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Programa Bancos Comunitários de Sementes de Adubos Verdes em Minas Gerais Introdução 1 Embrapa Milho e Sorgo, CP. 151, [email protected], 2 EMATER, 35700-023, [email protected], 3 Epamig, CP. 295, [email protected] 4 CNPq/UFV/ Embrapa Milho e Sorgo, [email protected]. 5 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MG, [email protected]. 165 ISSN 1679-0162 Sete Lagoas, MG Dezembro, 2008 O preparo convencional do solo, com aração e gradagem, gera um forte impacto negativo que desestrutura as redes bióticas, provocando erosão acentuada (Figura 1). Expostas às chu- vas, tornam inevitável o assoreamento de rios e a degradação das condições ambientais e de sobrevivência de muitos ribeirinhos e da popula- ção em geral. A reduzida movimentação do solo no plantio direto ameniza a degradação dos componentes minerais e orgânicos do solo, além de manter uma maior estabilidade entre as comunidades bióticas e o sistema abiótico mine- ral. A rotação de culturas é ponto fundamental para o sistema de plantio direto. Vitoi (2000) destaca que o plantio direto é uma estratégia para conviver com plantas espontâneas, um desafio para conservar os recursos do solo, uma forma de promover a diversidade de organismos pre- Walter J. R. Matrangolo 1 , Déa A. Martins Netto 1 , Fernando C. T. França 2 , Hortência M. A. C. Purcino 3 , Israel A. Pereira Filho 1 , José A. A. Moreira 1 , José C. Cruz 1 , Luciano R. Queiroz 4 , Lygia de O. F. Bortolini 5 , Magno G. da Rocha 2 , Maurílio F. de Oliveira 1 , Miriam E. Soares 5 , Walfrido M. Albernaz 2 . sentes no solo, proporcionando economia de água e energia. Tal prática conservacionista, extensamente utilizada no Brasil nos últimos anos, atesta o princípio ecológico das redes, citado por Capra (2002): Em todas as escalas da natureza, encontramos sistemas vivos alojados dentro de outros sistemas vivos – redes dentro de redes. Os limites entre esses sistemas não são limites de separação, mas limites de identidade. Todos os sistemas vivos comunicam-se uns com os outros e partilham seus recursos, transpondo seus limites. Com_165.p65 2/3/2009, 13:30 1

Programa Bancos Comunitários de Sementes de Adubos Verdes em Minas Gerais

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Programa BancosComunitários deSementes de AdubosVerdes em Minas Gerais

Introdução

1Embrapa Milho e Sorgo, CP. 151, [email protected], 2EMATER, 35700-023, [email protected], 3Epamig, CP. 295,

[email protected] 4CNPq/UFV/ Embrapa Milho e Sorgo, [email protected]. 5Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento –

MG, [email protected].

165ISSN 1679-0162Sete Lagoas, MGDezembro, 2008

O preparo convencional do solo, com aração egradagem, gera um forte impacto negativo quedesestrutura as redes bióticas, provocandoerosão acentuada (Figura 1). Expostas às chu-vas, tornam inevitável o assoreamento de rios e adegradação das condições ambientais e desobrevivência de muitos ribeirinhos e da popula-ção em geral. A reduzida movimentação do solono plantio direto ameniza a degradação doscomponentes minerais e orgânicos do solo, alémde manter uma maior estabilidade entre ascomunidades bióticas e o sistema abiótico mine-ral. A rotação de culturas é ponto fundamentalpara o sistema de plantio direto. Vitoi (2000)destaca que o plantio direto é uma estratégia paraconviver com plantas espontâneas, um desafiopara conservar os recursos do solo, uma formade promover a diversidade de organismos pre-

Walter J. R. Matrangolo1, Déa A. Martins Netto1,Fernando C. T. França2, Hortência M. A. C.Purcino3, Israel A. Pereira Filho1, José A. A.Moreira1, José C. Cruz1, Luciano R. Queiroz4,Lygia de O. F. Bortolini5, Magno G. da Rocha2,Maurílio F. de Oliveira1, Miriam E. Soares5,Walfrido M. Albernaz2.

sentes no solo, proporcionando economia deágua e energia. Tal prática conservacionista,extensamente utilizada no Brasil nos últimosanos, atesta o princípio ecológico das redes,citado por Capra (2002): Em todas as escalas danatureza, encontramos sistemas vivos alojadosdentro de outros sistemas vivos – redes dentro deredes. Os limites entre esses sistemas não sãolimites de separação, mas limites de identidade.Todos os sistemas vivos comunicam-se uns comos outros e partilham seus recursos, transpondoseus limites.

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Figura 1. Paisagem de pastagem degradada naBacia do Ribeirão Jequitibá (Bacia contida naBacia do Rio das Velhas, afluente do Rio SãoFrancisco), próxima à cidade de Sete Lagoas. Arenovação de pastagens pelo fogo ainda é umaconstante no Cerrado. Minhoqueiros em busca deiscas também são responsáveis por tais incêndi-os que, por vezes, se alastram para matascontíguas. Foto do 1º autor. 2003.

Na atualidade, é grande a dependência daagricultura para com os agroquímicos derivados,sobretudo, do petróleo. Seu alto consumo deenergia, torna elevado o custo de produção dosalimentos e demais materiais, além de gerarintensa poluição atmosférica, do solo, da água,dos alimentos e das próprias famílias agrícolas.Com isso, produzir alimentos está se tornandocada vez mais caro, restrito somente a quemdispõe de recursos para adquirir tais insumos,máquinas e equipamentos para aplicá-los, alémde combustíveis para movimentá-los. Por outrolado, aumenta a necessidade de solucionar ossérios problemas ambientais decorrentes dessaspráticas, incluindo aí as pragas, doenças e aqueda generalizada da fertilidade do solo. Aoatender às necessidades energéticas pelo aporteexterno (out put) sob a forma de insumosagroindustriais, o endividamento por empréstimosnão saldados é bastante comum na agriculturabrasileira. Sistemas de produção sustentáveis,sob o aspecto energético, fundamentam-se nosprincípios da neguentropia: retém ao máximo aenergia solar, pela fotossíntese, na forma de vidavegetal, combustível, alimento e fibras, gerandotrabalho. Ampliar a biodiversidade com a inclusãoda adubação verde mantém o sistema de

produção agroecológico mais estável, mesmoquando sob oscilações ambientais e menossubmetido às do mercado. Com maior resiliência(capacidade de reagir às alterações) eestabilidade, uma agricultura que se adeqüe à LeiNatural do Equilíbrio Dinâmico será cada vezmais sustentável conforme (Capra, 2002):

Um ecossistema é uma rede flexível, em perma-nente flutuação. Sua flexibilidade é umaconsequência dos múltiplos elos e anéis derealimentação que mantêm o sistema numestado de equilíbrio dinâmico. Nenhuma variávelchega sozinha a um valor máximo; todas asvariáveis flutuam em torno do seu valor ótimo.

Benefícios da aduba-ção verde (WUTKE ;AMBROSANO, 2007)

Melhoria das características físicas: A cobertu-ra do solo pela fitomassa protege-o do impacto degotas de chuva, diminuindo a desagregação. Amatéria orgânica que é formada e incorporada aosolo melhora sua estrutura, aumenta suaporosidade e otimiza a capacidade de infiltraçãode água, reduzindo a enxurrada e a erosão. Aproteção contra o sol diminui a variação datemperatura entre o dia e a noite e seus efeitos nasuperfície do solo e em profundidade, favorecen-do a vida dos organismos e o aprofundamentodas raízes.

Melhoria de características biológicas: Favore-ce a atividade de micro-organismos benéficos àvida como rizóbios, minhocas, colêmbolos ebesouros. Alguns desses micro-organismos sãodecompositores de matéria orgânica do solo,transformando-a em nutrientes absorvidos pelasraízes das plantas. Favorece o desenvolvimentode micorrizos. Diminui a ocorrência de plantasinvasoras, por efeito mecânico – competição esombreamento ou por efeito alelopático – subs-tâncias que são produzidas pelas plantas (espe-cialmente pelas raízes) que impedem ou dificul-tam o desenvolvimento de outras plantas. Diminuia incidência de nematóides, sobretudo daquelesformadores de galhas (Meloidogyne javanica e

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Meloidogyne incognita), porque fornecem matériaorgânica para o aumento da população de micro-organismos desfavoráveis a estas pragas ouporque algumas plantas – especialmente ascrotalárias e mucunas (Mcucuna sp.) – são máshospedeiras desses nematóides. Algumas plan-tas, como o guandu (Cajanus cajan) e aCrotalaria juncea – cultivadas nas entrelinhas dasculturas comerciais – produzem pólen suficientepara alimentar inimigos naturais de pragas, comoo bicho-lixeiro (Chrysoperla externa) e do ácaroIphiseiodes zuluagai, que são predadores depulgões e cochinilhas.

Melhoria de características químicas : Aumentao teor da matéria orgânica do solo, aumentandotambém a capacidade de armazenamento denutrientes para as plantas. Aumenta a quantidadede nitrogênio disponível devido à associação dasraízes com as bactérias do gênero Rhizobium eBradhyrhizobium, que vivem em simbiose nosnódulos radiculares das leguminosas. O aprovei-tamento pela cultura que for plantada a seguir éde 40% do nitrogênio fixado. Aumenta a disponibi-lidade de macro e micronutrientes. Por aumentara profundidade das raízes, permite que os nutri-entes que se encontravam em profundidadesejam novamente aproveitados pelas plantas; asraízes liberam ácidos orgânicos que, juntamentecom os micorrizas, ajudam a solubilizar osminerais do solo (como o fósforo), deixando-osdisponíveis para as culturas que forem plantadasem seguida. Contribui para a diminuição daacidez do solo, reduzindo o teor de alumíniotrocável.

Para os agroecossistemas, uma das maiorescontribuições da adubação verde consiste naadição de grandes quantidades de fitomassa aosolo, permitindo a elevação do teor de matériaorgânica (LASSUS, 1990). A utilização deleguminosas em sistemas de rotação aumentoua capacidade de troca catiônica (CTC) do solo, oque reduz as perdas de nutrientes por lixiviação(ESPINDOLA et al., 2005).

Adubação verde eenergia

No início do século XX, o comércio de salitre doChile (ou guano – fezes de aves acumuladas porcentenas de anos) supriu de nitrogênio a agricul-tura e a guerra. Durante a 1ª Guerra Mundial, sobembargo, alemães ficaram impedidos de utiliza-rem o guano para produção de explosivos (basepara o TNT – trinitrotoluoeno). Como alternativa,desenvolveu-se o processo Haber Bosch que, àpartir do nitrogênio gasoso (N

2) gera N sólido ao

romper, com elevado custo energético, a triplaligação que une fortemente esses dois átomos.Conforme Martinelli (2007) esse processo, demaneira geral, equivale à transformação realizadapelas bactérias fixadoras de N, ou seja, a síntesede amônia a partir do N

2, só que sob pressão e

temperatura elevadas.

Com o fim da guerra, grandes estoques dessesprodutos nitrogenados foram deslocados para aagricultura, fluxo que perdura desde então.

Com maior independência da crise energética,uma parcela da agricultura familiar manteve-seadotando práticas sustentáveis, geralmenteenvolvendo a utilização de resíduos vegetais eesterco na manutenção das propriedades físicas,químicas e biológicas do solo. É desejável quecada vez mais a agricultura em geral busque talautonomia. Com capacidade de produção limita-da pela área disponível, em geral pequena, aagricultura familiar precisa potencializar a utiliza-ção de seus territórios sem ampliar odesmatamento. Atender à crescente demandapor alimentos saudáveis gerados sob sistemasagroecológicos que não agridam o ambienteexige alternativas, entre as quais se destacam asleguminosas como AV. Cultivados em consórcio,rotação, sucessão ou em sistemas de aléias, osadubos verdes permitem melhor aproveitamentoda área com benefícios que promovem a reduçãodos custos de produção (QUEIROZ et al., 2007;QUEIROZ et al., 2008). As melhores condiçõesde desenvolvimento da biodiversidade em geraldo solo coberto pela fitomassa afeta positivamen-

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te a conservação do solo, pois reduz adescompactação, erosão e amplitude térmica,além de aumentar os teores de matéria orgânica,sua estrutura e aeração, findando por ampliar acapacidade desse solo de armazenar água enutrientes.

A tecnologia dos AV está fundamentada noprincípio ecológico da energia solar que, confor-me Capra (2002), é transformada em energiaquímica pela fotossíntese das plantas verdes, quemove todos os ciclos ecológicos. Os AV ampliamsustentabilidade de comunidades que dessemodo, cada vez menos, dependerão de aporte deenergia externa.

Apesar das biomassas aérea e subterrânearepresentarem importantes estoques de carbonono Cerrado, as maiores quantidades de carbonose encontram armazenadas na matéria orgânicado solo (MOS) (ABDALA et al., 1998, GRACE etal., 2006). Castro (1996) estimou o estoque decarbono da MOS de diferentes fitofisionomias deCerrado do Distrito Federal entre 211 Mg C.ha-1 e255 Mg C.ha-1. Em duas outras áreas de Cerradosentido restrito no Distrito Federal, o estoque decarbono na MOS foi de 202 Mg C.ha-1

(REZENDE, 2002) e de 321 Mg C.ha1 (ABDALA etal., 1998). Dessa forma, a MOS do Cerradorepresenta o mais importante componente dosistema para o acúmulo e sumidouro de carbono(BUSTAMANTE; OLIVEIRA, 2008).

A perda que ocorre no solo e o alto custo daadubação nitrogenada, aliados à baixa eficiênciadas plantas na extração desse nutriente no soloque, para a maioria das culturas não chega a50%, agravam o quadro de deficiência de nitrogê-nio, principalmente em pequenas propriedades. Aaquisição do nitrogênio via simbiose reduz aperda do nitrogênio, evitando a poluição do lençolfreático por nitrato decorrente dos adubos solú-veis. Em sistemas que utilizam adubação verde,a fixação biológica do nitrogênio (FBN) é vantajo-sa porque essas leguminosas fixadoras desen-volvem-se com baixa utilização de insumos,disponibilizando nitrogênio e outros nutrientes

para a cultura subsequente e mantêm parte donitrogênio do solo na forma orgânica, evitandoperda por lixiviação (RIBEIRO JÚNIOR; RAMOS,2006).

Adotando a conservação dos resíduos dos AVsobre o solo e a consequente ciclagem de nutri-entes, comunidades sustentáveis adequam-se aoprincípio ecológico dos Ciclos:

Todos os organismos vivos, para permanecervivos, têm de alimentar-se de fluxos contínuos dematéria e energia tiradas do ambiente em quevivem; e todos os organismos vivos produzemresíduos continuamente. Entretanto, umecossistema considerado em seu todo, não geraresíduo nenhum, pois os resíduos de uma espé-cie são os alimentos de outra. Assim, a matériacircula continuamente dentro da vida (CAPRA,2002).

O estado da arte daadubação verde emMinas Gerais

A adoção da técnica ainda é restrita em MinasGerais, conforme levantamento feito através dequestionário, junto a extensionistas da Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e ExtensãoRural do Estado de Minas Gerais) em 2007 e2008, em amostragem aleatória para diagnósticosobre o uso de AV e do consórcio milho +leguminosa no Estado. Durante os cursos deAgroecologia promovidos pela Emater-MG e nascapacitações para o Programa Bancos Comuni-tários de Sementes de AV, 103 extensionistasresponderam às seguintes questões: 1 – Em suaregião as leguminosas são utilizadas como AV?; 2– Cultivam milho verde em consórcio comleguminosas?; 3 – Quais espécies; 4 – Háquantos anos?

Quanto à utilização efetiva de leguminosas paraAV, 58,2% dos extensionistas responderam quenão há uso na região. Para 18,5% são utilizadas,enquanto que 23,3% dos técnicos consideraramque, apesar do uso, ele ainda é pouco intensivo.Não houve citação do uso de AV em consórciocom o milho. As únicas leguminosas utilizadas

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nesse consórcio foram cultivares de feijãoPhaseolus vulgaris e o guandu, destinados àalimentação. Quanto ao uso da AV ao longo dotempo, 55% considera que o uso é recente (commenos de cinco anos), enquanto os demaisrelataram que o tempo de uso extrapola cincoanos. Entre as espécies utilizadas, destaque foidado ao guandu (22 citações), que predominante-mente é utilizado como fonte de alimento para sero humano. Seguindo estão a crotalária juncea(citada 19 vezes), leucena (Leucaenaleucocephala): 14 vezes, mucuna: 10 vezes,estilozantes (Stylosanthes guianensis): 10 vezes,feijão de porco (Canavalia ensiformis): 8 vezes.Nabo forrageiro (Raphanus sativus), amendoimforrageiro (Arachis pintoi), mucuna anã (Mucunadeenringiana) e soja foram citadas duas vezescada, enquanto que gliricidea (Gliricidia sepium),cratília (Cratilia sp.), lab lab (Dolichos lablab) eCrotalaria spectabilis foram citadas uma únicavez.

O fato (baixa adoção da tecnologia) também foicomprovado por dez proprietários rurais quecultivam o milho na região Central de Minas,entrevistados durante evento de produtividade demilho, promovido pela Emater-MG e EmbrapaMilho e Sorgo em 2007. Foi-lhes perguntado sefaziam uso de AV em suas propriedades. Nenhumdeles confirmou o uso da técnica, que encontracomo fortes entraves para seu avanço o elevadopreço e a reduzida disponibilidade dessas se-mentes nas casas agropecuárias. Para ampliar autilização da AV junto às famílias agrícolas, foicriado o Programa Bancos Comunitários deSementes de Adubos Verdes (PBCSAV).

O banco comunitário

Como técnica utilizada há milênios, a adubaçãoverde foi incentivada antes da entrada dosinsumos químicos derivados do petróleo. No iníciodo século XX, o governo dos Estados Unidosdistribuiu sementes e recomendações técnicaspara seu emprego. Com o advento dos adubosquímicos solúveis, o uso de AV foi praticamentesuprimido, a ponto de, no momento, uma das

restrições ao seu uso está na dificuldade deencontrar sementes para compra. Não sendo degrande interesse comercial, a produção desementes é fundamental para a consecução demuitos dos princípios da agricultura orgânica,entre eles a independência dos agricultores emrelação aos insumos externos. Uma das formasde garantir a disponibilidade dessas sementessão os bancos comunitários de sementes, orga-nização de grupos de agricultores familiares.Nestes bancos, os agricultores se associamespontaneamente e têm o direito a empréstimosde um certo volume de sementes. Após a colhei-ta, a quantidade recebida antes do plantio acres-cida ou não de “juros” é devolvida, segundoregras definidas pelo conjunto de associados.Esse sistema, que fundamenta-se no trabalhocoletivo, assegura que as famílias produzam,beneficiem, estoquem e gerenciem as sementes.Com os “juros” aplicados aos volumes empresta-dos, amplia-se o estoque-reserva e o número defamílias beneficiadas, o que garante a manuten-ção das sementes e oferece melhores condiçõesem ocasiões de perda de semeaduras por oscila-ções climáticas (estiagens prolongadas ouexcesso de chuvas). É tecida uma rede quefortalece e aprimora o processo, gerando canaisde troca de informações e conhecimentos entreagricultores, extensionistas e pesquisadores.

Autores como Sthapit et al. (2007) consideramseis etapas necessárias para o efetivoestabelecimento funcional de um bancocomunitário de sementes: etapa 1: a comunidadeprecisa perceber a taxa alarmante de erosão dassementes rústicas e entender a necessidade dasua conservação; etapa 2: Um comitê para omanejo comunitário da biodiversidade deve serformado; etapa 3: As regras devem serformuladas de acordo com os interesses dacomunidade; etapa 4: Materiais disponíveislocalmente podem ser usados para a construçãoda estrutura de armazenamento de sementes;etapa 5: Implantação de coleção de sementeslocais e etapa 6: A distribuição com ênfase aosagricultores que não possuem sementes ou nãotêm possibilidades para de comprá-las.

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Programa BancosComunitários de Se-mentes de AdubosVerdes (PBCSAV)

Iniciado em 2007, o PBCSAV é assim descrito nomaterial gráfico distribuído às famílias participan-tes:

Iniciativa que tem sua origem no Programa deDesenvolvimento da Agricultura Orgânica doMinistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimen-to – Mapa e que visa, em conjunto com diversosparceiros, fomentar o uso de espécies de AV. Oprincípio fundamental é propiciar a agricultoresfamiliares orgânicos ou em processo de transiçãoagroecológica uma maior independência emrelação à utilização de insumos externos emsuas atividades produtivas. O objetivo principal éo estímulo ao intercâmbio, criação ou ampliaçãode bancos comunitários com sementes de AV. Nointuito de alcançá-lo, serão desenvolvidas asseguintes ações: produção, multiplicação edisponibilização de sementes; elaboração demateriais didáticos e informativos; eventos para aconstrução e socialização de conhecimentossobre o tema. Inicialmente, foram envolvidas noveUnidades da Federação (AC, PA, PE, BA, MG, RJ,SP, MS e DF).

Em Minas Gerais, estão diretamente envolvidosno Programa, além da coordenação do Mapa(Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimen-to), o Ministério da Ciência e Tecnologia, o CPorgMG (Comissão da Produção Orgânica de MinasGerais), a Fundag – Fundação de Apoio à Pesqui-sa Agrícola do Estado de São Paulo, a Epamig(Empresa de Pesquisa Agropecuária de MinasGerais), a Emater-MG e a Embrapa Milho eSorgo.

A produção de sementes de AV vem representan-do para as comunidades rurais importante pro-cesso de intercâmbio. Fundamental no processode transição agroecológica, essa troca faz-senecessária às comunidades de prática envolvidasna revitalização socioambiental dos territórios.Desse modo, o programa fomenta o princípio

ecológico da aliança (parceria), assim definidopor Capra (2002):

As trocas de energia e de recursos materiais numecossistema são sustentadas por uma coopera-ção generalizada. A vida não tomou conta doplaneta pela violência, mas pela cooperação, pelaformação de parcerias e pela organização emredes.

Estiveram envolvidos na primeira etapa mineira13 escritórios regionais da Emater (Araguari,Augusto de Lima, Bonfim, Caxambu, JoaquimFelício, Lavras, Miradouro, Pouso Alegre, QuartelGeral, Unaí, São Romão, Serra da Saudade eTrês Marias). No primeiro ano (2007/2008), 147produtores familiares de Minas Gerais receberamum total de 1.000 kg de sementes C. juncea, 750kg de guandu e 250 kg de mucuna preta. Foramtambém distribuídas 63 doses de inoculantescom cepas de Rhizobium específicos paracrotalaria juncea e guandu e 25 doses paramucuna preta. Cada produtor assinou termo decompromisso, ficando incumbido de entregar amesma quantidade recebida para o banco desementes de sua comunidade ou para outroprodutor interessado, caso o banco ainda nãoestivesse estruturado. O investimento financeiroem Minas foi assim distribuído: R$ 896,85(nivelamento técnico dos instrutores); R$10.380,00 (curso para técnicos multiplicadores);R$ 22.000,00 (custo e transporte das sementes etransporte destas); R$ 2.896,97 (encontro técnicode coordenadores regionais e dias de campo);perfazendo um total de R$ 36.173,82, resultandoem um investimento de R$ 246,08 / produtor.

Um desdobramento possível está na especializa-ção de algumas associações e/ou famílias emproduzir e comercializar as sementes de adubosverdes. Diferente da simples troca ou de umbanco de sementes, que caracterizam-se comoatividade tradicional e que não exigem os mes-mos padrões da agroindústria, a produção ecomércio de sementes para venda é fiscalizadapor órgãos oficiais.

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Da semeadura e co-lheita dasleguminosas à semea-dura do milho

As leguminosas para produção das sementesforam semeadas manualmente em dezembro de2007 pelas famílias associadas à Asbom(Associação Comunitária de AgricultoresFamiliares de Bonfim), no município de TrêsMarias-MG. A Asbom utilizou uma área deaproximadamente dois hectares em solo deCerrado, localizada na bacia dos Rios Jequitaí-Pacuí, pertencente à Bacia Hidrográfica do RioSão Francisco. Antes dessa semeadura, durante10 anos consecutivos, a área foi semeada commilho de modo convencional, seguido de intervalode três anos de pousio, após os quais, emdezembro de 2007, foram semeadas as trêsespécies de AV pela mesma associação.

Os procedimentos relativos à semeadura dos AVseguiram às recomendações contidas na Tabela1, incluindo a inoculação das sementes com oRhizobium referente à cada espécie. Assementes das leguminosas foram colhidasmanualmente, durante os meses de junho e julho,sendo que os restos vegetais das leguminosaspermaneceram durante aproximadamente quatromeses sobre o solo antes da semeadurasubsequente, com milho. A baixa precipitação atéa data do plantio do milho, característica doinverno seco no Cerrado, favoreceu apermanência dos restos sobre o solo e, porconseguinte, permitiu o plantio direto. Em épocasde falta d’água, a manutenção da matériaorgânica é prolongada pela reduzida atividademicrobiana, que depende de umidade paramultiplicar-se. Em épocas úmidas ou em áreasirrigadas, a decomposição é mais rápida, o quetende a deixar o solo exposto mais rapidamente.

Após a colheita, o guandu rebrotou, atingindoaproximadamente um metro de altura em 20 denovembro (data da semeadura do milho varieda-de BR 106), quando então parte dos associadosda Asbom, de posse de enxadas, terminou por

limpar o terreno (Figura 2). O plantio direto domilho sobre a palhada de AV teve apoio da prefei-tura de Três Marias e da empresa Triama,cedente do maquinário (Figura 3).

Figura 2. Capina de Guandu realizada pelaAsbom. Nota-se que, à direita da foto, mesmoapós a passagem do trator e da semeadeira, asplantas da leguminosa permanecem eretas,exigindo seu corte manual para reduzir a competi-ção com o milho. Foto do1º autor. 2008.

Figura 3. Semeadura direta sobre leguminosa,efetuada por funcionários e equipamentos deempresa agropecuária do município de BomDespacho-MG. Foto do1º autor. 2008.

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Tabela 1. Características agronômicas relativas às espécies de AV destinadas à produção de sementes durante o ano agrícola de 2007/2008.Fonte: Mapa, 2007.

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Para um diagnóstico preliminar da percepção dosassociados da Asbom frente à biodiversidade daárea cultivada, foram fotografadas aleatoriamente12 plantas espontâneas: beldroega – gêneroPortulaca, dormideira – gênero Mimosa, caruru –gênero Amaranthus, vassoura – gênero Sida,fedegoso – gênero Senna, picão – gênero Bidens,capim colchão – gênero Digitaria, corda de violaou jitirana – gênero Ipomoea, erva de Santa Luzia– gênero Euphorbia ou Chamaesyce, mentrasto –gênero Ageratum, trapoeraba – gêneroCommelina, cagaita – Eugenia desinterica).Posteriormente, as imagens foram apresentadasà comunidade em fotos digitais em computador,identificadas pelos nomes da região. Dormideirafoi denominada pelos associados como maria-fecha-porta, capim-colchão como-capim sereno ementrasto como orelha-de-onça. Apenastrapoeraba não foi reconhecida. As demais foramidentificadas pelo mesmo nome. A despeito dosacertos com relação à identificação, taisresultados denotam o bom grau de domínio sobrea biodiversidade da área, que pode e deve serampliado para melhor manejo de tais recursos,principalmente por serem fundamentais à práticado plantio direto. Conhecimento esse que deveenvolver não apenas a identificação, masaspectos ecológicos associados às espéciescomo velocidade de emergência das sementes,desenvolvimento comparativo às demaisespécies e à cultura principal, taxa de coberturade solo, organismos associados – fitófagos,patógenos, inimigos naturais que as visitam,época das floradas e abelhas, possibilidadesalimentícias e medicinais. Num momentoposterior, os associados foram a campo eidentificaram diversas outras espécies de plantasespontâneas (Figura 4), inclusive algumasconsideradas medicinais.

A sustentabilidade local está intrinsecamenteligada à sabedoria das famílias rurais relativa àagrobiodiversidade de seu entorno. Do mesmomodo que a diversidade biológica amplia asustentabilidade local, a diversidade de saberestem relevância semelhante pois, conforme ressal-ta Capra (2002):

Os ecossistemas alcançam a estabilidade e acapacidade de recuperar-se dos desequilíbriospor meio da riqueza e da complexidade de suasteias ecológicas. Quanto maior a biodiversidadede um ecossistema, maior a sua resistência ecapacidade de recuperação.

Conclusões

A efetividade das propostas trazidas pelo Progra-ma Bancos Comunitários de Sementes de AVpermitirá melhorias relativas à produtividade dosterritórios que, para serem atingidas, necessitamenvolvimento das famílias agrícolas na suagestão. Conhecer como se comportam asleguminosas em condições específicas faz partede uma ruptura paradigmática contrária aospacotes tecnológicos generalizantes. MinasGerais, estado notável pelos seus distintosambientes naturais, exige estudos atentos sobreos comportamentos de cada espécie nas diferen-tes localidades. Uma rede solidária de intercâm-bio de informações, conhecimentos e saberesque integre comunidades de produtores,extensionistas e a pesquisa agropecuária poderá

Figura 4. Ana Lúcia Fernandes Pereira, presiden-te da Asbom, com exemplar da espontâneavulgarmente denominada na região de “bosta debaiano”. Nota-se a presença discreta e observa-dora do extensionista da Emater-MG de TrêsMarias, Magno Gomes da Rocha. Foto do 1ºautor. 2008.

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vir a ser fruto gerado pelos benefícios semeadospor este programa.

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11Programa Bancos Comunitários de Sementes de Adubos Verdes em Minas Gerais

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1a edição1a impressão (2008): 200 exemplares

Presidente: Antônio Álvaro Corsetti PurcinoSecretário-Executivo: Paulo César MagalhãesMembros: Andrea Almeida Carneiro, Carlos RobertoCasela, Cláudia T. Guimarães, Clenio Araujo, FlaviaFrança Teixeira, Jurandir Vieira Magalhães

Revisão de texto : Clenio AraujoEditoração eletrônica : Tânia Mara Assunção Barbosa

Comitê depublicações

Expediente

ComunicadoTécnico, 165

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