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RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE A SINESTESIA E OS PROCESSOS DE
APRENDIZAGEM E USO DA MEMÓRIA: UM ESTUDO PRÁTICO.
Sheila Regiane Franceschini1
Maria Sylvia Padial Nantes2
RESUMO: O presente trabalho busca demonstrar como o fenômeno “sinestesia” pode interferir
ou favorecer o processo de aprendizagem nos indivíduos, por meio da realização de uma
atividade de natureza multissensorial, observando-se os resultados dessa aplicação. Tais
resultados colaboram para que possamos conceber a sinestesia como sendo um fenômeno
neurocerebral com grande variedade de ocorrências, no qual ocorre uma espécie de ativação
cruzada dos órgãos dos sentidos, promovendo o funcionamento simultâneo dos mesmos, diante
dos variados estímulos. O estudo busca também compreender como este fenômeno no âmbito
da psicopedagogia e nas relações com o uso da memória pode ser utilizado como abordagem ou
recurso didático que favoreça o processo cognitivo, dentre outros aspectos positivos.
PALAVRAS CHAVE: Processo de aprendizagem. Estímulo à Memória. Experiência
multissensorial.
___________________________
INTRODUÇÃO
“Vivemos de maneira cada vez mais sinestésica.” Ao assim afirmarmos,
observou no cotidiano um estímulo constante para apreciarmos todas as coisas de
maneira sinestésica. Ao assistirmos a um programa de televisão ou a um filme, ao
consultarmos sites na internet, ao utilizarmos o próprio computador, dentre outras
situações, fazemos de maneira sinestésica. Vemos, ouvimos, sentimos, cheiramos e até
degustamos de maneira simultânea, sem nos dar conta de que assim procedemos. Ao
buscar uma compreensão para o que seja esta sinestesia observa-se que ela se apresenta
como uma experiência em que vários sentidos são solicitados e/ou estimulados
simultaneamente.
Considerando a sinestesia como sendo um fenômeno neurocerebral com grande
variedade de tipos, no qual ocorre uma espécie de ativação cruzada dos órgãos dos
1Graduada em Licenciatura Plena em Educação Artística pela Unifadra, Especialista em Arte, Educação e
Tecnologias Contemporâneas pela UnB e Mestre em Música pelo Programa de Pós Graduação do
Instituto de Artes da UNESP. 2 Pedagoga, Mestre pela UFMS, orientadora deste trabalho.
sentidos, promovendo o funcionamento simultâneo dos mesmos, diante dos variados
estímulos, procuramos compreender como este fenômeno ocorre e como pode facilitar
ou interferir nos processos de aprendizagem e na memória dos indivíduos acometidos
pela sinestesia ou não.
A sinestesia é considerada por muitos pesquisadores como um distúrbio cerebral
e, por meio de dados científicos, já foram identificados inúmeros tipos de ocorrências
sinestésicas. O fato é que, se muitos indivíduos se sentem prejudicados pelos efeitos da
sinestesia, há outros indivíduos que demonstram habilidades bastante impressionantes
no que se refere à capacidade de memorização e às habilidades com números, entre
outras. A sinestesia, neste sentido, parece estar diretamente relacionada com a memória,
demonstrando-se um facilitador do processo de aprendizagem.
E sendo assim, a hipótese de que a sinestesia possa ser uma forma de abordagem
ou metodologia útil para o processo de aprendizagem, confirma a necessidade do
aprofundamento no sentido de levantar dados relevantes que expliquem o
funcionamento cerebral frente à sinestesia, as relações existentes com a memória e a
capacidade de aprendizagem e seus efeitos na vida dos indivíduos.
Por meio de pesquisas existentes3, é possível afirmar que todos nós nascemos
propensos a vivenciar situações sinestésicas, visto que nos primeiros anos de vida os
diversos estímulos são captados pelo cérebro do bebê de forma simultânea o que nos
indica a ocorrência de ativações cerebrais múltiplas pela união dos sentidos. O que
ainda não é compreendido pela literatura científica é como essa característica se perde
ou se mantém na vida dos indivíduos, bem como, suas implicações em processos de
aprendizagem e aquisição de memória, nos casos permanentes.
1. SOBRE A SINESTESIA
Para melhor explicar a sinestesia, esta se caracteriza como uma experiência
multissensorial no qual um fenômeno perceptível por um determinado sentido se faz
perceptível por meio de outro sentido, também, havendo uma espécie de colaboração
entre os sentidos de maneira involuntária e simultaneamente, de forma aditiva e não
3 MAURER, Daphne. Neonatal Synaesthesia: Implications for the Processing of Speech and Faces.
In. Baron-Cohen, S. and Harrison, J (Eds.) Synaesthesia: Classic and Contemporary Readings; England:
Oxford Blackwell. 1997.
excludente. O termo tem origem grega e significa união de sensações (sin= união +
aesthesis = sensação).
Já numa abordagem neurofisiológica, segundo estudiosos como Simon Baron-
Cohen (1958) a sinestesia é considerada uma anomalia perceptual ou disfunção
neurológica4, uma vez que suas ocorrências podem trazer prejuízos aos indivíduos por
ela acometidos.
Para outros, é vista como uma habilidade cerebral na qual um sentido evoca a
função de outro, na percepção de algo e que estaria presente em todos desde o
nascimento, manifestando-se na fase adulta em apenas uma porção da população,
desconhecendo-se os fatores que implicam na perda desta faculdade.
Segundo a pesquisadora e psiquiatra Daphne Maurer (1966) as conexões
cerebrais no desenvolvimento cognitivo ocorridas nos primeiros três ou quatro meses de
vida do recém-nascido seriam manifestações sinestésicas, no que poderíamos concluir
que todos nascem sinestetas.
Para Vilayanur Ramachandran (1951), pesquisador e neurocientista indiano,
diretor do Centro do Cérebro e Cognição, da Universidade da Califórnia, explica que a
sinestesia ocorre pelo resultado da ativação cruzada nas várias regiões do cérebro, em
razão da proximidade dessas regiões, havendo o entrecruzamento das conexões
cerebrais, bem como das funções sensoriais.
A compreensão da sinestesia pode facilitar o entendimento sobre o
funcionamento e a plasticidade cerebral, bem como aspectos importantes da cognição,
percepção, capacidade de atenção e memória, entre outros. De acordo com o
pesquisador Noam Sagiv;
No contexto da Ciência cognitiva, a compreensão da sinestesia envolve não só
dados sobre o fenômeno, mas também sobre o que ele nos diz sobre a cognição
normal. Deve ficar claro que sinestesia abrange muitos aspectos importantes da
cognição humana: percepção e atenção, consciência, memória e aprendizagem,
linguagem e pensamento e, finalmente, o desenvolvimento. (SAGIV apud
ROBERTSON & SAGIV, 2005, p. 5 – tradução nossa).5
4 Ver Robertson, Lynn & Sagiv Noam. Synesthesia. Perspectives from Cognitive Neuroscience. In
Synesthesia in Perspective. Noam Sagiv. p. 6. 5 In the context of cognitive science, understanding synesthesia involves not only documenting the
phenomenon but also asking what it tells us about normal cognition. It should be clear by now that
Alguns tipos de sinestesias são mais frequentes, normalmente os que combinam
dois órgãos dos sentidos, já os casos mais raros são aqueles que apresentam formas
múltiplas de sinestesia. Dados revelam que 1 em cada 500 indivíduos visualizam
grafemas e notas musicais coloridas; 1 em cada 3000 indivíduos apresenta a sinestesia
de cores associadas a sons musicais e/ou sensações de paladar e, 1 em cada 25.000
indivíduos apresentam outras formas.6 As pesquisas também mostram uma maior
ocorrência entre as mulheres pois a sinestesia está ligada à dominância do cromossomo
X.7
Dentre as características mais comuns da sinestesia estão o caráter genético e,
em geral, a manifestação em vários membros de uma mesma família, o fato de ser uma
ocorrência automática e involuntária que não pode ser aprendida e que, normalmente, é
durável e permanente, ligada à memória e às emoções. E ainda, seria projetada e sentida
no entorno corporal.
Estudos mostram que os sinestetas podem apresentar uma memória prodigiosa.
O pesquisador e neuropsicólogo russo, Aleksander Luria (1902-1977) dedicou-se a
estudar a memória e revelou dados interessantes sobre as altas capacidades de memória
em caso de sinestesia. Porém, outros estudos mostram, em alguns casos, dificuldades no
raciocínio matemático e na orientação espacial.
A sinestesia também pode ser congênita ou adquirida, em casos de patologias e
acidentes cerebrais. Observa-se, ainda, que por efeito do uso de drogas e outras
substâncias alucinógenas também se pode vivenciar o fenômeno. (BASBAUM, 2002, p.
32)
A pesquisadora e neurologista Julia Simner, da University of Edinburgh,
acredita que a sinestesia pode ser adquirida, pois segundo suas pesquisas com crianças,
em alguns casos específicos de sinestesia existem evidências que estes evoluem ao
longo do tempo de acordo com a exposição ambiental, não obstante suas raízes
genéticas prováveis. Ou seja, pode-se observar o desenvolvimento do fenômeno
sinestésico ao longo da trajetória do indivíduo.8
synesthesia touches many major aspects of human cognition: perception and attention, consciousness,
memory and learning, language and thought, and, finally, development. 6 Ver Robertson, Lynn & Sagiv Noam. Synesthesia. Perspectives from Cognitive Neuroscience. In Some
Demographic and Socio-cultural aspects of Synesthesia. Sean Day. 2005, p. 12. 7 Disponível em < http://home.comcast.net/~sean.day/html/definition.htm > Acesso em 10 abr 2010. 8Ver Simner, Julia. Early detection of markers for synaesthesia in childhood populations. In: Brain. A
Journal of Neurology. Edinburgh: Oxford Jornals. 2009.
Não se trata, portanto, de acreditar na sinestesia como sendo um sexto sentido,
uma manifestação mística ou de caráter espiritual, mas sim de entendê-la como uma
condição determinada neurologicamente, seja por caráter genético, patológico ou
indutivo.
Diante destas características, é importante esclarecer que o termo pode assumir
outros significados ou conduzir a outras abordagens. Por exemplo, o pesquisador Sérgio
Basbaum (1964-), demonstra que as abordagens mais comuns a respeito do termo são:
a) as de caráter neurológico que considera a sinestesia constitutiva ou patológica e as
discussões perceptivas das associações de modalidades sensórias; b) as do ponto de
vista artístico e todas as tentativas, desde o Renascimento até o momento presente,
visando à combinação dos diversos sentidos na apreciação das obras de arte; c) as dos
próprios depoimentos de sinestesta sejam natos ou pelo uso de substâncias psicoativas;
d) a sinestesia como figura de linguagem.9
Neste sentido, estudiosos vem classificando o fenômeno em duas categorias
distintas: a sinestesia e pseudo-sinestesia. O primeiro grupo incluiria os casos de
sinestesia constitutiva, de caráter neurológico e/ou caráter patológico e ainda as
adquiridas por uso de substâncias psicoativas, enquanto o segundo grupo compreenderia
as metáforas, num abordagem artística na qual os trabalhos de arte apresentem signos
relativos a diversas modalidades sensórias, objetivando experiências multissensoriais.
O pesquisador Sean Day (1963-) é sinesteta e também estuda o fenômeno
mantendo uma lista de sinestetas no mundo todo, catalogando as diversas
combinações.10 Ele classifica a sinestesia em dois tipos: a synesthesia proper (também
chamada adequada) na qual os estímulos para uma entrada sensorial desencadeiam
sensações em um ou mais modos sensoriais; e a synesthesia cognitive ou category, que
envolve sistemas de categorias cognitivas ligados à cultura como a aprendizagem das
letras, números ou nomes.11
No século XIX a sinestesia tornou-se um foco das investigações científicas, pelo
estudo das relações entre os órgãos dos sentidos e a percepção, especialmente nas
associações entre sons e cores, tomando maiores proporções também no campo da
9 Em BASBAUM, Sergio R. Sinestesia, arte e tecnologia: fundamentos da cromossonia. São Paulo.
Annablume/FAPESP. 2002, p. 25-26 10 Disponível em <http://home.comcast.net/~sean.day/html/types.htm> Acesso em 10 abr 2010. 11 Disponível em < http://home.comcast.net/~sean.day/html/definition.htm > Acesso em 10 abr 2010.
Fenomenologia, da Neuropsicologia e da Ciência Cognitiva e passando a merecer mais
atenção na última década.
Do ponto de vista filosófico e baseando-se na fenomenologia de Merleau-Ponty
(1908-1961), as sensações e a percepção são postulados fundamentais pelos quais
compreendemos a existência e a comunhão entre os indivíduos e o mundo, no processo
de construção do conhecimento e da consciência das coisas.
Merleau-Ponty nos diz: “Eu poderia entender por sensação, primeiramente, a
maneira pela qual sou afetado e a experiência de um estado em mim mesmo.” (1999, p.
24). A percepção se apropria da sensação, daquilo que é sentido e sendo assim o ato de
sentir seria um momento inicial do conhecer. Ainda de acordo com o filósofo, “o visível
é o que se apreende com os olhos, o sensível é o que aprende pelos sentidos” (1999, p.
30), e ao considerarmos o sensível, verifica-se que os órgãos dos sentidos e suas
funções são vistos como uma modalidade de ligação entre o indivíduo e o mundo, na
qual um sentido solicita o outro. Eis a sinestesia acessível a todos.
É por isso que as experiências de cada indivíduo enquanto ser e sua relação com
o mundo são valorizadas. Nestes termos, a experiência multissensorial seria inerente a
todo indivíduo, sendo justificada pelo fenômeno da sinestesia, tanto na abordagem
neurológica, quanto no sentido filosófico que justifica a abordagem artística, seja qual
for a acepção que o termo sinestesia assuma.
2. SOBRE A MEMÓRIA
Para compreendermos o que vem a ser memória consideramos uma função
cognitiva na qual o indivíduo é capaz de reter ou armazenar informações, experiências
já vividas, enquanto lembranças ou imagem. Segundo A. R. Luria, teórico da
psicologia,
(...) entendemos por memória o registro, a conservação e a reprodução dos
vestígios da experiência anterior, registro esse que dá ao homem a
possibilidade de acumular informação e operar com os vestígios da experiência
anterior após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram tais vestígios.
(LURIA, 1991, 39)
Por meio dos vários tipos de memória, considerando a capacidade de percepção
do indivíduo, a gama de experiências e vivências absorvidas ao longo da vida, a
memória motora e conceitual, o indivíduo vai construindo o conhecimento que lhe é
necessário para responder às necessidades e desafios cotidianos.
Luria nos diz que “os fenômenos da memória podem pertencer igualmente ao
campo das emoções e ao campo das percepções, ao reforço dos processos motores e da
experiência intelectual.” (1991, 39). Sendo assim, a memória possibilita ao indivíduo
que continue a estabelecer processos cognitivos na recepção de novas estruturas e
conceitos, por acessar conhecimentos pré-existentes.
O assunto mereceu a atenção de grandes pesquisadores como Lev Semenovitch
Vygotsky (1896-1934), considerado pioneiro em matéria de pesquisas com crianças,
especialmente as que tratam do desenvolvimento intelectual.
Pode-se compreender esse processo especificando aspectos da formação da
linguagem. Para chegar à integração de fonemas, optemas e grafemas, produtos
finais da integração sensorial subjacente à linguagem o ser humano necessita
integrar múltiplas informações táteis, sinestésicas, como tocar, manipular, levar
à boca, dentre outras. Integra também informações vestibulares, como a
gravidade e a motricidade, além de informações proprioceptivas, que
compreendem os músculos e as articulações. Essas integrações encontram-se
na gênese da construção de um modo próprio de comunicação não-verbal e
verbal de cada indivíduo. Integra ainda relações e interações, diálogo,
sincronicidade e vínculos implícitos em todas as práticas relacionadas com
segurança, conforto tônico e tátil, como competências motoras. (Vygostky
apud Freitas, 2006, p.93)
Outras pesquisas avançaram no sentido de observar a memória como dependente de
reações químicas, bioquímicas ou de modificações na plasticidade cerebral, o que afetaria a
conservação, retenção ou perda de informações.
Nesse sentido, estudos mostram que as experiências vividas são fatores que estimulam a
plasticidade cerebral produzindo mudanças estruturais e funcionais no cérebro e tais mudanças
estariam correlacionadas com alterações funcionais dos neurônios do comportamento do
indivíduo. 12 Conforme no diz a pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Carla Dalmaz:
Esse repertório de mudanças demonstra que a atividade neural resultante da
interação do organismo com o meio externo pode modificar a estrutura do
12 Ver DALMAZ, Carla and ALEXANDRE NETTO, Carlos. A memória. Cienc. Cult. [online]. 2004,
vol.56, n.1, pp. 30-31. ISSN 0009-6725.
sistema nervoso em qualquer período da vida, mesmo após a maturidade.
Assim, aprendizado e plasticidade são interdependentes e se pode concluir que
a experiência, ao modificar o comportamento, está modificando algumas
sinapses no sistema nervoso, ou vice-versa. Em decorrência, postula-se que as
mudanças plásticas possam ser os loci responsáveis pelo armazenamento da
memória. (DALMAZ, 2004, 30)
Os aspectos emocionais também interferem nos processos de armazenamento e
organização da memória, prejudicando ou facilitando o acesso à informação, conforme
a situação. De forma que situações de forte emoção, estresse, quadros de desequilíbrios
emocionais, dentre outros, podem afetar o funcionamento da memória, da mesma forma
que situações positivas podem favorecer este mesmo funcionamento.
Se considerarmos a sinestesia enquanto experiência multissensorial, podemos
acolher a ideia de que os estímulos sensoriais ao promover alterações de ordem
emocional e bioquímica, desencadeiam alterações na plasticidade cerebral o que ativam
grandemente o funcionamento da memória e possibilitam a decodificação e codificação
de novas informações, na construção do conhecimento e na capacidade de aprender.
Como já mencionado, Luria, em suas pesquisas sobre memória e sinestesia,
verificou que o indivíduo, diante dos mais diversos estímulos, apresentava níveis de
memória impressionantes. Geralmente a sinestesia implica em altos níveis de memória
nos indivíduos por ela acometidos. Isso vem a ser possível, pois o sinesteta realiza
associações de suas informações com sensações, o que lhe possibilitaria um rápido
acesso a elas por meio da repetição das sensações. 13
3. SOBRE A APRENDIZAGEM
Numa perspectiva humanista, aprendizagem seria a própria capacidade de
aprender, na seleção de conhecimentos que o próprio indivíduo requer como condição
para a resolução de seus problemas.
Se já afirmamos que a aprendizagem está ligada à plasticidade cerebral e que
esta afeta os processos de memória, podemos dizer que aprendizagem e memória
também são interligadas.
13 Ver LURIA, A.R. The mind of a mnemonist. A Little Book about a Vast Memory. New York: Basic
Books, inc. publishers. 1968.
Além disso, ressaltamos que a questão da estrutura cognitiva do indivíduo
também implica no desenvolvimento da aprendizagem e, para que ela ocorra de maneira
adequada, é necessário que esta estrutura cognitiva esteja devidamente organizada pelo
cérebro, nos diversos âmbitos.
Filogeneticamente, a integração sensorial está na base da evolução da
motricidade e do cérebro dos vertebrados. A expansão das áreas sensoriais e
associativas expressa a questão e no ser humano, explica porque o mesmo é
único na comunicação não verbal e verbal, e único em seu índice de
encefalização (Luria apud Freitas, 2006, p. 92)
E ainda,
Ontogeneticamente, a integração sensorial da espécie humana inicia-se no
útero materno, como pré-requisito do desenvolvimento e da aprendizagem.
Prolonga-se extra-uterinamente através das aquisições que transitam entre os
gestos, a visão e as palavras. (Luria apud Freitas, 2006, p.92)
Nessa visão, um importante conceito de aprendizagem é o conceito de
aprendizagem significativa que faz bastante sentido neste estudo uma vez que no
processo de aprendizagem é o próprio indivíduo que julga e escolhe aquilo que lhe
servirá para a vida.
A aprendizagem significativa seria a compreensão dos significados atrelada às
experiências e vivências pessoais do aluno e desafiando-o a compreender novas
situações, estabelecendo diferentes relações entre fatos, objetos e acontecimentos, na
solução de problemas e fazendo com que ele possa atuar na sociedade de acordo com o
que foi assimilado, adaptando suas atitudes em diferentes contextos.
De acordo com a pesquisadora e professora Elcie Masini:
O que seria, então aprendizagem significativa? Segundo a teoria ausubeliana14,
é o processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto
relevante de conhecimento do indivíduo e é por ele elaborado. Essa relação
ocorre de uma forma não-arbitrária e substantiva, numa área de conhecimento.
Aprendizagem significativa pressupõe, portanto:
a) que o aluno manifeste uma disposição para a aprendizagem significativa,
isto é, uma disposição para relacionar, de forma não-arbitrária e
14 A Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel considera que o principal fator para uma
aprendizagem é a estrutura cognitiva.
substantiva, o novo material com conceitos e representações existentes em
sua estrutura cognitiva;
b) que o material apreendido seja potencialmente significativo – tenha um
significado lógico e seja passível de ser incorporado à sua estrutura de
conhecimentos, por meio de uma relação não-artibrária e substantiva.
(1993, 26)
Sendo assim, também podemos sugerir que uma abordagem sinestésica em
educação, já que afeta a plasticidade cerebral pela estimulação sensorial, também ativa a
memória e processo de aprender, e acessa informações de caráter significativo, podendo
se tornar, nestes termos, um método de ensino ou recurso didático.
4. SOBRE A ATIVIDADE E SEUS RESULTADOS
No sentido de compreender tais postulados, foi aplicada uma atividade para 20
(vinte) indivíduos adultos selecionados por adesão entre homens e mulheres resultando
numa experiência de escuta musical denominada “A História da Música compreendida
por meio de experiências multissensoriais”. Tal atividade foi realizada em sala
espelhada e nela os alunos foram submetidos à estimulação simultânea, por meio de
diversos elementos da natureza, focos de luz, instrumentos musicais variados, cheiros,
além de uma sequencia musical que compreendia extratos da produção musical de
diversos períodos históricos, em ordem cronológica, desde os registros de música
primitiva ou tribal, passando pela música étnica e dos movimentos musicais e
compositores de grande relevância histórica.
A ideia foi observar o quanto à estimulação seria capaz de promover
experiências multissensoriais e o quanto poderia influenciar na capacidade de
compreensão do material auditivo, pois o objetivo da atividade era verificar se os alunos
conseguiriam realizar qualquer ligação entre os estímulos e o percurso histórico-
musical.
Outra importante observação era verificar o próprio processo de aprendizagem já
que os participantes seriam constantemente levados a evocar a memória, por meio de
situações já conhecidas e como responderiam aos estímulos, durante toda atividade.
A leitura dos dados obtidos nos conduz ao entendimento de como os indivíduos
aprendem ou apreendem conhecimento de forma mais global, solicitando a atividade de
todos os órgãos dos sentidos.
Ao final da experiência, os participantes responderam a um questionário no qual
indicavam qual estímulo sensorial lhes pareciam mais intenso, quais sensações foram
despertadas na experiência, se a ideia de uma abordagem sinestésica era clara, qual
período histórico agradou mais e se tais estímulos ajudaram na compreensão da música
na história e da história da música.
Dentre os participantes, em relação os elementos dispostos no ambiente 50% dos
participantes se sentiram atraídos pelo foco de luz, 25% pela água e 25% por outros
elementos presentes. As respostas revelaram uma associação destes elementos às
sensações descritas como “aconchego”, “paz”, “calma”, “frieza”, “energia”, ou, ainda, à
ideia de “pureza” ou “verdade”. Aspectos emocionais podem nos ajudar a compreender
tais respostas.
Os participantes também indicaram a audição como sendo o sentido mais
solicitado, em 90%. Os outros 10% informaram outros órgãos dos sentidos como sendo
mais utilizados. Para 80% dos participantes ocorreu o uso simultâneo de dois ou mais
sentidos, para 10% não houve a ocorrência e 10% não respondeu. Neste caso embora
grande parte do grupo tenha confirmado a experiência multissensorial ou sinestésica, o
fato de indicarem a audição como órgão mais solicitado nos mostra que não há clareza
sobre o que é experiência multissensorial ou sinestesia. Porém, em algum momento da
atividade esta experiência ocorreu, como se pode verificar.
Observamos ainda que a atividade ajudou os participantes a se reportarem a
lugares que identificam os períodos históricos correspondentes. Isso nos mostra que o
acesso à memória é constante em 80% dos participantes, apenas 20% não fez menção. O
nível de clareza das respostas, neste caso, levou em consideração o repertório musical e
imagético de cada participante.
Quanto mais conhecedores dos fatos e períodos históricos, mais integrados à
atividade permaneceram os participantes. Naqueles em que o conhecimento era menor,
menos conclusiva foi à resposta. Isso evidenciou que as vivências e experiências
anteriores, realizadas pelos indivíduos, intensificaram novas vivências e geram
significados. Neste sentido o uso da memória foi fundamental para se alcançar tais
resultados.
Assim sendo, de acordo com os dados obtidos, podemos inferir que uma
abordagem sinestésica em educação pode colaborar para o processo de aprendizagem,
mediante a estimulação sensorial. Especialmente quando fazemos uso da música, dança
ou outras atividades artísticas, verificamos benefícios diretos aos indivíduos.
Segundo a pesquisadora e professora Tânia Mara Grassi,
A música e a dança fazem parte da nossa vida e podem ser usadas como
recursos pedagógicos no dia-a-dia de uma oficina psicopedagógica.
Sensibilidade por parte do organizador de uma oficina é fundamental para se
atinjam os objetivos.
Ao ouvir uma música, o sujeito poderá relaxar, alegrar-se, entristecer-se,
motivar-se, abrir-se, expressar-se, sentir. Um trabalho em oficinas que utilize a
música possibilita o desenvolvimento de funções psicomotoras e mentais
superiores: desenvolve a concentração, diminui a timidez, aumenta a auto-
estima, desperta a emoção, facilita a aprendizagem, estimula o pensamento, a
imaginação e a criatividade.” (139-140)
E se tais benefícios, enquanto sensações afetam a plasticidade cerebral por meio
de acessos à memória, observamos a construção do conhecimento de maneira
significativa.
Essa aprendizagem baseada num desenvolvimento intrínseco, ou seja, de dentro
para fora, no contato com as manifestações culturais, na interação entre os indivíduos é
defendida por Vygotsky. Para ele, a aprendizagem depende das relações humanas e está
ligada à maturação do organismo e ao contato com o mundo e seus estímulos. De
acordo com a pesquisadora Martha Kohl de Oliveira,
A cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao
longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento
psicológico homem. (1992, 24)
E ainda,
As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano
fundamentam-se em sua ideia de que as funções psicológicas superiores são
construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação com o
mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o
ser humano cria as formas de ação que o distinguem de outros animais. Sendo
assim, a compreensão do desenvolvimento psicológico não pode ser buscada
em propriedades naturais do sistema nervoso. Vygotsky rejeitou, portanto, a
ideia de funções mentais fixas e imutáveis, trabalhando com a noção do
cérebro como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e
modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do
desenvolvimento individual. (1992, 24)
É possível dizer, portanto, que existe uma relação entre o desenvolvimento e a
aprendizagem observando-se a estrutura cognitiva, os sistemas funcionais cerebrais, a
interação social na construção significativa do conhecimento, justificando o uso de
abordagens sinestésicas como recursos didáticos que impliquem na melhoria do
processo de aprendizagem e nesse sentido a tentativa em estreitar relações e o diálogo
entre as abordagens sinestésicas e a psicopedagogia é interessante e relevante para o
contexto da educação e da escola.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados confirmam a hipótese que somos constantemente e
simultaneamente estimulados em nossa percepção, solicitando o uso dos órgãos dos
sentidos, porém sem a consciência ou clareza de que isso ocorre diuturnamente.
A abordagem sinestésica, de acordo com os conceitos apresentados, neste
sentido, apresenta-se como uma possibilidade na aquisição de conhecimentos ao longo
da vida, ao longo da história e de forma contínua, gerando nos indivíduos uma espécie
de banco de informações visuais, sonoras, olfativas, táteis e ordem emocional.
Os processos sinestésicos e a memória cooperam-se mutuamente favorecendo o
processo de aprendizagem.
No campo da psicopedagogia tais informações podem colaborar com novas
formas de compreensão dos processos de aprendizagem e a geração de novas
metodologias em ensino, utilizando, no caso desta pesquisa, a música enquanto
linguagem artística como eixo norteador para uma formação mais global do indivíduo.
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