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Jornal de opinião Presidente Prudente - Ano 1 - número 3 - Outubro 2012 Distribuição gratuita “NÃO SOU BANDIDO” ENTREVISTAMOS O POLÊMICO JOSÉ RAINHA Meio ambiente Humor E mais Cultura prudentina Castilho explica porquê degradação ambiental continua Henrique Chagas destaca importância das câmaras setoriais Sérgio Roxo, Marília Libório, Arlette Piai, Raimundo Oliveira, Karina Mattos e muito mais... Circo Teatro Pio Pardo MSN do Inocêncio Renato Machado Casca bico EXCLUSIVO

Quem vigia o vigia: Questiona-se se a opinião de 11 magistrados prevaleça quando se trata da formulação de políticas públicas

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Jornal de opinião Presidente Prudente - Ano 1 - número 3 - Outubro 2012 Distribuição gratuita

“NÃO SOU BANDIDO”ENTREVISTAMOS O POLÊMICO JOSÉ RAINHA

Meio ambiente

Humor

E mais

Cultura prudentina

Castilho explica porquê degradação ambiental continua

Henrique Chagas destaca importância das câmaras setoriais

Sérgio Roxo, Marília Libório, Arlette Piai, Raimundo Oliveira, Karina Mattos e muito mais...

Circo Teatro Pio PardoMSN do Inocêncio

Renato MachadoCasca bico

EXCLUSIVO

2 Outubro 2012

“A opinião que nosso inimigo tem de nós está mais perto da verdade do que a nossa própria”.

“Que jornalismo noticioso é este que se faz em Presidente Prudente que, às vésperas das eleições municipais, não divulgou as pesquisas eleitorais feitas pelo IBOPE no dia 4 de outubro e que confirmavam a vitória de Tupã sobre os demais candidatos?”

“Por que as pessoas escovam os dentes quatro vezes por dia e fazem sexo duas vezes por semana? Por que não o contrário?”

Pio Pardo é uma publicação independente. Avenida Washington Luiz, 2486 - Jd. Paulista Presidente Prudente - CEP 19023-450Telefone: (18) 3223-5315

Direção: Zelmo [email protected]

Conselho Editorial: Arlete Piai, Maria Ângela D’Incao, José Roberto Fernandes [email protected]

Edição: Cristiano [email protected]

Diretor de Criação: Richard de [email protected]

Os artigos assinados não correspondem necessariamente a opinião do jornal, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.

Capa: Richard de Almeida

Jornal de opinião facebook.com/pio.pardo.7

Presidente Prudente - Ano 1 - número 3 - Outubro/2012

Os candidatos prudentinos amanheceram com gosto de tabuleta na boca, como quem está de porre. Foram três meses de muita gastança, falatório político e “converseiro” so-bre quem sairia vitorioso nas urnas. A julgar pelos resultados parciais, elas revelaram aquilo que tudo mundo já desconfiava e que o Ibope acabou por confirmar.

A chapa do ex-prefeito Agripino e do seu filho, Paulo Lima, postulantes da prefeitura – cujo registro de candi-datura fora indeferido, mas estava sub judice, na expectativa de julgamen-to definitivo pelo Tribunal Superior Eleitoral – conseguiu prosseguir na campanha até a data das eleições. Ti-nha tudo para dar errado. E deu, como demonstra a consagradora vitória do atual prefeito, Tupã.

Presidente Prudente vai poder contar com o trabalho de um moço que – a exemplo de Agripino em passa-do recente – tem tudo para turbinar o crescimento vertiginoso da nossa cida-de. Quanto aos demais postulantes ao

cargo de prefeito fica assinalada a bri-lhante performance do novato Fabio Sato, uma promessa de renovação dos quadros políticos prudentinos.

A campanha eleitoral dos vere-adores foi uma caixinha de surpresas, a julgar pelos primeiros resultados que nos dão conta de substancial renova-ção da Câmara Municipal, o que é muito saudável, pois a alternância no poder é um dos postulados do ideário democrático. De resto, fica o registro de que três dos vereadores mais vota-dos em Prudente ( Isaque Silva, Nata-nael Gonzaga e Alba Lucena) se posi-cionaram contra o aumento do número de vereadores.

Por outro lado, a vitoriosa vo-tação do candidato folclórico Zé do Gato é, sob todos os títulos, lastimável e recomenda maior rigor no combate ao voto “qualunquista” (sem compro-misso ideológico), bem como, o forta-lecimento da luta pelo voto consciente nas próximas eleições municipais.

Finalizando este tópico, só nos resta desejar boa gestão ao prefeito

eleito e profícua atuação legislativa aos novos integrantes da Câmara Mu-nicipal de Presidente Prudente.

E para despertar os prudentinos desta letargia pós-campanha em que se encontram imersos, nada melhor que a entrevista de Zé Rainha ao nos-so tablóide. Temos a certeza de que o depoimento bastante elucidativo desta polêmica figura do nosso cenário ru-ralista, por sua atuação de vanguarda no campo, encerra um ciclo e irá con-tribuir, positivamente, para a matura-ção dos debates acerca do movimento sem-terra em nossa região.

Por último, era nossa intenção fazer uma reportagem sobre o preocu-pante problema da destinação do lixo em nossa cidade. Convidamos o atual Secretário do Meio Ambiente, Fernan-do Luizari, que, por justificáveis ra-zões de saúde, declinou do convite in-dicando o atual presidente da Pruden-co, Mateus Godoi. Este, no entanto, alegando compromissos assumidos, não atendeu à nossa solicitação, nem respondeu ao nosso telefonema.

EditorialO dia seguinte

Eles disseram

[email protected]

Painel

Pio do leitorEnvie sua mensagem por e-mail: [email protected]

Insight de François de La Rochefoucauld (1613-1680), moralista francês

Zelmo Denari, jurista

Woody Allen, cineasta

“Num país de Silvas e Santos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal chamam-se Fux, Weber, Lewandowsky e, agora, Zavascki. É fácil entender porque o Judiciário

anda afastado do povo...” José Roberto Castilho, professor

Falou bonitoOs manuais de pedagogia

poderiam, de maneira simples, se resumir a duas finalidades: inicia-tiva e prática. Tanto educadores nacionais – entre eles, Paulo Freire – quanto estrangeiros – destaque a Edgar Morin – são unânimes: dis-curso e prática devem andar lado a lado.

Educação pressupõe prática. Homens e mulheres inteligentes são os que aplicam leituras e teorias acumuladas.Os primeiros gestos, incentivos e estímulos são dados pelo “Pio-pardo”, periódico que en-tra na vanguarda por, entre outros motivos, buscar a movimentação da cultura por meio do incentivo à reflexão política, ao pensamento social, ao raciocínio aplicado aos empecilhos cotidianos. Reunindo pitadas de irreverência, de crítica aos problemas da população, de acontecimentos que exigem aná-lise mais detida sem, no entanto, afundar-se em linguagens técnicas, de bom-humor, de rico acervo de imagens e charges, de entrevistas e de valorização de artistas locais, “Pio-pardo” simboliza a iniciativa e a prática.

Constata-se a prática pelo trabalho materializado em páginas bem diagramadas, excelente distri-buição interna, interessantes abor-dagens – iconográfica e jornalística. O tablóide não se limitou ao dis-curso, mas, sem medo, deslocou-se ao foco dos problemas. Iniciativas como esta, ativada por um grupo de intelectuais, que se dispõe arre-gaçar as mangas e colocar as mãos na massa, nos fazem acreditar na possibilidade de nossa região entrar na liderança cultural do Estado nas próximas décadas. Boas vindas ao Pio-pardo.

Vicentônio Regis do Nascimento Silva, escritor

3 Outubro 2012

Em segundo lugar, o ambiente é artificial, ou seja, o meio urbano. Aqui a situação não é diferente. Em Pru-dente consente-se com a construção de qualquer proje-to, esteja em acor-do ou não com a lei de uso e ocu-pação do solo. É que, concomitante a essa lei, há uma lei de 2001 que autoriza a regulari-zação de qualquer obra mediante o pagamento de pe-quena multa. Por-tanto, a inserção dos edifícios na cidade pode ser – e normalmente é – desarmônica, aberrante, atendendo apenas os interesses dos proprietá-rios. O caos do trânsito constitui o resultado muito claro disso. O Mi-nistério Público deveria postular a clara inconstitucionalidade dessa lei que tornou regra a exceção – mas não o faz. Fica silente, sempre com

o “silêncio sor-ridente” tradi-cional, enquanto as condições da vida urbana se degradam.

Em ter-ceiro lugar, o ambiente é cul-tural, composto pelo patrimô-nio histórico e artístico. Bem, quanto a este as-pecto, a destrui-ção é permanen-te. O caso mais emblemático é o do Hotel Mu-nicipal – que foi também hospi-tal -, edificação bastante carac-terística que foi p a r c i a l m e n t e

demolida e cujos escombros perma-necem lá na esquina da Gurgel com a Joaquim Nabuco. Como já disse uma vez, aquilo é uma chaga aberta no centro da cidade, demonstrando a total deficiência de atuação dos ór-gãos de proteção ambiental. O caso do hotel é um paradigma no sentido

José Roberto Fernandes Castilho

Meio ambiente segue degradadoAtuação de órgãos públicos é equivocada em matéria ambiental, faltam medidas concretas e competentes

Caos Urbano

SÓ NO VAREJONão se pode imaginar que a proteção ambiental se materialize na defesa do ‘matinho’;Isto é infantil, embora renda alguma mídia”

Em matéria ambiental, é impe-rioso reconhecer a notória insuficiên-cia da atuação dos órgãos de proteção em Prudente. Na verdade, talvez o termo “insuficiência” seja leve de-mais porque se trata mesmo de defi-ciência: trata-se de atuação que, pela falta de medidas concretas competen-tes, deixa muito a desejar. Tais órgãos têm denominações diversas: são se-cretarias, conselhos, departamentos, Ministério Público, etc, integrados por agentes regiamente pagos, assis-tentes técnicos à larga, muitos oficiais disponíveis, mas cabe perguntar: qual o efeito duradouro de sua atividade? Qual a eficácia dela? Qual a agilida-de dessa estrutura de controle, que se mostra paquidérmica? Como a doutri-na costuma apresentar três aspectos do ambiente, vou apontar, em cada um deles, exemplos da grande defici-ência de atuação desses órgãos.

Em primeiro lugar, o ambien-te é o ambiente natural resultado da interação do solo, água, ar, fauna e flora. Neste aspecto, o problema do lixão de Prudente parece insolúvel. Em pleno século XXI - e apesar da lei que o proíbe -, Prudente tem um lixão a céu aberto que é uma vergo-nha ou, se se quiser, uma tragédia que deveria enrubescer nossas auto-ridades. Não há meios de a Prefeitu-ra aprovar o aterro sanitário. Houve um projeto em 2007 que foi rejeitado pela Cetesb e outro, do ano passado, que foi questionado pela autoridade aeronáutica. Assim, continuamos no pior dos mundos, com os catadores, em condições subumanas, invadindo o alambrado para continuar exercen-do sua atividade. De outra parte, o solo no local não foi impermeabili-zado e, assim, o chorume tóxico con-tinua penetrando nele. A situação, portanto, é a pior possível. Quanto à reciclagem do lixo, ela não chega a atingir 5%.

[email protected]

bíblico: “pelos seus frutos os conhe-cereis” (Mateus, 7). A atuação dos órgãos ambientais pode ser medida pela destruição do Hotel Municipal. Ou então, dentre outros múltiplos exemplos, pela retirada, em 2010, de todos os ornamentos do prédio do antigo Armazém Sírio Casa Por-ta de Ferro, construção que data de 1921.

Portanto, penso ser necessária uma completa reformulação na estra-tégia de ação dos órgãos de proteção ambiental em Prudente. Sua atuação é equivocada e não está atingindo os resultados desejados. Não está produ-zindo efeitos consistentes para a co-munidade. Não se pode imaginar que a proteção ambiental se materialize na defesa do “matinho” ou da “plan-tinha”, aqui e ali, num varejo fácil e barato. Isto é infantil, embora renda alguma mídia. A atuação daqueles órgãos precisa se dar no “atacado”, combatendo os grandes problemas. Mas para isso é necessário enfrentar demandas, entrar com ações cole-tivas, partir para a luta contra “lob-bies” poderosos que atuam na cidade - como aquele que mantém a indústria dos condomínios fechados que priva-tizam a cidade.

Foto: André Felício

4 Outubro 2012

“liminares” serão concedidas pelos “lu-minares” do Direito, permitindo, assim, que os fazendeiros sejam colocados em liberdade.

São essas as decisões que en-feiam o Brasil lá fora. Que seriedade possui um país cujo Poder Judiciário

subverteu o princí-pio da “liberdade, ainda que tardia” (libertas, quanvis sera), para além das conquistas políticas do seu povo, ou seja, para livrar da pri-são assassinos do seu povo?

Por essa e por outras – à luz de um parecer de Ada Pelegrini

Grinover – o mi-nistro da Suprema

Corte, Cesar Peluso, vem

de elaborar um projeto de emenda

constitucional, as-segurando a execução imediata dos processos julgados em segunda instância por órgão co-legiado, em nome da celeridade processual. Trocando em miúdos, a idéia prevalente, na área penal, é a seguin-te: o acusado que for condenado por um

órgão colegiado de segunda instância, somente poderá recorrer às instâncias superiores se for recolhido à prisão. Trata-se de uma emenda constitucional de elevado alcance, tendo presente que, neste país, o acesso às instâncias supe-

riores do Poder Judiciário não está no cardápio dos pobres.

O crime que envolveu o jorna-lista Pimenta Neves, um dos maiores casos de impunidade e morosidade ju-dicial da Justiça brasileira, é o exemplo mais flagrante dessa afirmativa. No ano de 2000 Pimenta Neves matou, por ciúmes, sua colega de trabalho, Sandra Gomide – 20 anos mais nova – e foi condenado pelo júri-popular no ano de 2006. No entanto, por força de recursos ofertados nas instâncias superiores, so-mente foi recolhido à prisão no dia 26 de maio de 2011, ou seja, 10 anos de-pois da prática do crime.

Isto tem uma explicação filosófi-ca. Segundo alguns analistas do Direito, as pessoas ricas são cercadas por uma áurea de proteção, denominada meta-norma, decorrente do prestígio social que desfrutam na sociedade e que é le-vada em consideração no momento da aplicação da pena. Nossos magistrados, notadamente das instâncias mais altas, sentem uma compulsão e invocam toda sorte de princípios – v.g. contraditório, ampla defesa, presunção da inocência e quejandos – para colocar em liberdade os criminosos mais abastados.

Por todo exposto, o projeto de emenda constitucional da lavra do ex-presidente Cesar Peluso, supra referi-do, que se encontra nas mãos do relator, deputado Aloísio Nunes Ferreira, no Congresso Nacional, precisa ser pres-tigiado, pois concorre para restaurar o prestígio do Poder Judiciário.

Uma emenda mais que aguardadaProposta é de que o acusado que for condenado por órgão de segunda instância só poderá recorrer se for recolhido à prisão

Zelmo Denari [email protected]

Opinião

O ministro Marco Aurélio Mello, da Suprema Corte, julgando um recente habeas-corpus, concedeu uma decisão liminar favorável à soltura de Reginal-do Pereira Galvão, conhecido como Ta-radão, que foi condenado, em maio de 2010, a 30 anos de prisão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da missionária norte-americana, Dorothy Stang, morta em fevereiro de 2005, na região de Anapu, a 766 km de Belém do Pará, epicentro de uma disputa de sem terras com fazendeiros.

Dos cinco condenados pela mor-te da missionária, Galvão foi o segundo a ser colocado em liberdade. Anterior-mente, o Poder Judiciário já libertara Clodoaldo Batista, acusado de co-auto-ria no crime e foragido desde feverei-ro do ano passado. Estão presos ainda outro mandante (Vitalmino Bastos de Moura), um intermediário (Amair Feijoli da Cunha) e o autor do crime, Rayfran das Neves Sales.

Este crime, ocorrido no ano de 2005 e julgado em 2010, teve um des-fecho rápido para os padrões da justiça brasileira e isto se deve à sua repercus-são internacional, pois a vítima era ci-dadã norte-americana.

O que salta aos olhos é que, por estarem envolvidos no crime, fazendei-ros abastados, um já fugiu da prisão e outro acaba de ter sido agraciado com a comentada decisão liminar. Pelo tro-te do jumento, dentro em breve outras

Quando cheguei a Montevi-déu, contemplei, extasiado, a imen-sa orla banhada pela imensidão das águas do estuário do Prata, e mer-gulhei, inexplicavelmente, na crista das ondas mansas do tempo. Viajei à Caiuá e Presidente Prudente na bus-ca nostálgica das aulas de geografia e dos mapas que enfeitavam as pare-des escolares daquela época longín-qua e desafiavam meu “conhecimen-to” infanto-juvenil, quase em estado de inocência.

Professores e professoras mos-trando-nos, pacientemente, com uma régua ou uma varinha parecida com uma batuta, os rios, suas nascentes, afluentes, a foz, saltos e cachoeiras, os municípios, estados e países per-corridos, os riozinhos e riachos, o rio do Peixe, o Santo Anastácio e... o Caiuazinho, todos afluentes do Pa-ranazão que nos fazia tirar o chapéu, lá em Presidente Epitácio, com tanta água e tantas ilhas.

Ora, o Caiuazinho foi o rio onde aprendi a nadar o pouco que sei. Foi minha inesquecível acade-

O majestoso Caiuazinho Raymundo Farias de Oliveira [email protected]

mia aquática frequentada, também, por cobras verdes! E aprendi na mar-ra, no sufoco, no susto “ os amigos mais velhos nos dando caldo dentro d´água, era aquela tortura, sobretudo nos tempos de enchentes. Engasgos, vômitos, tosses, espasmos, impiedo-so terrorismo aquático sob o olhar silencioso dos aguapés verdejantes. Até hoje, guardo, no corpo, “tatua-gens” de arame farpado que ficaram de minhas desesperadas fugas, per-seguido pelos “amigos” maiores que só queriam que eu perdesse o medo de mergulhar nas águas cristalinas do Caiuazinho.

E agora, tanto tem-po depois, tantos carna-vais, tantos natais, tantos réveillons e eis-me aqui, meio cansado de guerra, em Montevidéu, capital do Uruguai, nosso terrí-vel adversário futebolísti-co (quem não se recorda do Maracanã de 1950? ). Eis-me aqui, como dizia, caminhando por suas lar-gas avenidas com seus

prédios baixos, o Uruguai onde se refugiou João Goulart e, logo depois, o velho e impetuoso Leonel Brisola, naquele trágico 1964...

Aqui, de um ponto mais alto, admiro a arquitetura da cativante capital com suas linhas coloniais, seus monumentos dedicados a seus heróis e à sua história, mas me im-pressiona mesmo a imensidão azul,

às vezes verde, no tom claro ou escu-ro, dependendo das nuvens e do sol, das águas dançantes do estuário do Prata, para onde convergem as águas do rio Uruguai, do rio Paraná que recebe águas dos rios Paraguai e Tietê. Dentre elas, por que não dizer, aquelas do meu querido Caiuazinho, onde aprendi a nadar. Eta, mundão pequeno!

CASO DOROTHYQue seriedade possui um país cujo Judiciáriosubverteu o princípio daliberdade paralivrar assassinos

5 Outubro 2012

gou a se manifestar publicamente contra abusos sexuais cometidos por sacerdotes, numa época em que o silêncio correspondia ao exercício da prudência, ainda que hipócrita. A imprensa publicava constantemente seus artigos sobre os temas mais perturbadores dos nossos dias. Era comprometido com a verdade.

Publicou um dos livros mais surpreendentes do século XX, juntamente com o Professor Um-berto Eco: “No que creem os que não creem”. O livro transmitia as visões daqueles dotados de fé em diálogo com os que não creem. No

que creem os que não cre-em? Em nada? Ou

têm eles uma fé? Qual

f é ? N o h o -

mem? Na humanida-de? Nas guerras?

Aqueles que não creem em Deus devem acreditar em alguma outra coisa. Mesmo que seja na assombra-ção. Ou seja, os infiéis têm alguma fé. A apa-rente contradição foi timbrada com as in-superáveis inteligên-cias do cardeal Carlo Martini e do professor Umberto Eco. O livro é de leitura obrigató-

ria por

várias r a -zões. É p o s -

s í v e l registrar

algumas.A pri-

meira delas re-fere-se à espantosa possibilidade de um príncipe da Igreja dialogar publicamente com um intelectual desprovido de fé. O diálogo era semanalmente publicado pela im-prensa italiana.

Os que creem podem ensi-nar algo aos que não creem? E o contrário: os que não creem po-dem revelar alguma verdade aos que creem. Aqueles pensadores demonstraram que há um do-

mínio comum ligando todos os homens, fieis e infiéis, o que enseja a possibilidade de ser trilhado, lado a lado,

o caminho da paz. Tenho comigo bem

guardado a edição da revista L´Espresso. A capa exibe a ima-gem do cardeal Carlo de Martini. Nela foi publicada a entrevista, melhor dizendo, o diálogo trava-do entre o cardeal Carlo e o pro-fessor Ignácio Marino, cientista e bioeticista. Seria impossível aqui transcrever a reportagem, mas eis os temas principais: fe-cundação assistida, aborto, cé-lula tronco, AIDS, doações de órgãos e eutanásia. Tem sentido o registro. Há dez anos um prín-cipe da Igreja sente-se à vonta-de para debater publicamente com um cientista as ainda atuais questões da humanidade. A sua coragem e a coragem dos seus interlocutores espantam os ob-servadores até hoje.

No dia 31 de agosto deste ano, a humanidade perdeu um fi-lho de difícil substituição, Carlo Maria, arcebispo de Milão.

Faleceu recentemente com 85 anos o cardeal Carlo Maria Martini, com certeza, um dos mais notáveis pensadores dos nossos tempos. Foi arcebispo de Milão até 2002 quando então se aposen-tou. Notabilizou-se por dialogar publicamente com católicos e não católicos. Nas eleições dos Papas João Paulo II e Bento XVI, os es-pecialistas apontavam como o fu-turo pontífice. Era jesuíta.

Antes de ser atingido por uma doença incurável, dedicou o seu tempo à edu-cação. Não se afastava das ques-tões po-lêmicas, t a n t o q u e c h e -

Sérgio Roxo da Fonseca [email protected]

Opinião

Cardeal Carlo Maria Martini, um dos mais notáveis pensadores dos nossos tempos, se notabilizou por dialogar publicamente com católicos e não católicos

Carlo Maria Martini morreu no dia 31 de agosto deste ano

Ilustração: Roberto Bertoncine

Fé e fidelidade

6 Outubro 2012

cultural. E o Conselho Municipal de Cultura é a expressão máxima desta política cultural, onde o aprofunda-mento da participação popular e a institucionalização da cultura como direito do cidadão devem ser práticas fundamentais. Motivos pelos quais, será necessário que o Comuc agregue à sua natureza também o caráter nor-mativo, fiscalizador e deliberativo. É no Conselho que se constroem cole-

tivamente as po-líticas públicas para a cultura, pois nele estão representados o poder público e a sociedade ci-vil.

Em par-ceria com a Se-cult, o Comuc,

na Conferência Municipal de Cultura, criará a definição do plano de cultura para os próximos dez anos, prece-dido – como já dito, pelos semi-nários das câma-ras setoriais. O Plano Municipal definirá os con-ceitos de política cultural, apre-sentará o diag-nóstico da reali-dade municipal e

apontará os desafios a ser enfrentados em cada eixo temático cultural. O pla-no estruturará a intervenção do poder público através de programas estra-tégicos a curto, médio e longo prazo. Assim, a participação popular é fun-damental, especialmente para definir o que é cultura, seja enquanto produ-ção simbólica, direito de cidadania ou produto econômico. Quem dirá o que é produção cultural são os cidadãos, através da valorização da diversidade das expressões artísticas e dos valores culturais locais.

Quem definirá o alcance do direito de cidadania a ser privilegia-do, seja pelo livre acesso ou pelas ações de inclusão através da cultu-ra, é a sociedade. A sociedade civil, consumidora de cultura, é quem for-talece as cadeias produtivas culturais e quem reconhece a cultura como

fenômeno plural, gerando emprego e renda. Essa participação é a métri-ca da importância da cultura para o Município. E a sociedade civil está representada no Comuc pelos con-selheiros, que devem ser sistema-ticamente cobrados por sua efetiva participação.

Enfim, o reconhecimento e a valorização da cultura, enquanto di-reito de cidadania, produção simbó-lica e econômica em Presidente Pru-dente tem o exato tamanho da parti-cipação popular e dos grupos produ-tores e consumidores de cultura nas câmaras setoriais, na Conferência Municipal e nas suas representações no Conselho Municipal.

Opinião

Vários segmentos culturais de Presidente Prudente, liderados pelo Conselho Municipal de Cultura, se mobilizam para formular o Plano Municipal de Cultura, objetivando a priori atender exigência do Sistema Nacional de Cultura – SNS. Em arti-culação com a Secult – Secretaria de Cultura Municipal, os debates acon-tecem através de câma-ras setoriais – reunidos em eixos temáticos-, com a participação das diferentes linguagens culturais, como cinema e artes visuais, artes plásticas, dança, aces-sos culturais e patrimô-nio, literatura, cultura popular, cultura afro-brasileira, música e te-atro, para a formulação da política cultural do Município.

Estas ações tive-ram início no mês de agosto e continuam aos sábados no Centro Cul-tural Matarazzo com a finalidade de construir uma política cultural. Com diretrizes, pro-postas e estratégias articuladas, a in-tenção é que o Plano esteja concluído até novembro e apresentado na Con-ferencia Municipal de Cultura.

Verdade que o Comuc, des-de a sua instalação, se mobiliza para a consecução do Plano Municipal de Cultura, contudo encontrou enormes dificuldades para deslanchar o seu intento, talvez decorrentes de sua própria natureza jurídica meramente consultiva. Agora com a adesão do Município ao SNC – Sistema Nacio-nal de Cultura, o plano deixa de ser intenção e passa ser necessidade.

A adesão ao SNC trouxe al-gumas obrigações, sendo a principal delas a formulação de uma política

Valorização da cultura prudentinaParticipação popular é fundamental para definir o que é cultura, seja produção simbólica, cidadania ou produto econômico

Henrique Chagas [email protected]

CLASSE ARTÍSTICAValorização da cultura tem o exato tamanho da participaçãopopular nascâmaras setoriais

“Richard de Almeida, conferindo as últimas do pio, enquanto passeia pelo Museu do Louvre

em Paris.

Vitória de Samotrácia, ao fundo.

7 Outubro 2012 Opinião

Nossa cidadania: uma frágil criança

Marília Libório [email protected]

Motivada pelo que pude ob-servar nos diversos cenários urbanos por onde passei nestes últimos me-ses, poluídos pelo excesso de estímu-los visuais e auditivos, duas questões comparecem, de imediato, às nossas considerações: quem eram os candi-datos que buscavam o poder político e as estranhas, para dizer o mínimo, coligações partidárias.

No primeiro caso, os candida-tos usaram, à exaustão, os meios que acreditaram mais eficazes para a fixa-ção de seus nomes ou apelidos. Eram panfletos, banners, “santinhos“, ou-tdoors, bicicletas perambulando pe-las ruas com cartazes, desemprega-dos portando bandeiras que perturba-vam o trânsito e a visibilidade nos cruzamen-tos, veículos com auto--falantes apre-sentando as qualidades de de te rminado postulante em decibéis acima dos permitidos pelas normas legais e pelo bom senso.

Q u e m eram estas pes-soas? A título de ilustração e reforçando a coleção que se amplia a cada ano que passa, inúme-ros candidatos optaram pelos apelidos com os quais se identifica-vam. Nestas andanças, pude relacio-nar alguns exemplos: Robson Kero Kero, Alemão, Gislaine do Gabinete, Neguinha (que é do sexo masculino),

Ailton do Porto, Ana do Mel, Ilson do IML, Dicão e assim por diante... O que esperavam estes candidatos? Será que conseguiriam obter a con-fiança de mais eleitores com seus apelidos? Ou pretendiam re-editar o sucesso do Tiriri-ca? Será que alcançariam mais de 100 votos? Ou se candidataram ape-nas para obter licença eleitoral?

Como se apresentaram na mídia e quais p r o p o s t a s pretendiam c u m p r i r ? Quase todos garantiam mais e d u c a ç ã o ,

mais saúde, mais segurança, de-fesa do meio am-biente, mais trans-porte público, de-senvolvimento... etc... etc... Sempre o mesmo cinismo, a mesma ignorân-cia das eleições anteriores e o mesmo desconhe-

cimento das competências e atribui-ções do Município. Quanta falta tem feito o CEPAM (Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Munici-pal) ligado ao Governo do Estado de

São Paulo, que tinha como objetivo preparar os nossos políticos eleitos para o exercício de funções tanto no

executivo

quan-to no le-

gislativo, e que atualmente está esvaziado de seus recursos iniciais.

A segunda questão, também provocada pela observação da publi-cidade eleitoral no período que ante-cedeu o 7 de outubro, trata das coli-gações espúrias entre partidos a título de arregimentar, de forma questioná-vel, os parcos minutos da propagan-da eleitoral. Na maior parte dos ca-sos, são coligações que envenenam as plataformas partidárias, tornando

falsas quaisquer propostas que se-jam veiculadas em palanques políti-cos. Isso sem se falar na imoralidade da composição para uma pretensa governabilidade. Por falar em pla-taformas partidárias, devemos lem-brar que para ocupar os cargos que

dependem de eleição dos mais de cinco mil municípios brasileiros

concorreram cerca de 420 mil candidatos, vinculados a um dos trinta partidos (por que tantos partidos? Quais seus

programas?) registra-dos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral),

sendo que é exigida a participação de pelo me-

nos 30% de mulheres nas campanhas eleitorais de

cada partido.Dispositivos le-

gais para concretizar a democracia existem, como, por exemplo, eleições livres, plu-ralidade partidária, publicidade político

-partidária, controle do processo eleitoral, com respectiva super-visão dos partidos inte-

ressados. Faltam, no en-tanto, as condições plenas

para que a nossa democracia seja transparentemente praticada.

Dentre estas condições, ocu-pa o primeiro lugar a efetividade da educação, sem a qual continuaremos a compor os numerosos currais elei-torais que vêm alimentando o saldo bancário da grande maioria dos nos-sos representantes.

A nossa cidadania só se forta-lecerá, atingindo uma maturidade crí-tica e também participativa, quando todos os eleitores perceberem, com clareza e objetividade, as manobras que são elaboradas por detrás do sor-riso interesseiro ou de cada vantagem que será auferida com a escolha de um candidato amigo.

Nestes tempos de eleições municipais, constatamos quanto há para se aprender em termos de democracia

CONSCIÊNCIANossa cidadaniasó se fortalecerá,quando os eleitoresperceberem as manobras por detrásdo sorriso interesseiro de candidato amigo

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anu_29x9,5cm.ai 1 10/10/12 15:09

8 Outubro 2012

por isso que saí de casa, com 17 anos ou 18 anos. Ele

costumava dizer que eu tinha idéias comunis-

tas. Nunca neguei. Em 1979, já participava

do movimento pela anistia dos pre-

sos políticos, ao lado de

Lula. As co-munidades e c l e s i a i s

criaram um m o v i m e n t o

designado Anampe - Articulação Nacio-nal dos Movimentos Populares. Partici-pando desse movi-mento tive a oportu-nidade de conhecer todos os líderes po-líticos de esquerda daquela época.

PIO-PARDO - O Lula era depu-tado?

JOSÉ RAI-NHA - Lula era pre-sidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Na ocasião conheci Lula, o velho Leonel

Brizola e Miguel Arraes. Em 79 ou 80 foi fundado o PT. Nesse período, com a fundação do PT, participei da oposi-ção sindical em Linhares. Fui secre-tário e depois presidente do Sindicato

dos Trabalhadores Rurais. Logo em seguida fundamos o PT. Em 81, fazía-mos o primeiro Congresso designado Primeiro CONCLATE - Conferencia Nacional da Classe Trabalhadora em Praia Grande. Os companheiros co-munistas não queriam criar uma Cen-tral Única dos Trabalhadores e sim uma Central Geral dos Trabalhadores. Houve um grande racha e o Jairzão aproveitou para criar a CGT - Central Geral dos Trabalhadores.

PIO-PARDO – Que estava li-gada a Dilma?

JOSÉ RAINHA – Não, nesse período a Dilma tinha uma atuação bastante discreta, como técnica. De-pois que foi presa foi funcionária do Rio Grande do Sul, no setor hidrelé-trico, pois era uma grande profissio-nal. Militou no PDT, no MDB, depois participou da militância. Ela não ti-nha ligação com o PT.

PIO-PARDO - Onde e quan-do foi fundado o MST?

JOSÉ RAINHA - Em julho de 1984, na cidade de Cascavel no Para-ná. Mas só foi oficializado em janeiro de 85, no Teatro Guaíba em Curitiba. Foi um grande acontecimento. Parti-cipei da fundação do movimento em Curitiba e depois no Nordeste, Espíri-to Santo, Sul da Bahia, Sergipe, Ala-goas, fechando minha caminhada no Estado do Maranhão.

PIO-PARDO - E a sua vinda aqui para o Pontal?

José Rainha – Deu-se no iní-cio dos anos 90. Estava participando do movimento no Maranhão e sofri um atentado, decorrente de repres-são fortíssima, no sul do Pará. Voltei a São Paulo para ficar uns dias, e o pessoal recomendou-me atuar no Pontal do Paranapanema. No ano de 1991, no dia 23 de março aconteceu uma grande ocupação na fazenda São Bento, uma grande ocupação em Mirante. Fui convidado a conhecer o movimento dos trabalhadores rurais e resolvi ficar.

PIO-PARDO – O fato de ter encontrado no Pontal um questio-namento sobre o caráter público das terras devolutas contribuiu para a tua decisão?

JOSÉ RAINHA – Foi funda-mental. Quem poderia imaginar que São Paulo estava litigando sobre a natureza pública das terras do Pontal? Comparando com as disputas no Esta-do do Maranhão, que versavam sobre terras de 100 a 300 hectares, aqui, no Estado mais desenvolvido da nação, falava-se em um milhão de hectares de terras! Na cidade de Mirante do Paranapanema descobrimos um jul-gado de 1958 declarando devolutas, ou seja, públicas, as terras ali exis-tentes e a decisão já não comportava

Entrevista

PIO-PARDO - José Rainha, primeiro eu gostaria que você con-tasse um pouco de sua trajetória até chegar ao Pontal do Paranapanema.

JOSÉ RAINHA - Minha mi-litância data dos anos 70. Comecei bem jovem, na década de setenta. Em 75 foi fundada a Comissão Pastoral da Terra do Brasil, para saldar a dí-vida da Igreja com os camponeses do Brasil. A repressão era muito grande. Tive a felicidade de conhecer o Frei Beto em Vitória, quando saiu da ca-deia de Presidente Venceslau e foi morar em Santa Maria. Ali, nos anos 76/77, foram fundadas as Comunida-des Eclesiais de Base. Foi quando nos encontramos e comecei a participar das CEBs.

PIO-PARDO – Explica me-lhor esta passagem...

JOSÉ RAINHA - Eu estava com 15 para 16 anos, quando apren-di a ler e escrever. Meu pai era um trabalhador rural. Tinha uma dívida

rural de emprésti-mo com o Banco do Brasil. Acabou perdendo o sítio, como costumava acontecer. Passei a trabalhar para ou-tros proprietários agrícolas no Espí-rito Santo. Aí co-nheci o Frei Beto, que abriu meus olhos para as ques-tões sociais e prin-cipalmente para o tema da reforma agrária. Meu pai não gostou... Era muito reacionário. Defendia a Arena e os governos milita-res...

PIO-PARDO – Então, en-quanto garoto, você discordava do seu pai?

JOSÉ RAINHA – Sim e foi

SEM PAPAS NA LÍNGUA

INVASÕESO Estado só age mediante pressão;na história dahumanidade nunca houve mudança anão ser através da luta

Ficar atrás de gra-des não é uma novi-dade para José Rai-nha Júnior. Mas sob a acusação de desvio de recursos do governo federal, o líder sem--terra ficou o maior período encarcera-do, inclusive com chefes de facções criminosas como o PCC. Após sair da cadeia, Rainha reto-ma a vida e as ações no Pontal do Parana-

panema. Aos 52 anos e com uma história re-

pleta de polêmicas, ele aceitou falar sobre os

mais diversos assuntos, inclusive os mais ardilosos,

com este periódico.

9 Outubro 2012 Entrevista

mais recursos. Foi quando o gover-nador Mario Covas, sabendo que as referidas terras estavam ocupadas por diversos fazendeiros, permitiu que fossem feitos acordos para terminar a disputa possessória. Foi então que, através de convênios com o INCRA foram desapropriadas amigavelmente diversas glebas de terra no Pontal do Paranapanema. Os fazendeiros rece-beram do Estado o valor atualizado das glebas devolutas por que as terras, apesar de públicas, foram benfeitori-zadas pelos respectivos ocupantes, ou seja, pelos fazendeiros e isto explica a indenização paga pelo Estado.

PIO-PARDO – Explique me-lhor esse mecanismo de distribui-ção de terras devolutas.

JOSÉ RAINHA – O Estado só age mediante pressão. Padecemos 25 anos de ditadura nesse país. A di-tadura só cedeu com a mobilização popular. Aliás, na história da humani-dade nunca houve mudança a não ser através da luta. A independência da América Latina foi conquistada atra-vés de lutas. Veja, por exemplo, nos-sa luta contra a escravatura. Estamos falando de 1889. Os intelectuais, tipo Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, preci-saram sair às ruas para que aconteces-se a abolição da escravatura. Hoje se você ocupa um pedaço de chão para transformar a terra produtiva; se você luta pela reforma agrária, te chamam de doido, irresponsável. Ouvi o dis-curso da Kátia Abreu recentemente, ouvi o discurso do deputado Álvaro Dias. Afirmavam, sem ficar enver-gonhados, que não adianta dar terra para os que não sabem trabalhar. Nós estamos falando em reforma agrária, em democratização do país, nós es-tamos falando em crescimento para a geração de empregos, nós estamos falando em fazer justiça para negros e pobres. Essa é a questão quando falamos de terras improdutivas. Em nenhum momento vocês vão nos ver defendendo a invasão de terras produ-tivas. Nós estamos falando de grandes

latifúndios improdutivos. E para vol-tar no mesmo problema, nós estamos falando em terras públicas. A questão da terra no Brasil é uma questão de 500 anos. É preciso sacudir a estrutu-ra latifundiária do Brasil.

PIO-PARDO – Existem ter-ras devolutas produtivas e terras devolutas improdutivas?

JOSÉ RAINHA – No Pontal têm as duas coisas. Tem terra devolu-ta produtiva, que são as que produzem grãos, cana, e as terras improdutivas que produzem nada. Os fazendeiros costumam dizer que todas as fazen-das são produtivas. Dá licença, exis-tem fazendas nesse Pontal que, para achar boi, tem que andar de bi-nóculos... A ver-dade é que essa atividade deixou de ser produtiva no Pontal, não é mais lucrativa. Tanto que as áre-as de pastagem estão virando um imenso cana-vial.

P I O-PARDO – Você participou do projeto do pi-nhão manso, in-centivado pelo ex-presidente Lula. Que acon-teceu com o pinhão manso e com o programa de bio-combustível no Pontal?

José Rainha – Participei. Era a saída naquele momento. A grande questão foi a resistência contra o pro-grama do biodiesel. Trata-se de uma energia renovável, que deveria ser produzida pelo pequeno agricultor. Recentemente assisti pela televisão uma matéria que falava da produção da macaúba na região de Minas. Lá estão produzindo macaúba para fa-zer o biodiesel, o coco, e ainda o co-

mércio da massa. Pois bem, a maior produção de macaúba nativa pode ser encontrada aqui no Pontal. Nas beiras dos rios do Pontal floresce muita ma-caúba nativa, essa mesma que estão plantando em Minas. O que é o pi-nhão manso? É outra cultura tão van-tajosa, barata e produtiva. Mas aí vem os “estudiosos” dizer que o projeto não pode ser implantado porque “não tem história”. Que merda de “histó-ria” é esta? Estão é querendo criar empecilhos para não se desenvolver a cultura do pinhão manso aqui.

PIO-PARDO - Você em que pé ficou o tal projeto de biodiesel do Pontal?

J O S É RAINHA – Plantamos ma-mona e participa-mos de um proje-to de instalação do biodiesel que está parado na Petrobrás. Esta iniciativa resul-tou na minha pri-são, sob a alega-ção que fizemos um projeto com o objetivo de pe-gar dinheiro do governo federal e invadir terras.

P I O-PARDO - Isto motivou o co-

municado do MST dizendo que você não pertencia mais ao movi-mento?

JOSÉ RAINHA – Não. Fui acusado de estar introduzindo a cultura do agronegócio, participando da coope-rativa. Agora eu pergunto, quem é que está plantando macaúba nos assenta-mentos? É esse grupo que era contrário ao meu projeto. Prá você ver eu estava correto. Minha tese estava correta.

PIO-PARDO – Mas você não acha que são muitos milhões que vie-

ram para cá e para poucas gotas de biodiesel, ou melhor, para zero gota?

JOSÉ RAINHA – Não foi de-senvolvido o projeto. O projeto que foi discutido está na Petrobrás, en-tão os caras nos prenderam acusando disso, de um projeto que não existiu, quer dizer, existiu o projeto, mas não teve recurso.

PIO-PARDO – Mas e os re-cursos que vieram para cá para a asso-ciação da qual o senhor coordenava?

JOSÉ RAINHA – Não, são outros recursos. Uma parte de re-cursos foi para plantar mamona e foi plantado. Outros vieram normalmen-te pelo Pronaf. Não existiu isso.

PIO-PARDO – Mas a depu-tada Kátia Abreu faz ataques mui-to incisivos aos sem-terra quanto à aplicação correta desses recursos que vieram do governo federal.

JOSÉ RAINHA – Todos os re-cursos foram aplicados corretamente. O diabo é que tratando-se do Zé Rai-nha fazem alusão à aplicação incorre-ta dos recursos. Querem bater no Zé Rainha...

PIO-PARDO - Quem quer?

JOSÉ RAINHA – Trata-se de uma ofensiva da oligarquia rural. Qual foi a razão das minhas prisões no Pontal? É formação de bando e quadrilha, não é isso? Quais foram as outras acusações?

PIO-PARDO – Porte de arma?

JOSÉ RAINHA - Que nunca teve, nunca se comprovou, fui absol-vido total, mais onde está a tese de-fendida?

PIO-PARDO - Você pode contestar a afirmação da deputada Kátia Abreu, quando afirma que os sem-terra nada produzem?

JOSÉ RAINHA – Esta afir-mação não é verdadeira. Os sem-

SEM PAPAS NA LÍNGUA Após nove meses de prisão, José Rainha Júnior conta detalhes de como foi o período de encarceramento, sua relação com Lula, com o MST, sobre as acusações que responde e da retomada das ações no Pontal

LULA“Quando estive preso, ele fez por mim algo que nem meu pai faria, mandou dois ex-ministros me visitarem.”

BANDIDO?“Todas às vezes que ousam me prender como bandido, a bandidagem tem por mim o maior reconhecimento”

FRATERNIDADE“Não existe um lugar mais fraterno para se viver do que na cadeia; nunca recebi tanta solidariedade na minha vida”

NA PRISÃOMe jogaram na cova dos leões e eu me dei bem; Ali não havia magnatasda corrupção e muito menos latifundiários

Fotos: Richard de Almeida

10 Outubro 2012Entrevista-terra produzem, o problema é que essa produção não é divulgada. Vá ao Instituto de Terra e levante qual é a produção de leite dos assentados. Na região, a maior produção de lei-te é originária dos pequenos agricul-tores, dos assentamentos. Da mesma forma, a produção de hortaliças vem dos assentamentos. Sem falar da pro-dução de mandioca e milho, Desafio qualquer um a levantar os dados do Instituto de Terras. O problema é que não divulgam isso.

PIO-PARDO – Você se arre-pende de alguma ação aqui no Pon-tal?

JOSÉ RAINHA – Não. Não me arrependo de todas as ações fei-tas no Pontal, mas tenho o reco-nhecimento de ter errado. A gente cometeu muitos erros que pode-riam ser evitados. Mas fico fe-liz porque o movimento mais conflituoso do Brasil ainda é o Pontal e nós nunca per-demos uma vítima, nunca perdemos uma pessoa. Nunca tivemos movi-mentos violentos, de ferir pessoas, como aconteceu recente-mente em Pernam-buco, Pará, Rondô-nia, muita gente per-deu a vida. Aqui nunca perdemos vidas. Em 2000, sofri um atentado, uma emboscada. Você acha no que deu esse processo?

PIO-PARDO - Eu que te per-gunto...

JOSÉ RAINHA - Falta de provas. Até hoje ninguém falou mais nada. Eu continuei ralando depois em várias prisões.

PIO-PARDO - Você culpa a oligarquia rural e tudo mais. Mas a gente percebe de uns tempos para cá que o próprio MST discrimina José Rainha Júnior, inclusive não te aceitando como membro do mo-vimento, mesmo você sendo um dos fundadores. Como é que está essa relação?

JOSÉ RAINHA - Os movi-mentos sociais têm divergências. Isso é natural. Imagina a dimensão desse movimento no Brasil. Eu tenho mui-tas divergências, mas nunca sai do MST.

PIO-PARDO - Mais eles são bem taxativos em dizer José Rai-nha Júnior não pertence ao MST.

JOSÉ RAINHA - Veja bem, ninguém pode se autodeclarar líder. Eu não posso dizer que sou líder. Sou um homem que luta pelo povo. Nin-guém pode desconhecer o meu traba-lho aqui no Brasil. Já fui premiado no exterior. Há discussões internas, di-vergências de política interna. Tenho o maior respeito por toda liderança do MST aqui no Pontal e tenho a felici-dade de conhecer todos os líderes a nível estadual e nacional.

PIO-PARDO - A Deolinda

tentou algumas elei-ções e não deu cer-to. O que acon-teceu? Por que ela foi candida-ta?

J O S É RAINHA – Deolinda so-freu muito na p r i s ã o . D e s -m a -

mou dois filhos na cadeia, em 1995 e em 2003. Ali ficou convencida de que deveria parti-cipar da luta partidá-ria. Filiou-se ao PT e depois ao o PCdoB. Fez isto mais para fortalecer o partido e articular as bases. Eu a apoiei, pois achei fundamental parti-cipar da luta parti-dária. Agora, meu filho João Paulo fez 18 anos e se lançou candidato a vereador pelo PCdoB, em Te-odoro Sampaio. Fi-quei feliz e torci por ele... (João Paulo Rainha teve 183 vo-tos e não conseguiu se eleger). De minha parte, nunca me fi-liei a partido, ajudei a fundar o PT, mas nunca me filiei.

PIO-PARDO - Qual sua rela-ção com o Lula hoje?

JOSÉ RAINHA – Ótima. Quando estive preso, ele fez por mim algo que nem meu pai faria. Eu es-tava doente na prisão e Lula mandou dois ex-ministros, o Paulo Vannuchi e o Luiz Dulce, me visitar. Trouxeram uma carta de reconhecimento, pelo meu trabalho em defesa dos trabalha-dores rurais. Prometeu visitar-me as-sim que ele se recuperasse da doença.

PIO-PARDO – Em sua últi-ma prisão, você ficou maior tempo. Como você foi tratado?

JOSÉ RAINHA – Recebi um

tratamento de preso, mas com muita dignidade, sem regalia nenhuma. Convivi com pobres, miseráveis. Até fiz uma paródia de

que era como Daniel: me jogaram na cova dos leões, eu me dei bem com os leões, sabe porque? Ali

não havia mag-natas da

corrupção e muito menos latifundiários... Eu

encontrei a “po-braiada”, os mi-seráveis, o lixo da sociedade ta lá dentro.

PIO-PAR-DO – Foi real-mente o maior período em cana?

J O S É RAINHA – Pas-sei nove meses no presídio entre os daqui da região e o de Pinheiros III. Na cela cabiam 12 pessoas. Éramos 31. Às vezes pen-so, como é que um ser humano pode

viver naquelas condições. Todos me conheciam. As famílias, as pessoas, reconheciam meu trabalho. Costuma-vam dizer que eu tinha uma causa. É impressionante dizer isso, todas as vezes que eles ousam me prender como bandido, a bandidagem do cri-me tem por mim o maior reconheci-mento. Fiquei com presos lideranças de facções e todos me tratavam com dignidade. Alguns juízes, alguns pro-motores e delegados não sabem dife-renciar um criminoso comum de um prisioneiro político, como me consi-dero.

PIO-PARDO – Como você vê essas organizações dentro dos pre-sídios?

JOSÉ RAINHA – Não tem

causa, então não vai a lugar nenhum. Mas não existe um lugar mais fraterno para se viver do que na cadeia. Nunca recebi tanta solidariedade na minha vida e aprendi muito lá. Em Piracicaba, numa prisão que fui para depor, che-guei de noitinha sem trazer nada comi-go. Meu companheiro de cela deu-me a toalha para tomar banho, a metade de um sabonete e uma pasta de dente en-rolada num papel higiênico. A comida que havia sobrado, embora fria, foi di-vidida comigo. Uma lição de vida para mim. A gente é muito egoísta aqui fora, não consegue ver o outro lado. Mas re-conheço que as facções criminosas não têm causa. Causas são as lutas, a refor-ma agrária, empregos justos para todo

mundo, salário digno e justo.

PIO-PARDO - Como está a relação de José Rainha com os veículos de comunica-ção hoje?

JOSÉ RAINHA – Eu continuo tendo o mesmo pensamento. A grande mí-dia nunca esteve a nosso

favor. Sempre nos co-locou na ilegalidade, sempre criminalizou nosso movimento, nos colocando fora da lei, como se vi-

vêssemos à margem do Estado Democrático

de Direito. Nós temos o di-reito de ter um pedaço de terra para trabalhar. Esse direito está previsto no texto constitucional. É vergonhoso nos deparar no Pontal com sentenças judiciais transitadas em julgado de-clarando que uma terra é devoluta e essa terra não nos ser destinada.

PIO-PARDO - Vocês vêem no Estado um inimigo?

JOSÉ RAINHA – O Estado sempre foi inimigo dos pobres. O Es-tado foi feito para proteger a classe dominante. Para ser verdadeiramen-te democrático o Estado deveria, em primeiro lugar, respeitar os direitos humanos e assegurar o princípio da igualdade de todos. Não se pode falar de um Estado Democrático Direito, na amplitude desta palavra, quando milhares de pessoas passam fome ou estão desempregadas; quando milha-res de pessoas estão nas ruas, moran-do debaixo das pontes, sem direito à habitação.

PIO-PARDO - Qual é a pro-gramação para outubro? Tem al-guma marcha preparada para Prudente? Você se arriscaria fazer novamente?

José Rainha – Se necessário, será feita. A marcha tem sido uma forma importante de atrair a socieda-de em favor de nossa causa.

PIO-PARDO – José Rainha é bandido?

José Rainha – Não sou um bandido. José Rainha é um cidadão, que tem dignidade e muito respeito à vida dos trabalhadores.

LATIFUNDIOExistemfazendas nessePontal que, paraachar boi, tem queandar de binóculos...

11 Outubro 2012

pediu licença, entrou na sala privativa da

empresa aérea após alguns minutos vol-

tou para pedir des-

c u l p a s e com-pletar o

check-in.L o g o

em seguida, “a pas-sageira” dirigiu-se ao

portão onde iria aguar-dar seu vôo, por coinci-dência, vizinho ao meu. A certa altura, levantou-

-se para se servir da toalete. Pensei com os meus botões: é a hora da onça beber água! Fiquei observando qual seria a toalete de sua escolha e não deu outra: a jovem entrou, tranquilamente, no banheiro

feminino. Desde então, passei a entender

melhor a diferença entre o travesti e o homossexual. O primeiro é um transexual, ou seja, uma pessoa que não aceita seu sexo aparente e está convencido de que pertence ao sexo oposto e, por isso, em casos extre-mos, se submete a intervenção cirúr-

gica para mudança de sexo. O segundo, pelo contrário, não se rebela contra seu corpo e segue sua vida, com a confor-mação sexual que Deus lhe deu.

Em termos de hábitos prevalentes em locais públicos, é bom ter presente que o primeiro, ou seja, o transexual, por re-jeitar suas caracte-rísticas fisiológicas, costuma se utilizar das toaletes reserva-das ao sexo oposto, ou seja, femininas. O segundo, por sua vez, conformado com suas caracte-rísticas fisiológicas, costuma se servir

das toaletes masculinas.No entanto, devo advertir que

estas condutas valem si et in quan-tum, inseridas que estão no estágio atual das nossas relações de sociais, pois nunca se sabe, em termos cul-turais, para onde caminha a huma-nidade. De resto, estou convencido de que há mais segredos nesta con-fraria, do que possa sonhar a vã fi-losofia...

Comportamento

Costume, surgido na Europa, da utilização de um só banheiro para ambos os sexos em locais públicos tem ficado em evidência

Uso comum dos banheirosZelmo Denari [email protected]

NA TOALETE“Passei a entendera diferença entre o travesti e o homossexual: o 1º não aceita seu sexo aparente e o 2º não se rebela contra seu corpo”

A imprensa escrita – nossa fon-te de informações mais confiável – tem dado ênfase ao costume, sur-gido na Europa (tinha de ser), da utiliza-ção de um só banheiro para ambos os sexos, em locais públi-cos.

Ocorreu--me, certa feita, em São Paulo, precisar com ur-gência de um ba-nheiro para satisfa- z e r minhas necessidades fisiológicas e somente encontrar disponível, no sa-guão do hotel, o banheiro feminino. Não tive dúvidas, abri a porta e servi--me do vaso sanitário, sem o menor constrangimento. Quando saí, tive a felicidade de não me deparar com ne-nhuma usuária na fila de espera.

Não foi o que sucedeu com um amigo prudenti-no que – premi-do pelas mesmas n e c e s s i d a d e s – não trepidou em se utilizar do banheiro femi-nino em um su-permercado da cidade. Quando saiu, topou com duas senhoras na fila de espe-ra, que ficaram surpresas e criti-caram duramen-te sua conduta. Retrucou, meu amigo:

- As se-nhoras não di-riam que não te-nho vergonha, se passassem pelo mesmo apuro.

Em outra ocasião, fazia o meu check-in no balcão de Congonhas precedido por uma bela jovem de ves-tido rodado, muito elegante. A aten-dente solicitou-lhe os documentos, mas surpresa, advertiu-a que havia algum engano, pois o bilhete aéreo e respectiva identidade faziam menção a pessoa do sexo masculino. A moça, então, respondeu que não havia ne-nhum equívoco, pois era a pessoa retratada no documento. A atendente

MSN do InocêncioInocêncio Prudente é prudentino nato, morou alguns anos fora, mas está de volta para“morrer na terrinha natal”. Atualmente, virou internauta, e ainda se espanta com a política local.

12 Outubro 2012

filhos, o qual, tendo vivido por mais de vinte anos em regime de escravi-dão, a serviço de um cirurgião do exército, pleiteou judicialmente sua liberdade. À época, plena véspera de Guerra civil (1861-1865) o tema era palpitante na sociedade norte-ameri-cana, pois o Norte clamava pelo abo-licionismo, mas o Sul escravagista, invocando a pretensa necessidade de mão de obra escrava nas lavouras de açúcar, se opunha, invocando os tra-tados firmados entre os esta-dos federativos.

A decisão, considerada uma das mais desas-tradas da histó-ria da Suprema Corte – ao lado da polêmi-ca eleição de Bush em 2000 c o n t r a A l

Gore - além de negar a libertação do escravo, proclamou que nenhum negro jamais seria considerado cidadão norte-americano. A partir desse jul-gamento, a opinião dominante é que as cortes constitucio-nais, sedentas pela aprovação popular e fortalecimento de

seu poder, costu-mam decidir

pelo “poli-ticamente correto”.

Ins-titutos de

suposta le-g i t i m a ç ã o

democrática utilizados pelo Supremo Tribunal Federal – tipo

audiências públicas e Amici Curiae – pouco auxiliam na fundamen-

tação das decisões, já que o Judiciário

não é o locus de deliberação por ex-celência, mas instituição responsável

pela segu-rança dos direitos e ga ran t i a s fundamen-tais, para evitar a di-tadura da m a i o r i a . Por isso, questiona--se se a opinião de 11 magis-trados “de notável sa-ber jurídi-co e ilibada reputação”

– como quer a Constituição – deva prevalecer quando se trata da formu-lação de políticas públicas, com efeito vinculante e erga omnes ( para usar-mos um jargão jurídico). Há relativo

consenso no sentido de que tanto poder, concentrado nas mãos

de um só órgão, não é saudável pela ruptura

do equilíbrio de-sejável em todas

as instituições democráticas.

Quem vigia o vigia?

Um livro no lixo

Karina Denari Mattos

Eustásio de Oliveira Ferraz

[email protected]

[email protected]

Questiona-se se a opinião de 11 magistrados prevaleça quando se trata da formulação de políticas públicas

Judiciário

DESEQUILÍBRIOHá relativoconsenso deque tanto podernas mãos de umsó órgão, nãoé saudável

“Já se tornou rotina a transmis-

são televisiva dos julgamentos de nossa Suprema Corte, notadamente quando se trata de questões de fundo ético-religioso, político ou técnico, como aborto de anencéfalos, mensa-lão ou demarcação de terras indíge-nas. Forjam-se, naquele Corte, super-heróis e até vilões, em questões antes alheias à compreensão popular, mas que hoje fazem parte do papo de rotina nas mesas de bar.

Toda a repercussão dos julga-mentos tem um ponto em comum: seguem a tendência mundial, norte-americana, de que a Suprema Corte detém a última palavra nos assuntos de interpretação da Constituição. Esta tendência é positiva, pois já chance-lou a união homoafetiva e as pesqui-sas com células-tronco, recentes dire-trizes do STF. E se não fosse o caso?

Entre os casos paradigmáticos e bastante sugestivos

lá fora, por sua complexi-

d a -de, pode-mos citar o Dred Scott case. Este precedente norte-americano de 1857, com ra-ros estudos no Brasil, versa sobre a postula-ção de um es-cravo nascido nos EUA, casado, com

Andava pela rua Donato Arme-lim quando, de repente, numa caçam-ba de lixo, deparei-me com um livro: “O Homem esse Desconhecido”, de Alex Carrel. Estava todo amarrota-do, com sinal de umidade. Que tipo de leitor teria sido o seu proprietá-rio? Um intelectual frustrado? Um curioso? Um leitor que pula páginas? Pensei com Gabriel Perissé: podemos viver sem ler? Quem não lê não entra no rio da história e quem lê é como o mar onde deságuam muitos rios. Sempre acreditei que a aquisição de um livro sempre tem o sabor de um encontro afetivo.

Por isso, fiquei meditando e lembrei-me de uma conversa que tive, certa feita, com Charles Borg, um amigo de Araçatuba, que esteve recentemente na Irlanda. Dizia ele que Dublin é a cidade do livro. A ca-

pital irlandesa se destaca pela quanti-dade de livrarias. Não é sem motivo que Dublin é também a cidade com maior número de agraciados com o Prêmio Nobel de literatura e são três os dublinenses condecorados: William Yeats, Ezra Pound e Samuel Be-ckett.

Estranho como o mais ilustre dos clássicos irlandeses, James Joyce, não ter sido agraciado pela distinta honraria. Talvez pelo fato de ter sido rejeitado, inclu-sive pelos seus compatriotas, em decorrência da linguagem vulgar utilizada no seu famoso “Ulys-ses”. Sinceramen-te de Ulisses só li resenhas esparsas e o livro “O gozo de Ulisses”, de Noga

Lubicz, cuja leitura foi infrutífera. Dublin é a capital das livrarias.

E Presidente Prudente? Quantas as te-mos?

Frequentei a livraria do saudoso professor Chamé, no Prudenshopping.

Depois, a livraria Nobel, onde sempre folheava livros

com uma sensação de pura felicida-de. Felicidade diante da beleza dos livros, que nos alimentava

e nos confortava. Ambas as livra-rias desaparece-ram pela falta de leitores. Livraria não precisa de fregueses, mas de leitores. Estou

convencido que nossa cidade abri-

ga uma multidão de peregrinos que atra-

vessam os desertos e as florestas, mas são surpreendidos pelas trevas, não pela luz.

A livraria Universitária também fechou. A justificativa foi a dificulda-de da empresa em se ajustar diante das novas tecnologias. Alegou-se depois o fator “crise”, bem como o advento da leitura digital.

Mas, que é a crise? Já se dis-se que “não faz sentido alimentarmos uma visão puramente negativa da cri-se”. A bem da verdade, a “crise apa-rece como um apelo, uma mensagem que é preciso decifrar.”

Muito embora não possamos fugir das crises, não nos esqueçamos que a “leitura é microscópio para cap-tar o minúsculo, telescópio para intuir o longínquo, periscópio para ver ao redor e estetoscópio, para investigar o profundamente humano.”

Acho bonitas estas palavras, no entanto, a julgar pela lembrança do li-vro despejado na caçamba de entulho, nem todos pensam assim...

13 Outubro 2012

O espíri-to da tirania do rei está sempre à espreita, não morre; como o sono da Branca de Neve, aguar-da o “beijo do príncipe” para renascer. Mas os súditos que fizeram algu-mas conquistas estão também à espreita... Para evitar “o peri-goso retorno” valorizam o Le-gislativo que representa a vi-gilância do rei e o cerne da de-mocracia. Parti-

cipam do diálogo com os vereadores e deputados, presentes ou on-line, cobrando-os ferrenhamente. Hoje se arrepiam só ao pensar que se não as-sumirem seus deveres de cidadania, mais cedo ou mais tarde, contrairão novamente a patologia da mudez.

E o rei despótico continua de prontidão para o bote. E os cidadãos do reino, vigilantes da democracia, fa-zem questão de lembrar o discurso do filósofo grego Teócrito de Corinto, sé-culo VI a. C., que encerra assim: “Na vida da cidade, se os homens neutra-lizam dentro de si o direito de pensar, a cidade pode ser tomada e dominada pela ferocidade de um tirano, cujo des-potismo levará o povo à morte pela fome, pela crueldade, pela injustiça, pela prepotência (...) O povo, certa-mente, será arrastado à opressão, à tortura, ao cárcere ou a qualquer outra forma de crueldade e perdição”.

Na vida da cidade Arlette Piai [email protected]

O povo tendo conquistado o direito ao voto, elegeu no estado mais rico do reino um palhaço analfabeto

Política

ALIENAÇÃO“Se os homens neutralizam o direitode pensar, a cidadepode ser tomada e dominada pela ferocidade de um tirano”

Era uma vez um rei. Ele reinava num país tão grande, quão grande era a sua tirania. O povo se calava ame-drontado, sem poder reagir aos man-dos e desmandos do déspota.

Passaram-se décadas e o rei percebeu que no mundo globalizado poderia perder a coroa, decidiu, então, ouvir seus súditos. “Façam que ve-nha ao reino a opinião pública, disse o rei”. Mas a opinião pública perdera o uso do pensamento e da palavra. A qualquer pergunta do rei, a resposta era sempre o silêncio. O tirano esbra-vejando declarara que a patologia da mudez coletiva era culpa da elite e da imprensa.

O tempo passa e aparece um aqui, outro ali, a balbuciar algumas palavras até que começam a falar, e o primeiro pedido feito fora a volta da democracia. Perplexo com o desejo do povo, dirigiu-se o rei aos servi-çais e perguntou como conseguiria ter poderes absolutos e ao mesmo tempo governar democraticamente. “Impossível, disseram alguns; não dá, responderam outros; pedido absurdo gritaram raivosos ainda outros. Até que surgiu uma ideia: “Majestade, dê a todos o direito ao voto; mas censure a imprensa, feche as escolas e ofereça ao povo o “bolsa pão”. O rei gostou. Não conseguiu censurar a imprensa, entretanto teve grande sucesso com as escolas; deixou as portas abertas e as almas fechadas; a estratégia foi impe-dir às crianças e aos jovens a capacida-de de pensar.

E assim, o povo tendo conquis-tado o direito ao voto, elegeu no esta-do mais rico do reino um palhaço anal-fabeto para deputado federal. Hoje ele faz parte da Comissão da Educação e Cultura e possivelmente até oriente as diretrizes da Educação do reino. Pa-

Mau Governo nos afrescos do pintor Ambrogio Lorenzetti (c.1290-1348)

rece filme de ficção, mas é verdade. Numa cidade do interior, na calada noite, os ve-readores votaram o aumento de seus pró-prios salários enquan-to muitos vivem com o mínimo e tantos de-sempregados...

Parece filme de ficção, mas é ver-dade. O direito ao voto perdura e o cir-co também. O trági-co virou cômico e às vésperas das eleições surgiram dezenas de palhaços vorazes pelo poder e mais: até candidato cas-sado desejando ser classificado.

14 Outubro 2012

O Pio-pardo está convencido que o PSDB não quer resolver o pro-blema fundiário do Pontal. Governan-do o Estado há cerca de 20 anos, o go-verno estadual não toma medida algu-ma capaz de solucionar o problema das terras devolutas, áreas de inte-resse ambiental ou regularizar as posses. Para piorar, comete vexames, como os da Lei 11.600/03. Esta lei foi cantada em prosa e ver-so pelo governo estadual como redentora do Pontal. Passados quase 10 anos, nenhum título de do-mínio foi expedido com base nela, tamanhos os seus equívocos. Não contente, o atual governo modifica

esta lei em 2011, mas ela continua e continuará ineficaz. Na verdade, o PSDB não sabe o que fazer com o Pontal do Paranapanema. Por isso, os futuros projetos políticos para o Pon-

tal correm o risco de serem atingidos pelo cocô do

Piopardinho, este simpático mas en-

diabrado pas-sarinho do

nosso ta-blóide.

A Veja – uma leitura não-recomendável, por ser de direita e tendenciosa – publica, no último número, uma preciosa entrevista do poeta Ferreira Gullar, marxista de primeira hora, onde faz severas e irrespondíveis críticas à esquerda

como experiência histórica. Dela se extraem as se-guintes pérolas: “no sec. XIX o capitalismo era des-trutivo e inaceitável, mas descobriu-se depois que a empresa não pode ser repudiada, porque não há ou-tra forma comprovada de gerar riquezas”; “o capita-lilismo é forte porque é instintivo”; “o empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias mon-ta empresas”. Numa das passagens indaga: “quantos defensores de Cuba estariam dispostos a viver lá?” Vale a pena ler a entrevista em sua integralidade.

Pinga-fogo Zelmo [email protected]

Curtas

Eleições em São Paulo 1

Em São Paulo, um disputado primeiro turno eleitoral che-gou ao fim, vencido pelo candidato do PSDB, José Serra e por seu opositor do PT, Fernando Haddad. O candidato Russomano, que até então vinha liderando a disputa, sucumbiu na undécima hora o que, de si, pode ser considerado uma vitória de Lula. O segundo turno promete ser ainda mais eletrizante, pela desesperada cap-tação de apoio dos candidatos vencidos (Russomano e Chalita).

Eleições em São Paulo 2

Dentro deste contexto, as igrejas – queira ou não o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer – se converteram em currais elei-torais. No primeiro turno, sagraram-se vencedoras a Igreja Católica e a Assembléia de Deus (leia-se Serra e Haddad). Por sua vez, a Igreja Universal naufragou com Russomano. No segundo turno – tendo presente que vivemos num país cada vez mais confessional e mais distante do ideário secular – os dois candidatos deverão rezar um ano e três sextas-feiras pelos votos dos católicos, que serão decisivos. Na visão de Lula, o segundo turno paulista será uma luta armada entre o PT e o PSDB pela Prefeitura de São Paulo.

Esta manhã, acordei muito feliz. Soube que, no ensino fundamental, os professores já ensinam nossas crianças que o Brasil não foi descoberto, mas “conquistado pelos portugueses”. Fica restabelecida, assim, uma verdade his-

tórica. De resto, os professores deve-riam ensinar, ainda, que os conquis-tadores, como de resto todos os euro-peus, cheiravam mal e foi com nossos índios que aprenderam o saudável há-bito de tomar banho diariamente.

Para conhecimento dos professores

Para conhecimento de todos

O celibato sacerdotalO celibato sacerdotal, bem

como, o dogma da infalibilidade pa-pal, duas das cláusulas pétreas da Igre-ja Católica, estariam com os dias con-tados? O recém-nomeado arcebispo de Teresina (PI), dom Jacinto Furtado de Brito Sobrinho, 65, declarou que “o fato de que, para ser padre, precisa ser também celibatário é uma discipli-na da Igreja que pode mudar”. Essa opinião se choca com recentes decla-rações do papa que consideram o ce-libato “imprescindível”, rotulando de desobediente a ala reformista que pre-coniza o casamento, bem como a orde-nação de mulheres. Fica difícil enten-der como um bispo que não comunga o ideário do Vaticano, que já negou a infalibilidade papal e, pior ainda, filia-do à Teologia da Libertação – doutrina religiosa que vitimou o frei Leonardo Boff – possa ser nomeado arcebispo. Algo se move, no seio do catolicismo?

Assim não dá

Nossa presidente começou bem o mês, desferindo pontapés em três seto-res que têm tudo a ver com o bem-estar da população brasileira. O processo de intervenção promovido pela Agência Nacional de Saúde atingiu 37 operadoras de planos de saúde. Em seguida, a Anatel suspendeu os planos de venda de três das quatro maiores concessionárias de telefonia celular. Finalmente, a Agência Nacional de Energia Elétrica promoveu intervenção em oito distribuidoras que vendem eletricidade em seis Estados. Dilma parte do suposto de que, quando as concessionárias de serviços públicos prestam maus serviços quem sofre é a população. As ações das empresas punidas caíram na Bolsa, o que prova que concessionária mal administrada não vale nada.

Dá-lhes Dilma

A batalha do mensalãoAs divergências na Suprema

Corte entre o relator Joaquim Barbosa e o revisor Lewandowski, no julga-mento histórico do mensalão, come-çam a sinalizar que a mídia de esquer-da – entre elas, Carta Maior, revista de cabeceira deste escriba – começa a apoiar as opiniões de Lewandowski pelo fato de divergir do relator do pro-cesso. Como é intuitivo, estão que-rendo demonizar o relator Joaquim Barbosa, com sucessivas alusões ao seu “desequilíbrio emocional”, à sua “postura constrangedora” e até ao “papel híbrido que tem desempenhado como re-lator, revisor e acusa-dor”.

Nada mais equivocado. O relator Joa-quim Barbo-sa tem se condu-z i d o d e

maneira exemplar e imparcial como re-lator do processo. Bastante apropriada a crítica que fez ao revisor, por não ter descrito adequadamente um fato cons-tante dos autos. Para Joaquim Barbosa a divergência levantada por

Lewandowiski era inadmissível, pois estava em causa “matéria factual”. Não à toa, o revi-sor votou pela ab-

solvição de José

D i r -ceu.

Os cientistas chineses descobri-ram que os eunucos de determinada dinastia viveram 20 anos além do pre-visto para pessoas daquela idade. Su-gerem que essa longevidade temporal se deva ao fato de terem sido castrados e atribuem à ausência de hormônios

masculinos a responsabilidade por essa performance. As mulheres não gostaram desta notícia, pois temem que os poucos héteros que ainda so-bram na praça, resolvam se emascular para conseguir uma sobrevida de 20 anos...

Guerra dos sexos

Em Presidente Prudente, o acidente de percurso mais comentado foi a der-rota do candidato à reeleição pelo Partido Verde, Douglas Kato. Sem embargo de ter sido o terceiro vereador mais votado da cidade, com mais de 3.000 votos, não foi eleito em razão da pífia votação do candidato a prefeito e puxador de votos, Dr. Talmir. No terreno político, o que mais importa é saber qual é a “hora e a vez”. Para muitos candidatos prudentinos, pode até ter sido a hora, mas não foi a vez...

A derrota de Sato

15 Outubro 2012 Humor

Circo Teatro Pio-PardoAPRESENTA:

Enquanto o cenário bucólico agoniza,o boi mastiga sua longa solidãocaminhando inocente para a morte.É a cultura bovina,que cumpre sem perguntapela sina de desinteressado ruminantede nunca chegar a ser. Com aquele ar da noite soturna:sussurrante de silêncios,engenho de dentro cheio da verdurado verde dólar,você é assim – qualquer coisa,serena, isenta e fiel soldado, igual a pedra, seu regrado destino. Como o resto dos homens,prende a ideia cega,teu vago retrato

da agricultura devastada,paisagem morta:Boi, a sonoterapia te carregapor um campo fechado, cercado,pelo tradicionalismo que adormece a raiz de sua breve e rude palavra: Boi.Por mais que te celebrem, não escutas, embora em forma te assemelhe à ostra. Como a máquina de aragemque percorre a cerraçãoe o deserto lavrao exílio onde mora,Tudo é igual a nada,pois anda em rodeios,prisioneiro autista, sem realização,sem chão nem estrelas,nisto perdido.

Dois próceres políticos, de paletó e gravata, conversam sobre o recente problema da exposição das genitálias perante a mídia.- Tenho comigo que a genitália humana não deva ser exposta ao público. - Também penso assim...- Partes pudendas devem ser trancadas na escuridão de nossos próprios corpos. - É o lugar exato. - Mas temos que ser vigilantes. Não po-demos deixar nenhuma fresta senão...- Entra mosca! ( fonte: Angeli )

FARSAS BURLESCASO coletivo estava cheio. Passageiros em pé e sentados. Acompa-

nhado da mãe um menino começa a chorar continuamente. A mãe pergunta a razão e ele diz que havia perdido sua bolinha. A mãe, que nem sabia que ele tinha nas mãos uma bolinha, procura no assento e não acha. O menino continua a chorar com muita insistência. Os demais passageiros, condoídos com a perda da bolinha e se põem também a procurar a bolinha por todo o ônibus. Depois de alguns minutos o menino para de chorar e a mãe pergunta ao moleque:- Sossegou o facho? - Pode deixar e não se preocupe, eu faço outra... Ato contínuo enfia o indicador no nariz e reinicia a produção de bolinhas.

A bolinha perdida

Personagens: um árabe, sua mulher, uma vizinha e o respectivo marido, todos genitores de uma ni-nhada de filhos biológicos, batem um papo descontraído sobre a adoção de filhos, num final de tarde em Presi-dente Prudente. Quando chegou a vez do árabe emitir sua opinião ele disparou:- Querem mesmo saber minha opi-nião? - Pode dizer Turcão – brincou o ma-ridão. - Eu não aceito esta coisa de criar um filho que não é meu. Se minha mulher, que está aqui presente, não

me tivesse dado tantos filhos, eu ar-rumaria lá fora, com outras mulheres e traria depois para criar em casa...- Você quer dizer ... – provocou o maridão; - Quero dizer que o Turcão aqui não vai criar filhos de nenhuma vagabunda, sem saber a origem... A mulher, desconcertada, intervém: - Acho uma falta de vergonha dizer uma coisa desta, diante de nossos amigos? - E quer saber do mais: não dê pal-pite mulher, porque você já me deu 4 filhos e, portanto, está bem equipa-dinha!

Farsa da adoção

Bovino Cultura

MULTIMÍDIAPalavras de Galeano

Eduardo Galeano, o filósofo mais acreditado da América Latina e que esteve hospitalizado no final de agosto, recebeu alta em Montevidéu, para felicidade de seus leitores. No Brasil, acaba de lançar pela L&PM, seu “Os filhos dos dias”, uma espécie de almanaque anual, contendo 366 verbetes, onde discorre sobre discri-minação contra mulheres e homosse-xuais, ambientalismo, ataques contra pobres e indefesos e, notadamente, política. Dentre suas revelações, a de que a soma dos sem-teto (não estamos falando aqui dos magistrados sem--teto, mas daqueles que não possuem habitação ) em todo mundo chega a um bilhão em pleno século 21; que até 16 de maio de 1990 a homossexualidade fazia parte da lista de doenças mentais da OMS; que no dia 13 de fevereiro de 2.008 o menino Miguel Lopez Rocha, 8, brincava nos arredores de Guadala-jara quando caiu no rio Santiago, mas não morreu afogado e sim envenena-do, pois o rio continha arsênico, ácido sulfúrico, mercúrio, cromo e “otras

cositas más”, que foram despejadas pelas multinacionais, dentre elas, a Nestlé, IBM e Xerox, para citarmos as mais conhecidas. Revela o escritor uruguaio que as multinacionais esco-lheram Guadalajara, porque seus paí-ses de origem não aceitam este tipo de doação.

Por último, que logo após o lan-çamento das bombas atômicas contra o Japão, na última guerra mundial, o “New York Times” publicou artigo de Willian Laurence, redator especializa-do em ciências, afirmando que não ha-via radiação em Hiroshima e Nagasaki e que a radioatividade era uma “men-tira da propaganda japonesa”.

O prato de lentilhasA exposição dasgenitálias

Dentro da programação do XIX Festival Nacional de Teatro de Presi-dente Prudente, a Cia. Teatral Boccac-cione, de Ribeirão Preto, encenou a peça A Igreja do Diabo, no dia 27 de setembro último. A peça relata a frus-trada tentativa de fundação de uma igreja que somente aceitasse seguido-res que seguissem a cartilha do diabo. A cartilha do diabo, como não poderia deixar de ser, é diabólica, pois bastan-te permissiva quanto às condutas dos respectivos fiéis. O público lotou o Te-atro Municipal, provavelmente curio-so para tomar conhecimento de uma proposta teatral, capaz de revelar quais seriam os desígnios perversos do gênio do Mal. A peça, montada sem pompa, permite que a ação se desenvolva com extrema desenvoltura, a começar pela música cadenciada, com vozes e con-tracantos bem ensaiados. No momento em que os seguidores da nova seita fo-ram borrifados com as águas do infer-no, despejadas de um cantil de barro, houve uma tentativa mal sucedida de levar ao palco alguns assistentes que deveriam passar pela mesma iniciação e esta tática teatral, como sói aconte-cer, quebrou por alguns minutos o rit-mo do espetáculo.

Após a conversão dos fiéis, o sacro converte-se em profano e os be-atos, em sacripantas. Como esperado, os anjos, travestidos de sátiros e fau-nos de sôfregas narinas, são despidos até o nu frontal e se lançam às beatas travestidas de ninfas seminuas. O espe-táculo tinha tudo para dar errado, mas não deu. O público vibrava a cada apa-rição do diabo e das diabetes. No final, não por acaso, os seguidores da seita diabólica são acometidos por súbitas recaídas e surpreendidos praticando “bondades” não toleradas no inferno. Do mesmo modo, as pessoas tementes a Deus, com freqüência eram surpreen-didas praticando “maldades” inconfes-sáveis. A apoteose nos mostra o Diabo conciliando com a suprema divindade e admitindo o fracasso de sua frustra tentativa de criar sua igreja. Tudo mui-to bonitinho, adequado e conveniente. Bem de ver que o autor da peça poderia ter ido além e libertado seus persona-gens de compromissos com quaisquer das facções em jogo, quando mais não fora, para denunciar a intolerância re-ligiosa, bem como o mundo de trevas dos que acreditam no diabo ou em suas diabruras. Mas aí também seria querer demais e o desfecho infiel ao relato de Machado de Assis, no conto homôni-mo que inspirou a peça.

Pintura de Hélder Santana dos Reis

A Igreja do Diabo

Estava Diógenes se deli-ciando com um prato de lentilhas quando o filósofo Aristipo o ad-vertiu: - Se soubesses ser submisso ao rei não estarias comendo esse prato de lentilhas. Diógenes, sem perder a fleugma, respondeu: - Se soubesses como é bom comer lentilhas, não ficarias “com o cu aos pulos” na presença do rei.

Rubens Shirassu Júnior

16 Outubro 2012Humor

Casca bico Richard de AlmeidaDeus Lhe Pague - Chico Buarque [email protected]