
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Lei n. 201/1967. Direito de acesso aos autos. Ausência de interesse
processual. Prisão preventiva. Prefeito municipal. Fundamentação
idônea. Garantia da ordem pública e da instrução criminal.
1. A defesa teve acesso aos autos da representação criminal antes
mesmo do ajuizamento do presente writ, razão pela qual não haveria
interesse processual a amparar esse aspecto da impetração.
2. Ao paciente, ocupante do cargo de Prefeito municipal de Vitória
do Xingu-PA, é imputado, além de outros delitos lesivos ao patrimônio
público, o fato de ser um dos líderes de uma quadrilha especializada
em fraudar licitações realizadas pela própria municipalidade, as quais
culminavam com a contratação irregular de empresas que, apesar de
colocadas em nome de “laranjas”, na verdade, eram de propriedade
do paciente ou de familiares. Por meio dessa atuação ilícita, eram
desviadas verbas federais destinadas ao município.
3. As decisões impugnadas relatam perseguições e agressões
verbais a testemunhas, acompanhadas de danos ao patrimônio e,
inclusive, envenenamento de animais domésticos. Mencionam, ainda,
o fato de que uma testemunha teria ingressado em programa de
proteção, porque o paciente seria investigado, também, por exploração
sexual de menores.
4. Hipótese em que o paciente, juntamente com os demais
coinvestigados, teria se utilizado de seu poderio político e da
capacidade de infundir temor à população local, no intuito de criar
obstáculos à instrução criminal. Afi rmou o Tribunal de origem que o
grupo criminoso seria destemido e não se intimidaria em praticar todo
o tipo de atos ilícitos para difi cultar a materialização dos crimes apurados.
5. Elementos concretos que justifi cam a prisão preventiva tanto
pela conveniência da instrução criminal como pela garantia da ordem
pública, sendo inviável a aplicação de medida cautelar alternativa.
6. Cassada a liminar, não mais subsiste a decisão que estendeu
seus efeitos aos demais investigados.
7. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, ordem
denegada, tornando sem efeito a liminar e os pedidos de extensão
deferidos.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
926
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer parcialmente da ordem de habeas corpus e, nessa extensão,
denegá-la, tornando sem efeito a liminar e os pedidos de extensão deferidos, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. O Sr. Ministro Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ-RS) e a Sra. Ministra Maria Th ereza de
Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 28 de fevereiro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Sebastião Reis Júnior, Relator
DJe 21.3.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de habeas corpus com pedido
liminar impetrado em favor de Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, em que é
apontado como coator o Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Narram os impetrantes que o paciente, prefeito do município de Vitória do
Xingu-PA, teve sua prisão preventiva decretada pela Relatora da Representação
Criminal n. 0033274-04.2011.4.01.0000, em que é apurada a suposta prática
dos crimes tipifi cados nos arts. 171, § 3º, 288, 299 e 312 do Código Penal,
nos arts. 89 e 90 da Lei n. 8.666/1993 e no art. 1º, I e III, do Decreto-Lei n.
201/1967.
Sustentam que a decretação de prisão cautelar, em especial após o advento
da Lei n. 12.403/2011, deve ser reservada para hipóteses excepcionais, não
confi guradas na situação concreta.
Afi rmam não estarem presentes os pressupostos do art. 312 do Código
de Processo Penal. Não há conveniência da instrução criminal, pois o paciente
não obstruiu a coleta de nenhuma prova. Também não existe necessidade de
garantia de aplicação da lei penal, pois, sendo ele prefeito da municipalidade,
não teria intenção de evadir-se do local. Igualmente, a permanência dele em
liberdade não traria risco à ordem pública.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
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Dizem que as medidas já determinadas pela autoridade policial (sequestro
e arresto de bens imóveis, bloqueio de valores via Banco Central e realização de
busca e apreensão) seriam sufi cientes, não se mostrando razoável a manutenção
da prisão.
Asseveram, ainda, que estaria sendo obstruído o acesso da defesa aos autos
do inquérito, em fl agrante violação da Súmula Vinculante n. 14-STF.
Alegam, também, que, requerida a revogação da prisão preventiva, o
Relator, na origem, teria encaminhado os autos ao Ministério Público, sendo
que não era necessária essa manifestação, uma vez que o Parquet já havia
opinado sobre o pedido de prisão. Aduzem que tal providência causou atraso na
apreciação do pedido, que ainda se encontraria pendente de análise.
Pedem a concessão da ordem para que seja revogada a prisão cautelar, bem
como para que seja garantido o acesso da defesa aos autos.
Prestadas as informações, houve o indeferimento do pedido liminar (fl s.
416-419).
Em pedido de reconsideração, deferiu-se parcialmente o pleito, para
revogar a prisão preventiva do paciente e conceder-lhe a liberdade provisória,
aplicando-se-lhe as medidas cautelares previstas no art. 319, III e VI, do
Código de Processo Penal (fl s. 467-473). Posteriormente, deferiu-se a extensão
da medida aos corréus José Danilo Damaso de Almeida, Roseli Aparecida de
Almeida Braga, Aldir Nazário de Carvalho, Helton Wagner Lisardo, Carlos
Alberto Gama de Almeida, Isaac Costa da Silva, Paulo Cesar de Miranda e Ivo
Krombauer (fl s. 619-623).
O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fl s. 427-
431).
O paciente, então, pediu a reconsideração da medida cautelar de
afastamento do cargo de Prefeito municipal, sendo indeferido o pleito (fl s. 742-
743).
O Município de Vitória do Xingu-PA, então, pediu fosse revogado o
deferimento da liminar, restabelecendo-se a prisão do paciente (fl s. 746-784),
sendo postulada a adoção da mesma providência pelo Ministério Público
Federal (fl s. 1.116-1.234).
É o relatório.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
928
VOTO
O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator): Inicialmente, segundo
consta das informações e conforme se verifi ca do teor da decisão de fl s. 239-257
e da certidão de fl . 258, a defesa teve acesso aos autos da representação criminal
antes mesmo do ajuizamento do presente writ, razão pela qual não haveria
interesse processual a amparar esse aspecto da impetração.
A propósito, disse a referida decisão (fl . 240):
[...] defi ro, em parte, o pedido formulado pelos ora requerentes, para que seja
permitida vista dos autos, em Secretaria, sendo-lhes autorizado a extração de
fotocópias, exclusivamente no que disser respeito a cada um dos requerentes e
excetuando os documentos referentes às diligências em andamento que possam
ser eventualmente frustradas com o acesso, devendo a Secretaria velar pela estrita
observância das regras e formalidades pertinentes à tramitação dos processos
sigilosos, particularmente, no caso, o que dispõe o art. 3º, §§ 3º e 4º, e o art. 9º, §§ 3º e
4º, ambos da Resolução n. 058/2009, do Conselho da Justiça Federal.
[...]
Também a certidão mencionada (fl . 408):
[...]
Certifi co, ainda, que à fl . 727 consta certidão do comparecimento do advogado
Alexandre Barbosa Lisboa, procuração à fl . 477, representando o investigado
Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, à Coordenadoria e manuseando os autos da
representação, obteve cópias de peças que indicou e dentro das especifi cações da
Resolução n. 58/2009, art. 9º; idêntica certidão de comparecimento do advogado
Diego Costa Batista, procuração à fl. 695-697, representando o investigado
Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, manuseando os autos e obtendo cópias de
peças que indicou dentro das cautelas previstas na Resolução supracitada.
[...]
Passa-se a apreciar a alegação de ausência de fundamentação do decreto
prisional.
A então Relatora, na origem, ao decretar a prisão preventiva, assim
fundamentou sua decisão (fl s. 32-36):
[...]
O pedido de prisão preventiva encontra-se previsto no art. 311 e seguintes
do Código de Processo Penal, sendo que no presente caso todos os requisitos
encontram-se devidamente preenchidos, senão vejamos.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
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As condutas dos representados confi guram o crime previsto no art. 171, § 3º,
art. 288, 299 e 312, todos do Código Penal, art. 89 e 90 da Lei n. 8.666/1993, art.
1º, incisos I e III do Decreto-Lei n. 201/1967, crimes de ação penal de iniciativa
pública, conforme abaixo serão devidamente individualizados segundo a conduta
de cada representado.
Também encontramos presentes os requisitos previstos no art. 312 para a
concessão da medida pleiteada.
Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal (art.
312, 1ª parte): Os representados persistem na prática criminosa, ativamente,
desde março/2009. As cifras de recursos públicos periodicamente desviados
e apropriados pela organização criminosa só estão aumentando de forma
exponencial, como verifi cado nas principais fraudes acima apontadas. A audácia
dos membros dessa organização, que acreditam que não serão descoberto, os tem
deixado confi antes e mais corajosos, ao ponto de valorar ainda mais os certames.
Tal fato é percebido pela última licitação feita no valor de R$ 7.405.437,67, cuja
empresa vencedora foi a Auto Mecânica ISPA Ltda., empresa do já conhecido
“laranja” Paulo Cesar de Miranda (o mesmo suposto sócio da Construtora Colina e
Construtora WGR).
Assim as prisões preventivas são necessárias para que se evite a continuidade
das condutas delituosas, mesmo porque, caso contrário, a credibilidade da Justiça
fi caria comprometida e a sensação de impunidade se torna inevitável diante da
aparente incolumidade dos representados.
[...]
Ademais a prisão preventiva dos representados também evitará que o
montante dessa última licitação seja desviado, aumentando ainda mais o saque
aos cofres públicos.
Prova da existência do crime (art. 312, última parte): A tipicidade da
conduta é evidente, não restam dúvidas quanto à intenção dos membros da
organização criminosa na obtenção da fácil e ilícita vantagem, auferida mediante
o desvio dos recursos públicos federais, estaduais e até municipais, bem como da
utilização da máquina pública para fi ns particulares.
Indícios suficientes de autoria (última parte): Não há qualquer dúvida
também acerca da autoria dos representados nos crimes que lhes são apontados,
em razão da vasta prova documental reunida em quase um ano de árdua
investigação, nos depoimentos de algumas testemunhas e inclusive de alguns
“laranjas” utilizados pela quadrilha, nas fi lmagens, fotografi as, transcrições de
interceptações telefônicas, provas que deixam reluzentes a participação de cada
um dos envolvidos.
Crime punido com reclusão (artigo 313, inciso I, CPP): A pena constante
dos preceitos dos arts. 171, § 3º, art. 288, 299, 312, todos do Código Penal, art. 1º,
incisos I do Decreto-Lei n. 201/1967 prevêem pena de reclusão.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
930
O modus operandi dos representados é típico como o já visto em casos
semelhantes, sendo que os representados são ainda mais audaciosos no presente
caso, pois ao invés de apenas receberem a conhecida “comissão” das empresas
vencedoras dos certames licitatórios, em Vitória do Xingu-PA, foi feito um
esquema que independentemente da “comissão”, a própria empresa vencedora
já é da organização criminosa, ou seja, a totalidade dos recursos públicos transita
entre os membros da quadrilha.
Vejamos a participação de cada um dos representados, onde citaremos os
crimes praticados e seu envolvimento pela ordem e grau de importância até o
presente momento desvendado:
[...]
2.2. LIBERALINO RIBEIRO DE ALMEIDA NETO - mentor:
Prefeito de Vitória do Xingu-PA, fi lho de Jose Danilo Damaso, cumpriu mandato
no período entre os anos de 1996 a 2000, sendo novamente eleito prefeito no ano
de 2008.
A posição de chefe do Poder Executivo Municipal lhe tem proporcionado
estratégica posição e a ativa participação nos crimes práticos pela organização
criminosa, a começar pela nomeação (fl s. 84) dos membros da comissão única de
licitação de Vitória do Xingu, composta de pessoas que fazem parte de fraudes,
dentre as quais citamos os representados: Carlos Alberto Gama de Almeida (já
foi sócio da empresa Xingulat) e Benedito da Silva (sócio de 03 empresas do
grupo criminoso - Xingulat, Construtora Araguaia e Comercial Amigão). Tal fato
demonstra sua participação no crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993
(fraude a licitação).
O Prefeito Liberalino tinha participação na constituição das empresas com
auxílio de “laranjas”, conforme se infere do depoimento de Davi Pereira de Sousa
Lima (fl s. 315-316), Sebastião Torquato Soares (fl s. 497-498) e Elsa Laire Dall Acqua
(fl s. 373-374), restando confi gurada a conduta do crime previsto no art. 299 do
Código Penal.
Ao conceder o título defi nitivo de propriedade, em 30.10.2000, (fl s. 35 do IPL)
para o representado Edison Camargo Chandoha (sócio de 02 empresas - Xingulat
e Agropecuária Danielle), cometeu o crime previsto no art. 1, inciso X do Dec. n.
201/1967.
Em 5.1.2009 quando este representado concedeu o Alvará de Licença para
a empresa Xingu Cerâmica Ltda. Me. para exploração de substâncias minerais
por 50 anos, praticou crime de corrupção passiva (art. 317 do CP). Inclusive a
testemunha Gilson Neves Sales - fl s. 311-312 cita que essa empresa é do prefeito
Liberalino. Sendo que Sebastião Torquato Soares em seu depoimento as fl s. 497-
498 cita que a empresa é de José Danilo Damasio, o que confi rma que realmente
perante a população, a empresa é da família Almeida.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 931
A confusão entre bens da prefeitura e bens particulares, bem como a utilização
de funcionários, caminhões e maquinários da prefeitura de Vitória do Xingu para
realização de trabalhos diversos (terraplanagem, aterros, limpeza de terreno) fi cou
comprovada pelo depoimento de Gilson Neves Sales - fl s. 311-312 e de Elsa Laire
Dall Acqua (fl s. 302-305), e pelos vídeos do CD de fl s. 47, restando confi gurado o
crime previsto no art. 1, inciso II do Dec. n. 201/1967 (utilizar indevidamente em
proveito próprio bem público).
A utilização desses mesmos maquinários citados no depoimento de Gilson
Neves Sales (fls. 311-312) e vídeos de fls. 47, para a realização da obra de
recuperação da estrada Vicinal Água Boa, que deveria ter sido realizada com
recursos oriundos do Governo do Estado do Pará (fls. 26-27, 158, 162-173),
confi gura o crime previsto no art. 1, inciso II (utilizar indevidamente em proveito
alheio bem público) e inciso III (desviar verba pública) do Dec. n. 201/1967.
Os demais membros da quadrilha se referem a Liberalino, o chamando de
“Chefe” (fl s. 16 do Rel. Circ. N. 001/2011), sendo que outros o chamam de “Patrão”
(fl s. 111 do Rel. Circ. n. 001/2011), o que defi ne seu posto de comando dentro da
organização criminosa.
A interceptação telefônica autorizada judicialmente e realizada no período de
2.5 a 17.5.2011 demonstrou que:
- Liberalino foi avisado, por pessoa não identifi cada, para retirar os bens de seu
nome e de sua irmã, fl s. 08-09 do Rel. Circ. n. 002/2011;
- Liberalino tinha plena ciência e ativa participação nos processos licitatórios
da Prefeitura de Vitória do Xingu, segundo os áudios de fl s. 13-15 do Rel. Circ.
n. 002/2011, onde ele conversa com o contador Anfrísio Augusto Nery da
Costa Nunes, sendo que ao seu lado está o representado Carlos Alberto Gama -
presidente da Comissão de Licitação (fato constatado, pois ele inicia a conversa e
depois passa o telefone para Carlos).
O direcionamento e no não atendimento as formalidades exigidas em lei para
as diversas licitações acima citadas confi guram o crime previsto no art. 89 da Lei
de Licitações, sendo que a união para a prática dos crimes gera a conduta do art.
288 do CP.
[...]
Por sua vez, ao indeferir o pedido de revogação da prisão, a Relatora
consignou que (fl s. 240-255 – grifo parcialmente nosso):
[...]
Quanto ao pedido do Sr. Liberalino Ribeiro de Almeida Neto às fl s. 543-558, de
revogação da prisão preventiva, da análise dos autos, verifi co que subsistem os
fundamentos para a manutenção da prisão cautelar.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
932
Com efeito, naquilo que, concessa venia, reputo como essencial ao deslinde da
questão, verifi ca-se que ao proferir a decisão de fl s. 261-322, asseverei que:
“(...)
Assim, com base nos últimos relatos acima, assim como nos demais
11 (onze) eventos lesivos citados pela autoridade policial, tem-se que os
pressupostos da presente medida cautelar, quais sejam, os indícios de
autoria e materialidade, restaram sufi cientemente demonstrados.
b-1) DA NECESSIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA
INVESTIGAÇÃO E POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL
Alega o Ministério Público Federal a necessidade da medida cautelar de
segregação, como garantia da instrução criminal, sob a alegação:
(...)
Restam, portanto, plenamente caracterizados os requisitos do artigo 312
do CPP para o deferimento das prisões preventivas dos investigados, pois
em liberdade, simplesmente terão total disponibilidade para se desfazer da
prova documental que ainda será arrecadada mediante busca e apreensão,
intimidar testemunhas, etc. O grupo é bastante destemido e não se intimidará
em praticar todo o tipo de atos ilícitos para difi cultar a materialização dos
crimes apurados.
Além da conveniência da instrução processual penal, que no caso em
análise afl ora de todo o contexto fático narrado, há ainda que se garantir
a ordem pública. Na realidade, os poderes executivo e legislativo do
município estão totalmente dominados pelos integrantes da quadrilha e,
apenas com a sua segregação cautelar será possível se garantir a ordem
pública no referido município, evitando-se a continuidade delitiva, além
de se reforçar perante a sociedade local, a credibilidade dos órgãos
encarregados da persecução criminal no âmbito do devido processo legal.
Outrossim, conforme informado pela autoridade policial representante:
“a prisão preventiva dos representados também evitará que o montante
desta última licitação seja desviado, aumentando ainda mais o saque aos
cofres públicos” (fl s. 172-173).
Da análise dos autos, sobretudo do contido no ofício de fl. 235-238, acima
transcrito, verifica-se a presença dos elementos concretos a demonstrar que os
investigados José Danilo Damaso de Almeida, Liberalino Ribeiro de Almeida Neto,
Heltton Vagner Lisardo, Isaac Costa da Silva e Carlos Alberto Gama de Almeida estão
a colocar em risco a investigação criminal.
As últimas informações da autoridade policial relatam que o grupo estaria
constrangendo testemunhas e outras pessoas que delas se aproximam (Ocorrências
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 933
Policiais n. 558/2011, n. 572/2011, relatadas nas informações de fl s. 245-247), o que
leva a concluir que poderão não só infl uir no ânimo das testemunhas, como estão a
criar ameaças sobre a integridade física dessas pessoas. É o que se conclui da análise
das informações abaixo transcritas:
Trazemos, pelo presente, informações sobre fatos que vem ocorrendo
nos últimos dias. Trata-se de manobras para constranger e intimidar
testemunhas, algumas delas através de ato aparentemente legal, mas que
enseja fi nalidades obscuras.
Dia 21.7.2011, a Ex-Vereador Elsa Laire Dall Acqua informou que o Prefeito
Liberalino estava realizando, através de terceiros, medições em sua propriedade
e de seus familiares para assim poder desapropria-los. Segundo a mesma, isso
estava sendo feito de forma provocativa para constranger e obter uma reação
que comprometesse a Vereadora. De fato, a mesma possui um gênio explosivo
e Liberalino sabe disso.
Além disso, o Prefeito, possui apoio irrestrito de todos os vereadores que
segundo denúncias atendem aos mandos e desmandos do Prefeito. Isto parece
estar se confi rmando, pois há sólidas suspeitas de que os vereadores recebem
benesses materiais do Prefeito. Há notícias de mensalinho decorrente de
recebimento de veículos por parte do Prefeito.
Conforme já foi aqui comprovado e informado (consta em livro de
ocorrência), e aqui novamente reiterado, o Vereador Genildo estava
realizando vigilância de um Policial federal seguindo o mesmo em um
veículo sem placas. Dias anteriores, o alvo Paulo Roberto Moura de Santana
dirigia o mesmo veículo em que estava o Vereador Genildo, um corsa classic,
sem placas. Paulo Roberto Moura de Santana é proprietário da Paulão
Veículos e tio do secretário de fi nanças, Heltton Vagner Lisardo, e possui
sociedade com Liberalino e Heltton em lotéricas. Todos são membros da
quadrilha criminosa.
Portanto, é provável que o carro em que estava o Vereador Genildo
tenha sido dado pelo Prefeito através de Paulo Roberto e quem está
ordenando, essas ações de “contra-inteligência”, é Heltton Vagner Lisardo,
sob o comando do Prefeito Liberalino.
Feitas essas considerações cumpre esclarecer que o Prefeito está com
“a faca e o queijo” na mão para utilizar de meios aparentemente legais e
outros ilegais para constranger testemunhas, como está fazendo com Elsa
Dall Acqua.
Outrossim, outras situações obscuras vem ocorrendo de acordo com as
Ocorrências de n. 558/2011 e n. 572/2011 registradas nesta delegacia.
Segundo Ocorrência n. 558/2011 a casa de Elsa foi invadida dia 16.7.2011
de madrugada. Para não alertar os moradores, os invasores enveneraram
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
934
seu cachorro e de seus vizinhos e retiraram as lâmpadas que fi cam fora de
sua residência. Ela notou pegadas em volta de sua residência, mas nada foi
furtado.
Conforme Ocorrência n. 572/2011, no dia 26.7.2011, havia um veículo
realizando vigilância em frente a residência de Elsa Laire Dall Acqua que
ao perceber o veículo Pólo Preto pediu a um amigo chamado Admildo da
Costa Santos, vulgo Pitta, que tirasse foto do mesmo. Pitta disfarçadamente
tirou fotos, porém o mesmo veículo iniciou movimento realizando manobra
brusca, andando em marcha ré e subindo no meio fi o. Do veículo saiu o
policial civil conhecido como Luiz Lopo, e, de uma forma ameaçadora,
questionou Pitta que saiu em seguida em sua moto para evitar discussão ou
atitude violenta do mesmo.
À noite, por volta das 19:00 outro policial civil de Vitória do Xingu, de
nome Marcelo, foi até a casa de Pitta para falar com o pai e o irmão dele,
ameaçando-o para que ele parasse de tirar fotos e de andar com Elsa Laire
Dall Acqua, pois “a casa ia cair pra ele”.
No dia seguinte, 27.7.2011, Maia, marido de Elsa foi intimado a
comparecer a Delegacia de Polícia Civil no dia 29.7.2011 e segundo Elsa é
mais uma manobra em resposta ao ocorrido no dia anterior, supra citado.
Ela também afirma que esta manobra está sendo orquestrada pelo
Prefeito Liberalino e Heltton Vagner Lizardo. Maio foi avisado que o motivo da
intimação refere-se a licença de uma placa de taxi de propriedade dele, e que
há rumores de que querem tirar a propriedade da placa e o direito de uso dele.
Ademais, há outro informante que está sendo pressionado pelos alvos,
pois passaram a desconfi ar dele, e que segundo outros informantes, existe
o risco daquele não resistir as investidas e provocações dos alvos ocorrendo
assim vazamento de informações da presente Operação.
O risco de atentado contra a vida de testemunhas e informantes confi rma-
se com o fato da testemunha e ex-conselheira tutelar Mariza ter ingressado
no programa de proteção a testemunha em razão de denúncia de exploração
sexual de menores pelo Prefeito Liberalino e por prevaricação do Promotor de
Justiça Edmilson Leray.
É preciso ressaltar que um dos membros da quadrilha é Isaac da
Celpa cujo o histórico de roubo a banco é notório e sabido em Altamira.
Consultando empresários e outros cidadãos da região foi possível colher
informações de que Isaac continua as amizades “da pesada”, ou vagabundos,
como contaram aqueles. Ou seja é preciso considerar a hipótese de que
Liberalino pode utilizar-se dos serviços de Isaac que possui contatos
perigosos e obscuros.
Isaac não possui apenas amizade com os níveis mais baixos do crime,
como homicidas e assaltantes, mas também possui uma estranha relação
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 935
com o Deputado Federal Wandelkolk o que já foi constatado através de
interceptação telefônica já apresentado em relatório.
Cumpre lembrar que Isaac compareceu a esta delegacia recentemente
oferecendo serviços de dedetização realizando levantamento dentro desta
descentralizada” (fl s. 245-247).
Depreende-se dos autos, também, que há dois relatos da Polícia Federal
(fl s. 194 e 240), relativos a episódios distintos, que noticiam que documentos
públicos e computadores foram retirados da Prefeitura e armazenados na casa
dos investigados Carlos Alberto Gama de Almeida Neto, evidenciando que há
ação do grupo no sentido de eliminar provas e obstar as investigações:
“Como prova concreta desses fatos pode-se citar que ano passado, ao
desconfi arem dessa investigação, providenciaram que parte dos documentos
licitatórios fosse armazenada na casa do representado Carlos Alberto Gama
de Almeida (presidente da comissão única de licitação), segundo comprova os
dados da informação policial de fl s. 346-347 e fotos do CD de fl s. 350 do IPL” (fl .
194).
“Hoje no período da manhã em Vitória do Xingu, a Secretaria de Saúde
fechou as suas portas e dispensou seus funcionários. Seis veículos pararam
em frente a mesma e recolheram documentos e computadores. Informantes
que foram comprar pão às 06:30 da manhã notaram movimentação estranha
neste horário dentro da Secretaria de Saúde.
Às 11:00hs carros estão parando em frente a Prefeitura e levando
documentos a casa de Liberalino. O que chamou a atenção dos informantes é
que são muitos “papéis” (fl . 240).
[...]
b-2) DA NECESSIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA
ORDEM PÚBLICA
Quanto aos demais fundamentos constantes do art. 312 do Código de Processo
Penal, restou evidenciada, também, a necessidade da segregação cautelar de
alguns dos investigados como garantia da ordem pública.
[...]
No caso, os fatos anunciados pela autoridade policial indicam que os
investigados Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, José Danilo Damaso de
Almeida, Benedito da Silva, Ivo Krombauer e Aldir Nazário de Carvalho já se
conheciam de período remoto em que, a que tudo indica, com o mesmo modus
operandi, utilizaram-se de empresas com sócios laranjas para desvios de
verbas públicas e crimes correlatos, ilícitos que parecem se repetir, atualmente,
em relação aos recursos recebidos pela Prefeitura de Vitória do Xingu-PA, com
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
936
a mesma desenvoltura e participação do mesmo núcleo de pessoas e com
a inclusão de outras, como os demais investigados Paulo César de Miranda,
Heltton Vagner Lisardo, Isaac Costa da Silva e Roseli Aparecida de Almeida
Braga (conforme registram os episódios sucessivos citados no item “I - a)” da
presente decisão), o que demonstra que há continuidade na perpetração das
condutas e autoriza a ilação de que soltos continuarão na prática delitiva.
Desta forma, verificando que os fatos relatados na representação
demonstram que a conduta ilícita da organização está a se estender no
Município de Vitória do Xingu e que há forte vínculo de subordinação dos
demais atores em relação aos demais investigados (supostos mentores e
articuladores dos ilícitos), torna-se imperativo reconhecer a necessidade de se
resguardar o meio social com a segregação cautelar dos investigados, a fi m de
evitar que outros ilícitos se repitam e as lesões ao erário sejam intensifi cadas.
[...]
Outrossim, não se pode ignorar, in casu, o que considerou o Ministério Público
Federal às fl s. 647-661, em parecer subscrito pelos eminentes Procuradores Regionais
da República, Dr. Alexandre Espinosa Brabo Barbosa e a Dra. Raquel Branquinho P. M.
Nascimento, que asseveraram:
“(...)
Superada a questão acima, resta a análise do pedido de liberdade provisória
apresentado pelo investigado Liberalino Ribeiro de Almeida Neto (fl s. 543-558),
o qual fundamenta sua pretensão na ausência de necessidade e adequação
da medida à luz na recente legislação que privilegiou a implementação de
medidas cautelares, mostrando-se o decreto prisional uma medida excepcional.
Também sustenta o requerente a ausência de concreta caracterização da
necessidade da medida por conveniência da instrução criminal, aplicação da
lei e garantia da ordem pública. Assim, requer, fundamentado no artigo 316
do CPP, a revogação da prisão provisória e, subsidiariamente, com base no
artigo 319 desse mesmo estatuto legal, a substituição da prisão cautelar por
outra medida prevista nesse dispositivo legal, exceto a suspensão da atividade
pública.
Não há qualquer amparo fático-jurídico à pretensão do acusado Liberalino,
seja no que se refere à revogação da prisão cautelar, seja quanto à sua
substituição, neste momento das investigações, por outra medida cautelar.
A gravidade e complexidade dos crimes perpetrados por um grupo de
pessoas, liderado pelo peticionante, o prefeito Liberalino Ribeiro e seu pai,
que montaram, no município de Vitória do Xingu uma estrutura organizada
de utilização de bens públicos no interesse particular, apropriação de bens
públicos e desvio de recursos públicos federais, é de uma extensão devastadora.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 937
Primeiramente, há que se observar a peculiaridade da atuação dessa
quadrilha, que tem o pleno domínio financeiro, logístico e de pessoal
de um município extremamente carente, onde inexiste qualquer estrutura
minimamente organizada de fi scalização da gestão de recursos públicos de
todas as esferas de poder, principalmente federal, já que praticamente inexiste
arrecadação própria e a prestação dos serviços mais relevantes aos munícipes
demanda a transferência de recursos pela União Federal.
O aparelhamento da prefeitura municipal pelo prefeito e seu pai,
um dos mentores do esquema, é um dos principais aspectos do bom
funcionamento do esquema e justamente um dos principais fatores que
demanda o acautelamento prisional dos integrantes da quadrilha, para que
as apurações criminais possam ter um curso minimamente razoável.
O organizado e sistemático funcionamento da quadrilha decorre, em
grande parte, da alocação, por parte do peticionante, o acusado Liberalino,
de integrantes dessa mesma organização criminal em funções estratégicas
da prefeitura de Vitória do Xingu. Ora, é habitual e sistemático o desvio
de recursos públicos por meio de fraudes em licitação. E esse mecanismo
é operacionalizado justamente por pessoas que integram a quadrilha e
são da extrema confi ança de Liberalino e de seu pai, com quem mantém
vínculos há décadas.
Assim, o presidente da Comissão Permanente de Licitação (órgão
estratégico da atuação da quadrilha), o requerido Carlos Alberto Gama
de Almeida, atuava, decisivamente, para montar os processos licitatórios
em todas - simplesmente - em todas as dezenas de licitações fraudadas,
montadas e forjadas já identifi cadas pela CGU.
Nessa mesma Comissão de Licitação, um dos membros que atuava em
conluio com o presidente Carlos Alberto é justamente um antigo ‘capanga’
do pai de Liberalino, o requerido Benedito da Silva ‘Mestre Bio’ o qual,
apesar da sua pouca instrução formal, é um tipo de ‘faz tudo’ para Liberalino
e seu pai: ocupa funções estratégicas na prefeitura onde proporciona a
apropriação desvio de bens e recursos públicos; fi gura como ‘laranja’ em
empresas vencedoras de pseudo licitações e que na realidade pertencem a
Liberalino e a sua família; executa, diretamente, obras que foram licitadas a
empresas de ‘fachada’, etc.
Os recursos públicos são liberados para esse esquema fraudulento
justamente por um outro integrante da quadrilha, o requerido Heltton
Wagner Lisardo - Secretário de Finanças, o que permite a estrutura
necessária para a formalização, nos sistemas de transferência de recursos
da União, da destinação do dinheiro, ao contrário do que determina a
legislação, é sacado em espécie, no próprio caixa e não por meio de contas
correntes específi cas. E isso e outras fraudes apenas são possíveis porque
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
938
justamente um integrante da quadrilha ocupa a estratégica função de
Secretário de Finanças.
Pelo que fi cou constatado pela CGU até o presente momento, uma das
principais estratégias para o escoamento de dinheiro público é através de
obras de construção ou reforma de escolas e postos de atendimento médico
(verbas dos Ministérios da Educação e Saúde). Novamente Liberalino
colocou um outro parceiro integrante da quadrilha na estratégica função
de Secretário de Obras, que se trata do requerido Aldir Nazário de Carvalho
que demanda as licitações forjadas e acompanha as obras que não são, de
fato, executadas.
E, na parte da gestão dos recursos públicos destinados à saúde, Liberalino
nomeou a sua companheira e integrante da quadrilha, a requerida Roseli
Aparecida de Almeida, para a função de Secretária de Saúde, onde fi gura
como demandante e também autoridade responsável pelo pagamento de
inúmeras contratações fraudulentas e com desvio de recursos públicos, já
devidamente levantadas pela equipe de auditoria da CGU.
A situação de controle do município e das verbas destinadas à aplicação
no bem comum da carente população é tão grave que Roseli não apenas
atua como Secretária de Saúde e gestora de grande parte dos recursos
federais destinados ao Município pelo Ministério da Saúde, como também
controla o próprio órgão que deveria fi scalizar a aplicação desse dinheiro
que é o Conselho Municipal de Saúde. Imagine que a própria Roseli, que
deveria ser fi scalizada pelo Conselho, atuou, nos exercícios de 2009, 2010
e 2011, justamente como Presidente desse Conselho. Ou seja, é a própria
raposa tomando conta do galinheiro.
Parte das fraudes e desvios ocorrem por intermédio de empresas que se
encontram formalmente registradas em nome de integrantes da quadrilha,
que atuam na prefeitura, como é o caso de Benedito da Silva e também de
Isaac Costa da Silva, que é assessor do requerente, o acusado Liberalino e
cunhado de Paulo César de Miranda, um outro comparsa de Liberalino e
que fi gura como ‘laranja’ deste em empresas envolvidas no esquema.
O senso de total controle e domínio da situação é de tal forma intenso
que Liberalino e seu grupo, sem qualquer pudor, constitui e registra
empresas ‘de fachada’, que são vencedoras de inúmeros certames fi ctícios
realizados pelo município, sob o comando da própria quadrilha, em nome
de laranjas que atuam na própria prefeitura ou que mantém intenso
relacionamento com Liberalino, que é o líder desse esquema e um dos que
mais se benefi cia economicamente do seu funcionamento.
A situação acima resumidamente narrada já revela, por si, a necessidade
de manutenção da prisão preventiva de Liberalino Ribeiro e de seus comparsas
até que o Estado, representado pela Polícia Federal, Controladoria-Geral da
União e Ministério Público Federal, tenha condições de mapear, levantar e
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 939
efetivamente apurar a real extensão dos graves crimes praticados por essa
quadrilha, o que se apresenta praticamente impossível caso estivessem soltos
e efetivamente impossível caso estivessem ocupando os mesmos postos
estratégicos na Prefeitura desse sofrido município.
[...]
Não são apenas os integrantes diretos da quadrilha que atuam na
prefeitura. Já se apurou que Liberalino tem a prática de colocar pessoas que lhe
prestam ‘favores’ espúrios, como fi gurar em contratos sociais de empresas de
fachada, etc, e seus familiares, como funcionários da prefeitura. Obviamente,
esse grupo de funcionários também atua sob o comando de Liberalino e com
a proximidade deste, mais difícil o retorno à normalidade na gestão dessa
Prefeitura e mais difícil se revelam as apurações.
O atual quadro fático ainda é extremamente sensível e o Parquet federal
entende que, a cada momento, surgem novas provas e graves evidências de
que a liberação do Prefeito e de seu grupo ocasionará o verdadeiro caos nessa
localidade, tanto para pressionar testemunhas a retratarem informações já
prestadas, etc, quanto para destruir provas dos crimes praticados.
A autoridade policial competente vem, diuturnamente, desde o decreto de
prisão, atuando para ouvir todos os investigados e também testemunhas para
materializar os crimes apurados. No entanto, essa tarefa ainda se encontra em
plena atividade. Ao se considerar que a atividade da quadrilha era justamente
utilizar a gestão da prefeitura para o enriquecimento ilícito e o desvio de
dinheiro, as situações a serem materializadas são inesgotáveis. Nesse aspecto,
observa-se que o Relatório Preliminar da CGU contém aproximadamente
55 constatações de graves irregularidades, envolvendo quase uma centena
de licitações fraudadas, num universo de mais de cinco mil documentos que
constitui a base documental dessas apurações que ainda não se concluíram.
[...]
Dessa forma, verifi cando que subsistem os motivos que ensejaram a prisão
cautelar do requerente Liberalino Ribeiro de Almeida Neto, e que este é apontado
como o mentor, articulador e líder do grupo, deflui-se que a sua liberdade
potencializaria a situação de riscos de ameaças às testemunhas e de destruição de
provas, relatada nos autos, revelando-se necessária a manutenção da constrição
para garantia da investigação e instrução criminal. Da mesma forma, subsistem
as razões expostas na decisão que embasaram a custódia cautelar também como
garantia à ordem pública, motivo pelo qual, indefi ro o pedido de revogação da
prisão preventiva.
[...]
Como se verifi ca, o paciente, ocupante do cargo de Prefeito Municipal
de Vitória do Xingu-PA, seria um dos principais líderes de uma quadrilha
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
940
especializada em fraudar licitações realizadas pela própria municipalidade,
as quais culminavam com a contratação irregular de empresas que, apesar de
colocadas em nome de “laranjas”, na verdade, eram de propriedade do paciente
ou de familiares. Por meio dessa atuação ilícita, eram desviadas verbas federais
destinadas ao município. É imputada a ele, ainda, a prática de outros delitos que
lesaram o patrimônio público.
Num primeiro momento e em juízo perfunctório, entendi que a
manutenção da custódia não era apropriada, uma vez que parecia ser viável
alcançar os objetivos indicados no decreto prisional (garantia da ordem pública
e da instrução criminal) por meio da aplicação de algumas medidas cautelares
previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, em sua redação atual.
A propósito, na ocasião, deixei assim consignado (fl s. 469-472 – sem grifo
no original):
[...]
Houve a juntada aos autos de ofício encaminhado pela autoridade policial ao
Tribunal de origem, noticiando que, além das prisões preventivas, “os mandados
de busca também foram cumpridos” (fl . 449).
Tenho que, diante do cumprimento dos mandados de busca e apreensão, fi cou
evidenciada a plausibilidade jurídica do pedido formulado no presente writ.
A decisão impugnada justifi cou a segregação, nesse aspecto, porque “documentos
públicos e computadores foram retirados da Prefeitura e armazenados na casa dos
investigados Carlos Alberto Gama de Almeida e Liberalino Ribeiro de Almeida Neto”
(fl . 243).
Contudo, uma vez coletados tais documentos e máquinas nas buscas e apreensões
realizadas, tal fundamento não mais subsiste, pois as provas que estavam em poder
do paciente já estão sob a guarda da autoridade policial.
Outrossim, eventual tentativa de utilização do cargo público para obstaculizar as
investigações, pode ser neutralizada com o afastamento do paciente da função de
Prefeito Municipal, sendo desproporcional, para esse fi m, sua manutenção no cárcere.
Por outro lado, numa primeira análise, as eventuais ameaças a testemunhas,
segundo relatado no decisum impugnado, teriam decorrido em exercício do cargo
público, com a realização de medições em propriedades de testemunhas e seus
familiares, no intuito de promover a futura desapropriação (fl . 241).
Nesse contexto, as medidas cautelares de afastamento do cargo de prefeito
municipal, bem como de proibição de manter contato com determinadas pessoas
(art. 319, III e VI, do Código Penal), se mostram sufi cientes para garantir a ausência
de empeços à persecução penal, não havendo motivo que autorize a manutenção da
segregação preventiva.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 941
[...]
Ante o exposto, reconsidero a decisão para deferir a liminar, revogando a prisão
preventiva do paciente e concedendo-lhe a liberdade provisória. Aplico-lhe,
porém, as medidas cautelares previstas no art. 319, III e VI, do Código de Processo
Penal, e determino seu afastamento das funções de Prefeito Municipal de Vitória
de Xingu-PA, bem como está proibido de manter qualquer tipo de contato, direto
ou por meio de terceiros, com os integrantes da atual administração municipal,
bem assim com alguma das testemunhas arroladas no inquérito, podendo, se for
o caso, fazer-se uso da monitoração eletrônica para aferir o cumprimento dessas
determinações.
[...]
A instrução do feito e manifestações do Ministério Público Federal
posteriores à liminar concedida propiciaram-me um conhecimento mais
profundo do quadro fático que toma conta da cidade de Vitória do Xingu-PA.
Entendo agora que o que foi narrado nas decisões impugnadas juntamente
com aquilo que foi trazido a conhecimento deste Juízo justifi cam a custódia do
paciente, pela necessidade não só de se resguardar a instrução criminal quanto
de se garantir a ordem pública.
As decisões impugnadas relatam perseguições e agressões verbais a
testemunhas, acompanhadas de danos ao patrimônio e, inclusive, envenenamento
de animais domésticos. Há, ainda, menção ao fato de que uma testemunha teria
ingressado em programa de proteção, porque o paciente seria investigado,
também, por exploração sexual de menores.
Por outro lado, o paciente, juntamente com os demais coinvestigados,
tem se utilizado de seu poderio político e da capacidade de infundir temor à
população local para criar obstáculos à instrução criminal.
Tais fatos continuaram a acontecer após a liminar acima referida, inclusive
com agressões físicas à testemunha de outro processo em que o paciente se
encontra como investigado, mesmo com o seu afastamento da Prefeitura da
cidade de Vitória do Xingu-PA, criando-se um clima de insegurança em toda a
cidade.
A propósito, a decisão impugnada, encampando o parecer ministerial,
afi rmou que o grupo [criminoso] é bastante destemido e não se intimidará em
praticar todo o tipo de atos ilícitos para difi cultar a materialização dos crimes apurados
(fl . 241).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
942
Igualmente, segundo consignado pelo Tribunal de origem, a conduta
ilícita está a se estender no Município de Vitória do Xingu e há forte vínculo de
subordinação dos demais atores em relação aos dois primeiros investigados (supostos
mentores e articuladores dos ilícitos), torna-se imperativo reconhecer a necessidade de
se resguardar o meio social com a segregação cautelar dos investigados, a fi m de evitar
que outros ilícitos se repitam e as lesões ao erário sejam intensifi cadas (fl . 246).
Vale transcrever trecho do pedido formulado pelo Ministério Público
Federal encaminhado a este Relator em 1º de fevereiro do corrente, para que
fosse reconsiderada a decisão que concedeu, em parte, liminar anteriormente
concedida. Tal petição deixa clara a situação que atualmente impera no
município de Vitória do Xingu-PA, não obstante os termos da liminar acima
referida (fl s. 1.116-1.122):
[...]
2. Este Subprocurador-Geral da República tomou ciência dos fatos noticiados
nas manifestações em anexo, a saber:
- Ofício GAB PRR1/DF/RB n. 007/2012, de 12 de janeiro de 2012,
encaminhado a esta Procuradoria Geral da República pela ilustre
Procuradora Regional da República Raquel Branquinho P. M. Nascimento;
- Denúncia formulada contra o réu deste processo, entre outras pessoas,
no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, datada de 26 de
setembro de 2011;
- Manifestação de Procuradores Regionais da República perante o
Tribunal Regional Federal da Primeira Região, relativamente ao Inquérito
Policial n. 111/2011-DPF/ATM/PA, datada de 6 de setembro de 2011;
- Of. PRM/ATM/GAB2/n. 1.003/2011 em que Procuradores da República
do Pará comunicam a Procuradora Regional da República Raquel
Branquinho P. M. Nascimento, acerca do termo de declarações TD PRM/
ATM/101/2011, a saber, depoimento perante à Procuradoria da República
do Município de Altamira-PA da Senhora Marinalva Alves da Silva.
3. Todos estes documentos tornam claro que o paciente, Liberalino Ribeiro
de Almeida, Prefeito afastado da cidade de Vitória do Xingu-PA, não obstante
a aplicação de medidas cautelares por Vossa Excelência, os termos do art. 319,
incisos III e IV, do Código de Processo Penal, está a merecer o decreto de prisão que
impugnou, uma vez que não é sufi ciente a determinação de que não mantenha
qualquer tipo de contato, direto ou por meio de terceiros, com os integrantes da
atual administração municipal, bem assim com algumas testemunhas arroladas
no inquérito.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 943
4. Em verdade, os citados documentos demonstram que tais medidas não
sao o bastante (como aliás, os demais elementos do processo já indicavam a
necessidade da prisão).
5. Os documentos em anexo dão conta de sérios fatos ocorridos no âmbito
do Município de Vitóra do Xingu-PA. A denúncia apresenta com pormenores o
modus operandi da quadrilha chefi ada pelo paciente e seu genitor, especializada
na “prática de ilícitos consistentes na falsifi cação de documentos, constituição de
empresas de ‘fachada’ e obtenção de empréstimos fraudulentos, apropriação e desvio
de bens públicos e que atuou desde meados da década de 1990, associação essa que
perdurou até o momento da prisão decreta nestes autos” (fl . 23). Os documentos
destacam a necessidade de restabelecer a custódia cautelar do paciente e seus
comparsas, pelo deliberado descumprimento das medidas cautelares impostas,
a revelar a ineficácia de tais medidas, bem como o comprometimento das
autoridades locais para investigar, processar e punir o bando pela prática de
outros crimes relacionados à exploração sexual de menores. Registre-se a notícia
de que cópia do Inquérito Policial n. 111/2011 foi encaminhado ao Conselho
Nacional do Ministério Público para avaliar a conduta do Promotor de Justiça
local.
6. A par das acusações narradas na denúncia, o paciente é apontado com oo
“chefe” de uma organização criminosa voltada à exploração sexual de menores, o
que é objeto do citado Inquérito n. 111/2011-DPF/ATM/PA. Essas novas condutas
teriam sido descobertas na investigação daqueles crimes de desvio e apropriação
de verbas públicas, falsifi cação de documentos, entre outros descritos na peça
acusatória.
7. Segundo o Ofício GAB PRR1/DF/RB n. 007/2012, de 12 de janeiro de 2012,
subscrito ilustre pela Procuradora Regional da República Raquel Branquinho P.
M. Nascimento, e o termo de declarações de Marinalva Alves da Silva, colhido
na Procuradoria da República no Município de Altamira-PA, objeto do OF.PRM/
ATM/GAB2/n. 1.003/2011, de 9 de dezembro de 2011, após a soltura do paciente
e seus comparsas, além de constantes ameaças de morte às testemunhas do
referido inquérito policial e vítimas de abuso sexual, uma das menores (vítima) que
ousou detalhar esse odioso crime foi brutalmente espancada. Registra-se que uma
das principais denunciantes e testemunha no processo, mesmo contemplada no
Programa de Proteção à Testemunha - Provita, sente-se ameaçada, pois continua
sendo procurada por pessoas ligadas ao paciente e pessoas de sua ligação (teria sido
procurada em casas de marentes que moram distante - Santarém e Macapá).
8. Pede-se vênia para reproduzir manifestação da ilustre Procuradora Regional
Raquel Branquinho P. M. Nascimento, que segue em anexo:
Senhor Subprocurador,
Cumprimentando-o, encaminho a Vossa Excelência cópia do termo
de declarações prestadas pela Sra. Marinalva Alves da Silva, membro do
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
944
Conselho Tutelar no município de Vitória do Xingu aos Procuradores da
República que atuam na Procuradoria da República de Altamira-PA.
A Sra. Marinalva retrata, em seu depoimento, um lamentável quadro de
violência e outras indevidas interferências do Prefeito Liberalino Ribeiro de
Almeida Neto e outras comparsas na comunidade de Vitória do Xingu, o
que está causando uma grande sensação de insegurança nas pessoas que
não compactuam com a série de crimes que vem sendo praticados pela
quadrilha liderada pelo prefeito Liberalino e que se propõem a colaborar
com os agentes do estado encarregados da apuração e punição desses
fatos, na busca da aplicação da Justiça.
Já é de conhecimento de Vossa Excelência, subscritor de fundamentado
parecer nos autos do HC n. 218.767-PA (2011/0221562-0), que Procuradores
Regionais da República e o Delegado de Polícia Federal encarregado das
investigações representaram pela prisão preventiva do então Prefeito de
Vitória do Xingu, Liberalino Alves de Almeida e outras quatorze pessoas,
integrantes de uma quadrilha pelo mesmo comandada.
No âmbito das investigações criminais que culminaram no decreto
de prisão acima informado, a autoridade policial competente tomou
conhecimento de outros graves crimes praticados por Liberalino e alguns
outros integrantes da quadrilha, crimes esses relacionados à exploração
sexual de menores daquela região.
Esses graves fatos foram documentados no Inquérito Policial n.
111/2011 e, nos termos da cópia de manifestação anexa, este órgão
ministerial requereu o declínio de competência para o processamento
desses crimes ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, o que foi deferido
pela d. Desembargadora Federal relatora do caso.
Paralelamente, este órgão ministerial também pleiteou o envio de cópia
integral do apuratório acima referido ao Conselho Nacional do Ministério
Público, para apuração de conduta de Promotor Público daquela localidade,
acusado de, no mínimo, “acobertar” as ações ilícitas do investigado
Liberalino, o que também foi deferido e e efetivado pela c. Corte Regional.
Embora os fatos acima mencionados sejam de competência da Justiça
Comum, descobertos fortuitamente na investigação dos crimes de desvio
sistemático de verbas públicas federais, falsificação de documentos,
lavagem de dinheiro, dentre outros, não se pode ouvidar, nos termos da
manifestação ministerial que requereu o declínio da competência, que são
extremamente graves e evidenciam que os investigados, notadamente
Liberalino, utilizam do seu poder político e econômico para intimidar as
pessoas, abusar da confi ança dos munícipes e de seus empregados e se
aproveitar de jovens indefesas, que vivem entregues à própria sorte, numa
região distante e carente.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 945
Ultimada a primeira etapa da investigação criminal, o parquet federal,
conforme cópia anexa, apresentou denúncia contra Liberalino Alves de Almeida
e outras comparsas, pela prática dos crimes capitulados nos artigos 288 e 299
do Código Penal, 1o., inciso I do DL n. 201/1967; 89, 90 e 96 da Lei n. 8.666/1993,
na forma dos artigos 29 e 69 do CP e as investigações ainda prosseguiram em
relação a uma série de outros crimes que não foram abrangidos na referida
peça acusatória.
Liberalino e os demais réus apresentaram sucessivas petições para
concessão da liberdade provisória, pleitos esses que foram denegados no
âmbito do TRF da 1a Região, o que ensejou a interposição de Habeas Corpus
no STJ, distribuído ao i. Ministro Sebastião Reis Júnior.
O d. Ministro Relator do HC concedeu a ordem de liberdade provisória aos
presos da chamada “Operação Pandilha” mas, diante da gravidade dos fatos
que constam dos autos, sobretudo o domínio exercido por esse político na vida
das pessoas daquela região, apto a intimidar e perseguir seus desafetos sem
qualquer pudor, afastou o Prefeito do exercício do cargo público e foi além,
determinou restrições à sua liberdade, de forma a evitar que pudesse exercer
qualquer infl uência na gestão da prefeitura ou nas testemunhas do caso, ou
mesmo na destruição de provas.
[...]
O parecer ministerial da lavra de Vossa Excelência, proferido após a decisão
acima, de forma fundamentada ressalta a gravidade do caso, o que ensejou
um pronunciamento pela manutenção da prisão dos ora denunciados.
De fato, ocorreu o que se temia e foi devidamente ressaltado no parecer
ministerial acima citado. A concessão de liberdade provisória a Liberalino Alves
de Almeida e seus comparsas foi, aos poucos, minando a tranquilidade e a
segurança das pessoas da comunidade, até o ponto de ocorrer o espancamento
de uma das menores vítimas do crime de exploração sexual de menores e que
testemunhou nos autos do Inquérito n. 111/2011, relatando detalhes desse
perverso crime.
Nesse contexto, há dois dias, chegou ao conhecimento desta subscritora
cópia do depoimento prestado pela Sra. Marinalva Alves da Silva, Conselheira
Tutelar de Vitória do Xingu, a qual relatou uma série de gravíssimos fatos que
demonstram que Liberalino Alves de Almeida não tem cumprido a ordem
restritiva de conduta imposta pelo d. Ministro Sebastião Reis e, o que é pior, as
testemunhas estão sendo intimidadas por graves violências físicas.
A leitura do depoimento prestado pela Sra. Marinalva evidencia a
situação de insegurança, fragilidade e impotência vivenciada pelos membros
da comunidade que se dispuserem a colaborar com a Justiça e denunciar
os desmandos praticados pelo prefeito Liberalino e outros integrantes da
quadrilha.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
946
Os trechos abaixo transcritos demonstram que a prisão preventiva é o
único meio de se garantir a segurança das vítimas, das testemunhas e
de se preservar o contexto probatório produzido na fase pré processual:
(...) Que é, há cinco anos, Conselheira Tutelar em Vitória do Xingu,
Que no processo referente à apuração sobre pedofilia em Vitória do
Xingu, acompanhou a oitiva das adolescentes envolvidas; Que no seu
ver, tudo foi feito de forma legal, com participação do MPE, Conselheiros
Tutelares, Polícia Federal, etc; Que depois das ações todas, com a prisão
dos acusados por improbidade administrativa, sendo que alguns
deles também envolvidos no esquema de pedofilia começaram as
intimidações às testemunhas, especialmente às adolescentes; Que lhe
chamou a atenção o caso de uma das adolescentes que foi ouvida e,
dias depois, foi covardemente espancada, ocasionando graves lesões,
incluindo fratura no maxilar, estando até hoje internada no Hospital
Regional; Que quando soube do caso acontecido com a adolescente, foi
imediatamente ao hospital para ver de quem se tratava; Que chegando
no hospital, reconhece ua adolescente I.M.V da S, apesar do rosto estar
inchado; Que na saída do hospital encontrou algumas das meninas que
também haviam sido ouvidas, as quais lhe falaram que o comentário
na cidade era o de que elas seriam as próximas vítimas; Que com isso
aumentou sua preocupação. Destaquei.
Na sequência do seu depoimento, a Conselheira Tutelar relata uma
verdadeira “via cruxis” tanto para conseguir um atendimento médico
adequado para a adolescente espancada, que foi indevidamente liberada pelo
médico de Vitória do Xingu, tendo ocorrido a intervenção do Ministério Público
Estadual para a sua internação em município próximo, diante da gravidade
do caso, como para registrar a ocorrência perante a Polícia local que tratou o
caso com verdadeira indiferença e apenas registrou a ocorrência após muita
insistência da família da vítima e da Conselheira.
Prosseguindo em sua declarações, a Sra. Marinalva destacou as seguintes
ocorrências:
“Que uma coisa que lhe chama a atenção é que logo depois do
ocorrido com a adolescente, quando chegou na casa da adolescente
estavam várias pessoas ligadas ao Liberalino, por exemplo o Roney, que
estava logo na entrada da casa, e dentro da casa estava a Amazonina,
falando com a adolescente que ‘era bom esclarecer esse negócio. Para
descobrir quem tinha feito isso, que havia pessoas inocentes no meio
disso, indicando que possivelmente seria algum empregado da Isolux
(empresa recente na cidade) por serem de fora do município, agressivos,
etc’; Que, depois de tudo isso, umas das mães das adolescentes lhe
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 947
procurou no Conselho Tutelar, porque estavam falando que sua fi lha iria
ser a próxima vítima; Que acompanhou a mãe até a delegacia ....” (na
seqüência, a declarante relata a postura da investigadora Alessandra
que sempre se recusou a registrar essa nova possível ameaça e ainda
tentou intimidar a própria Conselheira). Destaquei
Em relação aos fatos ocorridos no município após a concessão da liberdade
provisória aos denunciados, a declarante ainda esclareceu que:
Que depois da situação da agressão na adolescente, as pessoas
denunciadas começaram a entrar em contato com as outras
adolescentes, para que voltassem atrás nos depoimentos; Que o
Delegado começou a ouvir as adolescentes mesmo sem a presença do
Conselho Tutelar (...) Que depois o Conselho de Direito todos “cartas
marcadas” pelo prefeito Liberalino solicitou do Conselho Tutelar tudo
que envolvia o processo de pedofi lia e envolvendo o nome de Liberalino;
Que as outras Conselheiras já haviam feito a resposta faltando somente
a assinatura da declarante; Que no ofício resposta estava claramente
uma defesa pronta para Liberalino, não deveria responder para eles,
uma vez que nunca se interessaram por nenhum caso de pedofi lia na
região e não serem de confi ança, além de não expressar qual a fi nalidade
do documento (...). Destaquei
Na seqüência, a Conselheira relata a triste realidade daqueles que se
dispõem a lutar contra o crime organizado, que fi cam à mercê da própria sorte
pois o Estado não é capaz de garantir a efetiva proteção e segurança dessas
pessoas, como ocorreu no caso ora narrado:
‘Que em relação à Conselheira Mariza, uma das principais
denunciantes e testemunha no processo, hoje ela se encontra no
Programa de Proteção À Testemunha - Provita, em virtude de denúncias
sobre pedofilia, mas, mesmo assim continua sendo procurada por
pessoas ligadas a Liberalino e ao Leray; Que duas pessoas, ligadas ao
Líber e Leray, estiveram em Santarém e em Macapá na casa de duas
cunhadas da Mariza, fazendo procuração dela, que precisavam muito
falar com ela, que era para que ela se apresentasse porque eles vão
encontrar; Uma dessas pessoas, sendo cunhado do Pedro Paulo,
ligado ao Liberalino e Leray; Que sua preocupação é muito grande em
relação a sua situação e de seus familiares, no que diz respeito à sua
integridade física, pois enquanto a Mariza, estando sob a proteção do
Provita, mesmo assim ainda é vigiada, o que dizer da declarante e de
seus familiares, que não contam atualmente com nenhuma proteção”.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
948
O trecho abaixo transcrito retrata o que, de fato aconteceu após a liberdade
provisória de Liberalino e seus comparsas, ou seja, as testemunhas e pessoas
que representavam uma mínima garantia de proteção às mesmas, como o
pároco da cidade e as Conselheiras Tutelares, passaram a ser intimidados:
“Que depois que os denunciados foram soltos, todas as testemunhas
e denunciantes começaram a sofrer intimidações; Que são soltados
fogos diariamente em Vitória do Xingu, com oque a comemorar a saída
da prisão dos denunciados; Que soltaram pistolas a noite toda em frente
a sua casa e seu marido, que é hipertenso, passou mal; Que há um bar
na frente de sua casa e que virou ponto de encontro de partidários de
Liberalino; que sente muita insegurança; Que não tem mais forças
para lutar; Que ao que sabe, pelo acordo judicial, eles não poderiam
aproximar-se das testemunhas nem entrar em contato comentário
órgãos públicos, porém isso não vem ocorrendo, sendo flagrante a
intimidação”. Destaquei
A situação acima demonstra que a única medida apta a trazer a segurança
e a tranqüilidade necessárias à comunidade e, principalmente, aos que são
testemunhas e colaboradores na investigação dos graves crimes praticados é o
acautelamento prisional do prefeito afastado Liberalino Ribeiro de Almeida
Neto, ao se considerar o enorme poder que o mesmo detém na comunidade,
não apenas em relação aos moradores do município, pessoas humildes e
batalhadoras, mas também em relação a policiais e membro Ministério Público
local, ora investigado pelas autoridades competentes.
O denunciado Liberalino fez tabula rasa da decisão que lhe concedeu a
liberdade provisória e, diretamente ou por interpostas pessoas, vêm praticando
atos atentatórios à regular tramitação das investigações, principalmente para
intimidar as testemunhas e fazê-la voltar atrás nos seus depoimentos.
[...]
Não podemos nos esquecer que a prisão preventiva tem como uma de
suas razões de ser a proteção da sociedade, impedindo o acusado de continuar
a cometer novos delitos e de difi cultar a apuração daqueles dos quais é acusado.
Os fatos comunicados a este Juízo pelo Ministério Público, acima
transcritos, deixam claro que o paciente, a despeito das medidas restritivas
deferidas por este Juízo, continua exercendo ainda grande infl uência política e
administrativa na cidade.
Entendo assim, numa análise mais aprofundada e diante dos fatos presentes
nos autos, que as medidas cautelares do art. 319, III e VI, do Código de
Processo Penal são insufi cientes para resguardar a instrução criminal e garantir a
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ordem pública, havendo fundamento idôneo e sufi ciente para justifi car a prisão
preventiva do paciente, mormente diante da necessidade também de se evitar
que o acusado cometa novos delitos.
Transcreve-se, por fim, excerto do parecer ministerial, da lavra do
Subprocurador-Geral da República Hugo Gueiros Filho (fl . 812):
[...]
7. A decisão impugnada (fl s. 19-79 e-STJ) que manteve a segregação preventiva
do paciente é irretocável, uma vez que está sufi cientemente fundamentada, em
face das circunstâncias do caso concreto.
8. A prisão do paciente faz-se necessária, inicialmente, para garantir a ordem
pública, em razão da gravidade concreta das condutas praticadas (estelionato
qualifi cado, quadrilha, falsidade ideológica, peculato, apropriação de bens ou
rendas públicas, desvio ou aplicação indevida de rendas ou verbas públicas
e crimes contra o processo licitatório - fl . 427 e-STJ), além da periculosidade,
demonstrada pelas circunstâncias e audácia empregadas na execução dos crimes,
assim como nos atos posteriores.
9. A custódia preventiva, baseada na preservação da ordem pública (art. 312,
do CPP), é medida útil e necessária ao caso concreto, vez que, além de evitar a
reiteração delituosa, concorre para conter outros delitos a que está propenso o
paciente, em face de sua manifesta periculosidade.
10. Ademais, há notícia nos autos de que o paciente, juntamente com outras
pessoas, ameaçou testemunhas.
[...]
Por derradeiro, cassada a liminar, não mais subsiste a decisão que estendeu
seus efeitos aos demais investigados.
Ante o exposto, conheço parcialmente do habeas corpus e, nessa parte, denego
a ordem, tornando sem efeito a liminar e a decisão que estendeu seus efeitos aos
demais investigados.
HABEAS CORPUS N. 241.302-SP (2012/0090363-5)
Relatora: Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora
convocada do TJ-PE)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
950
Impetrante: Benedito Gaspar Gusmão Filho
Advogado: Marco Antonio José Sadeck e outro(s)
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Paciente: Benedito Gaspar Gusmão Filho
EMENTA
Habeas corpus substitutivo de revisão criminal. Não cabimento.
Inexistência de manifesto constrangimento ilegal evidenciado.
Facilitação de contrabando ou descaminho. Art. 318 do CP. Alteração
na dosimetria da pena. Eventual prescrição. Não ocorrência.
1. Na esteira dos recentes precedentes do Supremo Tribunal
Federal e desta Corte Superior de Justiça, é incabível o habeas corpus
substitutivo de revisão criminal. As hipóteses de cabimento do writ
são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja
utilizado em substituição ao recurso cabível. Precedentes.
2. A inadequação da via eleita, contudo, não desobriga este
Tribunal Superior de, ex offi cio, fazer cessar manifesta ilegalidade que
importe no cerceamento do direito de ir e vir do paciente.
3. Na espécie, inexiste ilegalidade manifesta a ser sanada
mediante a concessão de habeas corpus de ofício. A decisão
condenatória que fi xou a pena defi nitiva em 4 anos e 4 meses de
reclusão pela prática do crime de facilitação de contrabando e
descaminho restou devidamente fundamentada, fazendo constar que
o ora paciente, agente da polícia federal, utilizou-se de automóvel
particular com placa fria e armas de origem ilegal para facilitar
a introdução no território nacional de enorme quantidade de
mercadorias estrangeiras, que incluíam duzentas e vinte e quatro
garrafas de champanhe; duas mil, cento e setenta e oito caixas de
uisque de marcas variadas; seiscentas e quarenta garrafas de vodka
de várias marcas e doze garrafas de conhaque. No total são três mil
e cinquenta e quatro garrafas de bebida. Tal carga foi avaliada em
montante equivalente a R$ 282.200,00.
4. Habeas corpus não conhecido.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do
habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. A Sra. Ministra
Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião
Reis Júnior e Assusete Magalhães votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-
PE), Relatora
DJe 1º.3.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada
do TJ-PE): Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, substitutivo de
revisão criminal, impetrado em benefício de Benedito Gaspar Gusmão Filho,
apontando como autoridade coatora o eg. Tribunal Regional Federal da 3ª
Região que, ao negar provimento ao apelo defensivo do paciente (Apelação n.
08284046319874036111), apenas alterou, ex offi cio, o valor do dia-multa para o
mínimo legal e manteve hígida sentença de primeiro grau que, condenando-o
a pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime
previsto no art. 318 do Código Penal, fi xou o regime inicial semiaberto para o
cumprimento da reprimenda.
Consta dos autos que o ora paciente e o corréu Mário Jorge Fernandes
Pires, então agentes da polícia federal, foram denunciados, regularmente
processados e condenados pela prática, em maio de 1987, do crime de facilitação
de contrabando ou descaminho previsto no artigo 318 do Código Penal.
O Juízo de piso julgou procedente o pedido acusatório para condenar o
ora paciente, como antecipado, à pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de
reclusão, em regime semiaberto, pela prática do crime tipifi cado no artigo 318
do Código Penal.
Inconformada com o teor da r. sentença proferida, a defesa manejou
recurso de apelação, alegando a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
952
com base na pena mínima prevista para o tipo penal, anteriormente à alteração
do artigo 318 pela Lei n. 8.137/1990, bem como a alteração da dosimetria
penal. Para tanto, afi rmou que os elementos utilizados para o aumento da pena
base constituem elementos objetivos do tipo, não podendo ser considerados,
sob pena de bis in idem. Aduziu que os acusados, enquanto policiais federais,
têm permissão para o uso de armas especiais e pleiteou a inaplicabilidade das
modifi cações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990.
A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negou provimento ao apelo, nos termos da seguinte ementa
(e-STJ fl s. 23-35):
Penal. Apelação criminal. Facilitação de contrabando. Art. 318 CP.
Inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990. Pedido não
conhecido. Falta de interesse recursal. Alegação de prescrição pela pena mínima.
Descabimento. Materialidade e autoria comprovadas. Pena base mantida.
Alteração do valor do dia multa. Mínimo legal.
1. Apelação criminal contra sentença que condenou os corréus à pena de 4
(quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e 120
(cento e vinte dias multa) no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo, em razão
da prática do crime tipifi cado no artigo 318 do Código Penal.
2. O fato data de 16.5.1987, quando vigorava a redação original do artigo 318
do Código Penal, antes da alteração dada pela Lei n. 8.137/1990, o qual previa
uma pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. A sentença, por ocasião da fi xação
da pena, afastou de forma expressa as alterações trazidas com o advento da Lei n.
8.137/1990, observando a vigência dos dispositivos antigos, de modo que falta
interesse recursal nesse ponto. Pedido não conhecido.
3. Inocorrência da prescrição. Quando proferida sentença, o prazo prescricional
é contado de acordo com a pena cominada no decisum, nos termos do artigo 110
do Código Penal. A pena concretizada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro)
meses de reclusão, pelo que o prazo a ser observado é o constante do artigo 109,
inciso III, do Código Penal, isto é 12 (doze) anos.
4. Portanto, não se verifica a prescrição, dado que entre a data do fato
(16.5.1987) e o recebimento da denúncia (19.8.1993), entre esta e a publicação
da sentença (15.5.2002), e entre a publicação da sentença e o julgamento deste
recurso não transcorreram mais de 12 (doze) anos.
5. Materialidade e autoria delitivas que se extraem dos documentos constantes
dos autos e depoimentos testemunhais.
6. Pena base mantida. Os policiais federais utilizaram-se de placas “frias” e de
armas de origem ilegal na operação, além disso as consequências do crime são
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 953
consideráveis, uma vez que a facilitação do contrabando se deu em relação a mais de
três mil garrafas de bebida, sendo certo que o valor da carga à época equivalia a um
mil e quatrocentos e onze salários mínimos.
7. Alteração do valor do dia-multa, tendo em vista que dos autos não consta
qualquer informação referente à situação fi nanceira do apelante, restando fi xado
no mínimo legal, isto é, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época
dos fatos.
8. Pedido de inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990
não conhecido. Preliminar de prescrição rejeitada. Apelação desprovida.
Alteração, ex offi cio, do valor do dia-multa.
Neste writ, pugna o impetrante pela diminuição da pena, exasperada em 2
anos e 4 meses acima do mínimo legal com base em circunstância elementar do
próprio tipo penal, bem como pelo reconhecimento da prescrição.
O Relator originário do feito, e. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador
convocado do TJ-RS), indeferiu o pedido liminar formulado na impetração
(e-STJ fl s. 43-44) e solicitou informações à autoridade competente.
Prestadas as informações (e-STJ fl s. 48-61, 63-227, 229-242 e 259-261),
foram-nos enviadas cópias da denúncia, da sentença, do recurso apelatório da
defesa e do respectivo acórdão de julgamento, dos embargos de declaração,
do recurso especial, do recurso extraordinário, bem como das decisão não
os admitindo. Ademais, foi informado que ocorreu o trânsito em julgado
da condenação para o ora paciente em 23.4.2012, motivo pelo qual foram
expedidos mandados de prisão em desfavor do ora paciente e do corréu.
Em contato telefônico com o Diretor de Secretaria da 1ª Vara Federal de
Marília-SP, Sr. Nelson, realizado em 8.1.2013, foi obtida a informação de que
o feito encontra-se sobrestado no aguardo do cumprimento dos mandados de
prisão expedidos.
Foram os autos ao Ministério Público Federal, que emitiu parecer, da
lavra do Subprocurador-Geral da República, Dr. Oswaldo José Barbosa Silva,
opinando pelo não conhecimento do pedido, afi rmando que a sentença fi xou a
pena-base do paciente acima do mínimo legal, considerando as circunstâncias
de fato que envolveram a prática criminosa e que se afastam dos elementos do
tipo penal (e-STJ fl s. 272-276).
É o relatório.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
954
VOTO
A Sra. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada
do TJ-PE) (Relatora): As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não
se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao
recurso cabível, no caso, a revisão criminal. Nessa esteira, oportuna a colação, à
guisa de exemplo, do recentíssimo precedente:
Habeas corpus. Tráfico ilícito de entorpecentes. Dosimetria da pena. Via
inadequada. Writ substitutivo de recurso especial. Ausência de ilegalidade
manifesta. Pena-base acima do mínimo legal. Constrangimento ilegal. Não
ocorrência. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Quantidade e natureza da
droga. Quantum devidamente fundamentado. Ordem denegada.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de se
prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do writ são restritas,
não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição a
recursos ordinários (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco
como sucedâneo de revisão criminal.
2. Não é possível a impetração de habeas corpus substitutivo de recurso
especial. Para o enfrentamento de teses jurídicas na via restrita, imprescindível
que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação seja
evidente e independa de qualquer análise probatória.
3. O writ não foi criado para a finalidade aqui empregada, de rediscutir a
dosimetria da pena. Há que se utilizar o recurso cabível ou, após o trânsito em
julgado, a revisão criminal, se for o caso. A prevalecer tal postura, o recurso
especial tornar-se-á totalmente inócuo. Certamente não foi essa a intenção do
legislador constituinte ao prever o habeas corpus no art. 5º, LXVIII, da Constituição
Federal, e, em seu art. 105, III, definir as hipóteses de cabimento do recurso
especial ao Superior Tribunal de Justiça.
4. In casu, não se vislumbra ilegalidade manifesta a ser reconhecida, porquanto
o Colegiado estadual adotou fundamentos concretos para justifi car a exasperação
da pena-base acima do mínimo legal, não parecendo arbitrário o quantum
imposto, tendo em vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis,
bem como levando-se em consideração a quantidade e a natureza da droga
apreendida.
5. Ante a superveniência do trânsito em julgado da condenação, a ação
apropriada à espécie seria a revisão criminal, uma vez que que a via estreita
do writ não permite a desconstituição de sentença condenatória já coberta
pelo manto da coisa julgada, sobretudo quando a análise do tema demanda o
revolvimento de matéria fática.
6. Ordem denegada.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 955
(HC n. 164.793-DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,
julgado em 2.8.2012, DJe 15.8.2012).
Sob esta mesma ótica, merece destaque, ainda, a recente orientação do
Pretório Excelso sobre a questão. Com efeito, a Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC n. 107.436-MG, de
relatoria do e. Ministro Marco Aurélio, consolidando entendimento que já
vinha sendo construído no âmbito daquele Colegiado (HC n. 108.715, Rel.
Min. Marco Aurélio e HC n. 110.423, HC n. 107.882 e HC n. 108.399, estes
da relatoria do Ministro Luiz Fux), concluiu pela inadequação do habeas corpus
quando sugerido pela hipótese, inclusive, o manejo da revisão criminal.
Assim, à luz da novel orientação jurisprudencial, proveniente, agora, tanto
desta Corte Superior, quanto do Supremo Tribunal Federal, que reconhece ser
inadequada a utilização do remédio heróico em substituição à revisão criminal,
não merece conhecimento a presente impetração.
Ressalte-se, porém, que a inadequação da via eleita não desobriga esta
Corte Superior de fazer cessar, ex offi cio, manifesta ilegalidade que importe no
cerceamento do direito de ir e vir do paciente.
Na espécie sustenta o Impetrante a tese de que houve excessiva exasperação
da pena com base nos próprios elementos do tipo penal, tendo em vista ter sido
condenado à pena de 4 anos e 4 meses pela prática do crime tipifi cado no artigo
318 do CP ao tempo em que vigia a pena em abstrato de 2 a 5 anos de reclusão.
Pugna assim pela alteração na dosimetria da pena, bem como pelo consequente
reconhecimento da prescrição.
Vejam o teor da sentença condenatória no trecho em que interessa (e-STJ
fl s. 12-22):
Dito isto, resta apenas fixar o quantum da reprimenda a ser imposta aos
réus, fazendo a ressalva que, diante da data do fato, consideraremos as penas
cominadas ao art. 318 do CP, antes das modifi cações introduzidas pela Lei n.
8.137/1990. Neste aspecto, cumpre destacar desde logo a especial gravidade da
conduta objetivamente perpetrada por eles. Agindo em violação de seus deveres
funcionais, lograram facilitar a introdução, no território nacional, de uma enorme
quantidade de mercadorias estrangeiras, que incluíam duzentas e vinte e quatro
garrafas de champanhe; duas mil, cento e setenta e oito caixas de uisque de marcas
variadas; seiscentas e quarenta garrafas de vodka de várias marcas e doze garrafas
de conhaque. No total são três mil e cinquenta e quatro garrafas de bebida!!!
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
956
Esta carga foi avaliada em dois milhões, setecentos e oitenta e um mil unidades
da moeda então vigente (06/87), o que equivalia a um mil e quatrocentos e onze
salários mínimos da época (salário mínimo de junho/87: Cz$ 1.969,92). Trazendo
estes valores para unidades da moeda hoje vigente, temos um total de R$ 282.200,00.
Não é portanto um contrabando de bagatela, e podemos asseverar com segurança
terem os réus perpetrado uma conduta objetivamente muito grave. Some-se a
isto outros elementos objetivos que demonstram o especial dolo com que agiram,
demonstrando uma personalidade voltada à prática de crimes, notadamente a
preparação do auto particular com placas “frias” e uso de armas de origem ilegal na
operação (pistolas 9mm e 7,65mm, revólver 38, escopeta calibre 12). Por tudo isso,
nos sentimos autorizados a fi xar sua pena-base bem acima do mínimo legal: quatro
anos e quatro meses de reclusão, além do pagamento de cento e vinte dias multa,
cada qual no valor de um décimo de salário mínimo.
Estando ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas
de diminuição ou aumento da pena, torno defi nitivo o quantum mencionado.
Os condenados poderão apelar em liberdade e iniciarão o cumprimento de
sua pena no regime semi-aberto.
Vejamos o consignado pelo Tribunal de origem (e-STJ fl s. 23-35):
Os apelantes Benedito Gaspar Gusmão Filho e Mário Jorge Fernandes Pires
foram denunciados como incursos nas penas do artigo 318, c.c. artigo 29, e 288,
parágrafo único, c.c. artigo 69 do Código Penal. O recorrente Benedito Gaspar
Gusmão Filho foi denunciado também pela prática do crime disposto no artigo
334 do Código Penal.
Entretanto, o juiz a quo os condenou apenas como incursos no artigo 318 do
Código Penal.
No recurso de apelo, os corréus suscitaram a ocorrência da prescrição pela
pena mínima e insurgiram-se contra a fixação da pena, pleiteando, ainda, a
inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n. 8.137/1990.
1. Do pedido de inaplicabilidade das alterações introduzidas pela Lei n.
8.137/1990.
O fato data de 16.5.1987, quando vigorava a redação original do artigo 318 do
Código Penal, antes da alteração dada pela Lei n. 8.137/1990, o qual previa uma
pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
Este pedido, contudo, não é de ser conhecido por falta de interesse recursal,
já que a sentença, por ocasião da fi xação da pena, afastou de forma expressa as
alterações trazidas com o advento da Lei n. 8.137/1990, observando a vigência
dos dispositivos antigos.
2. Da alegação de prescrição pela pena mínima.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 957
Da análise dos autos, tenho que não ocorreu o decurso do prazo da prescrição da
pretensão punitiva estatal.
Isto porque, quando proferida sentença, o prazo prescricional é contado de acordo
com a pena cominada no decisum, nos termos do artigo 110 do Código Penal.
Sendo assim, a pena concretizada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro)
meses de reclusão, pelo que o prazo a ser observado é o constante do artigo 109,
inciso III, do Código Penal, isto é 12 (doze) anos.
Portanto, não se verifi ca a prescrição, dado que entre a data do fato (16.5.1987) e
o recebimento da denúncia (19.8.1993 - fl . 382), entre esta e a publicação da sentença
(15.5.2002 - fl . 860), e entre a publicação da sentença e o julgamento deste recurso
não transcorreram mais de 12 (doze) anos.
Dessa forma, não é de ser reconhecida a ocorrência da prescrição da pretensão
punitiva estatal.
3. Da materialidade delitiva e da autoria.
Da análise dos autos, tenho que estão suficientemente demonstradas a
materialidade do crime do artigo 318 do Código Penal, bem como a sua autoria.
O objeto material do delito de facilitação de contrabando e descaminho
é extraído pelo exame pericial efetuado pela Polícia Civil do qual constam,
inclusive, fotos do caminhão-tanque que servia de transporte para os produtos
contrabandeados, os quais foram encontrados camufl ados no tanque falso do
veículo (fl s. 88-98). Esse laudo foi posteriormente ratifi cado pelo laudo da Polícia
Federal acostado às fl s. 243-254.
A autoria, por outro lado, se verifica sobretudo pelos depoimentos
testemunhais. À fl . 446-447, consta depoimento de Jayme Petra de Mello Filho,
Delegado Federal aposentado, à época chefe imediato dos acusados, no sentido
de que os corréus não possuíam qualquer ordem de missão a ser cumprida na região
em que foram encontrados:
Que, à época dos fatos, era chefe da Seção de Operações da Delegacia
de Ordem Política e Social da Polícia Federal; que, à época dos fatos, os
acusados eram agentes federais lotados na mencionada delegacia e Seção,
subordinados diretamente ao depoente; que, geralmente, os agentes
federais recebem ordens de missão, para executar diligências; que, às
vezes, os agentes passam de manhã na Delegacia, pegam as ordens de
missão e saem para cumpri-las, voltando ou não ao serviço; que não foi
emitida qualquer ordem de missão para os acusados, para o cumprimento
de diligências, durante o fi m de semana e nenhuma nos últimos tempos a
ser cumprida na região de Bauru ou qualquer região da grande São Paulo;
que os acusados não lhe pediram para se ausentar da sede de trabalho,
bem como não deu qualquer determinação verbal, para que os acusados
efetivassem diligências.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
958
Ainda, os depoimentos de fls. 547-552 confirmam que os corréus
demonstravam cumplicidade com os responsáveis pelo contrabando, quando
foram vistos conversando no posto, ocasião em que o gerente do posto Bela
Vista, na região de Ourinhos-SP, acionou os policiais militares, que começaram a
observar a movimentação dos suspeitos:
que eram por volta das 22:30 horas e o depoente combinou com o Sargento
Medeiros encontro no Posto Rodoviário, próximo ao Posto Bela Vista; que então
o Sarente Medeiros comunicou ao depoente que suspeitava de pessoas que se
encontravam no Auto Posto Bela Vista; que o Sargento Medeiros a pedido do
Gerente daquele Auto Posto compareceu no local e encontrou uma pessoa que
se apresentou como Agente Federal, que estava armada e alegava estar com o
veículo monza danifi cado. (Claudecir Zanetti - fl s. 547-548).
realizava patrulhamento de rotina pela cidade, em companhia de seus
colegas de farda Sargento Medeiros e soldados Lucio e Adão, quando
receberam comunicação de pessoas em atitudes suspeitas no auto posto
Bela Vista; que a viatura foi dirigida até aquele posto, ocasião em que os réus,
pessoas que o depoente reconhece nesta sala de audiências foram abordados.
(Sidney Fernandes - fl . 549).
que o depoente na época do fato denunciado trabalhava como Gerente
do Auto Posto Cometa localizado em Salto Grade localizado nesta comarca;
que em dia que o depoente não se recorda, mas que lhe pareceu ser num
sábado surgiram três pessoas num automóvel que o depoente não se recorda;
que essas pessoas pediram o telefone do Posto do depoente; que o depoente
cedeu o telefone e então observou que eles mantinham conversa estranha,
pois verbalizavam palavras sem nexo, (...) como que se estivessem falando em
código; que o depoente fi cou desconfi ado e comunicou o ocorrido a polícia;
que a polícia ocorreu ao local e abordou aquelas pessoas que se identifi caram
como agentes federais. (Helton Ângelo Bomtempo - fl . 551).
Além disso, a atitude dos corréus de utilizarem um carro com a placa original
camuflada por uma placa falsa (fl. 258) corrobora o fato de terem facilitado o
contrabando dos produtos estrangeiros.
Demais, a sentença refere que os corréus já atuavam na região:
Em seus interrogatórios perante o juízo, eles negaram com energia sua
estadia na mesma região do interior do Estado poucos dias antes de sua prisão,
em circunstâncias que, no tudo e por tudo, eram absolutamente análogas
àquelas no dia dos fatos descritos na exordial. Mas as testemunhas Milton
Moisés da Cunha (fls. 550) e João Rissi (fls. 167 verso) confirmaram com
certeza uma abordagem do acusado Benedito Gaspar no auto posto
Cometa, coisa que se deu um ou dois dias antes de sua prisão. (fl . 856).
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 959
Portanto, os apelantes, como Policiais Federais, tinham o dever de coibir
a prática do contrabando e descaminho, entretanto, ao contrário, no caso
em apreço, os funcionários permitiram a sua ocorrência, razão pela qual são
considerados sujeitos ativos do crime.
4. Da fi xação da pena.
A pena base fi xada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de
reclusão e 120 (cento e vinte) dias-multa, no valor de 1/10 (um décimo) do salário
mínimo, sob o seguinte fundamento:
Dito isto, resta apenas fi xar o quantum da reprimenda a ser imposta aos
réus, fazendo a ressalva que, diante da data do fato, consideraremos as penas
cominadas ao art. 318 do CP, antes das modifi cações introduzidas pela Lei n.
8.137/1990. Neste aspecto, cumpre destacar desde logo a especial gravidade
da conduta objetivamente perpetrada por eles. Agindo em violação de seus
deveres funcionais, lograram facilitar a introdução, no território nacional, de
uma enorme quantidade de mercadorias estrangeiras, que incluíam duzentas
e vinte e quatro garrafas de champanhe; duas mil, cento e setenta e oito caixas
de uísque de marcas variadas; seiscentas e quarenta garrafas de vodka de
várias marcas e doze garrafas de conhaque. No total são três mil e cinqüenta e
quatro garrafas de bebida!!!
Esta carga foi avaliada em dois milhões, setecentos e oitenta e um
mil unidades de moeda então vigente (06/87), o que equivalia a um mil e
quatrocentos e onze salários mínimos da época (salário mínimo de junho/1987:
Cz$ 1.969,92). Trazendo estes valores para unidades da moeda hoje vigente,
temos um total de R$ 282.200,00. Não é portanto um contrabando de
bagatela, e podemos asseverar com segurança terem os réus perpetrado
uma conduta objetivamente muito grave. Some-se a isto outros elementos
objetivos que demonstram o especial dolo com que agiram, demonstrando
uma personalidade voltada à prática de crimes, notadamente a preparação
do auto particular com placas “frias” e o uso de armas de origem ilegal na
operação (pistolas 9mm. E 7,65mm., revólver 38, escopeta calibre 12). Por tudo
isso, nos sentimos autorizados a fi xar sua pena-base bem acima do mínimo
legal: quatro anos e quatro meses de reclusão, além do pagamento de cento e
vinte dias multa, cada qual no valor de um décimo do salário mínimo.
Os apelantes pedem a diminuição da pena base ao argumento de que os
elementos considerados para sua majoração integram o próprio tipo penal, não
podendo ser levados em consideração, sob pena de bis in idem.
De fato, a violação de dever funcional por parte dos corréus constitui elemento
do próprio tipo penal, o que, portanto, não pode ser levado em conta para a
majoração da pena base. Entretanto, entendo que esta deve permanecer fi xada
tal como na sentença diante das circunstâncias em que o crime foi cometido e
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
960
das consequências que decorreram da sua prática, conforme fundamentado no
decisum.
Os policiais federais utilizaram-se de placas “frias” e de armas de origem ilegal na
operação, além disso as consequências do crime são consideráveis, uma vez que a
facilitação do contrabando se deu em relação a mais de três mil garrafas de bebida,
sendo certo que o valor da carga à época equivalia a um mil e quatrocentos e onze
salários mínimos.
Assim, levando em conta a redação do artigo 318 do Código Penal, antes da
sua alteração pela Lei n. 8.137/1990, mantenho a pena base fi xada em 4 (quatro)
anos e 4 (quatro) meses de reclusão e o pagamento de 120 (cento ) dias-multa.
Sem agravantes ou atenuante, nem causas de aumento ou diminuição da
pena, torno defi nitiva a pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e o
pagamento de 120 (cento ) dias-multa.
Contudo, deve ser alterado o valor do dia-multa, tendo em vista que dos autos
não consta qualquer informação referente à situação financeira do apelante.
Portanto, fi xo o valor do dia-multa no mínimo legal, isto é, 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época dos fatos.
Ante o exposto:
1) não conheço do pedido de inaplicabilidade das alterações introduzidas pela
Lei n. 8.137/1990;
2) rejeito a preliminar de prescrição da pretensão punitiva pela pena mínima;
3) nego provimento à apelação.
4) altero, de ofício, o valor do dia-multa, fi xando-o em 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo vigente à época dos fatos.
É o voto”.
A teor do que dispõe o art. 59 do Código Penal Brasileiro, o juiz,
atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade
do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como
ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e sufi ciente
para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre as cominadas.
Tal decisão deve estar fundamentada em elementos concretos dos autos,
próprios da conduta delitiva do criminoso na situação examinada. Na espécie,
verifica-se que o julgador monocrático proferiu decisão fundamentada ao
exasperar a pena-base, valendo-se de elementos idôneos, quais sejam, o fato de o
paciente, agente da polícia federal, juntamente com seu comparsa, ter utilizado
automóvel particular com placa fria e armas de origem ilegal para facilitar
a introdução no território nacional de enorme quantidade de mercadorias
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 961
estrangeiras, que incluíam duzentas e vinte e quatro garrafas de champanhe;
duas mil, cento e setenta e oito caixas de uisque de marcas variadas; seiscentas
e quarenta garrafas de vodka de várias marcas e doze garrafas de conhaque. No
total são três mil e cinquenta e quatro garrafas de bebida. Tal carga foi avaliada
em montante equivalente a R$ 282.200,00.
No mesmo sentido, o Tribunal a quo manteve a pena fi xada em primeira
instância em 4 anos e 4 meses de prisão em regime semi-aberto pelo fato de
“Os policiais federais utilizaram-se de placas ‘frias’ e de armas de origem ilegal na
operação, além disso as consequências do crime são consideráveis, uma vez que a
facilitação do contrabando se deu em relação a mais de três mil garrafas de bebida,
sendo certo que o valor da carga à época equivalia a um mil e quatrocentos e onze
salários mínimos.”
Diante disso, tem-se por devidamente motivadas as decisões primevas de
forma a não merecer qualquer reparo.
A propósito, destaca-se que, em situações análogas ou assemelhadas à
presente, esta Corte vem também assim decidindo:
Habeas corpus. Denunciação caluniosa. Pena-base fi xada acima do mínimo
legal. Regime prisional inicial fechado. Indicação de circunstâncias judiciais
desfavoráveis. Constrangimento ilegal. Inexistência. Ordem denegada.
1. Havendo a indicação de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao paciente, é
possível, tanto a fi xação da pena-base acima do patamar mínimo previsto na lei,
quanto do regime fechado para o início de cumprimento da reprimenda.
2. Ao estabelecer a pena-base acima do patamar mínimo e fi xar o regime
prisional inicial fechado, a juíza sentenciante apontou concretamente a
existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, notadamente os motivos, as
circunstâncias e as conseqüências do crime.
3. Na hipótese, a vítima acabou fi cando presa injustamente por cerca de dois
meses, em razão da trama engendrada pelo ora paciente e sua comparsa, não
havendo dúvidas de que as conseqüências do delito foram de grande monta.
4. Ordem denegada.
(HC n. 79.160-SP, de minha Relatoria, Julgado em 13.11.2012/ DJe 28.11.2012).
Penal. Habeas corpus. Roubo majorado, estupro e atentado violento ao pudor.
Dosimetria. Pena-base acima do mínimo legal. Ausência de fundamentação em
relação ao delito de roubo.
I - omissis.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
962
II - Não há ilegalidade no decreto condenatório que, analisando o art. 59, do CP,
verifica a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis aptas a embasar a
fi xação da pena-base acima do mínimo legal. (Precedentes).
III - omissis.
IV - Dessa forma, (...) constata-se que foi fi xada a pena-base acima do patamar
mínimo, mas com fundamentação concreta e dentro do critério da discricionariedade
juridicamente vinculada, baseada principalmente no modus operandi, nas
circunstâncias e conseqüências do crime. Não há, portanto, como proceder a
qualquer reparo em sede de habeas corpus.
Writ parcialmente concedido.
(HC n. 98.418-DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 6.5.2008,
DJe 4.8.2008);
Pena-base (fixação acima do mínimo legal). Ilegalidade (não-ocorrência).
Circunstâncias judiciais não-favoráveis (caso).
1. Quando da fi xação da pena, o juiz estabelecerá a pena-base levando em conta
as circunstâncias previstas no art. 59 do Cód. Penal.
2. Sendo desfavoráveis as circunstâncias judiciais, correta a fi xação da pena-base
acima do mínimo legal.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 757.261-RS, Relator Ministro
Nilson Naves, DJ de 19.12.2007);
Por fi m, no que toca ao pedido de decretação da prescrição, melhor sorte
não socorre ao paciente.
Isto porque, quando proferida sentença, o prazo prescricional era contado
de acordo com a pena cominada no decisum, nos termos do artigo 110 do
Código Penal.
Assim, a pena concretizada na sentença foi de 4 (quatro) anos e 4 (quatro)
meses de reclusão, pelo que o prazo a ser observado é o constante do artigo 109,
inciso III, do Código Penal, isto é 12 (doze) anos.
Portanto, não se verifica a prescrição, dado que entre a data do fato
(16.5.1987) e o recebimento da denúncia (19.8.1993 - fl . 382), entre esta e a
publicação da sentença (15.5.2002 - fl . 860), e entre a publicação da sentença e
o julgamento deste recurso não transcorreram mais de 12 (doze) anos.
Ante o exposto, não conheço do presente writ.
É como voto.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 963
HABEAS CORPUS N. 246.649-SP (2012/0130641-1)
Relatora: Ministra Assusete Magalhães
Impetrante: Heleni de Souza Xarrua
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Vlademir Francisco de Assis (preso)
EMENTA
Penal e Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso
ordinário. Duplo crime de homicídio qualifi cado – nas modalidades
tentada e consumada, praticados contra policiais militares – e
formação de quadrilha armada (art. 121, § 2º, I e IV, art. 121, § 2º,
I e IV, c.c. art. 14, II, e art. 288, parágrafo único, todos do Código
Penal, em concurso material e na forma da Lei n. 9.034/1995).
Utilização do remédio constitucional como sucedâneo de recurso. Não
conhecimento do writ. Precedentes do Supremo Tribunal Federal
e do Superior Tribunal de Justiça. Paciente preso temporariamente,
em 1º.7.2006, convertida a segregação, em 28.8.2006, em prisão
preventiva, mantida pela sentença de pronúncia. Acórdão do Tribunal
de 2º grau, que denegou a ordem, mantendo a prisão, decorrente da
sentença de pronúncia, prolatada em 4.9.2009. Excesso de prazo não
imputável ao judiciário. Razoabilidade. Complexidade do feito, que
envolve 19 acusados e imputação de prática de vários delitos. Suposto
integrante de organização criminosa. Pendência de julgamento dos
recursos em sentido estrito, interpostos pelas defesas. Precedentes
do STJ. Ausência de manifesta ilegalidade, a ensejar a concessão de
habeas corpus, de ofício. Ordem não conhecida, com recomendação.
I. Dispõe o art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal que será
concedido habeas corpus “sempre que alguém sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção,
por ilegalidade ou abuso de poder”, não cabendo a sua utilização como
substitutivo de recurso ordinário, tampouco de recurso especial, nem
como sucedâneo da revisão criminal.
II. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao
julgar, recentemente, os HCs n. 109.956-PR (DJe de 11.9.2012) e
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
964
n. 104.045-RJ (DJe de 6.9.2012), considerou inadequado o writ,
para substituir recurso ordinário constitucional, em Habeas corpus
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, reafi rmando que o remédio
constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de
banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal.
III. O Superior Tribunal de Justiça também tem reforçado a
necessidade de se cumprir as regras do sistema recursal vigente, sob
pena de torná-lo inócuo e desnecessário (art. 105, II, a, e III, da
CF/1988), considerando o âmbito restrito do habeas corpus, previsto
constitucionalmente, no que diz respeito ao STJ, sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nas
hipóteses do art. 105, I, c, e II, a, da Carta Magna.
IV. Nada impede, contudo, que, na hipótese de habeas corpus
substitutivo de recursos especial e ordinário ou de revisão criminal
– que não merece conhecimento –, seja concedido habeas corpus, de
ofício, em caso de fl agrante ilegalidade, abuso de poder ou decisão
teratológica.
V. In casu, contudo, não há manifesto constrangimento ilegal,
passível da concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
VI. É certo que a prisão preventiva, medida de caráter excepcional,
somente pode ser decretada quando devidamente amparada em fatos
concretos, que demonstrem a presença dos requisitos legais, em
observância ao princípio constitucional da presunção de inocência,
sob pena de antecipar reprimenda a ser cumprida, no caso de eventual
condenação, respeitando-se, de toda forma, a razoabilidade, quanto ao
tempo de segregação cautelar do acusado.
VII. Todavia, o excesso de prazo, segundo o pacífi co entendimento
do Superior Tribunal de Justiça, deve ser aferido dentro dos limites da
razoabilidade, considerando circunstâncias excepcionais que venham
a retardar o término da instrução criminal ou do processo, não se
restringindo à simples soma aritmética de prazos processuais.
VIII. Tratando-se de Ação Penal complexa, na qual fi guram 19
acusados, em que se apura a suposta prática, em concurso material, de
dois delitos de homicídio duplamente qualifi cados (um, consumado, e
o outro, tentado), além de formação de quadrilha armada, nos termos
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 965
da Lei n. 9.034/1995, cometidos por suposto integrante da facção
criminosa intitulada Primeiro Comando da Capital, não há falar em
excesso de prazo injustifi cado, sobretudo porque o paciente já foi
pronunciado e há pendência de julgamento, pelo Tribunal de origem,
de vários Recursos em Sentido Estrito, interpostos pela defesa –
inclusive do paciente –, contra a sentença de pronúncia.
IX. O pedido de extensão da ordem, nos termos do art. 580
do Código de Processo Penal, deve ser requerido ao Tribunal de
origem – que concedeu habeas corpus, em favor de outros dois corréus,
e reconheceu o alegado excesso de prazo, na instrução do feito, antes
da sentença da pronúncia, em situação fática diversa da dos presentes
autos –, e não ao Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida
supressão de instância.
X. Habeas corpus não conhecido, com recomendação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, não conhecer do habeas corpus, com recomendação, nos termos do
voto da Sra. Ministra Relatora. Vencida a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis
Moura, que concedia ordem de ofício.
As Sras. Ministras Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora
convocada do TJ-PE), Maria Th ereza de Assis Moura e os Srs. Ministros
Og Fernandes e Sebastião Reis Júnior votaram com a Sra. Ministra Relatora,
quanto ao não conhecimento da ordem de habeas corpus.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
Brasília (DF), 21 de março de 2013 (data do julgamento).
Ministra Assusete Magalhães, Relatora
DJe 26.3.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Trata-se de habeas corpus, substitutivo
de recurso ordinário, impetrado, em 24.6.2012, em favor de Vlademir Francisco
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
966
de Assis, preso temporariamente, convertida a segregação em prisão preventiva, e
denunciado pela apontada prática dos delitos tipifi cados no art. 121, § 2º, I e IV,
art. 121, § 2º, I e IV, c.c. o art. 14, II, e art. 288, parágrafo único, todos do Código
Penal, em concurso material e na forma da Lei n. 9.034/1995, apontando, como
autoridade coatora, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Alega a impetrante que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal,
porque estaria “preso, por força de prisão temporária desde 28 de agosto de
2006”, convertida em prisão preventiva e mantida na sentença de pronúncia,
estando o feito “em fase de recurso em sentido estrito, junto à 2ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em razão de decisão de
pronúncia” (fl . 2e).
Salienta que foram impetrados “vários habeas corpus, perante a 2ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo” (fl . 2e), ao fundamento de excesso
de prazo, ordens que foram denegadas, a despeito de a referida Câmara ter
deferido pedido de habeas corpus, na mesma Ação Penal de que trata o presente
writ, para relaxar, por excesso de prazo, a prisão cautelar de dois corréus, Adriano
Paulo da Costa e Anderson Paixão Bertoldo, tendo o paciente direito à extensão
da ordem concedida aos aludidos corréus, sob pena de ofensa ao princípio da
isonomia.
Por tais motivos, busca a impetrante, inclusive liminarmente, seja relaxada
a prisão do paciente, por excesso de prazo, considerando a ordem já concedida,
pelo Tribunal Estadual.
A liminar foi indeferida, a fl . 53e, pelo Ministro Ari Pargendler, então
Presidente do Superior Tribunal de Justiça.
Informações prestadas, pelo Tribunal de origem (fl s. 56-268e).
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-
Geral da República, Mauricio Vieira Bracks, opinou pela denegação da ordem
(fl s. 272-275e).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Assusete Magalhães (Relatora): Consoante relatado,
verifi ca-se que o presente pedido de Habeas corpus foi impetrado em substituição
a recurso ordinário, constitucionalmente previsto para impugnar acórdão
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 967
proferido por Tribunal de 2º Grau, quando denegatória a ordem, nos termos do
art. 105, II, a, da Constituição Federal.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, após o julgamento, pela
1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, dos HCs n. 109.956-PR (DJe de
11.9.2012) e n. 104.045-RJ (DJe de 6.9.2012) – quando se considerou incabível
o habeas corpus, para substituir recurso ordinário constitucional, contra denegação
da ordem, pelo STJ – , fi rmou entendimento pela inadequação do writ, para
substituir recursos especial e ordinário ou revisão criminal, reafi rmando que o
remédio constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de
banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal.
Confi ram-se, nesse sentido, os seguintes julgados do Superior Tribunal de
Justiça: HC n. 213.935-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe de
22.8.2012; e HC n. 150.499-SP, Rel. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura,
Sexta Turma, DJe de 27.8.2012.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também tem negado seguimento
a habeas corpus, substitutivos de recurso ordinário, com fulcro no art. 38 da Lei
n. 8.038/1990, quando inexiste fl agrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão
da ordem, de ofício (HC n. 114.550-AC, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de
24.8.2012; HC n. 114.924-RJ, Rel. Ministro Dias Toff oli, DJe de 28.8.2012).
Em caso de habeas corpus substitutivo de recursos especial e ordinário ou
de revisão criminal – que não merece conhecimento –, cumpre analisar, contudo,
em cada caso, se existe manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na
decisão impugnada, que implique ameaça ou coação à liberdade de locomoção
do paciente, a ensejar a concessão da ordem, de ofício.
In casu, contudo, não há manifesto constrangimento ilegal, passível da
concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
Por oportuno, transcrevo as informações prestadas pelo Tribunal de origem,
em 27.7.2012, in verbis:
Por fatos ocorridos aos 12 de maio de 2006, o ora paciente foi preso
temporariamente e denunciado nos autos da Ação Penal n. 309.01.2006.021049-0,
Controle n. 98/06, oriunda da Vara do Júri da Comarca de Jundiaí, por infringência ao
art. 121, § 2°, I e IV, art. 121, § 2°, I e IV, c.c. o art. 14, II, e art. 288, parágrafo único, todos
do Código Penal, c.c. o art. 1° e seguintes da Lei n. 9.034/1995, todos na forma do art.
69 da Lei Penal, sendo denunciados vários outros corréus por este e por outros delitos.
Aos 28 de agosto subsequente, foi decretada a prisão preventiva de todos os
acusados.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
968
Realizada a instrução e superadas as demais fases processuais, sobreveio decisão,
aos 4 de setembro de 2009, que pronunciou o acusado a fi m de ser submetido a
julgamento perante o Tribunal do Júri, por infringência ao art. 121, § 2°, I e IV, do
Código Penal, art. 121, § 2°, I e IV, c.c. o art. 14, II, ambos do referido Codex, art. 288,
parágrafo único, do Estatuto Penal, c.c. os arts. 1° e seguintes da Lei n. 9.034/1995,
tudo na forma do art. 69 da Lei Penal, sendo pronunciados diversos outros corréus
por estes e por outros delitos, vedado a todos o direito de aguardar o julgamento em
liberdade.
Contra a decisão de pronúncia insurgiram-se os réus.
Nesta Corte, o recurso em sentido estrito foi registrado sob o número 0021049-
39.2006.8.26.0309 (antigo número 990.10.433291-5). Presentemente, os autos estão
conclusos ao Desembargador Relator sorteado.
Esclareço, por oportuno, que, após a decisão de pronúncia proferida no
Juízo a quo, foram impetrados em favor do ora paciente, nesta Corte, os Habeas
Corpus n. 00070560-21.2010.8.26.0000 (antigo n. 990.10.070560-1), n. 0193408-
10.2010.8.26.0000 (antigo n. 990.10.193408-6) e n. 0234469-11.2011.8.26.0000
objetivando, em todos, a concessão da liberdade provisória sob a alegação de excesso
de prazo para a formação da culpa ante a não submissão a julgamento perante o
Tribunal do Júri.
Indeferidas as medidas liminares e processados os writs, a Segunda Câmara
Criminal, em sessões de julgamento realizadas, respectivamente, aos 17 de maio
de 2010, 26 de julho de 2010 e 13 de fevereiro de 2012, sem discrepância de votos,
denegou ordem à primeira impetração e não conheceu das demais impetrações.
Os acórdãos transitaram em julgado.
Cumpre-me esclarecer, que, anteriormente à mencionada decisão de pronúncia,
foram impetrados em favor dos corréus Adriano Paulo da Costa e Anderson Paixão
Bertoldo, mencionados na inicial desse writ, respectivamente, os Habeas Corpus n.
0065464-93.2008.8.26.0000 (antigo n. 990.08.065464-0) e Habeas Corpus n. 0147629-
66.2009.8.26.0000 (antigo n. 990.09.147629-3) objetivando a concessão da liberdade
provisória sob a alegação de injustifi cado excesso de prazo para a formação da culpa.
A Turma Julgadora, aos 22 de setembro de 2008, por unanimidade, apreciando
a primeira impetração, concedeu a ordem para relaxar a prisão em flagrante de
Adriano Paulo da Costa, garantindo-lhe o direito de aguardar solto o encerramento
do feito, determinada a expedição de alvará de soltura e, ainda, aos 24 de agosto
de 2009, por maioria de votos, concedeu ordem na segunda impetração para relaxar
a prisão preventiva do corréu Anderson Paixão Bertoldo, por excesso de prazo,
determinada a expedição de alvará de soltura, assinalando que poderá aguardar
solto o julgamento do processo, a menos que fato novo justifi que novo decreto
de prisão preventiva.
Os arestos resultaram irrecorridos (fl s. 57-59e).
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 969
Do que se depreende da inicial, ataca a impetrante o acórdão proferido
no julgamento do HC n. 990.10.070560-1 (numeração atual 0070560-
21.2010.8.26.0000), no qual o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
denegou a ordem, em 17.5.2010, pelos seguintes fundamentos:
Trata-se de impetração em favor de Vlademir Francisco de Assis, preso
cautelarmente desde 1º de julho de 2006 (prisão temporária, substituída por
preventiva e fi nalmente em razão de sentença de pronúncia), sob a acusação de
envolvimento numa série de homicídios praticados por integrantes de conhecido
movimento criminoso deste Estado (PCC).
Sustenta a douta impetrante que o paciente estaria sendo vítima de
constrangimento ilegal decorrente de injustifi cado excesso de prazo, pois preso há
quase quatro anos, não foi ainda submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri (fl s.
2-8).
Indeferido o pedido de liminar (fls. 110-111), o juízo prestou informações
confirmando que atualmente o paciente está preso em razão de sentença de
pronúncia que lhe negou o benefício de responder solto ao processo (fl s. 114-115).
A Egrégia Procuradoria Geral da Justiça ofereceu parecer pela denegação da
ordem (fl s. 117-123).
É o relatório.
Trata-se de processo com aproximadamente duas dezenas de réus, decorrente da
onda de ataques contra autoridades paulistas no mês de maio de 2006, sob comando
e patrocínio do criminoso movimento cognominado PCC.
Evidente que, diante do número de réus e das difi culdades naturais inerentes a tal
tipo de processo, que houve demora na prolatação da sentença de pronúncia, sem
que se possa afi rmar que foi ela desarrazoada.
Vige atualmente no Brasil, relativamente ao prazo de encerramento de
processos com réus presos, o chamado princípio da razoabilidade, previsto em
nossa Constituição Federal, artigo 5º, LXXVIII.
Portanto, não há mais falar em prazos rígidos e limitados, como era aquele
que estabelecia em oitenta e um dias o máximo admissível para encerramento da
instrução.
Evidentemente o que seja prazo razoável é questão das mais árduas e
imprecisas.
Entretanto, examinando-se caso a caso, sempre será possível verifi car se o
processo vem tendo andamento razoavelmente rápido ou não.
Como dito de início, as circunstâncias especialíssimas do processo impedem que
se diga afrontado tal princípio constitucional.
A sentença de pronúncia já foi prolatada, em 4 de setembro de 2009, e assim
sendo, já não há falar em excesso de prazo, observando-se que naturalmente o
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
970
juízo de origem tomará providências para que cada réu seja julgado pelo Tribunal
do Júri o mais rapidamente possível, promovendo-se tantos desmembramentos
quantos forem necessários para tanto.
Até o momento, para mim não há constrangimento ilegal por excesso de
prazo.
Por outro lado, a sentença contem adequada e concreta fundamentação para
denegação do benefício de aguardar em liberdade o julgamento pelo Júri.
Assim sendo, denego a ordem, comunicando-se (fl s. 184-186e).
Os outros dois habeas corpus (HCs n. 990.10.193408-6 e n. 0234469-
11.2011.8.26.0000), impetrados no Tribunal a quo, em favor do paciente, em que
se alegava também excesso de prazo na prisão cautelar, não foram conhecidos,
o primeiro, por se tratar de mera reiteração do HC n. 990.10.070560-1, cujo
acórdão ora se ataca, e o segundo, por ser o Relator a autoridade impetrada (fl s.
204-207e e 251-255e).
Com efeito, a prisão preventiva, medida de caráter excepcional, somente
pode ser decretada quando devidamente amparada em fatos concretos, que
demonstrem a presença dos requisitos legais, em observância ao princípio
constitucional da presunção de inocência, sob pena de antecipar reprimenda a
ser cumprida no caso de eventual condenação, devendo, ainda, ser observada a
razoabilidade, quanto ao tempo de segregação do acusado.
Nesse contexto, por se tratar, justamente, de prisão provisória, havendo
excesso injustifi cado para a conclusão do feito, não imputável à defesa, deve o
réu ser liberado, a fi m de que responda ao processo em liberdade.
Todavia, o excesso de prazo, segundo o pacífi co entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, deve ser aferido dentro dos limites da razoabilidade,
considerando circunstâncias excepcionais que venham a retardar o término da
instrução criminal ou do processo, não se restringindo à simples soma aritmética
de prazos processuais.
Vale destacar, quanto ao assunto, o entendimento fi rmado nas seguintes
Súmulas:
Pronunciado o réu, fi ca superada a alegação do constrangimento ilegal da
prisão por excesso de prazo na instrução (Súmula n. 21-STJ).
Encerrada a instrução criminal, fi ca superada a alegação de constrangimento
por excesso de prazo (Súmula n. 52-STJ).
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 971
Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução,
provocado pela defesa (Súmula n. 64-STJ).
In casu, consta da sentença de pronúncia (fl . 71e) que, em 1º.7.2006, foi
decretada a prisão temporária do paciente, prorrogada por decisão proferida
em 28.7.2006. Posteriormente, em 28.8.2006, foi decretada a prisão preventiva,
conforme decisão de fl . 37e.
Consta, do acórdão impugnado, que o paciente encontra-se preso
cautelarmente desde 1º.7.2006, por força de prisão temporária, convertida em
preventiva, e, fi nalmente, em razão de sentença de pronúncia, proferida em
4.9.2009 (fl . 184e).
O paciente foi denunciado, em 4.9.2006, pela suposta prática, em
concurso material, de dois delitos de homicídios duplamente qualifi cados (um,
consumado, e o outro, tentado), além de formação de quadrilha armada, nos
termos da Lei n. 9.034/1995, juntamente com outros 18 acusados, por estes e
outros crimes.
A denúncia, acostada a fl s. 138-165e, narra, no que interessa, in verbis:
Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 12 de maio de 2006, por
volta das 23:30 horas, na Rua Senador da Fonseca, na cidade e comarca de Jundiaí,
Marcos Antônio Roque, vulgo “Fião”, qualifi cado a fl s. 349-352, Juliano da Silva Dias,
vulgo “Cabelera”, qualifi cado a fl s. 279-283, Ricardo Alexandrino da Silva, vulgo
“Ricardinho”, qualifi cado a fl s. 322-326, Sérgio Eduardo de Castro, vulgo “Cabelinho”,
qualifi cado a fl s. 300-304, Vlademir Francisco de Assis, vulgo “Mirim”, qualifi cado
a fl s. 336-340, Paulo Sérgio Elídio, vulgo “Paulinho”, qualifi cado a fl s. 491, Fabiano
Michel Galvão, vulgo “Fabianinho” (já falecido, fato este ainda sem comprovação
nos autos), e um indivíduo conhecido pelo apelido de “Edinho Preto” (também
já falecido, fato também ainda sem comprovação nos autos), agindo todos em
concurso e unidade de propósitos, com intento homicida, por motivo torpe e uso
de recurso que difi cultou a defesa da vítima, mediante disparos de arma de fogo,
mataram o Policial Militar Nelson Pinto, neste produzindo os ferimentos descritos no
laudo de exame necroscópcio de fl s. 20-22, que foram a causa de sua morte.
Consta, ainda, que, no dia 12 de maio de 2006, por volta das 23:30 horas, na Rua
Senador da Fonseca, na cidade e comarca de Jundiaí, Marcos Antônio Roque, vulgo
“Fião”, qualifi cado a fl s. 349-352, Juliano da Silva Dias, vulgo “Cabelera”, qualifi cado
a fl s. 279-283, Ricardo Alexandrino da Silva, vulgo “Ricardinho”, qualifi cado a fl s.
322-326, Sérgio Eduardo de Castro, vulgo “Cabelinho”, qualifi cado a fl s. 300-304,
Vlademir Francisco de Assis, vulgo “Mirim”, qualificado a fls. 336-340, Paulo
Sérgio Elídio, vulgo “Paulinho”, qualifi cado a fl s. 491, Fabiano Michel Galvão, vulgo
“Fabianinho” (já falecido, fato este ainda sem comprovação nos autos), e um
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
972
indivíduo conhecido pelo apelido de “Edinho Preto” (também já falecido, fato
também ainda sem comprovação nos autos), agindo todos em concurso e unidade
de propósitos, com intento homicida, por motivo torpe e uso de recurso que difi cultou
a defesa da vítima, mediante disparos de arma de fogo, tentaram matar o Policial
Militar Marcos Henrique dos Santos Moraes, neste produzindo os ferimentos descritos
no laudo de exame de corpo de delito a ser oportunamente juntado aos autos, não
consumando o delito por circunstâncias alheias às suas vontades, eis que a vítima foi
socorrida e recebeu pronto e efi caz atendimento médico.
Consta, também, que Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”,
não qualificado nos autos, filho de Alejandro Juvenal Herbas Camanho e de
Rosita Serafim de Oliveira, nascido em 25 de janeiro de 1968, em Osasco-SP,
preso no CRP de Presidente Bernardes-SP, e Júlio César Guedes de Moraes,
vulgo “Julinho Carambola, não qualifi cado nos autos, fi lho de Sebastião da Silva
Moraes e de Antônia Guedes de Moraes, nascido em 3 de outubro de 1971, em
São Paulo-SP, preso na Penitenciária II de Presidente Venceslau-SP, concorreram,
de qualquer modo, para os crimes de homicídio e de tentativa de homicídio acima
mencionados, eis que, como dois dos líderes máximos da organização criminosa
conhecida como “Primeiro Comando da Capital” ou “PCC”, determinaram a todos
os seus integrantes que matassem todos os policiais, civis e militares, e demais
autoridades que encontrassem a partir do dia 12 de maio de 2006, no Estado de São
Paulo, ordem esta que foi encaminhada aos membros da referida facção da cidade de
Jundiaí e cumprida.
Consta, outrossim, que Rodrigo de Brito Ubaldo, vulgo “Dacova”, qualifi cado
a fls. 469-474, concorreu, de qualquer modo, para os crimes de homicídio e de
tentativa de homicídio acima mencionados, pois, como líder da organização
criminosa conhecida como “Primeiro Comando da Capital” ou “PCC” na região de
Jundiaí, recebeu a ordem de execução dos policiais militares e autoridades públicas,
convocou reunião de membros da facção na cidade de Jundiaí, retransmitiu-lhes as
ordens dos líderes máximos da organização e determinou-lhes que fossem cumpridas
de imediato, tentando dar pessoalmente cumprimento a elas.
(...)
Os crimes de homicídio consumado e de tentativa de homicídio acima
mencionados foram cometidos por motivo torpe, consistente na repugnante intenção
de eliminar o maior número possível de integrantes da força policial paulista e de dar
uma demonstração de força da organização criminosa autodenomimada “Primeiro
Comando da Capital” ou “PCC”, espalhando o terror entre a população do Estado de
São Paulo.
Os crimes de homicídio consumado e de tentativa de homicídio acima
mencionados foram cometidos com uso de recurso que difi cultou as defesas das
vitimas, pois estas tiveram o veículo em que se encontravam cercado por oito
indivíduos, em quatro motocicletas e, de imediato, sem que tivessem oportunidade
de esboçar qualquer reação, foram alvos de múltiplos disparos. `
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 973
Consta que, desde data incerta, mas com certeza no ano de 2006, na cidade de
Jundiaí, Rodrigo de Brito Ubaldo, vulgo “Dacova”, qualifi cado a fl s. 469-474, Gelson
Gomes, vulgo “Gelsinho”, qualifi cado a fl s. 592-598, Adriano Paulo da Costa, vulgo
“Balato”, Marcos Antônio Rogque, vulgo “Fião”, qualifi cado a fl s. 349-352, Juliano
da Silva Dias, vulgo “Cabelera”, qualificado a fls. 279-283, Ricardo Alexandrino
da Silva, vulgo “Ricardinho”, qualifi cado a fl s. 322-326, Sérgio Eduardo de Castro,
vulgo “Cabelinho”, qualificado a fls. 300-304, Vlademir Francisco de Assis,
vulgo “Mirim”, qualifi cado a fl s. 336-340, Paulo Sérgio Elídio, vulgo “Paulinho”,
qualifi cado a fl s. 491, Marcos Paulo Ferreira Lustosa, vulgo “Marquinho”, qualifi cado
a fl s. 634-638, Adriano Bezerra Messias, vulgo Piti, qualifi cado a fl s. 489, Eduardo
Alexandre da Silva, vulgo “Dú”, qualifi cado a fl s. 483, Anderson Paixão Bertoldo,
vulgo “Gordinho do Cecap”, qualifi cado a fl s. 497-501, Rodrigo Musseli Teles da Silva,
vulgo “Rodriguinho”, qualifi cado a fl s. 558-563, Henrique Daniel dos Santos, vulgo
“Sanguíneo”, qualifi cado a fl s. 198, e Fernanda Vetori Maria, qualifi cada 490, entre
outros indivíduos ainda não identifi cados, associaram-se, em quadrilha ou bando
armado, na forma de organização criminosa, para o fi m de cometer crimes.
(...)
Na semana que antecedeu o domingo conhecido como “Dias das Mães”, neste
ano de 2006, a liderança do “Primeiro Comando da Capital”, na qual se incluem
os denunciados Marcos Willians Herbas Camacho, vulgo “Marcola”, e Júlio César
Guedes de Moraes, vulgo “Julinho Carambola, a fi m de dar uma demonstração de
força da organização criminosa e de espalhar o terror entre a população do Estado
de São Paulo, determinou a seus integrantes, através de ordem denominada por eles
como um “salve”, que autoridades públicas, policiais e integrantes de certo partido
político deveriam ser atacados e mortos.
O “torre” de apelido “Cabrerinha” retransmitiu a ordem da liderança para um dos
“pilotos” de Jundiaí, Rodrigo de Brito Ubaldo (Dacova), na sexta-feria, dia 12 de
maio de 2006.
Este último denunciado convocou, então, os integrantes e colaboradores da
organização criminosa na cidade de Jundiaí e região próxima, que se reuniram em
imóvel cedido para este fi m por Gelson Gomes (“Gelsinho”).
À reunião compareceram Rodrigo de Brito Ubaldo (Dacova), Gelson Gomes
(Gelsinho), Adriano Paulo da Costa (Balato), Marcos Antônio Roque (Fião), Juliano
da Silva Dias (Cabelera), Ricardo Alexandrino da Silva (Ricardinho), Sérgio Eduardo
de Castro (Cabelinho), Vlademir Francisco de Assis (Mirim), Paulo Sérgio Elídio
(Paulinho), Marcos Paulo Ferreira Lustosa (Marquinho), Adriano Bezerra Messias
(Piti), Eduardo Alexandre da Silva (Dú), Anderson Paixão Bertoldo (Gordinho do
Cecap), Rodrigo Musseli Teles da Silva (Rodriguinho), Henrique Daniel dos Santos
(Sanguíneo), além dos já falecidos - fato ainda sem comprovação nos autos -
Fabiano Michel Galvão (“Fabianinho”) e “Edinho Preto”.
Rodrigo (“Dacova”) transmitiu a ordem da liderança aos membros da
organização acima citados e todos concordaram em cumpri-la, apoiaram-na e
decidiram dar imediato cumprimento.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
974
Para tanto, os denunciados que estavam na reunião dividiram-se em grupos, cada
qual devendo matar todo e qualquer membro da força policial do Estado de São
Paulo que encontrassem naquela noite.
Então, em quatro motocicletas, saíram juntos os denunciados Marcos (Fião),
Juliano (Cabelera), Ricardo (Ricardinho), Sérgio (Cabelinho), Vlademir (Mirim), Paulo
Sérgio (Paulinho), e os já falecidos Fabiano Michel Galvão (“Fabianinho”) e “Edinho
Preto”.
O restante saiu em grupos para cumprir a ordem de matar os policiais que
encontrassem.
Os oito membros da organização ocupantes das motocicletas acima mencionadas
atingiram o desiderato quando trafegavam, por volta das 23:30 horas, na Rua
Senador da Fonseca, pois avistaram viatura da Policia Militar, um GM Corsa, placas
CMW-5150, prefi xo I-11101, ocupada pelas vítimas Nelson Pinto e Marcelo Henrique
dos Santos Moraes, tendo o primeiro ao volante.
Em dado momento, os oito denunciados que estavam nas motocicletas cercaram
a viatura pelas laterais e impediram que seguisse seu trajeto e, imediatamente,
passaram a efetuar múltiplos disparos de armas semi-automáticas contra as vítimas.
O Policial Militar Nelson Pinto, atingido por alguns dos disparos e ferido na cabeça,
perdeu o controle do veiculo, que somente parou depois de chocar-se contra um muro.
Já o Policial Militar Marcelo Henrique, apesar de ter multiplos ferimentos produzidos
pelos projéteis disparados, fi ngiu-se de morto para escapar do intento homicida do
bando. Logo depois, foi socorrido e recebeu pronto e efi caz atendimento médico.
Tal grupo de extermínio, então, comunicou ao “piloto” Rodrigo (“Dacova”)
que a missão fora cumprida. Os demais denunciados que estavam na reunião não
conseguiram matar qualquer policial em Jundiaí, pois, por sorte, não se depararam
com qualquer deles (fl s. 138-158e).
A despeito de toda a complexidade do feito, onde se apuram fatos bastantes
graves, com 19 (dezenove) réus, envolvendo a prática de vários delitos, o Juízo
de 1º Grau, em 4.9.2009, pronunciou o paciente (fl s. 60-137e), além dos outros
denunciados, oportunidade em que manteve a prisão preventiva de todos eles,
apontando a gravidade concreta dos delitos, pelos seguintes fundamentos:
No direito processual penal moderno, especialmente no âmbito do direito
processual dos ricos, a prisão antes do trânsito em julgado é medida excepcional,
sendo a regra geral a da Iiberdade.
O caso destes autos representa situação clássica e paradigmática dessa
excepcionalidade, pois a prisão cautelar de natureza processual penal para todos os
réus mostra-se aqui imperativa e inafastável.
São pronunciados por crimes gravíssimos, não sendo demais considerar que os
delitos narrados nos autos representam alguns dos mais graves crimes já cometidos
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 975
na história do país; havidos no âmbito de uma onda sem precedentes de ataques a
bens e a agentes do poder publico, que puseram de sobressalto a sociedade paulista.
A ordem publica recomenda e exige a manutenção da prisão cautelar.
A instrução que se desenvolve durante o plenário do júri cobra, da mesma forma, a
manutenção da custodia processual, por ser a ela conveniente.
Os acusados são apontados como integrantes de um perigoso grupo terrorista
que pratica e vem praticando crimes de supina covardia, sanguinários e inspirados
tais delitos num profundo desprezo pelos mais comezinhos princípios da vida em
sociedade.
Os homicídios consumado e tentado descritos nos autos teriam sido premeditados
numa reunião, praticados em situação de grupo de extermínio, por meio de
emboscada, em situação que subtraiu completamente as vitimas a possibilidade de
defesa. A denuncia narra que o motivo inspirador dos crimes dolosos contra a vida foi
vil, abjeto e repugnante.
Já os delitos elencados na Lei de Tóxicos igualmente merecem tratamento
severo e cobram a prisão pela pronuncia. Segundo a denúncia, não se referem a
meros crimes de trafi co, mas a situação de complexa estrutura de recebimento,
processamento e distribuição de substâncias entorpecentes em larga escala, com
estrutura empresarial complexa ligada a esses delitos.
Os acusados que aqui são pronunciados pelos conexos crimes de
entorpecentes são apontados na exordial acusatória como líderes do trafi co de
entorpecentes na região, bem como integrantes da estrutura de liderança da
organizaçao criminosa já acima mencionada.
Também referências nos autos de que as armas empregadas nos crimes teriam
sido guardadas por algum tempo com os acusados.
Dentro nesse quadro, a decretação ou a manutenção da prisão processual pela
pronuncia se mostra de rigor para todos os réus, que, depois de pronunciados, caso
mantidos fossem em liberdade, poderiam frustrar a aplicação da lei penal (fl . 136e).
Irresignada, a defesa do paciente, além de outros quinze corréus, interpôs
Recurso em Sentido Estrito contra a sentença de pronúncia, conforme
consta das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora,
anteriormente transcritas (fl . 58e), bem como do andamento processual colhido
no site do Tribunal de origem.
Destaca a PGR, sobre o presente processo:
07. Realmente, não se vislumbra ilegalidade por excesso de prazo na prisão
cautelar, pois o Paciente já foi pronunciado, trata-se de feito complexo, com
pluralidade de crimes e de réus, e, bem assim, porque a relativa morosidade da
tramitação não advém de descaso do juízo, mas da impetração de habeas corpus e
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
976
da i nterposição de recurso pela defesa. Assim, é de rigor a manutenção da decisão
impugnada, para manter a custódia preventiva, em linha com o entendimento
perfilhado por essa colenda Superior Casa de Justiça, a exemplo dos seguintes
precedentes:
Habeas corpus. Homicídio qualifi cado e porte ilegal de arma de fogo.
Prisão preventiva mantida em sede de pronúncia. Excesso de prazo. Ausência
de desídia do estado juiz. Fundamentos da prisão cautelar. Conveniência da
instrução criminal. Constrangimento ilegal não evidenciado.
1. Os prazos indicados na legislação processual penal não são peremptórios,
podendo ser flexibilizados diante das peculiaridades do caso concreto e à
luz do princípio da razoabilidade, de maneira que não se pode concluir pelo
excesso pela mera soma aritmética dos prazos processuais.
2. Não há falar em excesso de prazo para o julgamento do paciente perante
o Conselho de Sentença quando verificado que, além de não evidenciada
nenhuma desídia da autoridade judiciária na condução do feito, eventual
atraso no julgamento do acusado ocorreu de forma justificada, por ato
da própria defesa, a qual solicitou sucessivas vezes a revogação da prisão
preventiva do paciente, ocasionando, naturalmente, uma maior delonga no
trâmite processual.
3. Havendo elementos concretos de que testemunhas estariam se
sentindo intimidadas pelo paciente, encontra-se justificada a custódia
cautelar para a conveniência da instrução criminal, que, nas hipóteses
dos processos afetos ao Tribunal do Júri, ocorre em duas etapas, judicium
acusationis (sumário de culpa), já realizada, e judicium causae, ainda por
ocorrer.
4. Ordem denegada (HC n. 215.281-SC, Rel. Ministro Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, julgado em 19.6.2012, DJe 1º.8.2012).
Habeas corpus. Crime contra a vida. Homicídio qualifi cado. Alegação de
constrangimento ilegal. Circunstâncias autorizadoras presentes. Condições
pessoais favoráveis. Insuficiência. Decisão fundamentada. Pleito pela
revogação da prisão preventiva. Excesso de prazo. Inocorrência. Incidência
da Súmula n. 21-STJ. Precedentes.
1. O fato de estar inserido no rol dos delitos hediondos ou equiparados
não basta para a imposição da constrição cautelar, por ser necessária a
existência de circunstâncias que demonstrem a sua adoção.
2. As Turmas componentes da Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça já cristalizaram o entendimento de inexistir constrangimento ilegal
quando a prisão, sufi cientemente fundamentada, retratar a necessidade da
medida para as garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 977
3. No caso concreto, a segregação do paciente encontrava-se, à época,
fundamentada na ameaça às testemunhas, concretizando requisito hábil
do art. 312, do CPP, no sentido de ser mantida a prisão preventiva para a
conveniência da instrução criminal.
4. O Superior Tribunal de Justiça, em orientação uníssona, entende que
persistindo os requisitos autorizadores da medida cautelar (art. 312 CPP),
despiciendo o paciente possuir condições pessoais favoráveis.
5. Improcede a alegação de excesso de prazo para a formação da culpa,
diante da complexidade das circunstâncias dos procedimentos, sendo que, na
espécie, a eventual demora se encontra justifi cada pela razoabilidade.
6. Pronunciado o réu, fi ca superada a alegação de constrangimento ilegal
da prisão por excesso de prazo na instrução (Súmula n. 21-STJ), quando a
eventual demora na realização da sessão de julgamento do Tribunal do
Júri, se encontra justifi cada pela razoabilidade, diante da complexidade das
circunstâncias dos procedimentos.
7. Ordem denegada, com a recomendação que o Juízo processante
implemente celeridade na ação penal em curso.
(HC n. 221.716-PA, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador
convocado do TJ-RJ), Quinta Turma, julgado em 8.5.2012, DJe 4.6.2012).
08. Pelas razões expostas, e ao lume dos precedentes transcritos, o Ministério
Público Federal opina pela denegação da ordem (fl s. 274-275e).
Examinados os autos, concluo não haver excesso de prazo injustifi cado
na prisão cautelar do paciente, agora decorrente de sentença de pronúncia,
prolatada em 4.9.2009. Ao contrário, as instâncias ordinárias, embora o feito
seja extremamente complexo, seja pelo número de acusados – 19 –, seja pelos
vários crimes a eles imputados, seja, enfi m, pelos vários incidentes processuais
daí decorrentes, têm conferido razoável celeridade na condução do processo.
A análise da informação processual do feito, em 1º Grau, demonstra que
teve ele andamento regular, com vários incidentes processuais, não fi cando
paralisado, desde a sua distribuição, em 3.7.2006.
Consoante pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, havendo
complexidade no feito, decorrente, por exemplo, da pluralidade de réus, de
diversidade de delitos, do excesso de diligências requeridas pela defesa, da
necessidade de expedição de cartas precatórias, pode ser afastada a alegação de
excesso injustifi cado de prazo, o qual não pode ser imputado ao Judiciário.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
978
Impõe destacar que os supostos fatos imputados ao paciente, praticados
na qualidade de integrante da facção criminosa intitulada “Primeiro Comando
da Capital” (PCC), na região de Jundiaí-SP, mostram-se extremamente graves,
tendo sido o paciente pronunciado como coautor de duplo homicídio qualifi cado
(um, na modalidade tentada, e outro, consumado), contra dois policiais militares,
além de formação de quadrilha armada, na forma da Lei n. 9.034/1995.
Já tendo havido a pronúncia do paciente e demais acusados, em 4.9.2009,
os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
estando aguardando o julgamento dos Recursos em Sentido Estrito, interpostos
pelas defesas dos acusados – inclusive do paciente –, conforme se extrai das
informações prestadas pelo Juízo de 1º Grau, a fl . 241e.
De fato, em consulta ao site do Tribunal a quo, observa-se que os autos
principais foram remetidos, à Corte de origem, em 17.8.2010, e lá recebidos,
em 23.9.2010. O exame da respectiva informação processual, no 2º Grau,
demonstra que os autos, em vários volumes, são constantemente movimentados,
para a juntada de documentos e petições, seguida de despacho do Relator, sendo
que, em 19.2.2013, foram eles encaminhados para o Serviço de Processamento
de Grupos-Câmaras-SJ 5.1.2.
Embora a prisão cautelar do paciente, em decorrência da pronúncia,
perdure por mais de 3 (três) anos, não se pode ignorar que a delonga decorre de
condições especialíssimas e da complexidade do feito, que envolve 19 (dezenove)
réus, que respondem por vários crimes, estando o seu desenvolvimento a
depender do julgamento de recursos, interpostos pela defesa, perante o Tribunal
de 2º Grau.
Conquanto, a meu sentir, o excesso de prazo da prisão cautelar encontre-se
razoavelmente justifi cado, deve o Recurso em Sentido Estrito do paciente ser
levado a julgamento com brevidade, a fi m de que não se extrapolem os limites
da razoabilidade, eis que o Juízo de 1º Grau está a aguardar o seu julgamento,
para a realização da sessão do Júri.
Ademais, não reúne condições de êxito a alegação de que, por isonomia,
deveria ser expedido alvará de soltura, em favor do paciente, tendo em vista
que a Corte de origem deferiu, a dois corréus, a ordem de habeas corpus, com o
reconhecimento de excesso de prazo.
Por primeiro, eventual pedido de extensão, nos termos do art. 580 do
Código de Processo Penal, deve ser requerido ao Tribunal que proferiu a ordem
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 979
de habeas corpus, e não ao Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida
supressão de instância.
Outrossim, os habeas corpus originários (HCs n. 990.08.065464-0 e n.
990.09.147629-3), a que se refere a impetrante, nos quais o Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo deferiu a ordem, expedindo alvará de soltura, em
favor, respectivamente, de Adriano Paulo da Costa e Anderson Paixão Bertoldo,
corréus da mesma Ação Penal, foram deferidos em 22.9.2008 e 24.8.2009,
anteriormente, portanto, à prolação da sentença de pronúncia, em situação
fática, pois, diversa da dos presentes autos.
Vale destacar que a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, ao julgar, em 26.10.2010, o HC n. 162.348-SP, de relatoria do
Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), impetrado
em favor do corréu Rodrigo Musseli Teles da Silva, denegou a ordem de habeas
corpus, com a seguinte fundamentação, in verbis:
Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Rodrigo Musseli Teles da
Silva, preso preventivamente e denunciado por homicídio qualifi cado e formação de
quadrilha com atuação em organização criminosa (Lei n. 9.034/1995), apontando-se
como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo.
Busca-se na impetração seja relaxada a prisão do paciente por excesso de prazo
para a formação da culpa ou, alternativamente, a extensão dos efeitos do acórdão
do Tribunal Estadual que concedeu a liberdade ao corréu Adriano Paulo da Costa,
afi rmando serem idênticas as situações processuais dos acusados.
A liminar foi indeferida à fl . 43.
Notifi cados, prestaram informações o Juiz de primeiro grau (fl s. 47-48) e o
Tribunal de origem (fl s. 135-136).
A douta Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se (fl s. 147-148),
opinou pela denegação da ordem.
É o relatório.
Tenho que a ordem deve ser denegada, pois, conforme demonstram as
informações prestadas, o paciente foi pronunciado, em 4.9.2009, como incurso no
art. 121, § 2º, I e V, c.c. art. 14, II, e 29; todos do Código Penal, e no art. 288, parágrafo
único, do Estatuto Penal, c.c. o art. 1º e seguintes da Lei n. 9.034/1995.
Dessa forma, fi ca superada a alegação de excesso de prazo na formação da culpa,
nos termos do Enunciado n. 21 da Súmula desta Corte, verbis:
Pronunciado o reu, fi ca superada a alegação do constrangimento ilegal
da prisão por excesso de prazo na instrução.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
980
Ademais, como bem destacado pelo parquet, trata-se de processo extremamente
complexo envolvendo vinte e um réus e a prática de vários crimes praticados em uma
onda de violência promovida por uma estruturada organização criminosa, com
necessidade de oitiva de diversas testemunhas e expedição de cartas precatórias,
inexistindo, a meu ver, qualquer constrangimento ilegal a ser sanado.
Nesse sentido:
A - Habeas corpus. Homicídios qualifi cados. Quadrilha armada. Prisão
preventiva. Excesso de prazo. Razoabilidade. Ação penal complexa.
Organização criminosa. Superveniência de decisão de pronúncia. Atraso
superado. Inteligência da Súmula n. 21-STJ. Constrangimento não
evidenciado.
1. Tratando-se de ação penal complexa, que busca elucidar a suposta
prática de dois crimes de homicídio qualifi cado, além de quadrilha armada,
cometidos por supostos integrantes de organismo criminoso altamente
estruturado, que comandavam a ação ilícita de dentro de estabelecimento
prisional, tendo as respectivas interceptações telefônicas somado cerca de
540 horas de gravações, encontra-se justificado eventual dilação do prazo
necessário para o encerramento da instrução, à luz da razoabilidade, não se
vislumbrando, na hipótese, desídia da autoridade judiciária na condução do
feito.
2. Ademais, com a superveniência da pronúncia do paciente, encontra-se
superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo, conforme
dicção do Verbete Sumular n. 21 deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Ordem denegada.
(HC n. 142.299-SP, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de 6.9.2010).
B - Habeas corpus. Processual Penal. Homicídio qualifi cado a mando do
PCC. Sentença de pronúncia. Prisão preventiva. Princípio da razoabilidade.
Feito complexo. Demora justifi cada. Decreto prisional fundamentado.
1. Embora tenha transcorrido mais de três anos desde a decretação da
prisão, por ocasião da pronúncia, trata-se de feito complexo, envolvendo
14 (catorze) denunciados, com necessidade de expedição de várias cartas
precatórias, de nomeação de seguidos defensores dativos, ocasionando
compreensível demora na conclusão da instrução do processo.
2. O Paciente é acusado, juntamente como outros detentos, de executar
friamente as vítimas, juradas de morte pela organização criminosa
denominada PCC, dentro do Presídio, por espancamento e golpes de
estilete, a revelar sua extrema periculosidade, mostrando-se sobejamente
motivado o decreto prisional.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 981
3. Há de se destacar que o Paciente já se encontrava cumprindo pena no
estabelecimento prisional onde, em tese, praticara o crime, sendo que está
hoje em regime fechado, com término previsto para 27.3.2031.
4. Ordem denegada, mas concedido habeas corpus de ofício, para
determinar ao juízo processante que leve o feito a julgamento perante o
Júri Popular com a brevidade possível.
(HC n. 149.199-SP, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 28.6.2010).
C - Processual Penal. Habeas corpus. Homicídio qualificado. Excesso
de prazo na conclusão da instrução. Decisão de pronúncia. Súmula n. 21-
STJ. Fundamentação da decisão. Periculosidade do agente. Necessidade
de garantir a instrução criminal e resguardar a ordem pública. Ordem
denegada.
1. De acordo com o Enunciado n. 21 desta Corte, pronunciado o réu, fi ca
superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo
na instrução criminal.
2. Embora a decisão de pronúncia seja um título judicial diferente
daquele que determinou a prisão preventiva, pode conter os mesmos
fundamentos desta para alicerçar a prisão.
3. A periculosidade do agente pode ser aferida pelo modus operandi do
delito, pelo fato do paciente pertencer, segundo testemunhas, a uma forte
organização criminosa e incutir medo em quem pretendia depor contra ele,
fato que justifi ca a necessidade de garantir a instrução criminal e resguardar
a ordem pública.
4. Ordem denegada.
(HC n. 92.863-SP, Relatora a Ministra Jane Silva (Desembargadora
convocada do TJ-MG), DJe de 10.3.2008)
De outro lado, não há que se falar em extensão dos efeitos da decisão da Corte a
quo que concedeu a liberdade ao corréu Adriano Paulo da Costa, porque, como dito
no acórdão atacado, a situação processual dos acusados é distinta, pois quando foi
concedido o benefício ao corréu a instrução ainda não havia se encerrado e no caso
do paciente já foi proferida sentença de pronúncia em seu desfavor.
Com a pronúncia, passou a existir novo título com novos fundamentos a justifi car
a custódia cautelar, devendo o novo título ser submetido inicialmente à análise do
Tribunal Estadual, sob pena de indevida supressão de instância.
Vejam-se os nossos precedentes:
A - Processo Penal. Homicídio qualifi cado. Decreto de prisão preventiva.
Superveniência de sentença de pronúncia. Novo título. Fundamentação
distinta do decreto originário. Controvérsia não-apreciada pelo Tribunal de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
982
origem. Impossibilidade de conhecimento. Supressão de instância. Excesso
de prazo para o encerramento da instrução criminal. Súmula n. 21-STJ.
Ordem não-conhecida. Remessa dos autos ao Tribunal de origem.
1. Havendo novo título a respaldar a custódia cautelar do paciente –
sentença de pronúncia que negou o direito de aguardar em liberdade por
outros fundamentos que não os contidos no decreto de prisão preventiva
originário –, a controvérsia não pode ser apreciada pelo Superior Tribunal de
Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
2. O excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal, segundo
pacífi co magistério jurisprudencial deste Superior Tribunal, deve ser aferido
dentro dos limites da razoabilidade, considerando circunstâncias excepcionais
que venham a retardar a instrução criminal e não se restringindo à simples
soma aritmética de prazos processuais.
3. Havendo pronúncia, fi ca superada a alegação do constrangimento ilegal
da prisão por excesso de prazo, a teor da Súmula n. 21 do STJ.
4. Ordem não-conhecida, com determinação da remessa dos autos ao
Tribunal de origem a fi m de que aprecie, como entender de direito, o mérito
deste writ.
(HC n. 143.767-SP, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de
29.3.2010).
B - Penal. Processo Penal. Habeas corpus. Prisão preventiva.
Fundamentação. Ausência. Pronúncia. Superveniência. Novo título e novo
fundamento. Fundamento lastreado em elementos concretos constantes
da folha de antecedentes. Ordem denegada.
1. A superveniência de pronúncia na qual se apresenta novo fundamento
para a custódia torna prejudicado o habeas corpus impetrado contra a
decisão que, sob outros fundamentos, decretara a prisão preventiva.
2. Os maus antecedentes anotados pela decisão de pronúncia possuem
amparo na folha de antecedentes criminais, não havendo, pois, que se falar
em fundamentação abstrata.
3. Ordem denegada.
(HC n. 63.913-SP, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJU
de 15.10.2007).
No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
A - Habeas corpus. Prisão preventiva. Superveniência de pronúncia que
constitui título prisional. Pedido julgado prejudicado.
Não mais subsistindo a decisão interlocutória que decretou a prisão
preventiva do paciente, o qual, atualmente, está preso em razão de
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 983
superveniente sentença de pronúncia, que constitui novo título prisional,
impõe-se o reconhecimento da prejudicialidade do pedido. Precedentes (HC n.
97.548, rel. min. Ellen Gracie, DJe-162 de 28.8.2009).
Habeas corpus julgado prejudicado.
(HC n. 96.486, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 5.11.2009).
B - Habeas corpus. Processual Penal. Prisão preventiva. Ordem não
conhecida no STJ. Supressão de instância. Análise. Impossibilidade. Dupla
supressão de instância. Superveniência da sentença de pronúncia. Novo
título da prisão. Ordem não conhecida.
I - Representa dupla supressão de instância a análise de matéria não
conhecida pelo STJ em razão de o writ lá manejado voltar-se contra decisão de
primeira instância jurisdicional.
II - Com a prolação da sentença de pronúncia alterou-se o título da
prisão cautelar do paciente.
III - Habeas corpus não conhecido.
(HC n. 96.993, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 13.8.2009).
Diante do exposto, denego o habeas corpus (STJ, HC n. 162.348-SP, Rel.
Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Sexta
Turma, DJE de 29.11.2010).
Por oportuno, trago à colação os seguintes precedentes:
Habeas corpus. Homicídio triplamente qualifi cado. Aborto provocado
por terceiro. Ameaça. Cárcere privado. Prisão preventiva. Fundamentação
calcada em elementos concretos. Ocorrência. Requisitos do art. 312 do CPP.
Preenchimento. Pronúncia. Réu preso. Ausência de fato novo. Excesso de
prazo. Processo complexo. Pluralidade de réus. Necessidade de expedição de
precatórias. Súmula n. 21-STJ. Condições pessoais favoráveis. Irrelevância.
Constrangimento ilegal não evidenciado.
1. A prisão preventiva do paciente está devidamente fundamentada,
com a indicação de elementos concretos no tocante à garantia da ordem
pública, à conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal,
evidenciadas pelo modus operandi dos delitos, pelo emprego de veneno
contra a vítima gestante e o nascituro, pelo intenso sofrimento e agonia
suportados por ambos antes de falecerem, além de se apontar a existência
de ameaças às vítimas e testemunhas e o emprego de fuga.
2. As instâncias ordinárias, quando proferida a pronúncia, concluíram
persistir os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva do
paciente, os quais se apoiaram em elementos concretos contidos nos
autos, além de ressaltar que o paciente aguardou preso a conclusão do
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
984
procedimento criminal, inexistindo, ademais, fatos novos capazes de
promover a sua soltura após a segregação preventiva.
3. A ação penal tramita regularmente, tratando-se de processo complexo,
em que se apura a prática de quatro delitos, com pluralidade de réus e
necessidade de expedição de cartas precatórias, não havendo óbice para a
incidência da Súmula n. 21-STJ.
4. Condições pessoais favoráveis não possuem o condão de, por si sós,
conduzirem à revogação da prisão preventiva quando houver elementos
concretos nos autos que autorizam a manutenção da medida extrema.
5. Ordem denegada (STJ, (HC n. 235.005-MT, Rel. Ministro Sebastião Reis
Júnior, Sexta Turma, DJe de 20.6.2012).
Habeas corpus. Processual Penal. Homicídio qualifi cado a mando do PCC.
Sentença de pronúncia. Prisão preventiva. Princípio da razoabilidade. Feito
complexo. Demora justifi cada. Decreto prisional fundamentado.
1. Embora tenha transcorrido mais de três anos desde a decretação da
prisão, por ocasião da pronúncia, trata-se de feito complexo, envolvendo
14 (catorze) denunciados, com necessidade de expedição de várias cartas
precatórias, de nomeação de seguidos defensores dativos, ocasionando
compreensível demora na conclusão da instrução do processo.
2. O Paciente é acusado, juntamente como outros detentos, de executar
friamente as vítimas, juradas de morte pela organização criminosa
denominada PCC, dentro do Presídio, por espancamento e golpes de
estilete, a revelar sua extrema periculosidade, mostrando-se sobejamente
motivado o decreto prisional.
3. Há de se destacar que o Paciente já se encontrava cumprindo pena no
estabelecimento prisional onde, em tese, praticara o crime, sendo que está
hoje em regime fechado, com término previsto para 27.3.2031.
4. Ordem denegada, mas concedido habeas corpus de ofício, para
determinar ao juízo processante que leve o feito a julgamento perante o Júri
Popular com a brevidade possível (STJ, HC n. 149.199-SP, Rel. Ministra Laurita
Vaz, Quinta Turma, DJe de 28.6.2010).
Habeas corpus. Paciente pronunciado, em 30.5.2005. Por homicídio
triplamente qualifi cado (art. 121, § 2º, II, . III e IV, c.c. art. 29, ambos do CPB).
Pretensão de inocência. Inadmissibilidade de atividade investigatória na via
eleita. Excesso de prazo. Enunciado n. 21 da Súmula de Jurisprudência do STJ.
Elevado número de acusados (12 réus). Complexidade do feito: crime praticado
em estabelecimento prisional, por supostos integrantes de conhecida facção
criminosa atuante no Estado de São Paulo. Grande quantidade de recursos
manejados pelas defesas, o que resultou, inclusive, no desaforamento do
julgamento para a comarca de Presidente Prudente-SP. Parecer do MPF pela
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 985
denegação da ordem. Ordem denegada, com recomendação de imediata
designação de data para o julgamento do paciente.
1. A pretensão do paciente de ver reconhecida sua inocência não
comporta cabimento em sede de Habeas Corpus, por demandar atividade
investigativa incompatível com a evidente estreiteza cognitiva da via eleita.
2. Firme é o entendimento desta Corte Superior quanto à superação da
alegação de excesso de prazo na formação da culpa, quando já pronunciado
o paciente por infração ao art. 121, § 2º, II, III e IV, c.c. art. 29, ambos do CPB,
nos termos do Enunciado Sumular n. 21-STJ.
3. Nada obstante verifi car-se atraso superior a 4 anos, desde a pronúncia,
sem que tenha sido realizado o julgamento do paciente, a demora encontra
justifi cativa no elevado número de acusados envolvidos no fato (são 12 os réus),
pela evidente complexidade do feito, porquanto envolve homicídio triplamente
qualifi cado ocorrido dentro de um estabelecimento prisional, levado a cabo
por supostos integrantes de conhecida facção criminosa, atuante no Estado
de São Paulo, e, principalmente, em razão da grande quantidade de recursos
manejados pelas defesas, o que resultou, inclusive, no desaforamento do
julgamento para a comarca de Presidente Prudente-SP.
4. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
5. Ordem denegada, com recomendação de imediata designação de data
para o julgamento do paciente (STJ, HC n. 143.094-SP, Rel. Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe de 14.12.2009).
Ante o exposto, não conheço do Habeas corpus, recomendando, porém, que
o impetrado julgue o Recurso em Sentido Estrito do paciente com brevidade,
implementando medidas, se o caso, para que tal venha a ocorrer, a fi m de
permitir que o feito seja também julgado, com brevidade, pelo Tribunal do Júri,
em 1º Grau.
Encaminhe-se cópia do presente acórdão, com urgência, ao impetrado e ao
Juízo de 1º Grau.
É como voto.
VOTO VENCIDO
A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: A meu ver, a hipótese é de
concessão da ordem de ofício.
Conforme se extrai dos autos, o paciente foi preso temporariamente
por crime praticado em 12.5.2006, sendo decretada sua prisão preventiva em
28.8.2006, portanto, há cerca de 6 anos e 7 meses.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
986
Ele foi pronunciado em 4.9.2009, ocasião em que foi preservada a custódia
cautelar. Até a presente data, ou seja, passados mais de três anos da pronúncia, o
recurso em sentido estrito ainda não foi julgado. E não há qualquer perspectiva
de que o paciente seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri em prazo
razoável, especialmente considerando a complexidade do feito.
Por mais que se reconheça a gravidade do delito imputado ao paciente, a
complexidade da causa e a quantidade de acusados, é demasiada a delonga no
encarceramento do paciente.
Em situações análogas, esta Corte declarou a ilegalidade da manutenção
da prisão cautelar. Confi ram-se:
Recurso ordinário em habeas corpus. Homicídio qualifi cado. Prisão preventiva.
Excesso de prazo. Paciente preso cautelarmente há mais de 06 (seis) anos.
Constrangimento ilegal evidenciado. Superveniência da sentença de pronúncia.
Súmula n. 21 do STJ. Mitigação. Princípios da razoabilidade e da duração razoável
do processo. Recurso provido.
1. Em que pese a gravidade dos fatos apurados na ação penal, constata-se
que o Paciente está preso preventivamente desde 20.5.2006, ou seja, há mais
de 6 (seis) anos, sem perspectiva de julgamento no Tribunal do Júri, o que já
demonstra excesso a sinalizar o desrespeito ao Princípio da Razoabilidade.
2. A teor da Súmula n. 21 desta Corte, “pronunciado o réu, fi ca superada a
alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”.
Tal entendimento, porém, deve ser mitigado, à luz do Princípio da Razoabilidade,
em se considerando que não pode o réu permanecer preso cautelarmente, de
forma indefi nida, no aguardo do julgamento do mérito, como na espécie.
3. “A interposição de recurso em sentido estrito contra a sentença de pronúncia
constitui prerrogativa inerente ao direito de defesa e ao legítimo exercício da
garantia do duplo grau de jurisdição, não se havendo de imputar ao paciente,
que lança mão desse recurso, a responsabilidade pelo excesso de prazo da prisão
cautelar” (HC n. 123.497-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 22.3.2010).
4. É de se reconhecer, portanto, que a demora injustifi cada confi gura, sem
dúvidas, afronta ao Princípio da Duração Razoável do Processo, previsto no art. 5º,
inciso LXXVII, da Constituição da República, acrescido pela Emenda Constitucional
n. 45/2004 (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”).
5. Recurso ordinário provido para determinar a expedição de alvará de soltura
em favor do Paciente, se por outro motivo não estiver preso, a fi m de que possa
aguardar o julgamento pelo Tribunal do Júri em liberdade.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 987
(RHC n. 29.115-PI, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
18.12.2012, DJe 1º.2.2013).
Habeas corpus. Tentativa de homicídio. Excesso de prazo. Superveniência de
decisão de pronúncia. Enunciado n. 21 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Não incidência. Prisão cautelar que perdura por mais de cinco anos. Ausência
de previsão para o julgamento pelo Tribunal do Júri. Constrangimento ilegal
caracterizado. Ordem concedida.
1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o excesso
de prazo não resulta de simples operação aritmética. Complexidade do processo,
retardamento injustifi cado, atos procrastinatórios da defesa e número de réus
envolvidos são fatores que, analisados em conjunto ou separadamente, indicam
ser, ou não, razoável o prazo na formação da culpa.
2. No caso, a demora na conclusão do processo encontra-se absolutamente
divorciada dos padrões de razoabilidade. O paciente está preso há mais de 5
(cinco) anos, data a pronúncia de 30 de março de 2009, e ainda não há previsão
para o julgamento pelo Tribunal Popular. Além disso, o processo penal de que ora
se cuida não ostenta a nota da complexidade, sem falar no fato de que a causa
em questão não pode ser qualifi cada como um litígio de caráter multitudinário,
pois trata-se de feito envolvendo apenas um acusado, ressaltando-se que foi
expedida uma única carta precatória para o interrogatório do réu na primeira fase
do procedimento escalonado do Júri. O Tribunal de Justiça não apontou eventual
colaboração da defesa para a demora e furtou-se de noticiar a designação de data
para o julgamento pelo Júri.
3. A já existente pronúncia não impede o exame do pedido. Na espécie, o
Enunciado n. 21 da Súmula desta Corte deve ser afastado em homenagem aos
princípios da celeridade e da dignidade humana, tendo em vista que não pode o
acusado permanecer preso, de forma indefi nida, aguardando o julgamento pelo
Tribunal Popular. Precedentes.
4. A interposição de recurso em sentido estrito contra a sentença de pronúncia
constitui prerrogativa inerente ao direito de defesa e ao legítimo exercício da
garantia do duplo grau de jurisdição, não se havendo de imputar ao paciente,
que lança mão desse recurso, a responsabilidade pelo excesso de prazo da prisão
cautelar.
5. A liberdade, não se pode olvidar, é a regra em nosso ordenamento
constitucional, somente sendo possível sua mitigação em hipóteses estritamente
necessárias. Contudo, a prisão de natureza cautelar não confl ita com a presunção
de inocência, quando devidamente fundamentado pelo juiz ser ela necessária.
6. A despeito de a fundamentação da prisão cautelar não ter sido,
originariamente, objeto do presente habeas corpus, não há, na decisão de
pronúncia, elemento concreto, palpável, de convicção, que justifi que a prisão de
índole excepcional, circunstância, pois, que também acarretaria, ainda que de
ofício, a revogação da prisão decretada em desfavor do paciente.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
988
7. Ordem concedida para determinar a expedição de alvará de soltura em favor
do paciente, se por outro motivo não estiver preso, a fi m de que possa aguardar o
seu julgamento, pelo Tribunal do Júri, em liberdade, mediante comparecimento a
todos os atos do processo.
(HC n. 201.831-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado
em 5.6.2012, DJe 20.6.2012).
Habeas corpus. Homicídio triplamente qualificado e furto qualificado.
Prisão preventiva. Pronúncia. Recurso em sentido estrito julgado. Falta de
fundamentação do acórdão. Recurso especial interposto. Writ substitutivo.
Impossibilidade. Não conhecimento. Excesso de prazo. Prisão que perdura
por mais de quatro anos. Processo há mais de 1 ano e 5 meses sem o juízo de
admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Ilegalidade.
1. É imperiosa necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem
de se prestigiar a lógica do sistema recursal. Deve ser observada sua função
constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou
ameaça à liberdade de locomoção.
2. As hipóteses de cabimento do writ são restritas, não se admitindo que
o remédio constitucional seja utilizado em substituição a recursos ordinários
(apelação, agravo em execução, recurso especial etc.), tampouco como sucedâneo
de revisão criminal.
3. O habeas corpus não foi criado para a finalidade aqui empregada, de
reconhecer omissão em acórdão proferido em sede de recurso em sentido estrito.
Para tal intento, existe o recurso especial, que inclusive foi interposto, estando
ainda em fase de admissibilidade na Corte Estadual.
4. A celeridade processual é ideia-força imanente ao Estado Democrático
de Direito. Hipótese em que a prisão processual se arrasta por mais de quatro
anos. O recurso em sentido estrito já foi julgado há mais de 1 ano e 5 meses e
sequer houve o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário
interpostos. O feito fi cou mais e 1 ano aguardando as contrarrazões do parquet.
Ilegalidade evidente.
5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, concedido para
relaxar a prisão da paciente na ação penal aqui tratada, em razão do excesso de
prazo. Ela deve ser colocada em liberdade, se por outro motivo não estiver presa.
(HC n. 172.830-PE, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma,
julgado em 17.11.2011, DJe 8.2.2012).
Assim, não parece razoável que seja preservada a prisão cautelar do
paciente, que já perdura há mais de seis anos, sem que sequer tenha havido
o julgamento do recurso em sentido estrito formulado contra a sentença de
pronúncia.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 989
Segundo o meu juízo, tal delonga denota inaceitável excesso de
prazo, revelador de constrangimento ilegal. Na contramão dos comandos
constitucionais, o Estado retardou a marcha processual por circunstâncias
que não podem, creio, ser atribuídas comportamento da Defesa, como se viu,
golpeando a garantia da razoável duração do processo.
A doutrina é enfática em proclamar que a cristalização do direito à
celeridade processual é o primeiro passo no sentido de se estabelecer um prazo
fi xo para a segregação cautelar, como já ocorre na prisão temporária:
(...) as pessoas têm o direito de saber, de antemão e com precisão, qual é
o tempo máximo que poderá durar um processo penal. Essa afi rmação, com
certeza, causará espanto e até um profundo rechaço por algum setor atrelado
ainda ao paleopositivismo e, principalmente, cego pelo autismo jurídico. Basta
um mínimo de capacidade de abstração, para ver que isso está presente - o
tempo todo - no direito e fora dele. É inerente às regras do jogo. Por que não se
pode saber, previamente, quanto tempo poderá durar, no máximo, um processo?
Porque a arrogância jurídica não quer esse limite, não quer reconhecer esse
direito do cidadão e não quer enfrentar esse problema.
Além disso, dar ao réu o direito de saber previamente o prazo máximo
de duração do processo ou de uma prisão cautelar, é uma questão de
reconhecimento de uma dimensão democrática da qual não podemos abrir mão.
(LOPES JR., Aury, BADARÓ, Gustavo Henrique, Direito ao processo penal no prazo
razoável, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, pp. 108-109).
Assim, de rigor o relaxamento da custódia cautelar do paciente nos autos
da ação penal aqui tratada, sem prejuízo de que seja preso por outro processo ou
por motivação superveniente.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de
ofício para relaxar a prisão do paciente, por excesso de prazo.
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 34.059-BA (2012/0214956-8)
Relator: Ministro Og Fernandes
Recorrente: Carlos Alberto Fructuoso
Recorrente: Elias José Vaz Calil
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
990
Recorrente: José de Souza Lima
Recorrente: Robinson Gaudino Caputo
Advogados: Paulo Olimpio Gomes de Souza
Fabricio Dreyer de Ávila Pozzebon
Felipe Dreyer de Avila Pozzebon e outro(s)
Recorrido: Ministério Público Federal
EMENTA
Recurso ordinário em habeas corpus. Crime contra o Sistema
Financeiro Nacional. Evasão de divisas. Exportação de mercadorias.
Ausência de comprovação de ingresso de moeda estrangeira no país.
Art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986. Inadequação típica.
1. A conduta de promover a saída de mercadorias para o exterior
(exportação), sem comprovar o ingresso no País da moeda estrangeira
correspondente, por estabelecimento autorizado a operar em câmbio,
não se enquadra na fi gura típica prevista no art. 22, parágrafo único,
da Lei n. 7.492/1986.
2. O que se proíbe com o referido dispositivo legal é a saída de
moedas ou divisas do país, não podendo ser abarcada nessa previsão
a remessa de mercadorias, tampouco a ausência de internalização do
montante recebido, sob pena de se promover nítida interpretação
ampliativa, inadmissível na seara criminal, regida pelos princípios da
legalidade estrita e da taxatividade.
3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento
para trancar a ação penal de que se cuida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior e as Sras. Ministras Assusete
Magalhães, Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-
PE) e Maria Th ereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 991
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
Dr(a). Leonel Annes Keunecke, pelas partes recorrentes: Carlos Alberto
Fructuoso, Elias José Vaz Calil, José de Souza Lima e Robinson Gaudino
Caputo.
Brasília (DF), 19 de março de 2013 (data do julgamento).
Ministro Og Fernandes, Presidente e Relator
DJe 5.4.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso ordinário interposto por
Carlos Alberto Fructuoso, Elias José Vaz Calil, José de Souza Lima e Robinson
Gaudino Caputo contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região,
que denegou o habeas corpus lá impetrado, no termos da seguinte ementa:
Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Pedido de trancamento de ação
penal. Crime contra o Sistema Financeiro. Evasão de divisas. Alegação de
constrangimento ilegal por ausência de justa causa para o prosseguimento
da ação penal. Incabível a via estreita do habeas corpus para exame de prova.
Constrangimento ilegal não confi gurado.
1. Para o prosseguimento da ação penal basta a existência de elementos
mínimos demonstrativos da ocorrência de um delito, com a descrição precisa
de fatos revestidos, em tese, de ilicitude penal. O só fato de não ser cristalina a
inocorrência de conduta criminosa do agente ou sua manifesta atipicidade faz
com que a prática dos fundamentos e dos limites do agir do paciente seja objeto
de apuração.
2. A análise da negativa de autoria e materialidade delitivas é incompatível
com o rito do habeas corpus, que não se presta a exame aprofundado da questão
fática.
3. Ordem denegada.
Consta dos autos que os recorrentes foram denunciados pela prática do
delito previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986 (operação de
câmbio não autorizada), c.c. o art. 71 do Código Penal.
Segundo a denúncia, os recorrentes teriam, “entre 7 de junho de 1994 e
22 de abril de 2000, na qualidade de representantes legais da empresa Linear
Equipamentos Eletrônicos S/A, promovido, sem a autorização legal, a saída de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
992
mercadorias para o exterior (exportação), sem comprovar o ingresso no país da
moeda estrangeira correspondente ou a repatriação das mercadorias exportadas”.
Objetivando o trancamento da ação penal, a defesa impetrou habeas corpus,
que foi denegado pelo Tribunal de origem.
Daí o presente recurso ordinário, por meio do qual os recorrentes buscam,
mais uma vez, o trancamento da ação penal, em virtude da inexistência de
justa causa para a persecução penal, ao argumento de que a conduta narrada na
exordial acusatória seria atípica.
Alegam que o ilícito previsto no art. 22 da Lei n. 7.492/1986 não se
confi gura quando o agente, ao exportar mercadorias, deixa de efetuar a operação
de câmbio correspondente, ou de concluir os contratos de câmbio regularmente
realizados, pois nessa hipótese, não há propriamente “evasão” de divisas.
Buscam, assim, o trancamento da ação penal.
A liminar foi indeferida às e-fl s. 135-136.
A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo improvimento
do reclamo.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Conforme relatado, buscam
os recorrentes o trancamento da presente ação penal, levando em conta a
atipicidade da conduta a eles imputada.
Narra a denúncia que (e-fl s. 21-22):
Entre 7 de junho de 1994 e 22 de abril de 2000, em Ilhéus-BA, os denunciados
Carlos Roberto Frectuoso, Elias José Vaz Calil, José de Souza Lima e Robinson
Gaudino Caputo, por meio de pessoa jurídica por eles constituída e representada
(Linear Equipamentos Eletrônicos S/A), agindo em concurso e com unidade de
propósitos, promoveram, sem a autorização legal, a saída de mercadorias para
o exterior (exportação), sem comprovar o ingresso no País da moeda estrangeira
correspondente, por estabelecimento autorizado a operar em câmbio. Tampouco, os
acusados comprovaram a repatriação das mercadorias exportadas.
As remessas de mercadorias somaram US$ 958.429,3, correspondendo a 43
despachos de exportação. Os dirigentes da empresa deixaram de comprovar a
entrada no país de US$ 70.667,56 (setenta mil, seiscentos e sessenta e sete dólares
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 993
dos Estados Unidos e cinquenta e seis centavos) perante o Banco Central. A não
declaração de valores e o não retorno das mercadorias ao território nacional
confi guram a manutenção dos valores não declarados no exterior.
Em depoimentos prestados em 22 de outubro de 2008, Robinson Gaudino
Caputo, José de Souza Lima, Carlos Alberto Fructuoso e Elias José Vaz Calil,
confi rmaram ser acionistas da empresa Linear Equipamentos Eletrônicos S/A, com
sede em Santa Rita do Sapucaí-MG, exercendo funções de diretoria. Disseram
ter conhecimento da venda de equipamentos para o exterior no período acima
indicado. Contaram que houve inadimplência por parte de alguns compradores
e, uma vez que seria muito oneroso repatriar as mercadorias, pois teriam que
pagar imposto de importação, alegaram que os sócios da empresa, os próprios
denunciados, decidiram arcar com o prejuízo, pagando multa de cerca de US$
100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos) - fl s. 97 a 103.
(...)
Os denunciados enviaram divisas para o exterior em prejuízo da União, tendo
induzido e mantido o Bacen e a RFB em erro, para obter vantagem indevida,
decorrente da não formalização dos contratos de câmbio. Não houve o ingresso
da moeda estrangeira no País em virtude da exportação nem a repatriação das
mercadorias.
Em assim agindo, os ora denunciados incorreram nas penas do art. 22,
parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, c.c. art. 29, do CP, pelo que requer o
Ministério Público Federal a condenação de todos por sonegação de cobertura
cambial em exportação, após o devido processo legal (...).
O juiz de primeiro grau, ao analisar o conteúdo da defesa preliminar
apresentada pelos ora recorrentes, afastou a alegação de atipicidade da conduta,
assim consignando (e-fl . 62):
Por oportuno, esclareço que descabe alegação de atipicidade da conduta, visto
que, como bem asseverou o MPF, as exportações de mercadorias supostamente
foram efetuadas pelos acusados, sem a comprovação do ingresso correspondente
em moeda estrangeira nem a repatriação de mercadoria. Desta forma, tendo havido,
supostamente, a saída das mercadorias do país, em desconformidade com a
ordem legal, deu-se a evasão, conduta que se amolda perfeitamente ao tipo descrito
na denúncia.
No presente recurso, alegam, por sua vez, que a conduta imputada é
manifestamente atípica. A uma, porque a ação incriminada é a de saída de
“moeda ou divisa” do território nacional, e o seu não ingresso não constitui
conduta que possa ser a ela equiparada. A duas, porque tal saída não se deu
“sem autorização legal” ou “em desconformidade com a ordem legal”, mas
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
994
sim, inexistiu o ingresso do valor relativo ao inadimplemento ocorrido (US$
70.667,56).
Sustentam, ainda, que o conceito de “divisa” e o de “moeda” previstos na
fi gura típica não abarca as “mercadorias exportadas”.
Após detida análise dos autos, penso serem procedentes as razões
defensivas.
De fato, nota-se que a conduta apontada como criminosa pelo Ministério
Público consiste na promoção de saída de mercadorias para o exterior (exportação),
sem a comprovação de ingresso de moeda estrangeira no país, relativa ao valor total
de exportação das mercadorias, não ocorrendo também a repatriação dessas.
Em vista disso, os pacientes foram denunciados como incursos no art. 22,
parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, in verbis:
Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fi m de promover
evasão de divisas do País:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem
autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver
depósitos não declarados à repartição federal competente.
Ora, fi ca claro, a partir da simples leitura do dispositivo acima transcrito,
que a conduta que se visa coibir com a dita norma penal é a de promover a saída
de moeda ou divisa para o exterior, ou ainda, manter no exterior depósitos não
declarados à repartição federal competente.
Ocorre que a inicial acusatória fez recair sobre os recorrentes a conduta
de terem promovido, “sem a autorização legal, a saída de mercadorias para o
exterior (exportação), sem comprovar o ingresso no País da moeda estrangeira
correspondente, por estabelecimento autorizado a operar em câmbio”, o que, à
evidência, não se enquadra no aludido tipo penal.
Note-se que os recorrentes fi zeram sair do país mercadorias, e que o conceito
destas não pode ser equiparado ao de “moeda” ou “divisas” utilizados pelo
legislador, sob pena de se promover nítida interpretação ampliativa, inadmissível
na seara criminal, regida pelos princípios da legalidade estrita e da taxatividade.
Da mesma maneira, não há como considerar típica a conduta relativa à
ausência de ingresso no país de moeda estrangeira, enquanto o que se proíbe
com o referido dispositivo legal é a saída de moeda ou divisa para o exterior.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 995
É de sabença que o Direito Penal traduz intervenção direta na liberdade
dos indivíduos, dando suporte à atuação do jus puniendi estatal, razão pela
qual torna-se essencial que as condutas pelas quais possam ser repreendidos os
agentes sejam conhecidas por eles, de modo a evitar arbitrariedades.
Nesse contexto, não se descura da importância que o princípio da reserva
legal adquire no Direito Penal, mostrando-se imprescindível que a conduta
reprovável se encaixe perfeitamente no modelo descrito na lei penal vigente
na data da ação ou omissão, o que, conforme visto, não ocorreu na hipótese em
apreço.
Transcrevo a lição de Cezar Roberto Bitencourt e Juliano Breda:
Somente para afastar os “fantasmas interpretativos” relembramos que o
vocábulo “saída” referindo-se à “moeda ou divisa”, complementando com a
locução “para o exterior”, não pode, em hipótese alguma, ser interpretado
como “entrada” sem violentar o princípio da reserva legal e, fundamentalmente,
a função taxativa da tipicidade (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional
e Contra o Mercado de Capitais, Lumens Juris, Editora, 2ª Edição, RJ, 2011, p.
276).
Diante de tais motivos, faço coro às numerosas vozes deste Superior
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que, em casos análogos ao
presente, assim já decidiram:
Penal. Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Evasão de divisas.
Exportação de mercadorias. Ausência de liquidação do contrato cambial.
Depósito não declarado no exterior. Presunção. Impossibilidade. Ônus da prova.
Recurso desprovido.
1. O crime de evasão de divisas previsto na última parte do parágrafo único
do art. 22 da Lei n. 7.492/1986 - manutenção de depósito no exterior - pressupõe
a identifi cação da instituição e dos valores guardados ao arrepio da autoridade
monetária brasileira.
2. O mero fato de não ter sido liquidado no Brasil o contrato de câmbio
é incapaz de gerar a presunção de que a empresa exportadora recebeu o
pagamento objeto do acordo e o mantém em instituição fi nanceira situada fora
do país.
3. Não pode o intérprete estender o sentido da norma contida na primeira parte
do parágrafo único da lei em comento, a fim de considerar típica a ausência de
internalização do pagamento recebido, sob pena de absoluto desvirtuamento do
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
996
comando normativo, o qual apenas criminaliza a saída de divisas do território
nacional.
4. O conceito de divisas não inclui, segundo a doutrina majoritária e precedentes
dos Tribunais Superiores, mercadorias destinadas à exportação.
5. Recurso especial desprovido. (REsp n. 914.077-RS, relator o Ministro Jorge
Mussi, Dje de 17.12.2010).
Penal e Processo Penal. Agravo regimental em recurso especial. Contrariedade
ao art. 22, p. único, da Lei n. 7.492/1986. Inocorrência. Saída de mercadorias para
o exterior. Não ingresso de moeda estrangeira. Atipicidade. Súmula n. 83-STJ.
Dissídio jurisprudencial. Art. 255-RISTJ. Inobservância. Recurso especial a que se
nega seguimento.
1. A conduta relativa à exportação de mercadorias sem a respectiva liquidação
do contrato de câmbio, com o ingresso das correspondentes divisas, não se
enquadra no fato típico descrito no artigo 22, parágrafo único da Lei n. 7.492/1986.
2. Para comprovação da divergência jurisprudencial, não basta a simples
transcrição de ementas, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias
que identifi quem ou assemelhem os casos confrontados.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 997.329-RS,
Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Dje de 25.4.2011).
Penal. Recurso especial. Art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986.
Exportacão de mercadorias sem a operação de câmbio correspondente.
Atipicidade.
I - A exportação de mercadorias, sem a correspondente operação de câmbio, não
confi gura o crime do art. 22, Parágrafo Único, da Lei n. 7.492/1986 (Precedente do
STF).
II - No tocante à fi gura delineada na parte fi nal do parágrafo único do art. 22 da
L. n. 7.492/1986, é manifesto que não cabe subsumir à previsão típica de promover a
“saída de moeda ou divisa para o exterior”, a conduta de quem, pelo contrário, nada
fez sair do País, mas, nele, deixou de internar moeda estrangeira ou o fez, mas de
forma irregular. (STF - HC n. 88.087-RJ, Relator Min. Sepúlveda Pertence, DJe de
15.12.2006).
Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso ordinário em habeas
corpus para trancar a ação penal de que se cuida, ante a ausência de tipicidade da
conduta.
É como voto.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 997
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 30.172-MT
(2009/0153233-9)
Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura
Recorrente: João Arcanjo Ribeiro (preso)
Advogado: Zaid Arbid
Recorrido: Ministério Público Federal
EMENTA
Processo Penal. Recurso ordinário em mandado de segurança.
Manifestação da defesa para obstar o julgamento do writ. Fax
remetido na véspera da sessão. Artigo 565 do Código de Processo
Penal. Nulidade. Inocorrência. Adiamento. Deferimento facultativo.
Demonstração da relevância e pertinência. Imprescindível. Diligência
defensiva pela apreciação tempestiva da petição. Ausência. Desídia da
defesa. Perdimento dos bens. Trânsito em julgado. Imprescindibilidade.
Sequestro de outro bem. Efetividade de medida anterior. Inovação.
Inexistência. Manifestação prévia da defesa. Impossibilidade.
Contraditório postergado. Recurso a que se nega provimento.
1. Não há falar em nulidade na realização do julgamento do
mandado de segurança, por ausência de sustentação oral, quando a
defesa remete fax na véspera da sessão para obstar a sua realização,
declinando para tanto a necessidade de estar presente em outro
compromisso profi ssional, do qual tinha conhecimento há mais de
um mês.
2. É facultativo o deferimento do pedido de adiamento da
apreciação do recurso pelo colegiado, sendo imprescindível para o
atendimento do pleito dispor de fundamentação adequada, de modo a
destacar a sua relevância e pertinência. Precedentes.
3. In casu, não logrou êxito o impetrante em demonstrar a
necessidade da modifi cação da pauta, nem mesmo o fez em tempo
hábil, não diligenciando nem mesmo em prol da apreciação tempestiva
da petição pelo relator do writ, incidindo portanto em clara desídia.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
998
4. Conforme o disposto no artigo 565 do Código de Processo
Penal, não cabe a arguição de nulidade pela própria parte que lhe deu
causa ou que tenha concorrido para a sua existência.
5. O Juízo de origem somente mencionou a necessidade do
trânsito em julgado quanto à perda da titularidade do direito dos bens
discriminados, em caso de condenação do acusado, e não no tocante
ao sequestro, visto que o próprio cerne da medida assecuratória
consiste na sua natureza cautelar, de forma a possibilitar eventual
ressarcimento patrimonial, não ofendendo ao direito de propriedade,
mas também sem descurar da sua fi nalidade mor de promover e
garantir uma futura pretensão reparatória.
6. Não inova o magistrado a quo ao prolatar decisum buscando
evitar uma possível dilapidação do patrimônio, em especial a um dado
empreendimento, eis que apenas efetiva medida anterior, assegurando
o seu resultado prático.
7. A manifestação prévia da defesa não ocorre na medida cautelar
patrimonial de sequestro, a qual é determinada inaldita altera pars, em
prol da integridade patrimonial e contra a sua eventual dissipação;
sendo o contraditório postergado, podendo a defesa insurgir-se em
oposição a determinação judicial, dispondo dos meios recursais legais
previstos para tanto.
8. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega
provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso em mandado
de segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros
Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Assusete Magalhães e Alderita Ramos de
Oliveira (Desembargadora convocada do TJ-PE) votaram com a Sra. Ministra
Relatora.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 999
Brasília (DF), 4 de dezembro de 2012 (data do julgamento).
Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora
DJe 11.12.2012
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Trata-se de Recurso
Ordinário em Mandado de Segurança interposto por João Arcanjo Ribeiro, com
fundamento no artigo 12 da Lei n. 1.533/1951 e artigo 33 da Lei n. 8.038/1990,
manejado contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Mandado
de Segurança n. 2008.01.00.040982-9-MT).
Depreende-se dos autos que foi imputada ao requerente a prática das
supostas condutas delitivas previstas no artigo 16 da Lei n. 7.492/1986 (crime
contra o sistema fi nanceiro); artigo 1º, incisos VI e VII, da Lei n. 9.613/1998
(crime de lavagem de dinheiro); e artigo 288 do Código Penal (crime de
formação de quadrilha) - Processo n. 2002.36.00.007873-7-MT, da 1ª Vara
Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso-MT.
Determinada a busca e apreensão dos bens do acusado, o Tribunal Regional
Federal da 1ª Região proferiu acórdão indicando a necessidade de se especifi car
os bens. Na data de 19.12.2006, o Juízo de origem prolatou a seguinte decisão
(fl s. 25-35):
Vistos etc.
A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região condenou João Arcanjo
Ribeiro e Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro, entre outros, pelos crimes do art. 16 da Lei
n. 7.492/1986 (crime contra o sistema fi nanceiro), art. 1º, incisos VI e VII, da Lei n.
9.613/1998 (crime de lavagem de dinheiro), e artigo 288 do Código Penal (crime
de formação de quadrilha). O acórdão recebeu a seguinte ementa:
Processo Penal. Penal. Competência da Justiça Federal. Crimes conexos
de competência da Justiça Federal e da Estadual. Prevalência da Justiça
Federal. Inexistência de prerrogativa de função. Competência do juízo do
primeiro grau. Investigação realizada pelo Ministério Público. Requisição
de inquérito pelo juiz. Denúncia. A-tecnia. Número de testemunhas.
Litispendência e crime de quadrilha. Documentos em língua estrangeira.
Manutenção do réu preso após a sentença. Crime contra o Sistema
Financeiro Nacional. Factorings. Evasão de divisas. Patrimônio a descoberto.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1000
Lavagem de dinheiro. O princípio da consunção. Organização criminosa.
Crime de quadrilha. Dosimetria da pena. Delação (traição) premiada. Pena
de perdimento.
1. Havendo conexão entre crimes da competência da Justiça Federal
e da Estadual, a prevalência para o processo e julgamento é da Justiça
Federal, que tem sede constitucional, não da Estadual, que é de natureza
residual, não se aplicando o disposto no art. 78, II, a, do CPP.
2. Não fi gurando, na relação processual, acusado que tenha prerrogativa
de foro em Tribunal Superior ou Regional, a competência para o processo é
do juízo de primeiro grau. O deputado estadual, arrolado como testemunha,
não modifi ca a competência para conhecimento do processo, que continua
sendo da alçada do juízo de primeiro grau.
3. Não é admissível que o mesmo órgão que investiga, estando, portanto,
envolvido diretamente na colheita de prova, acuse. A separação das
atribuições, investigação e acusação, é exigência do Estado Democrático
de Direito, uma garantia do cidadão. Na hipótese, apesar da grande
interferência do Ministério Público no inquérito, não se pode afi rmar que
tenha de modo absoluto dirigido o inquérito (Precedentes do TRF-1: HC n.
2006.01.00.00.021038-6-TO e HC n. 2006.01.00.021220-8-DF).
4. O juiz não pode e não deve deliberar sobre a opinio delicti, em razão
de perder a imprescindível imparcialidade ao deliberar sobre a mesma,
ao requisitar a instauração de inquérito, por tratar-se de uma atividade
persecutória. Pode sim valer-se do disposto no art. 40 do CPP, pois, nesse
caso, não se trata de opinio delicti e sim de notitia criminis. No entanto,
o fato de o juiz ter requisitado a instauração de inquérito não é causa de
nulidade do processo, haja vista que os réus só vieram insurgir-se depois de
instaurada a ação penal.
5. A denúncia há de ser uma narrativa precisa, objetiva, despida de
adjetivos desnecessários. Deve a denúncia conter a resposta às seguintes
perguntas: Quem? Que coisa? Onde? Quais os meios? Por que? De que
maneira? A a-tecnia da denúncia, porém, não implica nulidade do processo.
6. Imputando a denúncia mais de um fato delituoso a vários réus, é
possível que possam ser arroladas 8 (oito) testemunhas para cada fato.
7. Não pode o agente ser denunciado em duas ações como membro de
uma mesma quadrilha. O fi m específi co da quadrilha, crime autônomo, é
o cometimento de crimes. Em relação a cada um desses crimes, se forem
apurados separadamente, o quadrilheiro não pode ser denunciado
por mais uma vez por crime de quadrilha, se a quadrilha é uma só.
Litispendência não comprovada.
8. Os documentos escritos em língua estrangeira para serem anexados
aos autos devem ser traduzidos para o português (CPP art. 236).
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1001
9. Se o réu responde a processo preso, condenado, deve continuar preso.
Entendimento em contrário é ilógico e irrazoável.
10. Factoring é empresa comercial que presta serviços e compra
créditos de pessoas jurídicas e não físicas, não capta recursos nem empresta
dinheiro, não faz adiantamentos. Aquele que faz a empresa factoring
operar emprestando dinheiro e fazendo captação de recursos, agindo
como instituição fi nanceira, comete o crime do sistema fi nanceiro nacional
(Lei n. 7.492/1986, art. 16).
11. Aquele que remete dinheiro para o exterior, sem autorização legal, ou
lá o mantém em depósito, sem declará-lo à repartição federal competente,
comete o crime previsto no parágrafo único do art. 22 da Lei n. 7.492, de
1986.
12. Inexistindo imputação de crime de sonegação fi scal, não se pode
apreciar a questão do patrimônio a descoberto.
13. O objeto material do crime de lavagem de dinheiro são os bens,
dinheiro e valores obtidos com a prática de um crime estabelecido em um
dos incisos do art. 1º da Lei n. 9.613, de 1998. O agente para lavar o dinheiro,
obtido de forma ilícita, oculta ou dissimula sua natureza, origem, localização
etc. Constituem suas ações: ocultação, dissimulação e integração. É um
crime autônomo, grave e altamente prejudicial à economia nacional.
14. Se a fi nalidade da remessa do dinheiro para o exterior é torná-lo
limpo, legitimar sua origem, e não promover a evasão de divisas do país,
temos um só crime: o de lavagem. Há, na hipótese, um confl ito aparente de
normas, em que a remessa do dinheiro foi o meio para a prática do crime
de lavagem. A norma consutiva ou de absorção constitui uma fase mais
avançada para proceder-se a lesão do bem jurídico. O crime de lavagem
absorve (crime consuntivo) o crime contra o sistema financeiro (crime
consunto). Lex consumens derogat legi consumptae.
15. A pena do crime de lavagem de dinheiro é aumentada se o mesmo é
cometido por intermédio de organização criminosa (Lei n. 9.613/1998, § 4º
do art. 1º). Não há uma defi nição legal do que seja organização criminosa,
inexiste conceito. Diversos são os requisitos do crime organizado. Reunidos,
pelo menos três deles, segundo a doutrina, tem-se confi gurado o crime
organizado.
16. A organização criminosa é causa de aumento de pena do crime de
lavagem. A quadrilha é crime autônomo, com existência de um vínculo
psicológico para a prática de crimes.
17. O direito penal não é instrumento de vingança, seja individual
seja social; nem a Justiça é o meio de efetivá-la. Não é de aceitar-se o
entendimento de Van Bemelen de que: “Na realidade a justiça não é mais
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1002
que a antiga vingança impessoal coberta de um verniz fi losófi co. Raspai a
justiça e achareis a vingança”.
18. É difícil aplicar-se a pena proporcional ao condenado, ao seu modo
de ser, dar a justa pena à sua culpabilidade e para sua ressocialização. A lei
penal, no entanto, dá os meios para o juiz assim agir (cf. art. 59 do Código
Penal) e para agir assim deve o juiz ser humano, conhecer a realidade da
vida, procurar agir com justiça. Daí a busca da proporcionalidade que
atua “como limite a que deve sujeitar-se a função punitiva, de modo que
a pena não ultrapasse, em espécie ou quantidade, o limite superior da
culpabilidade do agente pelo fato” (Mir Puig).
19. A delação (traição) premiada revela a incompetência do Estado na
luta contra o crime, na inefi ciência do sistema de persecução penal. Vale-
se, então, da fraqueza de caráter de determinados indivíduos. A delação
premiada é a institucionalização da traição.
20. Deve o juiz especifi car os bens, direitos e valores do acusado que
são produtos do crime ou que foram adquiridos com recursos deles
provenientes. A liberação dos bens só pode ser determinada após o trânsito
em julgado do acórdão.
É a síntese. Passo a decidir.
(...)
No caso dos autos, só por si, o acórdão produziu automaticamente a
perda da titularidade dos bens, direitos e valores dos condenados, muito
embora tenha afastado esse efeito na forma com que fora reconhecido
pela sentença, isto é, de maneira ampla e irrestrita, em face de todos os
bens, direitos e valores, pois entendeu o Tribunal ser imprescindível a
discriminação dos bens, direitos e valores efetivamente tidos como produto
do crime ou que constituam seu proveito.
O Tribunal, ao reformar a sentença quanto ao perdimento, divergiu
do juízo a quo apenas quanto à sua forma e alcance, não quanto ao
efeito automático do confi sco decorrente do acórdão condenatório. Esta
conclusão tanto é certa que o próprio Relator do acórdão, Desembargador
Federal Tourinho Neto, reconheceu, expressamente, a possibilidade do
Ministério Público Federal vir a realizar essa discriminação, apartando o joio
do trigo.
Assim, estando a depender apenas do trânsito em julgado do acórdão
a devolução de todos os bens, direitos e valores, sejam de origem lícita ou
ilícita e diante da inércia do Ministério Público Federal, entendo ser possível
realizar esse apontamento de bens, direitos e valores ex offi ciu, por força
do disposto nos arts. 126 e 127 do Código de Processo Penal, os quais
autorizam o juiz ordenar o seqüestro dos bens de proveniência ilícita, haja
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1003
vista não ter sido vedado pelo Tribunal essa discriminação, fundamentada,
para fi ns de seqüestro e posterior confi sco.
Na hipótese específi ca destes autos, o sequestro não se dá pra fi ns de
futura ação penal, mas em decorrência de ação penal julgada procedente,
em grau de recurso, portanto, para fi ns de futura execução, estando seus
efeitos confi scatórios na pendência do trânsito em julgado do acórdão e
desta decisão.
O acórdão reconheceu ser ilícita a atividade da factoring dos acusados
João Arcanjo Ribeiro e Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro, enquanto suas empresas
operaram como instituição fi nanceira. Portanto, todos os bens, direitos e
valores obtidos por meio dessa atividade carregam a pecha da ilicitude.
Desse total de recursos obtidos ilicitamente, parte permaneceu no país,
sendo que a outra parte foi remetida para o exterior, confi gurando, sendo o
acórdão, o crime de lavagem de dinheiro.
Do total remetido ao exterior, parte lá permaneceu, a exemplo dos
recursos investidos no empreendimento Universal Crowe Plaza Hotel, do
qual o condenado João Arcanjo Ribeiro é um dos sócios, e da Conta Bancária
n. 18-188-822, do Deutsche Bank de Nova York, Estados Unidos da América,
cuja titularidade é da empresa Aveyron S/A, também de propriedade do
condenado.
(...)
Assim, partindo do que fora assentado no acórdão, nas palavras do
e. Desembargador Relator, Tourinho Neto, isto é, de que “houve remessa
ilegal - de recursos - para o exterior”, remessa esta que no entendimento
do Relator configurou lavagem de dinheiro, entendo que o sequestro
do hotel e da conta bancária deve ser realizado, haja vista tratar-se de
produto e proveito do crime de lavagem de dinheiro, os quais não podem,
em hipótese alguma, serem devolvidos ao condenado, pena do adágio
popular - o crime compensa - encontrar, mais uma vez, justificativa na
jurisprudência da Justiça brasileira.
Isto posto, decreto o sequestro da cota parte de participação pertencente
a João Arcanjo Ribeiro no empreendimento Universal Crowe Plaza Hotel,
Orlando, Flórida, Estados Unidos da América, assim como da Conta n. 18-
188-822, Deutsche Bank de Nova York, Estados Unidos da América, em
nome da Aveyron S/A, também de propriedade do condenado, para fi ns de
confi sco, após o trânsito em julgado do acórdão e desta decisão.
(...)
Na data de 13.8.2008, o magistrado decretou ainda a intervenção judicial
em dada empresa do requerente. Eis o teor do decisum (fl s. 264-278):
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1004
Por intermédio da manifestação de fl s. 19.209-19.215, o administrador judicial
ressalta a necessidade de se promover uma intervenção para controle e gerência
da Universal Tower’s Investimentos e Participações Ltda. - UTI, em especial para
administrar a quota-parte desta na Universal Tower’s Construction, INC. - UTC,
ambas seqüestradas por ordem deste juízo.
Segundo alega o administrador, o seqüestro determinado em 19 de dezembro
de 2006, e confi rmado pelo e. TRF da 1a Região, sequer teve a sua documentação
encaminhada para os Estados Unidos da América, para fins de pedido de
cooperação judiciária, conforme ressaltou o Coordenador do Departamento
de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Aff onso Guerra
Gomes Pereira. Ainda segundo informações por este prestadas, mesmo após o
encaminhamento da documentação, não há prazo defi nido para a efetivação da
ordem de seqüestro.
Entretanto, de acordo com o peticionante, chegou ao.seu conhecimento a
intenção do Sr. João Arcanjo Ribeiro de desviar os recursos e bens existentes nos
Estados Unidos da América, referentes ao Universal Crowe Plaza Hotel, situado
em Orlando, Flórida. O administrador noticia que foi procurado pelo auditor
independente Alfeu de Melo, acompanhado do Sr. Zilberto Zanchet, sócio do
Sr. João Arcanjo Ribeiro naquele empreendimento, sendo informado que corre
uma demanda perante a justiça americana; no Condado de Orange, Flórida (Caso
n. 06-CA-7402), para a dissolução da sociedade empresarial Universal Tower’s
Construction, INC. - UTC, interposta pela Constrazza International Construction,
INC, que tem como sócio o Sr. Zilberto Zanchet, vez que fora ilegalmente afastada
da administração da sociedade, além de não ter mais acesso à documentação
fiscal e administrativa do empreendimento (documentos comprobatórios
juntados aos autos).
Para o auditor, a intenção do Sr. Arcanjo é de inviabilizar a empresa, a fi m de
que seja posteriormente alienada a preço vil, em operação simulada, causando
prejuízo à União quando da efetivação do seqüestro. Por outro lado; o ativo seria
desviado e possivelmente levado para paraísos fi scais.
Ainda segundo a manifestação, o Sr. Zilberto Zanchet teria recebido uma
proposta do Sr. João Arcanjo Ribeiro, em audiência de conciliação, para compra
da quota-parte do primeiro, pelo montante de US$ 10.000:000,00 (dez milhões de
dólares), quantia essa que seria oriunda de atividade ilícita e que ainda não fora
judicialmente localizada e bloqueada.
Para o administrador, considerando o ciclo de audiências designadas nos autos
daquele processo que tramita perante a justiça alienígena, o risco de dano acima
noticiado aumenta exponencialmente (fl s. 19.228-19.232).
Ressalta ainda que o empreendimento milionário - estimado em US$
40.000.000.00 (quarenta milhões de dólares) - foi ganhador, nos últimos anos, do
prêmio de maior ocupação; sendo um sucesso empresarial, mas que está em risco,
pois a empresa que o administra - Interstate Hotels & Resorts - apenas cumpre as
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1005
obrigações fraudulentas assumidas pela Universal Towers Construction, INC. -
UTC, ou seja, os lucros mensalmente obtidos estariam sendo pulverizados através
das despesas simuladas da UTI, acionista majoritária.
Assim, para evitar o perecimento da garantia, necessária seria a intervenção
judicial na atividade empresarial, uma vez que a Universal Tower’s Investimentos e
Participações Ltda. - UTI detém a titularidade de 65% (sessenta e cinco por cento)
das quotas do Universal Tower’s Construction, - INC. - UTC, sendo uma sociedade
empresária nacional, registrada na Junta Comercial em Cuiabá-MT, que tem
como acionistas o Sr. João Arcanjo Ribeiro e a Sra. Silvia Chirata Arcanjo Ribeiro.
Portanto, intervindo na UTI, gerencia-se a UTC, salvando-a do colapso.
Com a manifestação vieram os documentos de fl s. 19.216-19.246.
Ouvido, o Ministério Público Federal opinou favoravelmente, ratifi cando a
necessidade da decretação da medida. sugerida pelo administrador judicial.
Autos conclusos.
É o relatório.
(...)
Este juízo determinou o sequestro do empreendimento através da decisão de
fl s. 17.683-17.693, cujos fundamentos e dispositivo estão a seguir transcritos:
(...)
Contra a mencionada decisão foi impetrado o Mandado de Segurança
tombado sob o n. 2007.01.00.001558-6-MT, já julgado pelo o c. Tribunal Regional
da 4a Região, assim ementado:
Processo Penal. Mandado de segurança. Seqüestro de bens. Agravo
regimental.
1. Inexistência de risco de dano irreparável ou de difícil reparação para o
impetrante, de molde a justifi car a impetração de mandado de segurança.
2. Seqüestro determinado em ação cautelar, ainda em primeiro grau de
jurisdição e não na ação penal, pendente de recurso especial.
3. Seqüestro de bens determinados com a probabilidade, segundo a
decisão a quo, de ter origem ilícita.
4. Da decisão que defere ou indefere liminar em mandado de segurança
não cabe agravo regimental (RI-TRF-1, art. 293, § 1º).
(AGMS n. 2007.01.00,001558-6-MT, Rel. Desembargador Federal Tourinho
Neto, Segunda Seção, DJ p. 4, de 18.5.2007).
Apesar de a medida de urgência postulada pelo impetrante ter-lhe sido
favorável, percebe-se que o Eminente Relator, Desembargador Federal Tourinho
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1006
Neto, reviu o posicionamento anterior para denegar a segurança postulada. Por
oportuno, segue a transcrição do r. voto:
(...)
Do resumo feito acima, constata-se que. à medida de seqüestro está
plenamente em vigor, motivo pelo qual este juízo abstém-se de emitir nova
fundamentação sobre o cabimento da mesma, posto que matéria já apreciada,
inclusive pela instância ad quem. A fumaça do bom direito, portanto, permanece
intacta.
2.2. Perigo da demora - incremento do risco
Já o perigo da demora demandará maior atividade cognitiva, em razão dos
novos fatos materializados nos autos. Concentrar-ae-á na efetividade da medida.
Isso porque, segundo informações até então disponíveis, o seqüestro da
quota-parte pertencente a João Arcanjo Ribeiro empreendimento Universal Crowè
Plaza Hotel sequer foi materializado, pois depende de atividade integrativa a ser
desempenhada pelos Estados Unidos da América, através do instrumento da
cooperação jurídica internacional ainda não acionado pela República Federativa
do Brasil, não havendo qualquer previsão para a sua conclusão, conforme foi
mencionado no relatório supra.
Por outro lado, as informações prestadas pelo administrador judicial enunciam
uma provável tentativa de dilapidação do empreendimento. Com efeito, os
argumentos trazidos aos autos são densos, notadamente porque corroborados
pela documentação acostada.
O primeiro deles, referente à demanda que tramita perante a justiça, americana,
no Condado de Orange, Flórida (Caso n. 06-CA-7402), e que tem como objeto a
dissolução, da sociedade empresarial Universal Tower’s Construction; INC. - UTC,
interposta pela Constrazza International Construction, INC., está devidamente
demonstrada nos autos pela petição de fl s. 19.219-19.225. Analisando-a, verifi ca-
se-que a pretensão ali veiculada não é apenas para á. dissolução judicial da
Universal Towers (fl . 19.222); mas também abrange o direito de inspecionar todos
os documentos pela então requerente (fl . 19.224).
Na toada dessa segunda pretensão (ação para inspeção de registros),
surge a evidência de que a Constrazza International Construction, INC, fora
completamente afastada da administração da atividade empresarial e,
consequentemente, do acesso à documentação fiscal e administrativa do
empreendimento. Os documentos de fl s. 19.226-19.227 corroboram o alegado
pelo administrador judicial.
É de se destacar ainda a mudança na direção da Universal Tower’s Construction,
INC. - UTC, passando a Sra. Kelly Arcanjo Ribeiro, fi lha de João Arcanjo Ribeiro,
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1007
a figurar como presidente da empresa, enquanto que este último mantém a
condição de diretor (fl s. 19.227 e 19.245-19.246).
Sintomática a passagem dos itens “9”, “10” e “25” da petição inicial da demanda
aforada pela Constrazza (fl s. 19.220-19.221 e 19.223):
(...)
A legitimar, há ainda a alegação de que o Sr. Zilberto Zanchet (representante
da Constrazza) teria recebido uma proposta do Sr. João Arcanjo Ribeiro, em
audiência conciliatória para compra da parte da primeira, pelo montante de
US$ 10.000.000,00 (dez milhões de dólares). Apesar de a proposta não estar
materializada em documento, a mesma soa verossímil, em razão do conjunto
probatório acostado.
De tais fatos permite-se extrair a fundada suspeita de que o Sr. João Arcanjo
Ribeiro pretende assumir o total controle da empresa, a fi m de inviabilizá-la,
fato que coloca em extremo risco a medida de seqüestro decretada e, por
conseqüência, a própria efi cácia do provimento condenatário fi nal.
O prejuízo para o processo seria enorme, tendo em vista que o empreendimento
é milionário - estimado em US$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de dólares) -,
tendo sido ganhador, nos últimos anos, do prêmio de maior ocupação na região.
Mesmo sendo um sucesso empresarial, não há como negar que a Universal
Tower’s Construction, INC. - UTC está em risco, havendo indícios de que a empresa
que o administra (Interstate Hotels & Resorts) apenas estaria cumprindo as
obrigações supostamente fraudulentas assumidas pela UTC, na medida em que
esta é administrada pela UTI, ou seja, os lucros mensalmente obtidos estariam
sendo pulverizados através das despesas simuladas da UTI, titular da maior quota-
parte daquela.
2.3. Atividade empresarial-assunção-administração judicial
Na esteira do. que foi afirmado rio item anterior, a assunção da Sra. Kelly
Arcanjo Ribeiro à condição de presidente da Universal Tower’s Construction,
INC. - UTC constitui ato atentatório à efetividade da jurisdição. É que, por via
transversa, o Sr. João Arcanjo Ribeiro continua na detenção do domínio da
atividade empresarial, na medida em que sé utiliza da parente como longa manus
das suas decisões.
Altamente recomendável, portanto, a retirada da Sra. Kelly da chefia da
atividade empresarial, não só pela simulação aqui descortinada, como também
para que o empreendimento não reste completamente inviabilizado.
Cuida-se de medida que pode ser implementada com. menos atividade
burocrática, pois basta retirar da Sra. Kelly a representação da Universal Towers
Investimentos e Participações Ltda. - UTI, pessoa jurídica constituída e registrada
na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1008
A substituição da Sra. Kelly Arcanjo Ribeiro pelo administrador judicial, na
representação da sociedade empresária estabelecida no Brasil, gera o efeito
imediato de conduzi-lo à condição de administrador do empreendimento situado
no estrangeiro.
2.4. Seqüestro anterior-subsistência
É importante ressaltar que a medida aqui postulada não prejudica
a materialização da anteriormente definida pelo juízo em fls. 17.683-17.693,
devidamente confi rmada-pelo e. TRF da 1ª Região, conforme enunciado no item
2.1.
Cuida-se apenas de uma atividade judicial complementar, com vistas à
efetivação material do seqüestro. Em. outras palavras, é uma medida acautelatória,
da própria tutela cautelar anteriormente concedida. Busca-se, portanto, assegurar
o resultado prático do seqüestro, para que este possa acautelar o eventual
provimento jurisdicional desfavorável ao Sr. João Arcanjo Ribeiro.
O fundamento de validade desta medida repousa nos artigos 4º e 5º da Lei
n. 9.613/1998; artigos 125 e ss, do CPP, sem prejuízo do poder geral de cautela
previsto nos artigos 798 e 799 do CPC, aplicáveis subsidíariamente ao processo
penal, por. força do art. 3º do CPP.
2.5. Representação externa da UTI
Considerando a existência de demanda tramitando nos Estados Unidos da
América envolvendo a Universal Tower s Construction, INC, - UTC, que tem como
sócia majoritária a Universal Towers Investimentos e Participações Ltda. - UTI, este
juízo entende pertinente a atuação do administrador judicial naqueles autos,
representando esta última, ademais dos atos ordinários de administração do
empreendimento.
Dessa forma, a presença do administrador judicial em território americano,
juntamente com o, assessor jurídico, faz-se imprescindível.
Para tanto, deverá ser solicitada ao Ministério das Relações Exteriores a
expedição de Passaporte Ofi cial, nos termos do art. 8º do Decreto n. 5.978, de 4
de dezembro de 2006, especifi cando o local, o período e a descrição da missão a
ser desempenhada.
3. DISPOSITIVO
Pelo exposto, decreto a intervenção judicial na Universal Tower’s Investimentos
e Participações Ltda. - UTI, pessoa jurídica de direito privado, inscrita sob o CNPJ
(...) designando o administrador judicial já nomeado por este juízo, o Sr. Francisco
Ferreira Bonfi m (...) qual será investido dos poderes ordinários de administração/
gerência, da aludida empresa, especialmente para administrar a quota-parte
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1009
desta na Universal Tower’s Construction, INC. - UTC (...). Por conseqüência, a
Sra. Kelly Arcanjo Ribeiro fi ca desde já retirada da função de representante da
UTI. Expedir o competente mandado de administração, a ser averbado junto ao
registro da Universal Towers Investimentos e Participações Ltda., - UTI na Junta
Comercial do Estado de Mato Grosso.
Considerando que a Universal Tower’s Construction, INC. - UTC é uma empresa
constituída é situada nos Estados Unidos da América, deverá ser expedido ofi cio
ao Ministério das Relações Exteriores, solicitando-lhe a expedição de passaporte
ofi cial e de nota verbal, esta a ser enviada para a Embaixada dos Estados Unidos
da América, para fi ns de concessão de visto de entrada para o administrador
judicial e o respectivo assessor jurídico, ambos qualifi cados em fl . 19.215, devendo
constar do ofi cio o local, o período, e a descrição da missão a ser desempenhada.
(...)
A decisão foi retifi cada somente para determinar que “o Sr. João Arcanjo
Ribeiro fi ca desde já retirado da função de representante da UTI.” (fl . 279).
Inconformada, a defesa impetrou mandado de segurança perante
o Colegiado Federal, que denegou a ordem em 15.10.2008. Confira-se o
fundamento do julgado (fl s. 411-416):
1. João Arcanjo Ribeiro, brasileiro, casado, atualmente recolhido na
Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande, Mato Grosso
do Sul, impetra mandado de segurança contra ato do Juiz Federal Substituto da
1ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, Marcel Peres de Oliveira,
“com a fi nalidade de suspender a execução da decisão proferida nos autos de
providência assecuratória criminal, proposta pelo Ministério Público Federal aos 4
de dezembro de 2002, tombados sob o n. 2002.36.00.007873-7”.
Alega o impetrante que (fl s. 04):
Aos 19 de dezembro de 2006, a pretexto de cumprimento do acórdão
exarado na Apelação Criminal n. 2003.36.00.008505-4, foi decretado, de
ofício, pelo Juiz Federal em Substituição na 1ª Vara da Seção Judiciária do
Estado de Mato Grosso, o seqüestro da cota parte do Hotel Universal Crowe,
em Orlando, Flórida, nos Estados Unidos da América, de propriedade
do impetrante, sem, contudo, imiscuir na posse e na administração do
empreendimento (docs. 02 e 03).
Diz que (fl s. 7):
Nada obstante, o juiz impetrado, em ilegítima alteração nos estados de
direito e de fato da mencionada decisão judicial e do bem por ela atingido,
resolveu, em um só momento, tanto destituir preposto do impetrante da
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1010
administração/gerência da Universal Tower’s Investimentos e Participações
Ltda. quanto a embaraçar o seu direito ao contraditório e a ampla defesa.
Afi rma que (fl s. 8-9):
Não busca o impetrante, agora, com o atual writ, demonstrar o acerto
ou desacerto do reproduzido pronunciamento, o que, aliás, só será possível
após a restauração do seu direito líquido e certo ao devido processo legal, ao
contraditório e a ampla defesa, até aqui, a reboque do abuso de poder, do ardil
do jogo de palavras, afrontosamente negados.
Com efeito, proferiu-se decisório, que, a olhos mais desatentos, informa
a privação do impetrante sobre um empreendimento em normal e
regular atividade nos Estados Unidos da América, marcou-se data para
sua execução, 28 de agosto de 2008, e não se permitiu que ele ao menos
conhecesse das razões ou fábulas justifi cadoras do brutal confi sco.
2. Foi concedida liminar (fl s. 246-247).
3. A autoridade apontada coatora, Juiz Marcel Peres, informa o seguinte (fl s.
321-322):
Conforme se observa da inicial deste writ, a causa de pedir alegada pelo
impetrante consiste, basicamente, na inobservância do contraditório. Este
juizo confi rma que não houve a colheita de manifestação prévia da defesa
para se proferir a decisão guerreada, mas isso se deveu ao fato de que as
circunstâncias exigiam a aplicação, no caso, da técnica do contraditório
diferido.
Isso porque a oitiva prévia do requerido colocaria em risco a efetividade
da medida decretada, principalmente no que concerne à possibilidade
de alteração do quadro societário da pessoa jurídica constituída nos EUA
(Universal Tower’s Construction, INC.- UTC).
Com efeito, ao contrário das pessoas jurídicas constituídas e registradas
na República Federativa do Brasil, sobre as quais o Poder Judiciário detém
o poder jurídico de desconstituir ou de declarar ineficazes quaisquer
atos fraudulentos, a Universal Tower’s Construction, INC. – UTC está imune
a tal tipo de provimento, pois constituída sob as leis dos EUA, estando
ali sediada. A única possibilidade seria através da co-participação deste
país, sendo que a prática já revelou que se trata de instrumento lento e
burocrático.
Assim, qualquer ato praticado sob a jurisdição estrangeira, mesmo que
fraudulento, comprometerá o resultado da medida de seqüestro.
Faço observar que o periculum in mora ensejador do decisum em tela
restou demonstrado através da manifestação do administrador judicial,
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1011
de fl s. 19.209-19.215 (e documentos 19.216-19.246), cuja cópia segue em
anexo.
Portanto, informo que a intervenção judicial decretada por este Juízo
visou, na essência, a assegurar a efi cácia da decisão de seqüestro proferida
em fl s. 17.683-17.693 a qual foi, inclusive, confi rmada por esse e. Tribunal,
nos autos do MS n. 2007.01.00.001558-6-MT, mas que até a presente data
não foi implementada.
Por fi m, ao contrário do que afi rma o impetrante, o contraditório não foi
suprimido, mas tão-somente postergado, sendo que o processo encontra-
se à disposição da defesa, conforme despachos de fl s. 19.309, 19.315 e
19.320, além da certidão de fl . 19.313, para se manifestar acerca da decisão.
Ministério Público Federal, pelo Procurador Regional da República Luiz
Francisco Fernandes de Souza, opinou pena não concessão da segurança (fl s.
398-4.020.
5. É o relatório.
1. A conclusão da decisão atacada, datada de 15 de agosto de 2008, está vazada
nos seguintes termos (338-339):
Pelo exposto, decreto a intervenção judicial na Universal Tower’s
Investimentos e Participações Ltda. – UTI, pessoa jurídica de direito privado,
inscrita no CNPJ (...), designando o administrador judicial já nomeado por
este Juízo, o Sr. Francisco Ferreira Bonfi m, brasileiro, casado, RG (...), o qual
será investido dos poderes ordinários de administração/gerência da aludida
empresa, especialmente para administrar a quota-parte desta na Universal
Tower’s Construction, INC. – UTC, com endereço na 7.800, Universal BLVD,
Orlando, Flórida 32819 – EUA. Por conseqüência, o Sr. João Arcanjo Ribeiro
fi ca desde já retirado da função de representante UTI. Expedir o competente
mandado de administração, a ser averbado junto ao registro da Universal
Tower’s Investimentos e Participações Ltda. – UTI na Junta Comercial do
Estado de Mato Grosso (...)”
II – Em face do contido às fl s. 19.295-19.297, faça-se constar do ofício a ser
expedido ao Ministério das Relações exteriores que, em relação à solicitação
da expedição do passaporte ofi cial, o expediente, informe-se ainda, para o
cumprimento da missão o administrador judicial e o respectivo assessor
jurídico se deslocarão às cidades de Orlando-FL, Miami-FI, e Nova York-NY.
III – Quanto à cidade de Washington-DC o deslocamento do
administrador judicial e seu assessor jurídico mostra-se, em princípio,
desnecessário, já que o motivo do deslocamento está sujeito ao implemento
de uma condição relativamente remota.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1012
Antes, em 19 de dezembro de 2006, o MM Juiz Federal da 2ª Vara da Seção
Judiciária do Estado de Mato Grosso, Jéferson Schneider, em substituição legal
neste processo, decretou o seqüestro da cota parte de participação pertencente ao
ora impetrante, João Arcanjo Ribeiro, no “empreendimento Universal Crowe Plaza
Hotel, Orlando, Flórida, Estados Unidos da América do Norte” (v. fl s. 346-356).
Decisão esta que, segundo informa o próprio impetrante, foi mantida por este
Tribunal (v. ACr n. 2007.36.00.003794-9 e MS n. 2007.01.00.00.1558-6, cf. fl s. 5).
Para proferir a decisão ora impugnada, foi provocado pelo administrador
judicial, Francisco Ferreira Bonfi m, que, em 18 de julho de 2008, pediu que fosse
tomada medida de urgência para garantir a efetivação do seqüestro’ (fl s. 357-363),
dizendo que (fl s. 358):
(...) enquanto não for efetivado o Seqüestro naquele país, os bens
existentes estarão na iminência de se perderem ou serem envolvidos em
transações fraudulentas para que quando o seqüestro seja efetivado, não
se encontre tais bens ou então estejam totalmente endividados, ou ainda,
desvalorizados, causando assim prejuizos irreparáveis à União, que será a
benefi ciária deste patrimônio face ao perdimento decretado nos autos da
ação criminal.
Neste norte, cumpre ao administrador informar a este juízo, que recebeu
informações de intenções fraudulentas por parte do acusado para desviar
os recursos e bens existentes nos Estados Unidos, referente ao Universal
Crowne Plaza Hotel em Orlando, Flórida, nos Estados Unidos da América.
O Administrador informa que foi procurado pelo Sr. Alfeu de Melo,
portador do Rg. (...) (Doc. 01), dizendo-se representante do Sr. Zilberto
Zanchet, sócio do Sr. Arcanjo, no empreendimento Universal Tower
Construction, Inc. (UTC) Vale dizer que o auditor estava acompanhado
de uma pessoa que não se apresentou. Posteriormente, o auditor nos
informou que a pessoa que o acompanhara na ocasião era o próprio Sr.
Zilberto Zanchet.
Nesta primeira reunião o auditor nos informou que existe uma ação na
Justiça Americana, no condado de Orange, Florida (caso n. 06-CA- 7402)
para dissolução da sociedade empresarial Universal Tower’s Construction,
inc (UTC), interposta pelo Sr. Zilberto eis que fora, ilegalmente, afastado
da administração da sociedade, e não tem acesso a documentação fi scal e
administrativa do empreendimento.
Na verdade, o MM Juiz a quo, autoridade apontada como coatora, determinou,
com a decisão impugnada, dar efetividade à medida de seqüestro que determinara
em 19 de dezembro de 2006. Não houve, portanto, nenhuma inovação. Explica o
ilustre Juiz nessa decisão (fl s. 335-336):
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1013
É importante ressaltar que a medida aqui postulada não prejudica a
materialização da anteriormente defi nida pelo juízo em fl s. 17.683-17.693,
devidamente confi rmada pelo e. TRF da 1ª Região, conforme enunciado no
item 2.1.
Cuida-se apenas de uma atividade judicial complementar, com vistas
à efetivação material do seqüestro. Em outras palavras, é uma medida
acautelatória da própria tutela cautelar anteriormente concedida. Busca-se,
portanto, assegurar o resultado prático do seqüestro, para que este possa
acautelar o eventual provimento jurisdicional desfavorável ao Sr. João
Arcanjo Ribeiro.
O fundamento de validade desta medida repousa nos artigos 4º e 5º da
Lei n. 9.613/1998; artigos 125 e ss. do CPP, sem prejuízo do poder geral de
cautela previsto nos artigos 798 e 799 do CPC, aplicáveis subsidiariamente
ao processo penal, por força do art. 3º do CPP.
Correto o entendimento do ilustre Magistrado Marcel Peres de Oliveira.
Não há, pois, direito líquido e certo a ser assegurado.
2. Ante o exposto, denego o presente mandado de segurança impetrado por
João Arcanjo Ribeiro, cassando a liminar concedida às fl s. 246-247.
Posteriormente, opôs embargos de declaração, cujo seguimento foi negado
(fl . 465). Interposto agravo regimental, negou-se provimento ao recurso, em
15.4.2009, nestes termos (fl s. 499):
Não há qualquer ofensa ao princípio do juiz natural o fato de a decisão
impugnada, que negou seguimento a recurso, ter sido proferida singularmente
pelo relator, haja vista que é atribuição deste conhecer ou não dos embargos
declaratórios interpostos em face de acórdão, para, somente quando for
conhecido, submeter o julgamento do mérito à sessão, conforme se depreende
do art. 30, inciso XXV, do Regimento Interno do E.TRF-1ª Região.
Portanto, não há nulidade alguma em razão de os embargos declaratórios
não terem sido submetidos ao órgão colegiado, em razão de ser manifestamente
inadimissível.
Como decidi à fl . 459, o presente mandado de segurança foi incluído em pauta
para ser julgado no dia 15.10.2008 e, na véspera (dia 14, às 18h35m), o impetrante
enviou petição, via fax, pedindo o adiamento. Entretanto, somente recebi a
petição depois da sessão de julgamento (v. despacho lançado no rosto da petição
em fax - o original só chegou no dia 16).
Dessa forma, a alegação de que o pedido de adiamento do julgamento poderia
ter sido analisado não prospera, haja vista que essa pretensão restou prejudicada,
perdendo, portanto, seu objeto.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1014
Decidi, ainda, que, apesar de a audiência ter sido marcada, no dia 6 de agosto,
no Juízo Estadual, 15ª Vara da Comarca de Cuiabá, o advogado do impetrante
só veio comunicar o fato a este Juízo na véspera do julgamento (dia 14, às
18h35m) (doc. de fl s. 418-419), correndo o risco de não haver tempo sufi ciente
para a análise de sua pretensão ao protocolar petição horas antes da sessão de
julgamento do processo, como ocorreu.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
Adveio, então, o presente recurso ordinário, no qual alega o recorrente
que na decisão de sequestro não se imiscuiu na posse e na administração
do empreendimento, o que somente ocorre com o confisco, condicionado
ao trânsito em julgado, o que não ocorreu nem na Apelação Criminal n.
2007.36.00.00.3794-9, nem na n. 2003.36.00.008505-4.
Menciona que outros bens do acusado estão no aguardo de solução judicial.
Defende que, até o resultado da “controvérsia sobre quais bens permanecerão
sob a guarda do administrador, cujo acertamento, induvidosamente, restituirá ao
recorrente a posse e administração daqueles não cedidos, em juízo, a terceiros,
não há falar em permissão para inovar atos de gestão e de posse sobre os demais
bens e direitos do acervo patrimonial do recorrente, sobretudo aqueles onde
assinado o trânsito em julgado como termo para essa atuação” (fl . 516).
Sustenta que, “nada obstante, o juiz a quo, em ilegítima alteração nos
estados de direito e de fato da mencionada decisão judicial e do bem por ela
atingido, resolveu, em um só momento, tanto destituir preposto do recorrente da
administração e da gerência da Universal Tower’s Investimentos e Participações
Ltda. quanto embaraçar o seu direito ao contraditório e a ampla defesa” (fl . 516).
Assere que não se conheceu das razões que justificariam a medida
constritiva, não sendo dada vista prévia para a manifestação da defesa.
Afi rma que, após o deferimento do pleito assecuratório, o Ministério
Público Federal permaneceu indevidamente por longo período com os autos,
difi cultando os recursos defensivos.
Aduz que, conquanto o juízo tenha determinado a devolução imediata dos
autos e a restituição do prazo recursal defensivo, mostrou-se inefi caz a medida
que assim o fez na véspera do término do lapso temporal.
Destaca que peticionou, via fax, antes do julgamento do Mandado de
Segurança n. 2008.01.00.040982-9-MT, pleito de adiamento, eis que já
comprometido com outro ato processual; declinou, ainda, a necessidade de
sustentação oral, diante da complexidade do feito.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1015
Consigna que novo cerceamento de defesa ocorreu na espécie.
Obtempera que “o processo principal é uma medida assecuratória, em
que o propósito é acautelar o ressarcimento futuro dos prejuízos do crime
e o pagamento da sanção pecuniária, em nada se apresentando como uma
expropriação cautelar que se esgota em si mesma, convindo destacar que a
constrição sobre cotas sociais deve monástica obediência aos princípios
societários, regidos por lei específi ca” (fl . 531).
Pondera que “a decretação do seqüestro e a natural indisponibilidade
desses títulos, como ordenados, deve incidir apenas sobre os aspectos fi nanceiros
das ações, sendo impossível estender a constrição aos atos relativos à gestão
da pessoa jurídica, pena de, não sendo assim, trair a própria ratio essendi dos
institutos previstos no Capítulo VI do Código de Processo Penal, esgarçando
a disciplina do artigo 1.071 do Código Civil e transformando medida cautelar
assecuratória em instrumento de natureza satisfativa, ao arrepio do direito” (fl .
532).
Salienta que “não se resume em outorgar eficácia a seqüestro antes
decretado, mas solucionar a antecipação dessa medida conservativa, a
reboque de ardiloso expediente do administrador judicial, com episódios e
provas supervenientes, sem se oportunar o contraditório e a ampla defesa ao
embargante, transformando-o em odioso confi sco judicial, sem atentar para a
ausência da coisa julgada e sem considerar o comando do acórdão exarado na
Apelação Criminal sob o n. 2003.36.00.008505-4, da 3a Turma do Tribunal
Regional Federal da 1a Região” (fl . 532).
Enfatiza que “a situação que dos autos consta vai além, por envolver,
com o auxílio de novos documentos (sobre os quais o embargante não pode
pronunciar-se a respeito), de intervenção judicial, de natureza incidental e
de cabimento restrito e emergencial, onde os prepostos do recorrente foram
afastados da gerência e administrarão do empreendimento, sem a vigilância do
due process of law.” (fl . 533).
Pugna, ao fi nal, pelo provimento do recurso, a fi m de que seja anulado o
acórdão impugnado, por cerceamento de defesa, sendo concedida a segurança,
“restaurando o equilíbrio na relação jurídica entre as partes, afastando as
irreversíveis sequelas formais e processuais decorrentes da sintomática agressão
à garantias fundamentais do recorrente, a exemplo do contraditório e da ampla
defesa, em suas verdadeiras extensões jurídicas” (fl . 536).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1016
As contrarrazões foram apresentadas pelo Parquet estadual às fl s. 619-626.
O Tribunal de origem admitiu o recurso à fl . 628.
Com vista dos autos, o Ministério Público Federal manifestou-se, às fl s.
633-649, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral Maria das Mercês de C.
Gordilho Aras, pelo desprovimento do recurso ordinário.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): Inicialmente,
cumpre destacar que estes autos foram a mim distribuídos por prevenção ao
REsp n. 803.811-MT, que foi julgado prejudicado. Passa-se, então, ao exame
deste recurso.
O objeto do presente expediente recursal abarca, essencialmente, a análise
da existência de nulidade processual, ante a realização da sessão de julgamento
sem a sustentação oral defensiva, além de eventual cerceamento de defesa
também perante o juízo de primeiro grau.
Nesse âmbito, é de ver que o Desembargador Federal relator do mandado
de segurança assim se pronunciou em sede de embargos de declaração sobre a
questão suscitada (fl . 465):
(...)
Foi o presente mandado de segurança incluído em pauta para ser julgado
no dia 15 de outubro de 2008. Na véspera, dia 14, às 18 horas e 35 minutos,
o impetrante envia petição, via fax, pedindo o adiamento, alegando que seu
advogado “já estar comprometido, em sua agenda profi ssional, com outro ato
processual, a ser realizado na mesma data e em outra Unidade da Federação
a que situada essa Egrégia Corte (doc. 1), a implicar na impossibilidade de sua
locomoção em tempo hábil para participar, a contento, da anotada sessão
plenária” (fl s. 417).
Recebi a petição depois da sessão de julgamento (v. despacho lançado no
rosto da petição em fax - o original só chegou no dia 16).
Observe-se, outrossim, que a audiência foi marcada, no dia 6 de agosto, no
Juízo Estadual, 15ª Vara da Comarca de Cuiabá, e o advogado do impetrante só
veio comunicar a este Juízo na véspera, do julgamento, dia 14, às 18 horas e 35
minutos (doe. de fl s. 418-419).
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1017
Os embargos de declaração devem ser opostos quando no acórdão algum
vício, o que, no caso, não é apontado.
Ante o exposto, nego seguimento aos presentes embargos de declaração.
Interposto agravo regimental, eis o dito pelo Colegiado Federal (fl . 499):
1. Não há qualquer ofensa ao princípio do juiz natural o fato de a decisão
impugnada, que negou seguimento a recurso, ter sido proferida singularmente
pelo relator, haja vista que é atribuição deste conhecer ou não dos embargos
declaratórios interpostos em face de acórdão, para, somente quando for
conhecido, submeter o julgamento do mérito à sessão, conforme se depreende
do art. 30, inciso XXV, do Regimento Interno do E.TRF-1ª Região.
Portanto, não há nulidade alguma em razão de os embargos declaratórios
não terem sido submetidos ao órgão colegiado, em razão de ser manifestamente
inadimissível.
Como decidi à fl . 459, o presente mandado de segurança foi incluído em pauta
para ser julgado no dia 15.10.2008 e, na véspera (dia 14, às 18h35m), o impetrante
enviou petição, via fax, pedindo o adiamento. Entretanto, somente recebi a petição
depois da sessão de julgamento (v. despacho lançado no rosto da petição em fax - o
original só chegou no dia 16).
Dessa forma, a alegação de que o pedido de adiamento do julgamento poderia
ter sido analisado não prospera, haja vista que essa pretensão restou prejudicada,
perdendo, portanto, seu objeto.
Decidi, ainda, que, apesar de a audiência ter sido marcada, no dia 6 de agosto, no
Juízo Estadual, 15ª Vara da Comarca de Cuiabá, o advogado do impetrante só veio
comunicar o fato a este Juízo na véspera do julgamento (dia 14, às 18h35m) (doc. de
fl s. 418-419), correndo o risco de não haver tempo sufi ciente para a análise de sua
pretensão ao protocolar petição horas antes da sessão de julgamento do processo,
como ocorreu.
2. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
Dos documentos acostados aos autos, verifi ca-se que a petição interposta,
solicitando a alteração da data de julgamento do writ e a necessidade de
sustentação oral, foi protocolada em 14.10.2008, às 18h35 (fl . 422), sendo
proferido despacho de recebimento em 15.10.2008 (fl . 422), após a sessão do
colegiado.
De se notar, ainda, que a defesa desde 6.8.2008 já tinha conhecimento de
seu outro compromisso profi ssional, da audiência de instrução a ser realizada no
dia 15.10.2008, em feito diverso do ora em apreço (fl s. 426-427).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1018
Causa espécie, portanto, que o recorrente alegue a nulidade da sessão de
julgamento, por cerceamento de defesa, visto que a colocação em pauta do
mandamus para o dia 15.10.2008 foi devidamente publicada, somente havendo
manifestação defensiva pela alteração do julgamento para fi ns de sustentação
oral na véspera da sessão colegiada.
Considere-se, ainda, que o deferimento da solicitação é facultativo,
conforme o entendimento exarado pelos Tribunais Superiores, sendo
imprescindível dispor de fundamentação adequada, de modo a destacar a
relevância e pertinência do pleito, a fi m de que o relator do feito possa tecer
uma consideração sobre o pedido de adiamento da apreciação do recurso pelo
colegiado. In casu, não logrou êxito o recorrente em demonstrar a necessidade da
modifi cação da pauta, nem mesmo o fez em tempo hábil.
De mais a mais, careceu de zelo o impetrante do mandado de segurança,
pois não diligenciou em prol da apreciação tempestiva da petição pelo relator do
writ, não enviando, verbi gratia, alguém que pudesse fazer a petição chegar em
mãos em tempo, incidindo portanto em clara desídia.
Nessa senda, confi ra-se o disposto no artigo 565 do Código de Processo
Penal:
Art. 565. Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa,
ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à
parte contrária interesse.
Esta Corte não tem admitido que a parte se benefi cie de mácula a qual
tenha dado causa. Sobre o assunto, vejam-se estes precedentes:
Habeas corpus. Alegação de cerceamento de defesa. Advogado que não pôde
estar presente à sessão de julgamento para fazer sustentação oral. Não ocorrência
de nulidade da decisão que recebeu a denúncia contra o paciente. Precedentes
do STF e do STJ.
1. Quando houver justo e demonstrado impedimento, o pedido de adiamento
da sessão de julgamento deve ser deferido.
2. Se mais de um advogado assiste o réu em sua defesa técnica, não há como
arguir de nulo o julgamento, quando qualquer um deles, conquanto pudesse
substituir aquele que alegou impedimento, não o faz. Afi nal, segundo o artigo
565 do Código de Processo Penal, “nenhuma das partes poderá argüir nulidade a
que haja dado causa, ou para que tenha concorrido”.
3. A sustentação oral não é ato essencial à defesa.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1019
4. Precedentes do STJ e do STF.
5. No caso, apesar de o pedido de adiamento da sessão de julgamento ter sido
feito em tempo hábil para apreciação, como se tratava, em princípio, de pedido
de caráter urgente e enviado na véspera do julgamento, deveria a defesa ter
diligenciado para que a petição fosse analisada tempestivamente pelo Relator,
o que não ocorreu. Ademais, os outros advogados constituídos deveriam ter
comparecido à sessão para fazer a pretendida sustentação oral. Não obstante
isso, consoante o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, não gera nulidade
o indeferimento de pedido de adiamento de sessão de julgamento, mesmo
com a impossibilidade de comparecimento do advogado da parte para oferecer
sustentação oral.
6. Ordem denegada.
(HC n. 117.512-MG, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado
do TJ-SP), Sexta Turma, julgado em 21.9.2010, DJe 11.10.2010).
Processual Penal e Penal. Recurso especial. Art. 1º, II, do Decreto-Lei n.
201/1967. Pedido de adiamento não apreciado. Sustentação oral. Nulidade.
Inocorrência. Recebimento da denúncia. Ausência de prejuízo ao erário público.
Inexistência de dolo ou culpa. Não indicação do dispositivo de lei federal violado.
Súmula n. 284-STF.
I - Para que haja o adiamento da sessão de julgamento, é necessário que o
pedido seja realizado em tempo hábil para sua apreciação e que haja a efetiva
demonstração da plausibilidade dos motivos que ensejaram o pedido, o que não
ocorreu no presente caso (Precedentes do STF e do STJ).
II - Além do mais, tratando-se, em princípio, de pedido de caráter urgente e
aviado na véspera do julgamento (menos de 24 horas), deveria o advogado ter
diligenciado no sentido de que a petição fosse apreciada em tempo pelo Exmº Sr.
Desembargador Relator, ou até mesmo deveria o causídico ter comparecido no
dia do julgamento a fi m de argüir o pretendido adiamento, tendo em vista não
ser tal pedido (de adiamento) de acolhimento obrigatório (Precedentes do STF e
do STJ).
III - O recurso excepcional, quanto ao permissivo da alínea a, deve apresentar
a indicação do texto infra-constitucional violado e a demonstração do alegado
error, sob pena de esbarrar no óbice do verbete insculpido na Súmula n. 284-STF
(aplicável ao apelo especial ex vi art. 26 da Lei n. 8038/1990) (Precedentes).
Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
(REsp n. 758.756-PB, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em
15.12.2005, DJ 20.3.2006, p. 344).
Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Apelação. Pedido de adiamento
da sessão de julgamento. Indeferimento. Ausência de justificativa plausível.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1020
Cerceamento de defesa não confi gurado. Ordem denegada.
1. O adiamento da sessão de julgamento do recurso de apelação deve ser
acompanhado de justifi cativa plausível, pois a sua realização não pode fi car ao
alvedrio das partes.
2. No caso, o impetrante foi constituído para realizar a sustentação oral
do recurso interposto apenas na véspera do dia designado para a sessão de
julgamento, circunstância que evidencia a desídia do paciente na defesa dos seus
interesses.
3. Aplicação do disposto na primeira parte do artigo 565 do Código de
Processo Penal.
4. Ordem denegada.
(HC n. 100.559-RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em
19.11.2009, DJe 15.12.2009).
O Pretório Excelso assim já se manifestou:
Agravo regimental no agravo de instrumento. Alegação de cerceamento de
defesa. Causídico que não pôde estar presente à sessão de julgamento para
oferecer sustentação oral. Nulidade da decisão que recebeu a denúncia contra o
agravante. Inocorrência. Precedente do Pleno.
1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido que, por
possuir caráter facultativo, o indeferimento de pedido de adiamento de sessão
de julgamento, pela impossibilidade de comparecimento do advogado da parte
para oferecer sustentação oral, não gera nulidade.
2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido
processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites
da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio
de normas inferiores, podem configurar, quando muito, situações de ofensa
meramente refl exa ao texto da Constituição.
Agravo regimental a que se nega provimento.
(AI n. 717.895 AgR-PR - Ag.Reg. no Agravo de Instrumento; Relator(a): Min. Eros
Grau; Julgamento: 3.2.2009; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação DJe-043
DIVULG 5.3.2009. PUBLIC 6.3.2009).
No tocante à menção na decisão prolatada pelo Juízo de origem, em
19.12.2006, acerca da condicionante do trânsito em julgado, contrariamente ao
que fora dito pelo recorrente, essa somente refere-se à perda da titularidade do
direito dos bens discriminados - que ocorrerá se advier a condenação do acusado
- e não ao sequestro, no qual apenas a administração dos bens fi ca a cargo de um
gerenciador judicial, não abrangendo a propriedade.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1021
Sobre o tema, eis as seguintes lições doutrinárias:
O sequestro será levantado se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido
o acusado, por sentença, na dicção da lei, irrecorrível, ou seja, transitada em
julgado. Deveria ter tido que o sequestro também será levantado em caso de
arquivamento do inquérito policial.
Ainda, julgados procedentes os embargos, o sequestro será levantado.
Transitada em julgado a decisão condenatória e julgados improcedentes os
embargos porventura opostos, tem-se então que a medida, por força da coisa
julgada, pode ser executada. Os bens devem ser avaliados e vendidos em leilão,
sendo todas as providências realizadas no juízo penal. (GIMENES, Marta Cristina
Cury Saad. As medidas assecuratórias do Código de Processo Penal como forma
de tutela cautelar destinada à reparação do dano causado pelo delito - Tese de
Doutorado - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
p. 173-174).
A reparação do dano causado pelo delito é fi nalidade - ainda que secundária -
da tutela penal condenatória. Assim sendo, o sistema processual penal necessita
de medidas cautelares que assegurem tal resultado, nas hipóteses em que o
tempo necessário para a prolação do provimento condenatório permita que a
situação patrimonial do investigado ou do acusado se altere, gerando o risco
de que, quando do provimento fi nal, tal fi nalidade seja frustrada pela demora
processual. (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Série
Universitária. Rio de Janeiro: Ed. Campus: Elsevier, 2012. p. 793).
De fato, o próprio cerne da medida assecuratória consiste na sua
natureza cautelar, de forma a possibilitar eventual ressarcimento patrimonial,
não ofendendo ao direito de propriedade, mas também sem descurar da sua
fi nalidade mor de promover e garantir uma futura pretensão reparatória.
Inclusive, de se notar que, no decisum de 13.8.2008, não incidiu em eventual
inovação o magistrado de origem, visto que apenas buscou evitar uma possível
dilapidação do patrimônio, em especial no tocante ao empreendimento objeto
da decisão - Universal Tower’s Investimentos e Participações Ltda. - UTI -,
dando efetividade à medida anteriormente determinada, assegurando o seu
resultado prático - vide fl . 327.
Por fi m, observa-se que a manifestação prévia da defesa não ocorre em
casos como o ora em apreço, de medida cautelar patrimonial de sequestro, a qual
é determinada inaldita altera pars, sem anterior intimação defensiva. Conforme
explanou o magistrado (fl . 327):
(...)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1022
Isso porque a oitiva prévia do requerido colocaria em risco a efetividade da
medida decretada, principalmente no que concerne à possibilidade de alteração
do quadro societário da pessoa jurídica constituída nos EUA (Universal Towers
Construction, INC.-UTC).
Com efeito, ao contrário das pessoas jurídicas constituídas e registradas na
República Federativa do Brasil, sobre as quais o Poder Judiciário detém o poder
jurídico de desconstituir ou de declarar inefi cazes quaisquer atos fraudulentos,
a Universal Tower s Construction, INC. - UTC está imune a tal tipo de provimento,
pois constituída sob as leis dos EUA, estando ali sediada. A única possibilidade
seria através da co-participação deste país, sendo que a prática já revelou que se
trata de instrumento lento e burocrático.
Assim, qualquer ato praticado sob a jurisdição estrangeira, mesmo que
fraudulento, comprometerá o resultado da medida de seqüestro.
(...)
Com efeito, em prol da integridade patrimonial e contra a sua eventual
dissipação, posterga-se o contraditório, sendo que a defesa pode se insurgir em
oposição a determinação judicial, dispondo dos meios recursais legais previstos
para tanto.
Com notável lucidez a parecerista ministerial assim opinou, verbis (fl . 647):
(...)
Não se vislumbra, destarte, qualquer ofensa aos preceitos constitucionais
apontados pelo ora Recorrente, sendo aceito pela doutrina e pela jurisprudência
pátrias o contraditório diferido - assegurado na hipótese vertente -, mormente
em se tratando de providências cautelares, que podem ter seu objetivo frustrado,
caso seja dado prévio conhecimento a quem deva suportar os seus efeitos.
(...)
Ante o exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 897.824-RS (2006/0237183-6)
Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior
Recorrente: Valdecir Nervis
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1023
Advogado: Liane Camargo Svoboda
Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Procurador: Clóvis Juarez Kemmerich e outro(s)
EMENTA
Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Adicional de
25%. Requerimento administrativo. Aplicação retroativa. Data do
agravamento da condição do segurado. Impossibilidade.
1. Pretensão do autor para seja reconhecida a retroação dos efeitos
da decisão que lhe conferiu o direito ao acréscimo de 25%, em virtude
da necessidade de assistência permanente, à data do agravamento da
incapacitação, decorrente, in casu, de um derrame cerebral.
2. A regra geral fi rmada para a concessão da aposentadoria por
invalidez deve prevalecer, também, no que toca ao acréscimo previsto
no art. 45 da Lei de Benefícios. À evidência, a percepção do benefício
pressupõe a demonstração da necessidade de assistência permanente,
aferível, tão somente, com a postulação administrativa e o consequente
exame médico-pericial. Precedente da Quinta Turma.
3. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado
do TJ-RS), Maria Th ereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 20 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Sebastião Reis Júnior, Relator
DJe 14.11.2011
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1024
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de recurso especial
interposto com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, em face de
acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado
(fl . 62):
Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Art. 45 da Lei n. 8.213/1991.
Acréscimo de 25%. Concessão a partir do requerimento administrativo. Direito
adquirido. Inexistência.
Tendo a situação fática ensejadora do acréscimo do art. 45 da Lei n. 8.213/1991
ocorrido após a concessão do benefício por invalidez, tal acréscimo somente é
devido a partir de quando requerido na esfera administrativa.
Inconformado, o recorrente pleiteia o reexame do feito, à luz do art. 45
da Lei n. 8.213/1991, a fi m de que seja reconhecido o direito à majoração de
25% sobre o benefício de aposentadoria por invalidez durante o período de
30.12.2000 a 15.7.2002.
Contra-arrazoado o recurso, sustenta o INSS o não conhecimento das suas
razões, ao argumento de que o recorrente não logrou indicar o ponto em que
restaria contrariado o dispositivo em comento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator): Primeiramente, cumpre
trazer a exame a redação do dispositivo legal que rege a matéria, qual seja, o art.
45 da Lei n. 8.213/1991:
Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da
assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por
cento).
Parágrafo único. O acréscimo de que trata este artigo:
a) será devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal;
b) será recalculado quando o benefício que lhe deu origem for reajustado;
c) cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor da
pensão.
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1025
No caso dos autos, tanto o Juízo de primeiro grau quanto o Tribunal a quo
entenderam que ocorreu o devido preenchimento dos requisitos necessários à
concessão do benefício ao segurado, destoando os julgados tão somente no que
tange ao dies a quo do pagamento.
Pretende o autor seja reconhecida a retroação dos efeitos da decisão que
lhe conferiu o direito ao acréscimo de 25%, em virtude da necessidade de
assistência permanente, à data do agravamento da incapacitação, decorrente, in
casu, de um derrame cerebral.
O Juiz de primeira instância considerou que a ignorância do segurado
acerca da existência do acréscimo de 25% sobre o salário de benefício não pode
vir em seu prejuízo, admitindo, com isso, a retroação.
Do acórdão recorrido, extrai-se posicionamento diverso, no sentido de
que seria impossível ao INSS verifi car quais os benefi ciários da aposentadoria
por invalidez que fariam jus ao acréscimo legal, de modo que a concessão deste
dependeria da provocação da autarquia mediante requerimento administrativo.
Parece mais acertado este último entendimento.
Analisando as características gerais da aposentadoria por invalidez, verifi ca-
se que, de acordo com o art. 42, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, sua concessão
depende da verifi cação da condição de incapacidade do segurado, mediante
exame médico-pericial a cargo da Previdência Social.
Da mesma forma, para se aferir a necessidade de assistência permanente,
deve haver a provocação por parte do segurado, a fi m de viabilizar a referida
condição pelo exame médico do INSS.
Quanto ao termo inicial da aposentadoria por invalidez, é pacífica a
jurisprudência desta Corte no sentido de que, havendo requerimento
administrativo, os efeitos fi nanceiros do reconhecimento da moléstia devem
retroagir à data deste.
Nesse sentido:
Previdenciário. Agravo regimental no agravo de instrumento. Auxílio-doença.
Termo inicial do benefício. Requerimento administrativo. Precedentes. Agravo
improvido.
1. Havendo indeferimento do benefício em âmbito administrativo, o termo inicial
dos benefícios previdenciários de auxílio-acidente, auxílio-doença e aposentadoria
por invalidez fi xar-se-á na data do requerimento. Precedentes do STJ.
2. Agravo regimental improvido.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1026
(AgRg no Ag n. 1.107.008-MG, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma,
DJe 15.3.2010 – grifo nosso).
Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Termo a quo. Pedido
administrativo.
1 - O termo inicial para a concessão da aposentadoria por invalidez é a data
da apresentação do laudo pericial em juízo, caso não tenha sido reconhecida a
incapacidade na esfera administrativa.
2 - In casu, consoante asseverado no voto condutor do acórdão recorrido,
houve requerimento administrativo, tendo o Instituto recorrente admitido a
existência de incapacidade laborativa da segurada, pelo que o benefício se torna
devido a partir daquela data.
3 - Recurso especial conhecido em parte (letra c) mas improvido.
(REsp n. 475.388-ES, Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, DJ 7.4.2003 –
grifo nosso).
Cuidando especifi camente do acréscimo de 25%, decorrente da necessidade
de assistência permanente do aposentado por invalidez, a Quinta Turma desta
Corte decidiu da seguinte forma:
Previdenciário. Aposentadoria por invalidez. Adicional de 25%. Inovação
da Lei n. 8.213/1991. Necessidade de requerimento. Aplicação retroativa.
Impossibilidade.
1. Nos termos do artigo 45 da Lei de Benefícios, o segurado aposentado por
invalidez que necessitar de assistência permanente de outra pessoa, fará jus a um
acréscimo de 25%.
2. Se na época em que concedida a aposentadoria ao recorrente não havia
previsão legal de acréscimo, somente a partir do surgimento da nova regra, mediante
requerimento da parte interessada e comprovada a necessidade, nasce para o
segurado o direito ao complemento.
3. O advento da norma autorizativa, por si, não impõe à Previdência o dever
de revisar as aposentadorias em manutenção, haja vista a exigência de que
o beneficiado necessite de assistência de outrem. Com efeito, a aferição de tal
circunstância depende, sem dúvida, da iniciativa do próprio interessado.
4. Recurso especial improvido.
(REsp n. 1.104.004-RS, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 1º.2.2010).
O feito julgado pela Quinta Turma destoa parcialmente do caso em
tela, uma vez que, naquele, o direito ao acréscimo de 25% adveio de alteração
legislativa, enquanto que, na presente hipótese, decorreu de nova doença, que
Jurisprudência da SEXTA TURMA
RSTJ, a. 25, (230): 881-1027, abril/junho 2013 1027
agravou o quadro físico do segurado. Não obstante isso, a questão posta em
debate é a mesma, qual seja, a necessidade de provocação do INSS para postular
a revisão do montante do benefício.
A regra geral fi rmada para a concessão da aposentadoria por invalidez
deve prevalecer, também, no que toca ao acréscimo previsto no art. 45 da Lei
de Benefícios. À evidência, a percepção do benefício pressupõe a demonstração
da necessidade de assistência permanente, aferível, tão somente, com a
postulação administrativa e o consequente exame médico-pericial. A aferição da
circunstância que dá causa ao acréscimo em tela depende, é claro, da iniciativa
do próprio interessado.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
VOTO
O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-
RS): Sra. Presidente, a matéria é interessante, acho que S. Exa., inclusive, tem
precedente que cita a situação paralela à aposentadoria.
Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator.