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Universidade Federal do Vale do São Francisco Secretaria de Educação a Distância
Projeto de Formação Pedagógica Artes Visuais
Seminários de Docência em Artes Visuais
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
2013
CURSO DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA EM
Artes Visuais
DISCIPLINA
Seminários de Docência em Artes Visuais
AUTORA
Profª. MSc. Fabiane Pianowski
REVISOR
Profº. Dr. Darlindo Ferreira de Lima
COORDENADORA DO CURSO
Profª. MSc. Flávia Pedrosa Vasconcelos
EDITOR Prof. MSc . Mario Godoy Neto
1ª Edição.
Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF
Secretaria de Educação a Distância – SEAD
Petrolina - PE
2013
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Biblioteca - SIBI/UNIVASF.
Pianowski, Fabiane
P581s Seminários de Docência em Artes Visuais / Fabiane Pianowski; revisado por Darlindo Ferreira de Lima; editado por Mário Godoy Neto.-- Petrolina - PE: UNIVASF, 2013.
vi; 70p.; 29 cm -- (Coleção de Fascículos do Curso de Formação Pedagógica em Artes Visuais, n. 5).
ISBN 978-85-60382-29-3
Curso de Formação Pedagógica em Artes Visuais
coordenado pela Profª Flávia Pedrosa Vasconcelos.
Projeto da Secretaria de Educação à Distância - SEAD/UNIVASF, vinculado à Universidade Aberta do Brasil – UAB / CAPES.
1. Artes Visuais – Estudo e ensino. 2. Multiculturalismo. 3. Educação Patrimonial. 4. Proposta Triangular. I. Título. II. Universidade Federal do Vale do São Francisco.
CDD 709.81
Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF
Reitor Prof. Dr. Julianeli Tolentino de Lima
Vice-reitor
Prof. Dr. Télio Nobre Leite
Secretario de Educação a Distância Prof. Dr. Francisco Ricardo Duarte
Diretor Geral de Educação a Distância Prof. Dr. David Fernando de Morais Neri
Coordenador da Universidade Aberta do Brasil
Prof. Dr. Ricardo Argenton Ramos
Coordenadora Adjunta Profª. Drª. Adriana Moreno Costa Silva
Editor
Prof. Me . Mario Godoy Neto
Impresso no Brasil
Secretaria de Educação a Distância – SEAD / UNIVASF Av. José de Sá Maniçoba, S/N, Centro, Campus Universitário. Petrolina - PE -
Brasil. CEP. 56.304-917 E-mail: [email protected]
RESUMO
Para entender o conceito de diversidade cultural é preciso entender o que é
cultura e saber que estes conceitos não são estanques e que estão em
constante negociação. Antes de pensar em cultura, arte indígena e arte afro-
brasileira é necessário construir um novo conceito de arte, um conceito plural
que assuma as mais diferentes poéticas. Não podemos ficar restritos ao que
vemos nos museus e outras instituições culturais, é importante abrir os olhos e
expandir os horizontes. A legislação brasileira prevê a obrigatoriedade do
estudo da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena tanto na
educação pública como na privada. O trabalho através de projetos em sala-de-
aula ou a metodologia da Educação Patrimonial associada à Proposta
Triangular são expostos como propostas pedagógicas de orientação ao
professor.
Palavras-chave: cultura, diversidade, projetos, educação patrimonial, proposta
triangular
APRESENTAÇÃO
A diversidade cultural caracteriza o Brasil e lentamente ela chega às
salas de aula que até então tinha o conteúdo dominado pela cultura
hegemônica e seus cânones. Atualmente, a legislação educativa brasileira
prevê o ensino da arte e da cultura indígena, africana, afro-brasileira e popular
nas escolas. O professor de artes juntamente com os professores de literatura
e histórias são os principais responsáveis por esse processo no âmbito escolar.
Sob essa perspectiva, nesse curso, serão debatidos os diferentes
conceitos de cultura e o que caracteriza as artes indígenas, africanas, afro-
brasileira e popular. Artistas de referencia são mencionados, mas o professor
também é incentivado a aumentar o seu repertório e a valorizar a cultura da
sua região, cidade ou bairro.
O trabalho em sala de aula através de projetos e as abordagens
propostas pela Educação Patrimonial e pela Proposta Triangular correspondem
as sugestões de trabalho, no entanto, outras formas de trabalhar a diversidade
também devem ser experimentadas. O importante é que o arte-educador seja
um professor curioso, reflexivo e pesquisador.
Bom estudo,
Fabiane Pianowski
Natural do Paraná, estudou na Fundação Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FURG), onde realizou o curso de Artes Visuais e mestrado em Educação Ambiental. Atualmente, está escrevendo sua tese sobre Arte Postal pelo curso de doutorado em História, Teoria e Crítica da Arte da Universidade de Barcelona (UB). Nessa universidade também é professora e pesquisadora do Laboratório de Meios Interativos (Laboratori de Mitjans Interactius – LMI/www.lmi.ub.edu). Paralelamente às atividades acadêmicas atua como desenhadora gráfica (htp://www.fabianepianowski.net). Visite meus blogs de arte e cultura: Cachola Mágica – http://cacholamagica.blogspot.com Coqueluche -‐ http://lounge.obviousmag.org/coqueluche
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1. RAÍZES DA CULTURA BRASILEIRA Objetivos .................................................................................................... 9
1.1 Introdução ............................................................................................ 9
1.2 Conceitos de cultura .......................................................................... 11
1.3 Brasil mestiço: diversidade na arte e na cultura ................................ 14
1.3.1 Arte indígena ................................................................................... 15
1.3.2 Arte africana .................................................................................... 18
1.3.3 Arte afro-brasileira .......................................................................... 21
1.4 Estudo da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena ........ 29
1.5 Proposição pedagógica: ensino de arte e cultura por projetos .......... 31
1.6 Resumo do capítulo ........................................................................... 34
1.7 Exercícios de estudo .......................................................................... 36
1.8 Referências ........................................................................................ 37
CAPÍTULO 2. MOSAICO CULTURAL BRASILEIRO Objetivos .................................................................................................. 40
2.1 Introdução .......................................................................................... 41
2.2 O que é patrimônio cultural ................................................................ 42
2.3 Os modernistas e o patrimônio cultural ............................................. 46
2.4 Cultura e arte popular ........................................................................ 51
2.4.1 Cultura popular ............................................................................... 52
2.4.2 Arte popular brasileira ..................................................................... 53
2.4.3 Arte naïf .......................................................................................... 64
2.5 Proposição pedagógica: Educação Patrimonial e o ensino de arte ... 66
2.5.1 Educação Patrimonial e Proposta Triangular ................................. 69
2.6 Resumo do capítulo ........................................................................... 71
2.7 Exercícios de estudo .......................................................................... 73
2.8 Referências ........................................................................................ 74
EMENTA
Orientação e discussão das práticas pedagógicas no ensino de Artes Visuais. Sistematização das atividades práticas de investigação e intervenção desenvolvidas. Socialização e reflexão das experiências.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Conhecer diferentes poéticas visuais e produções culturais; • Desenvolver a apreciação artístico-estética, a reflexão, a investigação e
o fazer artístico; • Identificar os elementos expressivos e as ideias representadas em
diferentes poéticas visuais e seu tratamento pedagógico, com vistas às suas aplicações no âmbito escolar;
• Compreender e entender a arte como uma área de conhecimento para o estabelecimento de uma prática pedagógica no ensino de artes visuais.
FORMAÇÃO PEDAGÓGICA EM ARTES VISUAIS
9. SEMINÁRIOS DE DOCÊNCIA
EM ARTES VISUAIS
Autora:
Prof. MSc. Fabiane Pianowski
Revisor: Prof. Dr. Darlindo Ferreira de Lima
Carga horária: 60 horas
FASCÍCULO
9
OBJETIVOS
• Conhecer e interpretar os distintos conceitos de cultura;
• refletir sobre o conceito de arte nas sociedades indígenas e da África negra tradicional;
• estudar a cultura indígena, africana e afro-brasileira;
• interpretar a cultura e arte afro-brasileira a partir de seus bens simbólicos;
• entender a legislação que determina o estudo da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena no campo do ensino de arte.
• estudar a metodologia de ensino de arte por projetos.
1.1 INTRODUÇÃO
O respeito à diversidade cultural é fundamental para que uma sociedade
como a nossa funcione. Para respeitar, no entanto, temos que conhecer essa
diversidade e compreender que como brasileiros, mesmo “brancos” de pele,
somos mestiços e as raízes culturais indígenas e africanas marcam nosso
cotidiano tanto quanto as europeias.
O Brasil tem a maior população de origem africana fora da África e, por
isso, a cultura desse continente exerce grande influência na cultura nacional.
LEITURAS PRÉVIAS BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008.
FUNARI, Pedro Paulo; PIÑON, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para os professores. São Paulo: Editora Contexto, 2011.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos). Disponível em: <http://www.slideshare.net/secretariacult/o-que-cultura-jos-luiz-carlos>.
SOUZA, Andréia Lisboa; SOUSA, Ana Lúcia Silva; LIMA, Heloisa Pires; SILVA, Márcia. De olho na cultura: pontos de vista afro-brasileiros. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais / Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2005.
SEMINÁRIOS DE DOCÊNCIA EM ARTES VISUAIS
1. RAÍZES DA CULTURA
BRASILEIRA
CAPÍTULO
10
No século XIX, as expressões culturais afro-brasileiras eram proibidas e vistas
como algo atrasado, por não fazerem parte do universo cultural europeu.
Somente no século XX, passam a ser aceitas como genuinamente nacionais. A
partir de 2003, a história e a cultura afro-brasileira tornam-se parte obrigatória
do currículo escolar. Influências africanas podem ser percebidas em muitos
âmbitos, como a música (samba, congada, cavalhada, maracatu), a dança
(samba, capoeira), a religião (Candomblé, Umbanda) e a culinária (feijoada,
vatapá, acarajé, caruru, mugunzá, sarapatel, baba-de-moça, cocada, bala de
coco etc.).
Os índios, por outro lado, ocupavam o continente americano antes da
chegada dos colonizadores e, portanto, apesar de grupos indígenas inteiros
terem sido dizimados no período colonial, é impossível desconsiderar a
importância da ancestralidade indígena na população brasileira. A cultura, no
entanto, é ainda mais evidente que a genética e boa parte do que comemos é
de origem cultural indígena: mandioca, batata, tomate e milho; também
gostamos de dormir na rede e de tomar banho de rio, além disso nosso
vocabulário é repleto de palavras de origem tupi-guarani. A partir de 2008, a
obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira foi ampliada
também ao âmbito da cultura indígena.
Portanto, para conhecer e entender a diversidade cultural que marca a
cultura brasileira primeiro tentaremos conceituar cultura a partir de diversas
compreensões do termo, para então refletir sobre o conceito de cultura afro-
brasileira e conhecer um poucos algumas das poéticas dos artistas plásticos
que produzem arte afro-brasileira.
Como atualmente, o estudo da história e cultura africana, afro-brasileira
e indígena é obrigatório nas escolas veremos como devemos proceder para
cumprir com a lei e proporcionar que estes temas sejam estudados a partir do
ensino de arte de maneira atualizada e contextualizada a fim de dizimar com os
estereótipos e acabar com o preconceito em relação aos mesmos.
11
Finalmente, se propõe a metodologia de projetos para o ensino da arte e
cultura como uma forma dinâmica, colaborativa e interdisciplinar de trabalhar
com estes temas.
1.2 CONCEITOS DE CULTURA
Cultura é um conceito bastante complexo porque está relacionado com a
multiplicidade de formas que nós humanos temos ser e estar no mundo. Para
Edgar Morin (2002, p. 35) a cultura
é constituída pelo conjunto de hábitos, costumes, práticas, savoir-faire, saberes, normas, interditos, estratégias, crenças, ideias, valores, mitos, que se perpetua de geração em geração, reproduz-se em cada indivíduo, gera e regenera a complexidade social.
O etnocentrismo, responsável pelo choque cultural e pela intolerância,
vigorou até meados do século XX, uma vez que a cultura era entendida até
então como algo monolítico e homogêneo, sem ser admitida a igualdade entre
diferentes culturas. Porém, com a intensificação da interação entre diferentes
sociedades a cultura entendida como algo totalitário foi perdendo terreno e,
felizmente, hoje sabemos que em uma mesma população pode haver uma
enorme diversidade de grupos sociais que formam uma sociedade única (mas
não homogênea), composta pela pluralidade cultural, em meio à qual, cada
cultura reivindica seu espaço. No entanto, devemos ser conscientes de que
Tanto no estudo de culturas de sociedades diferentes quanto nas formas culturais no interior de uma sociedade, mostrar que a diversidade existe não implica concluir que tudo é relativo, apenas entender as realidades culturais no contexto da história de cada sociedade, das relações sociais dentro de cada qual e das relações entre elas. Nem tudo que é diverso o é da mesma forma. Não há razão para querer imortalizar as facetas culturais que resultam da miséria e da opressão. Afinal, as culturas movem-se não apenas pelo que existe, mas também pelas possibilidades e projetos que pode vir a existir. (SANTOS, 1994,20)
12
Podemos dividir a cultura em três grandes blocos: cultura popular,
cultura de massa e cultura dominante. Essa classificação é importante para
entender a dinâmica cultural das sociedades ou grupos étnicos, posto que
essas diferentes culturas não são estáticas nem estanques, ao contrário,
interagem entre si, ora emprestando elementos umas às outras, ora afastando-
se no intuito de manter intactas suas características originais, nesse movimento
contínuo e camaleônico se estabelece a complexa trama do tecido social.
O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? Richard Hamilton, colagem, 1956. Fonte: http://popartheaven.org/richard-hamilton Esta obra é um dos emblemas do movimento artístico denominado art pop, no qual defendem uma arte popular (pop) que se comunique diretamente com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cerca a cultura de massa e a vida cotidiana. Na composição de Hamilton, se apresenta uma cena doméstica, feita a partir de recortes de jornais e revistas, na qual um casal se exibe com (e como) os atraentes objetos da vida moderna: TV, aspirador de pó, enlatados, embalagens etc. O que o artista consegue com isso é borrar a fronteira entre arte erudita e arte popular, ou entre arte elevada e cultura de massa.
13
A cultura popular é compreendida como a soma dos valores tradicionais
de um povo, expressos tanto artisticamente como através de suas crenças e
costumes. Trata-se de um conceito polêmico que tem duas vertentes
interpretativas radicais: os dedutivistas, que acreditam não haver cultura
popular autônoma, posto que sempre está subordinada à cultura da classe
dominante que rege a criação e recepção e os indutivistas, para os quais a
cultura popular é autônoma e inerente às
classes subalternas, com produção criativa
própria, que resiste à imposição cultural
dominante. Uma concepção intermédia
apresenta a cultura popular como um
conjunto heterogêneo de práticas que se dão no interior de um sistema cultural maior e que se revelam, como expressão dos dominados, sob diferentes formas evidenciadoras dos processos pelos quais a cultura dominante é vivida, interiorizada, reproduzida e eventualmente transformada ou simplesmente negada (COELHO, 1997, p. 119).
Em relação à cultura de massa, a mesma é considerada um conjunto de
bens culturais produzidos pela indústria cultural, assim como os bens culturais
de parcelas da população difundidos pelos meios de comunicação de massa
(TV, cinema, jornal, rádio, revistas).
A produção cultural de massa, realizada em série, submete-se à lógica
capitalista, pois, às leis de mercado, destinando-se ao consumo das massas
que se contrapõem e, ao mesmo tempo, validam e fetichizam a alta cultura,
caracterizada pela erudição, pelo elitismo e o hermetismo. Portanto,
a cultura de massa integra e se integra ao mesmo tempo numa realidade policultural; faz-se conter controlar, censurar (pelo Estado, pela Igreja) e, simultaneamente, tende a corroer, a desagregar outras culturas. A esse título, ela não é absolutamente autônoma: ela pode embeber-se de cultura nacional, religiosa ou humanista e, por sua vez, ela embebe as culturas nacional, religiosa ou humanista (MORIN, 1977, p. 16).
A cultura dominante, por outro lado, é entendida como o conjunto de
ideias, conhecimentos e mitos compartilhados por grupo amplo de pessoas,
mas que não é algo neutro nem surgido espontaneamente; ao contrário,
determina-se por relações econômicas, políticas e sociais, sendo imposto e
institucionalizado como referência central e fonte inspiradora. A existência
ideológica desse conceito integra a classe dominante, assegurando a
Para saber mais sobre cultura de massa, leia Apocalípticos e integrados, de Umberto Eco (1965).
14
comunicação entre seus membros, ao mesmo tempo em que os distingue das
demais classes sociais. Como afirma Pierre Bourdieu (2001, p. 11):
a cultura que une (intermediário da comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante.
Com o reconhecimento das diferenças culturais na sociedade
contemporânea, atualmente, tanto a cultura popular como a erudita são
valorizadas reconhecendo nesse pluralismo a expressão de diferentes
processos sociais.
O filósofo Nestor García Canclini (2003) propõe um conceito para cultura
que se opõe à fragmentação da cultura em categorias rígidas. O pensador
propõe o conceito de culturas híbridas em que elementos da cultura popular,
culta e de massa se amalgamam para gerar novas e profícuas manifestações
culturais. Canclini entende hibridação como os
processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas. Cabe esclarecer que as estruturas chamadas discretas foram resultado de hibridações, razão pela qual não podem ser consideradas fontes puras (CANCLINI, 2003, p. XVIII-XXIII).
Sob a perspectiva de Canclini não há autenticidade ou pureza cultural,
todas as manifestações culturais são resultado de múltiplas alianças.
1.3 BRASIL MESTIÇO: DIVERSIDADE NA ARTE E NA CULTURA
Como sabemos a cultura brasileira –com origens, principalmente, na
cultura indígena, africana e europeia– caracteriza-se pela sua enorme
diversidade. Por um bom tempo da nossa história da arte, a única arte
considerada importante e que se fazia presente nos livros e salas de museus
era a de inspiração europeia. Afortunadamente, no início do século XX, os
modernistas conseguiram reverter essa ideia no desejo de produzir uma arte
brasileira mestiça e ao mesmo tempo original, sem descartar nenhuma das
suas raízes e misturando todas elas.
Mas o que entendemos por arte indígena, africana e afro-brasileira?
15
Antes de iniciar, temos que ter claro sob qual conceito de arte estamos
refletindo, uma vez que já não cabe pensar arte como uma manifestação
exclusiva da estética eurocêntrica. Hoje em dia, quando falamos arte, na
verdade, devemos pensar em artes (no plural) como uma atividade cultural que
se manifesta através de diferentes poéticas –individuais ou coletivas– que
(re)elaboram e (re)organizam imagens, formas, cores, luzes, movimentos,
ritmos, sons, silêncios etc. para criar objetos e/ou ações artísticas.
1.3.1 Arte Indígena
Para entender a arte indígena ou as artes indígenas, primeiro temos que
estar conscientes de que não partilhamos do mesmo conceito de arte. Nessas
sociedades, o conceito de arte está intimamente ligado ao de artefato, ou seja,
não há distinção entre objetos utilitários e de pura contemplação. Mais do que
isso, o “objeto estético”, entendido como um objeto autônomo que serve única
e exclusivamente à contemplação, introduzido na sociedade ocidental a partir
do Renascimento, é inexistente entre os povos indígenas (NUNES, 2011).
Portanto, somos nós e não eles quem entendemos e percebemos as
ações/produções indígenas como arte.
Outra característica importante é que as obras/peças não são
assinadas e como na maioria das culturas tradicionais não há uma valorização
da autoria. A arte é entendida como uma prática coletiva e comum, que segue
regras estéticas e rígidos padrões formais que se repetem a cada geração, e
portanto, a figura do artista como criador de obras novas e originais não existe.
Desta forma,
O fator considerado responsável pelo êxito de um artefato depende do tipo de arte em questão: pintura corporal, tecelagem, trançado, cerâmica, escultura, produção de máscaras ou arte plumária. Quando predomina a dificuldade técnica, serão prezadas a concentração, habilidade, perfeição formal e disciplina do mestre. Mas quando predomina a expressividade da forma, a fonte de inspiração é quase sempre atribuída a seres não humanos ou divindades que aparecem em sonhos e/ou visões. Dificilmente se responsabilizará a ‘criatividade’ do artista pela produção de novas formas de expressão. O artista é antes aquele que capta e transmite ao modo de um rádio transistor do que um criador. Prezam-se mais suas capacidades de diálogo, percepção e interação com seres não-humanos, cuja presença se faz sentir na maior parte das obras de aspecto figurativo, do que a capacidade de criação ex nihilo, criação do nada. Esta ideia de ser mais receptor, tradutor e transmissor do que criador vale
16
para a música, a performance e a fabricação de imagens visuais e palpáveis. (LAGROU, 2010, p.8)
João Clemente Gaspar M'etchiicü. Guache, s/ tamanho, 1999. Imagem publicada no Livro das Árvores (TICUNA, 1999). Fonte: http://paisagensnaartebrasileira.pbworks.com/w/page/13733918/Jo%C3%A3o%20Clemente%20Gaspar%20M'etchiic%C3%BC O Livro das Árvores é uma excelente referência para adentrarmos na cultura dos Ticuna através do “olhar sobre a natureza que os cerca e lhes serve de morada, trazendo textos e imagens que fixam suas concepções do real e do imaginário, numa linguagem onde se entremeiam conhecimentos práticos, valores simbólicos e inspiração poética” (p. 7). As informações presentes no livro tanto textuais como visuais foram todas produzidas pelos Ticuna, o que lhe agrega valor, visto que não é comum termos acesso a publicações produzidas pelos próprios indígenas. As imagens são de uma beleza ímpar, ricas em detalhes, retratam o olhar cuidadoso e experto de quem vive (n)a floresta. Nessas imagens, não há estereótipos e as formas, texturas e cores das representações da fauna e flora que os circunda apresentam uma riqueza de repertório no qual se mesclam um imaginário fértil e uma aguçada observação.
17
O valor e o significado que as ações/produções adquirem no cotidiano
de cada sociedade indígena em particular são os parâmetros, que analisados
em seus contextos simbólicos de concepção de mundo, nos servirão para
distingui-los e entendê-los como arte, sem perder de vista seu caráter de
artefato, de maneira que:
funcionalidade e contemplação se tornam inseparáveis, resultando a eficácia estética da capacidade de uma imagem agir sobre e, deste modo, criar e transformar o mundo. Esta possibilidade da coexistência e sobreposição de diferentes mundos que não se excluem mutuamente é a lição a ser aprendida com a arte dos ameríndios. (LAGROU, 2010, p.20)
De acordo com a FUNAI, atualmente vivem, em 688 territórios indígenas
e algumas áreas urbanas, 817 mil índios no Brasil (0,4% da população
brasileira/Censo 2010). Existem 32 grupos indígenas confirmados, entre as 82
referências de grupos indígenas não-contatados. A quantidade total de grupos
indígenas do Brasil evidencia a imensa diversidade que existe e demonstra que
se trata de “culturas complexas, variadas, em constante interação e mudança,
repletas de conflitos, com visões de mundo e práticas de vida ricas, e por
vezes inspiradoras, sempre interessantes e significativas” (FUNARI & PIÑON,
2011), que, no entanto, a maioria de nós desconhece.
Em concordância com a complexidade
dessas culturas, os suportes das produções
indígenas também são variados e estão em
profunda conexão com o ambiente onde se
encontram as diferentes comunidades, e de
maneira geral compreendem a cerâmica, a
pintura corporal, a arte plumária, a cestaria e
a arte em pedra e madeira, sem falar na
música e na dança. Portanto, para estudar e
ensinar essas ações/produções é necessário
acabar com as generalizações a que estamos
acostumados e focalizar as especificidades
de cada grupo indígena em questão, a fim de
trabalhar as identidades dentro da diversidade.
Para saber mais sobre as culturas indígenas: Visite:
FUNAI http://www.funai.gov.br/ Leia:
A temática indígena na escola: subsídios para os professores, de Pedro Paulo Funari e Ana Piñon (2011). Assista:
A Missão (The Mission), dirigida por Roland Joffé (1986, 126 min) Escute:
Sons Indígenas, disponível em: http://www.funai.gov.br/indios/sons/sons.htm
18
Outro aspecto importante no ensino-aprendizagem da temática indígena
é a conexão que podemos estabelecer entre essas manifestações artístico-
culturais com a nossa própria cotidianidade, história e cultura, com o fim de
compreender como a rica e diversa cultura indígena influenciou (e ainda
influencia) a cultura entendida como brasileira e também como foi/é
influenciada por ela.
1.3.2 Arte Africana
Uma das raízes da arte afro-brasileira é, obviamente, a arte africana.
Não obstante, devido a dinâmica cultural –na qual ocorrem intercâmbios,
alterações, continuidades e descontinuidades– também são nossas raízes as
referências do colonizador e de seu continente, assim como da própria cultura
indígena, que comentamos anteriormente.
A arte africana tradicional possui muitos pontos em comum com artes
indígenas. Primeiro, necessita ser pensada no plural, porque também proveem
de culturas diversas e complexas do enorme continente africano. Cabe
destacar, que o termo arte africana é uma generalização e um reducionismo
criado no final do século XIX que desconsidera as particularidades culturais
dos inúmeros povos e etnias que compõem aquele território; o Egito e todo o
seu acervo artístico e cultural, por exemplo, estão fora dessa classificação.
Nesse sentido, ao empregarmos esse termo temos que ter claro que estamos
fazendo uma generalização e que nos referimos particularmente a arte da
África negra ou subsaariana .
Outros aspectos compartilhados são as relações entre arte e artefato e a
questão da autoria, porque assim como na cultura indígena, a arte da África
negra tradicional está extremamente vinculada ao convívio e ritos sociais: “a
ligação entre ritual e atividade artística faz com que os objetos sejam vistos
como receptáculos de poder” (GOLDSTEIN, 2011). Portanto, as suas
produções (objetos) ou ações (dança, música, pintura corporal etc.) sempre
vão além da pura contemplação e possuem uma função, em grande parte
mágico-religiosa. Por conseguinte, o conceito de arte aqui estudado tampouco
19
é o mesmo que o nosso, logo, somos nós novamente quem entendemos e
percebemos as ações/produções da África negra tradicional como arte.
No entanto, devemos compreender que com o passar dos anos a arte
africana sofreu alterações devido aos conflitos pós-coloniais, à globalização do
mercado, às novas tecnologias de comunicação e à intensificação do turismo.
Nesse processo dinâmico e histórico, novos materiais foram incorporados,
outros abandonados, surgiram novos temas, suportes e técnicas antigas
deixam de existir. Além disso, o próprio sistema de arte com seus curadores,
críticos, teóricos, historiadores e artistas reinventam os contornos da arte
Máscaras da África Negra Tradicional Fonte: Postal da Exposição África Negra: máscaras y esculturas tradicionales, Prefeitura de Córdoba, Espanha, novembro de 2012. Disponível em http://www.agendacordobesa.com/wp-content/uploads/2012/10/201210-africa-negra-postal.pdf “As sociedades de máscaras são as principais demandantes da arte africana. Boa parte dessas sociedades são secretas e quase todas são masculinas. A mais conhecida é a sociedade religiosa de Poro, na Libéria e Serra Leoa, também estendida pela Guiné e Costa do Marfim. Estas sociedades intervêm nos rituais de iniciação dos jovens, em ritos agrários para assegurar as chuvas e abundantes colheitas e, especialmente antes da colonização europeia, colaboravam nas estruturas sociais administrando a justiça. Junto a essas sociedades, os grandes e pequenos impérios africanos geraram múltiplos objetos de prestígio, esculturas, assentos reais, bastões de mando, tecidos etc., destinados a exaltar o poder de seus proprietários.” (Manuel Méndez, 2012)
20
africana sem deixar de dialogar com as suas raízes históricas e tradicionais
(GOLDSTEIN, 2011).
“Os Santos que a África não viu”, G.R.E.S Acadêmicos do Grande Rio, 1994. África... Misteriosa África Magia, no rufar dos seus tambores se fez reinar Raiz que se alastrou, por esse imenso Brasil Terra dos santos que ela não viu Da negra terra é lei Veio o meu negro rei Ogum de fé que neste solo se encantou No mercado os ciganos lhe venderam ao senhor Do tumbeiro à senzala seu lamento ecoou Plantou caiana Socou café Pilou dendê Pra benzer filho de fé (E no culto de malê) Viu no culto de malê (malê, malê) Preto velho catimbó (catimbó) De um povo morenado Conheceu caboclo bravo Fascinado por Tupã... (Yara) Yara no rio, sereia no mar É Janaína que seduz com seu cantar Correu gira pelo norte Capoeira azar ou sorte No Nordeste conheceu Quem viveu na boemia Malandragem, valentia e até hoje não morreu Eu sou jongueiro baiana Sapucaí eu vou passar E a Grande Rio vem comigo, saravá! Quem sou eu... Quem sou eu? Tenho o corpo fechado Rei na noite sou mais eu Para ouvir esse samba enredo acesse:
http://www.youtube.com/watch?v=YQl0qj3SOZE Esse samba enredo consegue sintetizar o sincretismo religioso de maneira brilhante. O sincretismo é a fusão de diversas doutrinas tanto no âmbito religioso como no âmbito filosófico. No Brasil, o sincretismo religioso é bastante evidente e se apresenta como uma característica definidora da cultura brasileira e, principalmente, afro-brasileira.
21
Dentre as inúmeras produções artísticas que podemos encontrar neste
vasto continente estão utensílios, adornos e esculturas feitas de osso, pele,
couro, madeira, metal, pedra, semente, fibra natural etc., em uma clara
conexão com o meio ambiente e as matérias-primas nele disponíveis.
A estilização e a geometria caracterizam a arte africana tradicional,
especialmente em suas esculturas e máscaras. Esse estilo, que diferenciava-
se das referências naturalistas da arte europeia, chamou a atenção de artistas
das vanguardas históricas –especialmente cubistas e surrealistas– que, no
início do século XX, não só se influenciaram pelo simbolismo dessas
representações como incentivaram a entrada das mesmas em coleções,
museus e publicações de arte do mundo ocidental.
1.3.3 Arte Afrobrasileira
“Existe a história do Negro sem a história do Brasil, mas não Existe a história do Brasil sem a história do Negro."
(Mãe Márcia d'Oxum)
Os africanos desterrados e obrigados a viver no Brasil como escravos
foram os que trouxeram na memória e no coração os elementos culturais que
até então se encontravam do outro lado do Atlântico. Com a intenção de
manter suas tradições e ritos –proibidas pelo sistema escravocrata e
eurocêntrico dos colonizadores– desenvolveram, muitas vezes de modo furtivo,
expressões culturais e artísticas que uniam suas referências ancestrais às do
colonizador e dos nativos indígenas. Essas referências cruzadas é o que
constitui o que chamamos de cultura afro-brasileira, no entanto,
Definir as artes plásticas afro-brasileiras não é um questão meramente semântica, pois, envolve uma complexidade de outras questões remetendo ora à história do escravizado africano no Brasil, ora à sua condição social, política e econômica, ora a sua cosmovisão e religião na nova terra. (MUNANGA, 2000, p. 98)
Apesar da dificuldade em se determinar o que é e o que não é arte afro-
brasileira, “é possível perceber a re/tradução da estética da arte da África na
obra de vários artistas brasileiros” (SOUZA et al, 2005, p. 154). De acordo com
Aguilar (2000), o termo arte afro-brasileira foi cunhado no século XX para
22
designar toda manifestação artística que expresse a religiosidade, os signos e
emblemas do universo sociocultural negro em diferentes linguagens artísticas.
Portanto, a produção de arte afro-brasileira não tem relação direta com a
cor da pele ou com o fato do artista ser ou não afrodescendente, seu
fundamento centra-se em plasmar elementos estéticos da cultura negra em
produções/ações artísticas. Sob essa perspectiva, encontramos exemplos de
arte afro-brasileira na obra visual do ítalo-argentino Carybé, do francês Pierre
Verger e dos brasileiros, ambos baianos, Rubem Valentim e Mestre Didi, para
citar apenas alguns.
O argentino Hector Julio Páride Bernabó
(1911-1997), nascido na zona sul da província
de Buenos Aires, na cidade de Lanús, fez-se
famoso com o apelido de Carybé –que significa
um peixe de água doce– apodo que ganharia na
juventude ao participar do grupo de escoteiros
do Clube do Flamengo no Rio de Janeiro.
“Argentino de nascimento e baiano de coração”,
filho de pai italiano e mãe brasileira, passou a
grande parte da infância na Itália. Chegou ao
Brasil em 1919, aos 8 anos de idade e residiu
no Rio de Janeiro até 1950 quando definitivamente trocou a cidade
maravilhosa por Salvador.
Com um legado artístico que sobrepassa
5.000 obras, a arte de Carybé é composta de
pinturas, gravuras, ilustrações, entalhes em
madeira, mosaicos e murais. Inspirado na
cultura baiana e, principalmente, no candomblé
sua obra de caráter figurativo, que destaca a
miscigenação e o sincretismo religioso da
cultura brasileira, é reconhecida nacional e
internacionalmente.
Carybé, imagem de FolhaPress. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/81447-no-terreiro-de-carybe.shtml
Para conhecer mais Carybé: Visite:
Carybé http://odebrechtusa.com/carybe Assista:
Caybé – De lá para cá, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=WagJ9p5hSD4 (parte I) e http://www.youtube.com/watch?v=X1zaUs5k9mc (parte II)
23
Carybé juntamente com
outros artistas, como o fotógrafo
Pierre Verger (1902-1996), o
escultor Mario Cravo (1923), o
escritor Jorge Amado (1912-
2001) e o cantor e compositor
Dorival Caymmi (1914-2008)
elaboraram uma estética
inspirada na cultura baiana e
afro-brasileira –com forte
enfoque no seus aspectos
religiosos e místicos–
responsável por consolidar “o
imaginário de uma Bahia como
‘terra boa’ com sua gente
mestiça, afável e indolente,
pintada em sua explosão de
cores fortes, gestos sensuais e
comidas com sabores
condimentados. Uma Bahia de
todos os santos e orixás...” (SILVA, 2012).
O fotógrafo Pierre Verger, nascido em
Paris, iniciou-se na fotografia aos 30 anos,
mudando radicalmente seu estilo de vida e
transformando-se em um viajante solitário e de
olhar aguçado. Entre 1932 e 1946, dedicou-se a
viajar pelo mundo enviando suas reportagens
fotográficas para jornais e centros de pesquisa de
todo o mundo. No ano de 1946, aterrissa na Bahia
e imediatamente se apaixona pela hospitalidade e
diversidade cultural de Salvador. Misturou-se à
gente local e frequentou espaços populares,
Festa de Oxalufã Carybé, aquarela. Fonte: CARYBÉ. Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia. Salvador: Raízes,1980, p. 239 Nesta aquarela Carybé representa uma procissão “que sintetiza a cosmogonia dos deuses cultuados no xirê. O velho deus arqueado e apoiado em seu cajado da criação, o opaxorô, dança sob o alá (pano branco) estendido pelos orixás Ogum e Xangô que vão à frente, seguidos por dois Obaluaiê e, por fim, uma Oxum e outro orixá não identificado” (SILVA, 2012).
Pierre Verger, fotografia de Lamberto Scipioni. Fonte: http://alexandrelomilodo.blogspot.com.es
24
rapidamente travando amizades com a
população negra a qual conheceu e retratou
em detalhe.
Ao descobrir o Candomblé, torna-se um
profundo estudioso do tema, e, com a ajuda de
uma bolsa em 1948, vai à África para estudar e
vivenciar os rituais daquele continente. Em
1953, é renomeado Fatumbi (aquele que é
renascido pelo Ifá) e devido à sua profunda
submersão na religiosidade africana é iniciado
como babalaô (sacerdote do culto de Ifá).
Paralelamente ao seu ofício de sacerdote começa também a atuar como
pesquisador, estudando principalmente a religião praticada pelo povo iorubas e
seus descendentes na África Ocidental e na Bahia. Suas obras, tanto teóricas
como fotodocumentais, contribuíram enormemente para a etnologia e se
tornaram uma referência na área.
Para conhecer mais Pierre Verger: Visite:
Fundação Pierre Verger http://www.pierreverger.org Assista:
Pierre Verger – mensageiro entre dois mundos, documentário disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=TH24WvibN74 Escute:
Fatumbi, ilha de todos os santos disponível em http://www.youtube.com/watch?v=htZAXgWW2vY
CANDOMBLÉ Culto de origem africana com belíssimo efeito coreográfico. Seus cânticos são utilizados para chamar os “espíritos” subordinados aos orixás. Os cantos geralmente são entoados em dialetos nagô e ioruba. Esse culto religioso tem seu início no Brasil com a vinda dos negros escravos, que tinham a necessidade de realizar os rituais tradicionais da sua terra natal. Para não sofrerem represália, os negros diziam dançar e louvar os santos católicos, dessa prática surgiu o sincretismo religioso. Por toda América, há manifestações da religião do candomblé mantendo muitas de suas características ancestrais. Para saudar cada orixá há cantos, batidas de atabaque, roupas, danças e oferendas especificadas de cada divindade. (UTUARI, 2006, p.18) Assista:
Tambores d’África http://www.youtube.com/watch?v=HpPcTp-l_VM
25
Em 1988, ano em que Verger criou a Fundação Pierre Verger (FPV) com
o objetivo de disponibilizar o seu acervo, o GRES União da Ilha do Governador
homenageou o fotógrafo e pesquisador com o samba de carnaval “Fatumbi,
ilha de todos os santos”.
Capoeira Pierre Verger, fotografia, Salvador, 1946-47. FONTE: <http://www.pierreverger.org/>. O fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger seduzido pela hospitalidade e riqueza cultural da Bahia decide ali viver. Na companhia da população local conheceu em detalhe a vida dos negros brasileiros e fotografou seu cotidiano. Se apaixonou pelo Candomblé e se dedicou a estudar os ritos africanos, sendo iniciado como babalaô. O acervo fotográfico de Verger e suas pesquisas são uma importante referência na fotoetnografia do Brasil.
26
O escultor, pintor, gravurista e professor
soteropolitano Rubem Valentim (1922-1991)
iniciou sua trajetória nas artes visuais nos anos
40 como pintor autodidata. Odontólogo e
jornalista de formação, profissões que abandona
para dedicar-se exclusivamente à arte.
Sua primeira
exposição acontece em
1954 e, a partir de então,
participa de inúmeras
bienais e exposições
nacionais e internacionais.
Suas produções iniciais são
abstratas, no entanto, a
simbologia do candomblé e
o sincretismo religioso se
tornariam rapidamente as
principais referências da
obra de Valentim, que se
inspira na geometria dos
signos e formas que compõe
a mística afro-brasileira, de
forma que,
Em suas obras há a emoção da fé religiosa, mística, que faz um convite reflexivo sobre nossas crenças e símbolos que a representam. A formação cultural de Valentim dá o rumo da sua criação, trazendo para sua obra o sentido místico da religião. Valentim se apropria da iconografia religiosa africana para construir
Emblema Rubem Valentim, acrílico sobre tela, 1986 A obra de Valentim é rica em símbolos e cores, onde o contraste figura fundo ressaltam as figuras geométricas de inspiração místico-religiosa. “Valentim se apropria conscientemente dos signos do candomblé, carregados de sentido religioso e dominados por emblemas dos orixás, trazidos na bagagem cultural dos escravos” (UTUARI, 2006, p.6)
Para conhecer melhor a arte de Rubem Valentim, Assista:
Rubem Valentim: geometria sagrada http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/dvd/24/ Leia:
Rubem Valentim: geometria sagrada http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/dvd/24
Rubem Valentim Fonte: http://omenelicksegundoato.blogspot.com.es/2011/05/o-valentim-da-praca-publica.html
27
um vocabulário visual próprio: poesia desvendada na geometria do sagrado. (UTUARI, 2006, p. 3)
Apesar da obra de Valentim aproximar-se tanto temporal como estética
e ideologicamente das obras concretistas e neoconcretistas, o artista sempre
manteve-se independente. Seu interesse pelo misticismo afro-brasileiro resulta
em uma obra extremamente simbólica que ressalta com cores fortes a beleza
do imaginário religioso e da pluralidade cultural.
Deoscóredes Maximiliano dos Santos, nasceu em Salvador em 1917.
Popularmente conhecido como Mestre Didi é escritor, escultor e sacerdote do
culto aos ancestrais Egungun. Totalmente imerso à cultura nagô de origem
ioruba, desde a infância, manipula objetos, formas e emblemas sagrados. Sua
produção artística e sua vida religiosa estão totalmente conectadas, de modo
que as esculturas do sacerdote-artista têm uma forte carga simbólica que nos
leva à contemplar o ritualismo da cultura afro-brasileira. Como a própria cultura
africana, suas obras estão extremamente vinculadas ao natural, utilizando
como matérias-primas sementes, búzios, couro e palha.
Para conhecer melhor a obra de Mestre Didi: Assista:
Mestre Didi: arte ritual http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/dvd/28/ Leia:
Mestre Didi: arte ritual http://artenaescola.org.br/uploads/dvdteca/pdf/arq_pdf_28.pdf
Xarará com duas cabeças, técnica mista Mestre Didi, foto de Washington Olivetto Fonte: http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSite&id=95&postId=4946&permalink=true
28
Mestre Didi também tem uma
importante produção teórica sobre a cultura
afro-brasileira. Autor de uma vintena de
livros sobre o tema, publica, aos 29 anos,
seu primeiro livro Yorubá tal qual se fala
(1946), com prefácio de Jorge Amado e
ilustrações de Carybé. Até os anos 90,
participa de eventos e centros de pesquisa
voltados para a temática afro-brasileira. Em
voto de silêncio, hoje está proibido de falar
fora do recinto religioso para que suas
palavras não sejam deturpadas. Acredita
que seus trabalhos falam por ele e que,
portanto, não é necessário que ele diga
mais nada (COUTINHO & ORLOSKI, 2006).
Mas por que falamos de arte afro-
brasileira e não falamos de arte euro-
brasileira, por exemplo? Renato Araújo
(2011), pesquisador de conteúdos do
Museu AfroBrasil, aponta interessantes e
polêmicas questões sobre o tema. Para o
pesquisador, a arte denominada afro-
brasileira está mais vinculadas ao âmbito
das artes plásticas e, eu diria que, também
da literatura. Por outro lado, na música
brasileira, na qual é praticamente
impossível determinar um ritmo que não
tenha influência africana, não utilizamos
essa terminologia, muito provavelmente
porque falar de “música afro-brasileira”
seria redundante. Tampouco temos
estabelecido um corpus definido de
Para saber mais sobre cultura afro-brasileira: Visite:
Museu AfroBrasil http://www.museuafrobrasil.org.br Matrizes que fazem http://matrizesquefazem.com.br/ Leia:
AMADO, Jorge. Jubiabá. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. São Paulo: Global, 2006. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. Assista:
Documentários: Atabaque Nzinga, Octávio Bezerra, 2008, 84 min. https://www.youtube.com/watch?v=glIplhm-kPs Atlântico Negro, na rota dos Orixás, Renato Barbieri, 1998, 75 min. http://www.youtube.com/watch?v=5h55TyNcGiY Saravah, Pierre Barouh, 1969, 91 min. http://www.youtube.com/watch?v=nPGcQM5nb8M Filmes: Orfeo, Cacá Diegues, 1999, 111 min. Orfeu Negro, Marcel Camus, 1959, 100 min. https://www.youtube.com/watch?v=uwn4vYR_3Y4 Escute:
Afro-sambas, Vinícius de Moraes e Baden Powell, 1996. Encanteria, Maria Bethânia, 2009. http://grooveshark.com/#!/album/2009+Encanteria/6250438 Tecnomacumba, Rita Ribeiro, 2007. http://grooveshark.com/#!/album/Tecnomacumba/2828392
29
produções cinematográficas ou teatrais que possa ser considerado afro-
brasileiro. Nesse sentido, Araújo aponta que para conseguirmos definir essa
arte dita “afro-brasileira”, precisaríamos indicar os seus limites, que seriam
tanto temáticos ou de afrodescendência como também os limites econômicos,
que estariam relacionados ao aparecimento de um mercado que cobra a
existência de uma arte produzida por afrodescendentes ou vinculados à
temática negra e aos limites sociais a partir da necessidade de inclusão de
uma cultura e de grupos historicamente marginalizados. Não obstante, o
pesquisador alerta que estas limitações podem incorrer em restrições de
produção e consumo dessa mesma arte e sua consequente marginalização, o
que resultaria na necessidade de criação de uma arte afro-brasileira por razões
políticas.
1.4 ESTUDO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA, AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA
Como consequência da luta pelo respeito da diversidade cultural no
nosso país, em especial das nossas raízes indígenas e africanas, foi criada em
2003 a lei 10.639, alterada em 2008 pela lei 11.645, que prevê a
obrigatoriedade do estudo da história e cultura africana e afro-brasileira e
indígena nas escolas da rede pública e privada. A inclusão dessa temática no
currículo escolar é o reflexo de uma mudança histórica que, segundo Zamboni
(2007, p.12), tem:
[...] afetado as nossas vidas com o crescimento e ampliação de novos conhecimentos tecnológicos, dos novos meios de comunicação, de novos parâmetros de consumo, de mudanças no código valorativo. Concomitantemente, a inclusão sociocultural de grupos étnicos e culturais que estavam alijados socialmente, o reconhecimento de suas identidades, a valoração de suas memórias e tradições forçaram o reconhecimento e aceitação, por parte dos tradicionalmente incluídos, de outros modelos de cultura.
De acordo com a lei 11.645/08 os conteúdos programáticos devem
incluir diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação
da população brasileira a partir da cultura africana e indígena. Também dita
que os seus conteúdos deverão ser ministrados no âmbito de todo o currículo
30
escolar, destacando as áreas de educação artística, de literatura e história
brasileira como protagonistas desse processo.
Portanto, a partir da vigência dessa lei, os professores de arte, literatura
e história tornam-se os principais responsáveis por tratar da temática afro-
brasileira e indígena na sala de aula. Essa obrigatoriedade pode ser positiva ao
incentivar a valorização cultural no âmbito escolar, porém por outro lado,
segundo o enfoque dado pelo professor e pelo material didático utilizado, ela
pode ser negativa e acabar por cristalizar estereótipos e reforçar preconceitos.
Nesse sentido, todos os docentes –e em especial os docentes de arte,
literatura e história– devem estar preparados, estudando o tema em
profundidade e utilizando matérias didáticos em sala de aula que sejam
inovadores e em consonância com o tempo presente. Além disso, a práxis
educativa deve promover a reflexão sobre a temática da diversidade cultural
ultrapassando os muros da escola, analisando os discursos das mídias e
promovendo o diálogo tanto com o alunado como com o resto da comunidade
escolar, a fim de dizimar preconceitos e contextualizar os fatos. O educador
deve ainda respeitar e valorizar a cultura e o processo criativo do aluno,
sabendo aproveitar os seus conhecimentos prévios no processo cognitivo.
Borges e Bicalho (2012), em sua pesquisa sobre a temática indígena no
livro didático e na sala de aula, observaram como alguns materiais didáticos –
contemporâneos e em certa medida inovadores– infelizmente, ainda retratam
alguns aspectos da cultura indígena a partir de uma visão estereotipada,
citando, por exemplo, textos que desconsideram que na atualidade existem
indígenas habitando as cidade e que esse fato, no entanto, não invalida a sua
cultura particular. Essa pesquisa é interessante porque mostra o que podemos
encontrar no âmbito escolar e nos alerta a estarmos atentos e sermos críticos
com os recursos bibliográficos que utilizamos.
No caso específico do ensino das artes, devemos considerar os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de arte como uma referência na
elaboração e execução do nosso plano de aula, uma vez que este documento
incentiva o estudo, o reconhecimento e a valorização das diferentes
31
manifestações artísticas a fim de promover o ensino-aprendizagem da
diversidade cultural.
1.5 PROPOSIÇÃO PEDAGÓGICA: ENSINO DE ARTE E CULTURA POR PROJETOS
Uma excelente proposta para trabalhar com arte e cultura na sala de
aula é através de projetos, porque, por esse meio, alunos e professor podem
trabalhar conjuntamente, num espírito colaborativo e interdisciplinar no qual o
educador assume o papel de mediador das experiências existentes entre o
educando e a arte e cultura; de orientador na busca e aquisição de novos
conhecimentos e de incentivador da criação artística, de modo a promover:
Um ensino criador, que favoreça a integração entre a aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá contribuir para o exercício conjunto complementar da razão e do sonho, no qual conhecer é também maravilhar-se, brincar com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar duro, esforçar-se e alegrar-se com descobertas (BRASIL, PCN-Arte, 1997, p. 27).
A metodologia de ensino por projetos incita a uma nova prática
pedagógica que leva o docente a analisar, refletir e criar sua própria práxis em
sala de aula. A reflexão e a investigação são as bases dessa metodologia, e
para o caso específico do ensino de arte e cultura devem prever a pesquisa, a
experimentação artística e a extensão.
SUGESTÕES DE LEITURA ENSINO DE ARTE POR PROJETOS DEWEY, J. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reposição. São Paulo: Nacional, 1959. HERNÁNDEZ, Fernando. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000 MARTINS, Miriam Celeste, PICOSQUE, Gisa.; GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino da arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 1998.
32
Um projeto que envolva pesquisa permite aos alunos uma participação
ativa na produção de conhecimento, e, consequentemente, promove uma
aprendizagem significativa, na qual as novas informações associadas aos
conhecimentos prévios dos alunos aglutinam-se para gerar e consolidar novos
saberes (AUSUBEL, 1982; MOREIRA, 1998). Portanto, nesse tipo de
propostas, deve-se considerar que
A aprendizagem significativa somente é possível quando um novo conhecimento se relaciona de forma substantiva e não arbitrária a outro já existente. Para que essa relação ocorra, é preciso que exista uma predisposição para aprender. Ao mesmo tempo, é necessária uma situação de ensino potencialmente significativa, planejada pelo professor, que leve em conta o contexto no qual o estudante está inserido e o uso social do objeto a ser estudado. (LEMOS, 2011)
Sob essa perspectiva, esses conhecimentos prévios –nossa base de
reinterpretação do mundo– devem ser aproveitados no processo de ensino-
aprendizagem, posto que os mesmos contextualizam o grupo para o professor
e, logo, tornam-se fundamentais na elaboração de propostas educativas mais
eficazes.
A experimentação é outro aspecto que também deve estar presente nos
projetos de ensino de arte. A existência de espaços que possibilitem aos
alunos criar as suas próprias ações expressivas são importantes e, portanto, o
ideal é que o professor seja flexível e crie um ambiente dinâmico de iniciativa e
motivação no qual os alunos também têm voz e vez. Propiciar a possibilidade
de escolha pelo alunado do que deseja produzir, com a apresentação de mais
de uma proposta de experimentação artística por parte do professor estimula a
participação do aluno, pois delega ao mesmo a responsabilidade de escolher o
quê e como trabalhar artisticamente em determinado tema. Gusdorf confirma a
importância dessa flexibilidade ao dizer que
O melhor mestre não é aquele que se impõe, que se afirma como dominador do espaço mental, mas, ao contrário, o que se torna aluno de seu aluno, aquele que se esforça para acordar uma consciência ainda ignorante de si mesmo e de guiar seu desenvolvimento no sentido que melhor lhe convém. (1995, p.45)
No entanto, esses projetos devem ser também de extensão, ou seja,
devem promover a divulgação a toda comunidade escolar do conhecimento
adquirido através de exposições, eventos, publicações e/ou vídeos. Dessa
maneira, os demais alunos e professores, pais e mães, não só podem apreciar
33
e aprender com o que se divulga, como os alunos responsáveis pelo trabalho
se satisfazem melhorando a sua autoestima e, consequentemente, motivam-se
a participar de novas atividades. A extensão dos projetos de pesquisa
desenvolvidos em sala de aula à toda comunidade escolar promove a
integração entre os diferentes níveis de ensino e pode ser um estimulante para
a realização de projetos colaborativos e interdisciplinares.
O processo de desenvolvimento do projeto com suas reflexões e
criações merecem estar registrados. A elaboração de um portfólio é
aconselhável, esse documento não se trata unicamente de uma maneira de
guardar a produção dos alunos, senão que também serve como forma de
avaliação final, que –conjuntamente com a avaliação contínua que
acompanhou todas as etapas do projeto– nos propicia a possibilidade uma
visão mais abrangente de todo o percurso. A ideia é construir um portfólio
como um catálogo de exposição, no qual textos e imagens se complementam.
Revisar os portfólios gerados por cada projeto pode ser um modo eficaz de
problematizar e revisar a nossa práxis educativa.
Em relação aos temas tratados nessa unidade o projeto pode estar
voltado a desvendar os signos da cultura indígena e africana presente em
obras de arte brasileira e afro-brasileira. Igualmente pode-se ampliar o espectro
de análise e buscar estas mesmas relações na dança, na música, na moda etc.
Possibilidades interdisciplinares através do estabelecimento de parceria com
outros professores como os de história e literatura podem potenciar o
desenvolvimento do projeto.
O projeto também pode transcorrer sobre a simbologia da religião de
culto dos educandos, de maneira que possam refletir, debater e produzir sobre
suas próprias experiências religiosas.
Em um projeto que envolva arte é importante não só a contextualização
e historia da produção estudada, como também é necessário problematizar o
processo de criação individual, de maneira que cada aluno possa refletir sobre
suas escolhas, materiais, cores, formas, linhas texturas e temas.
34
A estética do cotidiano também é algo muito interessante de se trabalhar
na perspectiva da cultura brasileira e afro-brasileira, de modo que os alunos
podem estabelecer relações entre o seu cotidiano (religiosidade, culinária,
festejos, música, objetos, oralidade etc.) e as culturas africanas e indígenas.
É importante lembrar que tanto as culturas indígenas como as africanas
são múltiplas e diversas, portanto, quando estudadas devem estar bem
contextualizadas para evitar as generalizações e os consequentes estereótipos
e preconceitos.
1.6 RESUMO DO CAPÍTULO
Para entendermos a diversidade cultural na qual vivemos é preciso
primeiro entender o que é cultura. Para facilitar nosso entendimento da
dinâmica cultural podemos dividir a cultura em três grandes blocos: cultura
popular, cultura de massa e cultura dominante. No entanto, temos que ser
consciente que estes conceitos não são estanques e que estão em constante
negociação. Nesse sentido, Nestor García Canclini (2003) propõe o conceito
de culturas híbridas em que elementos da cultura popular, culta e de massa se
misturam constantemente para resultar em novas manifestações culturais.
Antes de pensar em cultura, arte indígena e arte afro-brasileira é
necessário construir um novo conceito de arte, um conceito plural que assuma
as mais diferentes poéticas. Não podemos ficar restritos ao que vemos nos
museus e outras instituições culturais, é importante abrir os olhos e expandir os
horizontes.
Tanto as artes indígenas quanto as artes africanas tradicionais são
criadas a partir de uma outra perspectiva, diferente daquela que utilizamos
para identificar o que é e o que não é arte. Nessas culturas, o objeto artístico é
também artefato, e o estético acompanha o utilitário, tal como nas peças de
design. Eles não criam objetos estéticos para exclusiva contemplação, são
outros fins, religiosos ou cotidianos que mobilizam essas criações.
35
As tribos indígenas são muitas e temos que ter o cuidado de não reduzir
as produções culturais indígenas à arte plumária por exemplo, até mesmo
porque tem tribos que nem trabalham com este material, enquanto outras são
especialistas nele. As generalizações e os reducionismos resultam em
estereótipos e miradas parciais que na tentativa de ver o todo, acaba vendo o
nada. Portanto, ao trabalharmos com as artes indígenas temos que ter
consciência da sua amplitude para promover um estudo investigativo e
experimental no qual os alunos se envolvam, aprendam e entendam o que os
aproxima e o que os diferencia da cultura estudada.
Do mesmo modo que na cultura indígena a arte africana não pode estar
submetida a generalizações, até mesmo porque a África é um continente de
proporções gigantescas e portanto não podemos reduzir sua arte a uma ou
duas manifestações mais famosas. Além disso, temos que ter claro ao
estudarmos arte africana se estamos falando da arte tradicional ou da arte
contemporânea, porque a África assim como o Brasil tem história e nesse
processo os objetos e objetivos mudam com o tempo.
A arte afro-brasileira não é fácil de definir e não está relacionada
diretamente à descendência dos seus produtores, vai além da genética e
abarca a intenção de criar poéticas a partir de elementos estéticos da cultura
negra. Devemos conhecer seus principais nomes, mas ao mesmo tempo estar
atentos a outras produções que também carreguem esta intenção e possibilitar
aos alunos a construção desse olhar atento e crítico, que reconhece e valoriza
a cultura a que pertence.
A legislação brasileira prevê a obrigatoriedade do estudo da história e
cultura africana, afro-brasileira e indígena tanto na educação pública como na
privada. São os professores de história, literatura e artes os principais
responsáveis por estes temas e, portanto, nós arte/educadores devemos estar
preparados para trabalhar com os mesmos. Para isso, é importante seguir uma
formação continuada e se manter atualizado seguindo publicações impressas
ou digitais. A Internet é hoje uma grande ferramenta que pode nos auxiliar, mas
temos que ter um olhar crítico para saber se o material que utilizamos cristaliza
ou não estereótipos e preconceitos.
36
Arte e cultura são temas instigantes mas nem por isso simples, para
realizar um bom trabalho é importante pesquisar sobre eles e nesse sentido,
nada melhor que trabalhar com projetos com os alunos. Essa metodologia
promove o comprometimento e instiga a curiosidade e, se bem encaminhado,
pode resultar em excelentes produções artísticas e ainda envolver boa parte da
comunidade escolar.
1.7 EXERCÍCIOS DE ESTUDO
1. Em pequenos grupos ou com toda a turma elabore e
execute um projeto sobre arte indígena, arte africana ou arte
afro-brasileira, vocês decidem o tema e como trabalhar. O
projeto deve contemplar pesquisa, experimentação artística e extensão.
Considere as seguintes etapas para a sua realização:
a) determinar em consenso com o grupo a temática e os princípios
norteadores;
b) definir as etapas e os papéis de cada um no grupo, a fim de planejar e
organizar as ações a serem desenvolvidas: temática, cronograma,
procedimentos, critérios de avaliação etc;
c) utilizar as tecnologias da informação e comunicação (TIC) para
organizar e socializar a informação; atualmente existem inúmeras plataformas
para que a comunicação e o intercâmbio de informações seja efetivo, como por
exemplo: Moodle, Google Groups, Facebook, Wikispaces, Blogger, Wordpress
entre outros;
d) decidir o(s) suporte(s) e tema(s) para a experimentação artística;
e) fazer o fechamento do projeto com a apresentação final que pode ser
uma exposição, elaboração de uma revista ou livro, uma performance ou
apresentação teatral, um vídeo entre inúmeras outras possibilidades.
2. Crie um portfólio individual para registrar todo o processo de criação e
produção desenvolvido no projeto.
37
1.8 REFERÊNCIAS
AGUILAR, Nelson (org.). Arte afro-brasileira. Mostra do Redescobrimento. São Paulo: Fundação Bienal: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000.
AMADO, Jorge. Jubiabá. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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40
OBJETIVOS
• Compreender e interpretar os
conceitos de patrimônio cultural
e bens culturais de caráter
material e imaterial;
• conhecer o papel que os
modernistas no processo de
valorização do patrimônio
cultural nacional, em especial
em relação à cultura popular;
• entender o que são cultura e
arte popular e conhecer alguns dos artistas populares brasileiros;
• refletir sobre as orientações dadas pela Educação Patrimonial na
tentativa de aplica-las ao ensino de arte;
• relacionar a metodologia da Educação Patrimonial com a Proposta
Triangular para o ensino da arte.
SEMINÁRIOS DE DOCÊNCIA EM
ARTES VISUAIS
2. MOSAICO CULTURAL
BRASILEIRO
UNIDADE
LEITURAS PRÉVIAS BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009.
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41
2.1 INTRODUÇÃO
Quando falamos de patrimônio cultural a diferença valorativa entre
cultura dominante e cultura popular, que geralmente desemboca no
entendimento da primeira como a “boa e verdadeira” cultura, perde sentido. No
âmbito do patrimônio, como deveria ser em todos os demais âmbitos, todas as
referências culturais têm o mesmo valor, sem espaço para classificações como
melhor ou pior, alta e baixa etc.
Não se trata, no entanto, de cair no relativismo do tudo vale, ou ainda,
de desprezar as referências da cultura dominante. Os cânones da cultura
hegemônica, além da beleza estética que podem ou não possuir, são
importantes para entender o contexto histórico em que se estabeleceram. Além
disso, as consideradas obras-primas do patrimônio artístico, que sempre ou
quase sempre estão vinculadas à cultura dominante, não só nos permitem
entender a ideologia que vigorava na época em que foram produzidas e/ou
selecionadas para pertencer do patrimônio nacional, como também são em
muitos casos a referência de produções da cultura popular. De todos os
modos, o movimento contrário também ocorre com frequência, ou seja, a
cultura dominante também busca muitas vezes na cultura popular as suas
referências.
Portanto, pensar a cultura sem classificá-la em categorias estáticas,
entendendo-a partir do conceito de hibridação de Canclini (2003), discutido no
capítulo anterior, nos permite perceber melhor a questão do patrimônio cultural
e dos bens culturais.
No âmbito das artes, devemos seguir a mesma linha de pensamento
que embasa o conceito de patrimônio cultural e deixar de lado as
diferenciações com caráter de valor entre arte culta e popular. Como
educadores de arte, é nossa responsabilidade referenciar as diferentes
manifestações culturais, sejam elas da cultura hegemônica, popular ou de
massa, contextualizando-as, no sentido de mostrar aos educandos onde
repousa o valor e o significado de cada uma delas, não deixando espaço para
o preconceito e o menosprezo.
42
Para entender então o que é patrimônio cultural, veremos como o
mesmo é definido a partir da legislação e o que pertence à esse conceito. Os
modernistas foram fundamentais para o entendimento que hoje temos do que
significa patrimônio cultural, portanto, estudaremos também qual foi o papel
desses intelectuais e artistas na valorização da cultura popular.
A partir da cultura popular nos centraremos na arte popular brasileira,
para conhecer suas características e alguns dos seus inúmeros
representantes. Como há muita confusão entre o que é arte popular e o que é
arte naïf, também veremos que afinidades e diferenças existem entre ambos
termos.
No intuito de proteger e preservar o patrimônio cultural no âmbito da
educação estabeleceu-se o que se conhece como “Educação Patrimonial”.
Essa proposta educativa, que deve ser continuada e interdisciplinar, é
entendida como uma prática social que busca a autonomia das diferentes
comunidades ou grupos sociais afim de cuidar e valorizar o próprio patrimônio
material e/ou imaterial. Seus preceitos estão embasados processo de reflexão
participativa e no desenvolvimento do sentimento de pertencimento.
A Proposta Triangular é uma perspectiva de ensino de arte muito
interessante para trabalhar não só a obra de arte institucionalizada, mas
também para estudar outras manifestações culturais. Nesse sentido, relacionar
o que propõe a Educação Patrimonial e os pilares que sustentam a Proposta
Triangular mostra-se como uma interessante abordagem para se trabalhar arte
e cultura em sala de aula.
Entender como podemos utilizar as orientações da Educação
Patrimonial vinculadas à Proposta Triangular no ensino de arte é o desafio
desse capítulo.
2.2 O QUE É PATRIMÔNIO CULTURAL
Como vimos na unidade anterior, cultura é um termo complexo que
abarca uma multiplicidade de manifestações. Entre essas manifestações estão
43
os bens culturais que compõem o patrimônio cultural material e imaterial de
uma determinada sociedade.
De acordo com a Constituição Brasileira, artigo 216:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Carnaval do Rio de Janeiro, RJ Fonte: http://www.sambadrome.com/ O carnaval do Rio de Janeiro é um bom exemplo para entender a diferença entre patrimônio material e imaterial. O complexo arquitetônico do Sambódromo –oficialmente denominado “Passarela do samba” ou “Avenida dos Desfiles”– criado por Oscar Niemeyer é um espaço que pertence ao patrimônio cultural material do Brasil que foi tombado pelo INEPAC em 1994. Por outro lado, o samba-enredo é, juntamente com o partido-alto e o samba de terreiro, uma das matrizes do samba do Rio de Janeiro, registradas como patrimônio cultural imaterial no Livro das Formas de Expressão em 2007.
44
A partir do texto constitucional podemos entender o conceito de bem
cultural como algo definido tanto pela sua utilidade pública como pelo seu valor
simbólico que interessa à memória, a identidade individual e coletiva (VIVES,
2007). Os bens culturais integram-se ao patrimônio cultural material e imaterial
de uma sociedade, abarcando tanto as infraestruturas de guarda e
conservação desse patrimônio, como as criações tangíveis e intangíveis da
cultura popular ou da indústria cultural.
Conforme a Agenda 21 da Cultura:
A adequada valoração econômica da criação e difusão dos bens culturais –de carácter amador ou profissional, artesanal ou industrial, individual e coletivo– converte-se, no mundo contemporâneo, num fator decisivo de emancipação, de garantia da diversidade e, portanto, numa conquista do direito democrático dos povos a afirmar as suas identidades nas relações entre as culturas. (CGLU, 2004)
É necessário, portanto, conhecer e entender o significado de bem
cultural, uma vez que este conceito –como nos mostra o citado documento–
tem adquirido especial relevância no âmbito das políticas culturais, as quais
têm-se preocupado cada vez mais em garantir tanto o acesso como a
produção desses bens a toda sociedade, dentro de uma perspectiva de
inclusão sociocultural.
O conjunto de bens que constituem a nossa cultura é o nosso patrimônio
cultural, algo que nos caracteriza e enriquece como povo. O patrimônio cultural
está presente em todos os espaços e ações que fazem parte do nosso
cotidiano, formando as identidades e determinando os valores de uma
sociedade. Esse patrimônio se apresenta através de bens culturais materiais e
imateriais.
Os bens materiais dividem-se em dois grupos: bens móveis, relativo à
produção pictórica, escultórica, ritual, mobiliária, utilitária; e bens imóveis,
referindo-se às edificações arquitetônicas e seu entorno.
Os bens culturais de natureza imaterial, no entanto, são mais difíceis de
classificar posto que possuem um caráter dinâmico e processual, cuja
percepção está vinculada à ação humana. Sob essa perspectiva são
classificados como bens imateriais as formas de expressão, os modos de criar,
fazer e viver de um grupo social (BRASIL, 2010). A importância do patrimônio
45
cultural imaterial não reside na manifestação em si, mas sim no acervo de
conhecimentos e técnicas que se transmitem de geração a geração, estando
vinculado aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas e aos modos de
ser das pessoas. Desta forma, podem ser considerados bem culturais
imateriais: manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas,
rituais, festas, receitas culinárias, técnicas artesanais e de manejo ambiental
etc.
Enquanto que para o patrimônio material um dos instrumentos de
salvaguarda utilizados é o tombamento, para o patrimônio cultural imaterial o
Carnaval de Olinda, PE Fonte da imagem: betaniacaneca.blogspot.com O das ruas de Olinda, Pernambuco, é outro bom exemplo para entender a diferença entre patrimônio material e imaterial. A cidade de Olinda foi declarada pela ONU, em 1982, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade. Em suas ruas há inúmeros bens imóveis tombados como patrimônio cultural material. Por outro lado, o carnaval com bonecos gigantes que desfilam todos anos por suas ruas fazem parte do patrimônio imaterial do Estado de Pernambuco em 2009. Sendo que o Frevo foi inscrito no Livro das Formas de Expressão em 2007.
46
instrumento de proteção é o inventário e o registro de referências culturais, ou
seja, um levantamento dos bens culturais de determinado lugar ou grupo
social, para conhecer suas características e o porquê da sua importância neste
contexto. As etapas de um inventário realizado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) compreendem o levantamento
preliminar, a identificação e mapeamento das referências culturais relevantes e
finalmente em uma descrição profundamente documentada (fotografias,
vídeos, gravações sonoras, mapas, referências bibliográficas etc.). O inventário
é, portanto, um documento fundamental no registro das diferentes
manifestações culturais. Contribuindo também para a educação, posto que as
informações inventariadas podem ser trabalhadas em sala de aula em seus
mais diversos âmbitos, não restringindo-se à arte e a história. Cabe destacar,
que existem categorias para classificar os diferentes bens culturais: lugares,
objetos, celebrações, formas de expressão, modos de fazer e saberes.
No entanto, temos que ser conscientes de que, apesar dos instrumentos
de salvaguarda utilizados pelas políticas de proteção e preservação cultural, as
comunidades tem grande responsabilidade na preservação e proteção dos
seus valores culturais, posto que o cuidado desses valores depende do
interesse da própria comunidade em garantir a continuidade das suas
manifestações culturais, num exercício pleno da memória e da cidadania. Para
preservar o patrimônio cultural é preciso primeiro conhecer, para então
valorizar. A educação (formal, não-formal e informal) possui um importante
papel no processo de conhecer, valorizar e proteger os nossos bens culturais.
2.3 OS MODERNISTAS E O PATRIMÔNIO CULTURAL
O intelectual e poeta paulistano Mário de Andrade (1893-1945), um dos
articuladores da Semana de Arte Moderna de 1922, é um dos responsáveis
pelo conceito de patrimônio cultural que atualmente vigora no Estado brasileiro.
47
Mário de Andrade foi o primeiro
Diretor do Departamento Municipal de
Cultura da cidade de São Paulo, em 1935,
sendo o coordenador de várias atividades
culturais como a criação das Bibliotecas
Circulante e Infantil, a organização da
Sociedade de Etnologia e Folclore e a
realização do Congresso de Língua
Nacional Cantada (PINHEIRO, 2006).
Em 1936, Mário foi encarregado pelo ministro da Educação e Saúde
Gustavo Capanema para elaborar o anteprojeto para a criação do então
Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (hoje IPHAN). Nesse documento, o
intelectual afirmava que o patrimônio cultural brasileiro ia muito além dos
monumentos e obras de arte, preocupando-se em conceituar o patrimônio de
uma maneira mais abrangente na qual cabia, por exemplo, o conceito de
cultura popular. Não obstante, o Decreto-lei nº 25 de 1937, privilegiaria os
bens materiais, valorizando o tombamento de obras únicas e excepcionais,
remarcando assim a ideia de patrimônio como “obra de arte”. Seria somente
com a constituição de 1988, que o Patrimônio Cultural seria entendido de modo
mais amplo, abarcando tanto os seus aspectos materiais como imateriais.
Na verdade, os modernistas revolucionaram o mundo da arte e da
cultura do país. No dilema entre atualizar as linguagens estéticas do Brasil –
colocando-as em contato com as vanguardas europeias– e criar uma arte
brasileira autônoma (MITIDIERI, PIANOWSKI e SANTOS, 2013). Criadores do
movimento antropofágico, no qual o conceito de “antropofagia” transforma-se
na metáfora do processo de formação da cultura brasileira, os modernistas
tornam-se o primeiro coletivo a favor de um espírito novo e moderno no âmbito
das artes. Em 1928, o escritor Oswald de Andrade (1890-1954), considerado o
maior entusiasta do movimento, plasmaria essas ideias no Manifesto
Antropófago.
Mário de Andrade Fonte: http://vejasp.abril.com.br/materia/sao-paulo-dos-modernistas
48
Abapuru, Tarsila do Amaral, óleo sobre tela, 1928. Fonte: http://www.tarsiladoamaral.com.br Com esse quadro cujo título em tupi-guarani significa “homem que come homem”, Tarsila presenteia o então marido Oswald de Andrade, que nele inspira o Manifesto antropófago. "Uma figura solitária, monstruosa, pés imensos, sentada numa planície verde, o braço dobrado num joelho, a mão sustentando a peso-pena da ‘cabecinha-minúscula’. Em frente, ‘um cacto explodindo numa flor absurda’. Quando uma de suas amigas diz que suas pinturas antropofágicas lembravam-lhe pesadelos, Tarsila então identifica a origem de sua pintura desta fase: “Só então compreendi eu mesma que havia realizado imagens subconscientes, sugeridas por histórias que ouvira quando em criança, contadas no hora de dormir pelas velhas negras da fazenda. Segui apenas numa inspiração, sem nunca prever os seus resultados.” Aquela figura monstruosa, de pés enormes, plantados no chão brasileiro ao lado de um cacto, sugeriu a Oswald de Andrade a ideia da terra, do homem nativo, selvagem, antropófago... (AZEVEDO, 2005, p. 23)"
49
A partir do movimento modernista, inicia-se a valorização da cultura
popular e do folclore, da arte indígena e da arte afro-brasileira. Na intenção de
romper com a estética parnasiana, com os modelos importados e com a ideia
de “arte pela arte”, os artistas e intelectuais pertencentes ao movimento
passam a buscar na diversidade cultural brasileira as matrizes da identidade
nacional e suas manifestações. A cultura popular e as formas de expressão, os
modos de criar, fazer e viver dos brasileiros passam a ser pesquisados e se
transformam em tema das obras artísticas, nas quais encontramos elementos
das vanguardas históricas europeias.
Cabe destacar, que apesar da Semana de 22 significar a renovação das
artes no país, ela não é um fato isolado, e é preciso retornar uma década para
saber que já havia a necessidade de atualização das artes e a busca por uma
identidade nacional que estivesse voltada para as raízes culturais do país.
Os antecedentes, que pertencem ao período heroico do Modernismo
Brasileiro, foram no âmbito literário as obras de Mário e Oswald de Andrade e
Menotti Del Picchia e no âmbito das artes visuais as exposições dos pintores
Lasar Segall (1891-1957), em 1913, que apresenta uma obra com forte
influência do expressionismo alemão; e Anita Malfatti (1889-1964), em 1917;
essa última exposição foi um evento polêmico que chocou a conservadora
sociedade paulista e teve como reação o artigo “Paranoia ou mistificação?” no
qual Monteiro Lobato fez uma dura crítica às obras da pintora. Esse artigo seria
responsável por gerar uma grande polêmica no mundo das artes e por instigar
os jovens artistas e intelectuais a romperem com o conservadorismo que
imperava e a organizarem-se a fim de promover a arte moderna nacional. A
chegada da Itália, em 1920, do escultor Victor Brecheret (1894-1955) com suas
figuras estilizadas e monumentais, também causaria grande impacto no grupo
de jovens artista.
50
A Semana de Arte Moderna de 1922, inserida nas atividades de
comemoração da Independência do Brasil, aconteceu no período de 13 a 18 de
Tropical, Anita Malfatti, óleo sobre tela, 1916. Nessa obra Anita mostra a miscigenação brasileira pintando uma mulata em um cenário tropical e agrário, onde os amarelos e laranjas contrastados do verde exuberante predominam. O título primitivo da obra era “Negra baiana” e tinha o objetivo de intervir no debate sobre o nacionalismo na arte brasileira . Em Tropical a necessidade de abarcar questões raciais e culturais obrigou a Malfatti a “refrear seu ímpeto expressivo cubo-futurista. Fez com que ela recuasse de seu experimentalismo e buscasse criar uma mescla possível entre certas soluções formais conseguidas junto aos movimentos de vanguarda e a tradição pictórica anterior a eles.” (CHIARELLI, 2008, p. 187) “Em Tropical, Anita também “antevê” uma outra questão de suma importância ligada ao nacionalismo a ser abordada posteriormente pelos modernistas: o brasileiro. Sua identidade, sua formação étnica e, portanto, cultural. Aqui, ao invés da clássica e acadêmica figura do nobre branco, caucasiano (rompendo e indo contra a concepção da elite cultural financeira de ideal segundo uma visão europeia), retrata-se uma mulher tipicamente brasileira, notadamente de pele escura (uma clara alusão às origens e raízes do povo brasileiro: a miscigenação entre negros, brancos e índios, que compõem os elementos étnicos básicos e fundamentais de sua formação), posta aqui deliberadamente distante da concepção do imaginário da elite cultural e financeira que por anos a fio impôs e praticou tal visão que se tinha do ideal europeu (visão elitista do erudito).” (CONTIER, NISHITANI e DIAS, 2005)
51
fevereiro de 1922. Entre os artistas que participaram do festival com exposição
de aproximadamente 100 obras de artes plásticas e sessões noturnas de
literatura e música no Teatro Municipal de São Paulo, destacam-se: os pintores
Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, John Graz, Vicente do Rego Monteiro,
Zina Aita; o escultor Victor Brecheret; os escritores Graça Aranha, Guilherme
de Almeida, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald
de Andrade, Renato de Almeida, Ronald de Carvalho e Tácito de Almeida e
Manuel Bandeira. Pensada e patrocinada por Paulo Prado, embalada por
composições musicais de Debussy e Villa-Lobos, nas interpretações de
Guiomar Novaes e Hernani Braga.
2.4 CULTURA E ARTE POPULAR
Os modernistas foram os responsáveis por despertar o interesse pela
produção de origem popular em seus mais diversos âmbitos. No entanto,
quase um século antes, os românticos, militantes da abolição da escravatura,
Para saber mais sobre arte moderna brasileira, Assista: Viajando pelo Modernismo: aspectos da cultura brasileira. http://youtu.be/pO4t9UmF2us Semana da Arte Moderna, 90 anos <http://www.youtube.com/watch?v=wYE6guySbm8&feature=related>. Escute: O samba-enredo Paulicéia desvairada: 70 anos de modernismo (1992), Escola de Samba Estácio de Sá http://www.youtube.com/watch?v=znjle7mZ2CU Visite: Tarsila do Amaral http://www.tarsiladoamaral.com.br Cândido Portinari http://www.portinari.org.br Di Cavalcanti http://www.dicavalcanti.com.br Victor Brecheret http://www.victor.brecheret.nom.br
52
já manifestavam o interesse pelas raízes culturais populares, em especial ao
universo relacionado à cultura negra e indígena, que apresentavam como
idealizada e com intenção recuperadora.
Mas o que entendemos como cultura popular? Antes de estudar a arte
popular e suas diversas manifestações é preciso conhecer as diversas facetas
que compõem o conceito de cultura popular e saber com qual delas ficamos
para pensar a arte nesse âmbito.
2.4.1 Cultura popular
Como vimos na primeira unidade deste livro, de modo geral, os valores
tradicionais de um povo expresso por bens materiais e/ou imateriais compõem
a cultura popular. Ao longo da história este conceito foi utilizado em diferentes
contextos nos quais havia interesses particulares, juízos de valor, idealizações,
homogeneizações e disputas (ABREU, 2003), de modo que o conceito de
cultura popular se mostra como algo bastante controvertido, sendo difícil
determinar seus limites. Como afirma a historiadora Lélia Frota (1976):
Hoje, a conceituação de uma arte popular, por oposição a uma arte erudita, constitui objeto de inúmeras especulações. Há quem considere a arte popular como uma forma de contracultura em relação à erudita, e há os que a definem, no extremo oposto, como uma imitação rústica dos modelos acadêmicos. Há os que a julgam um potencial de expressão quantitativa, onde se poderá interferir visando unicamente aumento de produção, sem atentar para que a não-consideração dos aspectos culturais acarretará
Para saber mais sobre cultura e arte popular, Visite:
Museu Casa do Pontal http://www.museucasadopontal.com.br/ Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular http://www.cnfcp.gov.br/ Arte Popular do Brasil artepopularbrasil.blogspot.com Arte Popular Brasileira http://www.popular.art.br/ Assista:
Tecendo o saber http://www.youtube.com/watch?v=LnQwbWr0XUM
53
fatalmente a descaracterização da sua identidade verdadeira, e consequente perda de uma qualidade fundamental exigida pelo seu mercado. E, finalmente, os que imaginam as artes populares como inalteráveis através dos tempos, testemunho a manter de extintas idades áureas, numa visão purista.
Alguns pensam a cultura como algo puro e autônomo, relacionado ao
folclores e às tradições, para outros, ela já não existe porque se perdeu com a
pressão da cultura de massa. Por outro lado, ainda podemos compreender
cultura popular como algo que vem do povo, nesse caso, o termo que é usado
para julgar as coisas e valorizá-las positivamente –“Zeca Pagodinho é um
sucesso popular”– ou negativamente –“o pagode é popular demais”. Enquanto
a primeira valoração está relacionada aos interesses da indústria cultural e a
cultura de massa, a última está subordinada ao gosto da cultura hegemônica,
elitista e dominante, que tenta remarcar os limites que a definem.
No entanto, o conceito de cultura nos facilita na hora de estudar e
pensar determinadas manifestações culturais, sem perder de vista que este
conceito também constrói identidades e possui uma história, e que, portanto,
deve ser visto em perspectiva em um determinado contexto auxiliando-nos no
entendimento da complexa e multifacetada realidade social e cultural (ABREU,
2003).
2.4.2 Arte popular brasileira
A arte reconhecida como popular está relacionada à
produção/manifestação artística realizada por pessoas que, sem ter
frequentado a academia, realizam trabalhos de reconhecido valor estético e
artístico. Essas produções/manifestações estão associadas a fazeres e
práticas tradicionais de pequenas comunidades, e refletem suas origens,
culturas, histórias e crenças. A diversidade da arte popular é, portanto, uma
das suas principais características visto que está intrinsecamente relacionada
ao imaginário social e cultural a que pertence, assim como às características
ambientais onde se encontram. Cabe destacar que a arte popular,
apresenta uma ampla diversidade de matérias-primas e de técnicas aplicadas em seu processamento. Os artistas empregam – às vezes, simultaneamente – métodos simples associados a procedimentos complexos, o que configura um campo dinâmico, marcado por experimentações e pelo uso de materiais alternativos, em alguns casos
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orgânicos e de baixo custo. Nessa produção, a criatividade não está necessariamente ligada a profundas informações de técnicas e à destreza nos modos de fazer; autores que pouco dominam os materiais que utilizam convivem com artistas que são exímios conhecedores da madeira, seus cortes e diferentes possibilidades de emprego, ou das etapas de processamento da argila. Alguns se aprofundam nessa relação e nas possibilidades de uso de determinados materiais, fazem experimentações e descobrem caminhos próprios. Outros se mantêm fiéis às técnicas aprendidas no ambiente familiar ou comunitário, reproduzindo na atualidade formas de fazer cujas origens se perdem no tempo. (MUSEU CASA DO PONTAL, 2008, p.19).
A arte popular brasileira apresenta-se então com um complexo mosaico
de técnicas, temas e estilos em profunda ligação as comunidades que
pertencem e prenhes de sensibilidade estética.
Os temas presentes na arte popular brasileira estão relacionados com a
vida social, e retratam a religião, os costumes, as festas, as brincadeiras, o
trabalho, o ambiente etc. Em grande medida, a temática está vinculada ao
tempo presente de quem a realiza e, nesse sentido, sua interpretação pode ser
um caminho para entender a realidade social das comunidades tradicionais e
sua percepção do mundo em relação a questão do gênero, do trabalho, da
justiça, da religião, da ocupação do espaço etc.
Os materiais, do mesmo modo que os temas, são muito variados e
mantêm íntima relação com o espaço natural e geográfico onde se localizam.
Entre a vasta gama de materiais que compõe as obras de arte popular
brasileira estão a areia, o barro, a madeira, o tecido, a palha, o metal e a pedra.
As técnicas também são diversas e encontramos, por exemplo:
xilogravura, entalhe em madeira e pedra, cerâmica, pintura, vestuário etc.
A cerâmica, dividida em utilitária e figurativa, é uma das formas de arte
popular mais desenvolvidas no Brasil. Presente em todo território brasileiro,
destacando-se os Estados do Pará, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,
Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina na produção
de cerâmica figurativa; nos demais estados a cerâmica produzida é
predominantemente de tipo utilitário (potes, panelas, vasos etc.)
A argila e o barro são as principais matérias-primas da cerâmica,
tratam-se de materiais muito comuns devido a facilidade em serem modelados
com as próprias mãos, sem a necessidade de utensílios especiais.
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Encontramos as raízes da nossa produção em cerâmica na cultura indígena,
africana e portuguesa.
A chamada “cerâmica figurativa popular brasileira” destaca-se nesse
panorama por apresentar uma grande importância temática, estilística,
simbólica e estética. São muitos os artistas que produzem peças figurativas em
cerâmica, com a presença significativa de mulheres na sua elaboração. Entre
os muitos produtores de cerâmica figurativa no Brasil destacam-se Mestre
Vitalino (Pernambuco, 1909-1963), Zé Caboclo (Pernambuco, 1921-1973),
Ulisses Pereira Chaves (1924-2006), Mestre Galdino (Pernambuco, 1928-
1996), Tota (1932-2003), Mestre Nuca (Pernambuco,1937), Fábio Smith
(Paraíba, 1952), João das Alagoas (Alagoas, Isabel Mendes da Cunha (Minas
Gerais, 1928) e as mulheres: Zezinha (Minas Gerais,1968), Ana das Carrancas
(Pernambuco, 1923-2008) e Noemisa (Minas Gerais, 1947), para citar apenas
alguns.
O pernambucano Vitalino Pereira dos
Santos, conhecido como Mestre Vitalino, é
considerado uma dos maiores mestres da
arte popular brasileira. Sua relação com o
barro começou ainda na infância através de
sua mãe que era lavradora e artesã. Aos seis
anos ele já brincava com os restos de barro e
criava pequenos animais, que depois seriam
vendidos na feira contribuindo assim para a
renda familiar. Sua vida, como a de inúmeros
nordestinos, foi humilde, sem condições de
frequentar a escola para poder ajudar a
família na lavoura e assim garantir seu
sustento.
Com quase quarenta anos, Vitalino decide-se mudar do sítio em
Campos para o Alto do Moura, a sete quilômetros da cidade de Caruaru. Seria
aqui onde sua obra seria reconhecida, destacando-se no cenário da arte
popular brasileira. No final dos anos quarenta, sua obra cai no gosto da elite
Mestre Vitalino em Caruaru, Pernambuco. Foto: Pierre Verger, 1947 Fonte: http://artepopularbrasil.blogspot.com.es/search/label/Mestre%20Vitalino
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cultural e ganha notoriedade ao participar, em 1947, da Exposição de
Cerâmica Popular Pernambucana no Rio de Janeiro, dois anos depois teria sua
obra exposta no MASP. Sua obra marcou a cultura do Alto do Moura e inspira
gerações de artistas tanto ali como em outras localidade do Brasil. Desde de
1971, sua antiga residência abriga a Casa-Museu Mestre Vitalino. Apesar do
seu reconhecimento nacional e internacional como um grande ceramista,
morreu de varíola, esquecido e em extrema pobreza em 1963.
Para a pesquisadora Lélia Coelho Frota (1988), Mestre Vitalino
representa o principal agente de renovação visual da região, pois a partir de
um estilo pessoal bem definido criou peças com motivos e expressividade
particulares. O artista é o responsável por ter transformado o Alto do Moura em
uma referência nacional na produção de cerâmica e em ser reconhecido pela
UNESCO como um dos mais importantes centros de cerâmica figurativa das
Américas.
Noivos, Mestre Vitalino, s.d. Fonte:http://artepopularbrasil.blogspot.com.es/search/label/Mestre%20Vitalino “Boa parte de seus trabalhos se refere aos três principais ritos de passagem: nascimento, casamento e morte. As cenas de batizados são como crônicas do cenário rural. O tema do casamento aparece com frequência, em trabalhos como Casamento no Mato, O Noivo e a Noiva. Os enterros também são composições reveladoras dos hábitos e do cotidiano da região. Comparando Enterro na Rede, Enterro no Carro de Boi e Enterro no Caixão, por exemplo, pode-se perceber a diferença de status dos mortos de acordo com o modo como são transportados.” Fonte: Enciclopédia de artes visuais Itaú Cultura, disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=4457&cd_item=2&cd_idioma=28555
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Ana Leopoldina Santos, conhecida
como Ana das Carrancas, nasceu em
Ouricuri, no Estado de Pernambuco. Filha de
mãe louçeira, aprendeu a moldar o barro
ainda criança para ajudar no sustento da
casa. Em busca de uma vida melhor, migrou
para Petrolina. Porém ali, tampouco a vida
estava fácil, nos anos sessenta a região
sofria uma crise de escassez de barro,
obrigando muitas louçeiras a buscar outras
alternativas para viver. Ana encontrou nas
margens do Rio São Francisco o barro e a
inspiração para sua arte, as carrancas típicas
da embarcações que navegam pelo rio. A
partir de então as carrancas começaram a protagonizar a produção da artistas,
são peças zoomórficas, de aspecto rústico e estilo próprio, com o detalhe de
terem os olhos vazados; uma homenagem que Ana fez ao marido, deficiente
visual.
Nas carrancas de Ana, há uma variação no material e forma, mas não perde o zoomorfismo. Há sempre em suas carrancas uma mistura de animal e homem; leão, jaguatirica, cavalo, guará e etc. Numa galeria de tipos que segue o ritmo da sua própria imaginação. Há um lento processo na transformação do seu trabalho. A exemplo dos olhos das primeiras carrancas que eram arredondados e depois foi se alongando. O cabelo, varia a forma de trabalho pra trabalho. Também notamos suas carrancas em forma de cinzeiros, vasos, mesas, barcos, numa combinação bastante original.(CENTRO DE CULTURA ANA DAS CARRANCAS, 2009)
Quando levou suas primeiras carrancas para serem vendidas na feira,
foi motivo de piada dos outros comerciantes. No entanto, não demorou muito
para que o trabalho de Ana fosse reconhecido e hoje suas peças estão em
galerias, museus e coleções particulares, tendo sido premiada e homenageada
em várias ocasiões. Atualmente parte de sua obra pode ser vista no Centro de
Cultura Ana das Carrancas em Petrolina, coordenado pelas duas filhas da
artista, Maria da Cruz e Ângela Lima, ambas ceramistas dão continuidade ao
trabalho da mãe.
Ana das Carrancas Fonte: http://anadascarrancas.wordpress.com/ana-das-carrancas/
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A xilogravura popular brasileira está relacionada à literatura de cordel
que provém do Nordeste do país. A literatura de cordel, reconhecida como
patrimônio imaterial brasileiro, é uma herança da cultura medieval ibérica,
remontando ao século XVI quando se popularizou a impressão de relatos orais
em folhas soltas. Este gênero literário entrou no Brasil por Salvador e dali
espalhou-se aos outros estados do Nordeste do país, em especial
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. As capas dos cordéis
estão geralmente estampadas com uma xilogravura que sintetiza ou que
representa uma importante cena do poema. Muitos cordelistas são também
grandes gravuristas, como por exemplo José Francisco Borges (1935),
conhecido como J. Borges e famoso por suas xilogravuras.
Carrancas, Ana das Carrancas, cerâmica. Acervo do Centro de Artes Ana das Carrancas, Petrolina-PE. Fonte: http://meuvelhochico.blogspot.com.es/search?q=ana+das+carrancas
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O pernambucano J. Borges entrou no
universo da poesia popular ainda jovem
vendendo folhetos de cordel e aprendeu a ler
e escrever para poder entendê-los. Já adulto
resolveu que iria escrever cordel e publicou
em 1964 seu primeiro folheto O Encontro de
Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina
ilustrado por Dila, José Cavalcanti Ferreira
(1937), outro importante cordelista e xilogravurista. O primeiro cordel de J.
Borges foi um êxito de venda, com mais de cinco mil exemplares vendidos em
sessenta dias.
J. Borges Fonte: artepopularbrasil.blogspot.com
Mudança de Sertanejo, J. Borges, xilogravura, s.d. Fonte: http://www.gravura.art.br/imagens/mudanca-de-sertanejo.jpg Nessa xilogravura de J. Borges podemos visualizar uma das temáticas da arte popular: os retirantes. O artista representa com humor e crítica social a realidade de muitos brasileiros obrigados a abandonar sua terra natal em busca de melhores oportunidades. A quantidade de filhos, a mulher grávida, o cachorro, a gaiola e o burro, todos são ícones dessa realidade e podemos encontrá-los também na literatura como no cinema.
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No entanto, é a xilogravura o que fez dele um artista famoso. Sem
dinheiro para pagar um ilustrador ou para pagar as chapas de zinco
habitualmente usadas para a impressão das imagens, decidiu talhar em uma
peça de madeira a capa de seu segundo trabalho Verdadeiro Avido de Frei
Damião e a partir de então passou a colocar na madeira o imaginário sertanejo:
o diabo, Lampião, prostitutas, vaqueiros, festas de São João (BURCKHARDT,
2006). Suas xilogravuras se fizeram famosas e passaram a ser tratadas com
respeito no meio acadêmico e artístico, pertencendo a diferentes coleções de
gravuras em todo o mundo. Hoje, “o estilo Borges” criou escola e abarca vários
membros da família Borges que vivem da venda de suas xilogravuras.
Os mestres mamulengueiros são
outros representantes da arte popular
brasileira. A técnica e a estética dos
mamulengos preservam-se ao longo do
tempo e se mantêm como uma tradição
popular, principalmente das zonas rurais.
Como em tantas outras manifestações artísticas da cultura popular nordestina, o Mamulengo revela de modo singular a rica expressividade do dia-a-dia do povo da região. Através dos bonecos, o povo se identifica com suas alegrias e suas tristezas, com seus temores e sua capacidade de fé, com seus tipos matreiros e seus elementos repressores, com o esmagamento de seus direitos e sua ânsia de liberdade. (SANTOS, 2007)
Os mamulengos, fantoches típicos
do nordeste, geralmente são feitos em
madeira, pano ou ainda papel-machê –
uma massa feita de papel, geralmente
jornal, embebido em água e depois
misturado com cola. Mamulengo pode ser
definido como um teatro-brincadeira na
Mamulengo Luis Bandeira, 1980 Fala, fala mamulengo Vai gracejando pra nos divertir Fala, fala mamulengo O mundo inteiro necessita sorrir }bis No teatro de mamulengo Nhem, nhem, nhem Do povão se distrair Nhem, nhem, nhem É artista bom de quengo Gente que faz mamulengo E também quem sabe rir Zé Cabide, moleque afoito Nhem, nhem, nhem Enxerido, safadão Nhem, nhem, nhem Pede a Zefa um carinho Nega me dá um tiquinho E ela diz: dou não Quem mexer com a mãe do Zé Nhem, nhem, nhem Contra quem o Zé investe Nhem, nhem, nhem Dar resposta resoluta Vou jantar você na luta Cafuçú, filho da peste Escute a interpretação de Mamulengo na voz de Luiz Gonzaga em: http://www.youtube.com/watch?v=wLOOSQcMAIk Para saber mais, Leia:
Mamulengo: o teatro de bonecos popular no Brasil de Francisco A. Santos, em http://formasanimadas.wordpress.com/2010/08/09/mamulengo-o-teatro-de-bonecos-popular-no-brasil-
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qual os bonecos são os protagonistas que falam, cantam, dançam, brigam e,
muitas vezes, morrem.
As apresentações são improvisações em cima de um roteiro e se
adaptam ao público que encontram, o qual tem uma participação ativa na
história e interage com os bonecos, dando vida e dinâmica ao espetáculo.
Cabe destacar que, como afirma Santos (2007), o seu público é o povo, seja
ele rural ou urbano, e que o público intelectual e burguês quando assiste a uma
função o faz “por curiosidade, por atitude exótica ou por seu aspecto folclórico”.
Atualmente, os mamulengos concentram-se nas zonas rurais do Estado de
Pernambuco onde os espectadores são pequenos agricultores e camponeses
que têm a liberdade de folgar, rir e se divertir brincando.
Mestre mamulengueiro Zé da Vina Fonte: http://www.sesibonecos.com.br/2010/bonecosdomundo/sinopse/mamulengueiros/ Mamulengo (PE), João Redondo (RN), Babau (PB), João Minhoca ou Briguela (SP, RJ, BA, MG, ES), Mané Gostoso (BA), Calunga (CE), Cassimiro Coco (MA, AL CE, PI). Em cada região do Brasil encontramos um mome especial para este bonecos, também conhecidos como fantoches que fazem parto imaginário popular.
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Atualmente, alguns dos mamulengueiros vivos mais importantes,
considerados mestres pelo público e pelos aprendizes são: Mestre Zé de Vina
(Glória do Goitá /PE), Mestre Luiz da Serra (Vitória e Sto. Antão/PE), Mestre
Antonino Biló (Pombos/PE), Mestre Solon (Carpina/ PE), Mestre Otílio (Caruru
/PE).
Seguindo a ideia de combinar arte com brincadeira, bastante presente
na arte popular, encontra-se a obra de Antonio Jáder Pereira dos Santos,
carinhosamente é conhecido como Dim, nascido em 1967, em Camocim,
Ceará. Dim teve uma infância rica em experiências e não só desfrutava da
companhia de sua família, muitos deles artesãos, como aproveitava da vida em
comunidade que a cidade pequena pode proporcionar e circulava livremente
pelos ateliers e oficinas dos vizinhos do Cruzeiro, seu bairro.
Nessas vivencias pode observar
atenta e cuidadosamente o trabalho dos
artesãos que o rodeavam, assim como
ajudar a mãe a confeccionar flores de tecido.
Também divertia-se com as encenações do
boi do Mestre Cambraia e com as
apresentações do mamulengueiro Zezinho
do Gás. Esse rico ambiente cultural permitiu
a Dim experimentar e vivenciar a arte e a
cultura em primeira pessoa e o instigou a
criar seus próprio mundo fantástico de
brinquedos articulados. Inspirado dos
presentes da avó e com a ajuda das ferramentas do avô carpinteiro, criou um
universo infantil próprio que o diferenciava dos demais pela capacidade de
concretizar -em objetos manipuláveis e divertidos- a sua fértil imaginação.
Seus brinquedos seduziam crianças e adultos e foram fundamentais
para a construção do seu repertório artístico polifacético e talentoso. Seu
contato com a arte se deu pelo convívio com o pintor e escultor Batista Sena,
de quem foi assistente. Na década de 80, Dim colaborou no projeto Circle
Catholique de France em Fortaleza, destinado a assistir e profissionalizar
Dim Fonte: http://2.bp.blogspot.com/_uuYukZfMbLw/Sm0VlC_WQGI/AAAAAAAABXE/yu9-w0ihcp8/s400/DSC_0557.JPG
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meninos de rua. Nessa vivência, o artista passou a encarar a confecção de
brinquedos sob a óptica da investigação artística e intensificou seu trabalho
neste sentido.
A partir de então conseguiu criar uma linguagem artística própria na qual
consegue unir o lúdico e o estético em obras que instigam a manipulação e a
interação com o espectador. Suas obras são para admirar, mas também são
para brincar, tocar, manipular e por isso atraem crianças e adultos com seu
jogo de cores e formas. Sua obra já é reconhecida nacional e
internacionalmente, está presente em várias reportagens e inúmeros blogs.
Personagens do universo lúdico de Dim Brinquedim, papel-mache, s.d. Fonte: http://www.culturainfancia.com.br/galerias/dim1/fotosmauricio064.jpg “A brincadeira sempre foi minha inspiração, porque na verdade nunca deixei de brincar, sou ainda um menino que tudo observa com admiração, ai eu canalizo este brincar e observar em meu trabalho, e a brincadeira da vida se estende nele. O mais sério da vida pra mim é o brincar, levar a vida a sério é considerar seriamente que o objetivo maior da vida é a felicidade. Um dos brinquedos que eu mais gosto é o João-teimoso, porque ele traz a idéia de persistência, de nunca desistir dos nossos ideais.” (MUSEU BRINQUEDIM, s.d)
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Além disso também foi tema de pesquisas acadêmicas, documentários e
inclusive da escola de samba carioca Acadêmicos do Cubango em 2013.
Seu trabalho pode ser visto no Museu Brinquedim, situado em
Pindoretama no Ceará. Um acervo de 500 peças estão disponíveis para serem
apreciadas: são brinquedos, esculturas e telas, de pequenas e grandes
dimensões, criadas ao longo de 40 anos.
2.4.3 ARTE NAÏF
O termo arte naïf é uma expressão que habitualmente confundimos com
arte popular, posto que ambas são entendidas como uma arte ingênua,
instintiva e original, em que os artistas são autodidatas e não possuem
formação culta. No entanto, Newton Freitas afirma que,
A pintura "naïf" se distingue da arte popular porque o artista "naïf" mostra personalidade própria e independência, enquanto o artista popular segue uma tradição de estilo bem demarcado e modelos precisos. O artista popular perpetua usos e costumes de um povo. Ele simplesmente repete obras em série, de acordo com as formas e a técnica que aprendeu.
Se, a partir dessa diferenciação entre arte naïf e arte popular, voltamos
ao item anterior e analisamos as obras de J. Borges, Mestre Vitalino e Ana das
Carrancas constatamos que as obras desses artistas também podem ser
entendidas como arte naïf sem, no entanto, deixarem de ser popular. Todos,
apesar de seguirem as técnicas tradicionais do seu entorno, inovaram o fazer
ou pela temática escolhida e/ou pela resolução estética empregada.
O termo naïf tem origem no termo nativus do latim que significa
nascente, natural, espontâneo, primitivo e foi empregado no mundo das artes
para definir as pinturas de Henri Rousseau (1844-1910), obras que a primeira
vista parecem ingênuas pela resolução técnica empregada, nas quais não há,
por exemplo, o uso científico da perspectiva e nem se respeitam as proporções
mas que, no entanto, representam uma realidade ao mesmo tempo natural e
fantasiosa. Reconhecido pelos artistas do seu tempo, a obra de Rousseau será
entendida como a expressão de um mundo exótico, puro e livre.
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No século XX, a arte naïf passa a ser reconhecida como uma
modalidade artística independente tendo representantes em todo o mundo.
Além disso, muitas das soluções empregadas pelos artistas naïf farão parte do
repertório de pintores modernos como Paul Gauguin (1848-1903), Paul Klee
(1879-1940), Marc Chagall (1887-1985) ou Wassili Kandinsky (1866-1944).
Portanto,
Se em sua origem essa modalidade é definida como aquela realizada por amadores ou autodidatas, o processo de reconhecimento e legitimação obtidos nos circuitos artísticos leva a que muitos pintores, com formação erudita, façam uso de procedimentos caros aos naïfs. Além disso, a arte naïf desenha um circuito próprio e conta com museus e galerias especializados em todo o mundo. (ITAÚ CULTURAL, 2011)
De modo que, nem todo artista popular é um artista naïf e vice-versa, no
entanto, as duas manifestações tem muitas afinidades e mais de um artista
pode ter sua obra entendida sob ambas perspectivas.
Menino com brinquedo Henri Rousseau, óleo sobre tela, 1903. Fonte: http://www.wikipaintings.org/en/henri-rousseau/child-with-a-puppet Nessa obra de Rousseau podemos ver como não há o respeito às proporções e o menino parece um gigante. A escala emocional, a falta de perspectiva, o uso de cores chapadas são algumas das características que encontramos na arte naïf.
66
2.5 PROPOSIÇÃO PEDAGÓGICA: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E O ENSINO DE ARTE
Referimo-nos a Educação Patrimonial para definir o processo de ensino
aprendizagem do ensino formal ou não-formal que tem como referência o
patrimônio cultural. Trata-se de um processo que deve ser sistemático,
continuado e interdisciplinar e/ou transdisciplinar e que trabalhe com conceitos
de cultura, identidade, memória, diversidade cultural, patrimônio etc.
associando-os à vida cotidiana;
Não se trata, portanto, de pretender imobilizar, em um tempo presente, um bem, um legado, uma tradição de nossa cultura, cujo suposto valor seja justamente a sua condição de ser anacrônico com o que se cria e o que se pensa e viva agora, ali onde aquilo está ou existe. Trata-se de buscar, na qualidade de uma sempre presente e diversa releitura daquilo que é tradicional, o feixe de relações que ele estabelece com a vida social e simbólica das pessoas de agora. O feixe de significados que a sua presença significante provoca e desafia. (BRANDÃO, 1996)
Trabalhar com Educação Patrimonial fora ou dentro da escola é
importante porque ela irá orientar os membros das próprias comunidades a
tomar às rédeas do próprio patrimônio educando-os a exigir políticas
preservacionistas e a proteger o que lhes pertence, portanto, deve ser tratada
como uma prática social, na qual os sujeitos e a comunidade reconheçam e
agreguem valor aos bens culturais de que dispõe (BRASIL, 2011).
SUGESTÕES DE LEITURA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL BRASIL. Educação patrimonial: orientações ao professor. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2011.
GRUNBERG, Evelina. Manual de atividades práticas de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, 2007.
TOLENTINO, Átila Bezerra (org). Educação patrimonial: reflexões e práticas. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2012.
ACESSE:
Educação Patrimonial – IPHAN http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=15481&retorno=paginaIphan
Blog Educação Patrimonial http://educacaopatrimonial.wordpress.com/
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A educação é o caminho para que a comunidade se aproprie dos bens
culturais que lhes pertencem. Através do processo de reflexão e do
desenvolvimento do sentimento de pertencimento e do estabelecimento de
relações afetivas somos mais capazes de cuidar daquilo é nosso.
Ao unir arte e Educação Patrimonial, estamos vinculando essa educação
à experiência estética. Para sermos professores temos que ser ativos
culturalmente, porque a cultura nos permite nos conhecer e conhecer o mundo.
Ao mesmo tempo, temos que saber desfrutar da arte para buscar nos
interstícios das diferentes poéticas o conhecimento e as múltiplas formas de
interpretar o mundo. Como afirma, Paulo Freire (2007, p. 58),
Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte no Ensino Fundamental
(BRASIL, 1997) colocam como um dos objetivos do ensino de arte:
[...] conhecer, respeitar e poder observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, identificando a existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos de diferentes grupos culturais.
De maneira que os alunos sejam capazes de:
[...] identificar, relacionar e compreender a arte como fato histórico contextualizado nas diversas culturas, conhecendo, respeitando e podendo observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, identificando a existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos de diferentes grupos culturais.
Portanto, o professor de arte é um dos responsáveis por promover na
escola uma ação educativa de valorização e preservação do patrimônio
cultural, devendo buscar nas orientações específicas da Educação Patrimonial
as relações que pode estabelecer no processo de ensino e aprendizagem de
arte.
Evelina Grunberg (2007) aponta a existência de quatro etapas na
metodologia da Educação Patrimonial: observação, registro, exploração e
apropriação.
68
Na etapa de observação se busca a percepção sensorial e simbólica,
portanto, para sua realização é necessário que os sentidos (visão, tato, olfato,
paladar e audição) sejam aguçados por meio de perguntas, experimentações,
provas, medições, jogos de adivinhação e descoberta (detetive), etc., de forma
que se explore, ao máximo, o bem cultural a ser estudado.
Na fase de registro os objetivos são a fixação do conhecimento e o
aprofundamento da observação, para isso é necessário realizar atividades
como desenhos, fotografias, maquetes, representações teatrais etc.
Com a etapa de exploração o que se pretende é a interpretação, a
análise e a crítica do bem cultural estudado. Por esse motivo é importante que
o objeto de estudo seja analisado através de atividades que promovam
discussões, questionamentos, avaliações e pesquisas (bibliotecas, arquivos,
cartórios, jornais, revistas, entrevistas com familiares e pessoas da
comunidade) de modo que o aluno possa interpretar as evidências e os
significados, desenvolvendo a competência de análise crítica e reflexiva.
Na última etapa, denominada apropriação o objetivo será a criação a
partir do que foi aprendido com o bem cultural estudado, isso pode ser
realizado utilizando-se de diversos meios de expressão (desenho, pintura,
escultura, teatro, dança, música, fotografia, poesia, textos, filmes, vídeos etc).
Com a apropriação os educandos, além da postura ativa e reflexiva exigida em
todas as etapas, também devem ter uma atitude criativa, elementos
fundamentais no processo de apropriação e valorização dos bens culturais.
Conforme Grunberg (2007, p.6), “os resultados da aplicação desta
metodologia desenvolvem atividades que levam os participantes à reflexão,
descoberta e atitude favorável a respeito da importância e valorização do
nosso Patrimônio Cultural”. Portanto, como arte/educadores devemos conhecer
esta metodologia uma vez que ela pode nos ajudar.
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2.5.1 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E PROPOSTA TRIANGULAR: TRAÇANDO PARALELOS E CRIANDO CONEXÕES
Como arte/educadores é interessante traçar um paralelo entre as quatro
etapas propostas pela metodologia da Educação Patrimonial (observação,
registro, exploração e apropriação) e as etapas propostas pela Proposta
Triangular (conhecer, apreciar e fazer arte) para conectar ambas propostas a
fim de promover um ensino de arte voltado à valorização do patrimônio cultural.
“A Proposta Triangular salientou a
importância da interpretação da arte e as
vantagens de ver e analisar as obras ao
vivo” (BARBOSA, 2009, p. 18). A partir
dessa proposta os museus passaram a ser
mais procurados por professores e alunos.
Sua difusão acabaria sendo integrada –de
maneira velada– aos PCN (1996-1997), o
que intensificou ainda mais a busca pelos
museus como espaços para a prática da
leitura da obra de arte.
A Proposta Triangular de Ana Mae
Barbosa, criada na década de 80, se
estrutura com base a três pilares: a contextualização histórica (conhecer arte),
a leitura e análise da obra de arte (apreciar arte) e a produção de arte (fazer
Ana Mae Barbosa Fonte: http://www.revistaviverbrasil.com.br/img/materias/f5749ad7e4974696d800f6a470d42446.jpg
SUGESTÕES DE LEITURA PROPOSTA TRIANGULAR BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: UNESP, 2009. BARBOSA, Ana Mae; CUNHA, Fernanda Pereira da (orgs.). A Abordagem Triangular no Ensino das Artes e Culturas Visuais. São Paulo: Cortez, 2010. BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2010.
70
arte). A sistematização dessa proposta tem influência das intensas pesquisas
de Barbosa sobre as experiências significativas de ensino de arte em especial
nas Escuelas al aire libre mexicanas, no Critical Studies inglês e no Discipline
Based Art Education – DBAE americano. Ao pensar a arte não só como
expressão, mas também como cognição a Proposta Triangular marca uma
nova postura no ensino de arte, que passa a ser entendida como parte
inseparável da cultura.
A Proposta Triangular foi inicialmente pensada para o estudo exclusivo
de obras de arte, no entanto, o objetivo do estudo aqui proposto é ampliar essa
abordagem não restringindo-nos ao conceito de obra de arte canônica e
adotando o conceito de bem cultural, muito mais amplo ao abarcar uma série
de manifestações culturais não restritas aos espaços institucionais como o
museu, mas que, ao contrário, podem ser encontradas em outros espaços
como o nosso cotidiano e que podem e devem ser trabalhadas pelo professor
de arte no ensino formal.
Se transpomos as etapas de observação, registro, exploração e
apropriação da Educação Patrimonial à Proposta Triangular temos:
CONHECER ARTE na perspectiva da Educação Patrimonial: a
contextualização da arte deve se dar através dos conhecimentos existentes
tanto dos alunos como das referência web/vídeo/bibliográficas. No entanto,
devem fazer parte dessa etapa a OBSERVAÇÃO e o REGISTRO, a primeira
para aguçar a percepção sensorial e simbólica dos alunos e a segunda para
auxiliar na fixação do conhecimento e aprofundamento da observação. Nessa
perspectiva, o estudante deve ser incentivado a empreender uma atitude
investigativa.
APRECIAR ARTE na perspectiva da Educação Patrimonial: a
apreciação estética que objetive estudar os bens culturais deve pluralizar os
pontos de vista e os ângulos de análise, para não cair na sua forma canônica
tradicional. Novos parâmetros de análise devem ser incorporados de acordo
com o bem cultural que está sendo estudado e como na etapa de
EXPLORAÇÃO o que se busca é a interpretação, a análise e a crítica do objeto
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de estudo. Além disso, é necessário tentar compreender a qualidade da arte
dentro do grupo cultural que a aceita como válida, questionando as opiniões
preconcebidas.
FAZER ARTE na perspectiva da Educação Patrimonial: A produção de
arte não deve ser uma simples reprodução de outras manifestações culturais,
caindo em uma simplificação e na cópia de padrões sem reflexão. Como na
etapa da APROPRIAÇÃO o que se pretende é desenvolver o processo criativo
a partir do conhecimento construído em todo o processo de estudo de
determinado bem cultural, portanto, trata-se de uma prática reflexiva e
contextualizada, na qual estabelecem-se conexões entre as culturas
confrontadas. Nesse sentido, o uso de materiais reciclados e de baixo custo
deve ser cuidadoso, uma vez que trabalhos feitos com materiais baratos e sem
muito esforço podem resultar em conclusões de que determinada
arte/manifestação cultural não possui muito valor.
Como podemos perceber a metodologia da Educação Patrimonial nos
ajuda a aprofundar e ampliar a Proposta Triangular permitindo que a mesma
possa ser aplicada a um repertório cultural mais amplo, que abarque todos os
bens culturais que pertencem ao patrimônio cultural brasileiro.
2.6 RESUMO DO CAPÍTULO
Pensar o ensino de arte a partir da perspectiva do patrimônio cultural é
uma boa alternativa para trabalhar com a diversidade cultural, a partir desse
enfoque rompe-se com as classificações canônicas que definem o que é bom e
o que é ruim e abre espaço para que as manifestações da cultura popular
também entrem em cena e passem a ser estudadas e valorizadas.
O conceito de patrimônio cultural é como o da própria cultura, complexo.
Nesse sentido, o texto da Constituição Brasileira, no que se refere ao tema é
esclarecedor e demonstra a amplitude do conceito que abarca bens culturais
de natureza material e imaterial englobando as formas de expressão, os modos
de criar, fazer e viver, as criações tanto científicas como artísticas e
tecnológicas, os objetos, obras e documentos artísticos-culturais e os conjuntos
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urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico. Portanto, ao pensarmos em bem cultural
estamos pensando em algo que deve ser valorizado por seu valor simbólico de
interesse à memória e à identidade individual e coletiva.
Quando pensamos em bem cultural temos que ter em conta não
somente os bens materiais: pinturas, esculturas, móveis, utensílios, edificações
arquitetônicas; mas também os bens imateriais: manifestações literárias,
musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, rituais, festas, receitas culinárias,
técnicas artesanais e de manejo ambiental.
Os modernistas foram fundamentais no processo de reconhecimento,
preservação e valorização do patrimônio cultural do Brasil, sendo Mário de
Andrade um dos principais responsáveis por este processo. Os artistas e
intelectuais desse movimento foram os responsáveis por revolucionar o
universo artístico e cultural brasileiro e através do movimento antropofágico
renovaram as artes a partir da valorização da diversidade cultural. A Semana
de Arte Moderna de 1922 foi o marco do estabelecimento do modernismo no
país.
Para estudar arte e cultura popular é importante entender que este
conceito tem os limites pouco definidos e que fatores determinados pela
indústria cultural, a cultura de massa e pela própria cultura hegemônica são
muitas vezes os determinantes desses limites.
A arte popular tem intrínseca relação com as manifestações/produções
que estão fora dos cânones, mas que no entanto apresentam reconhecido
valor estético e artístico. Estão associadas aos fazeres e às práticas
tradicionais de pequenas comunidades refletindo a identidade cultural das
mesmas.
Na arte reconhecida como popular são inúmeras as técnicas, os estilos
e os materiais e podem estar relacionados tanto com o cotidiano como com a
religiosidade ou as tradições. Essa amplitude temática e técnica requer do arte-
educador uma postura investigativa e um fazer reflexivo a fim de trabalhar este
tema com respeito e valorização. São inúmeros os artistas populares, há os já
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internacionalmente reconhecidos e aqueles que só uma pequena parcela da
população sabe que existe. É importante saber jogar com esses saberes e
trazer para a sala de aula não só os grande nomes, mas também aqueles
artistas locais, que podem vir a escola para contar pessoalmente seu devir
artístico.
A metodologia da Educação Patrimonial associada aos pilares da
Proposta Triangular pode ser uma boa forma de trabalhar este imenso universo
que é a arte e a cultura popular. Em ambas abordagens é necessário conhecer
o que está sendo estudado, realizar uma leitura crítica do objeto de estudo e
utilizar a criatividade para se apropriar desse conhecimento.
2.7 EXERCÍCIOS DE ESTUDO
1. No texto “Atolados: trupes frouxas, terras instáveis, topografias ambíguas” Irene Tourinho et. al. (2010, p.52) afirmam que:
Muitas vezes confundiu-se a contextualização da obra de arte com uma cronologia linear da história da arte. Do mesmo modo, disseminou-se a prática da “releitura da obra de arte” como um modo de propiciar aos alunos o estabelecimento da relação entre a “leitura da obra de arte” e o fazer artístico. Multiplicaram-se, assim, cópias mal feitas de reproduções de obras de arte do período moderno. Merece destaque a necessidade de que os termos releitura e leitura da obra de arte sejam assunto de discussões mais cuidadosas e críticas, em especial no ambiente de formação dos professores de artes visuais.
Pesquise o tema e defina os termos releitura e leitura da obra. Socialize suas definições e ideias no fórum. Todo o grupo deve buscar uma definição comum para ambos termos, que seja acordada entre todos. 2. Valorize a cultura popular da sua região. Sozinho ou em pequenos grupos escolha um artista ou grupo de arte popular. a) realize uma entrevista; b) observe e registre a produção artística; c) contextualize a produção no tempo e no espaço, trace relações com a produção de outros artistas populares nacionais ou internacionais; d) organize uma exposição virtual; e) faça uma leitura crítica da produção e debata com os colegas no fórum.
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3. Inspire-se nos artistas pesquisados e crie sua própria arte. Lembre-se que
pode ser material ou imaterial. Combine com os colegas e montem uma mostra
com estres trabalhos na qual todos possam participar e expor sua produção.
2.8 REFERÊNCIAS
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