77
Universidade Federal do Vale do São Francisco Secretaria de Educação a Distância Projeto de Formação Pedagógica Artes Visuais Seminários de Docência em Artes Visuais UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL 2013

PIANOWSKI, F. Seminários de Docência em Artes Visuais. Petrolina : UNIVASF, 2013, v.1. p.77

  • Upload
    furg

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

 

Universidade Federal do Vale do São Francisco Secretaria de Educação a Distância

Projeto de Formação Pedagógica Artes Visuais

Seminários de Docência em Artes Visuais

 

 

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL  

2013

 

CURSO DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA EM

Artes Visuais

DISCIPLINA

Seminários de Docência em Artes Visuais

AUTORA

Profª. MSc. Fabiane Pianowski

REVISOR

Profº. Dr. Darlindo Ferreira de Lima

COORDENADORA DO CURSO

Profª. MSc. Flávia Pedrosa Vasconcelos

EDITOR Prof. MSc . Mario Godoy Neto

1ª Edição.

Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF

Secretaria de Educação a Distância – SEAD

Petrolina - PE

2013

 

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Biblioteca - SIBI/UNIVASF.

Pianowski, Fabiane

P581s Seminários de Docência em Artes Visuais / Fabiane Pianowski; revisado por Darlindo Ferreira de Lima; editado por Mário Godoy Neto.-- Petrolina - PE: UNIVASF, 2013.

vi; 70p.; 29 cm -- (Coleção de Fascículos do Curso de Formação Pedagógica em Artes Visuais, n. 5).

ISBN 978-85-60382-29-3

Curso de Formação Pedagógica em Artes Visuais

coordenado pela Profª Flávia Pedrosa Vasconcelos.

Projeto da Secretaria de Educação à Distância - SEAD/UNIVASF, vinculado à Universidade Aberta do Brasil – UAB / CAPES.

1. Artes Visuais – Estudo e ensino. 2. Multiculturalismo. 3. Educação Patrimonial. 4. Proposta Triangular. I. Título. II. Universidade Federal do Vale do São Francisco.

CDD 709.81

 

Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF

Reitor Prof. Dr. Julianeli Tolentino de Lima

Vice-reitor

Prof. Dr. Télio Nobre Leite

Secretario de Educação a Distância Prof. Dr. Francisco Ricardo Duarte

Diretor Geral de Educação a Distância Prof. Dr. David Fernando de Morais Neri

Coordenador da Universidade Aberta do Brasil

Prof. Dr. Ricardo Argenton Ramos

Coordenadora Adjunta Profª. Drª. Adriana Moreno Costa Silva

Editor

Prof. Me . Mario Godoy Neto

Impresso no Brasil

Secretaria de Educação a Distância – SEAD / UNIVASF Av. José de Sá Maniçoba, S/N, Centro, Campus Universitário. Petrolina - PE -

Brasil. CEP. 56.304-917 E-mail: [email protected]

 

RESUMO

Para entender o conceito de diversidade cultural é preciso entender o que é

cultura e saber que estes conceitos não são estanques e que estão em

constante negociação. Antes de pensar em cultura, arte indígena e arte afro-

brasileira é necessário construir um novo conceito de arte, um conceito plural

que assuma as mais diferentes poéticas. Não podemos ficar restritos ao que

vemos nos museus e outras instituições culturais, é importante abrir os olhos e

expandir os horizontes. A legislação brasileira prevê a obrigatoriedade do

estudo da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena tanto na

educação pública como na privada. O trabalho através de projetos em sala-de-

aula ou a metodologia da Educação Patrimonial associada à Proposta

Triangular são expostos como propostas pedagógicas de orientação ao

professor.

Palavras-chave: cultura, diversidade, projetos, educação patrimonial, proposta

triangular

 

APRESENTAÇÃO  

A diversidade cultural caracteriza o Brasil e lentamente ela chega às

salas de aula que até então tinha o conteúdo dominado pela cultura

hegemônica e seus cânones. Atualmente, a legislação educativa brasileira

prevê o ensino da arte e da cultura indígena, africana, afro-brasileira e popular

nas escolas. O professor de artes juntamente com os professores de literatura

e histórias são os principais responsáveis por esse processo no âmbito escolar.

Sob essa perspectiva, nesse curso, serão debatidos os diferentes

conceitos de cultura e o que caracteriza as artes indígenas, africanas, afro-

brasileira e popular. Artistas de referencia são mencionados, mas o professor

também é incentivado a aumentar o seu repertório e a valorizar a cultura da

sua região, cidade ou bairro.

O trabalho em sala de aula através de projetos e as abordagens

propostas pela Educação Patrimonial e pela Proposta Triangular correspondem

as sugestões de trabalho, no entanto, outras formas de trabalhar a diversidade

também devem ser experimentadas. O importante é que o arte-educador seja

um professor curioso, reflexivo e pesquisador.

Bom estudo,

Fabiane Pianowski

Natural   do   Paraná,   estudou   na   Fundação   Universidade  Federal   do   Rio   Grande   do   Sul   (FURG),   onde   realizou   o  curso   de   Artes   Visuais   e   mestrado   em   Educação  Ambiental.   Atualmente,   está   escrevendo   sua   tese   sobre  Arte  Postal  pelo  curso  de  doutorado  em  História,  Teoria  e  Crítica  da  Arte  da  Universidade  de  Barcelona   (UB).  Nessa  universidade   também   é   professora   e   pesquisadora   do  Laboratório   de   Meios   Interativos   (Laboratori   de   Mitjans  Interactius   –   LMI/www.lmi.ub.edu).   Paralelamente   às  atividades   acadêmicas   atua   como   desenhadora   gráfica  (htp://www.fabianepianowski.net).  Visite  meus  blogs  de  arte  e  cultura:  Cachola  Mágica  –    http://cacholamagica.blogspot.com  Coqueluche   -­‐   http://lounge.obviousmag.org/coqueluche

 

SUMÁRIO  

CAPÍTULO 1. RAÍZES DA CULTURA BRASILEIRA Objetivos .................................................................................................... 9

1.1 Introdução ............................................................................................ 9

1.2 Conceitos de cultura .......................................................................... 11

1.3 Brasil mestiço: diversidade na arte e na cultura ................................ 14

1.3.1 Arte indígena ................................................................................... 15

1.3.2 Arte africana .................................................................................... 18

1.3.3 Arte afro-brasileira .......................................................................... 21

1.4 Estudo da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena ........ 29

1.5 Proposição pedagógica: ensino de arte e cultura por projetos .......... 31

1.6 Resumo do capítulo ........................................................................... 34

1.7 Exercícios de estudo .......................................................................... 36

1.8 Referências ........................................................................................ 37

CAPÍTULO 2. MOSAICO CULTURAL BRASILEIRO Objetivos .................................................................................................. 40

2.1 Introdução .......................................................................................... 41

2.2 O que é patrimônio cultural ................................................................ 42

2.3 Os modernistas e o patrimônio cultural ............................................. 46

2.4 Cultura e arte popular ........................................................................ 51

2.4.1 Cultura popular ............................................................................... 52

2.4.2 Arte popular brasileira ..................................................................... 53

2.4.3 Arte naïf .......................................................................................... 64

2.5 Proposição pedagógica: Educação Patrimonial e o ensino de arte ... 66

2.5.1 Educação Patrimonial e Proposta Triangular ................................. 69

2.6 Resumo do capítulo ........................................................................... 71

2.7 Exercícios de estudo .......................................................................... 73

2.8 Referências ........................................................................................ 74

 

EMENTA

Orientação e discussão das práticas pedagógicas no ensino de Artes Visuais. Sistematização das atividades práticas de investigação e intervenção desenvolvidas. Socialização e reflexão das experiências.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Conhecer diferentes poéticas visuais e produções culturais; • Desenvolver a apreciação artístico-estética, a reflexão, a investigação e

o fazer artístico; • Identificar os elementos expressivos e as ideias representadas em

diferentes poéticas visuais e seu tratamento pedagógico, com vistas às suas aplicações no âmbito escolar;

• Compreender e entender a arte como uma área de conhecimento para o estabelecimento de uma prática pedagógica no ensino de artes visuais.

 

FORMAÇÃO PEDAGÓGICA EM ARTES VISUAIS

 

9. SEMINÁRIOS DE DOCÊNCIA

EM ARTES VISUAIS

Autora:

Prof. MSc. Fabiane Pianowski  

Revisor: Prof. Dr. Darlindo Ferreira de Lima

   

Carga horária: 60 horas

   

FASCÍCULO  

  9  

OBJETIVOS

• Conhecer e interpretar os distintos conceitos de cultura;

• refletir sobre o conceito de arte nas sociedades indígenas e da África negra tradicional;

• estudar a cultura indígena, africana e afro-brasileira;

• interpretar a cultura e arte afro-brasileira a partir de seus bens simbólicos;

• entender a legislação que determina o estudo da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena no campo do ensino de arte.

• estudar a metodologia de ensino de arte por projetos.

1.1 INTRODUÇÃO

O respeito à diversidade cultural é fundamental para que uma sociedade

como a nossa funcione. Para respeitar, no entanto, temos que conhecer essa

diversidade e compreender que como brasileiros, mesmo “brancos” de pele,

somos mestiços e as raízes culturais indígenas e africanas marcam nosso

cotidiano tanto quanto as europeias.

O Brasil tem a maior população de origem africana fora da África e, por

isso, a cultura desse continente exerce grande influência na cultura nacional.

LEITURAS PRÉVIAS BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008.

FUNARI, Pedro Paulo; PIÑON, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para os professores. São Paulo: Editora Contexto, 2011.

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos). Disponível em: <http://www.slideshare.net/secretariacult/o-que-cultura-jos-luiz-carlos>.

SOUZA, Andréia Lisboa; SOUSA, Ana Lúcia Silva; LIMA, Heloisa Pires; SILVA, Márcia. De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais / Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2005.

 

 

SEMINÁRIOS DE DOCÊNCIA EM ARTES VISUAIS

 

1. RAÍZES DA CULTURA

BRASILEIRA

CAPÍTULO  

  10  

No século XIX, as expressões culturais afro-brasileiras eram proibidas e vistas

como algo atrasado, por não fazerem parte do universo cultural europeu.

Somente no século XX, passam a ser aceitas como genuinamente nacionais. A

partir de 2003, a história e a cultura afro-brasileira tornam-se parte obrigatória

do currículo escolar. Influências africanas podem ser percebidas em muitos

âmbitos, como a música (samba, congada, cavalhada, maracatu), a dança

(samba, capoeira), a religião (Candomblé, Umbanda) e a culinária (feijoada,

vatapá, acarajé, caruru, mugunzá, sarapatel, baba-de-moça, cocada, bala de

coco etc.).

Os índios, por outro lado, ocupavam o continente americano antes da

chegada dos colonizadores e, portanto, apesar de grupos indígenas inteiros

terem sido dizimados no período colonial, é impossível desconsiderar a

importância da ancestralidade indígena na população brasileira. A cultura, no

entanto, é ainda mais evidente que a genética e boa parte do que comemos é

de origem cultural indígena: mandioca, batata, tomate e milho; também

gostamos de dormir na rede e de tomar banho de rio, além disso nosso

vocabulário é repleto de palavras de origem tupi-guarani. A partir de 2008, a

obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira foi ampliada

também ao âmbito da cultura indígena.

Portanto, para conhecer e entender a diversidade cultural que marca a

cultura brasileira primeiro tentaremos conceituar cultura a partir de diversas

compreensões do termo, para então refletir sobre o conceito de cultura afro-

brasileira e conhecer um poucos algumas das poéticas dos artistas plásticos

que produzem arte afro-brasileira.

Como atualmente, o estudo da história e cultura africana, afro-brasileira

e indígena é obrigatório nas escolas veremos como devemos proceder para

cumprir com a lei e proporcionar que estes temas sejam estudados a partir do

ensino de arte de maneira atualizada e contextualizada a fim de dizimar com os

estereótipos e acabar com o preconceito em relação aos mesmos.

  11  

Finalmente, se propõe a metodologia de projetos para o ensino da arte e

cultura como uma forma dinâmica, colaborativa e interdisciplinar de trabalhar

com estes temas.

1.2 CONCEITOS DE CULTURA

Cultura é um conceito bastante complexo porque está relacionado com a

multiplicidade de formas que nós humanos temos ser e estar no mundo. Para

Edgar Morin (2002, p. 35) a cultura

é constituída pelo conjunto de hábitos, costumes, práticas, savoir-faire, saberes, normas, interditos, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se perpetua de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo, gera e regenera a complexidade social.

O etnocentrismo, responsável pelo choque cultural e pela intolerância,

vigorou até meados do século XX, uma vez que a cultura era entendida até

então como algo monolítico e homogêneo, sem ser admitida a igualdade entre

diferentes culturas. Porém, com a intensificação da interação entre diferentes

sociedades a cultura entendida como algo totalitário foi perdendo terreno e,

felizmente, hoje sabemos que em uma mesma população pode haver uma

enorme diversidade de grupos sociais que formam uma sociedade única (mas

não homogênea), composta pela pluralidade cultural, em meio à qual, cada

cultura reivindica seu espaço. No entanto, devemos ser conscientes de que

Tanto no estudo de culturas de sociedades diferentes quanto nas formas culturais no interior de uma sociedade, mostrar que a diversidade existe não implica concluir que tudo é relativo, apenas entender as realidades culturais no contexto da história de cada sociedade, das relações sociais dentro de cada qual e das relações entre elas. Nem tudo que é diverso o é da mesma forma. Não há razão para querer imortalizar as facetas culturais que resultam da miséria e da opressão. Afinal, as culturas movem-se não apenas pelo que existe, mas também pelas possibilidades e projetos que pode vir a existir. (SANTOS, 1994,20)

  12  

Podemos dividir a cultura em três grandes blocos: cultura popular,

cultura de massa e cultura dominante. Essa classificação é importante para

entender a dinâmica cultural das sociedades ou grupos étnicos, posto que

essas diferentes culturas não são estáticas nem estanques, ao contrário,

interagem entre si, ora emprestando elementos umas às outras, ora afastando-

se no intuito de manter intactas suas características originais, nesse movimento

contínuo e camaleônico se estabelece a complexa trama do tecido social.

O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? Richard Hamilton, colagem, 1956. Fonte: http://popartheaven.org/richard-hamilton Esta obra é um dos emblemas do movimento artístico denominado art pop, no qual defendem uma arte popular (pop) que se comunique diretamente com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cerca a cultura de massa e a vida cotidiana. Na composição de Hamilton, se apresenta uma cena doméstica, feita a partir de recortes de jornais e revistas, na qual um casal se exibe com (e como) os atraentes objetos da vida moderna: TV, aspirador de pó, enlatados, embalagens etc. O que o artista consegue com isso é borrar a fronteira entre arte erudita e arte popular, ou entre arte elevada e cultura de massa.

  13  

A cultura popular é compreendida como a soma dos valores tradicionais

de um povo, expressos tanto artisticamente como através de suas crenças e

costumes. Trata-se de um conceito polêmico que tem duas vertentes

interpretativas radicais: os dedutivistas, que acreditam não haver cultura

popular autônoma, posto que sempre está subordinada à cultura da classe

dominante que rege a criação e recepção e os indutivistas, para os quais a

cultura popular é autônoma e inerente às

classes subalternas, com produção criativa

própria, que resiste à imposição cultural

dominante. Uma concepção intermédia

apresenta a cultura popular como um

conjunto heterogêneo de práticas que se dão no interior de um sistema cultural maior e que se revelam, como expressão dos dominados, sob diferentes formas evidenciadoras dos processos pelos quais a cultura dominante é vivida, interiorizada, reproduzida e eventualmente transformada ou simplesmente negada (COELHO, 1997, p. 119).

Em relação à cultura de massa, a mesma é considerada um conjunto de

bens culturais produzidos pela indústria cultural, assim como os bens culturais

de parcelas da população difundidos pelos meios de comunicação de massa

(TV, cinema, jornal, rádio, revistas).

A produção cultural de massa, realizada em série, submete-se à lógica

capitalista, pois, às leis de mercado, destinando-se ao consumo das massas

que se contrapõem e, ao mesmo tempo, validam e fetichizam a alta cultura,

caracterizada pela erudição, pelo elitismo e o hermetismo. Portanto,

a cultura de massa integra e se integra ao mesmo tempo numa realidade policultural; faz-se conter controlar, censurar (pelo Estado, pela Igreja) e, simultaneamente, tende a corroer, a desagregar outras culturas. A esse título, ela não é absolutamente autônoma: ela pode embeber-se de cultura nacional, religiosa ou humanista e, por sua vez, ela embebe as culturas nacional, religiosa ou humanista (MORIN, 1977, p. 16).

A cultura dominante, por outro lado, é entendida como o conjunto de

ideias, conhecimentos e mitos compartilhados por grupo amplo de pessoas,

mas que não é algo neutro nem surgido espontaneamente; ao contrário,

determina-se por relações econômicas, políticas e sociais, sendo imposto e

institucionalizado como referência central e fonte inspiradora. A existência

ideológica desse conceito integra a classe dominante, assegurando a

Para saber mais sobre cultura de massa, leia Apocalípticos e integrados, de Umberto Eco (1965).    

  14  

comunicação entre seus membros, ao mesmo tempo em que os distingue das

demais classes sociais. Como afirma Pierre Bourdieu (2001, p. 11):

a cultura que une (intermediário da comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.

Com o reconhecimento das diferenças culturais na sociedade

contemporânea, atualmente, tanto a cultura popular como a erudita são

valorizadas reconhecendo nesse pluralismo a expressão de diferentes

processos sociais.

O filósofo Nestor García Canclini (2003) propõe um conceito para cultura

que se opõe à fragmentação da cultura em categorias rígidas. O pensador

propõe o conceito de culturas híbridas em que elementos da cultura popular,

culta e de massa se amalgamam para gerar novas e profícuas manifestações

culturais. Canclini entende hibridação como os

processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Cabe esclarecer que as estruturas chamadas discretas foram resultado de hibridações, razão pela qual não podem ser consideradas fontes puras (CANCLINI, 2003, p. XVIII-XXIII).

Sob a perspectiva de Canclini não há autenticidade ou pureza cultural,

todas as manifestações culturais são resultado de múltiplas alianças.

1.3 BRASIL MESTIÇO: DIVERSIDADE NA ARTE E NA CULTURA

Como sabemos a cultura brasileira –com origens, principalmente, na

cultura indígena, africana e europeia– caracteriza-se pela sua enorme

diversidade. Por um bom tempo da nossa história da arte, a única arte

considerada importante e que se fazia presente nos livros e salas de museus

era a de inspiração europeia. Afortunadamente, no início do século XX, os

modernistas conseguiram reverter essa ideia no desejo de produzir uma arte

brasileira mestiça e ao mesmo tempo original, sem descartar nenhuma das

suas raízes e misturando todas elas.

Mas o que entendemos por arte indígena, africana e afro-brasileira?

  15  

Antes de iniciar, temos que ter claro sob qual conceito de arte estamos

refletindo, uma vez que já não cabe pensar arte como uma manifestação

exclusiva da estética eurocêntrica. Hoje em dia, quando falamos arte, na

verdade, devemos pensar em artes (no plural) como uma atividade cultural que

se manifesta através de diferentes poéticas –individuais ou coletivas– que

(re)elaboram e (re)organizam imagens, formas, cores, luzes, movimentos,

ritmos, sons, silêncios etc. para criar objetos e/ou ações artísticas.

1.3.1 Arte Indígena

Para entender a arte indígena ou as artes indígenas, primeiro temos que

estar conscientes de que não partilhamos do mesmo conceito de arte. Nessas

sociedades, o conceito de arte está intimamente ligado ao de artefato, ou seja,

não há distinção entre objetos utilitários e de pura contemplação. Mais do que

isso, o “objeto estético”, entendido como um objeto autônomo que serve única

e exclusivamente à contemplação, introduzido na sociedade ocidental a partir

do Renascimento, é inexistente entre os povos indígenas (NUNES, 2011).

Portanto, somos nós e não eles quem entendemos e percebemos as

ações/produções indígenas como arte.

Outra característica importante é que as obras/peças não são

assinadas e como na maioria das culturas tradicionais não há uma valorização

da autoria. A arte é entendida como uma prática coletiva e comum, que segue

regras estéticas e rígidos padrões formais que se repetem a cada geração, e

portanto, a figura do artista como criador de obras novas e originais não existe.

Desta forma,

O fator considerado responsável pelo êxito de um artefato depende do tipo de arte em questão: pintura corporal, tecelagem, trançado, cerâmica, escultura, produção de máscaras ou arte plumária. Quando predomina a dificuldade técnica, serão prezadas a concentração, habilidade, perfeição formal e disciplina do mestre. Mas quando predomina a expressividade da forma, a fonte de inspiração é quase sempre atribuída a seres não humanos ou divindades que aparecem em sonhos e/ou visões. Dificilmente se responsabilizará a ‘criatividade’ do artista pela produção de novas formas de expressão. O artista é antes aquele que capta e transmite ao modo de um rádio transistor do que um criador. Prezam-se mais suas capacidades de diálogo, percepção e interação com seres não-humanos, cuja presença se faz sentir na maior parte das obras de aspecto figurativo, do que a capacidade de criação ex nihilo, criação do nada. Esta ideia de ser mais receptor, tradutor e transmissor do que criador vale

  16  

para a música, a performance e a fabricação de imagens visuais e palpáveis. (LAGROU, 2010, p.8)

João Clemente Gaspar M'etchiicü. Guache, s/ tamanho, 1999. Imagem publicada no Livro das Árvores (TICUNA, 1999). Fonte: http://paisagensnaartebrasileira.pbworks.com/w/page/13733918/Jo%C3%A3o%20Clemente%20Gaspar%20M'etchiic%C3%BC O Livro das Árvores é uma excelente referência para adentrarmos na cultura dos Ticuna através do “olhar sobre a natureza que os cerca e lhes serve de morada, trazendo textos e imagens que fixam suas concepções do real e do imaginário, numa linguagem onde se entremeiam conhecimentos práticos, valores simbólicos e inspiração poética” (p. 7). As informações presentes no livro tanto textuais como visuais foram todas produzidas pelos Ticuna, o que lhe agrega valor, visto que não é comum termos acesso a publicações produzidas pelos próprios indígenas. As imagens são de uma beleza ímpar, ricas em detalhes, retratam o olhar cuidadoso e experto de quem vive (n)a floresta. Nessas imagens, não há estereótipos e as formas, texturas e cores das representações da fauna e flora que os circunda apresentam uma riqueza de repertório no qual se mesclam um imaginário fértil e uma aguçada observação.

  17  

O valor e o significado que as ações/produções adquirem no cotidiano

de cada sociedade indígena em particular são os parâmetros, que analisados

em seus contextos simbólicos de concepção de mundo, nos servirão para

distingui-los e entendê-los como arte, sem perder de vista seu caráter de

artefato, de maneira que:

funcionalidade e contemplação se tornam inseparáveis, resultando a eficácia estética da capacidade de uma imagem agir sobre e, deste modo, criar e transformar o mundo. Esta possibilidade da coexistência e sobreposição de diferentes mundos que não se excluem mutuamente é a lição a ser aprendida com a arte dos ameríndios. (LAGROU, 2010, p.20)

De acordo com a FUNAI, atualmente vivem, em 688 territórios indígenas

e algumas áreas urbanas, 817 mil índios no Brasil (0,4% da população

brasileira/Censo 2010). Existem 32 grupos indígenas confirmados, entre as 82

referências de grupos indígenas não-contatados. A quantidade total de grupos

indígenas do Brasil evidencia a imensa diversidade que existe e demonstra que

se trata de “culturas complexas, variadas, em constante interação e mudança,

repletas de conflitos, com visões de mundo e práticas de vida ricas, e por

vezes inspiradoras, sempre interessantes e significativas” (FUNARI & PIÑON,

2011), que, no entanto, a maioria de nós desconhece.

Em concordância com a complexidade

dessas culturas, os suportes das produções

indígenas também são variados e estão em

profunda conexão com o ambiente onde se

encontram as diferentes comunidades, e de

maneira geral compreendem a cerâmica, a

pintura corporal, a arte plumária, a cestaria e

a arte em pedra e madeira, sem falar na

música e na dança. Portanto, para estudar e

ensinar essas ações/produções é necessário

acabar com as generalizações a que estamos

acostumados e focalizar as especificidades

de cada grupo indígena em questão, a fim de

trabalhar as identidades dentro da diversidade.

Para saber mais sobre as culturas indígenas: Visite:

FUNAI http://www.funai.gov.br/ Leia:

A temática indígena na escola: subsídios para os professores, de Pedro Paulo Funari e Ana Piñon (2011). Assista:

A Missão (The Mission), dirigida por Roland Joffé (1986, 126 min)   Escute:

Sons Indígenas, disponível em: http://www.funai.gov.br/indios/sons/sons.htm  

  18  

Outro aspecto importante no ensino-aprendizagem da temática indígena

é a conexão que podemos estabelecer entre essas manifestações artístico-

culturais com a nossa própria cotidianidade, história e cultura, com o fim de

compreender como a rica e diversa cultura indígena influenciou (e ainda

influencia) a cultura entendida como brasileira e também como foi/é

influenciada por ela.

1.3.2 Arte Africana

Uma das raízes da arte afro-brasileira é, obviamente, a arte africana.

Não obstante, devido a dinâmica cultural –na qual ocorrem intercâmbios,

alterações, continuidades e descontinuidades– também são nossas raízes as

referências do colonizador e de seu continente, assim como da própria cultura

indígena, que comentamos anteriormente.

A arte africana tradicional possui muitos pontos em comum com artes

indígenas. Primeiro, necessita ser pensada no plural, porque também proveem

de culturas diversas e complexas do enorme continente africano. Cabe

destacar, que o termo arte africana é uma generalização e um reducionismo

criado no final do século XIX que desconsidera as particularidades culturais

dos inúmeros povos e etnias que compõem aquele território; o Egito e todo o

seu acervo artístico e cultural, por exemplo, estão fora dessa classificação.

Nesse sentido, ao empregarmos esse termo temos que ter claro que estamos

fazendo uma generalização e que nos referimos particularmente a arte da

África negra ou subsaariana .

Outros aspectos compartilhados são as relações entre arte e artefato e a

questão da autoria, porque assim como na cultura indígena, a arte da África

negra tradicional está extremamente vinculada ao convívio e ritos sociais: “a

ligação entre ritual e atividade artística faz com que os objetos sejam vistos

como receptáculos de poder” (GOLDSTEIN, 2011). Portanto, as suas

produções (objetos) ou ações (dança, música, pintura corporal etc.) sempre

vão além da pura contemplação e possuem uma função, em grande parte

mágico-religiosa. Por conseguinte, o conceito de arte aqui estudado tampouco

  19  

é o mesmo que o nosso, logo, somos nós novamente quem entendemos e

percebemos as ações/produções da África negra tradicional como arte.

No entanto, devemos compreender que com o passar dos anos a arte

africana sofreu alterações devido aos conflitos pós-coloniais, à globalização do

mercado, às novas tecnologias de comunicação e à intensificação do turismo.

Nesse processo dinâmico e histórico, novos materiais foram incorporados,

outros abandonados, surgiram novos temas, suportes e técnicas antigas

deixam de existir. Além disso, o próprio sistema de arte com seus curadores,

críticos, teóricos, historiadores e artistas reinventam os contornos da arte

Máscaras da África Negra Tradicional Fonte: Postal da Exposição África Negra: máscaras y esculturas tradicionales, Prefeitura de Córdoba, Espanha, novembro de 2012. Disponível em http://www.agendacordobesa.com/wp-content/uploads/2012/10/201210-africa-negra-postal.pdf “As sociedades de máscaras são as principais demandantes da arte africana. Boa parte dessas sociedades são secretas e quase todas são masculinas. A mais conhecida é a sociedade religiosa de Poro, na Libéria e Serra Leoa, também estendida pela Guiné e Costa do Marfim. Estas sociedades intervêm nos rituais de iniciação dos jovens, em ritos agrários para assegurar as chuvas e abundantes colheitas e, especialmente antes da colonização europeia, colaboravam nas estruturas sociais administrando a justiça. Junto a essas sociedades, os grandes e pequenos impérios africanos geraram múltiplos objetos de prestígio, esculturas, assentos reais, bastões de mando, tecidos etc., destinados a exaltar o poder de seus proprietários.” (Manuel Méndez, 2012)

  20  

africana sem deixar de dialogar com as suas raízes históricas e tradicionais

(GOLDSTEIN, 2011).

“Os Santos que a África não viu”, G.R.E.S Acadêmicos do Grande Rio, 1994. África... Misteriosa África Magia, no rufar dos seus tambores se fez reinar Raiz que se alastrou, por esse imenso Brasil Terra dos santos que ela não viu Da negra terra é lei Veio o meu negro rei Ogum de fé que neste solo se encantou No mercado os ciganos lhe venderam ao senhor Do tumbeiro à senzala seu lamento ecoou Plantou caiana Socou café Pilou dendê Pra benzer filho de fé (E no culto de malê) Viu no culto de malê (malê, malê) Preto velho catimbó (catimbó) De um povo morenado Conheceu caboclo bravo Fascinado por Tupã... (Yara) Yara no rio, sereia no mar É Janaína que seduz com seu cantar Correu gira pelo norte Capoeira azar ou sorte No Nordeste conheceu Quem viveu na boemia Malandragem, valentia e até hoje não morreu Eu sou jongueiro baiana Sapucaí eu vou passar E a Grande Rio vem comigo, saravá! Quem sou eu... Quem sou eu? Tenho o corpo fechado Rei na noite sou mais eu Para ouvir esse samba enredo acesse:

http://www.youtube.com/watch?v=YQl0qj3SOZE Esse samba enredo consegue sintetizar o sincretismo religioso de maneira brilhante. O sincretismo é a fusão de diversas doutrinas tanto no âmbito religioso como no âmbito filosófico. No Brasil, o sincretismo religioso é bastante evidente e se apresenta como uma característica definidora da cultura brasileira e, principalmente, afro-brasileira.  

  21  

Dentre as inúmeras produções artísticas que podemos encontrar neste

vasto continente estão utensílios, adornos e esculturas feitas de osso, pele,

couro, madeira, metal, pedra, semente, fibra natural etc., em uma clara

conexão com o meio ambiente e as matérias-primas nele disponíveis.

A estilização e a geometria caracterizam a arte africana tradicional,

especialmente em suas esculturas e máscaras. Esse estilo, que diferenciava-

se das referências naturalistas da arte europeia, chamou a atenção de artistas

das vanguardas históricas –especialmente cubistas e surrealistas– que, no

início do século XX, não só se influenciaram pelo simbolismo dessas

representações como incentivaram a entrada das mesmas em coleções,

museus e publicações de arte do mundo ocidental.

1.3.3 Arte Afrobrasileira

“Existe a história do Negro sem a história do Brasil, mas não Existe a história do Brasil sem a história do Negro."

(Mãe Márcia d'Oxum)

Os africanos desterrados e obrigados a viver no Brasil como escravos

foram os que trouxeram na memória e no coração os elementos culturais que

até então se encontravam do outro lado do Atlântico. Com a intenção de

manter suas tradições e ritos –proibidas pelo sistema escravocrata e

eurocêntrico dos colonizadores– desenvolveram, muitas vezes de modo furtivo,

expressões culturais e artísticas que uniam suas referências ancestrais às do

colonizador e dos nativos indígenas. Essas referências cruzadas é o que

constitui o que chamamos de cultura afro-brasileira, no entanto,

Definir as artes plásticas afro-brasileiras não é um questão meramente semântica, pois, envolve uma complexidade de outras questões remetendo ora à história do escravizado africano no Brasil, ora à sua condição social, política e econômica, ora a sua cosmovisão e religião na nova terra. (MUNANGA, 2000, p. 98)

Apesar da dificuldade em se determinar o que é e o que não é arte afro-

brasileira, “é possível perceber a re/tradução da estética da arte da África na

obra de vários artistas brasileiros” (SOUZA et al, 2005, p. 154). De acordo com

Aguilar (2000), o termo arte afro-brasileira foi cunhado no século XX para

  22  

designar toda manifestação artística que expresse a religiosidade, os signos e

emblemas do universo sociocultural negro em diferentes linguagens artísticas.

Portanto, a produção de arte afro-brasileira não tem relação direta com a

cor da pele ou com o fato do artista ser ou não afrodescendente, seu

fundamento centra-se em plasmar elementos estéticos da cultura negra em

produções/ações artísticas. Sob essa perspectiva, encontramos exemplos de

arte afro-brasileira na obra visual do ítalo-argentino Carybé, do francês Pierre

Verger e dos brasileiros, ambos baianos, Rubem Valentim e Mestre Didi, para

citar apenas alguns.

O argentino Hector Julio Páride Bernabó

(1911-1997), nascido na zona sul da província

de Buenos Aires, na cidade de Lanús, fez-se

famoso com o apelido de Carybé –que significa

um peixe de água doce– apodo que ganharia na

juventude ao participar do grupo de escoteiros

do Clube do Flamengo no Rio de Janeiro.

“Argentino de nascimento e baiano de coração”,

filho de pai italiano e mãe brasileira, passou a

grande parte da infância na Itália. Chegou ao

Brasil em 1919, aos 8 anos de idade e residiu

no Rio de Janeiro até 1950 quando definitivamente trocou a cidade

maravilhosa por Salvador.

Com um legado artístico que sobrepassa

5.000 obras, a arte de Carybé é composta de

pinturas, gravuras, ilustrações, entalhes em

madeira, mosaicos e murais. Inspirado na

cultura baiana e, principalmente, no candomblé

sua obra de caráter figurativo, que destaca a

miscigenação e o sincretismo religioso da

cultura brasileira, é reconhecida nacional e

internacionalmente.

Carybé, imagem de FolhaPress. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/81447-no-terreiro-de-carybe.shtml

Para conhecer mais Carybé: Visite:

Carybé http://odebrechtusa.com/carybe Assista:

Caybé – De lá para cá, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=WagJ9p5hSD4 (parte I) e http://www.youtube.com/watch?v=X1zaUs5k9mc (parte II)

  23  

Carybé juntamente com

outros artistas, como o fotógrafo

Pierre Verger (1902-1996), o

escultor Mario Cravo (1923), o

escritor Jorge Amado (1912-

2001) e o cantor e compositor

Dorival Caymmi (1914-2008)

elaboraram uma estética

inspirada na cultura baiana e

afro-brasileira –com forte

enfoque no seus aspectos

religiosos e místicos–

responsável por consolidar “o

imaginário de uma Bahia como

‘terra boa’ com sua gente

mestiça, afável e indolente,

pintada em sua explosão de

cores fortes, gestos sensuais e

comidas com sabores

condimentados. Uma Bahia de

todos os santos e orixás...” (SILVA, 2012).

O fotógrafo Pierre Verger, nascido em

Paris, iniciou-se na fotografia aos 30 anos,

mudando radicalmente seu estilo de vida e

transformando-se em um viajante solitário e de

olhar aguçado. Entre 1932 e 1946, dedicou-se a

viajar pelo mundo enviando suas reportagens

fotográficas para jornais e centros de pesquisa de

todo o mundo. No ano de 1946, aterrissa na Bahia

e imediatamente se apaixona pela hospitalidade e

diversidade cultural de Salvador. Misturou-se à

gente local e frequentou espaços populares,

Festa de Oxalufã Carybé, aquarela. Fonte: CARYBÉ. Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia. Salvador: Raízes,1980, p. 239 Nesta aquarela Carybé representa uma procissão “que sintetiza a cosmogonia dos deuses cultuados no xirê. O velho deus arqueado e apoiado em seu cajado da criação, o opaxorô, dança sob o alá (pano branco) estendido pelos orixás Ogum e Xangô que vão à frente, seguidos por dois Obaluaiê e, por fim, uma Oxum e outro orixá não identificado” (SILVA, 2012).

Pierre Verger, fotografia de Lamberto Scipioni. Fonte: http://alexandrelomilodo.blogspot.com.es

  24  

rapidamente travando amizades com a

população negra a qual conheceu e retratou

em detalhe.

Ao descobrir o Candomblé, torna-se um

profundo estudioso do tema, e, com a ajuda de

uma bolsa em 1948, vai à África para estudar e

vivenciar os rituais daquele continente. Em

1953, é renomeado Fatumbi (aquele que é

renascido pelo Ifá) e devido à sua profunda

submersão na religiosidade africana é iniciado

como babalaô (sacerdote do culto de Ifá).

Paralelamente ao seu ofício de sacerdote começa também a atuar como

pesquisador, estudando principalmente a religião praticada pelo povo iorubas e

seus descendentes na África Ocidental e na Bahia. Suas obras, tanto teóricas

como fotodocumentais, contribuíram enormemente para a etnologia e se

tornaram uma referência na área.

Para conhecer mais Pierre Verger: Visite:

Fundação Pierre Verger http://www.pierreverger.org Assista:

Pierre Verger – mensageiro entre dois mundos, documentário disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=TH24WvibN74 Escute:

Fatumbi, ilha de todos os santos disponível em http://www.youtube.com/watch?v=htZAXgWW2vY

CANDOMBLÉ Culto de origem africana com belíssimo efeito coreográfico. Seus cânticos são utilizados para chamar os “espíritos” subordinados aos orixás. Os cantos geralmente são entoados em dialetos nagô e ioruba. Esse culto religioso tem seu início no Brasil com a vinda dos negros escravos, que tinham a necessidade de realizar os rituais tradicionais da sua terra natal. Para não sofrerem represália, os negros diziam dançar e louvar os santos católicos, dessa prática surgiu o sincretismo religioso. Por toda América, há manifestações da religião do candomblé mantendo muitas de suas características ancestrais. Para saudar cada orixá há cantos, batidas de atabaque, roupas, danças e oferendas especificadas de cada divindade. (UTUARI, 2006, p.18) Assista:

Tambores d’África http://www.youtube.com/watch?v=HpPcTp-l_VM

  25  

Em 1988, ano em que Verger criou a Fundação Pierre Verger (FPV) com

o objetivo de disponibilizar o seu acervo, o GRES União da Ilha do Governador

homenageou o fotógrafo e pesquisador com o samba de carnaval “Fatumbi,

ilha de todos os santos”.

Capoeira Pierre Verger, fotografia, Salvador, 1946-47. FONTE: <http://www.pierreverger.org/>. O fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger seduzido pela hospitalidade e riqueza cultural da Bahia decide ali viver. Na companhia da população local conheceu em detalhe a vida dos negros brasileiros e fotografou seu cotidiano. Se apaixonou pelo Candomblé e se dedicou a estudar os ritos africanos, sendo iniciado como babalaô. O acervo fotográfico de Verger e suas pesquisas são uma importante referência na fotoetnografia do Brasil.

  26  

O escultor, pintor, gravurista e professor

soteropolitano Rubem Valentim (1922-1991)

iniciou sua trajetória nas artes visuais nos anos

40 como pintor autodidata. Odontólogo e

jornalista de formação, profissões que abandona

para dedicar-se exclusivamente à arte.

Sua primeira

exposição acontece em

1954 e, a partir de então,

participa de inúmeras

bienais e exposições

nacionais e internacionais.

Suas produções iniciais são

abstratas, no entanto, a

simbologia do candomblé e

o sincretismo religioso se

tornariam rapidamente as

principais referências da

obra de Valentim, que se

inspira na geometria dos

signos e formas que compõe

a mística afro-brasileira, de

forma que,

Em suas obras há a emoção da fé religiosa, mística, que faz um convite reflexivo sobre nossas crenças e símbolos que a representam. A formação cultural de Valentim dá o rumo da sua criação, trazendo para sua obra o sentido místico da religião. Valentim se apropria da iconografia religiosa africana para construir

Emblema Rubem Valentim, acrílico sobre tela, 1986 A obra de Valentim é rica em símbolos e cores, onde o contraste figura fundo ressaltam as figuras geométricas de inspiração místico-religiosa. “Valentim se apropria conscientemente dos signos do candomblé, carregados de sentido religioso e dominados por emblemas dos orixás, trazidos na bagagem cultural dos escravos” (UTUARI, 2006, p.6)

Para conhecer melhor a arte de Rubem Valentim, Assista:

Rubem Valentim: geometria sagrada http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/dvd/24/ Leia:

Rubem Valentim: geometria sagrada http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/dvd/24

Rubem Valentim Fonte: http://omenelicksegundoato.blogspot.com.es/2011/05/o-valentim-da-praca-publica.html

  27  

um vocabulário visual próprio: poesia desvendada na geometria do sagrado. (UTUARI, 2006, p. 3)

Apesar da obra de Valentim aproximar-se tanto temporal como estética

e ideologicamente das obras concretistas e neoconcretistas, o artista sempre

manteve-se independente. Seu interesse pelo misticismo afro-brasileiro resulta

em uma obra extremamente simbólica que ressalta com cores fortes a beleza

do imaginário religioso e da pluralidade cultural.

Deoscóredes Maximiliano dos Santos, nasceu em Salvador em 1917.

Popularmente conhecido como Mestre Didi é escritor, escultor e sacerdote do

culto aos ancestrais Egungun. Totalmente imerso à cultura nagô de origem

ioruba, desde a infância, manipula objetos, formas e emblemas sagrados. Sua

produção artística e sua vida religiosa estão totalmente conectadas, de modo

que as esculturas do sacerdote-artista têm uma forte carga simbólica que nos

leva à contemplar o ritualismo da cultura afro-brasileira. Como a própria cultura

africana, suas obras estão extremamente vinculadas ao natural, utilizando

como matérias-primas sementes, búzios, couro e palha.

Para conhecer melhor a obra de Mestre Didi: Assista:

Mestre Didi: arte ritual http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/dvd/28/ Leia:

Mestre Didi: arte ritual http://artenaescola.org.br/uploads/dvdteca/pdf/arq_pdf_28.pdf

Xarará com duas cabeças, técnica mista Mestre Didi, foto de Washington Olivetto Fonte: http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSite&id=95&postId=4946&permalink=true

  28  

Mestre Didi também tem uma

importante produção teórica sobre a cultura

afro-brasileira. Autor de uma vintena de

livros sobre o tema, publica, aos 29 anos,

seu primeiro livro Yorubá tal qual se fala

(1946), com prefácio de Jorge Amado e

ilustrações de Carybé. Até os anos 90,

participa de eventos e centros de pesquisa

voltados para a temática afro-brasileira. Em

voto de silêncio, hoje está proibido de falar

fora do recinto religioso para que suas

palavras não sejam deturpadas. Acredita

que seus trabalhos falam por ele e que,

portanto, não é necessário que ele diga

mais nada (COUTINHO & ORLOSKI, 2006).

Mas por que falamos de arte afro-

brasileira e não falamos de arte euro-

brasileira, por exemplo? Renato Araújo

(2011), pesquisador de conteúdos do

Museu AfroBrasil, aponta interessantes e

polêmicas questões sobre o tema. Para o

pesquisador, a arte denominada afro-

brasileira está mais vinculadas ao âmbito

das artes plásticas e, eu diria que, também

da literatura. Por outro lado, na música

brasileira, na qual é praticamente

impossível determinar um ritmo que não

tenha influência africana, não utilizamos

essa terminologia, muito provavelmente

porque falar de “música afro-brasileira”

seria redundante. Tampouco temos

estabelecido um corpus definido de

Para saber mais sobre cultura afro-brasileira: Visite:

Museu AfroBrasil http://www.museuafrobrasil.org.br Matrizes que fazem http://matrizesquefazem.com.br/ Leia:

AMADO, Jorge. Jubiabá. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. São Paulo: Global, 2006. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Assista:

Documentários: Atabaque Nzinga, Octávio Bezerra, 2008, 84 min. https://www.youtube.com/watch?v=glIplhm-kPs Atlântico Negro, na rota dos Orixás, Renato Barbieri, 1998, 75 min. http://www.youtube.com/watch?v=5h55TyNcGiY Saravah, Pierre Barouh, 1969, 91 min. http://www.youtube.com/watch?v=nPGcQM5nb8M Filmes: Orfeo, Cacá Diegues, 1999, 111 min. Orfeu Negro, Marcel Camus, 1959, 100 min. https://www.youtube.com/watch?v=uwn4vYR_3Y4 Escute:

Afro-sambas, Vinícius de Moraes e Baden Powell, 1996. Encanteria, Maria Bethânia, 2009. http://grooveshark.com/#!/album/2009+Encanteria/6250438 Tecnomacumba, Rita Ribeiro, 2007. http://grooveshark.com/#!/album/Tecnomacumba/2828392

  29  

produções cinematográficas ou teatrais que possa ser considerado afro-

brasileiro. Nesse sentido, Araújo aponta que para conseguirmos definir essa

arte dita “afro-brasileira”, precisaríamos indicar os seus limites, que seriam

tanto temáticos ou de afrodescendência como também os limites econômicos,

que estariam relacionados ao aparecimento de um mercado que cobra a

existência de uma arte produzida por afrodescendentes ou vinculados à

temática negra e aos limites sociais a partir da necessidade de inclusão de

uma cultura e de grupos historicamente marginalizados. Não obstante, o

pesquisador alerta que estas limitações podem incorrer em restrições de

produção e consumo dessa mesma arte e sua consequente marginalização, o

que resultaria na necessidade de criação de uma arte afro-brasileira por razões

políticas.

1.4 ESTUDO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA, AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA

Como consequência da luta pelo respeito da diversidade cultural no

nosso país, em especial das nossas raízes indígenas e africanas, foi criada em

2003 a lei 10.639, alterada em 2008 pela lei 11.645, que prevê a

obrigatoriedade do estudo da história e cultura africana e afro-brasileira e

indígena nas escolas da rede pública e privada. A inclusão dessa temática no

currículo escolar é o reflexo de uma mudança histórica que, segundo Zamboni

(2007, p.12), tem:

[...] afetado as nossas vidas com o crescimento e ampliação de novos conhecimentos tecnológicos, dos novos meios de comunicação, de novos parâmetros de consumo, de mudanças no código valorativo. Concomitantemente, a inclusão sociocultural de grupos étnicos e culturais que estavam alijados socialmente, o reconhecimento de suas identidades, a valoração de suas memórias e tradições forçaram o reconhecimento e aceitação, por parte dos tradicionalmente incluídos, de outros modelos de cultura.

De acordo com a lei 11.645/08 os conteúdos programáticos devem

incluir diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação

da população brasileira a partir da cultura africana e indígena. Também dita

que os seus conteúdos deverão ser ministrados no âmbito de todo o currículo

  30  

escolar, destacando as áreas de educação artística, de literatura e história

brasileira como protagonistas desse processo.

Portanto, a partir da vigência dessa lei, os professores de arte, literatura

e história tornam-se os principais responsáveis por tratar da temática afro-

brasileira e indígena na sala de aula. Essa obrigatoriedade pode ser positiva ao

incentivar a valorização cultural no âmbito escolar, porém por outro lado,

segundo o enfoque dado pelo professor e pelo material didático utilizado, ela

pode ser negativa e acabar por cristalizar estereótipos e reforçar preconceitos.

Nesse sentido, todos os docentes –e em especial os docentes de arte,

literatura e história– devem estar preparados, estudando o tema em

profundidade e utilizando matérias didáticos em sala de aula que sejam

inovadores e em consonância com o tempo presente. Além disso, a práxis

educativa deve promover a reflexão sobre a temática da diversidade cultural

ultrapassando os muros da escola, analisando os discursos das mídias e

promovendo o diálogo tanto com o alunado como com o resto da comunidade

escolar, a fim de dizimar preconceitos e contextualizar os fatos. O educador

deve ainda respeitar e valorizar a cultura e o processo criativo do aluno,

sabendo aproveitar os seus conhecimentos prévios no processo cognitivo.

Borges e Bicalho (2012), em sua pesquisa sobre a temática indígena no

livro didático e na sala de aula, observaram como alguns materiais didáticos –

contemporâneos e em certa medida inovadores– infelizmente, ainda retratam

alguns aspectos da cultura indígena a partir de uma visão estereotipada,

citando, por exemplo, textos que desconsideram que na atualidade existem

indígenas habitando as cidade e que esse fato, no entanto, não invalida a sua

cultura particular. Essa pesquisa é interessante porque mostra o que podemos

encontrar no âmbito escolar e nos alerta a estarmos atentos e sermos críticos

com os recursos bibliográficos que utilizamos.

No caso específico do ensino das artes, devemos considerar os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de arte como uma referência na

elaboração e execução do nosso plano de aula, uma vez que este documento

incentiva o estudo, o reconhecimento e a valorização das diferentes

  31  

manifestações artísticas a fim de promover o ensino-aprendizagem da

diversidade cultural.

1.5 PROPOSIÇÃO PEDAGÓGICA: ENSINO DE ARTE E CULTURA POR PROJETOS

Uma excelente proposta para trabalhar com arte e cultura na sala de

aula é através de projetos, porque, por esse meio, alunos e professor podem

trabalhar conjuntamente, num espírito colaborativo e interdisciplinar no qual o

educador assume o papel de mediador das experiências existentes entre o

educando e a arte e cultura; de orientador na busca e aquisição de novos

conhecimentos e de incentivador da criação artística, de modo a promover:

Um ensino criador, que favoreça a integração entre a aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá contribuir para o exercício conjunto complementar da razão e do sonho, no qual conhecer é também maravilhar-se, brincar com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas (BRASIL, PCN-Arte, 1997, p. 27).

A metodologia de ensino por projetos incita a uma nova prática

pedagógica que leva o docente a analisar, refletir e criar sua própria práxis em

sala de aula. A reflexão e a investigação são as bases dessa metodologia, e

para o caso específico do ensino de arte e cultura devem prever a pesquisa, a

experimentação artística e a extensão.

SUGESTÕES DE LEITURA ENSINO DE ARTE POR PROJETOS DEWEY, J. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reposição. São Paulo: Nacional, 1959. HERNÁNDEZ, Fernando. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000 MARTINS, Miriam Celeste, PICOSQUE, Gisa.; GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino da arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 1998.

 

  32  

Um projeto que envolva pesquisa permite aos alunos uma participação

ativa na produção de conhecimento, e, consequentemente, promove uma

aprendizagem significativa, na qual as novas informações associadas aos

conhecimentos prévios dos alunos aglutinam-se para gerar e consolidar novos

saberes (AUSUBEL, 1982; MOREIRA, 1998). Portanto, nesse tipo de

propostas, deve-se considerar que

A aprendizagem significativa somente é possível quando um novo conhecimento se relaciona de forma substantiva e não arbitrária a outro já existente. Para que essa relação ocorra, é preciso que exista uma predisposição para aprender. Ao mesmo tempo, é necessária uma situação de ensino potencialmente significativa, planejada pelo professor, que leve em conta o contexto no qual o estudante está inserido e o uso social do objeto a ser estudado. (LEMOS, 2011)

Sob essa perspectiva, esses conhecimentos prévios –nossa base de

reinterpretação do mundo– devem ser aproveitados no processo de ensino-

aprendizagem, posto que os mesmos contextualizam o grupo para o professor

e, logo, tornam-se fundamentais na elaboração de propostas educativas mais

eficazes.

A experimentação é outro aspecto que também deve estar presente nos

projetos de ensino de arte. A existência de espaços que possibilitem aos

alunos criar as suas próprias ações expressivas são importantes e, portanto, o

ideal é que o professor seja flexível e crie um ambiente dinâmico de iniciativa e

motivação no qual os alunos também têm voz e vez. Propiciar a possibilidade

de escolha pelo alunado do que deseja produzir, com a apresentação de mais

de uma proposta de experimentação artística por parte do professor estimula a

participação do aluno, pois delega ao mesmo a responsabilidade de escolher o

quê e como trabalhar artisticamente em determinado tema. Gusdorf confirma a

importância dessa flexibilidade ao dizer que

O melhor mestre não é aquele que se impõe, que se afirma como dominador do espaço mental, mas, ao contrário, o que se torna aluno de seu aluno, aquele que se esforça para acordar uma consciência ainda ignorante de si mesmo e de guiar seu desenvolvimento no sentido que melhor lhe convém. (1995, p.45)

No entanto, esses projetos devem ser também de extensão, ou seja,

devem promover a divulgação a toda comunidade escolar do conhecimento

adquirido através de exposições, eventos, publicações e/ou vídeos. Dessa

maneira, os demais alunos e professores, pais e mães, não só podem apreciar

  33  

e aprender com o que se divulga, como os alunos responsáveis pelo trabalho

se satisfazem melhorando a sua autoestima e, consequentemente, motivam-se

a participar de novas atividades. A extensão dos projetos de pesquisa

desenvolvidos em sala de aula à toda comunidade escolar promove a

integração entre os diferentes níveis de ensino e pode ser um estimulante para

a realização de projetos colaborativos e interdisciplinares.

O processo de desenvolvimento do projeto com suas reflexões e

criações merecem estar registrados. A elaboração de um portfólio é

aconselhável, esse documento não se trata unicamente de uma maneira de

guardar a produção dos alunos, senão que também serve como forma de

avaliação final, que –conjuntamente com a avaliação contínua que

acompanhou todas as etapas do projeto– nos propicia a possibilidade uma

visão mais abrangente de todo o percurso. A ideia é construir um portfólio

como um catálogo de exposição, no qual textos e imagens se complementam.

Revisar os portfólios gerados por cada projeto pode ser um modo eficaz de

problematizar e revisar a nossa práxis educativa.

Em relação aos temas tratados nessa unidade o projeto pode estar

voltado a desvendar os signos da cultura indígena e africana presente em

obras de arte brasileira e afro-brasileira. Igualmente pode-se ampliar o espectro

de análise e buscar estas mesmas relações na dança, na música, na moda etc.

Possibilidades interdisciplinares através do estabelecimento de parceria com

outros professores como os de história e literatura podem potenciar o

desenvolvimento do projeto.

O projeto também pode transcorrer sobre a simbologia da religião de

culto dos educandos, de maneira que possam refletir, debater e produzir sobre

suas próprias experiências religiosas.

Em um projeto que envolva arte é importante não só a contextualização

e historia da produção estudada, como também é necessário problematizar o

processo de criação individual, de maneira que cada aluno possa refletir sobre

suas escolhas, materiais, cores, formas, linhas texturas e temas.

  34  

A estética do cotidiano também é algo muito interessante de se trabalhar

na perspectiva da cultura brasileira e afro-brasileira, de modo que os alunos

podem estabelecer relações entre o seu cotidiano (religiosidade, culinária,

festejos, música, objetos, oralidade etc.) e as culturas africanas e indígenas.

É importante lembrar que tanto as culturas indígenas como as africanas

são múltiplas e diversas, portanto, quando estudadas devem estar bem

contextualizadas para evitar as generalizações e os consequentes estereótipos

e preconceitos.

1.6 RESUMO DO CAPÍTULO

Para entendermos a diversidade cultural na qual vivemos é preciso

primeiro entender o que é cultura. Para facilitar nosso entendimento da

dinâmica cultural podemos dividir a cultura em três grandes blocos: cultura

popular, cultura de massa e cultura dominante. No entanto, temos que ser

consciente que estes conceitos não são estanques e que estão em constante

negociação. Nesse sentido, Nestor García Canclini (2003) propõe o conceito

de culturas híbridas em que elementos da cultura popular, culta e de massa se

misturam constantemente para resultar em novas manifestações culturais.

Antes de pensar em cultura, arte indígena e arte afro-brasileira é

necessário construir um novo conceito de arte, um conceito plural que assuma

as mais diferentes poéticas. Não podemos ficar restritos ao que vemos nos

museus e outras instituições culturais, é importante abrir os olhos e expandir os

horizontes.

Tanto as artes indígenas quanto as artes africanas tradicionais são

criadas a partir de uma outra perspectiva, diferente daquela que utilizamos

para identificar o que é e o que não é arte. Nessas culturas, o objeto artístico é

também artefato, e o estético acompanha o utilitário, tal como nas peças de

design. Eles não criam objetos estéticos para exclusiva contemplação, são

outros fins, religiosos ou cotidianos que mobilizam essas criações.

  35  

As tribos indígenas são muitas e temos que ter o cuidado de não reduzir

as produções culturais indígenas à arte plumária por exemplo, até mesmo

porque tem tribos que nem trabalham com este material, enquanto outras são

especialistas nele. As generalizações e os reducionismos resultam em

estereótipos e miradas parciais que na tentativa de ver o todo, acaba vendo o

nada. Portanto, ao trabalharmos com as artes indígenas temos que ter

consciência da sua amplitude para promover um estudo investigativo e

experimental no qual os alunos se envolvam, aprendam e entendam o que os

aproxima e o que os diferencia da cultura estudada.

Do mesmo modo que na cultura indígena a arte africana não pode estar

submetida a generalizações, até mesmo porque a África é um continente de

proporções gigantescas e portanto não podemos reduzir sua arte a uma ou

duas manifestações mais famosas. Além disso, temos que ter claro ao

estudarmos arte africana se estamos falando da arte tradicional ou da arte

contemporânea, porque a África assim como o Brasil tem história e nesse

processo os objetos e objetivos mudam com o tempo.

A arte afro-brasileira não é fácil de definir e não está relacionada

diretamente à descendência dos seus produtores, vai além da genética e

abarca a intenção de criar poéticas a partir de elementos estéticos da cultura

negra. Devemos conhecer seus principais nomes, mas ao mesmo tempo estar

atentos a outras produções que também carreguem esta intenção e possibilitar

aos alunos a construção desse olhar atento e crítico, que reconhece e valoriza

a cultura a que pertence.

A legislação brasileira prevê a obrigatoriedade do estudo da história e

cultura africana, afro-brasileira e indígena tanto na educação pública como na

privada. São os professores de história, literatura e artes os principais

responsáveis por estes temas e, portanto, nós arte/educadores devemos estar

preparados para trabalhar com os mesmos. Para isso, é importante seguir uma

formação continuada e se manter atualizado seguindo publicações impressas

ou digitais. A Internet é hoje uma grande ferramenta que pode nos auxiliar, mas

temos que ter um olhar crítico para saber se o material que utilizamos cristaliza

ou não estereótipos e preconceitos.

  36  

Arte e cultura são temas instigantes mas nem por isso simples, para

realizar um bom trabalho é importante pesquisar sobre eles e nesse sentido,

nada melhor que trabalhar com projetos com os alunos. Essa metodologia

promove o comprometimento e instiga a curiosidade e, se bem encaminhado,

pode resultar em excelentes produções artísticas e ainda envolver boa parte da

comunidade escolar.

1.7 EXERCÍCIOS DE ESTUDO

1. Em pequenos grupos ou com toda a turma elabore e

execute um projeto sobre arte indígena, arte africana ou arte

afro-brasileira, vocês decidem o tema e como trabalhar. O

projeto deve contemplar pesquisa, experimentação artística e extensão.

Considere as seguintes etapas para a sua realização:

a) determinar em consenso com o grupo a temática e os princípios

norteadores;

b) definir as etapas e os papéis de cada um no grupo, a fim de planejar e

organizar as ações a serem desenvolvidas: temática, cronograma,

procedimentos, critérios de avaliação etc;

c) utilizar as tecnologias da informação e comunicação (TIC) para

organizar e socializar a informação; atualmente existem inúmeras plataformas

para que a comunicação e o intercâmbio de informações seja efetivo, como por

exemplo: Moodle, Google Groups, Facebook, Wikispaces, Blogger, Wordpress

entre outros;

d) decidir o(s) suporte(s) e tema(s) para a experimentação artística;

e) fazer o fechamento do projeto com a apresentação final que pode ser

uma exposição, elaboração de uma revista ou livro, uma performance ou

apresentação teatral, um vídeo entre inúmeras outras possibilidades.

2. Crie um portfólio individual para registrar todo o processo de criação e

produção desenvolvido no projeto.

  37  

1.8 REFERÊNCIAS

AGUILAR, Nelson (org.). Arte afro-brasileira. Mostra do Redescobrimento. São Paulo: Fundação Bienal: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000.

AMADO, Jorge. Jubiabá. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ARAÚJO, Renato. O conceito da arte chamada “afro-brasileira” – elucubrações. Correio eletrônico. Recuperado em 05 de março de 2013 de http://es.scribd.com/doc/69274240/O-Conceito-da-Arte-Chamada-Afro-Brasileira.

AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.

BORGES, Lukas Magno; BICALHO, Poliene Soares dos Santos. Indígenas no livro didático e na sala de aula: estudo de caso Ceres-GO (2011-2012). In: III CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DA UFG: HISTÓRIA E DIVERSIDADE CULTURAL, 2012, Jataí. Anais. Recuperado em 05 de março de 2013 de http://www.congressohistoriajatai.org/anais2012/Link%20(137).pdf

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

BRASIL. Lei nº 10.638, de 9 de janeiro de 2003.

BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CANCLINI, Nestor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003.

CARYBÉ. Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia. Salvador: Raízes,1980.

COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo: Iluminuras, 1997.

COUTINHO, Christiane; ORLOSKI, Erick. Mestre Didi: arte ritual. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2006. Recuperado em 05 de março de 2013 de http://artenaescola.org.br/uploads/dvdteca/pdf/arq_pdf_28.pdf

DEWEY, J. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reposição. São Paulo: Nacional, 1959.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2011.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. São Paulo: Global, 2006.

FUNARI, Pedro Paulo; PIÑON, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para os professores. São Paulo: Editora Contexto, 2011.

FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI. Recuperado em 03 de março de 2013, de http://www.funai.gov.br

  38  

GOLDSTEIN, Ilana Seltzer. Arte africana e o conceito de arte. Relato da mesa-redonda. I Encontro Afro Atlântico na Perspectiva dos Museus, São Paulo, Museu Afro Brasil, 26 de maio de 2011. Recuperado em 03 de março de 2013 de http://forumpermanente.tangrama.com.br/event_pres/encontros/i-encontro-afro-atlantico/relatos/mesa-redonda-arte-africana-e-o-conceito-de-arte

GUSDORF, G. Professores para quê? São Paulo: Martins Fontes, 1995

HERNÁNDEZ, Fernando. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Artmed, 1998.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

LAGROU, E. Arte ou artefato? Agência e significado nas artes indígenas. Proa – Revista de Antropologia e Arte [on-line], ano 02, vol.01, n. 02, nov. 2010. Recuperado em 27 de fevereiro de 2013, de http://www.ifch.unicamp.br/proa/DebatesII/elslagrou.html

LEMOS, Evelyse dos Santos. Consultoria e comentários. FERNANDES, Elisângela. A Ponte para aprender: David Ausubel e a aprendizagem significativa. Nova Escola, n. 248, São Paulo, dez. 2011. Recuperado em 06 de março de 2013 de http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/david-ausubel-aprendizagem-significativa-662262.shtml?page=1

MARTINS, Miriam Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino da arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 1998

MÉNDEZ, Manuel. África Negra. Máscaras y esculturas tradicionales. Cartão Postal / Convite exposição. Córdoba: Ayuntamento / Delegación de Cultura, nov. 2012. Recuperado em 06 de março de 2012 de http://www.agendacordobesa.com/wp-content/uploads/2012/10/201210-africa-negra-postal.pdf

MOREIRA, Marco Antonio. Aprendizagem significativa. Brasília: Ed. da UnB, 1998.

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1977.

MORIN, Edgar. O método 5: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002.

MUNANGA, Kabengele. Arte afro-brasileira: o que é, afinal? In: AGUILAR, Nelson (org.). Catálogo Mostra do Redescobrimento – Brasil 500 é mais. São Paulo: Fundação Bienal, 2000.

NUNES, Fabricio Vaz. As artes indígenas e a definição de arte. VII FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE. Anais. Curitiba, Embap, 2011. Recuperado em 27 de fevereiro de 2013, de http://www.embap.pr.gov.br/arquivos/File/Forum/anaisvii/143.pdf

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

  39  

SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos).

SILVA, Vagner Gonçalves da Silva. Artes do axé: o sagrado afro-brasileiro na obra de Carybé. PontoUrbe [on-line], ano 6, n.10, São Paulo, jul. 2012. Recuperado em 06 de março de 2013 de http://www.pontourbe.net/edicao10-artigos/241-artes-do-axe-o-sagrado-afro-brasileiro-na-obra-de-carybe

SOUZA, Andréia Lisboa; SOUSA, Ana Lúcia Silva; LIMA, Heloisa Pires; SILVA, Márcia. De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais / Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2005.

TICUNA. O livro das árvores. Organização Jussara Gomes Gruber. São Paulo: Global Editora, 2000.

UTUARI, Solange. Rubem Valentim: geometria sagrada. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2006. Recuperado em 05 de março de 2013 de http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/dvd/24

ZAMBONI, Ernesta (org). Digressões sobre o ensino de história: memória, história oral e razão histórica. Itajaí: Maria do Cais, 2007.p.9-18.

  40  

OBJETIVOS

• Compreender e interpretar os

conceitos de patrimônio cultural

e bens culturais de caráter

material e imaterial;

• conhecer o papel que os

modernistas no processo de

valorização do patrimônio

cultural nacional, em especial

em relação à cultura popular;

• entender o que são cultura e

arte popular e conhecer alguns dos artistas populares brasileiros;

• refletir sobre as orientações dadas pela Educação Patrimonial na

tentativa de aplica-las ao ensino de arte;

• relacionar a metodologia da Educação Patrimonial com a Proposta

Triangular para o ensino da arte.

  SEMINÁRIOS DE DOCÊNCIA EM

ARTES VISUAIS  

2. MOSAICO CULTURAL

BRASILEIRO

UNIDADE  

LEITURAS PRÉVIAS BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Os Sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois: a trajetória da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial no Brasil – 1936-2006. Ministério da Cultura. IPHAN, 2010. Disponível em http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=1800

  41  

2.1 INTRODUÇÃO

Quando falamos de patrimônio cultural a diferença valorativa entre

cultura dominante e cultura popular, que geralmente desemboca no

entendimento da primeira como a “boa e verdadeira” cultura, perde sentido. No

âmbito do patrimônio, como deveria ser em todos os demais âmbitos, todas as

referências culturais têm o mesmo valor, sem espaço para classificações como

melhor ou pior, alta e baixa etc.

Não se trata, no entanto, de cair no relativismo do tudo vale, ou ainda,

de desprezar as referências da cultura dominante. Os cânones da cultura

hegemônica, além da beleza estética que podem ou não possuir, são

importantes para entender o contexto histórico em que se estabeleceram. Além

disso, as consideradas obras-primas do patrimônio artístico, que sempre ou

quase sempre estão vinculadas à cultura dominante, não só nos permitem

entender a ideologia que vigorava na época em que foram produzidas e/ou

selecionadas para pertencer do patrimônio nacional, como também são em

muitos casos a referência de produções da cultura popular. De todos os

modos, o movimento contrário também ocorre com frequência, ou seja, a

cultura dominante também busca muitas vezes na cultura popular as suas

referências.

Portanto, pensar a cultura sem classificá-la em categorias estáticas,

entendendo-a partir do conceito de hibridação de Canclini (2003), discutido no

capítulo anterior, nos permite perceber melhor a questão do patrimônio cultural

e dos bens culturais.

No âmbito das artes, devemos seguir a mesma linha de pensamento

que embasa o conceito de patrimônio cultural e deixar de lado as

diferenciações com caráter de valor entre arte culta e popular. Como

educadores de arte, é nossa responsabilidade referenciar as diferentes

manifestações culturais, sejam elas da cultura hegemônica, popular ou de

massa, contextualizando-as, no sentido de mostrar aos educandos onde

repousa o valor e o significado de cada uma delas, não deixando espaço para

o preconceito e o menosprezo.

  42  

Para entender então o que é patrimônio cultural, veremos como o

mesmo é definido a partir da legislação e o que pertence à esse conceito. Os

modernistas foram fundamentais para o entendimento que hoje temos do que

significa patrimônio cultural, portanto, estudaremos também qual foi o papel

desses intelectuais e artistas na valorização da cultura popular.

A partir da cultura popular nos centraremos na arte popular brasileira,

para conhecer suas características e alguns dos seus inúmeros

representantes. Como há muita confusão entre o que é arte popular e o que é

arte naïf, também veremos que afinidades e diferenças existem entre ambos

termos.

No intuito de proteger e preservar o patrimônio cultural no âmbito da

educação estabeleceu-se o que se conhece como “Educação Patrimonial”.

Essa proposta educativa, que deve ser continuada e interdisciplinar, é

entendida como uma prática social que busca a autonomia das diferentes

comunidades ou grupos sociais afim de cuidar e valorizar o próprio patrimônio

material e/ou imaterial. Seus preceitos estão embasados processo de reflexão

participativa e no desenvolvimento do sentimento de pertencimento.

A Proposta Triangular é uma perspectiva de ensino de arte muito

interessante para trabalhar não só a obra de arte institucionalizada, mas

também para estudar outras manifestações culturais. Nesse sentido, relacionar

o que propõe a Educação Patrimonial e os pilares que sustentam a Proposta

Triangular mostra-se como uma interessante abordagem para se trabalhar arte

e cultura em sala de aula.

Entender como podemos utilizar as orientações da Educação

Patrimonial vinculadas à Proposta Triangular no ensino de arte é o desafio

desse capítulo.

2.2 O QUE É PATRIMÔNIO CULTURAL

Como vimos na unidade anterior, cultura é um termo complexo que

abarca uma multiplicidade de manifestações. Entre essas manifestações estão

  43  

os bens culturais que compõem o patrimônio cultural material e imaterial de

uma determinada sociedade.

De acordo com a Constituição Brasileira, artigo 216:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Carnaval do Rio de Janeiro, RJ Fonte: http://www.sambadrome.com/ O carnaval do Rio de Janeiro é um bom exemplo para entender a diferença entre patrimônio material e imaterial. O complexo arquitetônico do Sambódromo –oficialmente denominado “Passarela do samba” ou “Avenida dos Desfiles”– criado por Oscar Niemeyer é um espaço que pertence ao patrimônio cultural material do Brasil que foi tombado pelo INEPAC em 1994. Por outro lado, o samba-enredo é, juntamente com o partido-alto e o samba de terreiro, uma das matrizes do samba do Rio de Janeiro, registradas como patrimônio cultural imaterial no Livro das Formas de Expressão em 2007.

  44  

A partir do texto constitucional podemos entender o conceito de bem

cultural como algo definido tanto pela sua utilidade pública como pelo seu valor

simbólico que interessa à memória, a identidade individual e coletiva (VIVES,

2007). Os bens culturais integram-se ao patrimônio cultural material e imaterial

de uma sociedade, abarcando tanto as infraestruturas de guarda e

conservação desse patrimônio, como as criações tangíveis e intangíveis da

cultura popular ou da indústria cultural.

Conforme a Agenda 21 da Cultura:

A adequada valoração econômica da criação e difusão dos bens culturais –de carácter amador ou profissional, artesanal ou industrial, individual e coletivo– converte-se, no mundo contemporâneo, num fator decisivo de emancipação, de garantia da diversidade e, portanto, numa conquista do direito democrático dos povos a afirmar as suas identidades nas relações entre as culturas. (CGLU, 2004)

É necessário, portanto, conhecer e entender o significado de bem

cultural, uma vez que este conceito –como nos mostra o citado documento–

tem adquirido especial relevância no âmbito das políticas culturais, as quais

têm-se preocupado cada vez mais em garantir tanto o acesso como a

produção desses bens a toda sociedade, dentro de uma perspectiva de

inclusão sociocultural.

O conjunto de bens que constituem a nossa cultura é o nosso patrimônio

cultural, algo que nos caracteriza e enriquece como povo. O patrimônio cultural

está presente em todos os espaços e ações que fazem parte do nosso

cotidiano, formando as identidades e determinando os valores de uma

sociedade. Esse patrimônio se apresenta através de bens culturais materiais e

imateriais.

Os bens materiais dividem-se em dois grupos: bens móveis, relativo à

produção pictórica, escultórica, ritual, mobiliária, utilitária; e bens imóveis,

referindo-se às edificações arquitetônicas e seu entorno.

Os bens culturais de natureza imaterial, no entanto, são mais difíceis de

classificar posto que possuem um caráter dinâmico e processual, cuja

percepção está vinculada à ação humana. Sob essa perspectiva são

classificados como bens imateriais as formas de expressão, os modos de criar,

fazer e viver de um grupo social (BRASIL, 2010). A importância do patrimônio

  45  

cultural imaterial não reside na manifestação em si, mas sim no acervo de

conhecimentos e técnicas que se transmitem de geração a geração, estando

vinculado aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas e aos modos de

ser das pessoas. Desta forma, podem ser considerados bem culturais

imateriais: manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas,

rituais, festas, receitas culinárias, técnicas artesanais e de manejo ambiental

etc.

Enquanto que para o patrimônio material um dos instrumentos de

salvaguarda utilizados é o tombamento, para o patrimônio cultural imaterial o

Carnaval de Olinda, PE Fonte da imagem: betaniacaneca.blogspot.com O das ruas de Olinda, Pernambuco, é outro bom exemplo para entender a diferença entre patrimônio material e imaterial. A cidade de Olinda foi declarada pela ONU, em 1982, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. Em suas ruas há inúmeros bens imóveis tombados como patrimônio cultural material. Por outro lado, o carnaval com bonecos gigantes que desfilam todos anos por suas ruas fazem parte do patrimônio imaterial do Estado de Pernambuco em 2009. Sendo que o Frevo foi inscrito no Livro das Formas de Expressão em 2007.

  46  

instrumento de proteção é o inventário e o registro de referências culturais, ou

seja, um levantamento dos bens culturais de determinado lugar ou grupo

social, para conhecer suas características e o porquê da sua importância neste

contexto. As etapas de um inventário realizado pelo Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) compreendem o levantamento

preliminar, a identificação e mapeamento das referências culturais relevantes e

finalmente em uma descrição profundamente documentada (fotografias,

vídeos, gravações sonoras, mapas, referências bibliográficas etc.). O inventário

é, portanto, um documento fundamental no registro das diferentes

manifestações culturais. Contribuindo também para a educação, posto que as

informações inventariadas podem ser trabalhadas em sala de aula em seus

mais diversos âmbitos, não restringindo-se à arte e a história. Cabe destacar,

que existem categorias para classificar os diferentes bens culturais: lugares,

objetos, celebrações, formas de expressão, modos de fazer e saberes.

No entanto, temos que ser conscientes de que, apesar dos instrumentos

de salvaguarda utilizados pelas políticas de proteção e preservação cultural, as

comunidades tem grande responsabilidade na preservação e proteção dos

seus valores culturais, posto que o cuidado desses valores depende do

interesse da própria comunidade em garantir a continuidade das suas

manifestações culturais, num exercício pleno da memória e da cidadania. Para

preservar o patrimônio cultural é preciso primeiro conhecer, para então

valorizar. A educação (formal, não-formal e informal) possui um importante

papel no processo de conhecer, valorizar e proteger os nossos bens culturais.

2.3 OS MODERNISTAS E O PATRIMÔNIO CULTURAL

O intelectual e poeta paulistano Mário de Andrade (1893-1945), um dos

articuladores da Semana de Arte Moderna de 1922, é um dos responsáveis

pelo conceito de patrimônio cultural que atualmente vigora no Estado brasileiro.

  47  

Mário de Andrade foi o primeiro

Diretor do Departamento Municipal de

Cultura da cidade de São Paulo, em 1935,

sendo o coordenador de várias atividades

culturais como a criação das Bibliotecas

Circulante e Infantil, a organização da

Sociedade de Etnologia e Folclore e a

realização do Congresso de Língua

Nacional Cantada (PINHEIRO, 2006).

Em 1936, Mário foi encarregado pelo ministro da Educação e Saúde

Gustavo Capanema para elaborar o anteprojeto para a criação do então

Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (hoje IPHAN). Nesse documento, o

intelectual afirmava que o patrimônio cultural brasileiro ia muito além dos

monumentos e obras de arte, preocupando-se em conceituar o patrimônio de

uma maneira mais abrangente na qual cabia, por exemplo, o conceito de

cultura popular. Não obstante, o Decreto-lei nº 25 de 1937, privilegiaria os

bens materiais, valorizando o tombamento de obras únicas e excepcionais,

remarcando assim a ideia de patrimônio como “obra de arte”. Seria somente

com a constituição de 1988, que o Patrimônio Cultural seria entendido de modo

mais amplo, abarcando tanto os seus aspectos materiais como imateriais.

Na verdade, os modernistas revolucionaram o mundo da arte e da

cultura do país. No dilema entre atualizar as linguagens estéticas do Brasil –

colocando-as em contato com as vanguardas europeias– e criar uma arte

brasileira autônoma (MITIDIERI, PIANOWSKI e SANTOS, 2013). Criadores do

movimento antropofágico, no qual o conceito de “antropofagia” transforma-se

na metáfora do processo de formação da cultura brasileira, os modernistas

tornam-se o primeiro coletivo a favor de um espírito novo e moderno no âmbito

das artes. Em 1928, o escritor Oswald de Andrade (1890-1954), considerado o

maior entusiasta do movimento, plasmaria essas ideias no Manifesto

Antropófago.

Mário de Andrade Fonte: http://vejasp.abril.com.br/materia/sao-paulo-dos-modernistas  

  48  

Abapuru, Tarsila do Amaral, óleo sobre tela, 1928. Fonte: http://www.tarsiladoamaral.com.br Com esse quadro cujo título em tupi-guarani significa “homem que come homem”, Tarsila presenteia o então marido Oswald de Andrade, que nele inspira o Manifesto antropófago. "Uma figura solitária, monstruosa, pés imensos, sentada numa planície verde, o braço dobrado num joelho, a mão sustentando a peso-pena da ‘cabecinha-minúscula’. Em frente, ‘um cacto explodindo numa flor absurda’. Quando uma de suas amigas diz que suas pinturas antropofágicas lembravam-lhe pesadelos, Tarsila então identifica a origem de sua pintura desta fase: “Só então compreendi eu mesma que havia realizado imagens subconscientes, sugeridas por histórias que ouvira quando em criança, contadas no hora de dormir pelas velhas negras da fazenda. Segui apenas numa inspiração, sem nunca prever os seus resultados.” Aquela figura monstruosa, de pés enormes, plantados no chão brasileiro ao lado de um cacto, sugeriu a Oswald de Andrade a ideia da terra, do homem nativo, selvagem, antropófago... (AZEVEDO, 2005, p. 23)"

  49  

A partir do movimento modernista, inicia-se a valorização da cultura

popular e do folclore, da arte indígena e da arte afro-brasileira. Na intenção de

romper com a estética parnasiana, com os modelos importados e com a ideia

de “arte pela arte”, os artistas e intelectuais pertencentes ao movimento

passam a buscar na diversidade cultural brasileira as matrizes da identidade

nacional e suas manifestações. A cultura popular e as formas de expressão, os

modos de criar, fazer e viver dos brasileiros passam a ser pesquisados e se

transformam em tema das obras artísticas, nas quais encontramos elementos

das vanguardas históricas europeias.

Cabe destacar, que apesar da Semana de 22 significar a renovação das

artes no país, ela não é um fato isolado, e é preciso retornar uma década para

saber que já havia a necessidade de atualização das artes e a busca por uma

identidade nacional que estivesse voltada para as raízes culturais do país.

Os antecedentes, que pertencem ao período heroico do Modernismo

Brasileiro, foram no âmbito literário as obras de Mário e Oswald de Andrade e

Menotti Del Picchia e no âmbito das artes visuais as exposições dos pintores

Lasar Segall (1891-1957), em 1913, que apresenta uma obra com forte

influência do expressionismo alemão; e Anita Malfatti (1889-1964), em 1917;

essa última exposição foi um evento polêmico que chocou a conservadora

sociedade paulista e teve como reação o artigo “Paranoia ou mistificação?” no

qual Monteiro Lobato fez uma dura crítica às obras da pintora. Esse artigo seria

responsável por gerar uma grande polêmica no mundo das artes e por instigar

os jovens artistas e intelectuais a romperem com o conservadorismo que

imperava e a organizarem-se a fim de promover a arte moderna nacional. A

chegada da Itália, em 1920, do escultor Victor Brecheret (1894-1955) com suas

figuras estilizadas e monumentais, também causaria grande impacto no grupo

de jovens artista.

  50  

A Semana de Arte Moderna de 1922, inserida nas atividades de

comemoração da Independência do Brasil, aconteceu no período de 13 a 18 de

Tropical, Anita Malfatti, óleo sobre tela, 1916. Nessa obra Anita mostra a miscigenação brasileira pintando uma mulata em um cenário tropical e agrário, onde os amarelos e laranjas contrastados do verde exuberante predominam. O título primitivo da obra era “Negra baiana” e tinha o objetivo de intervir no debate sobre o nacionalismo na arte brasileira . Em Tropical a necessidade de abarcar questões raciais e culturais obrigou a Malfatti a “refrear seu ímpeto expressivo cubo-futurista. Fez com que ela recuasse de seu experimentalismo e buscasse criar uma mescla possível entre certas soluções formais conseguidas junto aos movimentos de vanguarda e a tradição pictórica anterior a eles.” (CHIARELLI, 2008, p. 187) “Em Tropical, Anita também “antevê” uma outra questão de suma importância ligada ao nacionalismo a ser abordada posteriormente pelos modernistas: o brasileiro. Sua identidade, sua formação étnica e, portanto, cultural. Aqui, ao invés da clássica e acadêmica figura do nobre branco, caucasiano (rompendo e indo contra a concepção da elite cultural financeira de ideal segundo uma visão europeia), retrata-se uma mulher tipicamente brasileira, notadamente de pele escura (uma clara alusão às origens e raízes do povo brasileiro: a miscigenação entre negros, brancos e índios, que compõem os elementos étnicos básicos e fundamentais de sua formação), posta aqui deliberadamente distante da concepção do imaginário da elite cultural e financeira que por anos a fio impôs e praticou tal visão que se tinha do ideal europeu (visão elitista do erudito).” (CONTIER, NISHITANI e DIAS, 2005)

  51  

fevereiro de 1922. Entre os artistas que participaram do festival com exposição

de aproximadamente 100 obras de artes plásticas e sessões noturnas de

literatura e música no Teatro Municipal de São Paulo, destacam-se: os pintores

Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, John Graz, Vicente do Rego Monteiro,

Zina Aita; o escultor Victor Brecheret; os escritores Graça Aranha, Guilherme

de Almeida, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald

de Andrade, Renato de Almeida, Ronald de Carvalho e Tácito de Almeida e

Manuel Bandeira. Pensada e patrocinada por Paulo Prado, embalada por

composições musicais de Debussy e Villa-Lobos, nas interpretações de

Guiomar Novaes e Hernani Braga.

2.4 CULTURA E ARTE POPULAR

Os modernistas foram os responsáveis por despertar o interesse pela

produção de origem popular em seus mais diversos âmbitos. No entanto,

quase um século antes, os românticos, militantes da abolição da escravatura,

Para saber mais sobre arte moderna brasileira, Assista: Viajando pelo Modernismo: aspectos da cultura brasileira. http://youtu.be/pO4t9UmF2us Semana da Arte Moderna, 90 anos <http://www.youtube.com/watch?v=wYE6guySbm8&feature=related>. Escute: O samba-enredo Paulicéia desvairada: 70 anos de modernismo (1992), Escola de Samba Estácio de Sá http://www.youtube.com/watch?v=znjle7mZ2CU Visite: Tarsila do Amaral http://www.tarsiladoamaral.com.br Cândido Portinari http://www.portinari.org.br Di Cavalcanti http://www.dicavalcanti.com.br Victor Brecheret http://www.victor.brecheret.nom.br  

  52  

já manifestavam o interesse pelas raízes culturais populares, em especial ao

universo relacionado à cultura negra e indígena, que apresentavam como

idealizada e com intenção recuperadora.

Mas o que entendemos como cultura popular? Antes de estudar a arte

popular e suas diversas manifestações é preciso conhecer as diversas facetas

que compõem o conceito de cultura popular e saber com qual delas ficamos

para pensar a arte nesse âmbito.

2.4.1 Cultura popular

Como vimos na primeira unidade deste livro, de modo geral, os valores

tradicionais de um povo expresso por bens materiais e/ou imateriais compõem

a cultura popular. Ao longo da história este conceito foi utilizado em diferentes

contextos nos quais havia interesses particulares, juízos de valor, idealizações,

homogeneizações e disputas (ABREU, 2003), de modo que o conceito de

cultura popular se mostra como algo bastante controvertido, sendo difícil

determinar seus limites. Como afirma a historiadora Lélia Frota (1976):

Hoje, a conceituação de uma arte popular, por oposição a uma arte erudita, constitui objeto de inúmeras especulações. Há quem considere a arte popular como uma forma de contracultura em relação à erudita, e há os que a definem, no extremo oposto, como uma imitação rústica dos modelos acadêmicos. Há os que a julgam um potencial de expressão quantitativa, onde se poderá interferir visando unicamente aumento de produção, sem atentar para que a não-consideração dos aspectos culturais acarretará

Para saber mais sobre cultura e arte popular, Visite:

Museu Casa do Pontal http://www.museucasadopontal.com.br/ Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular http://www.cnfcp.gov.br/ Arte Popular do Brasil artepopularbrasil.blogspot.com Arte Popular Brasileira http://www.popular.art.br/ Assista:

Tecendo o saber http://www.youtube.com/watch?v=LnQwbWr0XUM

  53  

fatalmente a descaracterização da sua identidade verdadeira, e consequente perda de uma qualidade fundamental exigida pelo seu mercado. E, finalmente, os que imaginam as artes populares como inalteráveis através dos tempos, testemunho a manter de extintas idades áureas, numa visão purista.

Alguns pensam a cultura como algo puro e autônomo, relacionado ao

folclores e às tradições, para outros, ela já não existe porque se perdeu com a

pressão da cultura de massa. Por outro lado, ainda podemos compreender

cultura popular como algo que vem do povo, nesse caso, o termo que é usado

para julgar as coisas e valorizá-las positivamente –“Zeca Pagodinho é um

sucesso popular”– ou negativamente –“o pagode é popular demais”. Enquanto

a primeira valoração está relacionada aos interesses da indústria cultural e a

cultura de massa, a última está subordinada ao gosto da cultura hegemônica,

elitista e dominante, que tenta remarcar os limites que a definem.

No entanto, o conceito de cultura nos facilita na hora de estudar e

pensar determinadas manifestações culturais, sem perder de vista que este

conceito também constrói identidades e possui uma história, e que, portanto,

deve ser visto em perspectiva em um determinado contexto auxiliando-nos no

entendimento da complexa e multifacetada realidade social e cultural (ABREU,

2003).

2.4.2 Arte popular brasileira

A arte reconhecida como popular está relacionada à

produção/manifestação artística realizada por pessoas que, sem ter

frequentado a academia, realizam trabalhos de reconhecido valor estético e

artístico. Essas produções/manifestações estão associadas a fazeres e

práticas tradicionais de pequenas comunidades, e refletem suas origens,

culturas, histórias e crenças. A diversidade da arte popular é, portanto, uma

das suas principais características visto que está intrinsecamente relacionada

ao imaginário social e cultural a que pertence, assim como às características

ambientais onde se encontram. Cabe destacar que a arte popular,

apresenta uma ampla diversidade de matérias-primas e de técnicas aplicadas em seu processamento. Os artistas empregam – às vezes, simultaneamente – métodos simples associados a procedimentos complexos, o que configura um campo dinâmico, marcado por experimentações e pelo uso de materiais alternativos, em alguns casos

  54  

orgânicos e de baixo custo. Nessa produção, a criatividade não está necessariamente ligada a profundas informações de técnicas e à destreza nos modos de fazer; autores que pouco dominam os materiais que utilizam convivem com artistas que são exímios conhecedores da madeira, seus cortes e diferentes possibilidades de emprego, ou das etapas de processamento da argila. Alguns se aprofundam nessa relação e nas possibilidades de uso de determinados materiais, fazem experimentações e descobrem caminhos próprios. Outros se mantêm fiéis às técnicas aprendidas no ambiente familiar ou comunitário, reproduzindo na atualidade formas de fazer cujas origens se perdem no tempo. (MUSEU CASA DO PONTAL, 2008, p.19).

A arte popular brasileira apresenta-se então com um complexo mosaico

de técnicas, temas e estilos em profunda ligação as comunidades que

pertencem e prenhes de sensibilidade estética.

Os temas presentes na arte popular brasileira estão relacionados com a

vida social, e retratam a religião, os costumes, as festas, as brincadeiras, o

trabalho, o ambiente etc. Em grande medida, a temática está vinculada ao

tempo presente de quem a realiza e, nesse sentido, sua interpretação pode ser

um caminho para entender a realidade social das comunidades tradicionais e

sua percepção do mundo em relação a questão do gênero, do trabalho, da

justiça, da religião, da ocupação do espaço etc.

Os materiais, do mesmo modo que os temas, são muito variados e

mantêm íntima relação com o espaço natural e geográfico onde se localizam.

Entre a vasta gama de materiais que compõe as obras de arte popular

brasileira estão a areia, o barro, a madeira, o tecido, a palha, o metal e a pedra.

As técnicas também são diversas e encontramos, por exemplo:

xilogravura, entalhe em madeira e pedra, cerâmica, pintura, vestuário etc.

A cerâmica, dividida em utilitária e figurativa, é uma das formas de arte

popular mais desenvolvidas no Brasil. Presente em todo território brasileiro,

destacando-se os Estados do Pará, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,

Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina na produção

de cerâmica figurativa; nos demais estados a cerâmica produzida é

predominantemente de tipo utilitário (potes, panelas, vasos etc.)

A argila e o barro são as principais matérias-primas da cerâmica,

tratam-se de materiais muito comuns devido a facilidade em serem modelados

com as próprias mãos, sem a necessidade de utensílios especiais.

  55  

Encontramos as raízes da nossa produção em cerâmica na cultura indígena,

africana e portuguesa.

A chamada “cerâmica figurativa popular brasileira” destaca-se nesse

panorama por apresentar uma grande importância temática, estilística,

simbólica e estética. São muitos os artistas que produzem peças figurativas em

cerâmica, com a presença significativa de mulheres na sua elaboração. Entre

os muitos produtores de cerâmica figurativa no Brasil destacam-se Mestre

Vitalino (Pernambuco, 1909-1963), Zé Caboclo (Pernambuco, 1921-1973),

Ulisses Pereira Chaves (1924-2006), Mestre Galdino (Pernambuco, 1928-

1996), Tota (1932-2003), Mestre Nuca (Pernambuco,1937), Fábio Smith

(Paraíba, 1952), João das Alagoas (Alagoas, Isabel Mendes da Cunha (Minas

Gerais, 1928) e as mulheres: Zezinha (Minas Gerais,1968), Ana das Carrancas

(Pernambuco, 1923-2008) e Noemisa (Minas Gerais, 1947), para citar apenas

alguns.

O pernambucano Vitalino Pereira dos

Santos, conhecido como Mestre Vitalino, é

considerado uma dos maiores mestres da

arte popular brasileira. Sua relação com o

barro começou ainda na infância através de

sua mãe que era lavradora e artesã. Aos seis

anos ele já brincava com os restos de barro e

criava pequenos animais, que depois seriam

vendidos na feira contribuindo assim para a

renda familiar. Sua vida, como a de inúmeros

nordestinos, foi humilde, sem condições de

frequentar a escola para poder ajudar a

família na lavoura e assim garantir seu

sustento.

Com quase quarenta anos, Vitalino decide-se mudar do sítio em

Campos para o Alto do Moura, a sete quilômetros da cidade de Caruaru. Seria

aqui onde sua obra seria reconhecida, destacando-se no cenário da arte

popular brasileira. No final dos anos quarenta, sua obra cai no gosto da elite

Mestre Vitalino em Caruaru, Pernambuco. Foto: Pierre Verger, 1947 Fonte: http://artepopularbrasil.blogspot.com.es/search/label/Mestre%20Vitalino

  56  

cultural e ganha notoriedade ao participar, em 1947, da Exposição de

Cerâmica Popular Pernambucana no Rio de Janeiro, dois anos depois teria sua

obra exposta no MASP. Sua obra marcou a cultura do Alto do Moura e inspira

gerações de artistas tanto ali como em outras localidade do Brasil. Desde de

1971, sua antiga residência abriga a Casa-Museu Mestre Vitalino. Apesar do

seu reconhecimento nacional e internacional como um grande ceramista,

morreu de varíola, esquecido e em extrema pobreza em 1963.

Para a pesquisadora Lélia Coelho Frota (1988), Mestre Vitalino

representa o principal agente de renovação visual da região, pois a partir de

um estilo pessoal bem definido criou peças com motivos e expressividade

particulares. O artista é o responsável por ter transformado o Alto do Moura em

uma referência nacional na produção de cerâmica e em ser reconhecido pela

UNESCO como um dos mais importantes centros de cerâmica figurativa das

Américas.

Noivos, Mestre Vitalino, s.d. Fonte:http://artepopularbrasil.blogspot.com.es/search/label/Mestre%20Vitalino “Boa parte de seus trabalhos se refere aos três principais ritos de passagem: nascimento, casamento e morte. As cenas de batizados são como crônicas do cenário rural. O tema do casamento aparece com frequência, em trabalhos como Casamento no Mato, O Noivo e a Noiva. Os enterros também são composições reveladoras dos hábitos e do cotidiano da região. Comparando Enterro na Rede, Enterro no Carro de Boi e Enterro no Caixão, por exemplo, pode-se perceber a diferença de status dos mortos de acordo com o modo como são transportados.” Fonte: Enciclopédia de artes visuais Itaú Cultura, disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=4457&cd_item=2&cd_idioma=28555

  57  

Ana Leopoldina Santos, conhecida

como Ana das Carrancas, nasceu em

Ouricuri, no Estado de Pernambuco. Filha de

mãe louçeira, aprendeu a moldar o barro

ainda criança para ajudar no sustento da

casa. Em busca de uma vida melhor, migrou

para Petrolina. Porém ali, tampouco a vida

estava fácil, nos anos sessenta a região

sofria uma crise de escassez de barro,

obrigando muitas louçeiras a buscar outras

alternativas para viver. Ana encontrou nas

margens do Rio São Francisco o barro e a

inspiração para sua arte, as carrancas típicas

da embarcações que navegam pelo rio. A

partir de então as carrancas começaram a protagonizar a produção da artistas,

são peças zoomórficas, de aspecto rústico e estilo próprio, com o detalhe de

terem os olhos vazados; uma homenagem que Ana fez ao marido, deficiente

visual.

Nas carrancas de Ana, há uma variação no material e forma, mas não perde o zoomorfismo. Há sempre em suas carrancas uma mistura de animal e homem; leão, jaguatirica, cavalo, guará e etc. Numa galeria de tipos que segue o ritmo da sua própria imaginação. Há um lento processo na transformação do seu trabalho. A exemplo dos olhos das primeiras carrancas que eram arredondados e depois foi se alongando. O cabelo, varia a forma de trabalho pra trabalho. Também notamos suas carrancas em forma de cinzeiros, vasos, mesas, barcos, numa combinação bastante original.(CENTRO DE CULTURA ANA DAS CARRANCAS, 2009)

Quando levou suas primeiras carrancas para serem vendidas na feira,

foi motivo de piada dos outros comerciantes. No entanto, não demorou muito

para que o trabalho de Ana fosse reconhecido e hoje suas peças estão em

galerias, museus e coleções particulares, tendo sido premiada e homenageada

em várias ocasiões. Atualmente parte de sua obra pode ser vista no Centro de

Cultura Ana das Carrancas em Petrolina, coordenado pelas duas filhas da

artista, Maria da Cruz e Ângela Lima, ambas ceramistas dão continuidade ao

trabalho da mãe.

Ana das Carrancas Fonte: http://anadascarrancas.wordpress.com/ana-das-carrancas/

  58  

A xilogravura popular brasileira está relacionada à literatura de cordel

que provém do Nordeste do país. A literatura de cordel, reconhecida como

patrimônio imaterial brasileiro, é uma herança da cultura medieval ibérica,

remontando ao século XVI quando se popularizou a impressão de relatos orais

em folhas soltas. Este gênero literário entrou no Brasil por Salvador e dali

espalhou-se aos outros estados do Nordeste do país, em especial

Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. As capas dos cordéis

estão geralmente estampadas com uma xilogravura que sintetiza ou que

representa uma importante cena do poema. Muitos cordelistas são também

grandes gravuristas, como por exemplo José Francisco Borges (1935),

conhecido como J. Borges e famoso por suas xilogravuras.

Carrancas, Ana das Carrancas, cerâmica. Acervo do Centro de Artes Ana das Carrancas, Petrolina-PE. Fonte: http://meuvelhochico.blogspot.com.es/search?q=ana+das+carrancas

  59  

O pernambucano J. Borges entrou no

universo da poesia popular ainda jovem

vendendo folhetos de cordel e aprendeu a ler

e escrever para poder entendê-los. Já adulto

resolveu que iria escrever cordel e publicou

em 1964 seu primeiro folheto O Encontro de

Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina

ilustrado por Dila, José Cavalcanti Ferreira

(1937), outro importante cordelista e xilogravurista. O primeiro cordel de J.

Borges foi um êxito de venda, com mais de cinco mil exemplares vendidos em

sessenta dias.

J. Borges Fonte: artepopularbrasil.blogspot.com

Mudança de Sertanejo, J. Borges, xilogravura, s.d. Fonte: http://www.gravura.art.br/imagens/mudanca-de-sertanejo.jpg Nessa xilogravura de J. Borges podemos visualizar uma das temáticas da arte popular: os retirantes. O artista representa com humor e crítica social a realidade de muitos brasileiros obrigados a abandonar sua terra natal em busca de melhores oportunidades. A quantidade de filhos, a mulher grávida, o cachorro, a gaiola e o burro, todos são ícones dessa realidade e podemos encontrá-los também na literatura como no cinema.

  60  

No entanto, é a xilogravura o que fez dele um artista famoso. Sem

dinheiro para pagar um ilustrador ou para pagar as chapas de zinco

habitualmente usadas para a impressão das imagens, decidiu talhar em uma

peça de madeira a capa de seu segundo trabalho Verdadeiro Avido de Frei

Damião e a partir de então passou a colocar na madeira o imaginário sertanejo:

o diabo, Lampião, prostitutas, vaqueiros, festas de São João (BURCKHARDT,

2006). Suas xilogravuras se fizeram famosas e passaram a ser tratadas com

respeito no meio acadêmico e artístico, pertencendo a diferentes coleções de

gravuras em todo o mundo. Hoje, “o estilo Borges” criou escola e abarca vários

membros da família Borges que vivem da venda de suas xilogravuras.

Os mestres mamulengueiros são

outros representantes da arte popular

brasileira. A técnica e a estética dos

mamulengos preservam-se ao longo do

tempo e se mantêm como uma tradição

popular, principalmente das zonas rurais.

Como em tantas outras manifestações artísticas da cultura popular nordestina, o Mamulengo revela de modo singular a rica expressividade do dia-a-dia do povo da região. Através dos bonecos, o povo se identifica com suas alegrias e suas tristezas, com seus temores e sua capacidade de fé, com seus tipos matreiros e seus elementos repressores, com o esmagamento de seus direitos e sua ânsia de liberdade. (SANTOS, 2007)

Os mamulengos, fantoches típicos

do nordeste, geralmente são feitos em

madeira, pano ou ainda papel-machê –

uma massa feita de papel, geralmente

jornal, embebido em água e depois

misturado com cola. Mamulengo pode ser

definido como um teatro-brincadeira na

Mamulengo Luis Bandeira, 1980 Fala, fala mamulengo Vai gracejando pra nos divertir Fala, fala mamulengo O mundo inteiro necessita sorrir }bis No teatro de mamulengo Nhem, nhem, nhem Do povão se distrair Nhem, nhem, nhem É artista bom de quengo Gente que faz mamulengo E também quem sabe rir Zé Cabide, moleque afoito Nhem, nhem, nhem Enxerido, safadão Nhem, nhem, nhem Pede a Zefa um carinho Nega me dá um tiquinho E ela diz: dou não Quem mexer com a mãe do Zé Nhem, nhem, nhem Contra quem o Zé investe Nhem, nhem, nhem Dar resposta resoluta Vou jantar você na luta Cafuçú, filho da peste Escute a interpretação de Mamulengo na voz de Luiz Gonzaga em: http://www.youtube.com/watch?v=wLOOSQcMAIk Para saber mais, Leia:

Mamulengo: o teatro de bonecos popular no Brasil de Francisco A. Santos, em http://formasanimadas.wordpress.com/2010/08/09/mamulengo-o-teatro-de-bonecos-popular-no-brasil-

  61  

qual os bonecos são os protagonistas que falam, cantam, dançam, brigam e,

muitas vezes, morrem.

As apresentações são improvisações em cima de um roteiro e se

adaptam ao público que encontram, o qual tem uma participação ativa na

história e interage com os bonecos, dando vida e dinâmica ao espetáculo.

Cabe destacar que, como afirma Santos (2007), o seu público é o povo, seja

ele rural ou urbano, e que o público intelectual e burguês quando assiste a uma

função o faz “por curiosidade, por atitude exótica ou por seu aspecto folclórico”.

Atualmente, os mamulengos concentram-se nas zonas rurais do Estado de

Pernambuco onde os espectadores são pequenos agricultores e camponeses

que têm a liberdade de folgar, rir e se divertir brincando.

Mestre mamulengueiro Zé da Vina Fonte: http://www.sesibonecos.com.br/2010/bonecosdomundo/sinopse/mamulengueiros/ Mamulengo (PE), João Redondo (RN), Babau (PB), João Minhoca ou Briguela (SP, RJ, BA, MG, ES), Mané Gostoso (BA), Calunga (CE), Cassimiro Coco (MA, AL CE, PI). Em cada região do Brasil encontramos um mome especial para este bonecos, também conhecidos como fantoches que fazem parto imaginário popular.

  62  

Atualmente, alguns dos mamulengueiros vivos mais importantes,

considerados mestres pelo público e pelos aprendizes são: Mestre Zé de Vina

(Glória do Goitá /PE), Mestre Luiz da Serra (Vitória e Sto. Antão/PE), Mestre

Antonino Biló (Pombos/PE), Mestre Solon (Carpina/ PE), Mestre Otílio (Caruru

/PE).

Seguindo a ideia de combinar arte com brincadeira, bastante presente

na arte popular, encontra-se a obra de Antonio Jáder Pereira dos Santos,

carinhosamente é conhecido como Dim, nascido em 1967, em Camocim,

Ceará. Dim teve uma infância rica em experiências e não só desfrutava da

companhia de sua família, muitos deles artesãos, como aproveitava da vida em

comunidade que a cidade pequena pode proporcionar e circulava livremente

pelos ateliers e oficinas dos vizinhos do Cruzeiro, seu bairro.

Nessas vivencias pode observar

atenta e cuidadosamente o trabalho dos

artesãos que o rodeavam, assim como

ajudar a mãe a confeccionar flores de tecido.

Também divertia-se com as encenações do

boi do Mestre Cambraia e com as

apresentações do mamulengueiro Zezinho

do Gás. Esse rico ambiente cultural permitiu

a Dim experimentar e vivenciar a arte e a

cultura em primeira pessoa e o instigou a

criar seus próprio mundo fantástico de

brinquedos articulados. Inspirado dos

presentes da avó e com a ajuda das ferramentas do avô carpinteiro, criou um

universo infantil próprio que o diferenciava dos demais pela capacidade de

concretizar -em objetos manipuláveis e divertidos- a sua fértil imaginação.

Seus brinquedos seduziam crianças e adultos e foram fundamentais

para a construção do seu repertório artístico polifacético e talentoso. Seu

contato com a arte se deu pelo convívio com o pintor e escultor Batista Sena,

de quem foi assistente. Na década de 80, Dim colaborou no projeto Circle

Catholique de France em Fortaleza, destinado a assistir e profissionalizar

Dim Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_uuYukZfMbLw/Sm0VlC_WQGI/AAAAAAAABXE/yu9-w0ihcp8/s400/DSC_0557.JPG

  63  

meninos de rua. Nessa vivência, o artista passou a encarar a confecção de

brinquedos sob a óptica da investigação artística e intensificou seu trabalho

neste sentido.

A partir de então conseguiu criar uma linguagem artística própria na qual

consegue unir o lúdico e o estético em obras que instigam a manipulação e a

interação com o espectador. Suas obras são para admirar, mas também são

para brincar, tocar, manipular e por isso atraem crianças e adultos com seu

jogo de cores e formas. Sua obra já é reconhecida nacional e

internacionalmente, está presente em várias reportagens e inúmeros blogs.

Personagens do universo lúdico de Dim Brinquedim, papel-mache, s.d. Fonte: http://www.culturainfancia.com.br/galerias/dim1/fotosmauricio064.jpg “A brincadeira sempre foi minha inspiração, porque na verdade nunca deixei de brincar, sou ainda um menino que tudo observa com admiração, ai eu canalizo este brincar e observar em meu trabalho, e a brincadeira da vida se estende nele. O mais sério da vida pra mim é o brincar, levar a vida a sério é considerar seriamente que o objetivo maior da vida é a felicidade. Um dos brinquedos que eu mais gosto é o João-teimoso, porque ele traz a idéia de persistência, de nunca desistir dos nossos ideais.” (MUSEU BRINQUEDIM, s.d)

  64  

Além disso também foi tema de pesquisas acadêmicas, documentários e

inclusive da escola de samba carioca Acadêmicos do Cubango em 2013.

Seu trabalho pode ser visto no Museu Brinquedim, situado em

Pindoretama no Ceará. Um acervo de 500 peças estão disponíveis para serem

apreciadas: são brinquedos, esculturas e telas, de pequenas e grandes

dimensões, criadas ao longo de 40 anos.

2.4.3 ARTE NAÏF

O termo arte naïf é uma expressão que habitualmente confundimos com

arte popular, posto que ambas são entendidas como uma arte ingênua,

instintiva e original, em que os artistas são autodidatas e não possuem

formação culta. No entanto, Newton Freitas afirma que,

A pintura "naïf" se distingue da arte popular porque o artista "naïf" mostra personalidade própria e independência, enquanto o artista popular segue uma tradição de estilo bem demarcado e modelos precisos. O artista popular perpetua usos e costumes de um povo. Ele simplesmente repete obras em série, de acordo com as formas e a técnica que aprendeu.

Se, a partir dessa diferenciação entre arte naïf e arte popular, voltamos

ao item anterior e analisamos as obras de J. Borges, Mestre Vitalino e Ana das

Carrancas constatamos que as obras desses artistas também podem ser

entendidas como arte naïf sem, no entanto, deixarem de ser popular. Todos,

apesar de seguirem as técnicas tradicionais do seu entorno, inovaram o fazer

ou pela temática escolhida e/ou pela resolução estética empregada.

O termo naïf tem origem no termo nativus do latim que significa

nascente, natural, espontâneo, primitivo e foi empregado no mundo das artes

para definir as pinturas de Henri Rousseau (1844-1910), obras que a primeira

vista parecem ingênuas pela resolução técnica empregada, nas quais não há,

por exemplo, o uso científico da perspectiva e nem se respeitam as proporções

mas que, no entanto, representam uma realidade ao mesmo tempo natural e

fantasiosa. Reconhecido pelos artistas do seu tempo, a obra de Rousseau será

entendida como a expressão de um mundo exótico, puro e livre.

  65  

No século XX, a arte naïf passa a ser reconhecida como uma

modalidade artística independente tendo representantes em todo o mundo.

Além disso, muitas das soluções empregadas pelos artistas naïf farão parte do

repertório de pintores modernos como Paul Gauguin (1848-1903), Paul Klee

(1879-1940), Marc Chagall (1887-1985) ou Wassili Kandinsky (1866-1944).

Portanto,

Se em sua origem essa modalidade é definida como aquela realizada por amadores ou autodidatas, o processo de reconhecimento e legitimação obtidos nos circuitos artísticos leva a que muitos pintores, com formação erudita, façam uso de procedimentos caros aos naïfs. Além disso, a arte naïf desenha um circuito próprio e conta com museus e galerias especializados em todo o mundo. (ITAÚ CULTURAL, 2011)

De modo que, nem todo artista popular é um artista naïf e vice-versa, no

entanto, as duas manifestações tem muitas afinidades e mais de um artista

pode ter sua obra entendida sob ambas perspectivas.

Menino com brinquedo Henri Rousseau, óleo sobre tela, 1903. Fonte: http://www.wikipaintings.org/en/henri-rousseau/child-with-a-puppet Nessa obra de Rousseau podemos ver como não há o respeito às proporções e o menino parece um gigante. A escala emocional, a falta de perspectiva, o uso de cores chapadas são algumas das características que encontramos na arte naïf.

  66  

2.5 PROPOSIÇÃO PEDAGÓGICA: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E O ENSINO DE ARTE

Referimo-nos a Educação Patrimonial para definir o processo de ensino

aprendizagem do ensino formal ou não-formal que tem como referência o

patrimônio cultural. Trata-se de um processo que deve ser sistemático,

continuado e interdisciplinar e/ou transdisciplinar e que trabalhe com conceitos

de cultura, identidade, memória, diversidade cultural, patrimônio etc.

associando-os à vida cotidiana;

Não se trata, portanto, de pretender imobilizar, em um tempo presente, um bem, um legado, uma tradição de nossa cultura, cujo suposto valor seja justamente a sua condição de ser anacrônico com o que se cria e o que se pensa e viva agora, ali onde aquilo está ou existe. Trata-se de buscar, na qualidade de uma sempre presente e diversa releitura daquilo que é tradicional, o feixe de relações que ele estabelece com a vida social e simbólica das pessoas de agora. O feixe de significados que a sua presença significante provoca e desafia. (BRANDÃO, 1996)

Trabalhar com Educação Patrimonial fora ou dentro da escola é

importante porque ela irá orientar os membros das próprias comunidades a

tomar às rédeas do próprio patrimônio educando-os a exigir políticas

preservacionistas e a proteger o que lhes pertence, portanto, deve ser tratada

como uma prática social, na qual os sujeitos e a comunidade reconheçam e

agreguem valor aos bens culturais de que dispõe (BRASIL, 2011).

SUGESTÕES DE LEITURA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL BRASIL. Educação patrimonial: orientações ao professor. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2011.

GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, 2007.

TOLENTINO, Átila Bezerra (org). Educação patrimonial: reflexões e práticas. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2012.

ACESSE:

Educação Patrimonial – IPHAN http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=15481&retorno=paginaIphan

Blog Educação Patrimonial http://educacaopatrimonial.wordpress.com/

 

  67  

A educação é o caminho para que a comunidade se aproprie dos bens

culturais que lhes pertencem. Através do processo de reflexão e do

desenvolvimento do sentimento de pertencimento e do estabelecimento de

relações afetivas somos mais capazes de cuidar daquilo é nosso.

Ao unir arte e Educação Patrimonial, estamos vinculando essa educação

à experiência estética. Para sermos professores temos que ser ativos

culturalmente, porque a cultura nos permite nos conhecer e conhecer o mundo.

Ao mesmo tempo, temos que saber desfrutar da arte para buscar nos

interstícios das diferentes poéticas o conhecimento e as múltiplas formas de

interpretar o mundo. Como afirma, Paulo Freire (2007, p. 58),

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte no Ensino Fundamental

(BRASIL, 1997) colocam como um dos objetivos do ensino de arte:

[...] conhecer, respeitar e poder observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, identificando a existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos de diferentes grupos culturais.

De maneira que os alunos sejam capazes de:

[...] identificar, relacionar e compreender a arte como fato histórico contextualizado nas diversas culturas, conhecendo, respeitando e podendo observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, identificando a existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos de diferentes grupos culturais.

Portanto, o professor de arte é um dos responsáveis por promover na

escola uma ação educativa de valorização e preservação do patrimônio

cultural, devendo buscar nas orientações específicas da Educação Patrimonial

as relações que pode estabelecer no processo de ensino e aprendizagem de

arte.

Evelina Grunberg (2007) aponta a existência de quatro etapas na

metodologia da Educação Patrimonial: observação, registro, exploração e

apropriação.

  68  

Na etapa de observação se busca a percepção sensorial e simbólica,

portanto, para sua realização é necessário que os sentidos (visão, tato, olfato,

paladar e audição) sejam aguçados por meio de perguntas, experimentações,

provas, medições, jogos de adivinhação e descoberta (detetive), etc., de forma

que se explore, ao máximo, o bem cultural a ser estudado.

Na fase de registro os objetivos são a fixação do conhecimento e o

aprofundamento da observação, para isso é necessário realizar atividades

como desenhos, fotografias, maquetes, representações teatrais etc.

Com a etapa de exploração o que se pretende é a interpretação, a

análise e a crítica do bem cultural estudado. Por esse motivo é importante que

o objeto de estudo seja analisado através de atividades que promovam

discussões, questionamentos, avaliações e pesquisas (bibliotecas, arquivos,

cartórios, jornais, revistas, entrevistas com familiares e pessoas da

comunidade) de modo que o aluno possa interpretar as evidências e os

significados, desenvolvendo a competência de análise crítica e reflexiva.

Na última etapa, denominada apropriação o objetivo será a criação a

partir do que foi aprendido com o bem cultural estudado, isso pode ser

realizado utilizando-se de diversos meios de expressão (desenho, pintura,

escultura, teatro, dança, música, fotografia, poesia, textos, filmes, vídeos etc).

Com a apropriação os educandos, além da postura ativa e reflexiva exigida em

todas as etapas, também devem ter uma atitude criativa, elementos

fundamentais no processo de apropriação e valorização dos bens culturais.

Conforme Grunberg (2007, p.6), “os resultados da aplicação desta

metodologia desenvolvem atividades que levam os participantes à reflexão,

descoberta e atitude favorável a respeito da importância e valorização do

nosso Patrimônio Cultural”. Portanto, como arte/educadores devemos conhecer

esta metodologia uma vez que ela pode nos ajudar.

  69  

2.5.1 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E PROPOSTA TRIANGULAR: TRAÇANDO PARALELOS E CRIANDO CONEXÕES

Como arte/educadores é interessante traçar um paralelo entre as quatro

etapas propostas pela metodologia da Educação Patrimonial (observação,

registro, exploração e apropriação) e as etapas propostas pela Proposta

Triangular (conhecer, apreciar e fazer arte) para conectar ambas propostas a

fim de promover um ensino de arte voltado à valorização do patrimônio cultural.

“A Proposta Triangular salientou a

importância da interpretação da arte e as

vantagens de ver e analisar as obras ao

vivo” (BARBOSA, 2009, p. 18). A partir

dessa proposta os museus passaram a ser

mais procurados por professores e alunos.

Sua difusão acabaria sendo integrada –de

maneira velada– aos PCN (1996-1997), o

que intensificou ainda mais a busca pelos

museus como espaços para a prática da

leitura da obra de arte.

A Proposta Triangular de Ana Mae

Barbosa, criada na década de 80, se

estrutura com base a três pilares: a contextualização histórica (conhecer arte),

a leitura e análise da obra de arte (apreciar arte) e a produção de arte (fazer

Ana Mae Barbosa Fonte: http://www.revistaviverbrasil.com.br/img/materias/f5749ad7e4974696d800f6a470d42446.jpg

SUGESTÕES DE LEITURA PROPOSTA TRIANGULAR BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009. BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Fernanda Pereira da (orgs.). A Abordagem Triangular no Ensino das Artes e Culturas Visuais. São Paulo: Cortez, 2010. BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2010.

 

  70  

arte). A sistematização dessa proposta tem influência das intensas pesquisas

de Barbosa sobre as experiências significativas de ensino de arte em especial

nas Escuelas al aire libre mexicanas, no Critical Studies inglês e no Discipline

Based Art Education – DBAE americano. Ao pensar a arte não só como

expressão, mas também como cognição a Proposta Triangular marca uma

nova postura no ensino de arte, que passa a ser entendida como parte

inseparável da cultura.

A Proposta Triangular foi inicialmente pensada para o estudo exclusivo

de obras de arte, no entanto, o objetivo do estudo aqui proposto é ampliar essa

abordagem não restringindo-nos ao conceito de obra de arte canônica e

adotando o conceito de bem cultural, muito mais amplo ao abarcar uma série

de manifestações culturais não restritas aos espaços institucionais como o

museu, mas que, ao contrário, podem ser encontradas em outros espaços

como o nosso cotidiano e que podem e devem ser trabalhadas pelo professor

de arte no ensino formal.

Se transpomos as etapas de observação, registro, exploração e

apropriação da Educação Patrimonial à Proposta Triangular temos:

CONHECER ARTE na perspectiva da Educação Patrimonial: a

contextualização da arte deve se dar através dos conhecimentos existentes

tanto dos alunos como das referência web/vídeo/bibliográficas. No entanto,

devem fazer parte dessa etapa a OBSERVAÇÃO e o REGISTRO, a primeira

para aguçar a percepção sensorial e simbólica dos alunos e a segunda para

auxiliar na fixação do conhecimento e aprofundamento da observação. Nessa

perspectiva, o estudante deve ser incentivado a empreender uma atitude

investigativa.

APRECIAR ARTE na perspectiva da Educação Patrimonial: a

apreciação estética que objetive estudar os bens culturais deve pluralizar os

pontos de vista e os ângulos de análise, para não cair na sua forma canônica

tradicional. Novos parâmetros de análise devem ser incorporados de acordo

com o bem cultural que está sendo estudado e como na etapa de

EXPLORAÇÃO o que se busca é a interpretação, a análise e a crítica do objeto

  71  

de estudo. Além disso, é necessário tentar compreender a qualidade da arte

dentro do grupo cultural que a aceita como válida, questionando as opiniões

preconcebidas.

FAZER ARTE na perspectiva da Educação Patrimonial: A produção de

arte não deve ser uma simples reprodução de outras manifestações culturais,

caindo em uma simplificação e na cópia de padrões sem reflexão. Como na

etapa da APROPRIAÇÃO o que se pretende é desenvolver o processo criativo

a partir do conhecimento construído em todo o processo de estudo de

determinado bem cultural, portanto, trata-se de uma prática reflexiva e

contextualizada, na qual estabelecem-se conexões entre as culturas

confrontadas. Nesse sentido, o uso de materiais reciclados e de baixo custo

deve ser cuidadoso, uma vez que trabalhos feitos com materiais baratos e sem

muito esforço podem resultar em conclusões de que determinada

arte/manifestação cultural não possui muito valor.

Como podemos perceber a metodologia da Educação Patrimonial nos

ajuda a aprofundar e ampliar a Proposta Triangular permitindo que a mesma

possa ser aplicada a um repertório cultural mais amplo, que abarque todos os

bens culturais que pertencem ao patrimônio cultural brasileiro.

2.6 RESUMO DO CAPÍTULO

Pensar o ensino de arte a partir da perspectiva do patrimônio cultural é

uma boa alternativa para trabalhar com a diversidade cultural, a partir desse

enfoque rompe-se com as classificações canônicas que definem o que é bom e

o que é ruim e abre espaço para que as manifestações da cultura popular

também entrem em cena e passem a ser estudadas e valorizadas.

O conceito de patrimônio cultural é como o da própria cultura, complexo.

Nesse sentido, o texto da Constituição Brasileira, no que se refere ao tema é

esclarecedor e demonstra a amplitude do conceito que abarca bens culturais

de natureza material e imaterial englobando as formas de expressão, os modos

de criar, fazer e viver, as criações tanto científicas como artísticas e

tecnológicas, os objetos, obras e documentos artísticos-culturais e os conjuntos

  72  

urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico. Portanto, ao pensarmos em bem cultural

estamos pensando em algo que deve ser valorizado por seu valor simbólico de

interesse à memória e à identidade individual e coletiva.

Quando pensamos em bem cultural temos que ter em conta não

somente os bens materiais: pinturas, esculturas, móveis, utensílios, edificações

arquitetônicas; mas também os bens imateriais: manifestações literárias,

musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, rituais, festas, receitas culinárias,

técnicas artesanais e de manejo ambiental.

Os modernistas foram fundamentais no processo de reconhecimento,

preservação e valorização do patrimônio cultural do Brasil, sendo Mário de

Andrade um dos principais responsáveis por este processo. Os artistas e

intelectuais desse movimento foram os responsáveis por revolucionar o

universo artístico e cultural brasileiro e através do movimento antropofágico

renovaram as artes a partir da valorização da diversidade cultural. A Semana

de Arte Moderna de 1922 foi o marco do estabelecimento do modernismo no

país.

Para estudar arte e cultura popular é importante entender que este

conceito tem os limites pouco definidos e que fatores determinados pela

indústria cultural, a cultura de massa e pela própria cultura hegemônica são

muitas vezes os determinantes desses limites.

A arte popular tem intrínseca relação com as manifestações/produções

que estão fora dos cânones, mas que no entanto apresentam reconhecido

valor estético e artístico. Estão associadas aos fazeres e às práticas

tradicionais de pequenas comunidades refletindo a identidade cultural das

mesmas.

Na arte reconhecida como popular são inúmeras as técnicas, os estilos

e os materiais e podem estar relacionados tanto com o cotidiano como com a

religiosidade ou as tradições. Essa amplitude temática e técnica requer do arte-

educador uma postura investigativa e um fazer reflexivo a fim de trabalhar este

tema com respeito e valorização. São inúmeros os artistas populares, há os já

  73  

internacionalmente reconhecidos e aqueles que só uma pequena parcela da

população sabe que existe. É importante saber jogar com esses saberes e

trazer para a sala de aula não só os grande nomes, mas também aqueles

artistas locais, que podem vir a escola para contar pessoalmente seu devir

artístico.

A metodologia da Educação Patrimonial associada aos pilares da

Proposta Triangular pode ser uma boa forma de trabalhar este imenso universo

que é a arte e a cultura popular. Em ambas abordagens é necessário conhecer

o que está sendo estudado, realizar uma leitura crítica do objeto de estudo e

utilizar a criatividade para se apropriar desse conhecimento.

2.7 EXERCÍCIOS DE ESTUDO

1. No texto “Atolados: trupes frouxas, terras instáveis, topografias ambíguas” Irene Tourinho et. al. (2010, p.52) afirmam que:

Muitas vezes confundiu-se a contextualização da obra de arte com uma cronologia linear da história da arte. Do mesmo modo, disseminou-se a prática da “releitura da obra de arte” como um modo de propiciar aos alunos o estabelecimento da relação entre a “leitura da obra de arte” e o fazer artístico. Multiplicaram-se, assim, cópias mal feitas de reproduções de obras de arte do período moderno. Merece destaque a necessidade de que os termos releitura e leitura da obra de arte sejam assunto de discussões mais cuidadosas e críticas, em especial no ambiente de formação dos professores de artes visuais.

Pesquise o tema e defina os termos releitura e leitura da obra. Socialize suas definições e ideias no fórum. Todo o grupo deve buscar uma definição comum para ambos termos, que seja acordada entre todos. 2. Valorize a cultura popular da sua região. Sozinho ou em pequenos grupos escolha um artista ou grupo de arte popular. a) realize uma entrevista; b) observe e registre a produção artística; c) contextualize a produção no tempo e no espaço, trace relações com a produção de outros artistas populares nacionais ou internacionais; d) organize uma exposição virtual; e) faça uma leitura crítica da produção e debata com os colegas no fórum.

  74  

3. Inspire-se nos artistas pesquisados e crie sua própria arte. Lembre-se que

pode ser material ou imaterial. Combine com os colegas e montem uma mostra

com estres trabalhos na qual todos possam participar e expor sua produção.

2.8 REFERÊNCIAS

ABREU, Martha. Cultura popular, um conceito e várias histórias. In: Abreu, Martha e Soihet, Rachel. Ensino de História, Conceitos, Temáticas e Metodologias. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

AZEVEDO, Heloisa de Aquino. Tarsila do Amaral: A primeira dama da Arte Brasileira. Campinas: Educação & CIA, 2005.

BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Fernanda Pereira da (orgs.). A Abordagem Triangular no Ensino das Artes e Culturas Visuais. São Paulo: Cortez, 2010.

BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2010.

BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009.

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O difícil espelho: limites e possibilidades de uma experiência de cultura e educação. Rio de Janeiro: Iphan, 1996.

BRASIL. Educação Patrimonial: orientações ao professor. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2011.

BRASIL. Os Sambas, as rodas, os bumbas, os meus e os bois: a trajetória da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial no Brasil – 1936-2006. Ministério da Cultura. IPHAN, 2010. Recuperado em 08 de março de 2013 de http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=1800

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

BURCKHARDT, Eduardo. Arte popular: o artista do sertão. Revista Época, agosto de 2006. Recuperado em 12 de março de http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT357424-1661,00.html

CANCLINI, Nestor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003.

  75  

CENTRO DE CULTURA ANA DAS CARRANCAS. Ana das Carrancas. Blog, 2009. Recuperado em 12 de março de 2013 de http://anadascarrancas.wordpress.com/ana-das-carrancas

CGLU (Organização Mundial Cidades e Governos Locais Unidos). Agenda 21 da Cultura, 2004. Recuperado em 09 de março de 2013 de http://www.agenda21culture.net

CHIARELLI, Tadeu. Tropical, de Anita Malfatti: reorientando uma velha questão. Novos Estudos, março de 2008. Recuperado em 08 de março de 2013 de http://www.scielo.br/pdf/nec/n80/a11n80.pdf

CONTIER, Arnaldo Daraya; NISHITANI, Eduardo Yoshikazu; DIAS, Thiago Hara. O “Tropical” de Anita Malfatti e o Modernismo Brasileiro. Cadernos de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura, v.5, n.1, 2005. Recuperado em 09 de março de 2013 de http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Mestrado/Educacao_Arte_e_Historia_da_Cultura/Publicacoes/Volume5/O__Tropical__de_Anita_Malfatti_e_o_Modernismo_Brasileiro.pdf

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2007

FREITAS, Newton. Arte naif, arte popular, arte folclórica e arte primitiva. Blog, s.d. Recuperado em 12 de março de 2013 de http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=161

FROTA, Lélia Coelho. Mestre Vitalino. São Paulo: Publicações e Comunicações, 1988.

FROTA, Lélia Coelho. Arte do povo. Texto de apresentação. Coleções de arte popular brasileira, de Jacques Van de Beuqu, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1976. Recuperado em 10 de março de 2013 de http://www.museucasadopontal.com.br/sites/default/files/artigos/pdf/Artigo%202%20Lelia%20Coelho%20Frota.pdf

GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN, 2007.

ITAÚ CULTURAL. Enciclopédia de Artes Visuais. Disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm

MITIDIERI, André L.; PIANOWSKI, Fabiane; SANTOS, Nadson. Literatura, Imaginário, História e Cultura. Ilhéus: UAB-UESC, 2013. (no prelo).

MUSEU BRINQUEDIM. Dim, por ele mesmo. Página web, s.d. Recuperado em 13 de março de 2013 de http://www.museubrinquedim.org.br/biografia.html

  76  

MUSEU CASA DO PONTAL. Caderno de Conservação e restauro de obras de arte Popular brasileira. Rio de Janeiro: Associação dos Amigos da Arte Popular; Brasília: UNESCO, 2008.

PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Origens da noção de preservação do patrimônio cultural no Brasil. Risco, n.3, São Paulo, 2006. pp. 4-14. Recuperado em 09 de março de 2013 de http://www.iau.usp.br/revista_risco/Risco3-pdf/art1_risco3.pdf

SANTOS, Francisco Augusto Gonçalves. Mamulengo: o teatro de bonecos popular no Brasil. Móin, Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas. Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, ano 2, v. 3, 2007. Recuperado em 12 de março de 2013 de http://formasanimadas.wordpress.com/2010/08/09/mamulengo-o-teatro-de-bonecos-popular-no-brasil-fernando-augusto/

TOLENTINO, Átila Bezerra (org). Educação Patrimonial: reflexões e práticas. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2012.

TOURINHO, Irene; MARTINS, Raimundo; DIAS, Belidson; MARTINS, Alice Fátima; GUIMARÃES, Leda. Atolados: trupes frouxas, terras instáveis, topografias ambíguas. In: EÇA, Teresa Torres Pereira de; PARDIÑAS, Maria Jesus Agra; MARTÍNEZ, Cristina Trigo, PIMENTEL, Lúcia Gouvêa (orgs.). Desafios da educação artística em contextos ibero-americanos. Porto: Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual, 2010.

VIVES, Pedro A. Glosario crítico de gestión cultural. Granada: Junta de Andalucía/Editorial Comares, 2007. Recuperado em 8 de março de 2013 de http://www.famp.es/racs/ObsCultura/Docs/guia_politicas/5_Glosario.pdf

 

www.sead.univasf.edu.br