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RICHELIEU E POMBAL:O ABSOLUTISMO PELOS MINISTROS DO REI
ÍNDICE
Introdução pág. 031– Breve perfil dos protagonistas1.1 – Louis XIII, le Juste. pág. 041.2 – Cardial de Richelieu. pág. 071.3 – D. José I, o Reformador. pág. 111.4 – Marquês de Pombal. pág. 122 – O Absolutismo em França: a gestão de Richelieu pág. 183 – O Absolutismo em Portugal: a gestão de Pombal pág. 244 – Elementos comparativos pág. 33Conclusão pág. 36Bibliografia pág. 37Anexo I – Gravuras pág. 38
INTRODUÇÃO
O sistema político conhecido como Absolutismo sempre constituiu como que uma atração
irresistível para os líderes de todas as épocas. De facto, será tentador para um governante a
possibilidade de exercer o Poder sem ter que prestar contas dos seus atos, nem ter de negociar
as medidas que o seu «superior» julgamento considere necessário tomar.1
Até à atualidade, apenas os Papas da Igreja de Roma detiveram essas prerrogativas de forma
continuada, como representantes de Deus na terra. Aos Reis e Imperadores coube apenas uma
pequena fração delas, durante curtos (em termos históricos) períodos de tempo.
Casos houve, entretanto, em que esse Poder absoluto se deslocou para os ministros do Rei, os
quais, pela sua personalidade forte, impuseram um estilo único de governação em nome do
soberano. Foram absolutistas, porque detiveram um poderio praticamente sem limites que
utilizaram para implementar reformas estruturais de fundo nos seus países, sem precisarem de
acolher quaisquer outras diretrizes que não aquelas baseadas no seu próprio juízo daquilo que
seria o melhor para o futuro.
Dois paradigmas dessa forma absoluta de governar foram o Cardeal Richelieu na França do
século XVII e o Marquês de Pombal no Portugal do século XVIII. Ambos protagonizaram um
conceito de Estado, uno e indivisível na pessoa do monarca, ao qual todos se deveriam
submeter independentemente da sua condição social. As suas lutas foram quase sempre contra
uma nobreza para quem a ideia de Estado correspondia apenas ao conjunto dos seus feudos
pessoais, nos quais cada nobre era senhor e o Rei apenas um primus inter pare, um primeiro
entre iguais a quem era delegada autoridade, mas que seria obedecido na medida das
conveniências desses nobres.2 3
Com este trabalho pretende-se caracterizar não apenas as personalidades e a gestão destes dois
símbolos do Absolutismo, mas também as condições em que puderam ascender ao Poder,
1 Richard Bonney, O Absolutismo, Maria do Anjo Figueiredo (trad.), Mem-Martins, Publ. Europa-América, 1989.2 Kenneth Maxwell, O Marquês de Pombal, Saul Barata (trad.), Lisboa, Editorial Presença, 2001, pp. 180-201.3 Auguste Bailly, Richelieu, Rosalina Caeiro Tique (trad.), Porto, Lello & Irmão Editores, 1985, pp. 117-137.
2
incluindo necessariamente a caracterização possível dos soberanos que ficariam para a
História algo ofuscados pela ação dos seus ministros.
3
1- BREVE PERFIL DOS PERSONAGENS
1.1- Louis XIII, le Juste4
Este monarca ficou para a História algo ofuscado pela figura do seu Ministro-Cardeal
Richelieu. De tal forma que, para o menos avisado dos leitores, necessário se torna esclarecer
que era o Rei a quem se referia Alexandre Dumas na sua obra-prima “Os Três Mosqueteiros”,
por sinal retratando-o incorretamente como um joguete da vontade do Cardeal; outros irão
mais longe, identificando-o como o pai de Louis XIV, o famoso Rei-Sol.
Foi uma criança difícil, com súbitos acessos de raiva contra qualquer disciplina imposta, que
muito exasperavam os seus tutores e lhe valiam algumas chicotadas.5 Estas eram aliás tão
frequentes que a sua mãe, Marie de Medici, recomendava à precetora que evitasse chicoteá-lo
durante o calor do verão, se possível, uma vez que o temperamental infante poderia ficar
agitado, além de que qualquer tareia deveria ser administrada com tais cuidados que a fúria
que ele pudesse sentir não fosse causadora de qualquer enfermidade.6
Louis XIII foi criado não apenas com os outros filhos legítimos de seu pai Henri IV
(Elisabeth, Christine, Henriette-Marie, Philippe e Gaston)7, mas também com os ilegítimos
(três de Gabrielle d’Estrées, falecida em 1599; dois da marquesa de Verneuil; um da condessa
de Moret; três de Charlotte des Essarts), além de que convivia na Corte com as amantes do
pai, a rainha divorciada, Marguerite, e a nova rainha, Marie de Medici, sua mãe, e era sempre
informado à medida que os seus irmãos e meios-irmãos iam nascendo; deste modo, cedo foi
tomando consciência da distinção entre legítimo e ilegítimo e do facto de que era herdeiro do
trono por direito de nascimento.8
Ao ser coroado Rei de França com apenas 14 anos, após o assassinato do pai, o jovem não
demorou a compenetrar-se de que ser monarca o colocava perante um conjunto de deveres e
responsabilidades, mas também lhe conferia o direito de fazer valer a sua vontade perante os
4 A. Lloyd Moote, Louis XIII, The Just, Los Angeles, University of California Press, 1991.5 A. Lloyd Moote, op. cit., p. 25, passim.6 Idem, p. 27.7 Anthony Levi, “Genealogies” in Cardinal Richelieu and the Making of France, New York, Carroll & Graf Publishers, 2001, p. xv.8 Anthony Levi, op. cit., p. 58.
4
seus súbditos, fossem nobres ou camponeses, tendo em mente um projeto de unificação da
França sob a sua autoridade.
Porém, primeiro devia aprender a governar.
O futuro Luís XIII era uma pessoa extremamente emocional e as emoções refletiam-se na sua
saúde. Toda a sua vida sofreria de crises gastro-intestinais e pensa-se que, com vinte e poucos
anos tenha desenvolvido a tuberculose de que haveria de morrer; um ano houve em que seria
sangrado 47 vezes, purgado 215 vezes, e tomaria 212 medicamentos, graças à sua
hipocondria. Richelieu dir-lhe-ia um dia que jamais o tinha visto doente de outra coisa que
não a sua agitação emocional.9 De sólidos princípios e com uma preocupante tendência de
procurar alguém em quem se apoiar; tinha, por outro lado, dificuldade em exprimir pontos de
vista diferentes dos alheios, recorrendo a estudados silêncios e, ocasionalmente, a ásperas
réplicas. Por conseguinte, o régio adolescente não estaria idealmente equipado para lidar com
uma situação em que era oficialmente um chefe de Estado, mas, na prática, estava sob
controlo da regência de uma mãe, Marie de Medici, de forte personalidade; isto iria originar
conflitos entre a sua vontade e as regras impostas, além de, por vezes, violentas explosões, à
medida que o Rei se aproximava da idade adulta. É aqui que a influência d’Os Três
Mosqueteiros de Alexandre Dumas é mais marcante, ao descrever um Louis XIII vazio de
personalidade e de espírito, de tal forma que é preciso um certo esforço de imparcialidade
para perceber como é que um jovem Rei pode atrever-se a desafiar a sua mãe e o favorito dela
antes de completar dezasseis anos de idade. Afinal, não será muito comum um adolescente de
quinze anos, em qualquer era ou lugar, ter semelhante comportamento. 10
Mas foi mesmo isso que aconteceu.
Nos princípios de 1615, na sessão de encerramento dos États Générales que, sob a égide real,
reunia muito raramente os três Estados11 que constituíam a sociedade francesa e onde todos
lutavam essencialmente por manter os seus privilégios, o jovem monarca dissera aos seus
9 Anthony Levi, op. cit., p. 59.10 A. Lloyd Moote, op. cit., pp. 79, 80.11 N.A.: Les États Générales ou os Estados Gerais, compreendiam a representação das três ordens sociais: o clero, com 140 deputados (incluindo cinco cardeais, sete arcebispos e 47 bispos), a nobreza, com 132 deputados, e o Terceiro Estado, com 192 deputados (dos quais cerca de 1/3 pertencia na realidade à nobreza, enquanto muitos dos restantes possuíam seigneuries); os simples camponeses não estavam sequer representados. Cfr. Anthony Levi, op. cit, p. 39.
5
súbditos que era maior de idade em relação a tudo e a todos, exceto em relação à rainha sua
mãe. Marie de Medici, iludida pelo comportamento ostensivamente obediente do filho e pelo
seu próprio desejo de conservar o Poder, acreditara nele. Além do mais, o rapaz dava-se com
os homens menos viris da corte, o que certamente não era um sinal de um futuro grande
governante; por outro lado, a sua mãe tivera o cuidado de o rodear de gente medíocre e de
pouca imaginação, de forma a torná-lo inofensivo. A rainha e o seu favorito, Concino
Concini, sempre recearam que o Delfim se tornasse um títere de outros que não deles, mas
nunca imaginaram que Louis pudesse usar a amizade aparentemente inócua com Charles
d’Albert, seigneur de Luynes (de quem se comentava que partilharia, com os seus dois irmãos
mais novos, o mesmo melhor fato), o qual, começando por ser falcoeiro real, depressa se
tornaria confidente do jovem monarca, aquele em quem este se apoiaria para compensar a sua
timidez congénita, encontrando numa forma de resistência passiva o caminho para se afirmar
perante uma imperiosa rainha-mãe.12
Era costume, nos primórdios da Europa moderna, os monarcas recompensarem
generosamente pessoas de quem gostassem; o caminho de favorito pessoal a ministro-favorito
era bem aplanado nesses tempos, pois, para manter o favor do soberano, indivíduos com
algum poder queriam ver os seus protegidos nomeados para altos cargos por forma a
sugerirem políticas que protegessem os seus interesses e, em última análise, para eles próprios
se conservarem nos cargos. Aconteceu assim com Olivares, em Espanha, e com Buckingham,
em Inglaterra. Deste modo, a meteórica ascensão de Luynes, consequência do fascínio pela
figura paternal que o jovem Louis XIII via neste quarentão, não fugiu à regra traduzindo-se
numa sucessiva acumulação de cargos, títulos e dinheiro, até à sua morte prematura de
escarlatina.13
Todavia, este crescer de influência junto do Delfim não poderia ser tolerado pela rainha-mãe e
os seus favoritos, que assim viam perigar a sua base de sustentação no Poder. Em breve se
desenhariam duas fações antagonistas: a de Marie de Medici e dos seus protegidos, que
pugnava pela manutenção da regência, e a do Rei adolescente que, através da ação
dissimulada de Luynes, procurava tomar as rédeas da governação. O pretexto para uma
reviravolta na condução dos destinos da França, seria dado precisamente pelo casal italiano
que gravitava em torno de Marie, Concino Concini e Léonora Galigaï. Efetivamente, o lugar
12 A. Lloyd Moote, op. cit., pp. 80, 81.13 Idem, pp. 102, 103.
6
de favorito do monarca tinha o problema de suscitar as invejas daqueles que ficaram
preteridos no favor régio, os quais estavam sempre à espreita de uma oportunidade de acertar
as contas; um favorito que se tornasse demasiado arrogante ou de comportamento demasiado
inconveniente, poderia arrastar para a lama a reputação do seu régio patrono, ao mesmo
tempo que a sua carreira e, por vezes, a sua vida, conheceriam um fim abrupto. A ação deste
casal era comummente percebida como tendo cruzado a linha divisória entre uma conduta
tolerável e o escândalo.14 Não apenas inflamavam a revolta da nobreza contra a monarquia,
por esta, apesar das inúmeras benesses e privilégios, ainda não lhes dar o suficiente para
satisfazer a sua avidez, como também eram acusados de terem obtido ascendente sobre a
rainha-mãe através do quarto de cama (Concini), de bruxaria e práticas de magia negra
(Léonora), entre outras acusações. Num motim da população parisiense, a sua residência foi
vandalizada de forma estranhamente organizada, tendo sido destruídos somente os quadros
que os representavam e atirado pela janela o de Marie de Medici, enquanto o de Louis XIII
permanecia intacto.15
Tornava-se cada vez mais premente a eliminação do casal. Assim, a execução de Concini,
marechal de Ancre um dos cargos mais importantes de França, foi planeada no maior
secretismo e numa manhã, de nada suspeitando, o italiano sofre uma emboscada no pátio do
Louvre e é abatido a tiro por ordem do Rei; Léonora é presa e acusada de bruxaria.
A alegria foi grande nas ruas de Paris. O corpo de Concino Concini seria desenterrado,
esquartejado, queimado e as cinzas dispersas, tal foi o delírio da turba. Les grands, os
príncipes até ali rebeldes, uniram-se ao júbilo de todos e manifestaram a sua submissão a
Louis XIII que acabara de dar provas de uma real vontade.
Richelieu, hábil diplomata, tinha-se demarcado atempadamente do favorito da rainha-mãe,
conseguindo mesmo convencer o soberano da sua fidelidade à causa régia, sofrendo assim
uma pena relativamente leve. O Rei aproveitaria a oportunidade para uma remodelação
governamental, promovendo Luynes a marechal de Ancre e a Primeiro-ministro e afastando
todos os protegidos de Concini. O resultado final seria o tomar das rédeas do Poder pelo
jovem monarca.
14 Ibidem, p. 89.15 A. Lloyd Moote, op. cit., pp. 89, 90.
7
1.2- Cardeal de Richelieu16
Armand Jean du Plessis, seigneur de Richelieu, provinha de uma família da pequena nobreza
provincial que havia prestado bons serviços ao Rei Henri IV, pai de Louis XIII e que, como
reconhecimento, receberia a diocese de Luçon em 1584, uma das mais pobres de França.
A Coroa distribuía abadias e bispados, da mesma forma que a república distribui lojas: os
titulares exploram-nas e entregam uma parte dos seus lucros sob a forma de impostos. Deste
modo o Bispo era também administrador dos bens da família, pelo que convinha que,
efetivamente, pertencesse à família. Esperava-se assim que Alphonse de Richelieu, irmão
mais velho do futuro Cardeal, chegasse à idade de poder assumir o cargo; este, porém, tinha
outros planos, recusando o bispado e entrando para a congregação dos monges cartuxos.
É assim que Armand Jean vê subitamente oferecida uma carreira eclesiástica com a tenra
idade de 17 anos, obrigando-o a deixar uma outra promissora carreira como oficial do
exército, mas antecipando um prestígio que só muito mais tarde aí poderia alcançar. Como
fazia em tudo o resto, empenhou-se a fundo na preparação teológica pois não desejava ser
apenas Bispo em título. 17
Assim se manteve, imerso em trabalhos pastorais, combatendo a Reforma no campo
teológico, promovendo a fixação de várias ordens monásticas na sua diocese (entre as quais a
dos oratorianos à qual pertencia o Padre Bérulle que, juntamente com o Padre Joseph,
franciscano, se movimentavam no círculo próximo da esposa régia e seriam extremamente
úteis na ascensão de Richelieu), mas estando sempre atento aos acontecimentos da Corte,
onde o seu irmão Henri se encontrava nas boas graças da Rainha. Todavia, apesar dos seus
esforços em se fazer notar, o caminho para as proximidades do Rei estava bloqueado pelos
velhos combatentes, companheiros de inúmeras batalhas, homens rudes que não tinham
grande interesse em promover à sua companhia alguém mais jovem, da província, talvez
muito capacitado mas que provavelmente iria afastá-los na primeira oportunidade.18
Então Henri IV foi assassinado.
16 Auguste Bailly, Richelieu, Porto, Lello & Irmão Editores, 1985.17 Auguste Bailly, op. cit, pp. 16, 17.18 Idem, pp. 38, 46, 47..
8
Foi enorme a comoção por toda a França. Contudo, após o choque inicial, Richelieu
rapidamente viu estender-se diante de si um rol de novas oportunidades, certamente
imprecisas, mas nem por isso menos extensas. A idade do futuro Rei, nove anos, colocava o
Poder nas mãos da Rainha Marie de Medici, o que desde logo constituía uma revolução na
Corte. Os velhos soldados que, apesar de duros e arrogantes, amavam com sinceridade o seu
país e o seu rei, deram lugar a um conjunto heterogéneo de intrigantes, aduladores e
aventureiros que, gravitando em torno da viúva e indiferentes a qualquer noção de bem
público, rivalizaram na avidez e rapacidade com que se dispuseram na corrida a títulos, cargos
e dinheiro. Armand Jean du Plessis viu nesta reordenação de favoritos a oportunidade perfeita
para conquistar um lugar na Corte, impacientemente enviando missivas atrás de missivas a
todos os amigos com alguma influência oferecendo os seus serviços, protestando a sua
dedicação e fidelidade à causa real, num tom de calculado desinteresse e humildade; as
pessoas começavam a falar dele, admirando a prudência invulgar neste jovem homem,
considerando-o vocacionado para ilustres feitos, a sua fama estendendo-se e, de algum modo,
precedendo-o.19
Nesta altura, a Corte estava dividida em dois grupos rivais: de um lado a rainha-mãe, os
antigos ministros de Henri IV, e Concino Concini, habilidoso aventureiro italiano cuja
conveniência o colocara ao lado da rainha viúva; do outro, aqueles que eram conhecidos como
les grands, cuja figura de proa era o príncipe Condé, que procuravam no meio da turbulência
política assegurar poder e dinheiro para si próprios. Após algumas demonstrações de força
inconsequentes de ambos os lados para salvar as aparências, elaborou-se um acordo mediante
o qual, em troca da paz, os grandes recebiam tudo o que desejavam: vantagens pessoais,
cargos, governos de províncias, chorudas dotações, etc. Deveriam ter ficado satisfeitos, mas
precisavam ainda de salvar a face, não podendo subitamente abandonar as reivindicações que
tinham sido o pretexto para a sua rebelião; tendo apelado para as três ordens, obrigaram à
reunião dos États Générales, onde estas exprimiriam os seus desejos e os seus
descontentamentos.20
O futuro Cardeal de Richelieu considerou chegada a ocasião de escolher um lado; a
neutralidade, apesar de cómoda, poderia tornar-se um óbice, pois os vencedores não
recompensariam aqueles que só depois da vitória confirmada acorreriam a testemunhar a sua
19 Ibidem, pp. 49, 50.20 Auguste Bailly, op. cit, pp. 51, 52..
9
lealdade. Auxiliado pelas informações que lhe chegavam de Paris através dos seus amigos
bem colocados, avaliou as possibilidades das forças em presença e decidiu-se por Concini,
enviando-lhe uma carta em que se coloca ao seu serviço, jurando vassalagem. Há muito que
percebera as falhas de caráter e a baixeza moral e intelectual do italiano, mas… os fins
justificam os meios e Concino era o que estava melhor colocado no momento para que
pudesse aproveitar a sua influência. Naturalmente, o risco de escolher um campo era
muitíssimo maior que o da simples neutralidade no caso de essa fação perder, mas, por outro
lado, os ganhos eram infinitamente maiores em termos da gratidão dos triunfadores.21
Pelas suas fontes, geralmente muito bem informadas, Richelieu sabia da reunião dos Estados
Gerais22 antes de esta ser do conhecimento público e quando chegou a ordem de convocar os
representantes das três ordens da sua diocese, tinha já assegurado a sua eleição como
deputado do clero pela sua província. Era a sua grande oportunidade de brilhar, pouco
importando o desfecho daquela reunião magna que sabia de antemão inconsequente; a sua
mestria oratória e o seu imenso saber chamariam sobre si as atenções, granjeando-lhe a
admiração geral e, quem sabe, abrindo-lhe mais algumas portas na direção do Poder.
Como previsto, a magna Assembleia de Estados conseguira em pouco tempo obscurecer as
questões que, a princípio, pareciam claras e objetivas, perdendo-se em discussões inúteis onde
aflorava mais a vaidade ou a inveja dos interlocutores que qualquer argumento lúcido. Após
algumas intervenções brilhantes, Armand Jean du Plessis, bispo de Luçon, havia conseguido
ser nomeado porta-voz do clero para apresentação à rainha das reivindicações da ordem; mais
uma vez, a sua ponderação seria apreciada e, quando a regente dá ordem para se encerrarem
os trabalhos da Assembleia, escolhe aquele jovem e talentoso bispo para proferir a alocução
final.
Com um mês para preparar o discurso, du Plessis não desdenha a oportunidade e irá produzir
uma obra-prima de retórica, em que, habilmente, a todos critica e a todos dá razão nas suas
reivindicações. O Poder régio deverá usar com moderação a atribuição de benefícios,
acolhendo assim os protestos do funcionalismo representado no Terceiro Estado; a nobreza,
“tão pobre de dinheiro, como rica de coragem”23, vê-se arredada de cargos que poderia
desempenhar, tendo de optar pelos cargos eclesiásticos em prejuízo do clero, pelo que, no fim 21 Idem, pp. 50, 51.22 Vide supra n. 10.23 Auguste Bailly, op. cit, p. 64..
10
de contas, nobreza e clero partilhavam uma causa comum de luta contra a venalidade do
funcionalismo; os poderes civis não tinham o direito de se imiscuírem nas questões da Igreja
mas insistia-se enfaticamente que aos eclesiásticos deveria ser permitido o acesso aos cargos
do Estado. Aliás, nesta última reivindicação, podia notar-se um não muito bem disfarçado
defender de causa própria, em que ele, Richelieu, surgia como exemplo paradigmático da
injustiça que estava a ser cometida contra o clero.24
Concluiu com uma ardente súplica ao jovem Rei para que conservasse o Poder nas mãos de
sua mãe, e a esta exortava que aceitasse a pesada carga para o bem da França. Foi um
brilhante discurso, que lhe granjeou a admiração dos presentes e que ele imediatamente
mandou imprimir ali mesmo em Paris e distribuiu copiosamente por toda a gente que era
«gente». Embora se tivesse limitado a enunciar as grandes linhas de força que deveriam
nortear a ação de todos e cada um dos três Estados – sem avançar qualquer solução concreta
–, a sua largueza de vistas, a sua desenvoltura e aptidão para encarar os problemas de frente e
a destreza ainda maior para os evitar ou rodear, haviam provado que nascera para governar.25
Podia deixar Paris com a certeza de que o voltariam a chamar.
24 Idem, pp. 64 – 66.25 Ibidem, pp. 66, 67.
11
1.3- D. José I, o Reformador26
Verifica-se aqui a ironia de, sendo o reinado deste monarca um dos mais ricos e mais
discutidos da História de Portugal, não existir porventura Rei mais esquecido e desconhecido,
de tal forma a sua figura é obliterada pela do seu omnipotente ministro Sebastião José de
Carvalho e Melo.
Este facto prende-se com a velha questão de saber até que ponto era D. José I responsável
pelas ações do seu governo, a qual começaria, logo após a sua morte, quando o Marquês de
Pombal é chamado pelos seus opositores a responder perante graves acusações e se defende
remetendo para o falecido soberano o ónus da tomada de medidas impopulares e/ou
repressivas.
Efetivamente, num regime de monarquia absoluta, todos os poderes estão concentrados na
pessoa do monarca; porém, esta concentração apenas ocorre de forma nominal, já que na
prática os poderes são delegados em diversos órgãos da hierarquia político-administrativa do
Estado, por sua vez preenchidos por pessoas nomeadas ou destituídas, em última análise, pelo
soberano. Deste modo, a responsabilidade suprema cabia, sem dúvida, ao Rei e as
responsabilidades efetivas da gestão governativa aos órgãos e indivíduos situados no topo do
aparelho do Estado.
No caso do Marquês de Pombal, assistiu-se a um modelo sui generis da organização política
da monarquia em que a afirmação do Poder de direito divino do monarca serviu de cobertura
a um alargamento dos poderes estatais, encarados como uma instituição autónoma e suprema
em relação à sociedade, que, na prática, se concentrariam no chefe do governo, Pombal,
correspondendo a uma sobreposição, ainda que não procurada, do Estado sobre o Rei,
relegando este para um papel meramente honorífico.
Pouco se sabe da vida, da personalidade ou do pensamento deste Rei. Embora menos
inclinado para as aventuras amorosas que o seu pai, D. João V, a sua relação com a jovem
marquesa de Távora ia-lhe custando a vida num ataque na noite de 3 de setembro de 1758.27
26 José Vicente Serrão, “D. José I” in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coord.), Lisboa, Publicações Alfa, 1991, p. 363.27 N.A.: Numa série de ficção histórica exibida recentemente no 1º canal da RTP, aventa-se a hipótese de o ataque ao Rei ter sido apenas um equívoco, pretendendo os atacantes - a mando do Duque de Aveiro - abater Pedro Teixeira, sargento-mor da guarda real e alcoviteiro do Rei, cujo passatempo favorito seria o de provocar o
12
Teve um pequeno acidente vascular em 1765, mas sofreria uma série de derrames mais
violentos a partir de 1774 que o deixariam paralisado e confinado ao leito; se bem que, um
ano depois, ainda tenha assistido à inauguração da sua estátua equestre na novíssima Praça do
Comércio, nunca mais recebeu embaixadores a partir dessa data.28
Nunca este Rei assomou plenamente à luz da História. O egoísmo, a sumptuosidade e a
personalidade tão oca como vistosa de D. João V, e, depois, a personalidade dominadora do
Marquês de Pombal sempre o relegaram para segundo plano, ofuscando-o. Todavia poderá
talvez afirmar-se deste Rei que sendo culto, embora de forma medíocre, tendo uma
sensualidade indolente e sendo comodista, teria contudo uma certa intuição e bom senso que
lhe permitiriam tomar opções relativamente corretas em situações complicadas.29
O cognome de “O Reformador”30, talvez algo exagerado, será possivelmente o resultado de
Sebastião José de Carvalho e Melo, quando caído em desgraça e para se defender das graves
acusações que lhe faziam, ter atribuído ao soberano a inspiração e a determinação de todos os
seus atos de governo, de forma a aliviar sobre uma entidade superior e inatacável a
responsabilidade pessoal que os seus inimigos lhe queriam imputar.31
Apenas no caso do atentado se lhe conhece algum envolvimento pessoal, assim como na
preparação da sua sucessão, para a qual, à falta de um filho varão, pretendia o seu neto D.
José, príncipe da Beira; no entanto, o seu desejo teria a oposição da rainha, de certos setores
da Corte e da Coroa espanhola.
1.4- MARQUÊS DE POMBAL
Duque de forma insultuosa, seguindo instruções do Marquês de Pombal. Nesses tempos as pessoas tomavam a lei nas suas próprias mãos - na base do “olho por olho” – e a personalidade do Duque de Aveiro jamais deixaria passar qualquer afronta. Dado que D. José se fazia deslocar incógnito na modesta sege do sargento-mor, para evitar que as suas aventuras amorosas chegassem ao conhecimento da Rainha, fácil teria sido a confusão na escuridão da noite. Sebastião de Carvalho aproveitaria esta oportunidade caída dos céus para, a pretexto da investigação da tentativa de regicídio, aniquilar os grupos políticos que se lhe opunham: os Jesuítas e a alta nobreza feudal representada na família Távora. Por outro lado, esta família concentrava em si um poderio que rivalizava com a Casa Real através de ligações familiares e de propriedades, os quais culminavam na pessoa do Duque de Aveiro que se via a si próprio como um pretendente ao trono; seria pois imperativo que fosse destruída.28 Kenneth Maxwell, O Marquês de Pombal, Saul Barata (trad.), Lisboa, Editorial Presença, 2001, p. 180.29 Mário Domingues, Marquês de Pombal – O Homem e a Sua Época, Lisboa, Ed. Prefácio, 2002, p. 79.30 Diciopédia 2003, [CD-ROM], Conceição Pinheiro, Jorge Ferreira Silva, Pedro Cunha Lopes, (coordenação editorial), Porto, Porto Editora Multimédia, s.d., [4 CD’s].31 Vide supra n. 26.
13
“(…) num país pequeno, um pequeno génio com vontade de ser grande é um animal muito
desajeitado.”32
“Ninguém lhe pode negar talento e vistas largas. Ao mobilizar o comércio, a agricultura e a
população, lançou os fundamentos da independência portuguesa, sempre observado pelo olhar
ganancioso da Grã-Bretanha.”33
Para uns, um ditador impiedoso, para outros, um génio visionário, a figura de Sebastião José
de Carvalho e Melo é indissociável do Portugal do séc. XVIII.
Nasceu em Lisboa no seio de uma família da pequena nobreza cujos membros serviram o país
como soldados, clérigos e funcionários públicos, quer em Portugal quer nos seus domínios
ultramarinos, então ainda vastos. O seu pai, Manuel de Carvalho e Ataíde, serviu na Marinha
e no Exército, chegando ao posto de comandante da cavalaria da Corte. O padre Paulo de
Carvalho e Ataíde, seu tio, possuía um morgadio em Lisboa, que incluía a casa onde
Sebastião José nasceu e uma propriedade em Oeiras, tendo sido professor na Universidade de
Coimbra antes de ser nomeado arcipreste do Patriarcado de Lisboa; o futuro Conde herdaria a
casa de Lisboa e a propriedade de Oeiras.34
De espírito autoritário e inflexível, poderia ter feito carreira no exército, não fora o facto de
este, como tudo o resto no país, estar minado pelo compadrio e Sebastião de Carvalho, sem
padrinhos, viu-se ultrapassado por outros que considerava, com alguma razão, serem-lhe
inferiores em qualificações e preparação. A falta de conhecimentos influentes, verificar-se-ia
ainda quando escolheu noiva acima da sua condição social, D. Teresa de Noronha e Almada,
sobrinha dos Condes de Arcos; tudo jogava em seu desfavor desde a idade algo avançada (34
anos), aos seus limitados recursos económicos, passando pelas insignificantes (mas
igualmente pouco abonatórias em termos de linhagem) gotas de sangue negro duma
ascendência remota que tornavam duvidosa a sua fidalguia, perante a avaliação crítica dos tios
da sua amada; decerto que era sócio da Academia Real de História, o que indicaria algum
mérito não fora também o facto de os dotes de inteligência e cultura, dissociados de uma
sólida riqueza material, terem fraca cotação na sociedade portuguesa do século XVIII. A sua
32 Sir Benjamin Keene (1745) apud Kenneth Maxwell, O Marquês de Pombal, Saul Barata (trad.), Lisboa, Editorial Presença, 2001, p. 15.33 Gazetta Universale (1777) apud Kenneth Maxwell, op. cit., p. 180.34 Kenneth Maxwell, op. cit., p. 16.
14
noiva, porém, estava já em idade de saber o queria e, ignorando os preconceitos da família,
decidiu fugir com este obscuro cabo de esquadra e encetar uma vida privada do fausto e do
acesso à Corte.35
No seu retiro em Soure, onde ocupava o tempo com estudos de História e Direito, Sebastião
José finalmente percebeu que não conseguiria ir longe sem recorrer às influências que pudesse
conquistar. Veio-lhe à ideia o seu tio Paulo de Carvalho e Ataíde, homem de destaque, lente
de Coimbra e arcipreste do Patriarcado de Lisboa; se os padrinhos tudo obtinham para os
medíocres, porque não haveriam de ser úteis aos mais competentes? Se antes tivesse contado
com um conhecimento de peso, certamente poderia ter obtido um melhor posto no exército;
agora, porém, as suas energias estavam voltadas para a carreira diplomática, resultado dos
seus estudos da História da Europa que lhe fizeram nascer o desejo de conhecer de perto
países mais avançados onde pontuavam vultos de referência como Isabel de Inglaterra, o
Cardeal Richelieu e o Cardeal Mazarino, entre outros. Além disso, uma boa posição na
diplomacia era também um passo mais perto do Poder; vários embaixadores haviam já subido
à invejável posição de ministro dos Negócios Estrangeiros e dali a Primeiro-Ministro era
apenas uma questão de oportunidade. O seu tio compreendeu o valor que despontava no
sobrinho e que unicamente precisava de algum sólido apoio nos primeiros passos para se
revelar. Apresentou-o e recomendou-o com interesse ao Cardeal D. João da Mota, Primeiro-
ministro do Rei D. João V, uma recomendação importante já que, em 1738, Sebastião de
Carvalho é nomeado, com 39 anos de idade, ministro de Portugal em Londres, em
substituição do primo, Marco António de Azevedo Coutinho, chamado a Lisboa para ocupar o
lugar deixado vago pelo falecimento do titular da Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da
Guerra. Mais uma vez, a engrenagem do compadrio funcionara de forma irrepreensível.36
O futuro Marquês de Pombal iniciava a sua vida pública com 40 anos de idade. Não podia
dar-se ao luxo de perder tempo com devaneios; precisava de demonstrar a sua competência
para o lugar através da sua ação e encontrava-se num país magnífico para o fazer. A Inglaterra
estava em plena fase de crescimento, expandindo-se em todo o Mundo; a sua estrutura
económica fortalecia-se dia a dia e as suas opções políticas iam no sentido de um ainda maior
desenvolvimento, tendo como fio condutor um imperialismo mercantilista. As suas fábricas,
as suas carreiras de navegação em todos os mares, as suas poderosas empresas de exploração
35 Mário Domingues, op. cit., pp. 32 – 34.36 Mário Domingues, op. cit., pp. 35 – 37.
15
colonial cuja atividade se refletia numa movimentadíssima Bolsa de Londres, onde se
negociavam e cotavam valores do todo o Globo, produziam uma experiência avassaladora
num indivíduo sequioso de informação. Observava apaixonadamente as sessões do
Parlamento em que se discutia a política internacional e onde, nalguns casos, se decidia o
destino de outros povos; a laboração das fábricas que exportavam para as colónias e para
tantos países cujas economias, como a de Portugal, dependiam da Inglaterra; os hábitos e a
estrutura da aristocracia britânica que, embora preservando os pergaminhos da nobreza
medieval, ia canalizando as suas energias para o lucrativo comércio; os organismos que
regulavam o comércio e a indústria. Tentava compreender o segredo do sucesso inglês, ao
mesmo tempo que enviava extensos relatórios, com todas as suas análises e conclusões, ao
secretário dos Negócios Estrangeiros e a D. João V; ao rei, todavia, velho e doente, pouco
importavam estes assuntos enfadonhos, pois sempre tivera maior interesse pelo ouro e pelos
diamantes do Brasil, pelas aventuras amorosas e em conseguir honrarias pontifícias pela
adulação ao clero.37
A ação diplomática do ministro de Portugal em Londres, pautou-se pela defesa do orgulho e
interesses portugueses, numa relação que pode comparar-se ao conflito opondo um pote de
barro a um pote de ferro. Efetivamente, vivia-se uma época de fim de império quer no nosso
país quer em Espanha e a Inglaterra pretendia ocupar a posição de domínio mundial que
outrora pertencera à Península Ibérica. Para isso decidira-se a destruir o poderio espanhol, que
já ia caindo aos bocados, perseguindo os seus navios e atacando as suas possessões
ultramarinas, numa guerra sem quartel movida pelos corsários ingleses. Não precisava de se
preocupar com Portugal, seu velho aliado e uma sombra do que fora no século XV, que dela
dependia para tudo quer económica quer militarmente; por isso usava e abusava da aliança
luso-britânica à medida das suas conveniências, não tendo problemas em atacar e apresar os
navios espanhóis mesmo à vista das fortalezas lusas sem que estas pudessem fazer alguma
coisa para impedir. A Espanha protestava junto da Corte portuguesa contra estes desmandos e
o seu vizinho ibérico reclamava energicamente junto do aliado britânico que prometia
investigar mas mantinha-se inativo. A triste realidade, era que nenhum dos reclamantes tinha
poder para que as suas contestações fossem tomadas a sério, nenhum tinha condições para
enfrentar militar ou economicamente os ingleses; era a condescendência paternalista do
37 Idem, pp. 38 – 39.
16
homem forte e bem armado perante o fraco e desarmado que lhe pedia tratamento de igual
para igual.38
Aliás, como o próprio Sebastião de Carvalho referia: “Os Ingleses não são sanguinários,
contrariamente, detestam os homicídios e as efusões de sangue. Se, por este princípio, não
têm aqui os estrangeiros que recear os perigos da vida, é quase impossível resistirem aos da
fazenda. O Inglês imagina, por prevenção inata, que nasceu para ser senhor dos cabedais do
Mundo; que é necessário ser Bretão, como eles dizem, para ser hábil e capaz de possuir
riquezas; que, por consequência, lhes andam usurpadas aquelas que possui qualquer outra
nação, que, quando vexam a um estrangeiro para lhe extorquirem o cabedal, ou divertirem o
lucro que devia ter, não é isto um roubo que cometem, mas uma reivindicação, porque se
restituem do que lhes pertence.”39 O embaixador português bem apresentava reclamações e
protestos – a ponto de ser considerado impertinente – que obtinham tanta atenção como as
solicitações amigáveis que eram simplesmente ignoradas. Portugal não tinha força para mais
mas, pelo menos, marcava uma posição digna através do seu representante.
Entretanto, o futuro Marquês de Pombal perseguia a ideia de criação de uma empresa
mercantil que competisse com a poderosa Companhia da Índia inglesa. Tinha por fim alguma
retribuição do abuso com que via os ingleses lidarem com os seus velhos aliados lusos,
usando as mesmas armas do comércio em grande escala. Considerava que “(…) certamente
temos com que fazer no Mundo maior figura do que a maior parte das potências que fazem
ruído na Europa.”40 Argumentava que “A mais interessante matéria que pode fazer o assunto
das relações de um ministro, que reside em Londres, considerei eu, depois que entrei nesta
corte, a de investigar, para as pôr em presença de el-rei, nosso senhor, as causas com que S.
M. achou, logo nos princípios do seu reinado, o comércio de Portugal em tanta decadência, ao
mesmo passo que o de Inglaterra e de outras nações tiveram um desmedido aumento… Todas
as nações da Europa se aumentaram, e aumentam ainda hoje, pela recíproca imitação. Cada
uma vigia cuidadosamente sobre as ações que obram as outras. Assim fazem todas própria,
mediante a informação dos seus ministros, a utilidade dos inventos alheios.”41 Todavia, todo o
seu empenho esbarrava na indiferença e enfado de D. João V que entendia que um bom
diplomata era aquele que organizava festas tão sumptuosas que causavam assombro nas 38 Mário Domingues, op. cit., pp. 42, 43.39 Relação dos gravames que ao comércio e vassalos de Portugal se têm inferido pela Inglaterra, Biblioteca Nacional, Coleção Pombalina, códice 635, apud Mário Domingues, op. cit., p. 45.40 Mário Domingues, op. cit., p. 48.41 Idem, p. 51.
17
Cortes estrangeiras, como fizera o embaixador em Madrid no Natal de 1728. Além disso,
provocava o ressentimento e inveja dos membros do governo que, cegos na sua pétrea
ignorância, criticavam o ‘fidalgote descendente de preta’ que recém-chegado à política já
pretendia dar lições aos veteranos. Tamanho atrevimento precisava de ser punido. Havia que
ensiná-lo a ser diplomata.
O imperador Carlos VII da Alemanha tinha falecido 1740, o que originaria convulsões por
toda a Europa. O conflito girava essencialmente em torno de vastos territórios na península
itálica, que o império alemão e a Santa Sé disputavam. O Vaticano, não dispondo de tropas,
conduzira a luta no plano diplomático em que sempre fora extremamente hábil; no entanto, o
seu Sacro Colégio, que dirigia a política externa, estava dividido em duas fações antagónicas:
uma favorável à filha do falecido imperador, Maria Teresa, como herdeira do trono, e outra,
mais forte, hostil à Rainha da Hungria. A Casa de Áustria, representada por Maria Teresa, e a
de Bourbon, representada pelas Cortes de Madrid e Paris, digladiavam-se num intrincado jogo
de influências, uma e outra pressionando o Papa. Portugal proclamara a sua neutralidade, mas
o enviado português em Roma, Manuel Pereira de Sampaio, tivera a ideia de uma mediação
do conflito que lhe desse, a ele, notoriedade internacional, persuadindo D. João V de que
poderia ter muito a lucrar colocando-se entre os primeiros soberanos do Mundo, ao fazer
cessar as dissensões entre um forte império alemão e a poderosa Santa Sé. Era uma manobra
tortuosa que exigia que, oficialmente, o Papa solicitasse essa mediação e fosse enviado um
representante português à Corte de Viena que tivesse uma ação subordinada às diretrizes do
promotor da ideia. Contudo, Viena não se deixara impressionar e nunca acreditara que o
pedido de mediação tivesse de facto partido da Santa Sé, apesar de Maria Teresa ter
comunicado a seus tios, os Reis de Portugal, que aceitava essa mediação. O Vaticano, por seu
lado, também não via qualquer utilidade na missão portuguesa e apenas acedera perante a
insistência do monarca luso.42
Dada a falta de interessados em levar a cabo este tipo de missão impossível em que ninguém
acreditava, optou-se por ‘queimar’ o impertinente fidalgote, Sebastião de Carvalho, que é
transferido para Viena em 1748, sob a capa do reconhecimento dos seus méritos, numa
missão de negociador que visava sobretudo acabar com a sua carreira. Deste modo, na carta
em que o Rei de Portugal enviou à sobrinha informando-a da ida do seu enviado, Sebastião
José ia a título ‘particular’ a Viena tratar da mediação, conservando o seu posto de
42 Mário Domingues, op. cit., pp. 56, 57.
18
embaixador em Londres. Segundo as suas credenciais era um simples ‘emissário’,
‘encarregado de uma missão particular’, com instruções para não tomar qualquer ação de
caráter diplomático, ficando todas as iniciativas a cargo do interventor oficial, Manuel Pereira
de Sampaio, a partir de Roma. O enviado português fica assim numa situação ambígua, de
mãos atadas e sem qualquer credibilidade; tenta desistir e vir embora, pretextando motivos de
saúde, mas o governo que o enviou insiste para que fique. O único aspeto positivo, neste
período, acabará por ser o de encontrar Leonor Daun, filha de uma dama de companhia de
Maria Cristina, viúva de Carlos VII, com quem casará pondo termo a uma viuvez de alguns
anos.43
Porém, subitamente dá-se uma reviravolta inesperada na sua situação pantanosa. Filipe V, Rei
de Espanha, morre subitamente. Este acontecimento, só por si, bastou para que a Corte de
Viena considerasse a possibilidade de efetuar a reconciliação com Espanha, vendo-se livre de
um dos adversários; e quem estaria em melhor posição para promover essa reconciliação?
Portugal, pelo simples facto de que Maria Bárbara, filha dos reis lusos, ia ascender ao trono
espanhol como esposa de Fernando VI, sabendo-se também da grande influência que tinha
sobre o espírito do marido. A situação de Sebastião José de Carvalho e Melo é bruscamente
valorizada. Um decreto governamental de 1748 dá-lhe finalmente plenos poderes para
negociar, concluir ou assinar quaisquer tratados ou convénios relativos à mediação, agora
oficialmente reconhecida por Viena; com algumas demoras e dificuldades, cedências de parte
a parte num ponto ou noutro, conseguiu-se por fim a reconciliação. No entanto, o governo
português não logrou estabelecer a paz geral, que viria por outras vias; as potências acabariam
por sanar as suas diferenças – com Francisco I, marido de Maria Teresa, sendo reconhecido
imperador pelo Vaticano e, por seu turno, logo dirigindo os seus agradecimentos ao Papa
declarando-se seu filho submisso –, desvalorizando ingratamente a mediação portuguesa que
tinham solicitado ou admitido nos momentos de dificuldade e que agora se tornava incómoda.
Na mesma altura, D. João V sofre um ataque de paralisia e deixa de se interessar por vaidades
com que sonhara brilhar na política europeia.44
Acabava assim a missão de Sebastião José em Viena de Áustria, com um sucesso que nunca
teria esperado à partida. Porém, ao contrário do que esperava, não regressou a Londres. As
intrigas movidas em Lisboa contra ele surtiram o seu efeito, evitando que assumisse o seu
43 Idem, pp. 59 – 61.44 Mário Domingues, op. cit., pp. 65 – 67.
19
posto em Inglaterra a pretexto de ser nomeado ministro de Portugal em Viena; só que, como
aquela Corte havia substituído o seu ministro em Lisboa por um simples residente, não tinha
sentido existir um embaixador português na capital austríaca, pelo que perdera o seu posto em
Londres e não tinha em Viena colocação à altura da sua categoria, ficando assim na
disponibilidade. Finalmente, em meados de 1749, é informado que deverá regressar à Pátria
de licença para tratar de assuntos da sua casa, onde chega no final do ano. Em vão solicita na
Corte um lugar compatível com os seus comprovados méritos, mas a sua reputação está
arruinada perante o rei. Aos 50 anos, o futuro Marquês de Pombal, via a sua carreira sob todos
os aspetos estropiada, sem qualquer futuro visível e sem meios para sustentar a família recém-
formada – já com dois filhos – e a criadagem inerente à sua categoria.45
A esperança só iria renascer com a morte do Rei D. João V.
45 Idem, pp. 68, 69.
20
2- O ABSOLUTISMO EM FRANÇA: A GESTÃO DE RICHELIEU
Após a conclusão dos Estados Gerais, havia ficado demonstrada até à exaustão a incapacidade
e ineptidão dos seus intervenientes que não só nada tinham resolvido dos conflitos existentes
na sociedade francesa, como ainda os agravaram. Todavia, havia também ficado demonstrado
que apenas um homem possuía alguma lucidez no meio daquele caos: Richelieu. Sabia que
tinha causado forte impressão, sobretudo na rainha-mãe, e que seria apenas uma questão de
tempo até ser chamado para o Poder.
Entretanto, novamente as perturbações se sucediam entre nobres, a Coroa e o Parlamento,
desta feita devido à questão da supressão da paulette, uma taxa paga pelos oficiais de
jurisdição e de finanças para assegurarem a posse hereditária dos seus cargos, reivindicação
apresentada pela mesma nobreza que usufruía de enormes benesses por conta do Tesouro. Ora
abolir esta taxa era privar as finanças públicas de uma importante fonte de receita, mas era
sobretudo destruir a hereditariedade dos cargos. A reação do Terceiro Estado, onde se
incorporava o funcionalismo, não se fez esperar: depois que protestara violentamente contra a
concessão de mais benesses aos nobres, reclamava agora contra este corte nos seus próprios
privilégios. O Parlamento indignou-se e resolveu tomar o Poder nas suas mãos, reunindo-se à
margem da Coroa e convidando a nobreza a assistir. A regente ordenou o fim da reunião mas
foi simplesmente ignorada; tentou acalmar as coisas adiando por três anos a supressão da
paulette, mas sem resultado. Les grands, o grupo de príncipes encabeçado por Condé, por seu
lado, abandonou a capital e foi agitar as províncias, tentando sublevá-las contra a rainha-mãe
e os seus favoritos. A anarquia era total e a regente media a sua força na proporção inversa do
crescendo de insolência e ousadia dos adversários. Mesmo no interior da Corte, Marie via a
sua ação complicar-se pois se dava ouvidos a Concini, Louis XIII voltava-se para Luynes;
Richelieu, observando atentamente os acontecimentos, sabia que mais cedo ou mais tarde mãe
e filho iriam confrontar-se a propósito dos respetivos favoritos. Daí que se conduzisse com
extrema cautela, não correndo qualquer risco de se incompatibilizar com um ou com outro,
tratando ambos com a maior deferência e aguardando que o evoluir dos acontecimentos desse
a vitória a um ou a outro. O favor demonstrado pelo Rei a Luynes numa Corte onde já havia
um favorito todo-poderoso, acabaria certamente por redundar em conflito e o futuro Cardeal
queria ter a certeza de estar do lado certo.
21
Todavia, a situação estava tudo menos clara. Para além do surdo conflito entre os favoritos,
havia ainda Condé, o príncipe real que tudo fazia para minar o poder régio com as suas
sucessivas revoltas e exigências a que a rainha-mãe ia cedendo num esforço para manter a
paz. Tinha-se retirado para fora de Paris, onde a regente dominava, e estabelecido o seu
domínio em Bourges, poucos quilómetros a sul, constituindo-se como que um contra poder,
um segundo Governo; apoiado nas suas praças-fortes, na sua imensa fortuna e na direção do
Conselho Real, despeitado pelo casamento do jovem Rei que poderia dar um herdeiro ao
trono – negando-lhe assim as chances de subir ele próprio –, havia que o manter vigiado de
perto para prevenir alguma ação golpista. Mas como convencê-lo a regressar a Paris se ele
não manifestava qualquer vontade nisso? Marie de Medici recorreria ao bispo de Luçon para
esta difícil missão, proporcionando-lhe a primeira oportunidade de desenvolver um papel
ativo numa questão de Estado, que porventura colocaria em risco a própria monarquia.
Foi uma missão desempenhada com total sucesso. Luçon, afirmando-se como um amigo e um
servidor – e, ao mesmo tempo, manipulando a enorme vaidade do príncipe –, simplesmente
convenceria Condé de que tinha o caminho aberto para se assenhorear do Poder; era a própria
regente quem o desejava por ser ele a única pessoa que, pelo seu ascendente, poderia
emprestar autoridade às decisões da Coroa. Tudo estaria sob o seu controle. Condé não
precisaria de ouvir mais para regressar de imediato, a tempo de personificar o
descontentamento de todos quantos, pelas mais diversas razões, odiavam Concini. Cego pela
vaidade, o príncipe não perceberia a armadilha até ser tarde demais: seria preso e encerrado na
Bastilha.
Richelieu, poucos dias antes nomeado embaixador extraordinário em Espanha, receberia a
recompensa pelos seus serviços com o convite para integrar o Governo como secretário de
Estado da Guerra. Tinha alcançado o seu objetivo: aos 31 anos, a sua reputação precedia-o46 e,
se bem que não fosse Primeiro-ministro, por todos lhe era reconhecida uma efetiva
proeminência.
Mas como o conseguiu, poderia perguntar-se?
46 “Aquele que foi escolhido para secretário de Estado é um prelado recoberto de tão grande glória pela inocência da sua vida, pela eminência do seu saber e pela excelência do seu espírito, que todos os que conhecem o seu mérito facilmente reconhecerão que Deus o destinou para prestar grandes e assinalados serviços a Suas Majestades por entre as tempestades do seu Estado.” – Termos em que o periódico Mercure Français celebrava a entrada de Richelieu para o Conselho Real. Apud Auguste Bailly, op. cit., p. 86.
22
Simplesmente recorrendo ao mesmo tipo de processos usuais no político sem escrúpulos: a
espionagem, a intriga, a bajulação, o servilismo. Graças à sua mente arguta, podia reconhecer
facilmente que pontos-chave da personalidade pressionar para obter as concessões necessárias
daqueles que, no Poder, lhe podiam ser úteis no momento, servindo-se deles sem hesitar ou se
deter por considerações morais.
Cometera, no entanto, um erro de cálculo. Num regime monárquico, um homem, por mais
dotado que seja, não pode sobrepor-se ao poder régio; só o Rei detém a soberania por direito
divino, por muito inepto que possa ser. Ora o bispo de Luçon não fora nomeado por Louis
XIII, mas sim chamado para as funções por parte da regente, o que significa que quando o Rei
tomou o Poder que andava por mãos alheias e destruiu o ascendente da sua mãe, juntamente
com o dos seus favoritos, o jovem prelado estaria em má situação, não fora o facto de há
muito ter antecipado esse dia. Por conseguinte, apesar de se ter mantido cuidadosamente
neutro no conflito entre a rainha-mãe e o rei, sofreu, todavia, a perda do ministério.
Durante sete anos fará a sua ‘travessia do deserto’, longe da Corte, tempo em que irá
amadurecer o seu pensamento e apagar as últimas impaciências da juventude, adquirindo
aquele perfeito autodomínio que mais tarde faria duvidar da sua condição humana.
Os destinos do reino estavam entregues a Luynes, o que significava apenas uma evolução na
continuidade. Embora com menor baixeza de métodos e menor avidez que Concini, a verdade
é que nada havia de novo na política seguida, nada que trouxesse algum benefício à França.
Como diria com toda a frontalidade o Duque de Bouillon: “A gamela é sempre a mesma, o
porco é que mudou.”47 Visto do exterior, podia perceber-se que a França tinha apenas duas
personalidades capazes de assumir a autoridade suprema de governar em nome do Rei:
Luynes, porque era o seu favorito e dele recebia a delegação de poderes, e Richelieu, porque
instintivamente todos reconheciam nele o ministro predestinado e necessário. O próprio
Luynes tem plena consciência desse sentimento coletivo e, sentindo-se verdadeiramente
ameaçado – ainda que só pela sombra do futuro Cardeal –, entra numa espiral de acumulação
de riqueza e de domínio para aumentar de tal forma o seu poder e a sua fortuna que nenhum
obstáculo se lhe pudesse opor. Infelizmente, para ele, acabaria por morrer subitamente em
dezembro de 1621 de escarlatina, deixando o caminho livre ao ainda bispo de Luçon, que em
setembro de 1622 finalmente recebia o cardinalato.
47 Apud Auguste Bailly, op. cit., p. 101.
23
Mas o Poder iria tardar mais alguns meses. Após a morte do seu favorito, Louis XIII tentaria
governar o país com os velhos ministros que o tinham já servido antes, com a sua mãe, com
Condé e com mais alguns outros; postos à prova, porém, nenhum deles lhe parecia apto. Por
fim, em abril de 1624, depois de muita hesitação, resigna-se a conceder ao Cardeal um lugar
no Conselho, cheio de restrições e limitações; quatro meses depois, Richelieu destituía o
superintendente de finanças e tornava-se chefe do Conselho, com o apoio régio. Não houve
uma dramática ou imediata mudança de política, mas havia chegado a uma posição em que
podia realizar a ambição da sua vida: a criação de uma identidade nacional para a França. 48
A sua ação no governo pautar-se-ia por uma política interna de autoridade contra a nobreza
rebelde e o cada vez mais ameaçador partido protestante e uma política externa de resistência
ao imperialismo da Casa de Áustria, ambas concorrendo para o fim último de unificação da
França através do reforço do poder da monarquia, conforme o próprio prelado deixou escrito
no seu Testament Politique:
«Ao tomar Vossa Majestade a decisão de me conceder ao mesmo tempo a entrada no
seu Conselho e grande parte da sua confiança, prometi-lhe empregar toda a minha
indústria e toda a autoridade que lhe aprouvesse conceder-me, para derrubar o partido
dos huguenotes, rebaixar o orgulho dos grandes e erguer o seu nome nas potências
estrangeiras ao ponto em que devia encontrar-se.»49
Assim, quando novamente os nobres se rebelam mesmo depois da prisão de Condé, tentando
opor a aristocracia à monarquia ou os seus privilégios ao interesse do Estado, uma declaração
régia ratificada pelo Parlamento classifica-os como criminosos de lèse-majesté e o secretário
da Guerra faz publicar um manifesto num tom duro e ameaçador como a nobreza nunca
houvera sentido:
«Quem não vê (...) que o único meio que agora resta a Sua Majestade, para impedir as
rebeliões tão frequentes no seu Estado, é punir severamente os seus autores?... Se a
brandura até agora mostrada por Sua Majestade não vai senão enfurecê-los, se o
esquecimento das suas faltas não serve não serve senão para os fazer esquecer os seus
48 Auguste Bailly, op. cit., pp. 115, 116; Anthony Levi, op.cit., p. 72, 73.49 Apud Auguste Bailly, op. cit., p. 122.
24
deveres, se as mercês concedidas não tiveram outro efeito senão torná-los mais
poderosos na prática do mal, e a ingratidão é a única forma de reconhecimento com
que eles pagam; se as ameaças são inúteis para os deter, se afinal nenhuma
consideração é capaz de os levar a cumprir o seu dever, e se, demais a mais, as suas
ações continuam a deixar transparecer que não possuem outro desígnio a não ser
destruir a autoridade de Sua Majestade, dividir e arruinar o seu Estado, aquartelar-se
no seu reino para implantarem, em vez do poder legítimo, tantas tiranias quantas as
províncias que nele existem, nesse caso, Sua Majestade, animado pelos sentimentos de
um verdadeiro pai, impelido pela coragem de um grande rei, ver-se-á obrigado, ainda
que a seu pesar, a castigar os agitadores do seu Estado e a punir a sua rebelião.»50
Três exércitos foram enviados para esmagar os rebeldes, numa ação de força consistente,
indicando que o novo governo não iria perder tempo com tentativas de intimidação, mas que
iria fazer valer a sua lei. Simultaneamente, estabelecem-se contactos com os países
protestantes, particularmente a Alemanha, no sentido de evitar que estes venham apoiar com
tropas os rebeldes. Dá-se especial ênfase, nesses contactos, à ideia de que não se trata de uma
guerra contra a religião, que não se trata de uma ofensiva católica contra o protestantismo
influenciada por uma política ultramontana51 derivada de Roma. Exemplo disso, é o facto de o
representante do Rei, Schomberg, ser um protestante que faz passar um conceito de
dissociação total da França e da Espanha, insinuando mesmo que, apesar dos casamentos
entre as duas Coroas, a França é essencialmente inimiga da Espanha. Como o próprio
Richelieu refere nas Instruções que redige para o embaixador:
«Ninguém acreditará que um homem queime a sua casa para agradar ao vizinho, ou
que, por amar outrém, alguém que se queira odiar e perder a si mesmo. Crenças
divergentes não nos convertem em Estados divergentes; divididos na fé,
permanecemos unidos sob a égide de um príncipe ao serviço do qual nenhum católico
é tão cego que possa julgar, em matéria de Estado, um espanhol melhor que um
francês huguenote.”52
50 Apud Augste Bailly, op. cit., pp. 91, 92. N.A.: Os sublinhados são da responsabilidade do autor do trabalho que ora se apresenta e pretendem salientar a luta entre a nobreza feudal e o Rei que procura chamar a si a condução dos destinos do reino, ilustrada neste manifesto de Richelieu.51 N.A.: Ultramontanismo: doutrina dos que, em França, defendiam a concentração de todos os poderes e atribuições da Igreja Católica na pessoa do Papa e da Cúria Romana, deslocando, assim, para além dos montes (os Alpes), a sede total dos poderes eclesiásticos (em oposição ao galicanismo), e que preconizava ainda a manutenção do poder temporal dos papas. Fonte: Diciopédia 2003, op. cit.52 Apud Auguste Bailly, op. cit., pp. 93, 94.
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E para que não restem dúvidas no espírito dos príncipes protestantes acerca do verdadeiro
sentido da luta contra os nobres, Richelieu recomenda:
«(…) dar-lhes a conhecer que não é uma questão de religião, mas de pura rebelião; que
o rei quer tratar igualmente os seus súbditos, seja qual for a sua religião; mas quer
também, como a razão exige, que uns e outros cumpram o seu dever.»53
O que surpreendeu mais nestas suas Instruções foi o caráter nitidamente laico da política ali
exposta, algo de admirar em alguém que chegava ao Poder graças ao apoio de uma fação
fanaticamente católica, que exercia um alto cargo na Igreja, tendo inclusive sido o orador da
sua ordem, o clero, nos Estados Gerais. Os receios de uma hegemonia espanhola e católica,
dissipar-se-iam perante uma política que seria a do engrandecimento da monarquia, a sua
independência e soberania sobre uma nobreza desarmada, a sua supremacia sobre a Europa o
que, por consequência, era querer e afirmar a superioridade da França. Nada incomodava o
Cardeal que antes, quando lhe era conveniente, tivesse defendido o primado do clero sobre as
outras ordens; o peso das vestes cardinalícias não o afetava minimamente na sua ação.
Católico, sim, mas não apenas por Deus, por Roma, pela santidade ou beleza da religião, mas
essencialmente porque isso contribuía para consolidar a unidade da França. Desde cedo que
havia percebido que as divergências religiosas eram não apenas uma questão de doutrina, mas
também uma questão política e social. O seu estudo exaustivo da distinção entre as duas
soberanias, temporal e espiritual, e a sua habilidade para a explorar com vista a criar uma
nação unificada, seriam as razões fundamentais do seu sucesso político.
53 Idem, p. 94.
26
3- O ABSOLUTISMO EM PORTUGAL: A GESTÃO DE POMBAL54
«Portugal só existia para servir a Inglaterra. Era como se tivesse sido completamente
absorvido por ela. Era para a Inglaterra que as vinhas do Porto davam fruto, que a
árvore das Hespérides se derramava de pinhas de ouro, que a oliveira criava
abundância de líquido macio e gordurento; era para ela que o calor dos Brasis
endurecia o diamante escondido debaixo da terra, foi graças a ela que Portugal tornou
os seus portos e o seu solo impróprios para as atividades de quem produz.»55
«Mas a grande glória do Portugal de hoje resulta da posse do Brasil, uma colónia de
grande extensão e enorme riqueza, situada na América do Sul; é de lá que lhe chegam
os vastos tesouros de ouro e diamantes, sem falar das imensas quantidades de açúcares
excelentes, couros, drogas, tabacos, preciosas madeiras vermelhas, etc.»56
«Quando quis uma festa, mandou fazer uma procissão. Quando quis um edifício novo,
mandou fazer um convento, quando quis uma amante, escolheu uma freira.»57
Efetivamente, o Portugal de setecentos era não apenas «o país mais infestado de monges em
todo o mundo, com a possível exceção do Tibete»58, como também toda a sua economia
estava dependente da Inglaterra, como se depreende das afirmações citadas anteriormente.
Mas como se chegou a esta situação?
Sendo Portugal senhor de um vasto império ultramarino espalhado pela Ásia, África e
América, tinha argumentos para se fazer respeitar pela restante Europa. A política de
neutralidade seguida por D. João V em relação aos conflitos europeus teve algum resultado
54 Adaptado de Francisco Ribeiro da Silva, Absolutismo Esclarecido e Intervenção Popular – Os Motins do Porto de 1757, Lisboa, INCM, 1990, pp. 12 – 25.55 Abbé de Pradt, Europe and America, traduzido do francês por J. D. Williams, 2 vols. Londres, 1882, I, p. 425 apud Kenneth Maxwell, op. cit., p. 53.56 Adam Anderson, An Historical and Chronological Deduction of the Origin of Commerce, I, Londres, 1740, p. IV apud Kenneth Maxwell, op. cit., p. 53.57 Voltaire sobre D. João V, citado por Susan Schneider, O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto; Dependência e Subdesenvolvimento em Portugal no séc. XVIII, Lisboa, s. d., p. 8 apud Kenneth Maxwell, op. cit., p. 34.58 Charles R. Boxer, The Portuguese Seaborne Empire, p. 189 apud Kenneth Maxwell, op. cit., p. 34.
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nesse sentido. Porém, sob o aspeto económico, agravava-se a dependência da Inglaterra que o
Tratado de Methuen (pelo qual as lãs inglesas, manufaturadas ou em bruto, entravam no país
isentas de impostos, em troca de uma redução de pautas alfandegárias na entrada dos vinhos
portugueses em Inglaterra) terá possivelmente vindo reforçar.
Quando morreu D. João V, apesar do ouro brasileiro que correra abundante durante o seu
reinado, saltava à vista que o metal precioso não fora aproveitado para produzir fontes de
riqueza. Tal como os novos-ricos, o país embriagara-se com a fartura que provinha do outro
lado do mar e, começando pelo rei e pela nobreza, deixou-se levar pela tentação do
exibicionismo, do luxo e da opulência, frutos habituais do dinheiro fácil. Por outro lado, o
nível de vida médio do país situava-se a enorme distância da magnificência e ostentação da
Corte.
Os grupos dominantes, clero e nobreza, instalados no Poder ou, no mínimo, vivendo sob a sua
proteção, tentaram reforçar as suas posições de privilégio, apoiados por instituições de cariz
repressivo como a Inquisição. Elementos discordantes eram perseguidos e silenciados, tendo
que ir viver para o estrangeiro; é desses portugueses estrangeirados que hoje em dia se tem o
mais fiel retrato do Portugal de setecentos. Um deles, D. Luís da Cunha, deixou no seu
Testamento Político um quadro da situação do país que, não sendo lisonjeiro, é
reconhecidamente um diagnóstico realista que, para seu maior mérito, aponta soluções para os
problemas detetados.
Assim, segundo o seu relatório59, as atividades económicas do país estavam em acentuada
estagnação:
«A agricultura continuava, como no século anterior, abandonada ou anárquica. É
certo que se produzia muito vinho e outros géneros, tais como milho e azeite. Mas,
em contrapartida, muitas terras que, pelas suas características, deviam ser semeadas
de cereal encontravam-se sobrecarregados de vinhedos. Por outro lado, muitos
hectares permaneciam incultos. Além disso, o regime de propriedade apresentava-se
estruturalmente defeituoso, na medida em que um terço da terra pertencia à Igreja. O
59 D. Luís da Cunha, Testamento Político, Lisboa, 1978 apud Francisco Ribeiro da Silva, Absolutismo Esclarecido e Intervenção Popular – Os Motins do Porto de 1757, Lisboa, INCM, 1990, pp. 12 – 14.
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mal vinha de longe. Para o debelar, várias soluções haviam sido tentadas no passado,
sem êxito.»
«As manufaturas achavam-se decadentes por despovoamento de centros «industriais»
outrora prósperos, mesmo no interior do país, como era o caso de Bragança –
despovoamento de que a Inquisição, na sua fúria contra os cristãos-novos, era a
principal responsável.»
“O comércio interno estagnara por razões que têm a ver com o antecedente e também
porque as vias de comunicação ou não existiam ou se degradavam a ponto de serem
quase intransitáveis.»
Do ponto de vista demográfico, segundo D. Luís da Cunha, o País não avançava quanto seria
de desejar por três motivos:
«Excessivo número de conventos de frades e de freiras que professavam, não por
vocação, mas por comodismo.»
«Emigração desregrada para a Índia e para o Brasil.»
«Vigilância nefasta e intolerante da Inquisição, a qual, além de afugentar os cristãos-
novos e desdenhar a sua capacidade de investimento, aparecia como uma instituição
completamente obsoleta, obscurantista e, como tal, desprestigiante para Portugal no
estrangeiro.»
Nos aspetos sociais, alguns problemas exigiam resolução imediata:
«Criminalidade crescente facilitada pela total ausência de prevenção e pela
imunidade dos malfeitores ou retardamento do castigo.»
«Ociosidade escandalosa sempre acompanhada de seus rebentos naturais:
mendicidade e imoralidade.»
«Corrupção em vários setores, especialmente entre os magistrados.»
29
«Burocracia paralisante e impeditiva de uma administração eficaz.»
Esta foi a radiografia feita por D. Luís da Cunha. Aliás, o futuro ministro favorito de D. José,
logo no início das suas funções de governo, descreve em termos muito semelhantes o estado
da Nação:
«Encontrei uma monarquia esgotada de cabedais e enfraquecida por mútuas
revoluções; perturbada por algumas seitas ocultas e empobrecida pelas suas próprias
riquezas. Um povo sujeito à mais grosseira superstição, uma nação cujos costumes
eram muito semelhantes aos dos bárbaros e um estado governado por usos quase
asiáticos, não tendo de europeu mais que o nome, da monarquia a forma, e da potência
a sombra (…).»60
Iria encontrar um poder régio enfraquecido devido a vários fatores, entre os quais sobressai a
doença de D. João V nos últimos anos do seu reinado, que permitiu que grupos sociais
privilegiados como a velha nobreza e a aristocracia que detinha as funções e o trato com as
colónias fossem de algum modo bem-sucedidos em recuperar algumas posições de mando.
Assim que se sente seguro no poder, Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e
futuro Marquês de Pombal, vai, inspirado pelos exemplos de Richelieu e Louis XIV, tentar
repor a ordem num país caótico, adotando como lema a máxima de que ‘para se fazer amar,
é necessário primeiro fazer-se temer’61. Portugal, que, pelo menos desde D. João I vivia sob
o regime de monarquia absoluta – mais ou menos absoluta conforme o rei e as circunstâncias
político-sociais –, experimentará uma evolução desse sistema, personalizada no ministro de
D. José. O rei governará ‘de motu próprio, certa ciência, poder real e absoluto’, como é
inscrito nos decretos, mas não já à maneira e no sentido da expressão dos séculos XVI e
XVII, durante os quais se aceitava que o poderio do monarca, não sendo controlado nem
controlável, era, contudo, limitado pela lei natural, pela lei divina e pelos usos e costumes e
leis fundamentais do Reino.62
60 Transcrito por Simão José da Luz Soriano, História do Reinado de El-Rei D. José e da Administração do Marquez de Pombal, 1º t., Lisboa, 1867, p. 215 apud Francisco Ribeiro da Silva, op. cit., p. 15.61 Idem, p. 17.62 Jacques Ellul, Histoire des Institutions, 4 – XVIe-XVIIIe siècles, Paris, 1956, p. 71 apud Francisco Ribeiro da Silva, op. cit., p. 17.
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A suprema missão do rei é construir a felicidade dos súbditos e a prossecução desse objetivo
não comporta um poder real fraco ou limitado por quaisquer contingências. O rei deve estar
acima da lei natural, sendo assim o seu intérprete legítimo; consequentemente, sobrepõe-se
também à lei divina, uma vez que, em última análise, é o seu fiel depositário. Nesta
conceção de Poder, os súbditos não têm mais que obedecer, deixando de haver necessidade
de organismos representativos dos vários grupos sociais.
Deste modo:
As Cortes desaparecem progressivamente: em Portugal nem uma só vez são
convocadas durante o século XVIII, à semelhança do que acontece noutros países
(como em França, onde desde 1615 até 1789 não mais se reuniram os États
Générales, embora tenham sido convocados por altura da Fronde63 parlamentar64.
Os privilégios municipais que, de alguma forma, contrariassem o fortalecimento
do poder régio continuam a ser restringidos, desta feita mais ostensivamente,
aproveitando-se vários pretextos.
As organizações corporativas são sacrificadas ou cerceadas nos seus poderes,
como aconteceu com as Casas dos Vinte e Quatro do Porto e de Lisboa.
Os grupos sociais, especialmente a nobreza e o clero, são severamente
domesticados.
A propriedade dos ofícios públicos é esvaziada de qualquer aliciante, e a
venalidade, proibida: em 1770 suprime-se em Portugal a venda e hereditariedade
nos empregos públicos. Deste modo o funcionalismo perde independência.
63 N.A: Fronde ou Fronda – designação atribuída à fação que em França, durante a menoridade de Luís XIV, se rebelou contra o governo do Cardeal Mazzarino, tendo precipitado a guerra civil (1648-1653). Fonte: Diciopédia 2003, op. cit.64 Roland Mousnier, Les Instituitions de la France Sous la Monarchie Absolute, 1º vol., Paris, 1980, p. 226 apud Francisco Ribeiro da Silva, op. cit., p. 18.
31
A ordem pública é assegurada por recurso a um corpo especializado de polícia:
em 1760 implanta-se a Intendência Geral da Polícia de Lisboa, como fizera Louis
XIV em 1667.
Dir-se-ia que, neste figurino, a relação governantes/governados sai muito prejudicada em
termos de participação dos últimos na atividade dos primeiros. Assim é, de facto. Os
governantes seguram o Poder e reduzem ao mínimo os patamares entre a massa dos súbditos e
o rei. E os poucos que detêm o Poder intermédio sabem que o exercem por delegação e
sempre a título precário, ainda que o tempo de exercício se venha a contar por décadas.
Afirma-se que Sebastião de Carvalho não assimilou as teses essenciais da filosofia das Luzes
e que governou à moda do século XVII avançado. De facto, não se lhe encontra racionalismo
combativo nem anti-clericalismo aberto como, por exemplo, em Frederico II da Prússia. Nem
lhe conhecemos contacto privilegiado com os filósofos europeus da época. Pelo contrário,
Voltaire é vítima de censura. Mas, na escolha de colaboradores, na dedicação ao ofício de
governar (mesmo com os benefícios materiais que daí extraiu), no cuidado constante pelo
Estado, esteve bem à altura do monarca da Prússia.
Se as preocupações de reforço do poder régio (regalistas) e galicanas o situam como discípulo
de Luís XIV, a sua luta contra os jesuítas, independentemente das motivações concretas,
atinge aspetos precursores, suscitando o aplauso dos filósofos, e as suas tentativas de
«nacionalização» dos bens dos beneditinos65 colocam-no ao lado de Catarina II da Rússia e
até o antecipam a José II da Áustria.
Por outro lado, se as doutrinas económicas que apoiam o seu esforço de desenvolvimento do
País e o levam ao lançamento de companhias privilegiadas de base monopolista são de raiz
mercantilista/colbertiana, e se não predominam medidas fisiocráticas, como seria de esperar, a
verdade é que outro tanto se passou com governantes da época, como no caso de Frederico da
Prússia.
65 Luís A. de Oliveira Ramos, Inéditos do Cardeal Saraiva (Historiografia Monástica), Braga, 1976, p. 33 [separata de Bracara Augusta, tomo XXX, fascículo 69 (81), Braga, 1976) apud Francisco Ribeiro da Silva, op. cit., p. 19.
32
E quando surge a necessidade de reorganização do exército, por alturas e em consequência da
Guerra dos Sete Anos (Portugal não conseguiu manter a política de neutralidade do anterior
reinado), é um oficial adepto dos métodos prussianos que leva a cabo tal tarefa.
Pelo controlo da Inquisição, pela abolição da escravatura na metrópole, pela tolerância para
com os cristãos-novos, pelas reformas do ensino e até pela manutenção e estatização da
censura, Portugal acompanhava os sinais dos tempos e cabia no grupo dos países regidos pelo
sistema politico que se chamou mais tarde despotismo iluminado ou absolutismo esclarecido.
Mas, infelizmente para os governados, o despotismo iluminado, na maior parte dos Estados,
foi mais déspota que razoável, tendo a repressão constituído o apoio indispensável dos atos de
governação. Assim foi na Prússia militarista, assim aconteceu na imensa Rússia de Catarina
II, assim foi um pouco na plurinacional Áustria de José II, assim se passou na Espanha de
Carlos III, assim se fez em Portugal.
Como os déspotas do seu tempo, Pombal procurou reforçar e centralizar o poder monárquico
em nome do bem comum, não admitindo qualquer afronta à autoridade do rei, face ao qual
todos os grupos sociais são iguais para obedecer.
Obedecer ao rei, não ao ministro! – Dir-se-á.
Mas como foi que se tornou tão poderoso?
Tudo começaria na manhã do primeiro de Novembro de 1755, em que um terrível
acontecimento encontrou resposta à altura. Como a ciência calcula atualmente, um terramoto
com origem no mar que atingiu uma magnitude de 8,7 a 9 na escala de Richter, seguido de
maremoto, devastou por completo a cidade, causando uma perda de cerca de 70% da riqueza
nacional de então.
Ao passo que os outros ministros fugiram em pânico para as suas propriedades no campo,
Sebastião José manteve-se firme no seu posto, percorrendo a cidade para avaliar os estragos,
dando instruções para “cuidar dos vivos e enterrar os mortos”, apresentando um pouco de lei e
ordem no meio do caos, sempre em nome do Rei que, diga-se, estava tão aterrorizado como os
seus súbditos. Tal ‘atuação’ granjeou-lhe a gratidão e o favor régios e serviu como catalisador
da sua ascensão.
33
Efetivamente, Sebastião de Carvalho e Melo não era rei e, em consequência, o enorme poder
que detinha aparecia aos olhos de muitos nobres como usurpação, que nem por ser
credenciada pelo monarca era menos ilegítima (o cónego de Elvas, Filipe Maciel, deputado da
Mesa de Consciência e Ordens desterrado para Viana do Castelo, declarava que não se
queixava do Rei mas sim do ministro66). Nenhum ministro, na ótica da antiga nobreza, podia
encarnar e substituir a autoridade soberana. É certo que Richelieu, no século anterior, detivera
poder igualmente ditatorial. Mas, por isso mesmo, fora odiado e detestado. O mesmo sucedera
com Mazzarino, seu sucessor, que acrescentava a agravante de ser estrangeiro. Mas ambos
estão na origem do movimento insurrecional que a Fronde significou. Como disse atrás, os
ministros poderosos do antigo regime, seguindo os conselhos de Maquiavel, preocuparam-se
mais com o fazer-se temido que com o fazer-se amar ou aceitar. Nestas circunstâncias, a
repressão foi uma arma frequentemente utilizada.
Nas monarquias europeias da segunda metade do século XVIII, na esteira de Luís XIV, não
há mais lugar para grupos tão privilegiados e tão poderosos que rivalizem com o poder real
nem tolerância para quem ouse desobedecer às ordens régias. Em Portugal, desde muito cedo
Carvalho e Melo muito claramente o fez saber.
Vejamos:
Em 1751-1752, vários decretos visam prestigiar os juízes, aumentar-lhes a
autoridade e tornar mais fácil a aplicação de penas, inclusive a de prisão.67
Em 1756 é promulgada uma lei “para haver uma devassa aberta para as pessoas
que falarem contra os ministros que despacham com Sua Majestade.”68
Em 1760 o lançamento da Intendência Geral da Polícia, já apontado, vai
proporcionar, a curto e a médio prazo, um eficiente meio de reforço do aparelho
66 Manuel Pinheiro Chagas, História de Portugal Popular e Ilustrada, vol. VI, Lisboa, 1899, p. 510 apud Francisco Ribeiro da Silva, op. cit., p. 20.67 Jorge Borges de Macedo, A Situação Económica no Tempo de Pombal. Alguns Aspetos, 2ª edição, Lisboa, 1982, pp. 34, 35 apud Francisco Ribeiro da Silva, op. cit., p. 21.68 Idem, p. 42, n. 7, apud ibidem
34
de Estado e de perseguição a quem intentasse subverter a ordem desejada e
definida pelo poderoso secretário de Estado dos Negócios do Reino.
Mas as grandes lutas de Pombal em prol do fortalecimento do poder do rei vão travar-se
contra os vários grupos sociais ou instituições que, direta ou indiretamente, constituíssem
ameaça ou obstáculo ao exercício da autoridade soberana. Todos vão ser atingidos: a nobreza,
o clero, a burguesia, os mesteirais, as autonomias municipais. Pode afirmar-se que ao fim da
primeira década de ministério, o conde de Oeiras domesticara os grupos e instituições
recalcitrantes ou menos dóceis.
Esses recalcitrantes incluíam:
Nobreza – Não era um grupo social homogéneo, antes vários subgrupos a
constituíam: a velha nobreza de cepa que se retirara para o campo ainda no tempo de
D. João V, despeitada com a reduzida importância política que lhe coubera, aí tinha
prosperado e nos últimos anos da vida do monarca lograra recuperar algumas posições
de poderio; outro grupo era formado pela aristocracia empenhada nos negócios
marítimos e detentora das funções administrativas mais importantes do ultramar;
finalmente, um terceiro núcleo era constituído pela nova nobreza, recrutada entre os
homens de letras e mercadores abastados, relativamente bem preparada para exercer
funções políticas num Estado moderno. Ora a nobreza que vai afrontar Sebastião de
Carvalho e sofrer-lhe as consequências é, por um lado, a nobreza antiga, presunçosa,
insubmissa e impreparada para colaborar eficazmente nas cada vez mais complicadas
tarefas da administração pública, e, por outro, a nobreza detentora dos rendosos cargos
ultramarinos, pouco dócil às ordens do governo de Lisboa. Estes grupos foram
realmente incomodados e mantidos na ordem pelo ministro dos Negócios do Reino. A
tentativa de regicídio forneceu pretexto para a sua humilhação ou aniquilação. Neste
caso e em outros conhecidos o terror fez lei e a severidade usada em Portugal faz
lembrar um pouco a crueldade de Pedro I da Rússia. Mas a nobreza como grupo social
não foi hostilizada, antes foi favorecida. Aliás, na Europa esclarecida não fora possível
marginalizar os nobres: Frederico II e Catarina II, à falta de uma verdadeira classe
35
média, apoiaram-se respetivamente nos Junkers69 e nos Boiardos70 para levarem a
cabo as reformas que iam sendo programadas.
Clero – Também o clero estava longe de se realizar como grupo social homogéneo.
Nessa medida, não se pode afirmar que o Primeiro Estado, como tal, tivesse sido
perseguido. O agrupamento mais duramente atingido foi o chamado clero regular e
conventual: na verdade, tratava-se de um conjunto economicamente poderoso,
conservando riquezas fundiárias enormes no continente e mantendo grande prestígio
entre as classes populares, não obstante os fumos de ceticismo e anti clericalismo que
começavam a difundir-se. Entre as instituições religiosas deve, contudo, distinguir-se
a Companhia de Jesus – rica, poderosa e influente, com grandes interesses no Brasil,
defensora de doutrinas ultramontanas e teorias políticas nem sempre condizentes com
os princípios do direito natural, constituindo como que um “estado dentro do Estado”;
uma profunda aversão política separava o estrangeirado Carvalho e Melo dos jesuítas,
no que estes lhe correspondiam. O ministro aproveitou todos os pretextos que se lhe
depararam para os eliminar, tendo-o conseguido após a tentativa de regicídio, sendo
efetivamente expulsos em 1759. Mas não se pense que os jesuítas experimentaram em
exclusivo a perseguição político/regalista do Marquês: outras ordens sofreram a
intromissão autoritária do secretário de Estado. A Ordem de S. Bento, proprietária de
grandes extensões de terra, esteve à beira de ver extintos alguns dos seus mosteiros,
em mais que um momento da sua longa governação. Por fim, só a morte de D. José o
terá impedido de concretizar tal plano. Por seu lado, a Congregação do Oratório foi
também hostilizada, tendo sido em 1760 afastada da Corte e posteriormente os seus
membros proibidos de ensinar.
Outras manifestações regalistas foram:
Restabelecimento do beneplácito régio71 (1765).
69 N.A.: Junkers - Membros da nobreza alemã constituída por grandes proprietários de terras nos estados alemães anteriores e durante o 2.º Reich (1871-1918). Fonte: Diciopédia 2003, op. cit.70 N.A.: Boiardos - membros da aristocracia russa do século X ao século XVII. Fonte: Diciopédia 2003, op. cit.71 N.A.: Beneplácito régio – Preceito que mandava que as determinações da Igreja, para terem validade no território de Portugal, tinham que receber a aprovação expressa do monarca. Esta prerrogativa do rei existia já ao tempo de D. Pedro I, se não antes, e foi abolida em 1487, no reinado de D. João II. Contudo, a Coroa continuou a exercer controlo indireto sobre certos atos e documentos eclesiásticos, e o beneplácito régio voltou mesmo a ser instituído pouco tempo depois e a alargar-se. A imposição deste direito do Estado só terminou no período da República. Fonte: Diciopédia 2003, op. cit.
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Corte de relações com a Santa Sé em consequência de tensões provocadas pela
expulsão dos Jesuítas (1760-1769).
Perseguição aos Jacobeus72, em especial ao bispo de Coimbra, D. Miguel da
Anunciação, caso típico de sobreposição do poder laico em relação ao poder
sacro.
As intromissões do Poder na esfera religiosa devem ter sido frequentes: um exemplo
curioso e muito sugestivo dessa interferência sucedeu no Porto em 1771. Falecera o
bispo D. Frei Aleixo de Miranda em 23 de maio desse ano. O deão, governador da
diocese na sede vagante, logo após a morte do prelado e aliás contra a tradição, operou
várias substituições em postos eclesiásticos. O secretário de Estado dos Negócios do
Reino não tardou a ordenar-lhe que retrocedesse e repusesse tudo no status quo
anterior e repreendeu-o com dureza:
«Antes de practicar tantas innovações deveria Vossa Senhoria ter dado conta dos
motivos que occorriam para alterar o que se achava estabelecido pelo referido
Prelado.»
Ordenava-lhe mais que não efetuasse qualquer despesa por conta dos rendimentos do
bispado sem prévia aprovação régia.73
Burguesia – A obrigação de obediência estrita ao rei (na prática, na pessoa do seu
ministro) não tocava apenas aos dois estados anteriormente referidos. Também a
burguesia, não obstante a promoção de que beneficiou no período considerado,
conheceu a mão ditatorial do dirigente político: pense-se na Mesa do Bem Comum dos
Mercadores, que ousou reagir negativamente à criação da Companhia Geral do
Comércio para o Pará e Maranhão, vendo nela um obstáculo inaceitável à liberdade e
imputando-lhe potenciais prejuízos para a Fazenda Real. A Mesa fez redigir uma
exposição na qual, além de denunciar os inconvenientes de caráter económico e
financeiro, vaticinava levantamentos e motins. Remetido ao monarca, o documento foi
72 N.A.: Jacobeu – membro de uma seita que existiu em Portugal no século XVIII e que sustentava que o penitente devia denunciar o cúmplice. Fonte Diciopédia 2003, op. cit.73 Arquivo Distrital do Porto, Cartório do Cabido, códice 1617, fl. 4-4 v.º apud Francisco Ribeiro da Silva, op. cit., p. 24.
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parar às mãos de Carvalho e Melo, o qual depressa fez punir os contestadores,
acusando-os de crime de desobediência ao rei. Vários foram condenados a degredo
para Mazagão e outras praças. A principal vítima, o advogado Negreiros, achava-se na
prisão do Limoeiro no dia 1 de novembro de 1755, aí morrendo em consequência do
terramoto. Para além disso, o secretário de Estado logrou extinguir a Mesa do Bem
Comum dos Mercadores, substituindo-a pela Junta do Comércio, de amplíssimas
atribuições. Quando um simples manifesto é punido tão severamente, parece poder
afirmar-se que a relação governantes/governados sofre uma fase de progressivo
enfraquecimento da participação dos governados na atividade dos governantes.
Também organizações corporativas, de antiga tradição, que haviam desempenhado
funções históricas em momentos decisivos da vida nacional foram objeto da política
centralizadora e dirigista: a Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa viu-se ultrapassada
pela Junta do Comércio na competência que usufruía obviamente no tocante à
definição e exame das habilitações para alguns ofícios e a congénere portuense, foi
extinta à primeira prevaricação. Finalmente, os poderes e liberdades municipais, que
vinham sendo cerceados paulatinamente desde os primórdios da implantação do
absolutismo, foram anulados pela política de fortalecimento do Estado.
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4- ELEMENTOS COMPARATIVOS
Como comparar a ação de dois ministros que viveram em épocas diferentes, países diferentes,
governando em nome de diferentes Reis?
Talvez considerando algo semelhantes as políticas que desenvolveram.
Efetivamente, na sequência da centralização régia que vinha impregnando a Europa desde o
fim da Idade Média, conferindo aos reis todos os poderes por direito divino, o papel social da
nobreza iria ser destruído. A principal força que sustentara a monarquia durante os séculos
precedentes, transformava-se num grupo parasitário que vivia dos favores do rei, tomando-os
por honroso privilégio assim como modo de vida, pois nada mais sabia fazer. Vivendo à
sombra da Coroa, desprezava, em nome dos seus antepassados guerreiros, todos os outros
grupos sociais, principalmente a burguesia que lhe emprestava dinheiro e ia discretamente
crescendo sob o peso da engrenagem da monarquia absoluta – apoiada por uma nobreza tão
arrogante e insolente como ignorante e fútil e por um clero empenhado em manter o status
quo que o tornava ainda mais poderoso que a nobreza e o rei, quer devido à sua influência
sobre estes, quer devido a um domínio efetivo sobre o resto da sociedade – que intimidava e
subjugava.
Neste quadro, quaisquer mudanças iriam sempre encontrar forte resistência por parte da
nobreza de espada e da nobreza de estola (clero), nada interessadas em medidas
governamentais que as fizessem perder os seus privilégios, ainda que destinadas ao benefício
do Reino.
Isto porque, como referido na Introdução, o Rei era apenas um primeiro entre iguais; os seus
decretos apenas eram respeitados na medida da conveniência dos nobres, que eram reis nos
seus feudos. A progressiva centralização régia, vai tornar o Rei cada vez mais primeiro e os
nobres cada vez menos iguais, dando origem ao absolutismo por direito divino. Porém, nem
todos os monarcas estariam aptos para enfrentar a árdua tarefa de governar um país, quer pela
sua juventude – caso de Louis XIII, que tinha catorze anos quando foi aclamado Rei de
França – quer pelo seu temperamento – caso de D. José I que, pensa-se, não teria grande
paciência para os assuntos do Estado –, caso em que acabariam por delegar num ministro, que
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se tornava favorito pela sua ação enérgica em substituir-se ao próprio soberano, a governação
em nome do Rei.
Naturalmente que a França do século XVII era bastante diferente do Portugal do século
XVIII. A primeira, até à chegada de Richelieu ao Poder, era um conjunto de províncias e
cidades semi ou totalmente independentes da administração central e não apenas as da
periferia. O segundo já há muito que havia unificado o seu território sob a autoridade régia. A
sociedade francesa encontrava-se dividida entre os que reconheciam a soberania do Papa
sobre o país (ultramontanos) e aqueles que prezavam a independência nacional em todos os
aspetos (galicanos ou bon français). A sociedade portuguesa encontrava-se num lastimoso
estado de letargia, vítima do enriquecimento fácil das elites e do acentuado empobrecimento
da população, em nada tendo aproveitado as riquezas provenientes do Oriente e do Brasil para
criar desenvolvimento; comprava-se tudo ao estrangeiro porque era mais barato que produzir.
Os Franceses eram uma potência em formação cujo período áureo iria acontecer dentro de
alguns anos, assim que se completasse a unificação do país; os Portugueses uma potência em
decadência, uma sombra do que fora no século XVI, totalmente dependente do exterior para
todos os aspetos da sua existência.
Contudo, ambos os países necessitavam de um catalisador, alguém que tivesse condições para
implementar as reformas que se impunham vencendo a oposição dos grupos sociais que,
instalados, lucravam com a situação tal como ela se apresentava. E, na ausência de capacidade
por parte do soberano, pelas razões já apontadas, surge a figura do ministro que se assenhoreia
de todos os poderes, governando em seu nome. Para vencer essa oposição, havia que recorrer
a medidas draconianas; para todos os efeitos estabeleceu-se um regime ditatorial centralizado
não já no monarca mas na pessoa do ministro favorito. O absolutismo régio encontrava
complemento no despotismo ministerial.
Deste modo, em França, a autoridade do Rei estendeu-se a todo o território, submetendo pela
força ou pelo exemplo dela os mais recalcitrantes que entendiam que o seu estatuto de
nobreza (de espada, de estola ou de toga) ou o seu historial de autonomia provincial os
desobrigavam da obediência ao soberano. Em Portugal, o poder régio delegado na pessoa de
Pombal teve o mérito de sacudir o país com a mesma intensidade com que o terramoto de
1755 o fez: com uma brutalidade e uma violência inauditas num relativamente curto espaço
de tempo, modificando para sempre as suas estruturas.
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Richelieu travaria duras batalhas contra os Huguenotes74, que se haviam constituído como um
estado dentro do Estado, ameaçando tornar-se independentes ou unirem-se a outros países
protestantes; entendiam não dever submeter-se como o restante território. Os jesuítas também
se haviam tornado em Portugal um estado dentro do Estado, particularmente no Brasil;
esquecendo a sua verdadeira missão de defesa da Fé Cristã, passaram a defender os seus
próprios interesses mundanos, tornando-se inimigos declarados de uma política que lhos iria
cercear em benefício do reforço estatal.
Por fim, nas relações com os seus soberanos, ressalta uma importante diferença. Sabe-se
incomparavelmente mais sobre o relacionamento do Cardeal de Richelieu com Louis XIII, do
que sobre aquele do Marquês de Pombal com D. José I. Quer através das Mémoires do
Cardeal, quer através de estudos independentes75, pode afirmar-se que houve uma estreita
colaboração entre os dois pilares da nação francesa, ilustrada pela afirmação de apoio do Rei
ao seu ministro, quando do confronto final com a rainha-mãe: “Tenho em vós o mais fiel e o
mais dedicado servidor do mundo; fui testemunha do respeito e reconhecimento que sempre
manifestastes pela rainha minha mãe. Se tivésseis faltado ao que lhe deveis, eu ter-vos-ia
abandonado. Mas sei que ela não tem qualquer motivo para se queixar de vós: deixou-se
influir por uma cabala que eu bem saberei dissipar. Continuai a servir-me como fizestes até
aqui e sustentar-vos-ei contra todas as intrigas dos vossos inimigos.”76 Pelo contrário, das
relações institucionais em Portugal, pouco ou nada se sabe, apenas que Sebastião de Carvalho,
caído em desgraça após a morte de D. José, imputou ao monarca a responsabilidade de todas
as medidas tomadas; ainda hoje se torna difícil separar onde acaba a iniciativa ministerial e
onde começa a régia.
74 N.A.: Huguenotes – Nome dado em França aos sectários da doutrina de Calvino. Fonte: Diciopédia 2003, op. cit.75 Auguste Bailly, Richelieu, Rosalina Caeiro Tique (trad.), Porto, Lello & Irmão Editores, 1985; Anthony Levi, Cardinal Richelieu and the Making of France, New York, Carroll & Graf Publishers, 2001; A. Lloyd Moote, Louis XIII, The Just, Los Angeles, University of California Press, 1991. 76 Auguste Bailly, op. cit., pp. 181, 182.
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CONCLUSÃO
Pode concluir-se que grandes mudanças estruturais só acontecem com igual crispação social e
que o absolutismo é um dos meios mais eficazes para conseguir essas transformações.
Claro que a linha divisória entre o poder absoluto e o despotismo ditatorial é extremamente
ténue. Só a posteriori se pode julgar qual deles foi aplicado em determinadas circunstâncias,
mediante um resultado final que se traduza ou não em resultados positivos na evolução de um
país ou de uma comunidade.
A máxima criada por Maquiavel de que ‘os fins justificam os meios’, pode ser aplicada aos
casos de Richelieu e Pombal, cuja ação visou uma reestruturação dos respetivos países; mas a
que preço, em sangue, é que os fins acabariam por trazer alguma justificação aos meios
utilizados? É uma questão que ainda se coloca na atualidade.
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BIBLIOGRAFIA
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Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, José Costa Pereira (coord.), Lisboa, Publicações Alfa, 1991, 2 vols.
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Bibliografia das imagens
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/80/Louis_XIII.jpg (Fig. 1)
http://www.devoir-de-philosophie.com/images_dissertations/176782.jpg (Fig. 2)
https://visitandoportugal.files.wordpress.com/2014/02/d-jose-i.jpg (Fig. 3)
http://hepaticas.files.wordpress.com/2012/05/marques_de_pombal.jpg (Fig. 4)
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