373
Escola de Sociologia e Políticas Públicas Perceção dos Impactos do Turismo na Ilha da Boa Vista, Cabo Verde Edgar Alexandre da Cunha Bernardo Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Sociologia Orientador(a): Doutor José Luís Casanova, professor auxiliar, ISCTE-IUL Coorientador(a): Doutor Eduardo Moraes Sarmento, professor associado, ULHT Março, 2015

Perceção dos Impactos do Turismo na Ilha da Boa Vista, Cabo Verde

  • Upload
    utad

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Escola de Sociologia e Políticas Públicas

Perceção dos Impactos do Turismo na Ilha da Boa Vista,

Cabo Verde

Edgar Alexandre da Cunha Bernardo

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de

Doutor em Sociologia

Orientador(a):Doutor José Luís Casanova, professor auxiliar, ISCTE-IUL

Coorientador(a):Doutor Eduardo Moraes Sarmento, professor associado, ULHT

Março, 2015

Escola de Sociologia e Políticas Públicas

Perceção dos Impactos do Turismo na Ilha da Boa Vista,

Cabo Verde

Edgar Alexandre da Cunha Bernardo

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de

Doutor em Sociologia

Júri:Doutora Natália Maria Casqueira, professora auxiliar, FLUP

Doutora Maria da Graça Conceição Joaquim, professora adjunta, ESHTEDoutor João Manuel Vasconcelos, investigador auxiliar, ICS

Doutor Pedro Miguel Monteiro, professor auxiliar, ISCTE-IULDoutor José Luís Casanova, professor auxiliar, ISCTE-IUL

Doutor Eduardo Moraes Sarmento, professor associado, ULHT

Março, 2015

Agradecimentos

Foram tantas pessoas que tornaram este trabalho possível, por vezes com pequenos gestos,

algumas palavras de incentivo e apoio, ou sugestões e informações que se revelariam valiosas e

determinantes no meu percurso.

Agradeço ao Professor José Casanova, meu orientador, e ao Professor Eduardo Sarmento,

meu co-orientador pela ajuda, dedicação, apoio, correções, sugestões e incentivos que ao longo

destes anos de trabalho me deram.

Também à Professora Brígida Brito pela orientação na fase inicial desta investigação e por

me a apoiar na elaboração do primeiro projeto submetido à FCT. Com as mesmas palavras posso

igualmente agradecer ao Professor João Vasconcelos que fez despertar em mim o interesse em

avançar com o doutoramento, reacendeu a minha paixão por África, que tornou possível o meu

regresso com este trabalho.

Das inúmeras pessoas que me marcaram em Cabo Verde tenho de destacar e reconhecer a

amizade e o carinho da família Lima, o Edi e a Ana, e claro, o Gui. Das memórias que mais prezo

na Boa Vista, guardo as amizades do Gilson Fragala e sua família, do Emerson Carvalho e do

Nikson Morais. Também um carinho especial pela Naida e sua família que sempre me trataram

bem. Ainda tenho de mencionar o Ogino Almeida, Michel Ramos, Carlos Ramos, e Denise Risete.

Gente que contribuiu de forma vital na identificação de potenciais entrevistas, na recolha de obras

sobre a história da ilha e acelerou o meu processo de integração, e ainda contribuiu com dados

importantes. E ainda a Paula Gaspar pelo tempo e par de olhos extra na leitura do trabalho.

O meu apreço às ONG Turtle Foundation e Natura 2000, não só pelo acesso que me deram,

mas sobretudo pelo trabalho que realizam na Boa Vista, e pelo companheirismo e amizade de

Christian, da Eva, do Pedrine, entre outros que poderia mencionar.

Naturalmente que não me posso esquecer de toda a equipa do CIES que me ajudou e apoiou

desde o primeiro dia com dedicação e profissionalismo, e ao acolhimento institucional que

disponibilizou. Agradeço à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) por ter acreditado no meu

projeto, no seu valor e pertinência, e assim, permitido uma dedicação integral e exclusiva a esta

investigação sem preocupação de maior pelo equilíbrio financeiro e emocional da minha família

através do seu Programa de Doutoramento FCT.

As palavras finais são de dedicatória à minha família, em especial, Sílvia e Vasco. Que este

trabalho dê frutos que nos permitam seguir em frente serenos e estáveis. Amo-vos!

v

Resumo

Este trabalho debruça-se sobre o turismo, um tema que continua apartado do interesse e

dedicação que merece. Do debate em torno da definição dos seus principais conceitos, à

contextualização e resumo das principais contribuições teóricas, esta investigação cria uma

plataforma para a compreensão da importância e pertinência do estudo do turismo, na ótica da

Sociologia. Isto é particularmente relevante quando inúmeras comunidades, Estados e países se

apoiam nesta atividade com a esperança e confiança que poderá contribuir para um crescimento e

desenvolvimento económico e social. Uma esperança que olvida por vezes os impactos negativos

que consigo acarreta e que a par dos positivos, sondamos.

O foco do trabalho é a ilha da Boa Vista em Cabo Verde, contextualizada no âmbito nacional

e regional desde a sua independência em 1975. Apresentamos os indicadores referentes ao turismo e

a sua influência na agenda do arquipélago. Através da aplicação de entrevistas a residentes da ilha, e

de um inquérito aos turistas internacionais, a investigação centrou-se na recolha e análise de

perceções. Perceções dos residentes relativas à motivação dos turistas, aos impactos agregados ao

turismo, relativamente ao futuro e linhas prioritárias de correção. Já aos turistas, questionou-se o

que os trazia à ilha, como avaliavam a sua experiência e se considerariam regressar à Boa Vista.

Demonstra-se que as principais perceções motivacionais para os residentes são ambientais, à

semelhança dos resultados do inquérito aplicado aos turistas. Os impactos positivos são sobretudo

de cariz económico, os negativos, maioritariamente sociais.

O status quo é, para os residentes, um resultado direto das políticas nacionais e regionais de

turismo, tanto nos seus avanços como recuos, e molda respostas na comunidade local que vão da

resistência ao reforço. Resistência pela manifestação e protesto social, e por uma consolidação da

perceção do turismo como um processo nefasto para a ilha e sua comunidade, e particularmente

positivo para a comunidade emigrante, estrangeira, governo central e operadores. O que justifica a

preponderância de uma perceção particularmente incerta e negativa dos entrevistados relativamente

ao futuro da ilha.

Os resultados também servem para testar teorias de referência na análise ao fenómeno

turístico, confirmando-se as teorias da Troca Social, Community Attachment, e Growth Machine.

Palavras-Chave: Sociologia, Turismo, Perceções, Atitudes, Cabo Verdevi

Abstract

This paper focuses on tourism, a theme that remains departed from the interest and

dedication it deserves. Beginning debating around the definition of its main concepts, context and

summarizing the main theoretical contributions, this research creates a platform for understanding

the importance and relevance of the study of tourism, from a sociology point of view. This is

particularly relevant since many communities, states and countries rely on this activity with the

hope and confidence that it can contribute to economic growth and social development. A hope that

sometimes ignores the negative and positive impacts that tourism can entail. This issue is also

tackled in this thesis.

His focus is the island of Boa Vista in Cape Verde, contextualized in the national and

regional level since its independence in 1975. We present the indicators of tourism and its influence

in the archipelago's agenda. By applying interviews to the island's residents, and a survey to

international tourists, this investigation focuses on the collection and analysis of perceptions.

Perceptions of residents on the motivation of tourists, the aggregate impacts of tourism, the future

and priority lines towards correction of its consequences. Has for the tourists, we reveal what

brought them to the island, how they rated their experience and if they would consider returning to

Boa Vista.

It is shown that the main motivations to travel to the island for tourists are environmental

reasons. The same is perceived by the tourists. The positive impacts are mainly economic and

environmental, and the negative mostly social.

The status quo is, for residents, a direct result of national and regional tourism policies in

both their advances as setbacks, which as shaped the local community reactions, from resistance to

adaptation. Resistance through manifestation and social protest, and a consolidation of the tourism

perception as a noxious process for the island and its community, and particularly positive for the

emigrant community, foreigners, central government and operators. This justifies the preponderance

of a particularly uncertain and negative perception of the respondents regarding the future of the

island.

The results also test recurrent theories that analyze the tourist phenomenon, confirming the

Social Exchange, Community Attachment and Growth Machine theories.

Keywords: Sociology, Tourism, Perceptions, Attitudes, Cape Verde

vii

Índice de conteúdosAgradecimentos ….............................................................................................................................. vResumo .............................................................................................................................................. viAbstract ............................................................................................................................................ viiÍndice de Figuras …........................................................................................................................ ix

Índice de Quadros …......................................................................................................................… xLista de siglas e acrónimo …............................................................................................................. xiI – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos..............................................................9

1. O Turismo..................................................................................................................................102. O Turista....................................................................................................................................18

II – Abordagens ao Turismo - uma retrospetiva................................................................................231. A Abordagem Institucional e a Abordagem Técnica..................................................................242. A Abordagem Científica.............................................................................................................333. O Turista e a Autenticidade........................................................................................................42

3.1 'Alternativas' à Autenticidade de MacCannell....................................................................474. Atitude dos Residentes e Relação entre Hóspedes e Anfitriões.................................................53

4.1 Teorias Explicativas da Atitude dos Residentes..................................................................555. Consequências e Impactos do Turismo......................................................................................62

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado................................................................................691. A Modernidade e o Desenvolvimento........................................................................................712. Da Globalização à (Pós) Modernidade .....................................................................................773. Da Governação à Governança...................................................................................................814. O Turismo e a Globalização.......................................................................................................87

IV – Metodologia de Investigação......................................................................................................931. O Método Intensivo: a opção ideal?........................................................................................1002. Análise de Conteúdo................................................................................................................1083. Técnicas, Tratamento de Dados e Calendarização...................................................................1134. Sucessos e Constrangimentos na Aplicação............................................................................118

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura...................................................................................1211. Modelos de Desenvolvimento Caboverdiano (1975-2016).....................................................1252. Turismo em Cabo Verde – um Balanço Nacional....................................................................1303. Da Boa Vista descoberta a Cabo Verde Independente.............................................................1354. Dados do Turismo na Boa Vista...............................................................................................143

VI – Perceções das Motivações em Análise.....................................................................................1491. Por que motivo escolhem os turistas a Boa Vista para fazer férias? .......................................1502. Perceção e Tendências Sócio-demográficas............................................................................1693. Os Turistas e as suas Motivações.............................................................................................176

VII – Impactos Percecionados em Análise.......................................................................................1811. Impactos Positivos Percecionados...........................................................................................1812. Perceção dos Impactos Positivos por Variável Sócio-demográfica.........................................2033. Impactos Negativos Percecionados..........................................................................................2114. Perceção dos Impactos Negativos por Variável Sócio-demográfica........................................252

VIII – Futuro e suas Prioridades em Análise....................................................................................2611. A Boa Vista das Próximas Décadas - Perceção do Futuro.......................................................2622. Perceção do Futuro por Variável Sócio-demográfica..............................................................2683. Prioridades de Intervenção.......................................................................................................273

viii

4. Perceção das Prioridades por Variável Sócio-demográfica.....................................................290IX - Turismo na Boa Vista, uma Discussão......................................................................................297

1. Da Governança na Boa Vista...................................................................................................310Conclusão.........................................................................................................................................317Bibliografia.......................................................................................................................................327

Anexo A: Guião de Entrevista.....................................................................................................359Anexo B, C e D – CD-rom ….................................................................................................... 361

Índice de Figuras

Figura 5.1: Evolução do Número de Hóspedes e Dormidas (2000-2014) 130

Figura 5.2: Evolução do Número de Hóspedes por tipo de Alojamento (2002-2014) 132

Figura 5.3: Número de Turistas por Nacionalidade entre 2000-2004 134

Figura 5.4: Evolução Comparativa do Número de Estabelecimentos (1999-2013) 144

Figura 5.5: Evolução Comparativa do Número de Hóspedes (2000-2014) 145

Figura 5.6: Evolução Comparativa da Taxa de Ocupação (2000-2014) 146

Figura 6.1: Evolução do Número de Quartos na Boa Vista (2002-2013) 164

Figura 6.2: Perceção das Motivações dos Turistas por Género 170

Figura 6.3: Perceção das Motivações dos Turistas por Nacionalidade 171

Figura 6.4: Perceção das Motivações dos Turistas por Grupo de Residentes 172

Figura 6.5: Perceção das Motivações dos Turistas por Área de Residência 173

Figura 6.6: Perceção das Motivações dos Turistas por Escolaridade 172

Figura 6.7: Perceção das Motivações dos Turistas por Situação Profissional 173

Figura 6.8: Perceção das Motivações por Faixa Etária 176

Figura 6.9: Avaliação dos Turistas por Categoria 177

Figura 7.1: Evolução das Receitas do Turismo e Investimento Externo em Percentagem doPIB (2002-2013)

200

Figura 7.2: Impactos Positivos Percecionados por Faixa Etária 205

Figura 7.3: Impactos Positivos Percecionados por Género 206

Figura 7.4: Impactos Positivos Percecionados por Nacionalidade 208

Figura 7.5: Impactos Positivos Percecionados por Área de Residência 208

Figura 7.6: Impactos Positivos Percecionados por Escolaridade 212

Figura 7.7: Impactos Positivos Percecionados por Situação Profissional 213

Figura 7.8: Impactos Positivos Percecionados por Grupo de Residência 215

Figura 7.0: Impactos Negativos Percecionados por Faixa Etária 254

Figura 7.10: Impactos Negativos Percecionados por Género 255

ix

Figura 7.11: Impactos Negativos Percecionados por Nacionalidade 256

Figura 7.12: Impactos Negativos Percecionados por Área de Residência 257

Figura 7.13: Impactos Negativos Percecionados por Escolaridade 258

Figura 7.14: Impactos Negativos Percecionados por Situação Profissional 259

Figura 7.15: Impactos Negativos Percecionados por Grupo de Residentes 260

Figura 8.1: Perceção do Futuro por Faixa Etária 257

Figura 8.2: Perceção do Futuro por Género 268

Figura 8.3: Perceção do Futuro por Nacionalidade 268

Figura 8.4: Perceção do Futuro por Área de Residência 269

Figura 8.5: Perceção do Futuro por Escolaridade 269

Figura 8.6: Perceção do Futuro por Situação Profissional 270

Figura 8.7: Perceção do Futuro por Grupo de Residentes 270

Figura 8.8: Perceção das Prioridades por Faixa Etária 289

Figura 8.9: Perceção das Prioridades por Género 289

Figura 8.10: Perceção das Prioridades por Nacionalidade 290

Figura 8.11: Perceção das Prioridades por Área de Residência 290

Figura 8.12: Perceção das Prioridades por Escolaridade 291

Figura 8.13: Perceção das Prioridades Por Situação Profissional 292

Figura 8.14: Perceção das Prioridades por Grupo de Residentes 293

Índice de Quadros

Quadro 1.1: Relação entre tipo de turista, volume, capacidade de adaptação e respetivaexpectativa, adaptado de Smith (1977)

21

Quadro 6.1: Perceção das Motivações 149

Quadro 6.2: Avaliação Média por Categoria 178

Quadro 7.1: Impactos Positivos Percecionados 181

Quadro 7.2: Empresas com Contabilidade Organizada, Pessoas ao Serviço, Volume deNegócios

194

Quadro 7.3: Impactos Negativos Percecionados pelos Residentes 212

Quadro 8.1: Prioridades de Intervenção na Boa Vista 273

x

Lista de siglas e acrónimos

IIGM – II Guerra Mundial

CCIT – Câmara de Comércio Indústria e Turismo Portugal Cabo Verde

CNUED – Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento

EUA – Estados Unidos da América

INE-CV – Instituto Nacional de Estatística de Cabo Verde

IUOTO – International Union of Official Travel Organizations

MIRAB – Modelo Económico baseado em Migrações, Remessas, Ajuda e Burocracia

MpD – Movimento para Democracia

OP - Operadores

OMT/UNWTO – Organização Mundial do Turismo (Nações Unidas)

ONU – Organização das Nações Unidas

PAICV – Partido Africano da Independência de Cabo Verde

PEDTCV – Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo em Cabo Verde

PIB – Produto Interno Bruto

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento de Cabo Verde

REB – Residentes Estrangeiros da Boa Vista

RNB – Residentes Naturais da Boa Vista

RNOI – Residentes Naturais de Outras Ilhas

SDTIBM – Sociedade para o Desenvolvimento Turístico das Ilhas da Boavista e Maio

SET – Social Exchange Theory

TGS – Teoria Geral de Sistemas

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

URSS – União Soviética

ZTE – Zonas Turísticas Especiais

xi

Introdução

Introdução

Turismo. Não se sabe ao certo quando o Homem deu início a esta prática, embora se

reconheça que já na Antiguidade as deslocações no tempo livre tinham um papel de destaque entre

as classes mais abastadas das principais civilizações ocidentais. Na Grécia Antiga, por exemplo, a

valorização da cultura e do desporto deram azo à criação do maior evento desportivo conhecido até

então, os Jogos Olímpicos. Cidadãos de toda a área dominada pelas cidades-estado gregas

convergiam para assistir ao evento.

Durante o Império Romano sobre o mediterrâneo, alcançou-se paz, estabilidade, riqueza, e

um conjunto de infraestruturas que permitiram que os seus cidadãos pudessem desfrutar não só de

eventos culturais e desportivos por todo o seu território, como também que as famílias mais ricas

pudessem construir vilas de férias e até fazer passeios turísticos pelo rio Nilo afim de visitar os

monumentos faraónicos1 antigos.

Séculos mais tarde, durante a Idade Média, as viagens e peregrinações religiosas dominaram

os propósitos dos viajantes, tanto cristãos como muçulmanos: de Santiago de Compostela a Meca,

de Jerusalém a Roma, inúmeros destinos conquistaram a atenção do Homem medieval2. Para que tal

deslocação fosse possível, inúmeras condições foram garantidas: da melhoria das vias de

comunicação à construção de hospedarias e respetivos serviços, e a edificação de ordens religiosas

que visavam garantir a segurança dos viajantes. Ainda neste período, Marco Polo, viajou até ao

Oriente procurando a lendária Rota da Seda e expande o imaginário ocidental com outros lugares,

culturas e religiões.

A partir do século XV, catapultado pelas inovações e invenções tecnológicas, os viajantes

eram capazes de ir muito além do “velho mundo”. Todo um conjunto de novas culturas, terras e

sociedades tornam-se conhecidas e acessíveis a um maior número de pessoas. Com isto não

pretendemos dizer que as viagens na Europa são substituídas pelas aventuras marítimas aos novos

continentes, pois recorde-se que neste período em França foi criado o primeiro guia de estradas com

propósitos turísticos por Charles Estienne em 1552. Entre os séculos XVII e XVIII o Turismo

ganha contornos mais próximos dos atuais quando membros das famílias mais ricas, na sua maioria

jovens aristocratas, começam a viajar de Inglaterra até ao centro e sul da Europa, o chamado Gran

Tour3. Tais deslocações contribuíram para o desenvolvimento na construção de rodovias na Europa

1 Ver Friedlander (1965), D'Arms (1970), Casson (1974).2 Ver Parks (1954), Hunt (1984).3 Ver Bates (1911), Mead (1914).

1

Introdução

e promoveram o desenvolvimento de serviços adequados para esse propósito nas regiões por onde

passavam.

No século seguinte dá-se início à chamada Revolução Industrial que é caracterizada, por

exemplo, por avanços tecnológicos, melhoria das vias de comunicação, pela invenção do motor a

vapor (barco e comboio), e por uma burguesia emergente. Tais condições permitiram que Thomas

Cook constituísse com sucesso a primeira viagem organizada, tendo ainda formado a primeira

agência de viagens, a Thomas Cook & Son, e criado o conceito de “voucher” (cupom para

estabelecimentos hoteleiros). Entre os trajetos de maior sucesso turístico deste período refira-se o

Expresso do Oriente criado em França em 1883, e que chegaria a garantir condições luxuosas para

os seus clientes, viajando de Londres até Constantinopla. Anos mais tarde, é aberto um dos

expoentes máximos da oferta hoteleira até à Primeira Guerra Mundial, o Hotel Ritz de Paris, em

1898.

Entre as duas grandes guerras a invenção do automóvel e subsequente melhoria das vias de

comunicação terrestres conduziram o Turismo a uma dimensão mais móbil que nunca. Igualmente

nesta altura, popularizaram-se os casinos e parques de diversão, em particular nos Estados Unidos

da América (EUA). Após o fim da Segunda Guerra Mundial (IIGM), a rápida recuperação

económica e industrial da Europa Ocidental permitiu um crescimento na atividade turística que

superaria todas as expetativas. Com o desenvolvimento tecnológico, dos transportes, e todo um

conjunto de alterações sócio-económicas que melhoraram a vida dos habitantes destes espaços,

como por exemplo a implementação do Estado-Providência, e ainda com a independência de um

vasto conjunto de países no final do conflito, as portas abriram-se para que o turismo se tornasse

uma atividade apetecível, viável e confortável4.

Os dados atuais falam por si e os números são avassaladores. Se na década de 1980 os

turistas contabilizados não ultrapassavam os 270 milhões (arrivals/chegadas), em apenas vinte anos

mais do que triplicaram. Atualmente atingiu-se a cifra incrível de mil milhões de turistas e projeta-

se que no ano de 2030 se atinjam 1,9 mil milhões! As receitas provenientes do turismo internacional

estão calculadas pela Organização Mundial do Turismo (OMT ou UNWTO) em mais de mil

milhões de dólares, e são as economias mais desenvolvidas que continuam a ser responsáveis pelo

grosso do fluxo turístico mundial, sendo que a Europa se apresenta ainda como principal gerador de

turistas a nível mundial.

4 Para uma retrospetiva mais aprofundada da história e principais etapas do turismo e da viagem ver Fridgen, Joseph(1996), Dimensions of Tourism. East Lansing. MI: AHAM.

2

Introdução

Apesar deste desenvolvimento acentuado, a região menos visitada contínua a ser o Médio

Oriente, logo seguida de África, praticamente a par da Ásia e Pacífico. Tanto em África como no

Médio Oriente, o reduzido e tardio crescimento de turistas é justificável pelo clima de insegurança

política e social que estas regiões viviam, particularmente até à década de 1990. Nestas regiões só

durante a década de 2000 se constatou um crescimento acentuado tanto do número de turistas, como

na emissão de turistas.

No que se refere ao crescimento internacional médio de África, este apresenta dados anuais

de crescimento interessantes com uns constantes 6,7% entre 1980 e 2010, e atualmente 5.4%

(UNWTO, 2013) Apesar disso, com a tendência futura de desaceleração prevista pela OMT, o

turismo ao nível mundial tenderá a atingir um crescimento inferior na presente década. África

apresenta dados que rondarão os 5%, e na região específica em que se encontra Cabo Verde, isto é,

na região classificada de África sub-sariana uns 4,3%.

Compreendemos que o turismo, apesar de um galopante crescimento mundial caracterizado

pelo domínio de economias mais desenvolvidas sobre as emergentes, parece agora sofrer um refrear

da atividade, provavelmente fruto da situação económica destas mesmas economias. Em

contrabalanço, as economias emergentes, lideradas pelo continente Asiático e Oceânia, sugerem um

futuro promissor tanto na emissão de turistas como no crescimento da atividade ao nível

continental, aqui pelo motivo inverso do contexto das economias mais desenvolvidas, ou seja,

devido às economias em crescimento de países como China, Coreia do Sul, Japão, Taiwan e

Austrália.

No caso africano, e apesar de um crescimento constante do número de turistas recebidos, da

dimensão massiva do continente e do potencial que apresenta, a atividade apenas conseguiu uma

magra percentagem dos lucros do mercado mundial do turismo em 2013, cerca de 3% de um bolo

de 873 mil milhões de euros! Na verdade, este continente é dominado turisticamente por Marrocos,

Tunísia, e a República da África do Sul, sendo que os restantes destinos são comparativamente

diminutos.

O crescimento da atividade no continente demonstra que investidores e governos estão

particularmente atentos aos seus benefícios tanto à escala macro (nacional) como micro (local). O

turismo representa aumento de consumo por parte de estrangeiros nos países recetores, o que

significa mais dinheiro em impostos a recolher, mas também uma melhoria da qualidade de vida,

maior distribuição de riqueza e criação de empregos.

No entanto, é reconhecido que o turismo é muito mais que uma atividade económica. O

3

Introdução

turismo força a uma interação vasta entre pessoas e exige uma variedade de serviços, infraestruturas

e investimentos que permitam gerar e aproveitar oportunidades. Assim, existe a necessidade de gerir

o crescimento e as mudanças do turismo de modo a garantir que o crescimento não afeta os

objetivos estabelecidos para o crescimento ao nível local e nacional.

Ademais, se olharmos para o caso específico do continente africano, existem duas questões-

chave neste ponto: por um lado o turismo e por outro os governos. No primeiro ponto, importa que

os investidores estejam não só atentos quanto às consequências das suas ações como também que

seja contemplada a sustentabilidade do próprio sector a longo prazo. Deve-se procurar desenvolver

os recursos humanos, nomeadamente capacitando e especializando os locais, potenciando a

confiança nos produtores e nos produtos locais, e permitindo um aumento da retenção de

dividendos local e nacionalmente (Dieke, 2000); finalmente, é necessário que as pequenas e médias

empresas locais de turismo sejam capazes de escapar a uma situação de precariedade, que reduz a

qualidade do serviço prestado, e consigam investir em estratégias bem-sucedidas de cativação de

clientes/turistas. Este será um dos maiores desafios do turismo em África.

No que se refere aos governos africanos, hoje a problemática reside sobretudo na sua

capacidade de re-orientar as políticas de acordo com os contributos e experiências que conseguem

recolher localmente, nas suas comunidades, e nos seus parceiros privados, bem como procurar

políticas que facilitem a permanência dos turistas e o surgimento de iniciativas empreendedoras. Por

fim, potenciar os benefícios que o turismo traz para outros sectores, áreas e grupos da sociedade

(Dieke, 2000).

O mercado turístico é entendido por muitos governos, em particular para os dos países em

vias de desenvolvimento, como a única saída para as precariedades e debilidades das suas

economias. A questão que se coloca é se essa aposta com fins económicos justifica os meios

aplicados e respetivos impactos(es) nas comunidades de destino. Ou seja, se a abertura quase

incondicional ao investimento externo é compensada por uma melhoria clara das condições de vida

dos habitantes e pela manutenção ou melhoria dos ecossistemas locais. Terá o movimento

messiânico pró-turismo dos governos encontrado neste a salvação (económica, social e ambiental)

que necessitavam e desejavam?

Nesta linha, a presente investigação pretende dar a conhecer um estudo de caso, a ilha da

Boa Vista em Cabo Verde, que desde meados da década de 1990 começou a abrir as suas portas ao

turismo internacional. Inicialmente de forma tímida e circunscrita a turistas ocasionais, e que

gradualmente se expandiu graças a uma aposta no turismo internacional massificado por parte dos

4

Introdução

vários governos até à data. A par da ilha do Sal, esta ilha divide as atenções de uma grande fatia dos

turistas estrangeiros que visitam o arquipélago, e com ela centenas de milhões de euros têm sido

injetados no destino, afetando a economia local e nacional, mas também a comunidade local e os

frágeis ecossistemas naturais.

Através da presença prolongada do investigador no terreno, da aplicação de entrevistas aos

residentes, este trabalho pretendeu dar voz à comunidade local e à sua perceção de como o turismo

tem influenciado a vida da comunidade boavistense, em particular desde a edificação dos grandes

empreendimentos turísticos em meados da década de 2000. Uma investigação que pretende

identificar os impactos do turismo na ilha, as motivações associadas ao desenvolvimento do

turismo, as perceções que os residentes têm face aos turistas e ao futuro, e as respostas que os

residentes encontram para melhorar ou contrariar os impactos percecionados.

Foram entrevistados residentes nativos da ilha da Boa Vista, funcionários públicos,

estrangeiros e operadores turísticos, contribuindo com uma observação transversal da comunidade,

saltando os alçapões de uma visão unidirecional e política ou etnicamente condicionada.;

Identificados e destacados fenómenos de resistência e de reforço face ao turismo massificado.

Fenómenos de resistência ao turismo internacional, do protesto à passividade, fenómenos de reforço

em que se potenciam capacidades e características locais em função da rentabilidade e visibilidade

do mesmo; e, inquiridos turistas internacionais quanto à sua motivação e avaliação geral da sua

experiência, de forma a poder comparar com as expetativas e perceções dos residentes

entrevistados. Esta contribuição permitiu uma leitura transversal a todos os intervenientes da Boa

Vista enquanto destino.

A experiência no terreno e os dados recolhidos cederam informações pertinentes que

reforçaram a importância da pesquisa qualitativa na recolha de informações sobre destinos turísticos

e suas comunidades, tantas vezes limitada a uma pesquisa puramente baseada na aplicação de

inquéritos por parte de investigadores e de entidades governamentais ou instituições interessadas. O

contacto com a comunidade e seus residentes revelou-se vital na recolha de dados que, de outra

forma, permaneceriam ignorados.

Entre impactos, discursos e reações ao turismo internacional, esta investigação pretendeu

ainda discutir as formas de gestão e planeamento sustentável de destinos turísticos e a importância

das comunidades locais nesse mesmo processo. Um processo que revela a modernização de Cabo

Verde pela aposta, quase incondicional, num turismo massificado assente no mercado Europeu.

Tal discussão culmina na contribuição com várias sugestões. Contribuições que visam um

5

Introdução

turismo sustentável, tendencialmente equitativo, tendo como plataforma uma governança traçada de

e para a comunidade local, sem comprometer os interesses nacionais.

Mas não nos adiantemos sem primeiro explicar o que é afinal o turismo, ou mesmo sem

questionar qual a diferença entre turismo, lazer, recreação e entretenimento. O que é um turista?

Somos todos turistas? O que tem de particularmente interessante e revelador o turismo? Qual é a

pertinência deste tema? Esta é a função do primeiro capítulo, apresentar as definições-chave em

torno dos conceitos de turismo e turista, assim como contribuir como uma definição operativa dos

mesmos conceitos que seja capaz de reunir as melhores contribuições e posicionamentos que a

literatura oferece.

No segundo capítulo descreve-se as principais posturas face ao turismo, desde os

posicionamentos mais técnicos e institucionais, aos académicos ou teóricos. Nestes cabem os

principais autores e suas contribuições, com particular destaque para o debate em torno da

autenticidade, a relação e atitude de residentes face ao turismo e aos turistas, e os impactos do

turismo.

O terceiro capítulo explana a metodologia e técnicas selecionadas para a investigação,

justificando a escolha pelo método intensivo, assim como esclarece os objetivos e as hipóteses

propostos. Por fim, analisam-se e fundamentam-se os sucessos e insucessos da metodologia

selecionada.

A procura por um turismo massificado é por vezes uma resposta à necessidade de acelerar o

processo de modernização de um país ou região. Esse processo está assente em ideais como

desenvolvimento, sustentabilidade e governança, conceitos a que se dedicou o quarto capítulo, em

que ainda se debatem as implicações do turismo num mundo globalizado.

O caso específico de Cabo Verde e da sua caminhada para um modelo de desenvolvimento

assente num turismo massificado habita no quinto capítulo. Nele reside uma contextualização

histórico-social do arquipélago, da Boa Vista, e são apresentados dados atualizados sobre o turismo

na ilha.

O sexto capítulo dá início à análise dos dados recolhidos nas entrevistas e expõe as

motivações que os residentes encontram na escolha da sua ilha como destino de férias. Estas são

ainda cruzadas com as variáveis sócio-demográficas selecionadas e comparam-se os seus resultados

com os do inquérito aplicado aos turistas.

Nesta linha, o sétimo capítulo ocupa-se dos impactos positivos e negativos percecionados,

respetivo cruzamento com as variáveis sócio-demográficas, e indica alguns trabalhos e autores com

6

Introdução

quem se partilharam resultados idênticos ou semelhantes.

O oitavo capítulo remete para a perceção que os residentes têm quanto ao futuro da Boa

Vista, qual a justificação da mesma e potenciais respostas a essa condição. Desmistificando a noção

de que as comunidades locais não dispõem do conhecimento para identificar os problemas e as

potenciais soluções para os problemas de que são vítimas.

A discussão generalizada dos resultados até aqui apresentados encontra-se no nono capítulo.

Neste comparam-se os resultados obtidos nesta investigação com os de investigações de referência.

Adicionalmente, apresentam-se casos de resistência e reforço face ao turismo e respetivas

implicações e consequências. O capítulo final deste trabalho, resume e sublinha os feitos e

contribuições desta investigação e introduz dez sugestões que podem contribuir para o futuro

procurado pela comunidade e governo central.

7

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

Antes de definir o que é Turismo vamos abordar o que não é, apesar de por vezes

confundido como tal. Falamos de lazer, recreação e entretenimento, alguns dos conceitos usados na

órbita do nosso tema central. Conceitos que se referem a práticas que realizamos durante o “tempo

que dispomos” na nossa vida, especificamente, durante o tempo livre. Requixa (1980) propôs a

divisão do tempo do homem moderno em vários momentos. Para o autor, o tempo livre é referente

ao período de tempo que não pode ser nem de trabalho, nem de atenção a necessidades biológicas.

Por sua vez, o tempo livre pode ainda ser dividido em tempo morto (por exemplo, quando

escutamos música deitados no sofá, ou quando ficamos sentados na varanda a contemplar a vista), e

tempo comprometido (isto é, período despendido em obrigações familiares ou domésticas).

Marcelino (1996) contribui introduzindo um outro tempo, o de desocupado, referente à condição de

desempregado (improdutividade). E finalmente, temos o tempo de lazer.

As ideias de tempo livre ou mesmo de lazer são reconstruídas com o surgimento da

sociedade pós-revolução industrial (Magalhães, 1991; Lohmann e Netto, 2012). Com a capacidade

de produzir e consumir em massa reside a necessidade de criar produtos e serviços que possam ser

consumidos também nesse tempo livre (Baudrillard, 1995). Momento que atenua desigualdades e

procura melhorar a qualidade de vida dos indivíduos, mas que também produz novos tipos de

desigualdades.

O direito ao turismo (e à viagem) permitiu que os cidadãos se tornassem móveis para além

das suas fronteiras, acedendo a diversos bens, serviços e produtos culturais de outras sociedades,

aquilo a que Fortuna e Ferreira (1996) chamariam de uma conceção cosmopolita de cidadania, ideia

próxima da de cosmopolitismo estético de Lash e Urry (1994), ou seja, “(...) uma concepção

eminentemente mercantil e consumista do sujeito” (Fortuna e Ferreira, 1996:4).

O tempo livre, como o de trabalho, está “contado”, e é em si uma mercadoria - assim, há que

tirar proveito (Bruhns, 1997). O tempo livre pode ser entendido como tempo social. Um período de

atividades e práticas sociais com regras e normas próprias que permitem modificar estruturas

sociais, instituindo novas relações sociais e novos valores. O tempo livre, com a gradual diminuição

do tempo de trabalho (sobretudo nos países mais desenvolvidos), tem ganho cada vez mais

9

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

“espaço”, e, com ele, o tempo que os indivíduos dedicam ao lazer tem aumentado.

Então como definimos lazer? Para Dumazedier (1973:34) “o lazer é um conjunto de

ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, (…) após livrar-se ou

desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”. Implica descansar, desenvolver-

se ou divertir-se, e corresponde ao período dedicado a ocupações que respeitam uma ou mais dessas

funções.

Mas a divisão do tempo não fica por aqui. Dentro do tempo de lazer existe ainda o tempo de

recreação, tempo de turismo e outros, por exemplo, entretenimento (Requixa, 1980). A diferença

entre recreação (ou recreio) e entretenimento é ténue. Ambas são realizadas de livre vontade no

tempo livre, e significam restabelecimento e recuperação das obrigações quotidianas; a diferença

reside apenas no facto de que entretenimento exige uma audiência e é uma atividade paga

(Lohmann e Netto, 2012:83).

1. O Turismo

Se o tempo de turismo é diferente de tempo de entretenimento ou de recreação, como

podemos definir turismo? A definição de Turismo, como de resto este ponto tentará demonstrar, é

caracterizada desde logo por profunda dispersão e disformidade; as várias definições de turismo

parecem encaixar noutros tantos propósitos específicos (Malta, 2011). Mesmo entre os académicos,

o turismo é abordado assumindo definições que apenas potenciam as perspetivas individuais dos

mesmos (Lickorish e Jenkins, 1997).

Todavia, procuramos, para além de comprovar essa dispersão, identificar uma definição que

seja operacionalizável, ou seja, útil e pertinente para esta investigação. Caso contrário cairíamos

numa armadilha que “(...) clearly inhibits both coherent investigation of the phenomenon and the

generalization of findings” (Crompton, 1990:2).

Leiper (1990) considera que a origem etimológica de turismo provém do grego, significando

'ferramenta que faz um círculo' ou 'movimento circular', sendo uma expressão usada ainda no

francês e adaptada pelos nómadas normandos para expressar uma volta às muralhas do castelo para

ver a paisagem.

De acordo com Boyer (2000) a palavra ganhou os contornos modernos com as viagens que

os ingleses realizavam pelo continente europeu, sobretudo a partir do século XVII. Viagem

10

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

denominada de 'Gran Tour', de onde terá emanado tourists para classificar os seus participantes, e

tourism para definir a atividade.

A primeira tentativa de definição foi apresentada pelo economista austríaco Herman Von

Schullard em 1910 como sendo a “(...) soma das operações, especialmente as de natureza

econômica, diretamente relacionadas com a entrada, a permanência e o deslocamento de

estrangeiros para dentro e para fora de um país, cidade ou região” (citado por Ignarra, 1999:24).

Tal definição, como as demais contemporâneas sobre este fenómeno, contemplam apenas os aspetos

económicos e comerciais do mesmo, aliás esta tentativa de definição demonstra que apesar do

Turismo ser considerado sobretudo no desenvolvimento pós-IIGM, já existia antes alguma atenção

quanto ao fenómeno. Como de resto os primeiros dados sobre o turismo de massas na Suíça, que

datam de 1848, o confirmam (Lohamann e Netto, 2012).

De facto, desde o final do século XIX o tema começou a ser visto sob as vertentes

económica e social. Mas apenas com a obra de Hunziker e Krapf (1942) passou a ser reconhecido

como um fenómeno socioeconómico a ser estudado de forma multidisciplinar. O desconhecimento

destes e outros autores levou à falsa “inovação” de conceitos apresentados, ou se quisermos, a

alguma redundância dos novos contributos (Lohmann e Netto, 2012:59).

Chegado o fim do conflito mundial e subsequente prosperidade económica, aumento

populacional, urbanização e industrialização, aumento dos direitos dos trabalhadores, surgimento e

acesso a novos avanços tecnológicos, o Turismo emerge verdadeiramente como um atividade para

as massas5. Um tipo de serviço à disposição dos homens e da sociedade industrial moderna, pois

passa a integrar a vida de todas as nações e a contribuir de maneira significante para o

desenvolvimento das atividades económicas (Lage e Milone, 2001).

Foi a partir da década de 1950 que se intensificou a necessidade de definir Turismo e a

atividade turística, sobretudo por motivos técnicos e estatísticos. Falamos em atividade mas é

também comum denominá-lo de formas tão distintas como indústria (“sem chaminés”), sector

económico, ciência, ou fenómeno social.

Turismo é muitas vezes classificado como indústria, sobretudo em contextos económicos ou

comerciais. Entre os autores que assim o classificam temos Beni (2001) ou Leiper (1979). No

5 Para outros autores esta catalogação está errada pois apenas 5 a 10% da população mundial consegue viajarturisticamente (Ouriques, 2008).

11

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

entanto, não existe qualquer fábrica com uma linha de montagem de turismo onde este seja

embalado e distribuído, apesar de inúmeros produtos existirem e serem escoados para o mercado.

Concordamos com Crompton quando este esclarece que

There is no tourism industry per se. There is a hotel industry, a restaurant industry, an airline industry, andtogether with dimensions of other such as automobile, shipping and advertising industries, they areinvolved in meeting the needs and desires of various types of travelers. (Crompton, 1990:3)

Se o turismo fosse uma indústria, teríamos de o resumir à transformação, “montagem de

pacotes turísticos”, distribuição, e consumo direto, por parte dos turistas. No entanto, os produtos

consumidos por turistas são também consumidos por não-turistas. Os pacotes turísticos são

preparados e apresentados por empresas especializadas que vendem esse serviço que é então

procurado pelos turistas. Portanto, o turismo enquadra-se no sector Terciário (Serviços) e não no

sector Secundário (Indústria). O próprio Leiper (1990) viria a corrigir a sua posição afirmando que

foram as tentativas de definição de turismo no início do século XX por parte da Economia que

influenciaram a perceção e noção generalizada de que o turismo era uma indústria.

Uma ideia falaciosa e um caso que havia de se repetir na ideia de que o turismo era um

sector de marketing, ou ainda, um sector económico ou um mercado. Se um sector económico é

delimitado pelos bens ou serviços que produz, no turismo coexiste uma grande variedade de

produções, determinada apenas pela procura e indiferenciada em termos de oferta (Sarmento,

2008:99). Por outras palavras, o turismo viola a definição e as características bem delimitadas do

que representa um sector económico, dada a sua natureza penetrante, transversal e tantas vezes

indiferenciável6.

Estes são exemplos de como se pode confundir o todo pelas suas partes, isto é, o turismo não

é uma indústria, um mercado, um setor económico ou parte integrante de marketing, mas sem

dúvida depende de várias indústrias, muitas transações constituem um mercado, uma parte ocupa o

setor económico e o marketing é um setor essencial para o seu funcionamento.

Apesar da sua juventude e de alguma superficialidade no seu estudo, o turismo é também

entendido por alguns autores como uma ciência, ou pelo menos com potencial para tal (Jovicic

1988; Comic, 1989; Rogozinski, 1985; Leiper, 2000). O pressuposto é de que a criação de uma

'turismologia' poderia pôr termo à dispersão teórica e metodológica dedicada ao tema. Todavia

6 Ver Chadwick, Robin (1994) Concepts, definitions, and measures used in travel and tourism research, Chapter 7 inRichie, B. & Goeldner, C. (1994) Travel and Tourism Hospitality Research. John Wiley & Sons.

12

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

partilhamos a posição de que o turismo não tem aprofundamento técnico-científico que justifique tal

classificação (Dann, Nash e Pearce, 1988; Jafari, 1990; Pearce e Butler, 1993; Ignarra 1999).

Ademais, a produção científica dedicada ao tema é muito pequena e sem grande

representatividade ao nível internacional e isso deve-se ao carácter eminentemente económico do

grosso dos trabalhos desenvolvidos (Barreto, 2004). A operacionalização do Turismo está nas mãos

de técnicos especializados e não da investigação científica e da academia.

Moesch (2002) acusa os estudiosos de não delimitarem uma epistemologia comum,

deixando os seus trabalhos caírem apenas numa análise pragmática, como reforça Nechar (2011),

assente em legitimidades construídas localmente sem recorrer à crítica.

Outros autores como Burns (1999) afirmam que o descrédito provém também do enfoque

dominante dos trabalhos desenvolvidos por antropólogos e sociólogos sobre este tema, que

parecerem delimitados por fronteiras de classe e de cultura:

É útil perguntar se não existirá uma espécie de sobranceria no que escrevem a respeito do turismo 'demassas', e da sua construção social ou suposição de que esse turismo está de alguma forma errado e nemsequer é apreciado pelos consumidores. Esta conjuntura não parece basear-se em pesquisa empírica: sãoopiniões que surgem do facto de se trabalhar e viver num ambiente essencialmente branco de classemédia. (Burns, 1999:33-34)

Uma teoria científica exige elaboração de várias hipóteses que são testadas de forma a

construir ideias que se instituam como pedras basilares desse saber. Boullón (2002) não acredita que

esse momento chegou. Para Fuster (1970), Witt, Brooke e Butler (1991), ou Echtner e Jamal (1997)

não existe tal ciência, mas é necessária uma abordagem científica ao turismo, trabalhando em

articulação com outras ciências, uma abordagem interdisciplinar. As técnicas gerais do turismo

escapam a algumas áreas do conhecimento pelo que qualquer estudo sobre o fenómeno corre o risco

de encontrar múltiplas explicações paralelas que proveem de áreas específicas.

Para que seja considerada uma ciência, o Turismo necessita ainda de uma linguagem própria

universalmente aceite (Boullón, 2002). Por este motivo conclui-se que não será uma ciência mas

sim uma atividade humana abordada por várias disciplinas científicas:

Se partirmos da ideia de que a ciência é uma forma de explicar, compreender ou interpretar a realidade ede que o turismo é uma atividade ou uma prática que implica movimento de pessoas em situaçõesdefinidas com utilização de determinados equipamentos e serviços, está claro que turismo não é ciência,nem fazer turismo ou trabalhar na área de turismo é fazer ciência. (Barreto e Santos, 2005:360)

Não sendo então uma ciência, nem uma indústria ou sector económico, o Turismo é ainda

por vezes entendido como um fenómeno específico. Acreditamos que tal definição não é13

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

necessariamente incorreta mas peca por ser vaga. Boullón (2002) considerava o Turismo um

fenómeno especificamente sócio-económico. Centeno (1992), também considerava possível

formular uma teoria científica do turismo desde uma perspetiva fenomenológica. Este fenómeno

exige que o elemento humano esteja no cerne dos trabalhos desenvolvidos pelos investigadores.

Para estes autores são as interações que transformam factos turísticos em fenómenos.

Nesta linha, entendemos o Turismo como um fenómeno que deriva de uma atividade. Uma

atividade predominantemente económica, pois a reconhecemos como escassa, que procura

satisfazer o consumidor, e que está “articulada com negócios, turistas, sociedades, ambiente, entre

vários aspetos, tendo como finalidades essenciais a esfera social, económica, territorial e

patrimonial” (Sarmento, 2008:100). O Turismo deve ser abordado na totalidade, considerando tanto

as dimensões económica, política, cultural, etc., e optamos por classificar turismo como atividade.

Uma atividade que vários autores depois de IIGM procuraram definir e que colocaram em

destaque quatro premissas elementares na sua definição: as suas relações e fenómenos não

explícitos, a deslocação para fora da residência habitual, o facto de não poder ser uma atividade

remunerada, e a inclusão de turismo doméstico e recetor (Cunha, 2010).

Todavia, com a cada vez maior produção teórica dedicada ao tema, sobretudo na década de

1970, com as contribuições da antropologia e sociologia, emergiram definições com destaque que

procuravam diferenciar conceptualmente o Turismo de atividades próximas, como a proposta de

Kaspar (1981) é exemplo: “(...) o conjunto das relações e fenómenos resultantes da viagem e da

estada de pessoas para as quais o lugar da estada não é nem a residência principal e durável nem o

lugar usual de trabalho.” (citado por Cunha, 2010:11).

Na mesma linha, Cuervo havia publicado no México em 1967 uma teoria que sugeria o

turismo como algo que deveria ser entendido como um meio de comunicação humana: “(...) o

turismo é um conjunto bem definido de relações, serviços e instalações que se geram em virtude de

certos deslocamentos humanos.” (Cuervo, 1967:29). Uma comunicação assente, para Wahab

(1977), no movimento de pessoas, e portanto ideal para o estudo comportamental do ser humano.

Mathieson e Wall (1982) introduzem na sua definição de turismo também as condições que

são criadas para satisfazer as necessidades dos turistas, contribuindo com um dado novo, o da oferta

e da procura turística. Também Smith (1988) e Ryan (1991) sugerem uma definição assente na

batuta do negócio ('business') de forma a diferenciar o turismo de outras atividades. Aqui podemos

14

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

notar a influência da economia no estudo do turismo e que emerge como posição dominante na

década de 1980: “(...) in order to conceptualise tourism adequately academics need to go beyond the

economic and appreciate the relationships of tourism, leisure and recreation with other social

practice (...).” (Pernecky, 2010:3). A preponderância do pendor economicista persistiria em outros

autores posteriores:

O turismo, na sociedade moderna, pode ser definido como um conjunto de diversas atividadeseconômicas incluindo transportes, hospedagens, agenciamento de viagens e práticas de lazer, além deoutras ações metodológicas que produzem riquezas e geram empregos para muitas regiões e países. (Lagee Milone, 1998:30)

Tal postura acaba por inquinar os estudos desenvolvidos sobre o tema já que “(...) muitas

vezes o turismo é visto apenas em seu aspecto técnico, estatístico, mecânico, sem levar em

consideração os fatores subjetivos dos viajantes, das pessoas, que devem ser o ponto fundamental

do fenômeno e irradiador de novas expressões humanas socioculturais” (Lohmann e Netto,

2012:93). Esta clara tendência de abordar de forma segmentada o fenómeno turístico demonstra que

a relação entre o turismo e o sistema de produção continua a determinar o conhecimento que dele

obtemos. O turismo desenvolveu-se com o capitalismo e dele depende para continuar a fazer-se

(Moesch, 2002).

Já Leiper (1990)7 inferiria de forma simplificada que o turismo é apenas um “(...) conjunto

de ideias, de teorias e ideologias, de ser turista, sendo o comportamento de pessoas dentro das

regras do turismo (…)” (citado por Coelho, 2007:11). O turismo é sugerido apenas na perspetiva de

uma construção social generalizada, tendo como base o comportamento, as regras e as pretensões, e

ignorando a importância das relações. Um erro que mina a sua posição e que, como acontecia com

as posições mais economicistas, ignora as relações e subvaloriza o fenómeno em si.

Tribe (1997) considera que o Turismo é mais complexo que uma construção social ou um

comportamento: é a “(...) soma dos fenómenos e relações resultantes da interacção nas regiões

emissoras e receptoras, dos turistas, fornecedores de negócios, governos, comunidades e ambientes”

(Tribe, 1997:641). A sua contribuição resume-se à consideração de várias dimensões vitais,

nomeadamente relacionadas com os turistas, com os negócios, com a comunidade anfitriã, e com o

seu ambiente, e tanto com os governos anfitriões como com os países emissores de turistas. É

incluído o critério de “espaço” - regiões que recebem e emitem.

7 Leiper (1979) assume inicialmente uma postura face ao turismo do tipo económico-institucional que vê o turismocomo uma indústria.

15

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

A consideração dos governos e regiões emissoras e recetoras é vital e escapa a alguns

autores contemporâneos como Andrade (1997), para quem o Turismo é “(...) o complexo de

atividades e serviços relacionados aos deslocamentos, transportes, alojamentos, alimentação,

circulação de produtos típicos, atividades relacionadas aos movimentos culturais, visitas, lazer e

entretenimento” (citado por Malta, 2010:26).

O Turismo enquanto prática social está balizado por várias premissas. Desde logo é uma

prática excecional ou não quotidiana, que exige uma deslocação ou viagem num movimento de

retorno e que procura ser 'extra-ordinária'. Dado que parte dos envolvidos, os recetores, se

encontram em trabalho (ou pelo menos não se enquadram numa situação de lazer), a interação entre

estes e os turistas tende a permitir o contacto com diferentes culturas e diferentes ocupações. Algo

que à partida deve ser considerado também quando falamos em turismo.

O Turismo é mobilizador não só dessa tal rede de atores sociais, que vão do turista ao

promotor e profissional de turismo, passando pelos autóctones, 'indiferentes', ou não, à sua

passagem. Enquanto processo, é-lhe inerente uma articulação de serviços e pessoas que são

preparados desde antes da sua chegada até ao dia em que partem; é assim constituído por vários

segmentos individualmente vitais para o seu sucesso.

Goeldner et al (2002) colocam novamente em evidência as relações e a interação que a

atividade provoca, sublinhando toda uma dimensão social por muitos autores, como vimos, relegada

ou ignorada. Considera-se o turismo como “(...) a soma de fenômenos e relações originadas da

interacção de turistas, empresas, governos locais e comunidades anfitriãs, no processo de atrair e

receber turistas e outros viajantes” (Goeldner et al, 2002:23). O Turismo vai mais além do mercado,

dos espaços, das relações e interações e, assim, “(...) pode ser visto como reflexo de práticas sociais

e que envolve também representações sociais” (Lohmann e Netto, 2012:92).

Numa tentativa de simplificar a definição de turismo, Leiper (1990:10) considera que

“Tourism is a set of ideas, the theories or ideologies, for being a tourist, and it is the behavior of

people in touristic roles when the ideas are put into practice”. Uma postura assente na perspetiva

comportamental e que relega totalmente a componente económica do mesmo o que, na nossa

opinião, a torna desde logo incapaz de a definir adequadamente.

A dispersão de definições parece comprovar a existência de inúmeros modelos analíticos

incapazes de captar a complexidade do tema e produzir novos conhecimentos, arrastando o domínio

16

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

das posturas dominantes no discurso técnico-científico do turismo, em particular os discursos

opostos pró e contra o turismo.

Por exemplo, Cunha (2010) identificou um conjunto de elementos que considerava

obrigatórios na definição de Turismo, atribuindo particular destaque à centralidade do consumidor e

à importância dos recursos, bem como à importância da interpenetração entre a procura e a oferta

para a compreensão do turismo. O autor sugere a seguinte definição de Turismo: “(...) conjunto das

atividades lícitas desenvolvidas por visitantes em razão das suas deslocações, as atrações e os meios

que as originam, as facilidades criadas para satisfazer as suas necessidades e os fenómenos e

relações resultantes de umas e outras” (Cunha, 2010:19).

Ainda assim, esta definição retém fissuras em vários pontos. Desde logo algumas atividades

ilícitas estão “envolvidas” no turismo, como o turismo sexual. E a busca de uma necessidade não

satisfeita não explica o turismo; o turismo vai além da comum necessidade. Podemos dizer mesmo

que há uma busca por serviços e/ou condições particulares que procuram ser satisfeitas, sejam estas

definidas como “desejos” ou outro conceito semelhante. Finalmente, a continuidade da relevância

dada à ideia de deslocação para consumo mostra que o turismo teima em ser balizado por conceitos

economicistas deixando para segundo plano as questões sociais.

Consideramos que o foco da definição de Turismo deve residir no seu objeto, o individuo, o

turista; nas suas atividades, interações e relações com o espaço recetor e com o espaço emissor. Os

governos, as agências e os operadores do espaço recetor são chamados de mediadores. A estes

podemos adicionar outros turistas e visitantes, organizações não-governamentais e outras

instituições, mas também aspetos físicos e paisagísticos, pois também a geografia pode condicionar

e interferir nessas relações e interações. Um último aspeto que levamos em conta são os resultados

que derivam de todo este processo, por vezes definidos como consequências, impactos e/ou

impactes, e que são parte integrante do mesmo tanto no espaço recetor como no espaço emissor.

O problema principal neste debate é encontrar uma definição que seja aceite

transversalmente por várias jurisdições políticas e científicas, sendo capaz de lidar com a maioria

dos casos e não apenas os mais insólitos (Smith, 1995).

Desta forma definimos Turismo como o: conjunto de atividades, interações e relações

temporárias entre turistas, residentes e mediadores (públicos e privados), estabelecidas em resposta

às necessidades e desejos dos turistas e seus resultados no espaço recetor e no espaço emissor.

17

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

Sobretudo para fins estatísticos e burocráticos, de acordo com Cunha (2009), o Turismo

pode ainda ser classificado consoante os denominadores selecionados como: a origem dos

visitantes, as repercussões na balança de pagamentos, a duração da permanência, o grau de

liberdade administrativa, e a organização da viagem e tipo de turismo. Sobre este último

denominador consideramos que apesar dos múltiplos tipos de turismo publicitados e sugeridos,

sobretudo pelos operadores e agências de turismo, tais designações procuram sobretudo uma

vantagem comercial destacando certas características ou imagens associadas, e não podem ser

consideradas como tal. Os tipos de turismo apresentados são uma referência a uma designação geral

e ampla onde muitas vezes tais designações erróneas se enquadram.

Deste modo, e de forma sucinta, apresentamos os seguintes tipos de turismo: turismo de

recreio (turismo balnear, belezas naturais ou grandes centros urbanos), turismo de repouso

(recuperação física e mental), turismo cultural (centros culturais e património), turismo étnico

(contacto com grupos humanos tidos como exóticos para os turistas), turismo de natureza

(ambiental ou ecológico), turismo de negócios (congressos, exposições, e centros urbanos ou

industriais), turismo desportivo (manifestações desportivas), ou até cenários de inter-relação entre

os anteriores.

2. O Turista

A primeira definição de turista a ser reconhecida oficialmente foi concretizada em 1937 no

âmbito da Sociedade das Nações (SDN), onde turista se aplicava a todas as pessoas que viajavam

para um país diferente daquele de sua residência durante pelo menos vinte e quatro horas. Ora

viajante não é o mesmo que turista. Viajante é uma classificação extensa que incluí o turista e outras

classificações específicas. Viajante “(...) designa toda a pessoa que viaja entre dois ou mais locais,

qualquer que seja o modo ou o meio da sua deslocação” (Cunha, 2009:17). Os viajantes podem ser

divididos em dois grandes grupos: por um lado aqueles que são incluídos nas estatísticas do

turismo, chamados de visitantes, e os que não são. Entre estes últimos temos, por exemplo,

passageiros em trânsito, refugiados, diplomatas, estudantes, etc. Já os do primeiro grupo podemos

subdividir entre turistas e excursionistas, que por sua vez podem ainda ser subdivididos em outras

classificações mais específicas.

Estas distinções merecem a nossa atenção. Apesar de já anos mais cedo a International

18

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

Union of Official Travel Organizations (IUOTO) ter sugerido a criação de categorias como

excursionista e viajantes em trânsito, foi apenas em 1953 que a Comissão de Estatísticas da ONU

criou o termo de visitante, cuja grande novidade seria a delimitação de um ano como o tempo

máximo de permanência num país fora da sua residência habitual. Logo no ano seguinte, a

Convenção das Nações Unidas altera a definição de turista com uma nova delimitação do tempo

máximo de doze para seis meses, e introduz o motivo de viagem como determinante.

Na Conferência das Nações Unidas em Roma, no ano de 1963, é novamente assumido o

termo de visitante, sendo que desta feita engloba também os anteriores de turista e excursionista.

Este termo deixa cair a baliza temporal e é simplificado, sendo considerado visitante todo aquele

que não se desloca para o estrangeiro por motivos profissionais.

Já em 1971, e por motivos estatísticos, a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e

o Desenvolvimento (CNUCED) exige nova reformulação, retornando a baliza temporal e

reintroduzidos os termos de excursionista ou visitante do dia, referindo-se estes às pessoas que

permanecem menos de vinte e quatro horas noutro país.

A constante dança nas definições não ficaria por aqui, pois em 1983 a OMT, que substituiria

a IUOTO, passaria a incluir na definição de turista os visitantes domésticos, denominando-os

visitantes nacionais. Finalmente, é a Comissão de Estatística da ONU que, dez anos mais tarde,

estabelece uma definição institucional oficial, e ainda utilizada, para os termos: visitante, turista, e

visitante do dia.

O visitante é aquele que se desloca para um local não habitual por um período de menos de

doze meses e por motivos que não englobem uma atividade remunerada. O turista é por seu turno

um visitante que durante pelo menos uma noite usufrui de um alojamento coletivo ou privado no

local visitado. E por fim, o visitante do dia é aquele que não chega a pernoitar no local visitado (tal

como o excursionista).

Esta tentativa de definição pode ser criticada desde vários prismas. Desde logo porque a

ideia de ambiente habitual é arbitrária e “(...) introduz falta de rigor na determinação dos fluxos

turísticos, na sua avaliação e na investigação dos efeitos económicos e sociais que provocam”

(Cunha, 2010:7). Do mesmo modo, a questão da passagem de uma noite é problemática pois põe de

lado todos os visitantes que optam por pernoitar em casas que não sejam de alojamento turístico, ou

mesmo, que optam por não pernoitar. Igualmente, nem todo o indivíduo que usufrui de um

19

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

alojamento turístico pode ser classificado como turista ou visitante.

Estas definições pecam pela desconsideração de outras dimensões que não apenas as

referidas, tais como a duração, localização, motivo da visita, etc. O turismo é um fenómeno que vai

além destas dimensões; ele envolve interações entre indivíduos, o uso de recursos, contextos

económicos, ambientais e sociais diversos e complexos, pelo que são variadíssimos os focos de

análise da atividade turística que atravessam a Sociologia, Antropologia, Psicologia, Economia,

Geografia Humana, etc.

Com isto queremos dizer que o turismo e o turista devem ser compreendidos para além de

uma visão puramente técnico-institucional e claramente influenciada pela economia, como as que

apresentámos até agora. Deve considerar uma visão heurística, capaz de satisfazer os investigadores

que procuram escapar à visão técnica e procurar uma abordagem científica e académica que

explique não apenas para onde vai e o que consome o turista, mas sim, por exemplo, porque vai e

porque consome. Falamos portanto de comportamento.

Vejamos a sugestão de Leiper (1990) que define o turista como

(…) a person travelling away from their normal residential region for a temporary period, staying away atleast one night but not permanently, to the extent that the behavior involves a search for leisureexperiences from interaction with features or environmental characteristics of the place(s) they choose tovisit. (1990:10)

Nesta definição vemos considerados os atributos que para o autor são essenciais para uma

definição do tipo comportamental, como a deslocação, a duração, o espaço-tempo da atividade, a

relação entre o turista e alguma parte característica do local de visita. No entanto, outras propostas

devem ser consideradas.

Cohen (1974), por exemplo, focou a sua definição na ideia de expectativa de prazer: “A

voluntary temporary traveller, travelling in the experience of pleasure from the novelty and changed

experience on a relatively long and non-recurrent round-trip” (Cohen, 1974:533). Para este autor o

turista procura uma experiência que lhe traga novidade, sendo essa novidade o que mais atrai o

turista. Serve para reforçar que a deslocação do turista é em busca da satisfação dos seus desejos,

sejam eles a procura pela novidade, pela fantasia ou pela semelhança.

Neste exercício Cohen procurou ainda diferenciar os tipos de turistas existentes, escapando à

definição generalizada de turista. Para tal, isola as dimensões características do fenómeno turístico e

constrói uma 'árvore concetual' capaz de identificar e diferenciar cumulativamente tipos de turistas

20

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

marginais.

Este não foi o único autor a produzir tais diferenciações. Por exemplo, para Smith (1977), os

turistas podem ser agrupados em categorias ideal-tipo gradativas: explorador, elite, excêntrico,

incomum, massa incipiente, massa, e charter. Consideramos parte do nosso objeto de estudo o tipo

de turista charter, que procura um serviço pré-organizado com acomodações estandardizadas de

acordo com os padrões ocidentais, e um local com bom clima e temperatura, num ambiente familiar

a um preço acessível.

Abaixo deixamos o quadro adaptado de Smith (1977) para análise, onde se podem ver os

tipos de turista relacionados com o seu volume relativo, as suas expectativas e capacidade de

adaptação ao destino:

Sendo o nosso foco central de análise o turista que Smith classifica de charter, a nossa

proposta de definição de turista enquadra-se nas definições abrangentes ou generalizadas de turista.

Desse modo, passamos a considerar a seguinte definição: turista é um(a) visitante que se desloca e

pernoita temporariamente num espaço/lugar procurando satisfazer necessidades e desejos,

relacionando-se e interagindo com residentes e elementos mediadores das atividades que pratica

com esse intuito.

Das suas origens mais longínquas na história à gradualmente acrescida complexidade

burocrática e estatística, o turismo continua a ter uma papel preponderante nas sociedades

contemporâneas, aliás, um papel cada vez mais preponderante.

O percurso histórico-concetual de turismo e turista que apresentámos neste capítulo, assim

como as definições originais apresentadas, sublinham a importância do debate dos conceitos-chave21

Tipo de Turista Volume Capacidade de Adaptação ExpectativaExplorador Muito Limitado Total Destino intocadoElite Muito Escasso Total Partilhar destino de forma pré-organizadaExcêntrico Pouco Frequente Elevada Fugir aos circuitos e a multidõesIncomum Exporádico Aceitável Visitar sem explorar ou ir a lugares remotosMassa Incipiente Fluxo Constante Reduzida Comodidade e autenticidade em pequenos gruposMassa Fluxo Continuo Mínima Comodidades idêntica ao lugar de origemCharter Fluxo Continuo Mínima Comodidades idêntica ao lugar de origem

Quadro 1.1: Relação entre tipo de turista, volume, capacidade de adaptação e respetivaexpectativa, adaptado de Smith (1977)

I – O Turismo e o Turista – Operacionalização de Conceitos

desta investigação, assim como de vários outros conceitos conexos e dependentes, muitas vezes

confundidos e sobrepostos a estes, no estudo do homem social.

Terminada esta introdução à diversidade de concetualizações sobre o turismo, passemos

agora à revisão da abordagem científica, recordando as principais contribuições que as ciências

socias, em particular a Sociologia, têm doado a este tema, passando primeiro pelas condicionantes e

contribuições mais comuns de outras disciplinas e setores interessados.

22

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

II – Abordagens ao Turismo - uma retrospetivaQuantos olhares intrigados, trocistas e perplexos tenho afrontado sempre que falo do tema dos meustrabalhos universitários! (…) trabalho sobre os comportamentos turísticos, (…) para os compreender apartir do interior (Amirou, 2007:11).

A investigação em turismo pode privilegiar várias perspetivas. Um investigador pode

preferir estudar o turismo desde uma perspetiva psicológica e tentar entender o comportamento do

turista, o que o atrai e por que atrai, e simultaneamente entender como os operadores recolhem esta

informação e a trabalham para criar ou manipular espaços e/ou ambientes.

Já segundo a perspetiva da geografia (humana), o investigador pode procurar uma definição

mais adequada das características ideais para o estabelecimento de um destino turístico, assim como

fornecer as ferramentas para uma previsão do volume de turistas ou das despesas em causa em tal

potencial estabelecimento. É dizer, procurar uma melhor compreensão do espaço, da resposta ao

espaço da parte do turista, ou da resposta à alteração do espaço da parte do residente.

Um economista pode centrar a atenção no turismo enquanto recurso, capaz de produzir

riqueza de forma direta e indireta, tanto no setor público como no privado. Para tal, é necessário um

investimento em conhecimento empírico e teórico devidamente fundamentado de modo a retirar o

máximo proveito da atividade minimizando os seus impactos negativos.

Um antropólogo estará sempre mais atento às questões que envolvem contacto cultural e

mudança social. Nomeadamente, as forças que geram turistas e o turismo, as transações entre

culturas ou subculturas que são parte integrante de todo o turismo, e as consequências para as

culturas e indivíduos a elas pertencentes (Nash e Smith, 1991:22).

Por fim, um investigador formado em sociologia pode prender o seu interesse nos

comportamentos sociais, nas experiências sociais e nas interações entre os turistas, os residentes, e

as instituições envolvidas na atividade turística. Tal conhecimento pode contribuir, por exemplo,

para melhor compreender a estrutura social e o seu funcionamento em sociedades diferentes.

A multiplicidade de perspetivas que se ocupam do turismo será o ponto central deste

capítulo. O turismo é um campo com muitos desafios e oportunidades, e um dos seus principais

problemas, segundo Smith (1995), é a inexistência de informação credível capaz de responder aos

seus desafios e problemáticas. Esta introdução serve para demonstrar que o tema, apesar de

inúmeras abordagens diferentes, é estudado por várias disciplinas científicas. Tal interesse é

23

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

evidente nos crescentes artigos e publicações dedicadas ao mesmo.

Se no capítulo anterior introduzimos o debate concetual de turismo e de turista, agora

apresentaremos as principais abordagens à atividade turística, que optámos por dividir em três

categorias: a institucional, referente ao posicionamento interpretativo do turismo desde o prisma das

instituições públicas nacionais e internacionais; a técnica, cujo propósito é de criar ferramentas

práticas de avaliação e intervenção na atividade a fim de corrigir os seus impactos negativos e

potenciar os positivos; e, finalmente, a abordagem científica, dedicada ao debate teórico que habita

as ciências sociais, com destaque para a Sociologia e a Antropologia.

1. A Abordagem Institucional e a Abordagem Técnica

Comecemos então pela abordagem institucional. Estejamos a falar em Estado ou qualquer

outra estrutura administrativa pública à escala regional, nacional ou supranacional, é imperativo

desenvolver competências que permitam gerir e planificar com sucesso uma dada área governativa.

O turismo não é exceção. A capacidade de definir e medir indicadores é determinante para o

desenvolvimento de ferramentas estatísticas que permitam aos governos planificar e aplicar

estratégias de forma a corrigir, alterar ou melhorar a sua capacidade interventiva.

Dada a magnitude e diversidade na atividade turística, existem várias formas de acompanhar

estatisticamente a sua evolução e efeitos; todavia, por mais díspares que sejam os mecanismos ou

técnicas de estatística, o objetivo principal tende a abarcar questões-chave como: elementos

determinantes na procura, os movimentos das pessoas, o património e recursos turísticos,

equipamentos disponíveis, relação entre turismo e ambiente, o impacto económico e social do

turismo, e os efeitos que promovem alterações sociais (tradição e cultura).

Com estes dados os Governos podem melhor regular e regulamentar o turismo, mas também

dele retirar melhores rendimentos dado que são grandes beneficiadores do mesmo, agindo como

autênticos operadores turísticos com interesse económico, sobretudo pelos seus efeitos na balança

de pagamentos e divisas.

Dentro, ainda, desta categoria institucional podemos agregar o setor privado, também ele

interessado nos dados estatísticos e no desenvolvimento dos seus próprios planos económicos

estratégicos. Os operadores turísticos e empresas com atividades relacionadas com o turismo

encontram nessas estatísticas informações importantes para a definição das suas ações empresariais,

24

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

realização de atividades de marketing, avaliação de desempenho e tendências dos movimentos

turísticos. E, claro, outros privados que procuram investir, seja de forma avultada ou não, em

atividades relacionadas direta ou indiretamente com o turismo, necessitam das informações

estatísticas de forma a tomar decisões mais adequadas.

No relatório anual de 1997, a OMT definiu ser essencial determinar três esferas de

avaliação: as relações entre o turismo e o ambiente em geral; os efeitos dos fatores do meio sobre o

turismo; e os efeitos da atividade turística sobre o ambiente. Esferas que seriam avaliadas tendo por

base indicadores como intensidade de utilização, capacidade de carga e satisfação do consumidor.

Desta forma, a avaliação é elaborada com base em indicadores quantitativos, por exemplo a

intensidade de utilização é medida através do cálculo direto entre o número de visitantes de um

local a dividir pela sua superfície. Igualmente, o impacto social é determinado pela relação direta

entre o número de turistas no período alto do turismo e o número de residentes.

Os métodos estatísticos são técnicas a que tanto governos, operadores e privados recorrem,

apesar das suas informações nem sempre serem as mais indicadas visto que a fiabilidade e

comparabilidade nem sempre são adequadas, e mesmo porque nem sempre as estatísticas

conseguem dar-nos todas as informações que necessitamos. Como exemplo, não podemos esquecer

que as atividades turísticas não são diferenciadas de forma clara de outras atividades, e nem todos

os países têm equipamentos que possam ser comparáveis, tornando difícil considerar certos

indivíduos como turistas ou viajantes. Igualmente, bens e serviços turísticos podem ser consumidos

tanto por turistas como por residentes. O mesmo ocorre em termos concetuais: nem todos os países

se baseiam nas definições determinadas pela ONU ou OMT.

Isto significa que “(...) na prática, a maior parte das estatísticas de turismo baseiam-se

fundamentalmente na identificação de quem realiza as transacções de bens e serviços turísticos, ou

seja, os visitantes e os fornecedores directos” (Cunha, 2009:53). Ou seja, a estatística continua a ser

o grande informante apesar de revelar dados referentes a apenas duas categorias: a oferta e a

procura. Ainda assim, a estatística institucional serve como principal bússola das avaliações das

atividades turísticas num dado espaço.

Apesar da riqueza dos dados que a abordagem institucional providencia, podemos ainda

recolher importantíssimos contributos da abordagem técnica que procura complementar a anterior

formulando modelos interpretativos e de avaliação do desenvolvimento turístico. Tais modelos

25

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

procuram determinar o desenvolvimento do turismo num dado lugar tendo como referência os

próprios impactos da atividade nas comunidades recetoras. Nomeadamente, impactos económicos,

ambientais e sociais. Estes modelos são produzidos não só por técnicos da área turística, mas

também por economistas, antropólogos e sociólogos.

O primeiro modelo de referência desde género é elaborado por Bjorklund e Philbrick (1972),

assente numa matriz que se baseia na medição das atitudes e do comportamento de

grupos/indivíduos face ao turismo. Um modelo simplista que serve de ponto de partida para o de

Doxey (1976). Este cria um modelo a que denomina de “Irridex” e que é composto por quatro

atitudes anímicas consecutivas: 1) Euforia, marcada por uma perceção e atitude positiva; 2) Apatia,

marcada por uma atitude indiferente; 3) Irritação, correspondendo a fricções e hostilidade para com

os turistas; e 4) Antagonismo, caracterizado por atitudes de desprezo e crítica aos turistas e ao

turismo. No entanto, também este modelo foi alvo de críticas pois, por exemplo, no início do

desenvolvimento do turismo nem sempre se verifica a “euforia”, pondo em causa todo o modelo.

Um outro modelo para evolução dos destinos, desde uma perspetiva do turismo e os seus

impactos, é o da autora Valene Smith (1977). Ela infere que existem diferentes impactos pois

existem diferentes turistas. Assim, cria um modelo que considera o volume, o tipo de turistas e o

grau da sua adaptação às normas locais. A autora é no entanto criticada por não considerar que a

interação dos residentes com um elevado número de turistas pode causar tensões e promover um

certo antagonismo entre os visitantes e os visitados.

Um trabalho pioneiro ainda hoje com destaque é o de Richard Butler (1980), que apresentou

o conceito de “Ciclo de Vida de um Destino Turístico”, passando este pelas seguintes fases: 1)

exploração; 2) envolvimento; 3) desenvolvimento; 4) consolidação; e 5) estagnação (sendo esta

depois seguida ou por declínio ou por rejuvenescimento):

Quando Butler (1980) sugeriu que um destino turístico, à semelhança de um produto, passa por fasesevolutivas, identificando e caracterizando seis fases (exploração, envolvimento, desenvolvimento,consolidação, estagnação e declínio ou rejuvenescimento), fê-lo consciente da importância da definiçãodessas fases enquanto ferramenta mental de apoio à tomada de decisão para o futuro e da compreensão dopassado, de modo a se evitarem erros já ocorridos. (Coelho, 2007:1)

É da sua proposta que emerge o conceito de 'capacidade de carga' que se refere à capacidade

de um destino turístico, nomeadamente desde a perceção dos residentes, de suportar os impactos

negativos da atividade turística8. De acordo com Murphy (1985), este conceito é uma afirmação

8 Também D'Amore (1983) sublinha que esta capacidade é definida apenas pela perceção dos residentes e não através 26

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

filosófica de que todos os destinos têm uma quantidade de recursos limitada, bem como, permite

determinar os impactos sociais dos desenvolvimentos turísticos. Isto é, a capacidade de carga é uma

ferramenta vital para uma melhor política de turismo (Murphy, 1985:135).

Para Weaver (2000), a noção adequada seria antes de 'limite de aceitação de carga'9, pois

será menos maleável, subjetivo e complexo que o anterior. Para Saveriades (2000) a capacidade de

carga não é fixa; ela sofre mutações com o tempo, com o crescimento do turismo, ou outros fatores,

pelo que pode ser manipulado pela gestão, assegurando um desenvolvimento sustentável a longo

prazo. Resta referir que este conceito tende a gravitar em torno das dimensões físicas, económicas,

sociais, culturais, e ambientais.

Do modelo de Butler têm emergido outros semelhantes, o que leva Getz a afirmar que “o

número limitado de estudos de caso disponíveis na literatura certamente não provou a validade dos

estágios do ciclo de vida teorizados, e os problemas da sua utilidade para o planeamento já foram

destacados”10 (Getz, 1992:754).

Getz defende que os investigadores deveriam estar mais preocupados em acompanhar

indicadores relacionados com o produto, mercado e seus impactos, que indiquem o estado da

“indústria” e seus problemas, do que procurar encaixar os casos em modelos.

Para Johnson e Snepenger (2002), alguns dos problemas da aplicação do modelo do Ciclo de

Vida reside na sua aplicação concetual setorial e não longitudinal, como havia sido pensada. Isto

dever-se-ia à escassez de recursos disponíveis aos investigadores ou mesmo à necessidade de

produção de artigos rapidamente. Ainda assim, consideram que este modelo é o mais indicado para

uma gestão mais flexível e adequada aos mercados sempre em mudança.

Andriotis (2003)11 infere que o modelo, ao contrário do que apregoava Butler, não deve ser

considerado para todas as situações:

Numerous other studies have suggested that Butler’s life cycle model applies to various destinations, suchas Lancaster County (Hovinen, 1981), Laurentians, Quebec (Lundgren, 1982), the Grand Isle resort ofLouisiana (Meyer- Arendt, 1985), Malta (Oglethorpe, 1984), Vancouver Island (Nelson and Wall, 1986)and Minorca (Williams, 1993). Other researchers found Butler’s model incapable of explaining thetourism evolution of some resorts and proposed modifications or alternative models that better fitted thedevelopment process of particular resorts. Among these studies Haywood (1986) proposed a variety of

de outros indicadores externos.9 Este será a capacidade de absorver o desenvolvimento turístico antes que os seus impactos negativos se façam sentir

na comunidade local, ou nível de desenvolvimento turístico após o qual o fluxo turístico decline devido ao fim daatração e satisfação do destino.

10 Tradução livre do investigador.11 Autor que, por exemplo, também aplicaria este modelo ao caso da ilha de Creta (Andriotis, 2003).

27

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

possible tourist-area cycles of evolution that may occur as opposed to Butler’s model. (Andriotis, 2003:5)

Também Cooper (2002) recorda que a questão do ciclo de vida de um destino turístico é um

tema muitas vezes tido como de gestão contínua; todavia cada uma das suas fases compreende

planeamento, gestão e estratégia própria. Este tipo de planeamento estratégico exige a consideração

de diversas variáveis de forma a conseguir os seus objetivos de sustentabilidade.

O planeamento estratégico é, por sua vez, caracterizado pela adoção de uma perspetiva a

longo prazo, o desenvolvimento de um plano holístico e integrado para a utilização dos recursos

disponíveis, uma decisão formalizada do processo de aplicação, e o uso e criação de recursos com

vista aos objetivos futuros (Cooper, 2002:2).

Apesar de todos os aspetos considerados, uma estratégia a longo prazo aplicada ao turismo

enfrenta obstáculos. Desde logo, os destinos são alvo de constante mudança (nomeadamente nos

seus sistemas de valores e nos seus intervenientes-chave); e a fragmentação e hegemonia dos

pequenos negócios, na sua maioria sazonais, põem em causa os planos a longo prazo, visto que

estes negócios são conduzidos numa mentalidade mais imediata.

Finalmente, podemos apontar ainda outros dois obstáculos: primeiro, o sucesso aparente

pode dar ilusão de que a médio e longo prazo não existirão complicações e logo não haja

necessidade de planear a longo prazo; igualmente, nas fases de declínio, a falta de perspetiva de

reacendimento futuro pode condicionar o investimento pensado a longo prazo. Em segundo lugar,

num olhar a curto prazo, a atividade do turismo tende a ignorar ou relegar os benefícios e perdas da

atividade entre o presente e o futuro (Cooper, 2002).

Na tentativa de colmatar tais falhas surge o modelo 'Destination Visioning', de Ritchie

(1993), com forte base comunitária no planeamento estratégico. Este é pensado em cinco etapas, da

auditoria do destino, passando pela definição do posicionamento, realização de Workshops, até ao

desenvolvimento e implementação do planeamento estratégico.

Porém, este modelo de base comunitária parece ter dificuldade em conseguir uma

representação transversal de toda a comunidade, e em obter consenso em temas controversos. Tal

como, muitas vezes, esquece a importância do setor económico no seu modelo, ou encontra

inúmeras dificuldades em implementar a estratégia planeada: “ainda assim, 'destination visioning'

está a tornar-se a nova ferramenta para o planeamento estratégico sustentável de destinos turísticos,

à medida que o turismo acompanha o imperativo envolvimento da comunidade e abraça a

28

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

necessidade de gerir a mudança”12 (Cooper, 2002:5).

Ap (1992) apresenta o seu próprio modelo alicerçado na teoria 'Social Exchange Theory'

(SET) que tem sido aplicada nas investigações e avaliações que procuram determinar os níveis de

perceção que os residentes têm face ao turismo e seus impactos, mas também para determinar o

porquê desses níveis. Sobre esta teoria falaremos em maior pormenor no ponto seguinte. Resta

referir que Ap e Crompton (1993) identificam diferentes estratégias de comportamento da

população face ao turista13. Estas são divididas nas seguintes etapas: 1) aceitação; 2) tolerância; 3)

ajuste; e 4) retirada14.

Yutyunyong e Scott (2009) consideram este modelo demasiado economicista e daí

produzirem também eles um novo modelo assente, desta feita, nos princípios teóricos da 'Social

Representation Theory'15, um modelo amplamente aplicado (Gursoy e Rutherford, 2004; Gursoy et

al, 2002; Jurowski e Gursoy, 2004; Nunkoo e Ramkissoon, 2009; Vargas-Sanchez et al., 2009;

Wang e Pfister 2008).

Para Faulkner e Tideswell (1997) a teoria existente é fragmentada e existe a necessidade de

ser integrada num quadro geral capaz de guiar empiricamente as investigações na direção de um

desenvolvimento de conhecimento cumulativo. A teoria entretanto desenvolvida não foi

empiricamente testada de forma sistemática (Faulkner e Tideswell, 1997:5)16. Estes autores

propõem a construção de um quadro teórico e concetual capaz de examinar adequadamente os

impactos dos turistas nas comunidades através da construção de uma síntese teórica das diferentes

perspetivas, balizada em duas dimensões principais: a intrínseca e a extrínseca.

A primeira dimensão considera as contribuições do modelo “Destination Life Cycle” de

Butler (1980) e do modelo “Irridex” de Doxey (1975), agregando outros efeitos como: as fases de

12 Tradução livre do investigador.13 Como exemplo deste modelo temos o trabalho desenvolvido por Tatoglu et al (2000), um estudo dos impactos do

turismo convencional massificado numa cidade turca, determinam que os residentes viam positivamente os impactoseconómicos, sociais e culturais do turismo, e em simultâneo viam como negativos os impactos ambientais, a atitudeda comunidade, as multidões e a congestão na comunidade que derivavam da presença dos turistas.

14 Já Alfonso (1999) sugere que ao longo do tempo emergem apenas três momentos distintos de: satisfação,neutralidade e insatisfação (Gúzman e Fernando, 2003: 15-16).

15 Um outro excelente exemplo da aplicação prática deste modelo é o trabalho desenvolvido por Vounatsou et al (2005)na ilha grega de Mykonos, onde se procurou determinar os impactos sociais do turismo, mais concretamente asperceções dos residentes face ao turismo (ali com o turismo convencional massificado e turismo homossexual emparticular destaque).

16 Faulkner e Tideswell (1997) aplicaram uma plataforma de avaliação dos impactos do turismo numa comunidadeaustraliana, Gold Coast, aplicando um quadro de análise de dupla dimensão (intrínseca e extrínseca) baseada nascontribuições do modelo de Butler (1980), Doxey (1975) e Ap (1992).

29

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

desenvolvimento turístico, o rácio turista/residente, tipos de turista e sazonalidade do turismo. A

dimensão extrínseca recolhe as contribuições da adaptação da “Social Exchange Theory” em Ap

(1990), agregando também os efeitos de envolvimento, características sócio-económicas,

proximidade dos residentes e período de residência. É na análise e no cruzamento das diferentes

dimensões, considerando as variáveis definidas como efeitos, que os autores esperam conseguir

transformar este quadro teórico num quadro empírico aplicável.

De acordo com as conclusões destes autores na aplicação deste modelo num estudo de caso

na Austrália, existem três proposições a considerar. Primeiro, o desenvolvimento turístico

sustentável, seja onde for, depende de um planeamento e monitorização constantes, sensível aos

impactos sociais e comunitários do turismo e capaz de executar estratégias que potenciam os

aspetos positivos e minimizem os negativos. Segundo, as reações dos residentes face aos turistas

deve ser acompanhada sistematicamente. E, finalmente, é necessária a construção de um quadro

analítico capaz de produzir uma monitorização comparativa com outros destinos (Faulkner e

Tideswell, 1997:25).

Uma proposta que também merece ser referida é a de Breakey (2005) que sugere um novo

modelo de análise da mudança do destino turístico inspirada em outros modelos como Destination

Life Cycle, Caos Theory, Evolution Theory e Punctuated Equilibrium. Este modelo é denominado

por “Multi-Trajectory Model of Tourism Destination Change”, e defende que a qualquer momento

num destino turístico pode ocorrer uma de quatro mudanças: equilíbrio (quando o nível de

crescimento se mantém), mudança evolutiva crescente (ainda num estado de equilíbrio); punctura

crescente (já num estado de caos), ou ainda, dois estados de degeneração agravada (dependendo da

situação). Uma postura interessante mas com insuficientes exemplos de aplicação para merecer uma

avaliação.

Antes de tratarmos a abordagem científica, resta ainda fazer referência a outro tipo de

modelo que aborda o turismo e que é aplicado por vários autores, tanto na academia como no corpo

técnico que se dedica a esta atividade. Falamos da Teoria Geral dos Sistemas, aplicada enquanto

modelo analítico ao turismo. Como vimos, o turismo pode ser, e tem sido, abordado de várias

formas, pelas várias ciências e atividades envolvidas. Para Beni (2000), um sistema17 representa um

17 Aqui entenda-se sistema enquanto a totalidade de frações interconectadas e articuladas de forma una e organizadapara atingir um mesmo objetivo ou objetivos.

30

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

todo composto por partes que procuram atingir um mesmo objetivo, tendo como base comum certos

princípios e procedimentos logicamente ordenados e coesos, sendo concetualmente próximo da

visão holística, e, ao ser aplicado ao turismo, deve ter em conta cinco elementos: os objetivos

(organização, planeamento, padronização de conceitos e definições de investigação com vista a

instrumentalizar análises e ampliar a pesquisa), ambiente (determinante para o funcionamento),

recursos (meios utilizados para executar as tarefas), componentes (subsistemas existentes), e a

administração (criação de planos que envolvam os elementos anteriores).

Esta mesma perspetiva é reiterada por Licínio Cunha (2009), para quem as análises ao

turismo continuam a ter como ponto de partida perspetivas seletivas e parciais, ignorando as

relações que esta atividade estabelece entre as pessoas, ambiente e outras partes do social e

económico. Conhecer o turismo, para este autor, implica então uma visão global e integrada de

todas as suas componentes e relações desde uma visão sistémica. Para que este sistema, composto

por vários subsistemas, funcione de forma a atingir os fins desejados, cada uma das suas partes tem

de funcionar também de forma harmoniosa com as outras18.

Ainda para este autor, o sistema funcional do turismo deve ser considerado com um quadro

dúplice, de um lado a procura e de outro a oferta, sendo composto ainda pelas seguintes

características: ser um sistema humano, espacial e temporal; sistema aberto que recebe influências

exteriores e em próxima conexão com elas; sistema caracterizado por conflitos e cooperações

internas-externas; sistema composto por vários subsistemas; sistema com perda de controlo e de

coordenação em vários dos seus componentes (Cunha, 2009:117).

Também para Gunn (1994) e Burns (1999), o Turismo deve ser abordado enquanto um

sistema, ou conjunto de subsistemas que trabalha no sentido de atingir um objetivo comum, e desde

uma perspetiva multidisciplinar, que considere tanto a sua operacionalidade como a conjugação

entre as várias partes. Farrel e Twining-Ward (2004) apresentam um trabalho que procurou

reafirmar a importância de efetuar uma abordagem à sustentabilidade e ao turismo enquanto

Sistema. Para estes autores, ao contrário do que se afirmava na década de 1970, o turismo enquanto

sistema é tudo menos estático e previsível19:

18 Se abordarmos apenas uma parte deste sistema resulta que apenas parte dos aspetos determinantes vão também serabordados, assim (para o autor), não há alternativa à necessidade de fazer do turismo objeto de uma análisesistémica, “(...) que se define como sendo o estatuto complexo que constitui o turismo e das inter-relações doselementos que o compõem (…).” (Cunha, 2009:113).

19 Para estes autores isto é particularmente evidente nos 'sistemas de adaptação complexa de turismo' (complex31

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

It is argued here that researchers need to venture outside the 'core system', to explore the otherconnections and interactions that extend as far as tourism significantly affects the ways of life, theeconomic well-being of the system, and the people involved, either directly or indirectly. Thiscomprehensive tourism system encompasses multiple system levels from the core, to the global or Earthsystem, all interrelated, open and hierarchical. (Farrel e Twining-Ward, 2004:278-279)

A estrutura e dinâmica dos ecossistemas deve ser entendida não como um sistema complexo

de equilíbrio, mas antes como um complexo composto por períodos de desordem e perturbação que

derivam, por exemplo, dos ciclos de vida dos sistemas económicos20.

Aliada, então, à sustentabilidade, a gestão do turismo exige desde logo reconhecer a

falibilidade da ideia de que um sistema ecológico é estável e previsível, e exige também reconhecer

a sua complexidade e a necessidade de adaptar a gestão à circunstância. É aqui que emerge a ideia

de 'adaptive management', um conceito que os autores Twining-Ward e Butler (2002) trabalharam

na ilha de Samoa (Havai) e do qual deriva o esquema representado em Farrel e Twining-Ward

(2004:285).

A teoria geral dos sistemas traz consigo vantagens, como uma visão do todo considerando as

suas partes e analisando-as separadamente se necessário. É ainda capaz de separar o turismo de

outros sistemas, permitindo um estudo interdisciplinar do turismo. Todavia, também tem as suas

limitações. A separação do turismo de outros sistemas acarreta uma visão fragmentada do objeto de

estudo, desconectando o turismo de outros sistemas maiores como o social.

Resta questionar se uma abordagem assente nesta teoria, ao demonstrar o fenómeno em

múltiplos sistemas mais pequenos, não cairá no erro de perder as interações que ocorrem entre esses

mesmos processos. Isto para além de que o turismo é uma atividade que, como vimos, atravessa

várias dimensões (sociais, económicas, ambientais, etc.) sendo extremamente difícil circunscrever e

englobar todas as suas facetas num sistema fechado para análise.

O próprio Leiper (1990), um dos defensores desta postura, alertou para os perigos de se

confundir os sistemas do turismo com o turismo enquanto sistema, um todo concreto e isolável,

algo que de todo não pode ser considerado. Para o autor, o turismo deve ser compreendido apenas

como um conjunto de sistemas que considera cinco elementos essenciais: o fator humano (o turista),

a região geradora de turistas, a rota de trânsito dos turistas, a região de destino, e a 'indústria de

adaptive tourism systems – CATS).20 “(...) systems are also now thought to cycle through different dynamic states, in a non-constant, episodic manner

with extended varying periods of stability followed by periods of turbulence.” (Farrel e Twining-Ward, 2004:281).32

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

turismo e viagens' (governos, agências, e operadores).

Entenda-se, então, que a abordagem técnica procura antes de mais trabalhar ou mesmo

reformular o corpo teórico dedicado ao turismo de modo a atingir objetivos previamente

determinados. Usualmente, falamos de metas de sustentabilidade económica, social e ambiental, o

que exige procurar aplicações provenientes de várias disciplinas adequadas ao turismo, caso

contrário, se a sustentabilidade não for o objetivo, não há necessidade de mudança (Farrel e

Twining-Ward, 2004:88).

2. A Abordagem Científica

To see other people, other places, other cultures and other political systems is a prime motivational fortefor travel. (Hudman, 1980:36 citado por Nash e Smith, 1991:127)

O Turismo é considerado o maior movimento pacífico de bens, serviços e pessoas alguma

vez visto pela humanidade (Greenwood, 1989:171). Tal capacidade poderá sugerir que o Turismo

tem sido um dos alvos principais do olhar dos cientistas sociais. Todavia, só nas últimas décadas é

que o tema tem ganho destaque: “(...) nenhuma área do conhecimento vem ganhando tanto destaque

quanto o turismo, seja pela sua dimensão económica, seja pela problemática social que ele enseja.”

(Magalhães, 2008:96). A questão a colocar é, então, por que motivo o Turismo foi e ainda é um

tema relegado?

Para Burns (2004), o tema tem sido evitado pelos cientistas sociais21 essencialmente por três

motivos: o turismo continua a ser visto como objeto menor que não merece a atenção da academia

(Nash, 1996; Burns, 2004); a proximidade existente entre a experiência e o relato do turista ou

viajante e a de um etnólogo pode despir a legitimidade do segundo; e finalmente, só com Cohen

(1972) é que o Turismo deixou de ser compreendido como um tema associado à economia e passou

a ser visto como conexo com as comunidades locais, seus traços e características. Poderíamos

adicionar ainda um outro fator, a perceção errónea de que turismo é uma mera atividade de lazer,

ócio e hedonismo. Tais conceitos podem muitas vezes parecer indissociáveis para quem não toma o

Turismo como objeto de estudo ou como um tema de interesse.

Alguns autores sugerem que o principal problema no tema do turismo são as próprias

21 O autor refere-se em particular ao caso da Antropologia, mas parece-nos uma crítica pertinente e adequada àSociologia.

33

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

investigações que carecem de seriedade e método, em particular na crítica moderna aos turistas

(MacCannell, 1976). Toda a ciência exige imparcialidade e um olhar crítico, mas, por vezes,

perspetivas inquinadas minam resultados, afastando novos investigadores e seus potenciais

contributos. Assim, “(...) para reflectirmos sobre o turismo devemos, antes de mais, libertá-lo da sua

carga ideológica, moral e comercial, a fim de o tomar simplesmente como um objecto de

conhecimento” (Amirou, 2007:25).

Das várias metodologias e teorias de suporte que alicerçaram as abordagens ao fenómeno

social do Turismo, formou-se um quadro claro de análises-tipo, ou pelo menos de tendências

analíticas. Entre estas obrigatoriamente temos de destacar a abordagem positivista, usualmente

representada pelos organismos internacionais, inclusivamente, a OMT. Este organismo considera o

turismo como alavanca indispensável para a prosperidade de países, na sua maioria, em vias de

desenvolvimento, onde os fins justificam os meios.

Uma outra linha comum, a marxista, insiste na visão de que o turismo é uma extensão do

imperialismo e colonialismo e, portanto, um ato explorador. Uma perspetiva puramente crítica que,

tal como a positivista, peca pela sua parcialidade e por não apresentar alternativas viáveis e

exequíveis.

É dizer, o modo como o tema tem vindo a ser abordado tem condicionado a sua produção

científica, ora apresentado como a solução para todos os problemas de uma sociedade ou

comunidades, ora como um bode expiatório de inúmeras desigualdades económicas e sociais, até

mesmo um violador da cultura e suas tradições. As ideias de turismo como libertador ou como

neocolonialista, e até centradas em evidências de mudanças sociais e culturais, esquecem que o

turismo é o estudo do homem longe do seu local de residência, da indústria que satisfaz as suas

necessidades, e dos impactos de ambo sobre os ambientes físicos, económico e sócio-cultural da

área recetora (Jafari citado por Cunha, 2010:13).

Entenda-se que das várias abordagens existentes as mais comuns têm uma perspetiva

economicista. De acordo com o Modelo de Criação e Desenvolvimento do Conhecimento em

Turismo de Tribe (1997), o conhecimento em Turismo poderia ser dividido em duas metades:

(Campo de Turismo 1) referente à vertente comercial do turismo onde podem ser incluídas agências

de viagens ou outras empresas de turismo, e (Campo de Turismo 2) referente aos aspetos não

comerciais do turismo e onde estaria incluída a academia.

34

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Na mesma linha, Barreto e Santos (2005) consideram que o Turismo possui um caráter

híbrido, o que implica uma carência quanto a um consenso na sua concetualização, e que advém de

este ser simultaneamente objeto de estudo científico das ciências sociais mas também pertencer à

área de ação do marketing22 e do negócio. Daí Ateljevic et al (2007) inferirem que existem apenas

duas formas de abordar o turismo, ora desde uma perspetiva empresarial (tourism management), ora

científica (tourism studies). De forma semelhante, Magalhães (2008) encontra uma perspetiva que

considera o turismo como um meio instrumentalizado ou técnico para a profissionalização com

propósitos de mercado, e uma outra, que defende a ideia de uma ciência do turismo assente numa

totalidade histórica.

Este caráter dúplice tem instrumentalizado o turismo e a investigação turística, tornando boa

parte da sua produção inconsistente e limitada. A construção de conhecimento em torno do turismo

tem estado sobretudo assente num discurso bipartido, o que significa que a pesquisa turística

produzida apresenta orientações epistemológicas díspares. Há que romper com tal postura de forma

total:

Romper com a tradição não significa coisificar um novo discurso, mas sim compreender que adificuldade que se põe num novo conhecimento – ciência e saber – é superar os limites que, distantes delhe serem inerentes, somente constituem um estado provisório de desenvolvimento. (Nechar e Netto,2011:398)

Como referimos inicialmente, a pesquisa do turismo começa a mostrar avanços nos enfoques

teórico-metodológicos, apesar de ainda coexistir uma carga assumidamente positivista e empirista

na sua orientação (Nechar e Netto, 2011). Podemos questionar por que motivo o tema tem ganho

esse relevo e interesse por parte de diferentes ciências, da sociologia e antropologia, à geografia e

economia.

O turismo é caracterizado por uma complexidade que envolve uma variedade de aspetos da

sociedade e da cultura. É um tema de interesse para as ciências sociais, desde logo porque é um

fenómeno social “total”, desde a perspetiva de Marcel Mauss (1974). À partida, diferentes ciências

implicam diferentes abordagens teórico-metodológicas que podem estar condenadas a considerar o

tema de forma distinta, fracassando na construção de um corpo teórico comum que permita avanços

no estudo do Turismo.

O grosso do debate científico coloca em confronto uma perspetiva de apoio ao turismo

22 Ritchie e Goeldner (1989) afirmaram mesmo que o marketing é a disciplina mais ativa e importante dentro docampo do turismo.

35

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

(massificado) com outra de resistência/combate. Um confronto que essencialmente opõe a

perspetiva institucional à técnica; uma e outra encontram na abordagem científica um apoio, pois

também a abordagem científica reúne várias posições contraditórias em relação ao turismo, ora

entendido como benéfico ora como predatório. Assim, antes ainda do debate teórico aprofundado

sobre este tema, iremos apresentar alguns autores e contribuições-chave que permitiram avanços

teóricos e metodológicos sobre o tema.

A nossa viagem começa em 1960 na Alemanha, com a primeira obra sociológica sobre o

turismo: 'Sociologia do Turismo', de Knebel23. Este autor apontou consequências tanto negativas

quanto positivas nas sociedades visitadas, destacando sobretudo um balanço positivo da atividade;

no entanto, não fez qualquer menção aos impactos criados nas comunidades e seus residentes.

Quase vinte anos mais tarde, tanto Boissevain (1979) como De Kadt (1979) falavam nos

impactos que as ideologias e atitudes externas provocavam nas comunidades locais, em particular

nas mais isoladas - mudanças de atitude, valores, ou comportamento que podem resultar da mera

observação dos turistas (De Kadt, 1979): o denominado 'efeito demonstrativo'.

Outra obra pioneira nessa abordagem foi ‘Arab Boys and Jewish Girl Tourists’ de Erik

Cohen (1971). Para o autor, os turistas não exercem apenas uma influência ativa nos locais como

também procuram nas suas viagens algo mais. Uma experiência que o autor não define totalmente.

Os turistas eram ainda tidos como um grupo globalmente homogéneo com duas

características indiscutíveis: de origem ocidental e de classe média. Mas nesse mesmo ano

MacCannell (1973) demonstra que tal não é verdade e aponta que a experiência procurada pelos

turistas é a busca por algo autêntico. Autenticidade essa que entendem existir nos seus destinos de

turismo, em países de 'terceiro mundo'.

A primeira grande obra em contra corrente ao apoio do turismo como atividade ideal para

salvar as economias dos países em desenvolvimento, foi 'The Golden Hordes' de Turner e Ash

(1975). Nesta, os autores fazem duras críticas ao turismo massificado comparando-o a uma ação

predatória onde turistas podiam ser equiparados às devastadoras hordas bárbaras.

Poucos anos depois, a obra de Smith (1977) 'Hosts and Guests', descreveu a existência de

turistas em todos os espaços e lugares, bem como a existência de vários tipos diferentes de turistas,

23 Inspirada pelo trabalho de Von Wiese (1930) Fremdenverkehr als zwischenmenschliche Beziehung. Archiv fürFremdenverkehr 1.

36

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

eles próprios com objetivos diferentes. Estas conclusões levaram a Sociologia a questionar quem

eram estes turistas.

Erik Cohen, em 1979, procurando outras respostas, estabelece uma série de tipologias

turísticas que deixaria cair a ideia de um turista genérico e vago, diferenciando assim os turistas em

quatro grupos de acordo com o seu comportamento e motivação. É também um dos primeiros

autores a lamentar a reduzida interação entre hóspedes e anfitriões, afirmando mesmo que os

primeiros preferem uma experiência cultural encenada e superficial ao contacto direto e autêntico

com os anfitriões. O turismo, para Cohen, fica aquém do seu potencial.

O foco crítico sobre o turismo nas obras subsequentes tem ainda maior destaque. Os turistas

são tidos como o inimigo, uma força neocolonial com propósitos clandestinos e por vezes

inconscientes de reforçar o domínio dos ricos sobre os pobres (Nash, 1989), levando

invariavelmente à criação de uma monocultura (Samy, 1975; Turner e Ash, 1975), qual ricochete da

modernidade.

Dez anos depois, Graburn (1989) infere que entre os turistas que buscam o 'exótico e

autêntico' encontram-se turistas originários de espaços também eles classificados de exóticos pelo

Ocidente, sendo estes também de classe média e/ou alta. Este contributo faria mudar a perceção do

turista. Agora este procurava também uma oportunidade de livremente escolher o que fazer com o

seu tempo, pois reconhece-se que este poderia, em simultâneo, optar por procurar a autenticidade

local, bem como apenas banhar-se numa praia, ou simplesmente permanecer todo o dia num quarto

de hotel: “the tourists are not just looking for an authenticity missing at home, but they are looking

for a whole range of moral and recreational complements to their constrained roles at home and at

work“ (Graburn et al, 2000:150).

Na década de 1990, um novo trabalho veio reacender o interesse pelo tema do turismo. Urry

produzia 'The Tourist Gaze' (1990), dando enfoque às questões do consumo dos lugares e paisagens.

O autor inova ao inferir que existe um consumo de lugares de forma reflexiva24 por parte do turista

contemporâneo, e que tal consumo é também uma marca da sociedade atual.

Nesta mesma década, e procurando sintetizar e explicar as origens do turismo, emerge ainda

a obra de Fortuna e Ferreira (1996) que conclui que a chegada do capitalismo organizado trouxe

formas de organização política e social que permitiram o crescimento e a democratização do acesso

24 Baseado no conceito de reflexividade de Giddens.37

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

ao turismo. Os cidadãos, ao usufruírem de condições e de tempo livre para desfrutar de férias,

encontram no turismo um cosmopolitismo que lhes dá acesso a outros espaços, culturas e

interações, a que Lash e Urry (1994) chamaram de 'cosmopolitismo estético'.

Com a mobilidade e consumo mais acessível, o turismo apresenta-se como uma atividade

específica da modernidade com capacidade de gerar diferenciação social (Fortuna e Ferreira,

1996:4). Com o “fim” do capitalismo organizado, presente até há algumas décadas, esta fase é

substituída por uma outra de desorganização onde o turismo perde a particularidade da mobilidade.

Os bens, serviços e produtos culturais de outras sociedades podem agora ser acedidos e consumidos

de outras formas, quase instantâneas, podendo mesmo prescindir de qualquer tipo de mobilidade

física, utilizando, por exemplo, ferramentas como a internet.

Desse modo, o turismo perde a capacidade de diferenciar os sujeitos, graças à crescente

segmentação dos mercados e das clientelas, que acabam por permitir uma nova revalorização do

turismo, sublinhando a valorização da cultura visual e estimulando reflexivamente os turistas. Este

“pós-turista” vive da “desdiferenciação social”.

Esta bandeira da cultura visual, agregada ao consumo, permite ao turismo vender

experiências, sensações e estilos de vida, com os quais os indivíduos reinterpretam a sua identidade

através das interações, relações e consumo no ato turístico. Este pós-turista enquadra-se na crítica

de Boorstin, e na sua definição de “não-turista”, um indivíduo passivo e comodista que procura

prazer e estímulos não culturais.

Para Fortuna e Ferreira, o turismo pode levar a uma descentralização dos sujeitos, o que por

sua vez permite uma nova recentralização. Este fruto da modernidade que evade o quotidiano e

consome uma versão dramatizada de um outro quotidiano, noutro espaço-tempo, para

invariavelmente culminar na “(...) desvalorização das identidades sociais e na revalorização dos

processos de identificação dos sujeitos” (Fortuna e Ferreira, 1996:15).

Também procurando sistematizar a produção científica dedicada ao turismo, Dann e Cohen

(2002) reconhecem quatro áreas temáticas na investigação turística: os turistas; as relações entre

turistas e locais; a estrutura de funcionamento do sistema turístico; e as consequências do turismo.

Desenhando-se assim um claro enfoque sociológico em duas grandes vertentes de investigação:

macro - estudos da sociedade; e micro - estudos centrados no indivíduo (Dann e Cohen, 2002:301).

Duas vertentes nada isentas de críticas: ”O tipo de investigação realizada nessas áreas tem

38

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

um viés fundamentalmente prático, pois são estudos relacionados com as análises de mercado, a

perceção entre visitantes e visitados, caracterização de comportamentos, impactos, etc.” (Nechar e

Netto, 2011:396). Mais recentemente, Goeldner et al (2002) concluíram existir até oito diferentes

perspetivas que vão da abordagem institucional, de produto, e histórica, até à gestão económica e

sociológica, passando pelas abordagens geográfica e a abordagem interdisciplinar.

Dada a dispersão, disparidade e até repetição dos dados e da sua proveniência, parece-nos

fazer sentido olhar para a produção sobre o fenómeno turístico desde o quadro sugerido por Jafar

Jafari (1994) que defende a existência de cinco plataformas na análise ao turismo, que apesar de

surgirem cronologicamente ainda coexistem, sendo estas classificadas como plataformas: de

advocacy, cautionary, adaptancy, knowledgebased, e public.

A primeira plataforma, a de promoção do turismo (advocacy platform), que encontra no

turismo uma atividade positiva social e economicamente, bem como ambientalmente viável, que

prometia divisas internacionais e geraria postos de trabalho. Apregoada institucionalmente desde

1960 como uma alavanca ideal para a economia, em particular para a economia dos países

envolvidos e afetados pela ressaca do segundo conflito bélico mundial.

Uma segunda plataforma seria a da advertência (cautionary platform), que vê o turismo

como agente adulterador e destruidor do meio ambiente. O turismo é alvo de duras críticas,

sobretudo durante a década de 1970, em particular após a Conferência de Estocolmo (1972), sendo

apresentado como deturpador da cultura local e destruidor dos recursos ambientais, indiferente às

consequências por si causadas (Mitford, 1959; Boorstin, 1964, 1987; Rivers, 1972, 1973; Turner e

Ash 1975). Em suma, um gerador de conflitos que via no acréscimo de lucros o justificador

absoluto da sua função. Responsável por potenciar um processo de desenvolvimento

ambientalmente predatório e socialmente segregador (Candiotto, 2007), a que 'a academia'

responderia com o modelo Irridex de Doxey (1976).

A terceira plataforma, a da adaptação (adaptancy platform), concebe um turismo que não só

pretende reduzir os seus impactos negativos, como também potenciar-se como resposta positiva a

carências locais. Surgem assim opções como turismo de aventura, agro-turismo, turismo cultural,

ecoturismo25, etc., fruto de um reconhecimento mundial da importância da conservação ambiental e

25 Goeldner (2000) define ecoturismo como viagens responsáveis a áreas naturais que conservam o ambiente esustentam o bem-estar das comunidades locais.

39

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

social e que, entre outros, influenciaria e seria influenciado por produções académicas como as de

Butler (1980) e de MacCannell (1973).

A esta plataforma é seguida a do conhecimento (knowledgebased platform), em 1990, que vê

o turismo como um objeto de estudo sobre o qual muito há por pesquisar. Com a intervenção e

envolvimento de investigadores e universidades, multiplicam-se os estudos e as contribuições

científicas sobre o mesmo26. Uma plataforma influenciada não só pela anterior como por relatórios

como o de Brundtland 'Our Common Future' (1987) e conferências como a do Rio de Janeiro

(1992).

Recentemente Xiao e Smith (2006) publicaram um trabalho que procurou sistematizar a

produção teórica dedicada ao estudo do turismo numa das principais revistas internacionais sobre o

tema (Annal of Tourism Research), desde 1973 até 2003. Entre as conclusões destacamos a

existência de duas tendências predominantes no estudo do fenómeno, de um lado a construção

teórico-metodológica, e de outro o desenvolvimento e impactos. Uma outra conclusão interessante

foi a influência teórica das disciplinas sociologia, antropologia e geografia na década de 1970,

seguidas por um foco na gestão, economia e sócio-economia na década seguinte, e finalmente, na

década de 1990, um forte interesse nas questões socioculturais e ambientais. Isto, grosso modo, em

linha com as conclusões de Jafari.

Por fim, resta apresentar a quinta plataforma, a pública27 (public platform), que emerge com

o novo milénio, e que é caracterizada pelo envolvimento público transversal. Desde Estados,

instituições públicas e movimentos públicos de cidadania, até ao 'comum dos cidadãos' não

especializados, que acabam por determinar, condicionar e influenciar o turismo, tanto na sua

operacionalidade como concetualização.

Tais contribuições servem para demonstrar que o turismo tem de ser encarado como muito

mais do que uma mera prática (económica) ou técnica, e antes como um fenómeno social complexo,

profundo e vasto que afeta global e localmente de forma transversal as sociedades envolvidas direta

e indiretamente. Servem, ainda, para deixar claro que procurar generalizar sobre esta atividade é um

esforço infrutífero e vão, pois desde logo existem “(...) tantas formas de turismo como

26 Todavia, há que recordar que autores como Barreto e Santos (2005) classificam este conhecimento como meroconhecimento mercadológico, aplicado para potenciar o mercado, e portanto enquadrado nos saberes populares.

27 Durante o VII Congresso Nacional e Internacional de Investigação Turística, em Guadalajara, México, Jafariintroduz uma quinta plataforma, que classifica de Pública (public-platform).

40

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

possibilidades de análise desta atividade” (Luchiari, 1998:15).

Muitos autores apontam para a necessidade de abordar o tema de forma heurística, deixando

cair a tendência de o fazer desde uma perspetiva economicista e seguindo um modelo base

(Frankling e Crang, 2001).

Se de facto a pesquisa focada no turismo padeceu de subnutrição teórica nas décadas

iniciais, os trabalhos desenvolvidos pela pesquisa qualitativa, em particular, da sociologia,

antropologia e geografia têm sido responsáveis por uma mudança ontológica, epistemológica e

metodológica que conseguiu “(...) um espaço para um entendimento partilhado de modos de

pesquisa mais críticos e mais interpretativos” (Ateljevic et al, 2005)28.

Lohmann e Netto29 defendem a corrente pós-positivista na análise ao turismo, balizada por

“(...) uma metodologia crítica na leitura, releitura e nova interpretação do conceito turismo”

(2012:63). Uma teoria à semelhança de outras pós-positivistas como as de Popper, Lakatos, Lévi-

Strauss, Bertalanffy e Luhman, etc. Nesta linha também Pernecky afirma que os eruditos estariam a

juntar-se, a começar a desafiar as fundações ontológicas do turismo e a reconhecer a necessidade de

maior pluralidade dos métodos e abordagens epistemológicas (Pernecky, 2010:5).

Procurámos demonstrar neste ponto que a produção sociológica sobre o turismo continua a

padecer de profundidade e de uma sistematização teórica. Para efeitos de contextualização, a

abordagem sociológica sobre este fenómeno será dividida em três grandes áreas temáticas para

respetiva análise: A Autenticidade e o Turista (perspetiva de indivíduo - micro); Atitude dos

Residentes e Relação entre Anfitriões e Hóspedes; Consequências/Impactos(es) do Turismo

(perspetiva de Sociedade - macro).

O debate em torno da Autenticidade envolve o confronto teórico de quatro autores basilares:

MacCannell, Cohen, Urry, e Wang. Posteriormente, trataremos do debate em torno das Relações

entre Hóspedes e Anfitriões, sobre o qual se debruçam uma quantidade relevante de diferentes

autores. Finalmente, trataremos da questão das Consequências e Impactos(es) do Turismo, centrais

nesta investigação, e onde traremos à luz algumas das principais conclusões, ainda que embora

28 A que Ateljevic et al denominan de “Critical Turn”.29 Fala-nos portanto na Teoria Geral dos Sistemas (TGS), assente numa visão holística e que vê no método de pesquisa

estruturalista o caminho a tomar. A ideia de um conhecimento alicerçado numa postura sistémica pode também serencontrado, por exemplo, no modelo que Jafari e Richie produziram em 1981. De acordo com estes autores, a formaideal de abordar o Turismo é a transdisciplinaridade, todavia os custos que tal abordagem obrigaria, exigem que seprocure uma abordagem inter ou multidisciplinar.

41

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

contraditórias, de autores como Milman e Pizam, Ap, Faulkner e Tideswell, e Andriotis, entre

outros. Este último ponto permite produzir uma plataforma comparativa de resultados internacionais

que serão colocados em confronto com os resultados desta investigação.

3. O Turista e a Autenticidade

Como gradualmente temos vindo a descortinar, o turismo é entendido por alguns autores

como forma mercadorizada de interação. Esta interação é realizada entre vários intervenientes de

forma direta e indireta, e em vários níveis de envolvimento interpessoal. Nesse sentido, a discussão

em torno do “turista”, as suas motivações e objetivos têm gerado um aceso debate teórico que tem

influenciado a metodologia qualitativa aplicada na sociologia e antropologia do turismo, em

particular autores como Boorstin, MacCannell, Turner, Cohen, Urry e Wang. Falamos naturalmente

do debate em torno do conceito de Autenticidade.

O tema da autenticidade, apesar de reintroduzido por MacCannell, surge inicialmente em

Boorstin (1961), um crítico do turismo de massas que, no seu entender, destruía os tempos áureos e

adequados do turismo precedente, provocando uma mercadorização da cultura e a homogeneização

da experiência turística que invariavelmente resultaria numa experiência inautêntica, num “pseudo-

evento”:

These attractions offer an elaborately contrived indirect experience, an artificial product to be consumedin the very place where the real thing is as free as air. (…) The keep the natives in quarantine while thetourist in air-conditioned comfort views them through a picture window. They are the cultural miragesnow found at tourist oasis everywhere. (Boorstin, 1961:99 citado por Hillman, 2007:3)

Estes pseudo-eventos eram facilmente detetáveis através de quatro características

demarcadas: a sua não espontaneidade, o seu propósito de reprodução contínua, a ambiguidade

presente nos eventos entre o autêntico e o encenado, e finalmente, a sua capacidade em se tornarem

profecias anunciadas. Para Boorstin, o turista de massa era pouco mais que um tolo que procurava a

artificialidade, alienando-se da realidade nas suas férias assim como acontecia no seu dia-a-dia.

Todavia, os contributos deste autor são desde logo descartados pois os seus pares

consideravam a sua análise tendenciosa, não original, que englobava todos os turistas numa só

categoria e que apresentava ilustrações empíricas nada sistematizadas e quadros analíticos que não

se adequavam ao turismo moderno (Cohen, 1988). Ainda assim, é-lhe reconhecido mérito na

inovação e coragem de abordar desde a sociologia o fenómeno turístico, e de criar uma base de

diálogo com outros autores que viriam posteriormente, como MacCannell.42

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Um outro autor que parece também ter influenciado MacCannell foi Turner (1973). Apesar

de diretamente não abordar o turismo, acaba por tocar num ponto próximo, os peregrinos e a

peregrinação. Este autor encontra semelhanças entre o rito-de-passagem identificado por Van

Gennep (1908), e a experiência por que passam os peregrinos. Esta é composta por três fases: a

primeira, de separação (espacial e social), onde o individuo se separa do seu grupo social habitual;

a segunda, de liminalidade, onde o indivíduo se encontra suspenso das suas obrigações e papéis

usuais; e a terceira, de reintegração, quando o indivíduo é reintegrado no seu quotidiano espacial e

social, usualmente em condições ou papéis sociais de status mais elevados. Como se entende, as

semelhanças entre o peregrino e o turista são consistentes; tal como o peregrino, o turista também

parte para o “Center Out There”, mas durante a segunda fase, numa situação liminoide, ou seja, por

livre vontade (ao contrário de liminal que se refere à obrigatoriedade de passar pela experiência

ritual)30.

Esta inovadora abordagem abriu novas perspetivas no estudo do turismo e é amplamente

seguida por autores posteriores, apesar de se poder apontar a crítica de que Turner, mesmo com a

adição da diferenciação entre liminal e liminoide, acaba por englobar todo o turismo num só

quadro, ignorando os tipos de turismo não lúdicos.

A questão da autenticidade solidificou-se finalmente quando Dean MacCannell apresentou o

artigo “Staged Authenticity: Arrangements of Social Space in Tourist Settings” (1973). Para o autor

os turistas são influenciados e conduzidos pelos operadores de turismo para representações

teatralizadas dos aspetos culturais dos locais que visitam, no lugar dos autênticos ou originais. Para

além disso, argumenta que existe uma escala de autenticidade nos locais turísticos, tal como entre

os turistas. Entre estes, os meros turistas são os que não conseguem escapar à “armadilha da

autenticidade encenada”, ao passo que os turistas superlativos fazem-no e procuram a “autêntica

experiência”:

The touristic critique of tourism is based on a desire to go beyond the other 'mere' tourists to a moreprofound appreciation of society and culture, and it is by no means limited to intellectual statements. Alltourists desire this deeper involvement with society and culture to some degree; it is a basic component oftheir motivation to travel. (MacCannell, 1976:10)

Em suma, este autor encontra no turista não o exemplo do inautêntico, mas um peregrino do

mundo secular, que encontra no turismo a versão moderna da busca universal do homem pelo

30 Esta ideia foi acrescentada mais tarde pelo próprio (Turner e Turner 1978).43

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

sagrado (MacCannell, 1973:593). MacCannell, influenciado por autores como Durkheim e Lévi-

strauss, procura aproximar o estruturalismo e o simbolismo para definir o turismo e como este opera

num mundo de consumo.

Paradoxalmente, em muitos pontos, o autor acaba por pôr em causa o método estruturalista,

por exemplo, ao considerar que a modernidade não havia obliterado as estruturas da sociedade.

Antes, a busca ativa pela autenticidade demonstra que o homem moderno está alienado pelo seu

quotidiano vazio e inautêntico, e procura uma nova autenticidade noutros lugares e noutros tempos.

Daí o fascínio pelo outro, usualmente “exótico” e “real”. Isto é, o turista procura o que não encontra

nas sociedades modernas, a tal estrutura pré-moderna, experienciando a autenticidade. Próximo da

proposta durkheimiana de que o sagrado é parte da sociedade, com seus próprios sistemas de

representação coletiva.

Outro dos autores onde vai retirar contributos é Goffman (1959), nomeadamente em

conceitos como “bastidor e fachada” e aplica ao estudo do turismo para explicar que os locais

constroem “espaços turísticos” para entretenimento dos turistas. Estes são recriações inautênticas

que procuram dar a ilusão de autenticidade aos visitantes, aquilo a que o autor chama de

“autenticidade encenada” para consumo turístico. O autor encontra na proposta teórica de Goffman

a matriz de análise ideal para propor que, para os turistas que observam um espetáculo artificial tido

como autêntico, o que interessa é a ideia de autenticidade e não a própria autenticidade. Os turistas

buscam-na, ainda que conscientes que o que vivenciam nos destinos turísticos é apenas uma

“autenticidade encenada”.

A busca reside no ideal, no imaginário do autêntico, pelo que os turistas procuram o que

Goffman chama de “bastidor”; no entanto, é-lhes fornecido um “bastidor encenado”, o que todavia

não parece ser discernido pelo turista embriagado pela construção ideal do autêntico que considera

ocorrer naquele momento/situação claramente de autenticidade encenada. Este ideal de

autenticidade reside nos pressupostos e construções criadas em torno dos destinos, nomeadamente

da sua história/cultura passada, da tradição idílica e pura, até exótica, que parece cegar mas

alimentar os turistas.

É no fascínio da pós-modernidade pelo passado, nomeadamente pelas imagens que criou e

cria desse mesmo passado, que cabe o turismo como atividade, baseado na ideia da História como

mercadoria vendida, uma autenticidade encenada alimentada pelo desejo de experienciar culturas

44

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

anteriores, culturas pré-modernas. Esta mercadorização reflete-se nos espaços:

Spaces are typically organized by out-of-scale landscapes while distances are portrayed to createconvenient tourist itineraries. Just as the tourist attractions are commodified and made part of a touristindustry, so too the maps which guides the way for those tourists commodify and colonize space. (Birch eDayton, 1994:1)

Mas também se reflete nas experiências. O turista “comum“, ao escapar à armadilha, tem

acesso à “autêntica realidade”, se quisermos, o que permitirá construir um quadro de referência da

cultura local que lhe permitirá valorizar, socialmente, e até monetariamente, a experiência, seja esta

uma mera narrativa ou um artefacto adquirido. A autenticidade pode ser entendida também como

“(...) uma entidade simbólica sobre a qual se produz acção social em termos de 'valor', que os

agentes utilizam para se situar em posições de poder variável dentro de um campo sistematizado e

marcadamente rígido” (Francesch, 2011:245).

O trabalho de MacCannell torna-se um pivô teórico no grosso da literatura académica

dedicada ao turismo. O seu trabalho inspira uma multiplicidade de novas investigações e influencia

outros autores preponderantes, como Graburn (1977) que também vê no turismo uma quebra de

rotina estruturalmente necessária face às rotinas quotidianas, e um paralelo entre a atividade e o

religioso (em circunstâncias pontuais), reforçando ainda mais esta perspetiva.

Em suma, MacCannell tenta provar que, por um lado, os operadores turísticos conseguem

simular a realidade ou autenticidade que é procurada pelo turista, e, por outro lado, que os turistas

tentam olhar através do palco encenado para os bastidores procurando a dita verdadeira experiência.

Apesar da inovação que o autor traz, Cohen critica argumentando que a descrição de MacCannell

não é mais representativa do que a de Boorstin. Além disso comete um erro semelhante a este autor

ao considerar que a busca pela autenticidade se pode aplicar a todo e a qualquer turista. Igualmente,

a sua metodologia carece de sistematização e representatividade (Cohen, 1988).

Visto que a motivação turística é vasta e variada, a estas proposições de autenticidade Pearce

e Moscardo (1986) procuraram acrescentar uma diferenciação entre autenticidade 'dos lugares' e

'dos autores': “A autenticidade, diz-se, pode ser alcançada através quer de experiências ambientais,

quer de experiências ligadas às pessoas, quer ainda de uma interação conjunta de ambas”

(1986:125). A perceção da autenticidade das experiências é um fator chave para a satisfação dos

turistas e deve ser considerada e analisada mesmo em situações onde aparentemente é irrelevante,

como, por exemplo, quando estes se alimentam ou bebem em estabelecimentos próprios, ou mesmo

45

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

quando praticam desporto ou jogos, e até quando consomem artigos e serviços na sua estadia.

Cohen (1988) classificaria estes três autores agora destacados como determinantes na análise

sociológica face ao turismo. Três tradições da pesquisa qualitativa em turismo que demonstram uma

progressão e uma continuidade no rigor das análises, permitindo ao campo recuperar o

reconhecimento dos trabalhos teóricos de referência, solidificar a sua teoria, e progredir de uma

postura generalizadora a emic. Ainda assim, os críticos mais severos da posição autenticista

afirmam que a questão da busca pela autenticidade por parte dos turistas não se poderá pôr visto que

o cenário e os atores nos destinos constroem artificialmente os espaços e as ações de forma a manter

os turistas fora dos seus espaços privados (Urry, 1995:140).

Ademais, se os turistas buscam escapar ao seu quotidiano e aos problemas das suas

sociedades de origem, não fará sentido afirmar que nas suas férias eles procurem confrontar-se com

os problemas dos ambientes de destino31. Nesta linha autores como Reisinger e Steiner concluem

que tal conceito deve ser abandonado dada a multiplicidade de significados como, por exemplo, a

autenticidade dos objetos, que pode ter significados ao nível do objetivamente real, ao socialmente

construído, até ao cinicamente fabricado (Reisinger e Steiner, 2006). O conceito torna-se inútil. Daí

que Cohen (2007) argumente que a autenticidade enquanto conceito é inoperante dadas as várias

definições. O autor apresenta seis definições alternativas:

(...) authenticity as customary practice or long usage; authenticity as genuineness in the sense of anunaltered product; authenticity as sincerity when applied to relationships; authenticity as creativity withspecial relevance to cultural performances including dance and music; and, authenticity as the flow of lifein the sense that there is no interference with the setting by the tourism industry or other managers.(Pearce, 2007:86).

Todavia, tais definições sugerem uma perspetiva puramente objetivista ao conceito de

autenticidade, uma vez que a proposta baseia-se na ideia de mensurabilidade externa de

autenticidade.

Korstabje resume as principais falácias da teoria de MacCannell. Para o autor esta carece de

consciência metodológica e é baseada em vários pressupostos erróneos: as culturas são entendidas

como estruturas com maior ou menor consistência e força (culturas fortes e fracas); o contacto entre

culturas superiores e inferiores resulta em admiração e submissão; consideração exagerada das

31 Para Hollinshead, é o conflito entre o dia-a-dia e o excitante, novo, diferente, que atrai os turistas. Uma fuga ao seuquotidiano, onde o discurso é ideologicamente definido e sujeito a relações claras de poder. O mesmo é trabalhadopelos operadores de turismo que procuram proteger os turistas da, tanta vezes, dura realidade do seu destino deférias (Sharpley, 1994:146).

46

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

relações humanas enquanto autênticas; falsa dicotomia entre o mundo industrial e o mundo tribal;

idealização das culturas tribais enquanto espaços ausentes de diferenciação entre público e privado;

confusão sobre as limitações da construção significado/significante aplicada à encenação turística

(Korstanje, 2009:82).

O esquema bipolar proposto do autêntico/encenado está errado, visto que, por exemplo, se

as culturas não se transformam ao longo do tempo ou através da interação com outros, então não

são autênticas o que significará desde logo que aquilo a que os turistas terão acesso nunca pode

representar autenticidade, seja esta encenada pelos operadores de turismo ou não.

O autor é ainda criticado por se deixar influenciar por ideias falaciosas inspiradas por

autores clássicos, como Durkheim, Lévi-Strauss, Marx, Goffman, entre outros. Por exemplo, ao

afirmar que os turistas, procurando escapar à sua vida quotidiana, viajam para lugares exóticos e

mais autênticos (pré-industriais ou em vias de desenvolvimento) está a sugerir que o “nativo

selvagem” é mais autêntico que o “homem industrial”! Procura esta que se vê sacralizada. Uma

busca que transforma as tradições locais e os anfitriões em peões do tabuleiro nostálgico dos turistas

insatisfeitos com a sua vida quotidiana.

Daí que sobre este debate Cohen afirme que ambas as posições são inúteis e irrelevantes:

Na minha opinião, nenhuma das conceções opostas é universalmente válida, embora ambas tenhamcontribuído com ideias importantes sobre a motivação, o comportamento e as experiências de algunsturistas. Diferentes tipos de pessoas podem desejar diferentes tipos de experiências turísticas; daí 'oturista' não existir como um tipo. (Cohen, 1979:180)

3.1 'Alternativas' à Autenticidade de MacCannell

Apesar do proposta de Cohen ser anterior à de MacCannell, a sua cimentação teórica é

claramente posterior e emerge em resposta às contribuições de MacCannell. O autor vai beber a

autores clássicos como Schutz e Simmel a ideia de strangerhood32 e argumenta que o que o turista

procura não é mais do que o desconhecido, o diferente, valorizando-o apenas e só por si mesmo. A

experiência turística gira em torno da novidade e da diferença. No entanto, essa experiência é

mediada de forma a mitigar o choque cultural de quem viaja para o estrangeiro, e portanto deve ser

agrupada em ideais-tipo de familiarity (familiaridade) e strangerhood (desconhecimento).

32 É o empréstimo da “(...) religious terminology from Eliade (1969, 1971), Turner (1973) and Shils (1975) andadapting it for an analysis of tourism marked a development and enrichment of Cohen's previous position” (Dann,1996:13).

47

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

De um lado temos o turismo massificado, que permite ao turista observar “em segurança”,

com total familiaridade, a estranheza (strangeness). Depois teríamos o turismo massificado

individualizado, que estaria mais predisposto a expor-se à diferença apesar de ter preparado de

antemão a maior parte da sua experiência. Cohen enquadra estes dois grupos no turismo

institucionalizado, sob a alçada dos agentes e operadores. Um terceiro grupo seria o explorador,

mais viajante do que turista: este recusa preparar a experiência antecipadamente apesar de procurar

algum conforto e familiaridade no alojamento e transporte. Finalmente o último grupo, classificado

por drifter (vagueante), e que representa o turista que procura uma imersão e exposição total à

estranheza. Estes dois últimos grupos seriam englobados também na categoria não-

institucionalizada de turismo.

Cohen insiste na existência de grupos de turistas, reformulando e introduzindo novas

categorias, e reforça que a diferença entre estes reside na sua relação entre o Centro, as sociedades

de origem dos turistas, e o Outro, as sociedades dos hóspedes. Este autor publicou uma série de

trabalhos de relevo onde esta dicotomia entre o Centro e o Outro é reforçado tendo como pano de

fundo uma outra oposição, a da modernidade/pós-modernidade, e como a última reconfigurou o

entendimento de conceitos centrais na abordagem ao turismo como autenticidade e mercantilização

(Cohen, 1988).

Uma outra alternativa à tese sobre a autenticidade é a da "Modernidade em Conflito".

Apesar da sua génese ter nascido do trabalho de Edward Said (1978), é com Hollinshead (1993) que

ganha destaque. Este, influenciado por Foucault, aborda o turismo desde uma perspetiva linguístico-

simbólica. Sendo a natureza imune a simbologia e linguagem, a atribuição de significados por parte

do homem a essa mesma natureza e à realidade deixam espaço para o discurso, os discursos de

poder e outras manipulações.

Em Hollinshead este 'empowerment discursivo' é claramente visível na articulação com o

passado, na sua reconstrução presente e futura. Ou seja, a forma como o turismo e o seu discurso é

construído e se apropria do ambiente, dos objetos, da memória coletiva, é um exemplo do poder

discursivo que a linguagem e a simbologia encerram. O turismo é para o autor um 'ambiente

comunicante'33 que orbita em torno de diferenças de poder e verdade, onde a verdade é simbolizada

33 Nos trabalhos desenvolvidos pelo autor tanto sobre os aborígenes na Austrália, como sobre os índios norte-americanos, procuram demonstrar esse poder discursivo do turismo: “In both cases the tourism establishment seesthe need to impose the order of the mainstream society on marginal visited people. This control is effected through

48

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

por palavras e imagens.

'The Tourist Gaze' (1990) é outra das obras de destaque obrigatório. Urry cimentou a sua

retórica na proposição de que para se entender o turismo contemporâneo, o turismo pós-moderno,

teríamos primeiro de reconhecer que o turismo anterior, o moderno, provinha de uma sociedade

altamente estruturada e diferenciada que dependia de uma lógica racional e normativa

institucionalizada, tanto vertical como horizontalmente.

Este trabalho de Urry procura uma nova abordagem ao turista e à experiência turística, um

olhar que encontra no consumo uma marca da sociedade atual, e no turismo um exemplo desse

consumo. Para Urry o turismo é uma atividade pós-moderna que exige o reconhecimento do pós-

turista. Alguém consciente e indiferente à autenticidade ou inautenticidade que observa mas que

sobretudo procura experienciar uma viagem, seja ela na Papua Nova Guiné numa aldeia tradicional

remota, num resort no Algarve ou na EuroDisney em Paris. Isto é, a condição pós-moderna

encontra na artificialidade e representação do real uma realidade, ou hiper-realidade, mais autêntica

e desejada que a própria realidade. A questão da autenticidade ganha aqui novos contornos face às

posturas anteriormente abordadas. Em Urry, o turismo pós-moderno é a representação da

autenticidade!

Para o autor, em particular nas sociedades capitalistas atuais, marcadas pelo consumo,

stresse constante e superficialidade, o turismo desempenhava um papel importante: o de recriar um

cenário e uma experiência romantizada que procura dar prazer a quem participa, mesmo que à

distância ou através de barreiras físicas como janelas ou ecrãs, ou barreiras simbólicas como

observar reconstruções culturais “inautênticas”. Nas suas próprias palavras:

The post-tourist does not have to leave his or her house in order to see many of the typical objects of thetourist gaze, with TV and video all sorts of places can be gazed upon. (…) The typical tourist experienceis anyway to see named scenes through a frame, such as the hotel window, the car widescreen or thewindow of the coach. (Urry, 1990:100)

Neste processo pós-moderno de desdiferenciação, do enaltecimento da individualidade, anti-

autoritarismo e anti-massificação, nas sociedades (em particular as ocidentais pós-industrializadas),

o prazer já é agora entendido como um dever de auto-atualização: “a cultura mercantilizada é

consumida não num estado de contemplação mas de distracção” (Dann, 1996:18). Esta

contemplação permite, por um lado, uma compreensão dos processos de construção dos destinos

ethnocentric stereotypes, vocabularies, symbols, and texts” (Dann, 1996:26 citado por Hollinshead, 1993).49

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

turísticos e do seu consumo; por outro lado, serve de metáfora (to gaze) para as práticas modernas

de turismo e significados associados (Williams, 1998).

Grosso modo, uma inovadora abordagem ao turista, apresentado como detentor de livre

vontade, e de uma ação turística que não é apenas produção, mas também consumo. No entanto,

MacCannell (2001) critica o enfoque na vida quotidiana, desagradável e tediosa, em contraste com a

excitação e emoção da viagem turística. Para este autor, Urry parece esquecer as pessoas para quem

a vida quotidiana já é emocionante e que, ainda assim, continuam a ser turistas quando viajam. O

"Olhar Turístico" de Urry é apresentado como um diagrama para a transformação do sistema global

de atrações num enorme conjunto de espelhos que servem necessidades narcisistas de egos

aborrecidos (MacCannell, 2001:26).

A divisão binária de felicidade/infelicidade, lazer/trabalho, quotidiano/férias, está em Urry

aprisionada e aplica-se não só ao turista como ao que ele observa. Não há nada de ordinário no

destino turístico. Urry vê na viagem e no turista apenas a busca pelo verdadeiramente

extraordinário, tornando, por arrasto, o que é observado e vivido pelos turistas no seu quotidiano

como ordinário, comum, ou menos interessante. Urry parece ir beber a Foucault, especificamente à

lógica do visível, que vê o invisível como apenas algo que poderá vir a ser visível, apresentada na

obra “The Birth of the Clinic” (1975). E também à unidirecionalidade do olhar (panoptic gaze,

apenas os 'poderosos podem olhar') na obra “Discipline and Punish” (1977).

MacCannell (2001) pretende defender duas premissas com esta reavaliação crítica do “olhar

do turista”. Existe um olhar determinado pelas instituições e práticas do turismo comercializado,

ideologicamente formada (a que Urry apresenta), mas também existe outro olhar que reconhece que

a realidade, ou partes dela, lhe escapam, procurando em atividades como o turismo uma janela para

essa realidade que reconstrói livremente.

Numa nova vaga de repescagem do conceito de autenticidade, Wang (1999) apresentou a sua

proposta existencialista, que considera que as abordagens já referidas devem ser reconsideradas e

seus limites definidos. As posições existentes em torno da autenticidade (realista-objetivista,

construtivista, e pós-modernista) encaram a autenticidade enquanto noção 'object-related', o que

apenas explica parte das experiências turísticas. Assim, o autor propõe o conceito de “autenticidade

existencial”, originariamente de Hughes (1995).

A ser considerado como 'activity-related', este conceito permite agregar inúmeras

50

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

possibilidades de autenticidade, sendo que para o autor esta encontra-se definida em duas bases

separadas e não assente numa única (Wang, 1999:351). Ou seja, por um lado, as experiências

turísticas, e por outro, os objetos turísticos. Na perspetiva da autenticidade objetiva, os objetos

originais quando identificados como autênticos permitiriam o surgimento de uma experiência

autêntica, como afirmava Boorstin. Adversamente, a perspetiva construtivista vê a autenticidade

como uma perceção construída a partir de imagens que o turista possui do Outro, usualmente

construídas a partir de ideias e construções estereotipadas da sua sociedade de origem. Deste modo

interessa sobretudo a autenticidade na sua vertente simbólica.

Se a autenticidade é de facto uma construção social que emerge de interpretações e

construções contextualmente determinadas, o mesmo se pode aplicar à inautenticidade. Wang

afirma que: “neste sentido, se os turistas de massas experienciam empiricamente os objetos

turísticos como autênticos, então os seus pontos de vista são reais por direito próprio,

independentemente de os especialistas poderem propor uma visão oposta de uma perspectiva

objetiva” (1999:355). Para este autor, se os objetos turísticos envolvem estes dois tipos de

autenticidade, a experiência existencial envolve, por seu turno, sentimentos pessoais ou

intersubjetivos potenciados pela pontual atividade turística. É o estado de pontualidade da atividade

turística que permite ao turista a liberdade de ser mais autêntico, estando ausente do seu quotidiano

e mais próximo do seu 'eu verdadeiro'.

Para Wang, MacCannell ao apresentar a autenticidade encenada diversa da autêntica, deixa

escapar a autenticidade que, de facto, está em causa, a bipartida autenticidade como sentimento e

autenticidade como conhecimento:

O ponto-chave em debate, no entanto, é que a autenticidade não é uma questão de preto ou branco, masenvolve um espectro muito mais alargado, rico em cores ambíguas. Aquilo que é classificado comoinautêntico ou como autenticidade encenada por especialistas, intelectuais ou elites, pode serexperienciado como autêntico e real a partir de uma perspectiva emic – pode ser exactamente esta a formacomo os turistas de massa experienciam a autenticidade. (Wang, 1999:353)

Nesta vivência da autenticidade existencial, o turista procura o seu verdadeiro e autêntico

'self' quando experiencia, por exemplo, uma representação de uma qualquer atividade consumida

enquanto autêntica. Algo que, para Wang, se aplica mesmo quando esta é apresentada como mera

fantasia: “mas essa fantasia é real – é um sentimento fantástico. Apesar de ser um sentimento

subjetivo (ou intersubjetivo), é real para um turista, e é-lhe assim acessível no turismo. Este

sentimento fantástico é aquilo que caracteriza precisamente a autenticidade existencial” (Wang,51

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

1999:360). Como pudemos ver, para Wang a autenticidade existencial é mais adequada para analisar

e explicar as experiências turísticas, no entanto, o autor afirma ainda que esta pode ser subdividida

de acordo com duas dimensões ao nível pessoal, a intra e a inter. A autenticidade intrapessoal refere-

se a sensações e sentimentos individuais e a interpessoal às relações entre turistas.

Apesar das pesadas críticas e profundos acertos propostos à sua contribuição, a obra de

MacCannell deve ser destacada de forma positiva, pois numa época que os investigadores viam no

turismo um instrumento do 'progresso', MacCannell destaca os efeitos negativos e não desejados da

atividade (Korstanje, 2009:89). Um destaque que deve recordar que apesar dos intensos debates e

críticas, a autenticidade ainda é válida (Pearce, 2007:86), e de todo parece estar à beira da extinção,

já que novas ideias em torno da autenticidade continuarão a surgir e evoluir (Hillman, 2007:5).

Concluindo esta retrospetiva do discurso sociológico em torno deste conceito, recordamos as

quatro propostas: a perspetiva autenticista de MacCannell, que defende que os turistas buscam o

genuíno, autêntico; a perspetiva da diferença (strangerhood) de Cohen e Cooper, onde os turistas

preferem o virgem, remoto, fascinante, etc., marcado claramente por um uso assimétrico das formas

de comunicação entre turistas e residentes; a perspetiva de diversão/fantasia (play), de Urry, onde a

visita a lugares como Disneyland é exemplo claro da busca pelo fantasioso, imaginativo ou surreal

(Rázusová, 2009 citado por Dann, 1996); e por fim, Wang (1999) que vê na autenticidade uma

duplicidade de interpretações que exige a consideração das dimensões inter e intrapessoal.

Existem portanto três abordagens-tipo à autenticidade: realista-objetivista, construtivista, e

pós-modernista. A primeira parte do princípio que a realidade é rígida e imutável, e adjetiva com

conceitos como genuinidade e verdade, e acredita na mensurabilidade empírica da autenticidade

(ex: MacCannell, 1973). Já a perspetiva construtivista (ex.: Cohen, 1988), em oposição, considera a

autenticidade socialmente construída e, como tal, mutável e não autónoma das interpretações e

perspetivas de quem a aborda. Portanto, ela é negociável, contextual e ideológica (Bruner, 1991;

Silver, 1993).

Por fim, a perspetiva pós-modernista relega a pertinência da autenticidade afirmando que

esta é irrelevante para o turista, pois, este, consciente ou não da encenação ou da própria

autenticidade, não a considera pertinente. Argumenta ainda que o conceito de autenticidade é inútil,

pois não representa o turismo e os turistas pós-modernos (Olsen, 2007).

Estas perspetivas não reúnem todas as posturas e contribuições da Sociologia (ou

52

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Antropologia), mas antes aquelas que maior influência têm tido na abordagem ao turismo. A teoria

sociológica contém ainda muitos elementos e contribuições por explorar no que toca à análise a este

tema, e nenhuma em particular detém o controlo sobre a temática. Na verdade, a Sociologia do

Turismo exige contribuições cruzadas de várias perspetivas sociológicas, mas também de outras

ciências sociais (Dann e Cohen, 1991). A viabilidade de uma Sociologia do Turismo depende de

uma matriz teórica fundamentada e madura, e, para tal, uma postura eclética ao nível teórico é vital.

Passemos então a dedicar a nossa atenção à relação entre hóspedes e anfitriões, e como estas

moldam atitudes de uns sobre os outros, assim como, às consequências desta interação.

4. Atitude dos Residentes e Relação entre Hóspedes e Anfitriões34

A chave para o sucesso dos programas turísticos depende de uma abordagem ativa às

problemáticas relevantes com o envolvimento dos residentes, hoje reconhecidos como os principais

intervenientes no processo (Rastegar, 2009). A sustentabilidade do turismo reside na relação bem-

sucedida entre anfitriões e hóspedes. Por sua vez, esta relação depende da perceção que os

residentes têm do turismo e dos turistas; é dizer, dos impactos detetados por eles e respetivas

consequências. Daí que autores como Jurowski e Gursoy (2004) sugiram que o envolvimento das

comunidades locais (mesmo as que residem a alguma distância dos focos turísticos) na planificação

do turismo e nos seus diagnósticos e avaliações, é determinante para o seu sucesso.

A importância dos residentes no apoio e sucesso do turismo está amplamente presente na

literatura (Ashley e Roe, 1998); Andereck e Vogt, 2000; Andriotis 2008; Huh e Vogt, 2008; Ovieda-

Garcia et al., 2008; Stronza e Gordillo, 2008; Vargas-Sanchez et al, 2009). Nessa medida, é possível

traçar duas linhas de influência nas primeiras investigações que procuravam determinar os fatores

que influenciam a perceção dos residentes face à atividade turística ou desenvolvimento turístico.

Uma tendência dominante tem procurado justificar a atitude dos residentes com base em

fatores sócio-económicos como: rendimento, género, idade, etnicidade e tempo de residência. Esta

postura adveio da influência do modelo sistémico de Park e Burges aplicado ao turismo, que postula

que quanto maior for o tempo de residência mais negativa é a perceção dos residentes face ao

turismo. Esta tese foi comprovada em trabalhos como de Um e Crompton (1987), ou Sheldon e Var

(1984), Brougham e Butler (1981), ainda que com variações entre si.

34 Camargo (2003) sugere que o conceito de hospitalidade será o mais adequado para tratar a interação entre residentese visitantes.

53

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Pelo contrário, Perdue et al (1990) afirmam que este é um fator pouco determinante e até

contraditório em algumas pesquisas, não sendo capaz de explicar as variações nas atitudes.

Conclusões partilhadas por autores como Liu e Var (1986), Allen et al (1993), Tomljenovic e

Faulkner (1999), Cavus e Tanrisevdi (2002), entre muitos outros. Na verdade, McCool e Martin

(1994), Williams et al. (1995) Snaith e Haley (1999) chegam mesmo a obter resultados que

contrariam diretamente a premissa sugerida.

Uma outra tendência comum tem procurado explicar as atitudes dos residentes com base em

fatores espaciais, onde quem reside ou convive mais perto da atividade turística tende a ter uma

atitude ou perceção pior que os restantes residentes. Uma premissa influenciada pelo modelo linear

de Durkheim, Simmel, Wirth, e que obteve algumas corroborações em trabalhos como os de Pizam

(1978), Tyrell e Spaulding (1984), Hester (1993), Jurowski e Gursoy (2004), etc. Em certa medida,

esta ideia encontrou ecos idênticos noutros trabalhos que revelaram que o menor contacto entre

residentes e turistas resultava numa perceção mais positiva, como em Doxey (1975), Pearce (1980),

Brougham e Butler (1981), Teo (1994), Smith e Krannich (1998), entre outros.

Todavia, outros autores também tiveram resultados que a contrariam totalmente, como

Rothman (1978), Belisle e Hoy (1980), Sheldon e Var (1984), Korça (1998), Harril e Potts (2003),

Bujosa e Nadal (2007), etc., onde maior contacto entre os residentes e o turismo resultou numa

atitude mais positiva.

Apesar de resultados contraditórios, ambas as linhas de investigação acabaram por

contribuir para uma melhor compreensão das atitudes dos residentes, pois, concluiu-se que existia

todo um conjunto complexo de fatores que as influenciavam, muito além de fatores apenas

espaciais e sócio-económicos.

Outros estudos revelaram a influência de mais fatores como: o tipo de turistas (Woosman,

2008), os líderes comunitários (Aref e Redzuan, 2009), características sócio-demográficas (Butler,

1975; Schewe e Calantone, 1978; Dogan, 1989; Husband, 1989; McCool e Martin, 1994;

Alhansanat, 2008)35, o envolvimento dos residentes no planeamento turístico e sua aplicação

(Jacobson, 1991; West e Brechin, 1991; Heinen, 1993; Durbin e Ralambo, 1994), a duração/história

do desenvolvimento turístico num destino (Duffield e Long, 1981; Brougham e Butler, 1981;

35 Ainda que neste caso alguns autores sugiram que estas características são apenas determinantes em países em viasde desenvolvimento como Belisle e Hoy (1980), Milman e Pizam (1988), Ryan e Montgomery (1994), Lankford eHoward (1994), Liu e Var (1994), etc.

54

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Brown e Giles, 1994; Ryan e Montgomery, 1994), o tempo de residência36, o aumento do número de

turistas (Akis et al., 1996), a presença esmagadora de turistas em relação a residentes (Milman e

Pizam, 1988)37, ou ainda os benefícios económicos (Husband, 1989; Madrigal, 1993); Lankford e

Howard, 1994), entre inúmeros outros.

Este emaranhado aparentemente caótico de fatores que condicionam a atitude dos residentes

esconde muitas vezes as perspetivas teóricas que têm procurado encontrar sentido nestes resultados

tantas vezes contraditórios. Harril (2004) afirma mesmo que

Although theories of tourism may be mistaken for emerging approaches and orientations used byresearchers, the theories are drawn from mature social sciences such as sociology and psychology. Forexample, community attachment, social exchange, growth machine theories, based in sociology and otherdisciplines, provide a basis for explaining how resident attitudes toward the impacts of tourismdevelopment are formed. (Harril, 2004:9)

4.1 Teorias Explicativas da Atitude dos Residentes

Começamos esta explanação com a teoria “Community Attachment”, ou “apego à

comunidade”, aplicada por McCool e Martin (1994), e que vai beber a ambos os modelos referidos

no ponto anterior, ou seja, tanto ao modelo linear como ao sistémico. Ambos encontram eco em

resultados de investigação e, nessa medida, esta teoria postula que, dada a permeabilidade da

qualidade de vida da comunidade face aos efeitos da atividade turística, quanto maior for o apego à

comunidade, mais negativa é a sua atitude face ao desenvolvimento.

A questão que se colocou desde logo no seio desta teoria foi: como medir o nível de apego à

comunidade ou quais os indicadores adequados para tal medição? Ora, os indicadores mais comuns

nas mais diversas combinações são: tempo de residência, local de nascimento, etnicidade (Um e

Crompton, 1987), nível de desenvolvimento turístico e sentimentos de apego à comunidade

(McCool e Martin, 1994), rendimento anual (Williams et al., 1995), nível de qualidade de vida e

satisfação na comunidade (Jurowski, 1998), envolvimento na comunidade (Vesey e Dimanche,

2000; Harril e Potts, 2003). Esta teoria foi corroborada apenas por Um e Crompton (1987), pois o

grosso dos resultados demonstraram que o contrário é mais comum, ou seja, os residentes com

maior apego tendem a percecionar o desenvolvimento turístico como algo mais favorável que os

36 Onde para Brougham e Butler (1981) os recém-chegados toleravam pior os impactos, ou o contrário em Duffield eLong (1981).

37 “Isto poderá ocorrer porque as expetativas originais dos benefícios do turismo não eram realistas (e como talincapazes de serem cumpridas) ou porque os benefícios são pensados apenas para proveito de um pequeno númerode pessoas” (Fernandes e Rassing, 2000:1).

55

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

restantes residentes.

Por seu turno, a teoria “Growth Machine” (ou “máquina de desenvolvimento”) apresenta-se

como particularmente interessada nas questões do desenvolvimento urbano, nomeadamente, nas

diferenças de atitude entre residentes e elites. Nessa medida, esta teoria tem sido adaptada ao estudo

do turismo com o intuito de determinar em que medida o desenvolvimento turístico é controlado

pelos interesses no crescimento urbano e não tanto pelos interesses de residentes individuais (Harril,

2004:11). Postula-se que os indivíduos que não retiram quaisquer dividendos do desenvolvimento

turístico não apoiam o incremento do mesmo.

Já a teoria “Altruistic Surplus” (ou “excendente altruísta”) de Faulkner e Tideswell (1997),

defende que, por vezes, uma noção de bem geral pode sobrepor-se à perceção de prejuízo individual

e levar os indivíduos a apoiar o turismo mesmo reconhecendo o efeito nocivo deste na sua vida.

Uma teoria interessante mas que carece de comprovação.

A teoria “Reasoned Action” de Ajzen e Fishbein (1975), afirma que os indivíduos são

racionais e, como tal, fazem uso de toda a informação disponível, avaliam as implicações das suas

ações, tomando ou não uma decisão. Por outras palavras, se um indivíduo considera um

comportamento como favorável, a probabilidade de o executar é maior.

Uma teoria que reúne várias tentativa de comprovação, é a “Social Exchange Theory”

(SET), ou “Teoria da Troca Social”. Esta procura explicar a mudança social enquanto processo de

trocas negociadas entre indivíduos em sociedade (Ap, 1992). A SET afirma que os indivíduos

formam relações de acordo com uma análise de custo-benefício e comparação das suas alternativas.

Isto significa, por arrastamento, que as relações tornam-se mais ou menos desiguais entre os

indivíduos dependendo dos custos e benefícios das mesmas. Tal perceção é entendida como fulcral

para o desenvolvimento e apoio ao turismo por parte das comunidades. A teoria postula que os

residentes, por exemplo, consideram positivamente o turismo se os seus impactos negativos

percecionados se demonstrarem iguais ou inferiores aos positivos, algo confirmado por inúmeros38

trabalhos:

Residents are generally in favor of events that contribute socially and economically to the destination.They are, however, not ambivalent to some of the negative impacts, but are willing to cope with thesenegative impacts as long as the perceived benefits exceed the negative impacts. (Jackson, 2008:240)

38 Falamos de Arjen e Fishbein, 1980; Perdue et al, 1990; Madrigal, 1993; Faulkner e Tideswell, 1997; Jurowski et al,1997; Andereck e Vogt, 2000; McGehee et al, 2001; Kayat, 2002; Gursoy et al, 2002b; Dyer et al, 2007; Guerreiro etal, 2008; Jackson, 2008; Mohul, 2009; Nunko e Ramkisson, 2009; Brida, 2011; etc.

56

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Para Ko e Stewart (2002) os benefícios pessoais que derivam do turismo são relevantes para

entender as perceções positivas dos residentes, mas não tanto para entender as perceções quanto aos

impactos negativos. O residentes que mais dependem do turismo acabam muitas vezes por tolerar

melhor os impactos negativos ou sobrevalorizar os positivos (Brougham e Butler, 1981; Milman e

Pizam, 1988; Murphy, 1983; Pizam, 1978; Rotham, 1978; Thomason et al, 1979). No entanto, Var

et al. (1985), Ross (1992), Lankford (1994), Lawson et al. (1998), entre outros, demonstraram que

quem mais benefícios colhe é também capaz de reconhecer melhor os impactos negativos.

Em suma, uma teoria amplamente testada que encontra alguns resultados contraditórios

como o de Monterrubio et al. (2012). Este concluiu na sua investigação que, embora os resultados

quantitativos confirmem esta teoria, os resultados qualitativos relativizam-nos. De forma totalmente

contraditória, Andriotis (2005) não foi capaz de comprovar a SET na sua investigação.

Uma das críticas constantes à SET é esta abarcar sobretudo estudos de custo-benefício em

termos de benefícios económicos, relegando normalmente os aspetos mais culturais e sociais. Já

McGehee et al. (2001) consideram que esta teoria peca por partir do princípio de que os indivíduos

decidem com base em critérios de ganho para si próprios, e nessa linha não existem “perdedores”

nas trocas. Ora, nem podem apenas haver “vencedores” nas trocas, nem se pode presumir que todas

as escolhas são prudentes sem se presumir que todas as decisões são tomadas com pleno

conhecimento de todas as variáveis ou informações possíveis.

Recentemente, Yutyunyong e Scott (2009) sugerem a realização de uma análise híbrida,

adicionando à SET a Social Representation Theory (SRT). Esta, com fortes raízes na psicologia

social, vai também encontrar semelhanças no construtivismo social e interacionismo simbólico, e

uma forte influência de Durkheim e das suas “representações coletivas (Yutyunyong e Scott, 2009):

SRT framework can examine how individual perceptions or representations towards tourism developmentregulate individual actions and outcomes by finding a relationship between socioeconomic and otherfactors such as values, beliefs, norms and perceptions of tourism development. (Yutyunyong e Scott,2009:10)

Trabalhada desde os anos 60 em França, mas sobretudo por Moscovici na década seguinte,

esta teoria baseia-se no princípio de que as representações sociais são definidas de acordo com os

sistemas de valores, ideias, imagens e práticas com uma função dúplice: estabelecer uma

ordem/hierarquia entre os indivíduos e facilitar a comunicação entre os membros da comunidade.

De acordo com o autor francês Moscovici, existiriam três tipos de representações sociais:57

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

hegemónicas (representações comuns), emancipatórias (representações marginais), e polémicas

(representações divergentes). Todas elas refletem formas sociais elaboradas de pensar e discutir um

assunto, envolvem múltiplas perspetivas sociais, criam desafios, dificuldades e conflitos devido à

mudança, e, assim, contribuem para a partilha de ideias na arena pública (Yutyunyong e Scott,

2009).

Um dos resultados interessantes de uma pesquisa levada a cabo pelos autores supracitados

foi que os residentes reconheciam os impactos negativos e positivos do turismo mas que toleravam

os primeiros em detrimento dos segundos. Entre os positivos estavam a melhoria da qualidade de

vida e da economia local, pois estas permitiram aos residentes, nomeadamente as gerações mais

novas, uma formação e educação em países ocidentais, acelerando a mudança social local. Uma

mudança gradual foi o controlo e influência nas tomadas de decisão locais, e estabeleceu relações

de poder desiguais entre os residentes.

Outra conclusão foi a de que, em defesa dos seus valores em mudança por influência da

presença dos turistas, a comunidade local fazia jogo duplo com os seus valores e atitudes: no Verão

tolerava os valores, atitudes e comportamentos dos turistas; no Inverno retomava os seus

tradicionais ou conservadores (Vounatsou et al, 2005). Para os autores esta atitude dúplice é sintoma

de decadência de um espaço turístico, pois antecede a indiferença dos locais face aos seus valores e

normas e, inevitavelmente, a absorção total dos valores e normas dos turistas.

Como vimos, esta teoria assume que as pessoas efetuam trocas quando existem interesses e

mantêm-nas quando o resultado final é vantajoso. Troca essa que pode ter uma forma material

(física), ou então imaterial (como um serviço prestado), e que pressupõe uma relação positiva entre

os intervenientes quando a troca é compensatória. A recompensa ou reforço podem ser positivos ou

negativos, dependendo também das relações de poder estabelecidas entre os intervenientes. Por

exemplo, caso haja uma subordinação acentuada de um face a outro, turista face a residente, pode

chegar-se ao ponto de dependência cultural do segundo face ao primeiro, sobretudo quando uma

economia é dependente do turismo.

No entanto, ao contrário do que é muitas vezes considerado, as transformações culturais são

universais e inevitáveis; se quisermos, o turismo massificado pode ser uma oportunidade de retocar

essas transformações de uma forma economicamente proveitosa. Como infere Crick: “é certo que

ocorrem mudanças nos padrões morais e comportamentos, mas devemos ter o cuidado de não

58

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

resvalar em romantismos e etnocentrismos opondo as nossas descrições a um idílico rousseauniano

de vida tradicional. (…) Estas culturas já estavam em mudança muito antes do turismo (…)” (Crick,

1989:336).

As relações entre hóspedes e anfitriões são relações de influência mútua. Todavia, o grosso

da literatura e das investigações das ciências sociais sobre o tema dos impactos destas relações tem

incidido com particular atenção nos impactos dos turistas sobre os autóctones (ou dos hóspedes

sobre os anfitriões). Da mercadorização cultural que o turismo massificado provoca, ao reforço de

valores culturais e uma propagação dos mesmos a uma escala globalizada, todos os cenários são

praticados e praticáveis.

Há, portanto, espaço para uma diferenciação positiva que devidamente explorada política e

economicamente, poderá fazer brotar dinâmicas positivas como empowerment social (Cole, 2007).

Isto porque o turismo e seus resultados não são fatalidades pré-determinadas, mas sim jogo de

múltiplos resultados que variam de acordo com a forma de usar as peças disponíveis.

Os anfitriões reconhecem grande parte dos impactos negativos e positivos, apresentados no

ponto anterior, e da perceção desse conjunto de impactos definem a sua postura face ao turismo39,

seja ela de apoio, de indiferença ou de resistência. Assim, será na prevenção dos impactos negativos

que pode residir a chave para um maior apoio e envolvimento no turismo por parte dos anfitriões.

Por sua vez, tais condições, permitem uma melhoria do serviço prestado aos hóspedes, o que por

seu turno, garante a satisfação e o potencial retorno dos mesmos, mantendo o ciclo de vida (social,

ambiental e económico) do espaço sustentável.

Em suma, um turismo sustentável passa pelo envolvimento das comunidades locais nos

processos de tomada de decisão40, de forma a garantir que estes beneficiem não só economicamente,

mas também que as suas tradições e características perdurem de acordo com as regras por eles

próprios determinadas, sem imposição externa. Ashley e Roe (1998) consideram mesmo que o

envolvimento das comunidades pode tomar várias formas, que passam da concessão, parceria, até

ao envolvimento ativo.

39 Isto indica que os anfitriões estão conscientes da sua postura e racionalizam-na em função das informaçõesdisponíveis como aliás é reforçado pela Teoria da Acção Racional (Theory of Reasoned Action): “(...) individualsare rational, they make use of all available information, and they evaluate implications of their action before theydecide to engage or not in a particular decision” (Bujosa e Nadal, 2007:194).

40 “Local government decision makers and tourism entrepreneurs would be well advised to consider investing incontinued and long-term monitoring of those who act as hosts for community tourism” (Johnson e Snepenger,2002:236). Ver também Choi e Sirakya (2006); Shuib (1995).

59

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Daí que, determinar o sucesso de um programa de desenvolvimento assente no turismo

passa desde logo por determinar os níveis de satisfação das comunidades recetoras41, a sua atitude

face ao turismo, e esta está intrinsecamente ligada ao seu envolvimento no processo, sobretudo na

tomada de decisões:

All these studies shows local people have more positive attitude towards tourism development when theyhave right to involve in decision-making and management of the programs. Unfortunately there is lack ofresearch on tourism development in the selected study area which leads to a sustainable tourismdevelopment. (Rastegar, 2009:205)

Na questão das relações entre hóspedes e anfitriões, devemos recordar que sendo por

natureza uma relação desigual, uns em lazer e outros em trabalho, há desde logo que procurar

debater e problematizar este binómio de trabalho-lazer. O turismo é uma atividade económica, uma

transação comercial entre o provedor de serviços e um cliente. Naturalmente que nunca é apenas

isso, da mesma forma que nem sempre é apenas o contrário. Nesse sentido, não é necessariamente

um 'cordial encontro cultural', de promoção de paz (OMT) e das relações interculturais, ou o

contrário.

Autores como Crick (1989) revelaram-se acérrimos críticos desta perspetiva pacifista que

considera o turismo como, sobretudo, culturalmente benéfico:

Essa retórica, difundida pelos promotores turísticos e por algumas autoridades nacionais, deve ser vistapelo que é - uma imagem mistificadora que faz parte da própria indústria (…). Retrata mitos e fantasias, eneste sentido pode prejudicar os esforços de desenvolvimento de um país, precisamente porque asimagens fabricadas dão um retrato falso do Terceiro Mundo. (1989:329)

Muitos são os exemplos sintomáticos dessa relação de poder desigual, que claramente pende

para os países de origem dos turistas. Esta manifestação de poder reside não só no controlo do

turismo pelos países detentores do capital investido, e da maioria dos seus lucros, mas também se

manifesta noutras nuances. Nomeadamente, a(s) língua(s) dominante(s) nas interações sociais, dos

países de origem dos hóspedes, a moeda usada nas transações, etc.

O domínio é particularmente claro quando falamos de turismo em países em

desenvolvimento. Crick reforça “Os turistas não viajam para os países de Terceiro Mundo porque lá

as pessoas são simpáticas, fazem-no porque lá as férias são baratas; e o custo baixo depende, em

parte, da pobreza das pessoas” (Crick, 1989:319).

Nesta linha enquadra-se também a ideia de 'centro metropolitano' de Nash (1989): o centro

41 Demonstrado nos trabalhos, por exemplo, de Assante et al (2006).60

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

aqui serão os países ricos do Ocidente que se propagam de forma imperialista, obrigando os

anfitriões a moldarem-se de acordo com as exigências e expetativas dos hóspedes, para que estes se

sintam em 'casa' (processo de aculturação).

Novamente, ressalva-se que “(...) a introdução do turismo numa sociedade ou sub-sociedade

anfitriã nunca é uma acção unilateral, implica sempre dar e receber” (Nash, 1981:465). Esta troca

deve também ser analisada, o que usualmente é verdade; todavia, são análises que pressupõem

relações de poder desiguais onde o domínio reside nas mãos dos turistas.

Neste sentido, Cheong e Miller (2000) concluem que este jogo de poder é omnipresente,

logo invariável, mas que não é de todo unilateral, antes uma flutuação de poder, ora penetrante, ora

superficial, que pode atravessar vários níveis. Barreto (2004) infere que, de facto, existe um amplo

espectro no relacionamento entre visitantes e visitados, que são muitas as variáveis que podem

determinar a sua relação/relações. No entanto:

Apesar das poucas pesquisas sistematizadas a respeito, as existentes demonstram que, na verdade, oshabitantes dos lugares turísticos que se beneficiam economicamente com a presença dos turistas, nãoestão precisamente interessados em receber os turistas como hóspedes e a realizar com eles trocasculturais, mas sim, receber o dinheiro trazido pelos turistas. Os turistas passam a ser um mal necessário.(Barreto, 2004:16)

A realidade é bem mais complexa do que a mera dicotomia positivo/negativo; há toda uma

malha que envolve as relações e perceções mútuas de anfitriões e hóspedes. De acordo com

Woosman (2008), o maior erro será agregar qualquer dos grupos como se cada um fosse

homogéneo e totalmente diferente dos demais. Existem disparidades em qualquer dos grupos por

motivos que vão da idade, género, residência, proximidade de residência de um destino turístico,

grau académico, etc., daí que se deve identificar tanto subgrupos de turistas como de residentes,

mas também os traços comuns que tantas vezes são esquecidos.

Falamos das interações, crenças e comportamentos compartilhados por residentes e turistas,

e que levaram Wearing e Wearing (2001) a colocar as interações entre indivíduos, e a questão da

identidade como o centro étnico do turismo, e não a tradicional e dicotómica relação “eu/outro”.

Neste sentido, por exemplo, Woosman (2008) desenhou um modelo inovador na análise das

relações hóspede/residente inspirado na ideia durkheimiana de solidariedade emocional42, aplicando

uma metodologia mista no seu estudo de caso. Este autor conclui que os anfitriões reconhecem uma

42 Três tipos de participantes foram identificados e as seguintes categorias “emocionais” foram criadas: empathy,closeness, e embrace.

61

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

série de aspetos comuns com os hóspedes, nomeadamente, preocupações com o meio ambiente, a

participação em eventos especiais, festividades, e em atividades relacionadas com o património

cultural, entre outras atividades comuns do dia-a-dia (compras, alimentação43, etc.)44:

Within the Durkheim model, the construct shared beliefs was a significant positive predictor of emotionalsolidarity. The focus on common beliefs between resident and tourist throughout literature has beenminimal, with almost no mention of the way representatives from each part feel about each other.(Woosman, 2008:227)

Como se tem procurado demonstrar, as interações entre os dois grupos sofrem várias

disparidades que se sobrepõem em simultâneo no mesmo contexto. As diferenças nos

comportamentos, nomeadamente, no que se refere a diferentes perceções e relações que os

residentes têm relativamente aos turistas, dependem do tipo de turismo, dos turistas e, claro, dos

residentes. Conclusões como estas levaram, sobretudo desde a década de 1970, a procurar desenhar

modelos de interpretação e avaliação do desenvolvimento turístico de forma a antecipar ou corrigir

estas e outras situações. Como de resto ficou claro anteriormente.

Resta, portanto, analisar o último desdobramento da abordagem científica, referente às

consequências e impactos(es) do turismo. Neste ponto, serão explanadas as principais conclusões e

produzido um quadro geral útil para posterior comparação com o estudo de caso da presente

investigação.

5. Consequências e Impactos do Turismo

À medida que o turismo se solidifica como uma atividade económica forte e em expansão,

emergindo por vezes como a principal fonte de rendimentos e divisas em muitos países em

desenvolvimento, torna-se imperativo acompanhar e estudar os impactos sociais, económicos e

culturais que este provoca, mas também o efeito a médio e longo prazo destes impactos, ou seja, os

seus impactes. Assim, devem ser reconhecidos e abordados desde a importância do uso responsável

dos recursos, a investimentos económicos equitativos e justos, até à preponderância do papel das

comunidades e seu envolvimento no processo.

Ao falarmos de impactos referimo-nos aos mais variados, económicos, ambientais, culturais

43 Sobre este ponto ver o estudo realizado na comunidade Sarawak da ilha Borneo na Malásia produzido por Langgat(2011).

44 Todavia Woosman identificou também uma série de contrariedades entre o afirmado nos “focus groups” e osresultados dos inquéritos, concretamente, a questão da superficialidade das interações entre hóspedes e anfitriões, e afrequência dessas interações.

62

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

e sociais, mas apenas quando estes potenciam ou são agentes de mudança, sempre considerando que

diferentes tipos de turismo resultam em diferentes impactos.

Neste trabalho, o objeto de estudo são tanto os residentes como os turistas, nomeadamente,

aqueles que se envolvem ou se cruzam com o turismo massificado. Usualmente o turismo

massificado é classificado como sendo de 'pacote', embalado por agentes e operadores de turismo

para grandes grupos de forma a consumirem produtos pré-determinados e preparados.

Também considerada atividade alienadora e canibalista cultural, o turismo de massas vê as

comunidades locais vergarem e até encenarem as suas práticas quotidianas para deleite dos

hóspedes (MacCannell 1989). Como vimos, podem ser entendidas como representações encenadas

onde os anfitriões procuram responder às expetativas e perceções que os seus hóspedes têm dos

próprios anfitriões45 (Crick 1989; Cohen 1993).

Uma simulação que pode ganhar contornos de afrontamento: “O turismo internacional (…) é

o consumo descarado à frente dos pobres” (Crick 1989:317). Esta perspetiva marcadamente focada

nas consequências e impactos nefastos do turismo de massas vê nos grupos de turistas predadores

do(s) Outro(s) (Exótico[s]), e do seu meio ambiente, usualmente severamente castigado pela sua

estadia.

Tais teses derivam de informações recolhidas por inúmeros trabalhos desenvolvidos sobre os

impactos diretos, indiretos, a curto e a longo prazo provocados pelo turismo. Importa agora

apresentar os tais impactos positivos e negativos que a literatura tem detetado nos grandes âmbitos

de investigação, nomeadamente, social, ambiental e económico.

O desenvolvimento turístico acarreta todo um conjunto de impactos económicos positivos

que, desde cedo, foram apontados como capazes de melhorar a economia dos Estados e regiões

mais fragilizadas. Aqui constam: a capacidade de gerar postos de trabalho, tanto diretos, como

indiretos e induzidos (Milman e Pizman, 1988; Faulkner e Tideswell, 1997; Ap e Crompton, 1998;

Weaver e Lawton, 2001; Tosun, 2002; Andriotis, 2008; Gu e Ryan, 2008); de melhorar as condições

de vida nas comunidades (Pizam, 1978; Liu e Var, 1986; Akis et al., 1996); de apoiar a construção,

investimento e desenvolvimento de infraestruturas (Sharpley, 1994; Akis et al., 1996; Ap e

45 O turismo também implica alterações no status social dos locais, por exemplo, o pescador continua a pescar mas fá-lo como um show (Lage e Milone, 1998:39), por outro lado, a proeminência da mulher como empregada no turismopode provocar alterações no papel das mulheres na sociedade. Nesta relação, para além da estereotipação dosvisitados por parte dos visitantes, existe o risco de banalização da arte folclórica local e deturpação artística das suaspeças de forma a agradar os hóspedes.

63

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Crompton, 1998; Brunt e Courtney, 1999); e de permitir um crescimento económico dominante

(Greenwood, 1972; Cooke, 1982; Perdue et al., 1990). Por arrastamento, poderíamos ainda

acrescentar como impactos positivos a diversificação da economia local (Davis et al, 1998), e a

entrada de divisas estrangeiras (Jurowski et al., 1997; Sethna e Richmond, 1978; Ferreira, 2005;

Lopes, 2008).

Na outra face desta moeda residem os impactos económicos negativos, entre os quais se

destacam: o aumento do custo de vida das populações locais (Ap, 1990; Liu e Var, 1986;

Carmichael et al., 1996; Faulkner e Tideswell, 1997; Ap e Crompton, 1998; Lawson et al, 1998); o

aumento dos preços e custo de serviços (Pizam, 1978; Var et al., 1985; Ahmed, 1986; Shuib, 1995);

a divisão desigual dos benefícios entre a comunidade local, usualmente favorecendo apenas uma

minoria da mesma (Belisle e Hoy, 1980; Getz, 1994; Lindberg et al., 2001); a perda de direitos dos

residentes (Northcote e Macbeth 2005); e a sazonalidade e temporalidade do emprego (Jordan,

1980; Sharpley, 1994; Tosun, 2001). Ou ainda, acrescentar o aumento da instabilidade nos

rendimentos e preços (Gee et al., 1984), o abandono das atividades tradicionais, e a dependência

exclusiva do turismo (Ferreira, 2005; Lopes, 2008).

No que toca aos impactos ambientais há que considerar a particularidade destes reunirem

maioritariamente aspetos negativos, mormente: o aumento da poluição (de vários tipos); o

congestionamento populacional e de tráfego (Pizam, 1978; Ap, 1990; Akis et al., 1996; Ap e

Crompton, 1998; Carmichael, 2000; Sheldon e Abenoja, 2001; Ko e Stewart, 2002; Jurowski e

Gursoy, 2004; Northcote e Macbeth, 2005; Haley et al, 2005; Gu e Wong, 2006); agricultura e pesca

excessiva, destruição da beleza e tranquilidade naturais e desflorestação (Cater, 1987; Faulkner e

Tideswell, 1997); destruição de sítios históricos e de monumentos, excesso de consumo de recursos

naturais essenciais como água ou solo (Ferreira, 2005); e a pressão sobre as infraestruturas de

saneamento e tratamento de resíduos (Lopes, 2008)46.

Ainda assim devem ser notados alguns impactos ambientais positivos, como o investimento

da parte pública e privada na criação de áreas protegidas, a produção de legislação para a proteção

do património ambiental e físico, e a aposta em campanhas de educação ambiental e em medidas

empreendedoras de preservação ambiental (Ferreira, 2005; Lopes, 2008).

46 Lopes (2008), também refere que muitos destes impactos resultada da falta de estudos e fiscalização referente àcapacidade de carga do destino turístico.

64

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Finalmente, a esfera sociocultural. Os impactos socioculturais positivos do turismo mais

vezes identificados pela literatura são: o intercâmbio cultural entre anfitriões e hóspedes (Pizam,

1978; Mathieson e Wall, 1982; Esman, 1984; Liu e Var, 1986; Milman e Pizam, 1988; Ap e

Crompton, 1998); a revitalização das práticas tradicionais (deKadt, 1979); o aumento na demanda

de arte local (Liu e Var, 1986; Ap e Crompton, 1998); o apoio à preservação da identidade cultural

dos anfitriões (Evans, 1976; Liu e Var, 1986; Lopes, 2008); um crescente sentimento de orgulho nas

comunidade visitadas (Ap e Crompton, 1998); uma melhoria das condições de vida (Pizam, 1978;

Milman e Pizam, 1988; Burns, 1996); a modificação positiva da estrutura social e um aumento dos

níveis culturais e profissionais da população (Ferreira, 2005); e a criação e/ou aperfeiçoamento, e

desenvolvimento de muitos serviços úteis para a comunidade local (Sarmento, 2008).

Já em relação aos impactos socioculturais negativos, os efeitos sob mira são: a perda gradual

da língua local que é substituída pela língua/línguas dos turistas (White, 1974; Coppock, 1977); o

aumento exponencial da prostituição e crime (Liu e Var, 1986; Liu, Sheldon e Var, 1987; Ferreira,

2005)47; o aumento do alcoolismo (Ap, 1990; Tomljenovic e Faulkner, 2000); a destruição do tecido

social com o crescimento do conflito intergeracional e reforço das divisões de classe (Krippendorf,

1987; Delamere e Hinch, 1994; Faulkenberry et al., 2000); e, um declínio da atitude dos residentes

face aos turistas, por vezes até ao ponto de hostilidade e conflito (Doxey, 1975; Dogan, 1989; Munt,

1994). Podemos ainda acrescentar a pressão que o turismo exerce sobre o stresse dos residentes e a

exploração laboral (Brayley et al., 1990; Freitag, 1994), a perda gradual da autenticidade, por

exemplo, através da descaracterização do artesanato e vulgarização das manifestações culturais

locais, e ainda, a alteração da moralidade e da identidade cultural (Brougham e Butler, 1981; Ap,

1990; Brunt e Courtney, 1999; Tomljenovic e Faulkner, 2000; Ferreira, 2005; Lopes, 2008).

A maioria destes últimos impactos são devidos ao chamado 'efeito demonstrativo' que os

turistas exercem, mesmo inconscientemente, sobre os autóctones. Resultam do contacto entre

grupos com pertenças sociais e identidades sócio-culturais tão diversas que faz dele um momento

crítico no que toca ao confronto de referentes representacionais e de valores (Casanova, 1991).

Para alguns autores, a chave do comportamento dos hóspedes e seus impactes residem no

facto de estes viajarem por intermédio de operadores turísticos, institucionalizados ou não.

47 Gursoy et al (2002) concluíram que o crime e a congestão populacional são os grandes variáveis percecionadas negativamente pelos residentes.

65

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

Diferentes proveniências determinam diferentes atitudes e comportamentos? Burns (1999) critica tal

conceito pois esta ideia é estereotipada e não considera que o indivíduo pode 'ser', durante a sua

vida, diferentes tipos de turista, cada um com diferentes experiências.

Mathieson e Wall (1982) procuraram resumir os impactes sociais (referentes a relações

interpessoais) do turismo em oito categorias: (i) o ressentimento local devido ao choque entre

culturas; (ii) a transformação da estrutura laboral; (iii) a saturação das infraestruturas, equipamentos

e instalações; (iv) a modificação dos valores e condutas morais; (v) modificação nos padrões de

consumo; (vi) problemas de saúde; (vii) manifestações de etnocentrismo e o (viii) excesso de

padronização48.

Ao nível cultural, os impactes tendem a tomar uma outra forma, por vezes menos percetível.

No que toca aos impactes na cultura, nomeadamente a não-material, os traços e manifestações

culturais típicos da cultura local não perdem a sua originalidade e/ou a sua autenticidade. Todavia,

podem permitir e impulsionar a sua reconstrução e a recuperação de antigas formas de arte

mescladas com influências de outras culturas. Por esse motivo:

A cultura local, deverá envolver a participação da população local como forma de fortalecimento daidentidade local. Mais uma vez, o que importa aqui realçar, é que o turismo pode afectar directa ouindirectamente a cultura da comunidade receptora sendo fundamental determinar o seu grau de impacto.(Sarmento, 2008:535)

Os estudos dos impactos do turismo atravessam muitas vezes os campos económico, social e

cultural, apresentando resultados que dificultam um diagnóstico absoluto quanto ao papel do

turismo, nomeadamente, as consequências que dele derivam. Parece evidente que o turismo é uma

atividade que afeta e é afetada por muitos fatores estruturais da sociedade, tanto local como global.

Bem como, deve ficar claro que o fator humano, isto é, o papel dos seus intervenientes é uma força

determinante na direção dos seus impactos e consequências.

O presente estudo procura contribuir para a identificação de quais os impactos que o turismo

trouxe a um espaço específico, a ilha da Boa Vista em Cabo Verde, sobre o qual mais adiante

apresentaremos em pormenor. Uma identificação que procura, para além da já importante

48 Como exemplo, podemos apontar o estudo de caso Chinês que levou o investigador Honggang (2003) a concluir queos impactos do turismo nas atrações locais verificou-se a vários níveis, desde o aumento do número de empregados,e de emigrantes para o local (empregados com salário inferiores aos locais), até um gradual fenómeno de"commodification", isto é, construção massificada de serviços criados especificamente para turistas. Umaconstrução desordenada e economicamente contraproducente. Finalmente outras duas notas, desde logo os elevadosdanos ambientais que surgirem com a acentuação da massificação dos turistas, bem como, na mesma linha umaescalada de conflitos entre locais e o desenvolvimento do turismo.

66

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

catalogação dos mesmos, fazê-lo desde a perspetiva quer de residentes quanto de turistas. É dizer,

procura recolher as perceções que residentes e turistas têm do espaço que (temporariamente)

partilham, de forma a melhor compreender as relações estabelecidas entre os dois grupos; e como

estas influenciam a própria atividade turística e a perceção que os grupos têm dela; e quais as

consequências dessa relação/interação para a comunidade e para o espaço.

O apanhado teórico apresentado pretende introduzir alguns dos pressupostos onde se apoia a

investigação e recolher algumas contribuições que melhor influenciam a mesma, nomeadamente

neste último ponto, estabelecer o ponto da situação entre os impactos detetados pela literatura e

aqueles que a investigação determinará, como vimos, aos olhos tanto de hóspedes como de

residentes.

Desde que o turismo começou a ser abordado pelos cientistas sociais, sobretudo a partir da

década de 1970, tem constituído um campo legítimo para investigação sistematizada, sendo cada

vez menos conotado como uma área frívola que afasta investigadores (Matthews, 1983). Enquanto

característica saliente da modernidade, no caso do turismo massificado, o seu potencial para

contribuir para a compreensão dos atos sociais é evidente. Talvez por inicialmente ser um campo

abordado tangencialmente ou por coincidência, a verdade é que a quantidade de materiais

produzidos, sejam em revistas, livros ou teses de mestrado e doutoramento, demonstram a riqueza

que nele reside e o seu potencial.

Neste capítulo vimos como a economia dominou e ainda influencia muita da produção sobre

este tema, ficando ainda claro o predomínio de certas abordagens a que chamámos de institucional,

técnica e cientifica. A síntese da última permitiu demonstrar os avanços e as contribuições dos

autores de maior destaque, mas também algumas das teses na literatura sobre a importância da

relação entre hóspedes e anfitriões, e sobre os impactos positivos e negativos mais comuns.

Parece claro que a Sociologia do Turismo carece de alguma organização teórico-

metodológica, estando recheada de trabalhos, desde os puramente descritivos, aos estritamente

teóricos, passando pelos determinados em estabelecer padrões de causa-efeito tendo por base

análise estatística.

A riqueza deste campo pode ser dispersa. Todavia, o valor que reúne é sinal claro da sua

importância para a melhor compreensão da sociedade e dos indivíduos que a compõem. Para tal,

consideramos ser importante não restringir a análise apenas a uma destas perspetivas dominantes

67

II – Abordagens ao Turismo – uma retrospetiva

dentro da sociologia do turismo. Por esse motivo, esta investigação procura trabalhar este tema

retirando contribuições destas diversas perspetivas, como de resto a metodologia selecionada o

demonstra.

Além das carências e potências da Sociologia do turismo e da metodologia desta

investigação, importa reconhecer que uma investigação que se concentre no turismo deve definir,

problematizar e esclarecer a sua relação com conceitos como modernização, desenvolvimento, e

sustentabilidade. Estes, muitas vezes, se fundem e confundem nas narrativas de decisores políticos

e/ou de investigadores que se fecham na sua própria disciplina na análise a esta atividade. Assim, o

próximo capítulo, pretende introduzir e explanar estes e outros conceitos que se articulam com esta

investigação.

68

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

Falar de modernização, de desenvolvimento e até de sustentabilidade implica definir uma

posição clara quanto aos conceitos, de modo a reduzir ou mesmo eliminar os alçapões da retórica

suspensa, incapaz de definir a margem e as limitações da sua posição. Este capítulo segue esta

mesma linha de raciocínio e introduz alguns conceitos centrais desta investigação e contextualiza a

sua relevância em conexão com o turismo. O capítulo tem também como objetivo apresentar os

trilhos que conduziram Cabo Verde, assim como inúmeros outros países e regiões, a apostar no

turismo como motor para a modernização, e as várias rotas que foram tomadas até à

consciencialização da importância da sustentabilidade no mesmo processo.

Comecemos pelo conceito de modernidade. A ideia de modernidade está associada à de

racionalização, ou à sociedade racional, só esta poderia produzir a primeira. A racionalização

reorganiza a vida pessoal e coletiva, a par da secularização que afasta 'fins últimos' (Touraine,

1992:22). Giddens (1990)49 distingue o dinamismo da modernidade com base em três fontes

dominantes inter-relacionadas, nomeadamente, a “separação do tempo e espaço”, o

“desenvolvimento de mecanismos de desincorporação”, e a “apropriação reflexiva do

conhecimento”.

A modernidade emerge como agente de uma racionalização inevitável e historicamente

necessária que se aparta dos velhos costumes e crenças, e a modernização como processo

revolucionário que quebra os vícios e amarras do passado. Ao fazer do passado 'tábua rasa', os

valores religiosos são substituídos por aqueles mais úteis e eficazes à sociedade: “A sociedade

substitui Deus como princípio do juízo moral e torna-se (…), um princípio de explicação e de

avaliação dos comportamentos” (Touraine, 1992:29). O ser humano é antes de mais um agente

social com papeis definidos para o bom funcionamento do sistema social.

Tal como Giddens, este autor considera que a conceção de modernidade está interligada com

a perda da ideia de Sujeito. Tal conceção falha na prática devido ao facto da administração racional

se revelar falsa, da vida social se apresentar repleta de conflitos e poderes, e por que a

modernização se tornou gradualmente mais exógena e mais estimulada por uma vontade nacional

ou por revoluções sociais. A modernidade teórica difere então da modernização verificada. O

49 A modernidade é inseparável dos sistemas abstratos que permitem a desincorporação das relações sociais através do espaço e tempo estendendo-se tanto na natureza socializada como no universo social. (Giddens, 1990:151)

69

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

homem é absorvido pela sociedade, tornando-se 'inteiramente social e histórico'.

Dos fracassos da etapa inicial da modernidade emergem conceitos que a relançam, como o

historicismo. Este, assente na premissa de que a sociedade pode ser explicada pelo processo que a

conduz em direção à modernidade. A questão social é entendida como uma batalha eterna do futuro

frente ao passado; fundem-se as correntes do idealismo e materialismo, permitindo que o futuro seja

compreendido como inevitável pelo progresso da razão, pelo sucesso económico e da ação coletiva.

Nestas bases justifica-se a ideia de revolução: “a forma mais elementar de historicismo é um

pensamento obcecado pela ideia de destruição da ordem antiga e de procura de uma nova ordem”

(Touraine, 1992:94). Na formação da nova ordem, o sujeito cede a sua individualidade ao Estado

que a canaliza para o socialmente desejável e eficiente. A era das revoluções levaria à repressão e

guerra em nome da inevitável revolução do futuro frente ao passado50.

A terceira etapa deste processo, forçada pelo enfraquecimento do seu movimento, conduzira

a uma fase mais radical, pondo em causa não apenas as carências da modernidade, mas também os

seus objetivos positivos. A sociedade moderna ganha novo fôlego teórico com Freud e Nietzsche

(Eros) ao mesmo tempo que reconhece três novos agentes de modernização: a nação, a empresa e o

consumidor.

Exemplos icónicos desta terceira fase da modernidade são as ditaduras fascistas que surgem

na Europa Ocidental, de Portugal à Alemanha, assim como a radicalização do movimento

revolucionário comunista, nas suas várias formas e adaptações, e claro, a segunda guerra mundial

como o clímax deste percurso.

Esta fase da Modernidade é entendida por Giddens como um Juguernauta imparável e

destrutivo que vai atropelando a Humanidade ao mesmo tempo que esta o glorifica. A modernidade

(Radicalizada) antecede a pós-modernidade, e tem como principais riscos/consequências: o

crescimento de poder totalitário, o colapso dos mecanismos económicos de crescimento, guerra a

uma escala global ou nuclear, e a decadência ou desastre ecológico. Uma fase radicalizada que

também Touraine defende.

A modernidade no pós-IIGM é sinónimo da escolha entre os modelos vencedores: por um

lado o modelo soviético baseado na planificação centralizada do partido único e no ideal de

revolução constante em nome do “povo”, e por outro lado, o modelo americano, ou ocidental,

50 O triunfo do progresso leva necessariamente a esta naturalização da sociedade em nome da qual os que se opõem àmodernidade e à sua revolução são considerados obstáculos, elementos anti-sociais que devem ser suprimidos pelosbons jardineiros empenhados em arrancar as ervas daninhas. (Touraine, 1992:109)

70

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

baseado numa economia liberal e na ideia de mercado livre em nome do melhor para o

“consumidor” e de maior lucro para o empreendedor.

Em suma, a modernidade pode ser explicada e definida de forma simplificada como um

movimento que

(...) entails the destruction of traditional localisms and an unprecedented process of social mobilization asthe people in their majority are brought in the national center. (…) From a more functionalist-systemicpoint of view, modernity can be defined in terms of unprecedented levels of structural-functionaldifferentiation, as functions previously embedded in all-inclusive, multifunctional segmental units areperformed by more specialized units (roles, institutions, organizations). (Mouzelis, 2008:154)

1. A Modernidade e o Desenvolvimento

O que é o “Desenvolvimento”? Quando começou? A resposta a estas questões é

justificadamente complexa e obriga à sua definição, história e transformações ao longo das décadas.

O conceito foi politizado pela primeira vez nos EUA, e pretendia consolidar a posição hegemónica

desse país no contexto global. A data mais aceite é a de 20 de janeiro de 1949, pelo presidente

Truman, aquando o anúncio do Plano Marshall e da “era do desenvolvimento”. Consequentemente,

daria início também à ideia de que milhares de milhões de pessoas viviam em subdesenvolvimento

(Sachs e Esteva, 1997).

Assente na ideia de modernidade, o desenvolvimento exige que as sociedades se afastem das

suas tradições e costumes, e abracem a tolerância e a prosperidade desta nova era. O caminho para a

modernidade seria conseguido por um processo de modernização acelerado pelo desenvolvimento

das sociedades. O desenvolvimento torna-se bandeira das sociedades vencedoras da IIGM, auto-

proclamadas de superiores a todas as demais, e com o “dever de ajudarem as outras”. Sendo “as

outras” as novas nações que emergem da descolonização das antigas colónias europeias por todo o

mundo.

Esta postura, em paralelo com a crescente afirmação do keynesianismo enquanto paradigma

económico emergente, conduz à propagação da necessidade de desenvolver o mundo à imagem do

ocidente, seja ele através do modelo soviético ou através do modelo norte-americano, despindo as

sociedades da diversidade e da autodeterminação cultural e social (Sachs e Esteva 1997).

Os conceitos de desenvolvimento e modernidade, estão enraizados na matriz histórica e

cultural europeia, por influência judaico-cristã, e pelos movimentos da revolução industrial e da

revolução francesa. A revolução industrial é o culminar da afirmação tecnológica europeia, onde as

máquinas, a divisão e especialização do trabalho, e a produtividade ditam uma filosofia laboral

71

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

firme. E a revolução francesa solidifica e expande a ideia de Estado-Nação, com toda a sua máquina

administrativa e burocrática, com ênfase na territorialidade, e a ideia de democracia representativa

encabeçada pela ascendente burguesia que “reina” no novo espaço aglutinador que é a cidade.

Adam Smith, John Stuart Mill, Karl Marx, entre muitos outros, tiveram um papel

determinante na consolidação destas ideias, dando forma e conteúdo a ideias e conceitos como

economicismo, produtivismo, consumismo, racionalismo, antropocentrismo, etc. (Amaro, 2003),

essenciais para explicar a linha de ação e pensamento do desenvolvimento enquanto conceito

hegemónico do pós-IIGM.

Os países ocidentais que reemergiram após a IIGM, foram usados como exemplo do sucesso

inevitável que o desenvolvimento traria, nomeadamente, os avanços tecnológicos e científicos em

todas as áreas, o aumento do nível de escolarização e da produtividade e uma melhoria da saúde das

populações. Por outro lado, nos restantes países, como nas nações recém-formadas, o resultado foi o

oposto. Para a esmagadora maioria destas nações, agravou-se o fosso que as separava do ocidente, e

emergiram situações laborais semelhantes às medievais ou até mesmo de escravidão. Para piorar a

situação, vários países foram devastados por guerras que não eram mais do que palcos secundários

da disputa geo-estratégica entre as duas super-potências mundiais, os EUA e a URSS.

O desenvolvimento começa a ser sinónimo de agravamento do meio-ambiente à escala

global, com as explorações selvagens de recursos naturais para fins industriais e com o êxodo

massivo das populações do campo para as cidades. O crescimento prometido ficou aquém do

esperado, e no processo corporações e organismos internacionais arrebataram maior poder e

influência (Broad e Cavanagh, 2006; Perkins, 2004). Gradualmente, algumas nações posicionam-se

publicamente contra as super-potências e os seus discursos “messiânicos” de progresso e

crescimento.

Por tudo isto, o projeto desenvolvimentista é entendido como um projeto neocolonial,

inspirado e gerido por peritos provenientes dos mesmos contextos de onde chegam as supostas

ajudas financeiras (Escobar, 1995). O crescimento pode aumentar os níveis de pobreza, ao alargar o

fosso entre ricos e pobres (Ravallion, 2001), ou mesmo agravar as debilidades sociais e os níveis de

pobreza, caso esse crescimento diminua. Uma sociedade mais desigual facilita a propagação de

vícios sociais (Alesina e Perotti, 1996), porém, pode também beneficiar os mais pobres (Adams e

Page 2003; Dollar e Kraay 2002).

O falhanço das duas primeiras décadas de desenvolvimento, a crise petrolífera de 1973, e o72

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

lento desmoronamento da União Soviética, aceleram uma onda de contestação que obtém uma

primeira pedra científica a seu favor com o Estudo do Clube de Roma para as Nações Unidas, que

culmina na publicação de “Limits to Growth”, e que afirma que os níveis de crescimento

económico, demográfico, exploração dos recursos naturais, de produção de resíduos e de poluição

eram insustentáveis a longo prazo, pelo que a contenção era essencial (Amaro 2003). Para que o

projeto desenvolvimentista pudesse continuar nas décadas de 1970 e 80, foi necessário modificar

ideais e objetivos.

Das várias transformações da teoria e prática do desenvolvimento, Milando (2005) considera

que o desenvolvimento tem atualmente três dimensões distintas: o “desenvolvimento-processo”, o

“desenvolvimento-resultado” e o “desenvolvimento-utopia”. O primeiro conceito refere-se ao

conjunto de práticas sociais em curso desenhadas pelos operadores de desenvolvimento; o segundo

remonta aos seus resultados ou às suas consequências práticas; e, o terceiro surge como uma mera

representação social do inatingível apresentado como possível e imperativo.

Desde 1949 emergiram vários novos conceitos de desenvolvimento como ecologia

política51, o desenvolvimento humano52, desenvolvimento pro-poor, desenvolvimento local, ou o

desenvolvimento sustentável, entre muitos outros. Seguidamente, daremos atenção particular aos

dois últimos conceitos, dada a clara ligação com o contexto desta investigação.

Existem particularismos nas dinâmicas do desenvolvimento ao nível local, regional,

nacional ou até mundial, que não podem ser encarados com uma matriz comum. Daí a importância

de olhar com maior atenção para a vertente espacial ou territorial do desenvolvimento.

Desenvolvimento local implica reconhecer que as localidades e territórios dispõem de recursos

económicos, humanos, institucionais, ambientais e culturais, e de economias de escala não

exploradas que reúnem grande potencial de desenvolvimento. É a ideia de um sistema produtivo

capaz de gerar rendimentos crescentes através da utilização dos recursos disponíveis.

O desenvolvimento local pode ser entendido como “(...) o processo de satisfação de

necessidades e de melhoria das condições de vida de uma comunidade local, a partir essencialmente

51 Proporcionada pelo apelo marxista, pela economia política e através da proliferação da literatura radical de estudoscamponeses que privilegiou a produção às relações biológicas, bem como, pelos cientistas sociais ecologicamentepreocupados, que ergueram questões de como as comunidades estavam a ser integradas e transformadas pelaeconomia global com a manutenção dos recursos locais, regulação do meio ambiente e estabilidade.

52 Tido como um “(...) processo de aumento das escolhas das pessoas, que lhes permitam levar uma vida longa esaudável, adquirir conhecimento, ter acesso aos recursos necessários para um nível de vida digno, enquanto ospreservam para as gerações futuras, proteger a segurança pessoal e alcançar a igualdade para todas as mulheres ehomens” (PNUD, 2003).

73

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

das suas capacidades, assumindo aquela o protagonismo principal nesse processo e segundo uma

perspectiva integrada dos problemas e das respostas” (Amaro, 2003:57).

O desenvolvimento local53 articula três grandes vértices: o conceito de desenvolvimento; os

mecanismos que favorecem os processos de desenvolvimento; e as formas eficazes de atuação dos

atores económicos, sociais e políticos. Este último advém da necessidade de corrigir a

obsolescência ou má gestão dos recursos ou necessidades locais por parte das estruturas

administrativas centrais54, que continuamente confundem reestruturação local com a implementação

de novas técnicas de gestão e modernização de infraestruturas das instituições estatais.

Esta reestruturação é, em parte, mental e envolve processos sociais de legitimação e o

envolvimento por parte da sociedade civil e suas organizações, nomeadamente ONG (Torrens,

2006). É um processo participativo que exige uma organização local capaz de assumir a

responsabilidade de levá-la a cabo com garantia de sucesso (Albuquerque, 2007; Ernesto, 2003), e

que compreende uma estratégia clara de incorporação e articulação institucional, inclusive na

criação e fortalecimento de parcerias. A sustentabilidade do desenvolvimento local depende da

capacidade potencial de auto-criação, da diversidade, e da interdependência, e do movimento das

forças de cada lugar, ou seja, do protagonismo das bases da sociedade (Silveira, 2007) e das novas

institucionalidades e relações entre os diversos atores (Zapata, 2007).

Este movimento enaltece a localidade, a endogeneidade e as potencialidades locais,

enquanto força que conduz ao desenvolvimento sustentável. Isto em resposta ao paradigma

económico keynesianismo-fordismo, caracterizado por um modelo de desenvolvimento que

dependia da produção em massa, organização taylorista do trabalho e do centralismo dos Estados

nacionais no planeamento e condução sócio-económica.

O conceito de desenvolvimento sustentável é sugerido pela Comissão Brundtland no seu

relatório para as Nações Unidas, em 1987. De acordo com esta comissão e seus especialistas,

técnicos e cientistas, a industrialização galopante e a utilização selvagem e arbitrária dos recursos

53 Entende-se local enquanto um espaço que contém uma identidade, uma dinâmica própria e característicasespecíficas que mantêm relações de interdependência com áreas mais vastas. Compreende as estruturas sociais, asolidariedade familiar e linguística, formação e pesquisa, colaboração entre o setor privado e as municipalidades,etc.

54 “A política de desenvolvimento local é uma resposta dos diferentes territórios, cidades e regiões frente àsemergências da mudança estrutural na actual fase de transição tecnológica. (...) trata também de superar aslimitações ou a ausência das políticas centralistas e sectoriais em face às exigências de mudança ou reestruturaçãoeconômica atual, já que o caráter agregado das políticas centralistas as torna muito pouco eficientes para enfrentar osdiferentes contextos e situações territoriais” (Albuquerque, 2007:6).

74

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

naturais conduz as sociedades, e o próprio planeta, para a auto-destruição. Assim, a chave para

impedir esta projeção apocalíptica é o desenvolvimento sustentável: desenvolvimento que cobre as

necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras de atingir as suas (Brundtland,

1987).

Este relatório destaca os sete pontos nevrálgicos e inovadores desta vertente do

desenvolvimento como qualidade de crescimento, assegurar as necessidades básicas,

sustentabilidade ao nível populacional, conservação e melhoramento dos recursos-base,

reorientação tecnológica e gestão de risco, e, por fim, a fusão entre meio-ambiente e economia ao

nível da tomada de decisões.

Numa parceria que envolve a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN),

o Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF)

foram detetadas três grandes barreiras à sustentabilidade, nomeadamente, falta de compromisso

ético, desigual distribuição do poder e separação entre desenvolvimento económico e conservação

ambiental (Munslow e Brown, 1999). Em simultâneo, estes organismos apresentaram seis linhas

gerais para abordar estes problemas: modificar as atitudes e as práticas; construir uma aliança

global; atribuir poder às comunidades; integrar ambiente com desenvolvimento; estabilizar a

procura por recursos e a população; e, finalmente, conservar a biodiversidade.

Procura-se dar valor ao trabalho imaterial55, e entende-se a cidadania como essência da

integração produtiva (sendo cidadania entendida primordialmente como participação56). “Em

síntese, a participação social, ou seja, a cooperação dos tomadores de decisão locais com todos os

atores e grupos relevantes da comunidade, é visualizada como uma pré-condição básica à obtenção

do tão almejado desenvolvimento local sustentável” (Rocha e Bursztyn, 2005:51).

Embora utilizado frequentemente, este conceito é rotulado por alguns autores como

escorregadio e ambíguo (Friedman, 1996:133), até mesmo vago e difuso (Lélé, 1991; Bartelmus,

1994). A definição universal de sustentabilidade continua distante, e as suas variações permeáveis a

interpretações e práticas diversas, o que não reduz ou abranda a sua utilização e destaque. Para

Munslow e Brown a sustentabilidade é antes de mais uma questão política, do comunitário ao

55 “O trabalho imaterial é a condição de produção de bens e serviços e, portanto, não se opõe ao material. Ésimplesmente uma característica do trabalho vivo, que existe como processo e como ato, no compartilhamento deinformações e linguagens” (Cocco citado por Silveira, 2006:3).

56 Participação é “(...) o grau de integração do indivíduo em um grupo, sociedade ou instituição, expresso naintensidade, categoria e natureza dos contatos que mantém com os demais, pressupondo um alto nível deconscientização social e política” (Sayago, 2000:41).

75

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

supra-nacional (Munslow e Brown, 1999:28).

Para Amaro (2003), desenvolvimento é, na sua essência, um processo centrado nas pessoas e

nas suas necessidades, olhando às potencialidades e especificidades locais; e para Beni (2006) a

participação destas, em todas as etapas desse processo, dá maior garantia à sua sustentabilidade, ou

seja, ao seu sucesso. Como se tentará demonstrar nesta investigação, a carência de um investimento

nas pessoas e suas capacidades, provoca um efeito nefasto que promove uma gestão ineficiente e

insustentável que, sem dúvida, coloca em causa as gerações futuras, inclusive a sua própria

existência. O papel humano é essencial à sustentabilidade, seja de que tipo for. A participação

parece ser a resposta mais viável para o almejar dos objetivos definidos e pretendidos pelos seus

protagonistas.

A mobilização no sentido da participação e da capacitação surge, originalmente, em

Friedman (1996) que considerava que o empowerment está relacionado com a gestão de três

poderes distintos: o social (acedido na base da riqueza produtiva), o político (acedido pelo processo

de tomada de decisões), e o sociológico (pelo desenvolvimento das capacidades individuais).

A participação pode ser vista como um meio ou como um fim do desenvolvimento. Ao passo

que a voluntariedade e a mobilização são fundamentais para a participação como meio, enquanto

fim, deve ser entendida como instrumento para a promoção de objetivos normativos de

desenvolvimento como justiça social, equidade e democracia, e surge desde as populações (inside-

out, under-top), conhecida também como participação enquanto empowerment (capacitação), ou

seja, exigindo descentralização de poder.

Esta requer o envolvimento da população, entendido como um exercício pleno de cidadania,

e não apenas como um envolvimento que se esgota na fase de execução dos projetos de

desenvolvimento. Como vimos, ela passa pelo reconhecimento do que é a identidade das

populações e pela descodificação e compreensão dos valores que as caracterizam, moldam, e

reproduzem, e que se refletem em diferentes comportamentos e estratégias de vida.

O sucesso da aplicação das estratégias de empowerment, depende, também, de processos

positivos ulteriores ao campo de ação local direto (Alves 2006), ou seja, é necessário não só o seu

reconhecimento e a sua promoção, mas sobretudo a sua institucionalização. Também por isso,

alguns autores usem conceitos como “pós-desenvolvimento” ou “pós-modernidade”, para se

diferenciarem. Estes “novos desenvolvimentos” têm como objetivo a rutura com o desenvolvimento

como forma de dominação do ocidente face ao resto do mundo. Uma perspetiva que surge não76

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

apenas pelo fracasso do paradigma anterior, mas também pelo surgimento de novos paradigmas

científicos que têm vindo a permitir novas abordagens57.

Concordemos ou não com a ideia de pós-desenvolvimento, importa sobretudo reconhecer

uma mudança de mentalidade, de estratégia e de ação no processo desenvolvimento, processo esse

que, enquanto parte integrante dos objetivos de modernização de países e regiões, parece ser capaz

de se adaptar às condições e condicionantes do fim do processo clássico de modernidade, nas suas

várias facetas, em particular por ser capaz de se adaptar e prosperar num contexto globalizado.

2. Da Globalização à (Pós) Modernidade

Globalization can thus be defined as the intensification of worldwide social relations which link distantlocalities in such a way that local happenings are shaped by events occurring many miles away and viceversa. (Giddens, 1990:64)

Uma das principais consequências da modernidade é a globalização. A globalização resulta

da inter-relação de quatro dimensões: o sistema de Estado-nação, a economia capitalista mundial, a

ordem militar mundial e a divisão internacional do trabalho; e é um processo de desenvolvimento

desigual que se fragmenta à medida que se coordena, introduzindo novas formas mundiais de

interdependência (Giddens, 1990).

Globalização pode ser vista tanto como o processo que justapõe culturas, como a absorção de

culturas heterogéneas por uma cultura dominante. O surgimento de uma sociedade global, se é que

esta existe, está assente no desenvolvimento económico e tecnológico. No entanto, ao contrário do

que se percecionava até à década de 1970, os EUA poderão não ser já os agentes de absorção, pois

reconhece-se agora que os indivíduos podem viver com múltiplas identidades em simultâneo. Isto

significa que

The process of globalization, then, does not seem to be producing cultural uniformity; rather it makes usaware of new levels of diversity. (…) Syncretism and hybridizations are more the rule then the exception(…). (Featherstone, 1995:13-14)

O avançar da modernidade previa uma força universalizante levada a cabo por processos

específicos (industrialização, urbanização, mercadorização, racionalização, burocratização, divisão

do trabalho, individualismo e a formação de Estados) que não ocorreu. Uma história como destino

foi confrontada com uma multiplicidade de histórias. A maior arma da modernidade, a globalização,

acabaria por trazer a voz de outras nações, seus valores e culturas ao palco mundial, rebatendo o

ocidente e a 'americanização': “the shifting global balance of power which has resulted in the West

57 Como as de Rahnema (1997) ou Amaro (2003), entre muitos outros, são exemplo.77

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

having to listen to 'the rest' is producing a relativization in which other foundational values and

fundamentalism emerge to clash upon the global stage. More players are involved in the game,

(…)” (Featherstone, 1995:83).

Este rebater ganha formas tão distintas como o fundamentalismo ou o tradicionalismo, aliás

como Mouzelis (2008) também postula. Através do processo de globalização, as diferentes culturas

usam o palco mundial como campo de batalha, para reforçar e enaltecer as suas raízes culturais

ameaçadas pelo processo de modernização.

Esta tendência ganhou contornos ritualistas para a celebração do passado e para o reforço

identitário, como por exemplo, a criação de feriados nacionais, festividades e produção artística,

como formas de identificação mitológicas, que competiam com as de outras nações no palco

globalizado. A partir da década de 1960 emerge uma segunda fase desta nostalgia, para muitos

associada com a pós-modernidade, caracterizada por uma pressão no sentido da reconstituição das

identidades coletivas por parte dos Estados-nação.

Este regresso às culturas locais é potenciado na década de 1980 com a criação de espaços

comemorativos do passado como museus, centros comerciais e parques temáticos que não eram

mais do que “(...) commemorative ritual devices which reinforce, or help people regain, a lost sense

of place. (…)” (Featherstone, 1995:96).

Assim, torna-se clara a inter-relação entre culturas locais e globais. A ideia de unicidade do

globo torna-se inconsistente. A globalização permitiu a justaposição de culturas que não se

encaixam, ao mesmo tempo que alguns Estados-nação procuram processos de homogeneização à

sua imagem. Tal processo, como vimos, levou ao confronto direto destes com outras nações e

culturas antes periféricas.

A globalização tem permitido uma articulação direta do regional/local com global, ou seja,

um diálogo direto local-global que, pela primeira vez desde o advento da modernidade, escapa ao

controlo centralizado do Estado. Estas transformações levaram também alguns autores a considerar

que a globalização é responsável por limitar e até estrangular as ações do Estado:

(…) Albrow (1996), who stresses the narrowing of choices of nation states compelled to adopt neo-liberaleconomic policies in order to compete in the world market, to Strange (1996), who complains that theimpersonal forces of world markets are more powerful than the states, to Ohmae (1995), Reinecke (1998)and Thurow (1999) who argue that globalization implies the end of the nation state as sovereign actor ininternational relations (…). (Martinelli, 2005:254)

Todavia, tanto Martinelli como Mouzelis (2008) rejeitam quer as posturas que consideram a

78

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

globalização um movimento que fará cair o Estado-nação, como as posturas que o relativizam como

um processo que nada de novo trouxe na transformação da economia mundial. Esta relação local-

global forçará a transformações no papel do Estado-nação mas não provocará o seu fim. Nessa linha

Martinelli afirma que “a world society cannot be equated to a world system. The world system is

still a system of societies and cultures. And the world polity is still a system of nation states”

(2005:244).

A globalização, ao alterar o processo de modernidade, permitiu, por exemplo, o

reaparecimento do localismo/regionalismo, deu sinal de uma nova etapa que, também Giddens, a

par de Mouzelis, classificam de pós-modernidade a “(...) dissociação completa entre a técnica e os

universos culturais, que deixam então de estar ligados a uma acção instrumental” (Touaraine,

1992:177):

Concluamos: não há modernidade sem racionalização, mas também não há modernidade sem formação deum sujeito-no-mundo que se sinta responsável em relação a si próprio e à sociedade. Não confundamos amodernidade com a formação puramente capitalista de modernização. (Touraine, 1992:242)

Touraine propõe regressar à génese intelectual da modernidade, a busca pela realidade

objetiva, rejeitando a sociedade sem agentes (Touraine, 1992). Daí a tese da sua obra se centrar na

reintrodução do Sujeito dentro da sociedade moderna, mas sempre numa relação de

complementaridade e oposição ao de racionalização.

Featherstone vê a pós-modernidade como conceito vago sem significado próprio, uma

classificação que aponta para o período que segue o da modernidade mas que na essência é um

movimento da sua negação e rejeição: “Postmodernism is of interest to a wide range of artistic

practices and social science and humanities discipline because it directs our attention to changes

taking place in contemporary culture” (Featherstone, 1991:11).

Mudanças que ocorrem na esfera cultural, envolvendo modos de produção, consumo e

circulação de bens simbólicos, que, por sua vez, alteram as relações de poder e interdependências

entre grupos. Também mudanças nas práticas e experiências do quotidiano de diferentes grupos,

provocam alterações nas estruturas de orientação e identidade.

Este autor entende a cultura de consumo em três perspetivas: como uma extensão da

produção de consumo capitalista que permitiu uma acumulação vasta de material cultural na forma

de bens e lugares de consumo; esse mesmo consumo e acumulação criam novas estruturas de

distinção e vínculos sociais; e, os 'emotional pleasures of consumption', que surgem do consumo de

79

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

lugares e imaginários culturais e que geram excitação corporal e prazeres estéticos.

'Consumer culture' é um conceito que sublinha como a totalidade de bens e seus princípios

de estruturação são basilares para a compreensão da sociedade contemporânea:

(…) today's consumer culture represents neither a lapse of control nor the institution of more rigidcontrols, but rather their underpinnig by a flexible underlying generative structure which can be bothformal control and de-control and facilitate an easy change of gears between them. (Featherstone,1991:27)

Featherstone entende o pós-modernismo enquanto processo a longo prazo que tem

conduzido à produção de especialistas em produção e disseminação simbólica, o que demonstra a

necessidade de redirecionar a procura por uma sociologia pós-moderna para uma sociologia do pós-

modernismo! Entender o pós-modernismo como mera construção social, como manipulação

cultural por membros de uma classe média, ou ainda como jogada de supremacia por parte de

especialistas culturais é, para o autor, reduzir o pós-modernismo a uma ação estratégica e ignorar

todo seu potencial enquanto forma de orientação capaz produzir novas e distintas posições artísticas

e intelectuais.

Esta postura pós-modernista da negação da modernidade é precisamente o que Mouzelis

(2008) rejeita, pois entre o eurocentrismo e o anti-modernismo, a teoria cede a um limbo que a

paralisa. Para este autor, a teoria atual continua estrangulada tanto pela postura eurocêntrica da

modernidade/modernização como também pela posição ultra-realista dos países em

desenvolvimento face à concetualização eurocêntrica da modernidade: “in this respect I think the

way out of eurocentrism is neither the total rejection of evolutionary thinking nor the adoption of an

extreme form of cultural relativism (…)” (Mouzelis, 2008:149). Tal concetualização permitiria

reconhecer que a modernidade ocidental é apenas uma de várias, apesar da sua prevalência e

domínio, como vários teóricos que subscrevem a ideia de “múltiplas modernidades” (Eisenstadt,

2000) ou “variáveis da modernidade” (Schmidt, 2006) o defendem.

Giddens infere uma definição objetiva de pós-modernidade dependendo de quatro

dimensões na sua ordem, nomeadamente, a participação democrática multidimensional, a a

desmilitarização, a humanização da tecnologia e um sistema pós-escassez. O emergente conceito de

“governança” é um exemplo comum dessa participação democrática multidimensional que

caracteriza a pós-modernidade.

80

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

3. Da Governação à Governança

Um elemento vital para o desenvolvimento e consequente modernização de uma nação é a

injeção de capital nos mercados. O dinheiro, enquanto regra ou sistema de regras que media a troca,

é uma construção social que integra e divide uma sociedade e cujo valor simbólico é determinado

pelo quadro cultural a que pertence: “there is no single, uniform, generalized money; but multiple

monies: people earmark different currencies for many or perhaps all types of interactions, much as

they create distinctive languages for different social contexts” (Zelizer citado por Burns et al,

2003:154).

Cada um destes quadros tem as suas regras de acordo com a sua moldura social e estrutura

normativa que permite a sua validação, usualmente uma estrutura administrativa ou burocrática e

simultaneamente de orgânica social. O dinheiro depende da confiança e crença dos seus utilizadores

e obriga a uma regulação controlada e eficiente do seu valor. Para tal servem diferentes instituições

responsabilizadas com essa função. Uma outra fatia importante nesta regulação, a confiança,

depende sobretudo da perceção pública do dinheiro e como é gerida a economia; assim, uma crise

ou desconfiança pode gerar uma quebra o que por sua vez aumenta a desconfiança e assim

sucessivamente.

De forma a prevenir ou reduzir esta especulação ou incerteza, os políticos e agentes

económicos criam procedimentos institucionais que regulam o dinheiro. No entanto, em primeiro

lugar, os regulamentos são adicionados ou corrigidos depois dos erros detetados e crises sofridas e,

em segundo lugar, quanto maior a regulamentação mais se restringe e estrangula a economia,

agravando as desigualdades e fragmentando ainda mais a sociedade (por exemplo, aumentando a

diferença de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres, criando tensões sociais, forçando à

emigração, etc.).

O dinheiro e a forma como é regulado depende do sistema utilizado. Atualmente, o sistema

mais comum, e quase universal, é o capitalismo. Este é capaz de produzir bens e serviços, riqueza e

inovações em produtos e nos meios de produção, assim como consequências negativas indesejadas.

Não existem sistemas perfeitos. Igualmente, não existe um único tipo de capitalismo mas sim várias

formas de interpretar e agir dentro desse sistema, que depende da moldura cultural em que está

inserido. Isto também quer dizer que é extremamente complexo lidar com crises e contradições,

particularmente em dois tipos de situações: desequilíbrios sistémicos e problemas sociais. Estes

problemas agravam as crises e complicam os processos vitais da ordem capitalista, é dizer, o81

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

capitalismo exige ordem e previsibilidade mas cria um sistema que produz desordem e

imprevisibilidade (Burns et al, 2006).

De forma a contrariar estas tendências têm sido desenvolvidos mecanismos reguladores por

parte dos Estados e do setor privado, para contrariar e ultrapassar os seus fracassos e instabilidades.

Todavia, o seu sucesso tem sido muito limitado, em parte, por fatores como certos arranjos

transnacionais e oligopolistas em mercados múltiplos, regulação financeira, sobretudo focada nas

atividades produtivas, o capitalismo globalizado, etc.

Tanto pelos efeitos multiplicadores, como pelos perversos, o envolvimento do Estado é

considerado uma vantagem na condução inicial do processo turístico, tanto do ponto de vista do

planeamento a longo prazo, como no apoio aos investidores, em particular em áreas de maior risco

para o setor privado. No entanto, por exemplo, é comum a falta de legislação adequada no uso de

solo turístico e consequentes efeitos negativos que não são equacionados de antemão. Estas e outras

falhas levaram alguns países como a Noruega, a Dinamarca e o Japão a delegar o planeamento do

setor a órgãos não-governamentais, o que por sua vez pode levar a descoordenações entre a

estratégia nacional e os interesses e necessidades do setor. Igualmente, deixar tanto as comunidades

afetadas como o setor privado fora do planeamento conduz a outras problemáticas como o declínio

da atitude dos residentes ou a carências de estímulos para as empresas.

Em resposta a tais fracassos novas formas de organização coletiva têm conseguido que

novas políticas e formas de regulação continuem a ser aprovadas, como organizações não-

governamentais, chegando mesmo a substituir as instituições estatais.

Tais novas resoluções e reformas reguladoras têm sido possíveis, em parte, através do

envolvimento do setor privado, em particular, do envolvimento das principais empresas dos vários

setores. Isto é possível porque, por sua vez, estas forçam a mão dos Estados que veem as ONG e o

setor privado a apontar o caminho para novas e melhores regras de concorrência e qualidade para os

consumidores. A este processo multi-nivelado de negociação entre Estados, setor privado e

organizações não-governamentais (entre outras) denomina-se usualmente como Governança.

Etimologicamente, governança é o ato de dirigir ou governar, “(...) the value of the

governance perspective rests in its capacity to provide a framework of understanding changing

processes of governing” (Hall citado por Stoker, 1998:18). Em última instância “(...) the

overarching concept in governance in public policy terms is the relationship between state

intervention/public authority and societal autonomy or self-regulation” (Hall, 2011:15).82

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

Tal como acontece com o conceito de Desenvolvimento, a Governança pode ter diferentes

significados e definições, e são vários os autores que nos alertam para isso, entre eles, Kooiman

(1999) que destaca que o traço comum é a relevância dada à importância das regras e qualidade dos

sistemas, da cooperação como incremento de legitimidade, a necessidade de novos processos e

métodos. Este autor define a Governança (Sócio-Política) como “all those interactive arrangements

in which public as well as private sectors participate aimed at solving societal problems, or creating

opportunities, and attending to the institutions within which these governing activities take place”

(Kooiman, 1999:70).

A necessidade desta interação entre poderes públicos e setor privado com o intuito de

resolver problemas e criar oportunidades, nasceu da incapacidade dos Estados em resolvê-los de

forma satisfatória. Nasceu como resultado de diversos avanços nas ciências sociais (e não só) que

contribuíram para uma mudança na forma como as pessoas e o mundo funcionam.

Um avanço chave foi o abandono da dicotómica visão do mundo onde o Estado e o Mercado

trabalhavam em conjunto ou em sentido contrário para resolver estas questões. Um paradigma

assente em ideologias políticas e económicas que se mostraram falaciosas e que ignoravam o papel

das dinâmicas internas dentro das empresas, e a enorme variedade institucional de formas de

governo, providência, gestão pública e de recursos comuns que existiam (Ostrom, 2009).

Ao ignorar estas formas alternativas, os indivíduos estavam predestinados a uma

incapacidade de resolver problemas coletivamente, sem a ajuda e orientação dos Estados. Os

indivíduos, enquanto seres que se comportavam de forma racional, naturalmente seguiriam uma

lógica linear de ação e pensamento. Esta falácia ignorava os inúmeros fatores que levavam à

mudança nas prioridades, na previsibilidade do comportamento racional, bem como, que o

comportamento é afetado pelo contexto e pela confiança.

Ostrom (2009) afirma que os indivíduos têm uma estrutura motivacional muito mais

complexa e competente para resolver dilemas sociais do que antes se sugeria, e que o objetivo das

políticas públicas deveria pender para um papel de facilitador do desenvolvimento institucional

policêntrico. Como Ostrom, muitos outros autores contribuíram para o aprofundamento e

proliferação do conceito de governança e, com isso, para um gradual atenuar entre o setor público e

privado.

Esta tendência que coloca os cidadãos como responsáveis pela sua segurança e redefine o

papel dos Estados é fruto de mutações e reconfigurações nas chamadas formas avançadas de83

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

liberalismos (Rose, 2000), uma clara prova de como os atores sociais estão dependentes uns dos

outros em certas questões e que a governança é um conceito central, e uma prática, para a sua

resolução.

Kooiman (1999) considera existirem várias interpretações do conceito de governança, e que

todas “(...) may contribute in one way or another to an optimal use and development of governance

as theoretical and practical concept” (Kooiman, 1999:72). Ainda assim, defende a sua própria

perspetiva, a de Governança Político-Social. Esta tem o seu ênfase na dinâmica social das situações

e sua governança.

Para o autor, a eficiência da governação político-social depende da sua capacidade em

refletir a diversidade, a dinâmica e o carácter complexo dos desafios que enfrenta. Adaptação em

alternativa aos modelos políticos estáticos obsoletos e ineficientes em vigência. Uma nova forma de

controlo que enfatiza no desmantelamento da sociedade em comunidades auto-reguladas onde o

Estado pode coletar impostos e exercer algumas funções que atualmente já exerce: “(...) 'the'

government is not capable of deciding on its own the direction in which society is to develop.

Societal development is necessarily a result of interactive social forces” (Kooiman, 1999:89).

Existindo mais do que um significado de governança, Hall (2011) apresenta dois

entendimentos gerais que podem ser reconhecidos na literatura dedicada ao tema. Um destes refere-

se à forma como os Estados se adaptam às alterações económicas e políticas, isto é, refere-se à

capacidade de adaptação das instituições governativas, e é por vezes rotulado como “good

governance”. O segundo significado remete-nos para a questão do papel do Estado, é dizer, a

capacidade e/ou competência dos Estados em conduzir ou apenas coordenar os sistemas sócio-

económicos em jogo.

Num trabalho recente o autor constrói um quadro conceptual em torno do conceito de

governação e estabelece que existem quatro tipos de governação na literatura, classificados como

hierarquias, mercados, networks ou comunidades, tendo cada um destes as suas características,

posturas e modelos próprios. Estes tipos, alerta Hall, não sendo construções estáticas, permitem

“(...) the formulation and evaluation of explanatory claims, clarify conceptual claims and assist

comparative analysis and policy learning” (Hall, 2011:15).

Sendo a Governança “(...) a complex of public and/or private coordinating, steering and

regulatory processes established and conducted for social (or collective) purposes where powers are

distributed among multiple agents according to formal and informal rules” (Burns et al, 2010:1),84

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

então há que reconhecer a importância da sustentabilidade na rede interdependente das sociedades

do mundo de hoje. Um reconhecimento que tem de ser multi-nivelado.

Enquanto plataformas dotadas de regras e políticas complexas, os sistemas de governança

remetem para domínios de política e regulação na vida social que são moldados, desenhados,

substituídos e interpretados, onde atores políticos, grupos económicos, peritos, ONG, etc. se

relacionam. Dessa forma, exigem uma abordagem multi-nivelada da base para o topo que reconhece

a importância do conhecimento ao nível local e da concetualização e análise ao nível intermédio:

“(...) our approach to sustainability emphasizes micro and meso-level conceptions, bringing into to

conceptualization the actors involved in (or concerned about) production activities and their impacts

and the dynamic developments of sustainability” (De Man et al, 2006:2).

Com isto pretende-se sublinhar a importância de todas as partes neste processo, onde antes

de mais, o Estado deve apartar-se do controle operacional total e adotar uma postura sobretudo de

regulação, garantindo os interesses de todas as partes envolvidas (Pereira, 1999).

São vastos os casos em que, por exemplo, as ONG apontam baterias a grandes companhias

forçando a mudanças seja nos materiais usados, na produção dos seus produtos, na mensagem dos

mesmos, nas regras de segurança, etc. Negociações que ocorrem devido à ausência ou incapacidade

de Governos em agir, por serem questões que escapam ao seu raio de ação, por não serem capazes

de antecipar a necessidade de regulação, por incompetência ou ineficiência dos mesmos, etc.

O sucesso da governança depende da capacidade de gerar coligações e equilíbrios entre

interesses e neutralidade na liderança durante as negociações. De forma a reduzir desconfianças

mútuas e outras adversidades, é essencial descentralizar liderança e processos de organização “(...)

power, knowledge, values, and struggle are key factors in governance transformation. (...)

governance systems are characterized typically by internal and external contestation and conflict,

which drive the exercise of power and, under some conditions, result in transformation of

governance systems (...)” (Burns et al, 2010:25-26).

Mesmo em contexto de sistemas de governança, podem ocorrer casos de cedência a

intervenientes-chave com maior poder político ou económico durante as negociações, o que pode

pôr em causa todo o sistema, desequilibrando-o. A resposta a essa situação pode passar por uma

Governança Global: “(...) any purposeful activity intended to 'control' or influence someone else

that either occurs in the arena occupied by nations, or, occurring at other levels, projects influence

into that arena” (Finkelstein, 1995:368). Implica governar sem autoridade soberana e está assente85

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

nas relações que transcendem fronteiras e regulação nacional. Um tipo de governança que atingiu a

sua maturação com a globalização, já que esta alterou as dinâmicas de governança no mundo

tornando o modelo único de governança obsoleto, até em realidades locais e nacionais (Kahler,

2004).

Com a globalização, os sistemas de governança atingem um nível estatal internacional e

perdem controlo à medida que os próprios Estados também mudam e se adaptam. Isto sem esquecer

que os países em desenvolvimento ao entrar neste sistema estabelecido tardiamente, se viram

automaticamente dominados política a economicamente por quem anteriormente definiu e impôs as

regras (Mulley, 2008:4). Prova disso é que, mesmo numa situação de governança global, alguns

Estados mais poderosos conseguem atrasar ou bloquear instituições internacionais.

O poder da economia mundial e a sua influência transformaram a economia globalizada num

meta-poder onde Estados anseiam e temem por grandes multinacionais nos seus territórios, criando

um novo tipo de campo de batalha: “this deterritorial conception reverses the logic of the traditional

understanding of power, violence, and authority. (...) This meta-power is neither illegal nor

legitimate; it is translegal, but it changes the rules of the national and international systems” (Beck,

2001:83). Para Beck outra consequência da globalização é a perda do monopólio da criação de

regras (por parte dos Estados) para as empresas e agentes não-governamentais, privatizando e

transnacionalizando as leis.

Martinelli também concorda que o sistema mundial fracassou na adaptação ao crescente

processo de globalização devido à desarticulação e fragmentação das suas instituições que

demonstraram ser ineficientes. No entanto, também defende que é obrigatória uma integração entre

instituições globais e processos de regulação, desde uma plataforma de governança global

poliárquica, multi-nivelada e multipolar democrática. A poliarquia “it focuses on democratic

accountability, individual and community empowerment, multiple identities, contextual

universalism, and supranational institutions. It is a polyarchic mixed actor system in the sense that it

is a product of many actors pursuing different strategies, both competitive and cooperative”

(Martinelli, 2007:7).

Zadek (2006) também argumenta que uma governança global (cooperante) é a resposta para

o fracasso dos mecanismos governamentais tradicionais. Este sublinha que a resposta deve vir da

participação civil e do setor público, mas mais ainda do setor empresarial, já que este: “(...) has

legitimized interests in private gains, and so treats public good instrumentally to the end” (Zadek,86

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

2006:385). O envolvimento do setor empresarial depende de responsabilidades cooperativas

devidamente definidas de forma a que a responsabilização possa ser colocada sobre a mesa,

renegociada e realinhada.

Isto é particularmente pertinente na relação entre governança e o turismo. Em 2013, Duran

realizou um profundo e transversal levantamento sobre o conceito, princípios e estratégias

associadas à governação de destinos turísticos para a UNWTO. Neste, definiu-se de forma objetiva

governança como “(...) entails a guidance process that is institutionally and technically structured,

that is, based on principles, norms, procedures and practices to collectively decide about common

goals for coexistence and about how to coordinate and cooperate for the achievement of decided

objectives” (Duran, 2013:9).

A UNWTO (2008) definiu doze metas para o turismo sustentável: viabilidade económica,

prosperidade local, qualidade de emprego, equidade social, satisfação do visitante, controlo local,

bem-estar comunitário, riqueza cultural, integridade física, diversidade biológica, eficiência dos

recursos, e pureza ambiental. Em articulação com essas metas a UNWTO entende por Governança

Turística:

(...) the process of managing tourist destinations through synergistic and coordinated efforts bygovernments, at different levels and in different capacities; civil society living in the inbound tourismcommunities; and the business sector connected with the operation of the tourism system. (UNWTO,2008: 31-21)

4. O Turismo e a Globalização

Se a paz e o crescimento económico na Europa após o fim da IIGM permitiu que o turismo

emergisse como uma atividade aliciante, o fim da guerra fria permitiu que a Europa, disponível para

“consumo turístico” aumentasse e, também por esse motivo, o turismo continuou na liderança das

principais atividades económicas no mercado mundial. Mundial, e não apenas Europeu.

Com o fim da guerra fria, também inúmeras antigas colónias das potências europeias por

todo o globo, tornaram-se países soberanos e independentes. À medida que o fim do século XX se

aproximava, descontinuaram as suas posturas marcadamente pró-socialistas ou comunistas, e

abriram as suas portas ao mercado mundial passando a haver maior diversificação de destinos

turísticos mundiais.

Uma atividade que beneficiou particularmente da globalização foi, sem dúvida, o turismo,

uma vez que todas estas mudanças anteriormente mencionadas – tecnológicas, políticas,

económicas e culturais – permitiram a sua expansão a um ritmo extremamente acelerado. Aliás,

87

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

para autores como Shaw e Williams (2002), o turismo pode até ser entendido como o melhor

exemplo do processo de globalização.

A tecnologia permitiu uma maior “aproximação” entre os turistas e os destinos turísticos, a

abertura dos mercados facilitou o investimento na edificação de infraestruturas para transportar e

alojar os mesmos turistas, e as instituições e organismos de carácter mundial promoveram e

incentivaram os Estados a adotarem o turismo como estratégia para o desenvolvimento, em

particular nos países em vias de desenvolvimento.

O turismo globalizado permitiu que povos e culturas distantes interagissem de forma direta e

frequente ao nível local (Cochrane e Pain, 2000). Isto significa um intensificar de relações sociais a

par de económicas. Uma intensificação que pode resultar em mudanças e transformações tanto

positivas quanto negativas, como já se mencionou anteriormente.

Já com um pé bem assente no século XXI, o turismo à escala global não dá sinal de recessão

ou de estagnação. De acordo com a Wolrd Tourism & Travel Council (WTTC), no ano de 2013 o

turismo foi responsável por cerca de 9,5% do PIB Mundial, isto contabilizando o seu impacto ao

nível direto, indireto e induzido, rondando os 6990 mil milhões de dólares, havendo a expetativa de

crescer 0,1% para o próximo ano. Esta atividade emprega atualmente, de forma direta, quase 101

milhões de pessoas, cerca de 3,4% do emprego mundial, sendo que, se forem contabilizados os

empregos indiretos, o valor atinge os 265 milhões de empregos (8,9%). Esta organização estima que

nos próximos 10 anos o turismo empregue ainda mais 80 milhões de pessoas.

Daí que as multinacionais especializadas na atividade turística sejam desejadas por parte dos

Estados, em particular nos países em desenvolvimento. Na arena desta afamada alavanca

económica, as possibilidades de investimento e enriquecimento por parte destes grupos é alargada

com as vantagens fiscais e económicas que os vários Estados põem à disposição para a angariação

destes investidores.

Mas os números astronómicos não se ficam por aqui. No relatório anual de 2013 da OMT da

ONU, o turismo internacional representou, em 2013, 6% das exportações mundiais ou 1.3 triliões de

dólares. Ademais, revelou que o número de turistas internacionais (arrivals) atingiu 1083 milhões.

Dados incríveis já que mais do que duplicam o número de 1995, e quase quadruplicam os de 1980

(277 milhões)! Aliás, a tendência mundial de rápido crescimento teve apenas alguns solavancos

aquando da recessão de 2000-2001, e da crise internacional de 2007-2008 (sendo que apenas em

2009 se sentiu esse impacto de forma clara).88

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

Em termos absolutos, cerca de 51,8% destes turistas procuram a Europa, que continua a

crescer sem sinais de baixar o ritmo. A segunda região mais visitada é a Ásia e o Pacífico (22,8%),

logo seguidas pelas Américas (15,5%), e depois, África (5%) e o Médio Oriente (4,7%); no caso

africano os turistas rondam apenas os 56 milhões, ainda assim, um novo recordo para a região. Em

termos globais, este organismo estima que se atinja a cifra de 1400 milhões de turistas

internacionais em 2020 e 1800 milhões em 203058!

Em simultâneo, a globalização também trouxe a nu a diferença dos dividendos retirados por

países mais desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. São os países mais desenvolvidos os que

maiores dividendos retiram por turista e isso, em parte, deve-se a existência de infraestruturas de

base que esses países possuem, assim como pelo facto de serem elevados os números de empresas e

serviços prestados por nacionais desses mesmos países.

Economic impacts from tourism typically report the amount of new income being received in adestination area, and then use a multiplier to account for the additional spending that result afterwards.There is a danger however, of overstating the foreign exchange earnings of tourism when leakage is nottaken into consideration. Leakage refers to the amount of money that leaves an economy to import goodsand services needed for tourism development. Vaugeois (2000:8)

As fugas (leakages) das divisas do turismo nos países em desenvolvimento podem atingir

percentagens elevadas e pôr em causa o sucesso do turismo a longo prazo. As fugas correm quase

sempre no sentido dos países mais desenvolvidos de onde saem a maioria dos turistas. Mill e

Morrison (1999) apontaram para fugas de seis tipos: os custos dos bens e serviços comprados para

satisfazer os visitantes; a importação de materiais e equipamentos para abastecer a infraestrutura

turística; os pagamentos a fatores externos de produção; as despesas de promoção do destino no

estrangeiro; determinação dos preços do transporte de visitantes; os destinos isentam as empresas

estrangeiras de impostos e taxas de propriedade para incentivar investimentos.

Já Nowak e Sahli (2010) consideram que estas fugas podem ter três formas: internas,

externas e invisíveis. A internas referem-se, por exemplo, aos serviços de promoção, marketing e

venda de férias que muitas vezes são importados, o que é agravado pela comum repatriação dos

lucros nos seus países de origem, pelo uso de emigrantes que também expatriam parte dos seus

rendimentos aos seus países de origem, e pela importação de produtos como comida, bebida,

veículos, materiais, etc.

As fugas externas são referentes a perdas fora do espaço económico do país recetor, e estão

58 Relatório da UNWTO (2013).89

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

relacionadas com fatores que escapam às contabilidades dos países recetores, nomeadamente, na

forma como os destinos são catalogados e vendidos nos países emissores, incapacitando operadores

locais de competirem com operadores dos países emissores.

As fugas invisíveis são as perdas de dividendos que ocorrem na própria economia do país

recetor mas que não são consideradas como pertencentes ao setor turístico.

They may be the most difficult to assess, but they are nonetheless very real. These costs can, for example,be linked to damage caused to the environment or natural and cultural sites used by tourism, illicit capitalflights abroad, deterioration and congestion in public infrastructure, etc. All these factors have an impact –in the short or long term – on the viability of the tourism industry. (Nowak e Shali, 2010:11)

O cálculo real do valor destas fugas é de particular dificuldade, já que muitos destes países

estão sob pressão para obter divisas rapidamente, de forma a cobrir os custos do desenvolvimento

da infraestrutura implementada, e muitos não dispõem de materiais ou recursos humanos adequados

para se auto-estabelecerem turisticamente (Vaugeois, 2000).

Para além destas fugas, outras situações podem afetar negativamente os espaços recetores,

como já mencionámos: os danos no ecossistema, deterioração da paisagem, aumento da poluição,

entre muitos outros impactos negativos, tal como a existência do perigo destes países se tornarem

dependentes do turismo. Nessa situação de dependência, a mínima flutuação da procura ou crise nos

países emissores, pode levar a pesadas consequências em toda a economia nacional dos países

recetores.

All these risks highlight the need for tourism to be designed and planned to be sustainable. In order tobenefit from the potential benefits offered by this activity, all the risks it may carry must be taken intoaccount. Tourism development can – and must – take place in compliance with the norms of sustainabledevelopment, which foster benefits by reducing risks. (Nowak e Shali, 2010:12)

Os países em desenvolvimento estão profundamente dependentes do investimento externo

em infraestruturas, assim como dependem da capacidade e conhecimento de técnicos e especialistas

estrangeiros para garantir um serviço adequado e exigido pelos turistas internacionais. Ambas as

dependências aprofundam o desvio de dividendos dos seus países para os países mais desenvolvidos

de onde oriunda a maioria dos turistas e dos provedores de serviços diretos e indiretos associados ao

turismo internacional (Mowforth e Munt, 2003).

Muitos países em vias de desenvolvimento procuram potenciar o turismo nos seus territórios

de forma a atingir um rápido crescimento económico e desenvolvimento estrutural. Isto apenas tem

sido possível graças a programas do FMI como o Programa de Ajustamento Estrutural que faculta

ajuda financeira.

90

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

Esta ajuda não é facultada sem exigências. Entre elas, a integração destes países na

economia global, a liberalização da economia e do setor financeiro, a aposta nos serviços, e forte

investimento na construção de infraestruturas, como estradas, aeroportos, etc. Por seu turno, a

liberalização da economia implica também que os governos destes países facilitem o investimento

externo através, por exemplo, da redução ou abolição de impostos aduaneiros, sobre património e

sobre os lucros das empresas ligadas ao turismo por tempo determinado ou indeterminado.

Podemos afirmar que a globalização do turismo, potenciada e facilitada pelos vários motivos

até agora identificados, transforma atrativos locais num valor a ser explorado como produto numa

economia cada vez mais intensificada e inter-dependente. Praias, montes, monumentos e

comunidades são entendidos como produtos atrativos a serem consumidos globalmente em nome do

crescimento económico e desenvolvimento dos países em que se encontram.

O turismo é hoje uma multiplicidade de serviços que vão muito além da hospedagem em

pacotes massificados onde "tudo" está incluído no preço do bilhete. O turismo é um serviço que tem

variadas formas e que pode ocorrer nos mais diversos espaços. De uma praia em Cabo Verde à

estratosfera, o turismo encontra produtos que saciam todo o tipo de clientes, gostos e carteiras. O

turismo encontra nos lugares mais remotos e inacessíveis do globo uma oportunidade de negócio e

dentro de algumas não será inconcebível especular passeios a outros pontos do sistema solar.

Com os pés bem assentes na terra, importa considerar o que o turismo pode e até deve

contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa. Esse desejo, bem alicerçado nos Objetivos do

Milénio das Nações Unidas, ganhou a forma de várias propostas de turismo alternativo que, a par

das novas posturas de desenvolvimento, procuram sustentabilidade ambiental, social e económica

para as comunidades envolvidas, entre elas, a própria sustentabilidade do delicado ecossistema

planetário.

Apesar da óbvia preponderância desta temática, os impactos da globalização no turismo e o

estudo do turismo enquanto processo globalizado não tem tido a devida atenção por parte dos

investigadores. Por esse motivo, Hjalager (2007) sugeriu a utilização do seu modelo de quatro fases

do turismo globalizado como ferramenta para uma melhor compreensão das transformações,

tendências e consequências deste a uma escala ampla, escapando aos estudos de caso que acabam

por não tocar no turismo enquanto processo globalizado. Este infere que:

Globalization has still not been discussed to any great extent in tourism research, and the literature tendsto focus on selected manifestations only. Therefore, there is a real need for further investigation andimproved empirical documentation. In particular, there is a lack of a genuine and more detailed insight

91

III – Da Modernização ao Turismo Globalizado

into the changed composition of value chains, which are relocating economic assets, employment, andearnings in the industry across national and regional borders, as described in stage three of the model.(Hjalager, 2007:452)

92

IV – Metodologia de Investigação

IV – Metodologia de Investigação

Quando, no século XIX, as raízes da Sociologia cresceram com o contributo de autores

como Comte, Tocqueville, Marx, Weber, Durkheim, etc., estas retiravam os seus 'nutrientes' do

estudo da emergente sociedade industrial fortemente influenciada pela epistemologia das ciências

naturais, onde a matemática era a linguagem 'científica'. Coube a estes autores demonstrar, ainda

que uns mais do que outros, que um novo tipo de linguagem era necessária para compreender os

fenómenos sociais que rapidamente mudavam nas sociedades ocidentais. A Sociologia cresce num

século onde apenas o replicável, calculável e generalizável era de facto Ciência, pelo que os

graduais contributos dos primeiros 'sociólogos' lentamente cambiaram este paradigma e deram à

investigação empírica espaço para o seu desenvolvimento.

Grande parte das publicações sociológicas dos primeiros tempos foram produto de investigaçãobibliográfica e consistiram em críticas ou sínteses de obras anteriores. Pelo contrário, o tipo deinvestigação mais frequente, ultimamente, em Sociologia, é predominantemente empírico e reflecte amencionada inversão de ênfase na preparação dos sociólogos. (Greenwood, 1963:314)

Uma investigação sociológica obriga a um aprofundamento científico, o que desde logo

afasta o senso comum quotidiano e superficial que outros poderão procurar usar como explicação

para um qualquer facto ou fenómeno social. No entanto, isto não significa que alguém sem treino

em sociologia não faça as mesmas questões que um sociólogo e que, portanto, as procure responder

com os argumentos de que dispõe, ainda que muitas vezes profundamente condicionados pelas suas

crenças, valores, ou simples informação insuficiente. A diferença reside no método científico de

investigação. O sociólogo tem como ferramenta uma metodologia que legitima as suas conclusões,

que tantas vezes são díspares do senso comum. É através do seu método, e posteriores conclusões,

que o sociólogo interpreta o significado desses factos à luz do conhecimento teórico adquirido

anteriormente pelos seus pares. Caso este não se adeque ou de alguma forma seja incapaz de

explicar ou relacionar os factos, o investigador procura produzir nova teoria ou corrigir a existente,

permitindo assim um avanço sistemático do conhecimento científico em Sociologia.

Este avanço encontra-se dependente, muitas vezes, do questionamento sociológico, isto é, do

processo pelo qual o investigador coloca questões que procura responder – o primeiro passo da

metodologia sociológica. Estas podem ser do tipo factual, quando se questiona o como ocorreu, por

exemplo, 'Como foi o processo de turistificação na Boa Vista?'; podem ainda ser do tipo

93

IV – Metodologia de Investigação

comparativo, quando procuramos confrontar com outros casos conhecidos, (ex.:) 'Este processo é

diferente do das ilhas Canárias?; o de desenvolvimento, por sua vez, pretende compreender os

processos de mudança, 'Quais os padrões do turismo na Boa Vista?'; finalmente, as questões de tipo

teóricas, que pretendem interpretar os factos, como 'Porque esta ilha passou de emissora de

migrantes para recetora? Que fatores explicam essa transição?'.

Formulada a questão, inicia-se o processo de investigação que segue vários passos, desde

logo a definição do problema e posterior revisão bibliográfica sobre o mesmo. Esta revisão

permitirá conhecer o estado do conhecimento sobre o tema e quais as conclusões propostas por

outros investigadores, caso existam. Com este conhecimento adquirido, o investigador formula as

suas hipóteses e elabora um plano de investigação que procura precisamente testar essas hipóteses.

É neste plano que devem ficar definidos os métodos concretos de recolha de dados, sobre o qual

trataremos nos pontos seguintes.

Complementando este processo de investigação, resta ainda a realização da investigação e

posterior interpretação dos resultados, que ficarão registados num relatório final e disponíveis para

discussão dentro da comunidade científica. Naturalmente que esta fórmula diz respeito a uma

sequência simplificada do que realmente ocorre em investigação. A realidade pode obrigar a

alterações ou adaptações a esta descrição geral do método de investigação: “Seguir esquemas fixos

pode ser excessivamente restritivo e muitas das investigações sociológicas mais famosas não se

ajustariam de todo à sequência acabada de mencionar, apesar de alguns passos poderem estar

presentes” (Giddens, 2010:646).

Para Greenwood, nas obras de referência da Sociologia Clássica, e mesmo contemporânea,

as investigações assumiram, grosso modo, um carácter bibliográfico onde, retirando dados já

publicados (e portanto, em certa medida, desatualizados), eram apresentados sob a forma de novas

sínteses organizadas e confrontadas. Um método que permitiu, e permite, abordar vastas

quantidades de informação, ainda que por vezes a informação disponível tenha uma importância

tangencial ou relativa face à nova síntese apresentada.

Este método mostrou-se incapaz de cobrir todas as vertentes desejadas e um novo método, o

empírico, onde para se obter conclusões são elaboradas análises com base em informações

recolhidas pela observação direta, e seu subsequente registo sistematizado, ganhava terreno. Como

reflete Berg: “Since the 1980s, the social sciences have developed a much more encompassing

orientation toward research and have embraced qualitative techniques and texts in general research94

IV – Metodologia de Investigação

courses” (Berg, 2000:XIII).

Greenwood reconhecia que a Sociologia havia iniciado uma terceira via, é dizer, uma nova

forma de realizar investigações sem recorrer apenas aos métodos clássicos, que denomina de

Experimental e de Medida. O método Experimental, ou experimentação, tem como características

principais o facto de requerer, pelo menos, dois grupos ou conjuntos de unidade onde ocorra uma

variável, onde se procuraram identificar essas consequências diferenciais reconhecidas. Bem como,

procura-se verificar se existem outros fatores que possam condicionar a variável identificada. Aqui,

as experiências podem ainda ser do tipo projetado (onde o investigador chega ao contexto antes da

variável), ou ex post facto (investigador chega após a mesma).

Já o método de Medida exige a observação, por meio de perguntas diretas e/ou indiretas

sistematizadas, de populações relativamente vastas, de modo a obter respostas que possam ser

manejadas mediante uma análise quantitativa. Como método nativo das ciências sociais59, emerge

durante os primeiros estudos de caráter sociológico como resposta à necessidade de medir o bem-

estar social na Inglaterra do século XIX. Este método é aplicado em populações amplas e

geograficamente dispersas, a uma escala significativa, sendo um estudo mensurativo quantitativo.

Estas medições, baseadas na recolha de dados através da realização de entrevistas ou

questionários, são realizadas no campo, onde o investigador tem de se deslocar para obter as

respostas que procura. Por fim, como última característica deste método, os dados são alvo de uma

categorização, e apresentados quantitativamente sob a forma de quadros estatísticos60.

O referido tipo de método que Greenwood aponta como “novo e promissor”, o empírico, é

denominado de Estudo de Caso. Este consiste numa abordagem intensiva de uma amostra particular

(objeto), que possa ser apresentada como detentora de características específicas (fenómeno social)

que, uma vez compreendidas, procuram responder às questões sobre o fenómeno na sua totalidade.

Este método tem como características principais, como vimos, a sua intensidade, que ultrapassa os

métodos apresentados anteriormente em termos de profundidade e amplitude de análise.

Permite uma investigação que explora várias ramificações de uma determinada conjuntura,

desde a sua origem até à condição atual, pode ter como objeto de estudo tanto um só indivíduo,

como uma comunidade, instituição, etc., permitindo ainda maior multiplicidade de aspetos de

59 Visto que o Experimental é oriundo das ciências naturais.60 “A maioria das investigações mensurativas consiste em combinações descritivo-explicativas. O investigador leva a

cabo uma medição, tanto a fim de apreender a existência de uma pressuposta uniformidade social, como paraconfirmar e explicar uma uniformidade social já apreendida” (Greenwood, 1963:328).

95

IV – Metodologia de Investigação

inquirição, apenas disponíveis ao investigador que, no campo, detém a liberdade de orientação do

seu estudo de acordo com as informações que vai recolhendo.

A utilização simultânea dos numerosos e variados dados procedentes do estudo de casos aumenta asexigências postas ao investigador no que diz respeito à sua capacidade de integração, quando ainvestigação incide sobre a análise dos dados. Por este motivo se considera o estudo de casos como umestudo qualitativo. (Greenwood, 1963:334)

O objetivo deste método de Estudo de Caso é compreender globalmente os fenómenos tendo

como referência o caso específico analisado. Como tal, o conhecimento aprofundado do contexto do

objeto exige mais do investigador do que os métodos anteriores, como por exemplo a permanência

no terreno. Um exemplo deste tipo de investigação é o trabalho de William F. Whyte “Street Corner

Society” (1993 [1943]), que durante três anos e meio habitou no bairro que estudava, aprendendo

italiano e envolvendo-se ativamente na comunidade:

(...) widely recognized as a masterwork of social science research (...) [he] knew what he was talkingabout, he had observed the social organization he analyzed in minute detail over a long time, and hadlooked not only at the interactions of a few "corner" boys, but also at the operation of much largerorganizations in politics and crime, which impinged on the corner boys' lives. (Becker, 1996:69)

Os métodos sugeridos não tentam representar em si plataformas de dispersão ideológica

entre os sociólogos. O método Experimental, apesar da sua dependência (por exemplo) de

indivíduos dispostos a cooperar na experiência e da dificuldade em reproduzir os estímulos que

ocorrem naturalmente num laboratório, é superior aos demais na sua capacidade de determinar a

relação causal entre uma variável independente e uma variável dependente pela experimentação, e

assim, se um investigador procura comprovar uma hipótese causal, esta é sem dúvida a melhor

opção.

No método de Medida (Quantitativo ou Extensivo), a extensão da análise é muito superior

aos restantes métodos, podendo chegar a vários milhares de indivíduos, ou até grande parte da

população, enquanto a qualitativa, executa uma abordagem, sobretudo, de estudo de caso. A análise

extensiva apenas expõe o investigador ao objeto na medida do seu interesse particular, protegendo-o

do acesso a informações inúteis e desnecessárias, algo que o investigador de estudo de caso não

pode beneficiar dada a sua imersão no terreno.

Por outro lado, a sua extensão reduz a profundidade, e ocorre que os questionários, ou

entrevistas, estão munidos de perguntas que apenas procuram respostas diretas e quantitativamente

codificáveis, perdendo assim informações que poderiam apresentar-se vitais na investigação

(inclusivamente detetar fatores que condicionam as respostas obtidas). Esta questão da

96

IV – Metodologia de Investigação

profundidade não se pode colocar no método qualitativo pois as questões intensivas são abertas, de

natureza exploratória, onde a aproximação e o contacto direto com os informantes é basilar, e a sua

profundidade é, por natureza, maior.

Finalmente, no método de Estudo de Caso, a minúcia que a prolongada e profunda

exposição do investigador ao objeto de estudo permite, abre portas a um conhecimento e

compreensão do fenómeno enquanto totalidade, reconhecendo e até participando das dinâmicas

sociais do fenómeno. No entanto, a dependência da integração do investigador no terreno para a

obtenção de informação pode ser considerada um aspeto negativo, pois pode colocar em cheque

todo o trabalho desenvolvido e não produzir resultados.

Adicionalmente, por mais aprofundados que demonstrem ser os estudos de caso, isso pode

não significar necessariamente uma produção de conhecimento que sirva de base para uma

generalização. No entanto, o investigador necessita de uma competência elevada para cumprir os

seus objetivos, ao passo que, na análise quantitativa, os entrevistadores não necessitam de tanta

especialização. Os resultados extensivos são estatísticos e sintetizantes, 'facilmente' replicáveis, e

envolvem uma pesquisa de tipo descritiva ou causal, e não exploratória e de difícil replicação como

as intensivas (conotadas ainda com um tipo de análise interpretativa/subjetiva).

Como fruto de uma intensa reformulação no seu método, a Sociologia emerge atualmente

como resultado dessa reconfiguração. Onde Greenwood via o estudo empírico resumido a Estudos

de Caso, com consideráveis fragilidades e limitações, hoje existem uma enorme variedade de

abordagens intensivas ao dispor dos investigadores.

Antes do fortalecimento do paradigma qualitativo, o argumento essencial era que uma

explicação de um ato só poderia ser explicado pela lógica da diferença entre grupos com traços

diversos (Becker, 1996), daí a preponderância metodológica quantitativa. Os dados estatísticos

mantiveram o seu valor, em particular, após a IIGM, com o desenvolvimento da teoria da

amostragem (Clogg, 1992). A crescente complexidade dos dados estatísticos tem permitido à

Sociologia uma extensão e amplitude de análise sem precedentes, como aliás o European Social

Survey é exemplo.

Os investigadores do método qualitativo, ao realizarem uma análise intensiva dos dados, em

amplitude e profundidade, tratam as unidades investigadas como totalidades, o que permite abrir a

realidade social para melhor apreendê-la e compreendê-la (Martins, 2004:292). Ao passo que a

pesquisa quantitativa se refere à medida das coisas, a qualitativa refere-se à natureza das coisas. A97

IV – Metodologia de Investigação

qualidade refere-se ao quê, como, porquê e quando de uma essência e seu meio, ou seja, atinge os

significados, definições, características, metáforas, símbolos, e descrição de coisas (Berg, 2000).

Como observámos, em cada um dos métodos são consideradas qualidades e defeitos,

dependendo do objetivo da investigação, do objeto de estudo, etc. Caberá ao investigador selecionar

o, ou os, método(s) adequado(s), podendo, pela sua complementaridade, ser aplicados em

simultâneo ou sucessivamente. Hoje reconhece-se que tanto na pesquisa qualitativa como na

quantitativa os conceitos têm uma função mediadora entre a teoria e a observação. Ambos são

capazes de organizar, categorizar e viabilizar a observação.

Como vemos, por comparação clássica, a pesquisa qualitativa tende a ser vista como relativa

a palavras, ao passo que a quantitativa é relativa a números. No entanto, as suas características, em

oposição às da quantitativa, são mais complexas. Importa referir a sua relação indutiva entre teoria e

pesquisa, o seu foco na compreensão do mundo social através da análise do mesmo e dos seus

participantes, e claro, o reconhecimento de que as componentes sociais são resultado das relações

entre indivíduos (construtivismo). Todavia, existem outras formas de abordar esta questão. Por

exemplo, para Denzin e Lincoln (2000), as diferenças da pesquisa qualitativa relativamente à

quantitativa passam pelo uso do positivismo e pós-positivismo, pela aceitação das sensibilidades

pós-modernas, pelo reconhecimento da perspetiva do ponto de vista dos indivíduos, pela abordagem

de problemáticas quotidianas, e, finalmente, pela realização de descrições ricas e minuciosas

(2000).

Importa, então, reconhecer que ambos os paradigmas possuem aspetos positivos e negativos,

e que o tipo de método a aplicar depende sobretudo do objetivo e objeto que o investigador define.

Devemos ainda inferir que não existe a necessidade de optar por um método ou o outro61, pois

podemos, inclusivamente, cruzar ambos os métodos. Denominada de 'Mixed Methods', ou Método

Misto, esta abordagem procura colmatar as falhas mútuas dos paradigmas referidos e, de forma

conclusiva, atingir todos os objetivos da investigação.

A conjunção destes métodos exige uma aplicação de diferentes estratégias de pesquisa,

podendo dar resposta a um desenho de investigação usualmente mais complexo e de maior

longevidade (em termos de tempo de investigação), e podendo ainda ser executado de forma

consecutiva por vários grupos de investigadores que podem ou não aplicar métodos diferentes

(Brannen, 2006).

61 Aliás, Silverman (1997) afirma que estes métodos não são mutuamente auto-excluíveis.98

IV – Metodologia de Investigação

Todavia, tem ocorrido que, muitas vezes, os investigadores, apesar de aplicarem os dois

métodos, nem sempre os cruzam (Bryman, 2007). Isto ocorre tanto porque esse não era o seu

objetivo, como porque simplesmente os investigadores não retiram proveito da informação que

recolheram, mas também devido ao facto de: “mixed methods researchers sometimes find that they

end up writing up their quantitative and qualitative findings for different audiences. Either the

nature of the topic attracts certain audiences or impressions of audiences’ expectations sometimes

means that either one set of data is highlighted or used more or less exclusively” (Bryman,

2007:12).

Dentro dos Métodos Cruzados podemos considerar diferentes abordagens, como por

exemplo 'Sequencing', 'Hybrid' (Fielding e Schreier, 2001), ou, por fim, a Triangulação.

'Sequencing' resume-se à aplicação sequencial do método quantitativo e qualitativo numa mesma

investigação. Os métodos nunca são sobrepostos no decorrer da investigação. Já no método Híbrido,

tanto o método qualitativo como quantitativo, “(...) may be so closely 'packed' as to be practically

indistinguishable-systematic content analysis which combines the (qualitative) coding of texts with

the (quantitative) calculation of coefficients of interrater agreement would be a case in point“

(Fielding e Schreier, 2001:12).

Quanto à Triangulação, podemos defini-la como um método que procura comprovar

interpretações díspares do mesmo fenómeno, bem como verificar a veracidade de uma justaposição

atribuída: “triangulation then can serve as a tool to verify the validity of connections between the

indicator and the term by means of other indicators. This subsequently serves a final verification of

the validity of the analysis and the validity of the conclusion on the basis of collected data”

(Konecki, 2008:15).

Em suma, Triangulação é, para Denzin (1978), um método que poderá ser subdividido em

quatro categorias: Dados62, Investigador63, Teoria64 e Metodologia65. Erradamente, poder-se-á inferir

que na Triangulação são os diferentes tipos/origens de informação que suportam uma mesma

conclusão, corroborando-se mutuamente numa aproximação da 'realidade'. Diferentes métodos

cruzados eliminam mutuamente as suas lacunas, e a informação recolhida detém uma 'autoridade'

62 Os dados que derivam da triangulação têm 3 subtipos: tempo, espaço e pessoa (esta com 3 níveis agregado,interativo e coletividade).

63 Utilização de múltiplos investigadores no lugar de apenas um.64 Aplicação de múltiplas perspetivas na abordagem ao mesmo objeto.65 Pode compreender uma triangulação inter-método ou entre-método.

99

IV – Metodologia de Investigação

acrescida.

No entanto, “what is involved in triangulation is not the combination of different kinds of

data per se, but rather an attempt to relate different sorts of data in such a way as to counteract

various possible threats to the validity of (their) analysis“ (Hammersley e Atkinson, 1983:199). O

objetivo é, então, permitir aos investigadores uma perspetiva válida, mas também, mais crítica em

relação à informação recolhida, escapando aos alçapões facilitistas das conclusões causais66,

baseadas em informações unilaterais e erróneas:

Theoretical triangulation does not necessarily reduce bias, nor does methodological triangulationnecessarily increase validity. Competing theories are generally the product of different traditions, so whencombined they may offer a fuller picture but not a more "objective" one. Likewise, different methodsdraw on different (and often competing) epistemologies and while combining them can add range anddepth it does not necessarily add accuracy. In this approach, when we combine theories and methods wedo so to add breadth or depth to our analysis, not to pursue an "objective" truth. (Fielding e Schreier,2001:19)

1. O Método Intensivo: a opção ideal?

A questão central é agora definir qual o método que melhor se coaduna com os nossos

objetivos. Para tal, é vital considerar que o modo de analisar, abordar, e lidar de uma investigação

deve refletir as formas da vida social que procura estudar (Atkinson, 2005). É comum, ao desenhar

um projeto de investigação, debater-se qual a abordagem mais competente a utilizar para se atingir

o objetivo do mesmo. Método Intensivo ou Extensivo? Como escolher? Será que há a necessidade

de o fazer? Por que não optar pelo método da Experimentação? Bem, aqui a resposta parece ser

mais evidente, como de resto afirma Martins (2004):

(...) na sociologia, como nas ciências sociais em geral, diferentemente das ciências naturais, osfenômenos são complexos, não sendo fácil separar causas e motivações isoladas e exclusivas. Não podemser reproduzidos em laboratório e submetidos a controle. As reconstruções são sempre parciais,dependendo de documentos, observações, sensibilidades e perspectivas. (Martins, 2004:291-292)

Embora a questão de partida e as hipóteses que conduziram esta investigação estejam

descritas no ponto seguinte, é importante recordar que a mesma pretende abordar os impactos do

turismo num espaço-tempo específico e numa dada comunidade, e portanto seria razoável

considerar uma metodologia extensiva e recolher esses mesmos dados através de inquérito por

questionário cruzado com uma análise de dados sociais, económicos e demográficos disponíveis.

No entanto, é também do interesse do investigador abordar os discursos, ou seja, não apenas

66 “(...) we do argue that when we look at triangulation its value lies more in its effects on 'quality control' than in itsguarantee of 'validity'. A further benefit is that this approach promotes more complex research designs and that theseoblige researchers to be more clear about what it is they are setting out to study” (Fielding e Schreier, 2001:17).

100

IV – Metodologia de Investigação

as perceções dos inquiridos mas também, e sobretudo, os seus discursos relativamente aos impactos.

Ao considerar o discurso estamos também a contextualizar as suas respostas e a obter informações

adicionais à simples aplicação de questionários, como de resto o capítulo anterior demonstrou ser

prática usual dentro da sociologia do turismo, e mesmo de outras subdisciplinas. Isto indica, desde

já, que só a aplicação de entrevistas pode conseguir recolher as informações pretendidas e

enquadrar os seus discursos.

Considerámos como ideal para a recolha de tais dados a presença do investigador no terreno,

observando e interagindo com os vários grupos e subgrupos que existem na comunidade, analisando

e avaliando estas 'respostas' de apoio ou obstrução ao fenómeno do turismo e suas consequências.

Estamos então perante um estudo de caso que exige a aplicação de um método maioritariamente

imersivo e profundo, colocando o investigador no terreno, ou seja, estamos perante um modelo

intensivo, ou qualitativo. Apesar de já termos tocado nas questões diferenciadoras entre os modelos

intensivo e extensivo não devemos olvidar que dentro da metodologia qualitativa existem várias

propostas e portanto devemos considerá-las.

Esta variedade merece ser revisitada com frequência pela multiplicidade de propostas

alternativas que ainda deixam margem para redefinição. A capacidade de redefinição é importante

dadas as inúmeras variações, pois algumas posições metodológicas parecem defender estratégias de

pesquisa sem referência aos modos de organização social indígena que supostamente trabalham

(Atkinson, 2005).

De forma mais generalista, Strauss e Corbin dizem mesmo que a metodologia qualitativa

será todo o tipo de investigação que não atinge os seus objetivos através da utilização do meio de

quantificação, e pressupõe que a informação advenha de fontes (como entrevistas, observações,

documentos, registos, etc.), e de procedimentos que os investigadores possam interpretar e

organizar em resultados, que são escritos ou oralmente relatados (Strauss e Corbin67, 1998).

Gubrium e Holstein (1997), por exemplo, sugeriram quatro tradições na pesquisa qualitativa

(a naturalista, etnometodologia, emocionalismo, e pós-modernismo), mas, por outro lado, Silverman

(1997) afirma que qualquer definição da pesquisa qualitativa exige que se considere os diferentes

tipos de método de pesquisa que ela contempla (etnografia/observação participante, entrevista

qualitativa, Focus-groups, etc.).

67 Adeptos da denominada 'Grounded Theory', que defende que devem ser os resultados que produzem a teoria e não ateoria que influência os resultados.: “Analysis is the interplay between researchers and data.” (Strauss e Corbin,1998:13)

101

IV – Metodologia de Investigação

Embora a confiança ('reliability') e a validade sejam consideradas chave na pesquisa

qualitativa, alguns autores afirmam que a sua relevância é relativa, senão mesmo descartável.

Daremos exemplos destas duas perspetivas. Para Mason (1996) estas duas exigências, aplicadas nos

métodos extensivos, devem ser adaptadas para que possam ser aplicadas também nos métodos

intensivos. Para o autor, confiança, validade e generalização são diferentes tipos de medida, de

qualidade e rigor, que são apenas alcançadas de acordo com certos princípios e convenções

disciplinares (Mason, 1996).

Já LeCompte e Goetz (1982) sugerem diferentes classificações, nomeadamente, 'confiança

externa', 'confiança interna', 'validade externa', e 'validade interna'. A confiança externa refere-se à

sua replicabilidade, sendo impossível reproduzir um contexto social e as circunstâncias que o

compõem, pelo que, sugerem que o investigador que a procura adote um papel similar à

investigação original de modo a aproximar-se dessa replicabilidade. Já a confiança interna refere-se

ao modo como os investigadores encontram convergência nas suas interpretações da mesma

realidade.

Em termos de validade interna, isto é, coerência entre as observações do investigador e a

teoria que consideram para a abordar, os autores afirmam que a presença do investigador no terreno

permite um conhecimento suficientemente aprofundado para discernir a melhor forma de abordar

teoricamente o mesmo. Por fim, a validade externa, ou a generalidade que o caso investigado

permite, continuará a ser o calcanhar de Aquiles do método intensivo, e deve ser considerado caso a

caso.

Estas formas de avaliar a pesquisa qualitativa tendem a adaptar os critérios quantitativos aos

qualitativos pelo que, autores como Lincold e Guba (1985) e Guba e Lincoln (1994) sugerem dois

critérios alternativos: o da autenticidade68 e o da 'fidelidade'69. Então, podemos afirmar que a

plausibilidade e a credibilidade do investigador, e a relevância da investigação emergem como os

principais alvos para avaliar uma investigação qualitativa.

As principais preocupações dos investigadores qualitativos passam por procurar apresentar

de forma clara como as pessoas que estudam veem e interpretam o mundo à sua volta, ou seja, ver o

mundo pelos seus olhos. Todavia, existem inúmeras formas de o interpretar, mesmo para o 'nativo',

pelo que a metodologia qualitativa deve ser um reflexo dessa variabilidade: “the social world must

68 Com cinco critérios internos: justiça, autenticidade ontológica, autenticidade educativa, autenticidade catalisadora, eautenticidade tática.

69 Com quatro critérios internos: credibilidade, transmissibilidade, dependência e confirmação.102

IV – Metodologia de Investigação

be interpreted from the perspective of the people being studied, rather than as though those subjects

were incapable of their own reflections on the social world“ (Bryman, 2004:279).

No entanto, três perigos emergem: desde logo, a probabilidade do investigador perder a sua

objetividade e ser absorvido pelo terreno, "going native", e, em simultâneo, a ténue linha entre o

que o investigador deve ou não fazer para ser aceite e reconhecido no terreno. Por fim, o perigo do

investigador ver apenas a realidade de forma muito localizada dentro da comunidade que investiga,

deixando de detetar, em perspetiva, quais são as visões particulares e as visões gerais na mesma.

Existem várias formas de evitar estes perigos. Referimo-nos à descrição e ao ênfase no

processo, mas também à flexibilidade e à aplicação de uma estrutura limitada. Uma descrição

minuciosa e detalhada permite identificar e mapear o contexto onde os comportamentos analisados

foram detetados, ao passo que o foco no processo permite discernir como eventos e padrões se

desdobraram ao longo do tempo, sendo assim possível definir as suas causas e consequências na

comunidade (por exemplo).

A pesquisa qualitativa “(...) tends to be a strategy that tries not to delimit areas of inquiry too

much and to ask fairly general rather than specific research questions“ (Bryman, 2004:282). Este

tipo de flexibilidade permite ao investigador adaptar-se ao terreno que encontra, podendo assim

aplicar técnicas e procedimentos mais adequados e retirar resultados melhores, ao passo que uma

estrutura limitada permite abordar o terreno de forma mais restrita evitando perder o controlo da

investigação (ao procurar abordar tudo e todos, por exemplo).

Para Becker, na metodologia qualitativa, ao contrário da quantitativa, a questão coloca-se

não na causalidade, mas na descrição do sistema de relações: “(…) to show how things hang

together in a web of mutual influence or support or interdependence or what-have-you, to describe

the connections between the specifics the ethnographer knows by virtue of 'having been there'”

(Becker, 1996:56). Ao permanecerem no terreno, absorvendo continuamente novas informações,

podem adicionar variáveis e ideias novas aos seus modelos, reelaborando a melhor descrição

possível, ou seja, tem-se, potencialmente, uma aproximação mais fidedigna da realidade que

investiga.

A capacidade do investigador se adaptar às novas informações, e delas discernir quais as

úteis para a sua investigação, revela que existem certos atributos ou características necessárias para

aplicar este método com sucesso. Entre estas, apontaria uma capacidade de integração e análise que

depende do desenvolvimento de uma capacidade criadora e intuitiva (Martins, 2004), bem como103

IV – Metodologia de Investigação

“(...) appropriateness, authenticity, credibility, intuitiveness, receptivity, reciprocity, and sensitivity”

(Strauss e Corbin,1998:6).

Uma das principais críticas de que o método qualitativo é alvo, é a representatividade, isto é,

em que medida pode ser representativo um estudo de caso para o conhecimento do fenómeno à

escala total. Esta indagação emerge, novamente, por influência da noção estatística da amostra, tão

vital no método quantitativo (e nas ciências naturais).

Esta necessidade de representatividade, causal e aleatória, é fruto da necessidade de

coeficientes quantificáveis que antecipem ou detetem variações, e não deve ser considerada na

metodologia qualitativa pois a questão reside na sua validade; esta está assente no seu rigor que

provém “(...) da solidez dos laços estabelecidos entre nossas interpretações teóricas e nossos dados

empíricos” (Laperrière citado por Martins, 2004:295).

Outra crítica comum prende-se com a validade dos dados, argumentando-se que o

investigador intensivo pode ser vítima da sua proximidade com o terreno e seus informantes, pondo

em causa a validade dos dados recolhidos, e subsequentes resultados. A questão da objetividade não

se prende tanto com as opções que o investigador tomou no decorrer do seu trabalho, mas antes se

os resultados que apresenta são replicáveis. A replicabilidade será a forma mais convincente de

proteger os seus resultados; todavia, replicabilidade não no senso de recriar (artificialmente) o

mesmo cenário, mas antes, consiste em deixar claro os processos que levaram às conclusões que se

advoga, para que outros investigadores, seguindo essas pistas, possam confirmar os seus resultados.

Simultaneamente, reconhecendo que o comportamento humano pode ser (grosso modo)

previsto, o investigador deve garantir que os seus resultados refletem uma generalização, uma

representatividade que permite antecipar as condições gerais necessárias para um efeito de causa-

consequência. Neste ponto sugiro o argumento de Becker ao recordar que todos os cientistas, de

forma implícita ou não, interpretam as ações/dados dos seus informantes. A questão será antes se

esse processo de interpretação é sistematizado ou não: “(...) we always describe how they interpret

the events they participate in, so the only question is not whether we should, but how accurately we

do it” (Becker, 1996:58).

Na metodologia intensiva, em particular nos estudos de caso de cariz etnográfico, a

utilização de técnicas sistematizadas é então vital para a sua validade, sobretudo porque corremos o

risco de fazer interpretações que podem invalidar os nossos resultados. Ao aproximar-se do seu

objeto, mergulhando no terreno, o investigador deve procurar entender as ações, razões e motivos104

IV – Metodologia de Investigação

que condicionam os atores sociais e não procurar atribuir significados que se baseiam nas suas

interpretações subjetivas.

A subjetividade das interpretações, a validade, por assim dizer, não é uma questão

epistemológica que se resume às ciências sociais, ou ao método intensivo. Mesmo no método

extensivo existe a necessidade do entrevistador ou investigador ser aceite pelo entrevistado ou

informante. Clifford Geertz (1978) é um dos muitos autores que recorda que os cientistas sociais

lidam constantemente com interpretações, e afirma que “por definição, somente um ‘nativo’ faz a

interpretação em primeira mão: é a sua cultura” (Geertz citado por Martins, 2004:295).

Uma terceira crítica, válida integralmente, é que os métodos intensivos exigem um grande

investimento de tempo e de pessoal qualificado, condições essenciais para estabelecer a confiança

necessária entre investigadores e investigados, de modo a obter os dados que procura. O que nem

sempre é viável, e logo, exequível.

Por fim, a quarta e última crítica remete para a problemática da interferência. Podemos

aferir, pela presença do investigador no terreno, que este está a interferir no seu objeto de estudo, e,

por consequência, a minar os seus dados tornando-os inúteis. A neutralidade, como alicerce da

ciência, parece estar condenada. No entanto, poderíamos refutar questionando se a não presença do

'investigador' não afetaria também a realidade: “clearly, whenever a social scientist is present, the

situation is not just what it would have been without the social scientist. I suppose this applies even

when no one knows that the social scientist is a social scientist doing a study” (Becker, 1996:61).

Em outras palavras, a questão não se prende com a presença ou ausência do investigador no

terreno, mas antes, na sua capacidade de reconhecer e registar, de forma sistematizada, o seu papel,

e até influência, nas ações que observa. Sumariamente, e numa postura mais demarcada, “(...) no

trabalho de pesquisa sociológica, a neutralidade não existe e a objetividade é relativa,

diferentemente do que ocorre no positivismo – do qual, aliás, partem muitas das críticas feitas à

metodologia qualitativa” (Martins, 2004:292).

As técnicas qualitativas, pela compreensão das perceções dos 'outros' e da forma como 'eles'

estruturam e atribuem significado ao seu quotidiano, permitem aos investigadores interpretar como

grupos, comunidades, até indivíduos, se reconhecem e decifram a realidade. Permitem um acesso

aos seus 'conceitos': “concepts, then, are symbolic or abstract elements representing objects,

properties, or features of objects, processes, or phenomenon. (...) Concepts provide a means for

people to let others know what they are thinking, and allow information to be shared“ (Berg,105

IV – Metodologia de Investigação

2000:16).

(...) qualitative sociology is something more than a kind of method. It is a way of thinking about socialworld, the way of considering human being as an active part of the never ceasing process of societybecoming. (…) The variety [of approaches] is in fact a response to the multiplicity of processes, eventsand other elements of the phenomenon called society. (Marciniak, 2005:1)

Existem várias formas de abordar a investigação e o objeto dentro da metodologia intensiva,

na sua vertente de Estudo de Caso. Stake (1994) refere a existência de três tipos distintos de Estudos

de Caso: 'intrínseco', 'instrumental' e 'coletivo'. O primeiro é aplicado num contexto onde o objeto

de estudo detém um particularismo único, sendo esse particularismo que promove o interesse do

investigador. O segundo tipo é usado sobretudo quando o investigador deseja entender melhor

alguma questão ou problema teórico externo. Por fim, o estudo de caso coletivo ('collective')

envolve o estudo conjunto de vários casos de forma a melhor entender e talvez permitir uma

teorização a uma escala superior.

Os Estudos de Caso podem ainda ser diferenciados de outros modos: em termos de objetivo

(ou 'design'); os exploratórios (que procuram detetar a relevância dos dados recolhidos para uma

investigação aprofundada); os explanatórios (em estudos causais, onde a complexidade das

organizações ou comunidades estudadas é elevada, sendo que a sua relevância é já confirmada); e,

os estudos de caso descritivos (exige a existência de um quadro teórico fundado de onde o

investigador estabelece os passos que deve tomar). A pertinência dos Estudos de Caso é a sua

capacidade de abrir portas para novas abordagens, uma plataforma de onde novas ideias e hipóteses

podem surgir, sendo que a principal questão que podemos colocar é a objetividade dos seus

resultados, e por conseguinte, se os mesmos podem ser generalizados.

A etnografia é uma das técnicas qualitativas da metodologia intensiva, e tem sido conotada

como um método qualitativo atribuído, e, sobretudo, praticado por antropólogos (Malinowski, Boas,

Evans-Pritchard, etc.). É uma prática que, ao colocar o investigador no terreno, permite uma

aproximação e um conhecimento do seu objeto de estudo que pode ser valiosa. Nas últimas décadas

a Etnografia rasgou a bolha antropológica a que estava conotada e tem vindo a ser aplicada em

investigações qualitativas nas ciências educativas, de saúde, económicas, etc., e, claro, na

Sociologia.

Em suma, a metodologia adequada ao turismo deve-se preocupar não apenas com o

fenómeno em si mas com o seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas. Daí ser

determinante a escolha de uma metodologia intensiva. Nela, as representações que emergem das

106

IV – Metodologia de Investigação

perceções da realidade que rodeia os indivíduos são a chave para determinar o seu significado. Ou

seja, o significado tem uma função estruturante já que este tem um papel organizador nos seres

humanos.

Em se tratando do conhecimento do turismo, significa trabalhar com atores e sujeitos sociais inseridos noprocesso de produção e não apenas no produto transmitido sob forma de narração para aquele queapre(e)nde; este deve ser visto como aquele que, em suas relações sociais, é capaz de construir novosconhecimentos. É trabalhar com os sujeitos inseridos nas diversas esferas do social de forma que elesentendam, vivenciem e participem do processo de conhecimento. (Alves, 2011:612)

A metodologia não se esgota na escolha do método. Nesta investigação, o método intensivo

é acompanhado pela análise documental e pela observação participante. A análise documental

consiste na recolha e análise de conteúdo em documentos, sejam estes livros, fotografias, filmes,

endereços eletrónicos, entre outros. Sendo mesmo possível basear toda uma investigação apenas

nesta análise se o objeto de estudo forem os próprios documentos.

Os documentos analisados neste trabalho referem-se a relatórios oficiais do governo de

Cabo Verde, do Instituto Nacional de Estatística de Cabo Verde, do Banco de Cabo Verde, do World

Tourism & Travel Council, entre outras instituições oficiais. Pese embora que alguns dos dados

referentes ao ano de 2014 não estejam ainda disponíveis.

Fora dos indicadores estatísticos recorremos a algumas obras chave sobre a história da ilha

da Boa Vista de autores nacionais. Obras cujo acesso e conhecimento proveio de informantes no

terreno já que foram publicados apenas algumas centenas de exemplares em Cabo Verde.

Já a observação participante, ou trabalho de campo, envolve a inserção do investigador no

grupo observado. Esta pode ser do tipo participação-observação, quando o investigador faz parte do

grupo que pretende investigar, ou observação-participação, quando o investigador se integra ao

iniciar a investigação, como é exemplo o presente trabalho (Vargas, 2002).

Na verdade, esta investigação contou com uma observação participante integrada e

profunda, por um período de catorze meses, exigindo uma aproximação quotidiana e envolvimento

na comunidade estudada, já que, para além do objetivo da aplicação de entrevistas, pretendia-se

experienciar as vivências dos membros da comunidade boavistense em toda a extensão possível. A

partilha dessas vivências resultaram na aquisição de mais informações e reforçaram os laços entre o

investigador e os membros da comunidade, o que, por sua vez, permitiu a confiança e a intimidade

necessárias para uma aplicação de entrevistas que o investigador considerou fiáveis. Este ponto é da

maior importância se considerarmos que a ausência de confiança entre entrevistador e entrevistado

107

IV – Metodologia de Investigação

pode conduzir a dados e informações inconsistentes, inviáveis e erróneos.

Mergulhar na realidade quotidiana de forma intensiva permite tratar as unidades

investigadas como totalidades e possibilitar uma abertura da realidade social, apreendendo-a e

compreendendo-a melhor. A baliza de catorze meses teve como objetivo, exatamente, permitir uma

observação participante profunda, que cobriu tanto as épocas altas como baixas de turismo, mas

também, os momentos onde o movimento turístico é nulo ou irrelevante, de modo a identificar

potenciais diferenças nos comportamentos, discursos e expetativas dos intervenientes face ao

turismo. Esta metodologia intensiva contou ainda com o apoio de ferramentas como o diário de

campo, a aplicação de questionários, de entrevistas semi-dirigidas aos residentes das comunidades

locais, e claro, a utilização de outras ferramentas como máquina fotográfica, gravador digital, etc.

2. Análise de Conteúdo

Content analysis is a research method that uses a set of procedures to make valid inferences from text.These inferences are about the sender(s) of the message, the message itself, or the audience of themessage. (Weber, 1990:9)

Para além do método selecionado, importa estabelecer como tratar as informações e dados

recolhidos de forma a chegar a conclusões, após a aplicação de entrevistas ou de questionários no

terreno. A análise de conteúdo é uma ferramenta técnico-metodológica basilar nas investigações

empíricas das mais diversas ciências sociais e humanas, sendo utilizada tanto em questionários

como em entrevistas, mas também em mais tipos de observação. A análise de conteúdo pode ser

aplicada a diferentes tipos de comunicação, da oral à escrita, passando pela imagem e textos, e

pretende ser uma descrição objetiva, sistemática e quantitativamente representativa do que está

presente na comunicação a que se refere.

Para tal, certos critérios devem estar presentes de forma a garantir a sua validade. Esta

análise exige definições precisas de categorias que possam ser utilizadas por outros investigadores,

bem como a análise total do seu conteúdo relevante para posterior quantificação precisa e objetiva,

e por fim, devem produzir variáveis válidas que respondam ao que o investigador pretende medir. O

problema principal da análise de conteúdo tende a ser o processo de redução de dados em categorias

mais pequenas, unidades. Em parte, o cerne deste problema reside na consistência e fiabilidade das

classificações com vista a garantir a sua validade. A fiabilidade deve reger-se por uma estabilidade,

reprodutividade e precisão; por outras palavras, deve ser imutável ao longo do tempo na sua

classificação; quando classificada por outros os resultados têm de ser idênticos; e, a classificação

108

IV – Metodologia de Investigação

deve seguir a norma aplicada em casos idênticos ou semelhantes. Isto é fulcral para assegurar

validade à análise de conteúdo, sendo que aqui entendemos 'validade' como a generalização de

resultados, referências e teoria (Bringberg e McGrath 1982 citado por Weber, 1990:18).

De acordo com Berelson (1967), os três critérios seriam a subtração de qualquer forma de

subjetividade, a análise exaustiva e sistemática, e, o cálculo das respetivas frequências dos dados

(citado por Janeira, 1971:371), isto sempre considerando que é “pernicioso confundir rigor com

estatística” (Janeira, 1971:372). Esta confusão é fruto do grande desafio que é obter “(...)

conhecimento por meio de dados, o que exige o domínio de técnica de análise” (Freitas, 2000:84).

Análise essa catapultada em parte pelo pretenso rigor científico das medidas face à

interpretação apenas qualitativa (Minayo, 2000). Freitas afirma que

Esta técnica, no campo das ciências sociais, pretende ser um meio capaz de detectar valores sociais,imagens, modelos ou símbolos empregues pelos emissores culturais e, igualmente, aferir o grau desintonização daqueles com os interesses, motivações, aspirações da sociedade a que se destinam. (Janeira,1971:398)

Um dos autores de referência para a introdução desta proposta teórico-metodológica é sem

dúvida Bardin (1979). Para esta autora, a análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise

de comunicação visando a obter (…) indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência

de conhecimentos relativos às condições de produção/receção destas mensagens” (Bardin, 1979:42).

A estes conhecimentos podem por sua vez ser atribuídas funções tanto de administração de prova,

confirmando hipóteses, como heurística, procurando fortalecer investigações exploratórias em

campos pouco estudados.

Krippendorff sugere que as análises de conteúdo têm maior sucesso quando se dedicam a

factos constituídos através da linguagem, os quais podem ser divididos em quatro tipos: atribuições

(conceitos, atitudes, crenças, intenções, estados mentais e processos cognitivos que se manifestam

em atributos verbais de comportamento); relações sociais (construídas através do modo como as

comunicações têm lugar ou são construídas); comportamento público (valores, disposições,

conceitos do mundo que revelam a forma de ser criadas pela repetição); e realidades institucionais

– como estas instituições são construídas e reconstruídas através da escrita, estabilizando as

memórias organizacionais, identidade e práticas (Krippendorff, 2004).

As etapas da análise de conteúdo devem respeitar uma ordem cronológica, partindo de uma

pré-análise, prosseguindo numa exploração do material e terminando no tratamento dos resultados e

respetiva interpretação. No caso específico desta investigação, estas etapas seriam naturalmente a

109

IV – Metodologia de Investigação

aplicação das entrevistas (recolha dos dados e pré-análise), codificação dos dados em símbolos ou

representações mensuráveis (tratamento dos dados através da criação e organização de uma base de

dados num software especializado, o SPSS 20), e por fim, apresentação dos resultados e respetivas

interpretações.

Naturalmente que, sendo a análise de conteúdo empírica não existe de facto um modelo-base

exato, ou um modelo pré-definido e aplicável invariavelmente (Bardin, 1979). Portanto, o modelo

de análise pode variar de acordo com a investigação e suas especificidades, inclusivamente pode

tanto produzir categorias classificatórias que vão do geral para o particular, como através das

categorias particulares procurar compreender as categorias gerais: “there is no simple right way to

do content analysis. Instead, investigators must judge what methods are most appropriate for their

substantive problems” (Weber, 1990:13).

Consoante o autor selecionado, existem mais ou menos tipos diferentes de análise de

conteúdo. Entre as mais referenciadas destacamos: a análise Lexical que é uma técnica que procura

interpretar questões abertas ou textos70, nomeadamente, desenhando um mapa lexical com as

palavras produzidas nas respostas; a análise Avaliativa71 ou Representacional, que pretende medir as

atitudes do locutor tendo como base os comportamentos que tem e afirmações que profere sobre um

determinado tema, objeto ou pessoa; A análise de Expressão é uma técnica que faz uso de

indicadores para compreender a inferência formal das mensagens, procurando explicar essas

mensagens tendo como referências as características e meio do locutor; ainda, a análise das

Relações, que faz uso das técnicas da análise categorial aprofundando-as através da busca de

relações que dois ou mais elementos da mensagem possam conter72; e, finalmente, a análise de

Enunciação que trabalha apenas as condições em que as mensagens foram construídas e respetivas

modalidades de discurso, ignorando a estrutura e elementos formais da mensagem.

Para alguns autores existe ainda a chamada técnica de análise de Discurso que compreende a

análise dos processos de produção das mensagens tendo como indicadores as manifestações

semântico-sintáticas. A análise de discurso procura determinar os mecanismos de dominação

camuflados pela linguagem que estrutura a mensagem, e assim, problematiza as outras formas de

70 “(...) por meio de processos automáticos que associam a matemática e a estatística” (Freitas, 2000:89).71 Parte do pressuposto que a sua linguagem é reflexo absoluto do que realmente é a sua posição/opinião.72 Esta pode ainda ser do tipo estrutural (desmantelamento e reconstrução do texto a fim de o explicar) ou de

coocorrências (identificação da presença simultânea de elementos).110

IV – Metodologia de Investigação

análise de conteúdo73.

Optámos nesta investigação por seguir a linha de análise de conteúdo assente num tipo que

não apresentámos nos parágrafos acima e que é das mais utilizadas. Referimo-nos à análise

Categorial ou temática que “(...) consiste em operações de desmembramento do texto em unidades

(categorias)” (Capelle, 2003:8), e procura revelar as parcelas de sentido das mensagens incidindo

sobre as frequências das mesmas e a sua comparabilidade.

Esta opção foi influenciada também pelos dados secundários apresentados por investigações

dedicadas ao mesmo tema e aplicadas em diversos estudos de caso, como de resto já fizemos nota

no capítulo dedicado à revisão bibliográfica. Procurámos assim criar dados que pudessem, por um

lado, garantir comparabilidade, e por outro, garantir que as nossas questões de partida fossem

respondidas.

No que toca ao tema deste projeto, podemos afirmar que este estudo pretende averiguar

quais os impactos e/ou as suas representações que ocorrem ou ocorreram na ilha da Boa Vista de

Cabo Verde, em consequência direta ou indireta do turismo, procurando responder à seguinte

questão de partida: Quais são e como são entendidas as mudanças promovidas pelo turismo, por

parte de residentes e operadores, e quais os mecanismos de resistência e/ou de reforço à

turistificação massificada?

Através da recolha de informação sobre expetativas, discursos e perspetivas dos vários

atores sociais envolvidos, e observação das suas práticas, pretende-se discernir quais as

consequências dessas mudanças ao nível local. Bem como como recolher dados sobre a satisfação

dos turistas que visitam o espaço, cruzando-as com as perceções dos entrevistados.

Finalmente, há que determinar se o investimento no Turismo em Cabo Verde, tanto nacional

como estrangeiro, tem tido os resultados esperados nas vidas dos residentes e no serviço prestado

aos turistas na perspetiva da comunidade boavistense. Trata-se, pois, de observar quais os impactos

percecionados ou ignorados, por quem e porquê? Assim, apontaram-se como objetivos desta

investigação os seguintes pontos:

1) Recolher os discursos sobre expetativas, motivações e consequências percecionadas

por residentes e operadores. Estes permitem desenhar o quadro atual e as principais mudanças, e

73 “Nesse processo, o analista deve evidenciar a compreensão do que é a textualização do político, a simbolização dopoder, o modo de historização dos sentidos, o modo de existência dos discursos no sujeito, na sociedade e nahistória” (Cappedelle et al. 2003:9). Todavia podemos também argumentar que esta análise de discurso pode estarincluída nos outros tipos de análise não merecendo necessariamente um destaque próprio.

111

IV – Metodologia de Investigação

diferenças, do turismo exploratório da década de 1990 para o massificado pós-2007 e verificar

posturas face ao futuro;

2) Comparar os impactos e atitudes presentes na literatura com aqueles percecionados,

cruzando os discursos com as evidências dos dados oficiais disponíveis e a observação e

experiência do investigador no terreno;

3) Observar, registar e analisar as práticas locais de reforço e/ou de resistência às

mudanças identificadas ou reconhecidas pela comunidade boavistense. Entenda-se, aqui, os

processos e mecanismos de adaptação e/ou construção de traços culturais tradicionais, tidos como

característicos das comunidades locais, seja nas relações interpessoais, na organização social, na

migração, na reconstrução e reinterpretação dos seus traços culturais, etc., o que obriga a uma

observação das interações entre os vários agentes, bem como dos espaços de interação e de ausência

da mesma;

4) Recolher as motivações e a avaliação dos turistas que visitam a Boa Vista. Uma

comparação entre as motivações percecionadas pelos residentes e as dos turistas permite verificar se

as primeiras se encontram alinhadas com as segundas. Igualmente, a recolha da avaliação da

experiência dos turistas facilita a determinação de previsões de futuros fluxos, correções a

considerar e preferências;

5) Pretendeu-se, por fim, contribuir com recomendações que permitam minimizar os

impactes negativos e maximizar os impactes positivos, pensado desde uma perspetiva local e

tendo em vista o objetivo de atingir um turismo que seja sustentável e justo, social, económica e

ambientalmente. Para tal, nas entrevistas a residentes e operadores, recolheram-se sugestões de

prioridades de intervenção.

Sendo os discursos relativos ao turismo e suas consequências o centro desta investigação,

definimos como objeto de estudo da mesma três universos: os turistas estrangeiros que visitam

Cabo Verde, os residentes que recebem esses mesmos visitantes, e os operadores que conduzem a

atividade turística.

Os turistas, considerados como objeto, enquadram-se nas características do turismo

convencional ou tradicional, mormente, de acordo com a seguinte tipologia geral: o destino de

férias preferido é famoso, encontra-se numa fase pós-exploratória, o contacto com a comunidade

local é reduzido, encontram-se alojados em complexos turísticos construídos para o efeito,

procuram sobretudo um turismo balnear. Entre estes, interessam aqueles cujo local de origem é a112

IV – Metodologia de Investigação

Europa (Portugal e França), o propósito de visita é ocupar os períodos de férias nacionais dos seus

países de origem (nomeadamente, as férias nacionais de Natal e Ano Novo, e as férias de Verão), e

que se deslocaram em grupos organizados tanto por agências de viagens/hotéis, como por agentes

privados.

Considerando o contexto de investigação, o atual estado da arte e os objetivos deste projeto,

foram apontadas hipóteses globais, que têm sobretudo um papel de apoio à pesquisa, com o

propósito de detetar tendências, e que se podem resumir da seguinte forma:

1) As perceções sobre o desenvolvimento do turismo encontram variações entre os

diferentes tipos de residentes e operadores da ilha da Boa Vista, principalmente por motivos sócio-

demográficos. É esperado, por exemplo, que os operadores sejam capazes de identificar sobretudo

impactos positivos e os residentes impactos negativos. Ou mesmo que entre os entrevistados com

maior nível de escolaridade exista maior capacidade de identificar impactos, tanto negativos como

positivos. Que, de entre os entrevistados, a identificação de impactos negativos será mais evidente

por aqueles que mais próximos estão dos centros turísticos. Existindo ainda muitas outras variações

proliferadas na literatura de referência apresentada no segundo capítulo.

2) A maioria dos impactos positivos percecionados pelos entrevistados são de cariz

económico e os negativos são de cariz social e ambiental.

3) O investimento no turismo na ilha da Boa Vista trouxe maior visibilidade e diversidade ao

setor e permitiu um crescimento do número de turistas, tendo assim contribuído para uma perceção

do turismo como alavanca sólida da economia local e nacional por parte dos residentes.

4) A escassez de envolvimento da sociedade civil no planeamento e execução do

desenvolvimento do turismo nesta ilha, tem contribuído para uma perceção local generalizada de

insatisfação e desilusão face às expetativas criadas pelo governo local e central, e pelo sector

privado.

5) Movimentos locais de salvaguarda e reinvenção das tradições locais, encabeçadas por

movimentos associativos e/ou indivíduos concretos, encontram um palco privilegiado no contexto

do desenvolvimento do turismo, em particular, na ilha da Boa Vista.

3. Técnicas, Tratamento de Dados e Calendarização

Não restam dúvidas de que a utilização de informação verbal tem vindo a dominar as ciências sociais.Fazer perguntas é normalmente aceite como uma forma rentável (frequentemente única) de obterinformação sobre comportamentos e experiências passadas, motivações, crenças, valores e atitudes,

113

IV – Metodologia de Investigação

enfim, sobre um conjunto de variáveis do foro subjectivo não directamente mensuráveis. (Foddy, 1996:1)

Foi referido que se fez uso da aplicação de entrevistas semi-dirigidas e inquéritos. Agora,

iremos referenciar em pormenor a amostra selecionada, o guião destas entrevistas, os seus

propósitos, como foram tratados os dados e que ferramentas foram usadas para retirar a informação

procurada. No caso concreto das entrevistas, estas seguiram um guião temático74 circunscrito ao

tema da investigação, o Turismo. Este guião temático era ajustado a cada um dos grupos-alvo

definidos previamente. Eram estes: 1) Residentes Naturais da Boa Vista (RNB); 2) Residentes

Naturais de Outras Ilhas de Cabo Verde (RNOI); 3) Residentes Estrangeiros (REB); e 4) Operadores

(OP).

Com estes diversos agrupamentos pretendia-se averiguar a existência de variações nas

perceções dos seus elementos, como de resto é sugerido no capítulo II, dedicado à abordagem

científica do turismo. Existia ainda uma outra condicionante que era referente à localização da

residência; realizou-se uma distinção entre os que habitavam em espaço “urbano” e em espaço

“rural”. Por espaço urbano entenderam-se os espaços mais densamente ocupados, a capital regional,

cidade de Sal-Rei e a vila do Rabil, mas também, duas povoações localizadas entre estas duas,

nomeadamente, as aldeias de Estância de Baixo e Bofareira, que gozam da proximidade das novas

artérias de comunicação entre a capital e o aeroporto, situado no Rabil. Falamos, portanto, de todas

as zonas habitadas no litoral Nordeste da ilha da Boa Vista.

E por espaço rural entenderam-se todas as povoações restantes. A “Povoação Velha” foi a

única aldeia não considerada nesta investigação, apenas para evitar dispersão espacial e por ser

difícil o acesso à mesma para o investigador. Assim sendo, as povoações rurais consideradas foram

João Galego, Fundo das Figueiras e Cabeça de Tarafes, todas no interior a Nordeste da ilha.

O guião da entrevista apontava vários objetivos e estava organizado em vários “blocos”,

cada qual com a pretensão de alcançar tais objetivos. Com o primeiro pretendia-se recolher dados

referentes às características sócio-demográficas dos entrevistados (idade, género, profissão,

nacionalidade, proveniência). Com o segundo bloco pretendia-se observar quais as expetativas que

os entrevistados tinham quanto à motivação dos turistas para visitar a ilha da Boa Vista. Já com o

terceiro bloco pretendia-se responder à questão dos impactos(es) e consequências do turismo na

ilha, tanto negativos como positivos, e ainda, captar pistas quanto ao estado da relação entre

visitantes e visitados. O quarto bloco refere-se à recolha das narrativas retrospetivas sobre a

74 Ver Guião em Anexo A.114

IV – Metodologia de Investigação

presença do turismo até à data, nomeadamente, as justificações que os entrevistados encontravam

para a situação atual e quais as recomendações/desejos que apontam. Finalmente, um quinto bloco

que se reduz à recolha da perceção dos entrevistados quanto ao futuro da Boa Vista, de acordo com

a sua visão do atual rumo.

Realizadas as 96 entrevistas, foi criada uma base de dados em 'SPSS 20' com as informações

retiradas das entrevistas de acordo com unidades simplificadas divididas em setenta e seis variáveis

que se enquadravam nos blocos de questões acima apontados, e duas adicionais ('nome', e 'código')

com vista à identificação dos entrevistados. As unidades de significado referentes ao bloco 1 são

seis variáveis: 'idade', 'género', 'nacionalidade', 'residência', 'profissão', e 'grupo'. Já as do bloco 2

contêm treze variáveis referentes às perceções dos residentes relativas às motivações dos visitantes:

'natureza e paisagem', 'clima', 'biodiversidade', 'propaganda', 'infraestruturas', 'proximidade', 'clima

político', 'tranquilidade', 'desporto', e 'cultura' (por sua vez subdividida entre 'gente', 'artesanato',

‘gastronomia’ e 'música').

Já o bloco 3 contém a maioria das variáveis, sendo estas agrupadas em impactos positivos e

negativos, subdivididos entre 'económicos', 'sociais' e 'ambientais', num total de 43 variáveis, numa

matriz que se aproximou das propostas encontradas na literatura e apresentadas no capítulo II.

Seguidamente, o bloco 4, com 9 variáveis referentes às sugestões/desejos dos residentes quanto ao

futuro: 'maior investimento Estatal em infraestruturas'; 'maior intervenção e investimento

camarário'; 'maior e melhor regulamentação/legislação'; 'maior investimento privado'; 'maior

investimento em formação e educação'; 'melhor e maior policiamento e fiscalização'; 'maior

cooperação política multipartidária'; 'maior envolvimento da sociedade civil'; 'diversificação do

produto turístico'; e, 'criação de linhas de financiamento e apoio ao investimento privado'.

Por fim, o bloco 5 que se refere à questão da perceção sobre o futuro da ilha da Boa Vista.

As unidades de significado foram estabelecidas a priori, durante a criação da plataforma de base de

dados, sendo atualizados após a introdução das primeiras 20 entrevistas, uma vez que se verificou a

necessidade de adaptar a matriz criada a partir dos objetivos da investigação e da literatura de

referência. Esta base de dados em 'SPSS 20' foi posteriormente exportada e trabalhada numa folha

de cálculo de 'Excel'.

Quanto ao conjunto dos entrevistados, a “amostra”, é composto por 96 indivíduos, 58 dos

quais do género masculino, cerca de 60,4%, e os restantes do género feminino. Em termos de

proveniência, 78,1% são nativos de Cabo Verde, 19,8% são oriundos da Europa (Portugal, Espanha,115

IV – Metodologia de Investigação

França, e Itália), e os restantes 2,1% provenientes de outros países (um do Brasil, outro de Angola).

Em termos de residência, a maioria dos entrevistados habita em espaço urbano (71,9%) e os

restantes em espaço rural. A escolaridade foi outra das características sócio-demográficas

recolhidas. Esta foi dividida em 6 categorias, começando no “ensino primário incompleto” até “pós-

graduação ou superior”. Aqui reuniram-se um grande número de entrevistados enquadrados na

categoria “ensino superior ou bacharelo”, cerca de 46,9%. Isso justifica-se pela maioria dos

elementos estrangeiros, operadores, e intervenientes políticos entrevistados terem formação

superior, e por alguns dos residentes naturais da Boa Vista e das outras ilhas serem professores do

ensino secundário, e portanto terem também formação superior.

Consideraram-se apenas indivíduos adultos, tendo o mais novo 20 anos e o mais velho mais

de 70 anos. Subdividiram-se em 6 as categorias de idade (20-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60-69, 70+).

A característica seguinte refere-se à situação profissional. Consideraram-se cinco categorias:

“empregado” (64,6%), “desempregado”(5,2%), “trabalhador por conta própria” (22,9%),

“reformado” (6,3%), e “doméstico” (1%). A última característica sócio-demográfica considerada foi

o “Grupo”, que se refere à origem dos residentes (naturais da Boa Vista, de outras ilhas, e

estrangeiros residentes) incluindo ainda a categoria de “operadores”. Aqui destacamos a prevalência

de “residentes naturais da Boa Vista” que representa cerca de 61,5%, sendo as restantes muito

aproximadas em percentagem, variando entre os 11,5% dos “operadores” e os 14,6% dos

“residentes estrangeiros”.

Esta “amostra” assumiu uma maior prevalência da parte dos residentes naturais da Boa Vista

pois um dos objetivos era determinar as perceções destes nativos, isto apesar de, à partida, de

acordo com os dados estatísticos disponíveis, a maioria da população ser já originária de outras

ilhas por uma curta margem. Todavia, no terreno verificou-se que os dados estatísticos estavam

profundamente desatualizados, apesar de os mais recentes terem sido recolhidos para o Censo

nacional de 2010, pois a população aumentou mais de 30% em três anos.

Inicialmente, pretendia-se aplicar esta entrevista também a turistas e a “mediadores” ou

intervenientes. No entanto, optou-se por suprimir a categoria de mediadores pelo facto de muitos

destes serem estrangeiros e/ou políticos locais, e com menos disposição para participar nesta

investigação. Daí, criarem-se as categorias de “operadores” e de “residentes estrangeiros” que

abarcam boa parte destes mediadores. Cancelaram-se as entrevistas aos turistas pois, por um lado, o

investigador não conseguiu autorização por parte dos resorts e operadores turísticos para aplicar as116

IV – Metodologia de Investigação

mesmas nos seus espaços/serviços e, por outro lado, porque a aplicação das mesmas aos turistas,

que por livre vontade visitavam os espaços turísticos da ilha, demonstrou claramente uma tendência

enviesada, em parte porque se verificou empiricamente que apenas uma percentagem residual dos

milhares de turistas que visitam a ilha saíam dos resorts, e uma ainda menos representativa o fazia

livremente (sem recurso a operadores ou agências).

Com vista a corrigir a ausência da perspetiva dos turistas optou-se pela aplicação de

questionários75 aos mesmos, na fase final do estudo, procurando determinar as suas expetativas e

avaliação da experiência na Boa Vista, com o objetivo principal de conhecer as suas motivações,

avaliação da sua experiência e a perspetiva de um futuro regresso, e, sempre que possível, cruzar

estas com as dos residentes.

Foram inquiridos 100 turistas no aeroporto internacional da Boa Vista, Aristides Pereira, 26

dos quais de nacionalidade francesa em agosto de 2013, e os restantes de nacionalidade portuguesa

em agosto de 2014; deste total, 43 são do género feminino. De forma a simplificar potenciais

comparações, as faixas etárias são idênticas às das entrevistas, sendo que, a faixa com maior

representatividade é a dos 30 a 39 anos de idade com 27 inquiridos, mais 3 que a faixa mais jovem e

mais 6 que a faixa dos 40 a 49 anos de idade. A alguma distância ficaram as faixas dos 50-59 anos

(14%), 60-69 (10%) e 70 ou mais anos de idade (4%), o que, desde logo, evidencia que a amostra é

maioritariamente composta por adultos com menos de 49 anos de idade.

A situação profissional dos turistas concentra-se na primeira categoria de “trabalhador por

conta de outrem” (45%), seguida por aqueles na categoria de “patrão” (14%), “trabalhadores por

conta própria” e “reformados”, ambos com 13%, e ainda, dos desempregados (8%) e estudantes

(7%). Metade dos turistas inquiridos viajavam com apenas 1 acompanhante, 31% com 2, 10% com

3, 4% com 4, e apenas 5% viajavam sozinhos.

Outra característica refere-se ao número de vezes no continente africano. Do total, 52% dos

turistas afirmaram ser a primeira vez, 20% afirmou ser a segunda, apenas 7% a terceira, e 21%

apontaram estarem a visitar África pelo menos pela quarta vez. Já especificamente no arquipélago

de Cabo Verde, a maioria aterrou no mesmo pela primeira vez, (cerca de 78%), 17% pela segunda

vez, e apenas 5% pela terceira. Por fim, só 7 dos 100 turistas inquiridos já havia visitado a Boa

Vista. Isto reforça o quadro geral de que a Boa Vista é para a maioria dos turistas um cartão-de-

visita para o país.

75 Ver Anexo B no CD-Rom.117

IV – Metodologia de Investigação

Para se chegar a estas informações, as primeiras sete questões procuraram determinar a

idade, o género, a situação profissional, o número de acompanhantes, o número de vezes em África,

o número de vezes em Cabo Verde e o número de vezes na Boa Vista. As restantes questões

remetem para a motivação dos turistas (“Porquê Cabo Verde?”), averiguação das opções de

entretenimento fora do hotel e a forma como o faziam (“Saiu do Hotel? – Livremente/Com

Operador”).

A décima questão procurava recolher a avaliação da experiência dos turistas partindo da

opção “não gostei nada”, até “gostei muito”, passando pelas intermédias “não gostei”, “indiferente”,

e “gostei”. Experiência referente à praia, comida, gente, preços, hotel, Sal-Rei, aldeias, artesanato e

os tours disponíveis. Por fim, as questões finais (“11 – Pondera Regressar à Boa Vista?”; “12 –

Pondera Regressar a Cabo Verde?”), tinham como objetivo determinar a percentagem de potenciais

revisitas ao destino e ao arquipélago.

No que respeita ao calendário de investigação, este contemplou, para além da contínua

pesquisa bibliográfica, a permanência no terreno ao longo de 14 meses (entre maio de 2012 e

fevereiro de 2013, e posteriormente, julho e agosto de 2013 e de 2014. As entrevistas foram tratadas

e uma base de dados em SPSS foi construída entre abril e junho de 2013 e os questionários

seguiram o mesmo traço, entre os meses de setembro e outubro de 2014. Os restantes meses, até à

entrega do documento final, foram dedicados à sua ultimação.

4. Sucessos e Constrangimentos na Aplicação

Avaliar os sucessos e insucessos da aplicação de uma metodologia exige reconhecer, antes

de mais, se a mesma foi eficaz assim como eficiente. Com isto pretendemos dizer que, se por um

lado as entrevistas foram aplicadas, os questionários foram preenchidos e o campo foi observado,

importa identificar em que medida essas mesmas tarefas poderiam ter sido cumpridas de forma mais

eficiente, contribuindo com melhores e mais profundos dados do que os obtidos.

Esse exercício com base em suposições, muitas vezes leva-nos a desconsiderar o esforço que

existiu na adaptação do plano original à realidade do terreno. Naturalmente que, se hoje o

investigador chegasse ao terreno com as redes e os conhecimentos já estabelecidos, a investigação

apresentaria dados e resultados mais próximos dos ideais, eventualmente até mais perspetivas do

que as conseguidas, e mais problemas e soluções do que os identificados.

Apesar da experiência em trabalhar no contexto africano, e o facto de ser português, uma das

118

IV – Metodologia de Investigação

maiores dificuldades encontradas foi a aproximação à comunidade local. Inicialmente este

distanciamento parecia não ter saída e muitas vezes era mais simples interagir e ganhar a confiança

e amizade de informantes exteriores à Boa Vista do que criar esses mesmos laços com a

comunidade autóctone.

Por esse motivo as entrevistas levaram bem mais meses a começar e a terminar do que o

previsto. Primeiro, foi necessário considerar a realidade local e confrontar os dados que trazia nas

páginas das anotações e projetos com essa mesma realidade. A desconfiança face a estrangeiros e

imigrantes por parte dos nativos da Boa Vista não era necessariamente fruto de traços da

comunidade local, mas antes uma consequência da rápida chegada de elementos “estranhos” de

dentro e fora do país que havia deixado muitos locais numa postura defensiva e evasiva face às

investidas no terreno. Isto agravado pelo receio que muitos locais tinham em dar a sua opinião sobre

a forma como o turismo era conduzido, em particular pelos poderes locais. Estas e outras situações

particulares serão abordadas nos impactos negativos e noutros pontos desta investigação pelo que

não adiantaremos mais para já.

Por outro lado, o elevado custo de vida na ilha superou todas as expetativas do investigador.

Algo que, em conjunto com a escassez de habitações e de acesso a víveres básicos e água, atrasou

bastante a integração na comunidade local. Já para não falar de como a fina areia e forte vento que

se faz sentir na ilha danificou vários equipamentos como o computador e o gravador. Ainda assim,

as entrevistas foram aplicadas e, portanto, em larga medida isto considerou-se um sucesso,

sobretudo considerando as dificuldades encontradas.

No entanto, os questionários aos turistas padeceram de outros problemas, cuja solução quase

escapou. Com o intuito de recolher dados sobre a experiência dos turistas na ilha, os questionários

pretendiam inicialmente cobrir cinco nacionalidades e atingir as trezentas unidades. Seriam

aplicados no aeroporto internacional Aristides Pereira, enquanto os clientes dos hotéis aguardavam

o voo de regresso. Uma vez que estes turistas estavam sob a responsabilidade dos operadores

turísticos a sua participação e envolvimento eram obrigatórios sob pena de não conseguir

autorização de os aplicar.

Ora, uma vez que os resultados dos mesmos poderiam ser também relevantes para estas

empresas, para avaliar os serviços dos hotéis e a experiência da viagem dos seus clientes, partiu-se

da premissa que a sua participação e envolvimento não seriam um problema. Na verdade, a

realidade revelou-se profundamente diferente. À exceção dos operadores de menor dimensão, que119

IV – Metodologia de Investigação

lidavam com os turistas franceses e portugueses, as grandes operadoras que lidavam com turistas do

Reino Unido e Alemanha (assim como de Itália) constantemente atrasaram a sua aplicação. Ou seja,

apesar de formalmente assumirem uma posição favorável face à aplicação dos questionários, na

prática a sua colaboração era nula, chegando mesmo a obstruir a aplicação de forma direta,

argumentando não quererem que os seus clientes fossem molestados. Na verdade, essa obstrução foi

o motivo principal que forçou o investigador a voltar ao terreno em junho e julho de 2014, já que

entre julho e agosto de 2013 os seus esforços para aplicar os ditos questionários se mostraram

inglórios, perante a realidade da situação com a qual não podia esperar nem ultrapassar.

Apesar da recolha de duas das nacionalidades desejadas, não podemos, em boa-fé, admitir

que os dados recolhidos são representativos de “todos” os turistas estrangeiros, sobretudo se

tivermos em conta que os turistas do Reino Unido e da Alemanha representam mais de um terço dos

visitantes da ilha, e portanto, os que mais a visitam e os que detêm o maior poder de compra, e logo,

de entre todos os turistas, os que maior atenção merecem quanto às suas respostas ao inquérito.

Refletindo ex post facto, a investigação merece que os seus resultados sejam considerados,

tendo como nota de rodapé estas situações, não apenas por necessidade de justificação dos seus

insucessos mas também como explicação dos rumos que conduziram aos seus sucessos, ou seja, ao

cumprimento dos objetivos propostos.

120

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

Foi precisamente em busca de um processo de modernização e dinamização da economia

que Cabo Verde, assim como inúmeros outros países em todo globo, apontaram baterias ao turismo

internacional. Olhemos agora para os dados estatísticas do contexto africano antes de passarmos ao

caso concreto de Cabo Verde.

De acordo com o relatório de 2013 da WTTC, o continente africano apresenta uma

tendência de crescimento no que se refere à contribuição direta do turismo para o PIB do

continente. Entenda-se que, apesar de ser uma tendência ligeira, com alguns anos de oscilação na

última década, os números apontam para 170 mil milhões de dólares no ano passado, cerca de 8,5%

do total do PIB (WTTC, 2013).

O turismo emprega no continente africano cerca de 2,9% da população ativa,

aproximadamente 8,1 milhões de empregos diretos, número que chega aos 19,3 milhões se

somarmos os empregos indiretos e os induzidos. Com um aumento de 6% no número de visitantes

internacionais, esta região recebeu os já mencionados 56 milhões de turistas, números bem mais

elevados que os 27 milhões de 2001, ou os 19 milhões de 1995 (OMT, 2013).

Estes dados devem ser, ainda assim, relativizados, uma vez que, se recordarmos os valores

globais das estatísticas do turismo mencionados anteriormente, verificamos quão “baixos” estes

valores são na realidade. A África, quase a par do Médio Oriente, é a região onde o turismo tem pior

performance. O continente africano está dividido em duas sub-regiões turísticas, a África sub-

sariana e a África do norte. Esta última apenas comporta a Argélia, Egito, Líbia, Marrocos e

Tunísia, países que têm sofrido várias convulsões sociais e guerras nos últimos anos, e mesmo

assim representam o destino de 18,5 dos 52,4 milhões de turistas internacionais que viajaram para

este continente em 2012 (OMT, 2012).

Ainda assim, o crescimento da atividade no continente demonstra que os governos estão

atentos aos seus benefícios, tanto à escala macro (nacional) como micro (local). O turismo

representa aumento de consumo estrangeiro e mais dinheiro em impostos a recolher, mas também

uma melhoria da qualidade de vida, maior distribuição de riqueza e criação de empregos. No

entanto, é reconhecido que o turismo é muito mais que uma atividade económica.

O turismo força a uma interação vasta entre pessoas e exige uma variedade de serviços,

121

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

infraestruturas e investimentos que permitam gerar e aproveitar oportunidades. Assim, existe a

necessidade de gerir o crescimento e as mudanças do turismo de modo a garantir que o crescimento

deste não afeta os objetivos estabelecidos para o crescimento ao nível local e nacional.

O turismo, como vimos, está longe de ser a batuta mágica outrora apregoada (Brown, 1998),

em particular nas economias mais frágeis dos países em vias de desenvolvimento. Entre os países

africanos, o veredito sobre o sucesso da sua implementação é algo discutível, dada a disparidade

entre os resultados das estatísticas globais desses países e as consequências regionais e locais do

turismo nesses espaços e nas suas comunidades.

Azarya (2004) infere que apenas as elites e a classe média, líderes políticos e os mais ricos,

beneficiam de um aumento dos seus rendimentos através deste tipo de processos de

desenvolvimento por meio do turismo. Situação que Dieke (2003) rotula de uma forma de

exploração e dependência que se assemelha ao neocolonialismo, dado que as populações mais

pobres, afastadas das decisões e da capacitação adequada, preferem benefícios económicos

imediatos à custa de uma sustentabilidade a longo prazo, pois a essa condição estão submetidas

dada a sua “egoísta luta pela sobrevivência” que relega para segundo plano ideias como o altruísmo

ou a sustentabilidade (Redclift, 1992):

We need to set targets and monitor whether tourism is really doing something about poverty as well as tobe watchful about where money from tourism goes to in the recipient communities. Benefits in kind canbe more certain to meet needs and therefore it is important to have transparent auditing of how moneyfrom tourism is being distributed to, and used within, communities. Examining the supply chain totourism enterprises and seeking changes that will bring more benefits to the poor is essential. (Okecha eMwagona, 2007:12)

Nesta investigação já reforçámos a importância do papel da capacitação das comunidades.

Nessa linha, também o desenvolvimento promovido através da aposta no turismo internacional em

África deve ter em conta os impactos que inflige nas populações mais pobres e qual a melhor forma

de, envolvendo essas mesmas populações, desenhar o roteiro para uma sociedade mais justa e

equitativa. Só nestas condições podemos declarar o intuito de procurar atingir um desenvolvimento

sustentável, no caso do contexto desta investigação, um turismo sustentável.

Deve-se procurar desenvolver os recursos humanos, nomeadamente, capacitando e

especializando os locais, e importa que os investidores estejam não só atentos às consequências das

suas ações como também que seja contemplada a sustentabilidade do próprio setor a longo prazo.

Como resultado, “(...) will potentially encourage sound utilization of local suppliers and thus

enhance not only their productivity but also intersectoral linkages. In this sense, the spin-off effects122

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

are obvious: foreign exchange will be retained locally and further income would be earned” (Dieke,

2000:8).

Finalmente, é necessário que as pequenas e médias empresas locais de turismo sejam

capazes de escapar a uma situação de precariedade, o que reduzirá a qualidade do serviço prestado,

e consigam investir em estratégias bem-sucedidas de cativação de clientes/turistas. Este será um

dos maiores desafios do turismo em África.

Cabo Verde é caracterizado por uma população que ronda o meio milhão de habitantes. A

ilha de Santiago é responsável por concentrar mais de metade da sua população, na sua maioria

residentes na capital do país, a cidade da Praia. Recentemente Cabo Verde ascendeu ao grupo de

Países de Rendimento Médio, uma evidência do esforço político e social na melhoria das suas

condições de vida.

Enquanto Pequeno Estado Insular (PEI), Cabo Verde é um exemplo de um país fechado num

modelo de integração caracterizado pela dependência das migrações, remessas, ajuda externa e de

um sistema burocrático, o dito modelo MIRAB. Este, originalmente sugerido por Bertram e Watters

(1986), procurava caracterizar as sociedades das ilhas do pacífico como pequenas economias

insulares dependentes de acentuados fluxos migratórios (MI), das remessas dos trabalhadores

emigrados (R), da ajuda pública externa para financiar as despesas públicas (A), e de uma pesada

máquina de burocracia administrativa (B).

Estes argumentariam que o sistema MIRAB não se trata de uma fase mas sim de uma

estratégia viável a longo prazo, que pretende, por um lado, utilizar a ajuda externa para equilibrar a

Balança de Pagamentos, e por outro, complementá-la com as remessas enviadas pela população

emigrada76. A população emigrada não é, nestes casos, dispersa. Antes, ela é conscientemente

selecionada por parte das famílias ou países de forma a manter e maximizar as remessas (Galey

citado por Poirine, 1998:77), qual 'empresa familiar transnacional' (Poirine, 1995).

A questão é, então, como desenhar uma estratégia que permita escapar às debilidades deste

sistema e simultaneamente potenciar as vantagens de forma sustentável. Para Sarmento (2008), a

resposta reside na criação e reforço da dinâmica do exterior para o interior, é dizer, pela captação do

mercado mundial através do turismo: “o turismo (…) solicita a participação de um amplo conjunto

de actividades locais. Por outro lado, permite uma inserção directa no comércio internacional. (…)

Também apresenta a vantagem de minimizar o problema da dimensão e da distância” (2008:96).

76 Classificado de 'sector moderno do país' (Poirine, 1995).123

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

Isto tendo em atenção o perigo numa aposta messiânica no turismo, como diz Sarmento:

“(...) se não for adequadamente planeado, gerido e implementado, pode ter consequências graves na

conservação dos recursos culturais e naturais” (2008:132). Algo que já havia sido mencionado em

1998 durante a Conferência Internacional sobre o Turismo Sustentável nos Pequenos Estados

Insulares.

Um equilíbrio delicado é a chave para o sucesso desta aposta, e a sustentabilidade depende

de uma planificação e execução consciente e adequada. A chave da sustentabilidade parece residir

em parte na capacidade de gerir os frágeis territórios insulares com capital natural limitado:

Neste sentido, torna-se imperativo transformar as suas vantagens comparativas (como a localizaçãogeográfica privilegiada) em vantagens competitivas (Lourenço & Foy 2004, Cabral 2005; Sarmento2008). Assim, o perfil competitivo das ilhas assenta numa aposta na qualidade dos serviços e naprofissionalização do atendimento. Para além disso, depende também da diversificação do produtoturístico, na tentativa de captar outros mercados (Bardolet & Sheldon 2008). (Lorena, 2009)

Daí, autores como Vellas (1997), Kakazu (2007), e Sarmento (2008) afirmarem que a

exportação de serviços poderá ser a estratégia ideal. Na exportação de serviços entenda-se que o

turismo:

(...) pode ser menos susceptível de poluir o ambiente ou contribuir para a preservação do mesmo,emprega uma mão-de-obra abundante e pouco qualificada, emprega mão-de-obra nos locais rurais o quepode contribuir para a fixação das populações e evita os malefícios do êxodo rural que normalmente odesenvolvimento das indústrias acarreta. Cria um efeito de arrasto para as actividades locais como é ocaso dos trabalhos públicos, bens intermédios para a construção, o artesanato local, os transportesterrestres, marítimos e aéreos, as actividades culturais e de lazer. Finalmente, permite uma taxa decrescimento elevada desde o início. (Sarmento, 2008:90)

Dado o vastíssimo conjunto de vantagens previstas pelos autores, é evidente a escolha do

turismo como estratégia por parte tanto de privados como do setor público. Sobre este último

faremos agora uma sintética retrospetiva dos modelos e das medidas adotadas pelos sucessivos

governos caboverdianos desde a sua independência, em 1975, apesar do turismo despertar interesse

mesmo antes da independência:

As Centro de Informação e Turismo de Cabo Verde, como tivemos ocasião de verificar, chegam quasediariamente pedidos de esclarecimento sobre a possibilidade de investimentos no sector turístico. Pedidosque vêm de todas as partes do mundo […] Entretanto, são constantes as visitas de estrangeiros que ali vãopara confirmarem pessoalmente se correspondem à realidade as maravilhosas descrições que lhes fazemsobre as possibilidades turísticas destas ilhas. (Oliveira, 1973:153)

Usualmente, reserva-se um momento particular para uma descrição pormenorizada das

características morfológico-sociais do espaço ou objeto de investigação, neste caso, da ilha da Boa

Vista e sua população. No entanto, três fatores moldaram a nossa construção deste capítulo. Por um

124

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

lado, as quase inexistentes fontes sobre a história da ilha restringem essa descrição. O mesmo

poderia ser referido sobre os dados referentes à própria história do país e dos seus dados sócio-

demográficos até aproximadamente à década de 1960.

Por outro lado, dado que o foco desta investigação é o turismo, a janela temporal de

interesse é sobretudo após a independência de Cabo Verde, concretamente, após a abertura aos

mercados internacionais na década de 1990. Finalmente, gostaríamos de dar continuidade lógica

aos capítulos anteriores e apresentar dados específicos do turismo nacional e regional, tanto os

estatísticos disponíveis, como apresentar relatos diretos desse mesmo processo de transição. Relatos

esses recolhidos aquando das entrevistas aplicadas.

Deste modo, iniciamos com uma descrição do modelo de desenvolvimento e procedentes

alterações e resultados da sua modificação até a data. Esta será seguida por uma sintética

contextualização da história, economia e cultura da Boa Vista até à independência, e

apresentaremos alguns dados sócio-demográficos específicos da ilha, assim como outros dados

referentes ao crescimento do turismo na ilha, enquadrados pelos relatos dos entrevistados.

1. Modelos de Desenvolvimento Caboverdiano (1975-2016)

Neste ponto trataremos o modelo de desenvolvimento caboverdiano, particularmente os

sucessivos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND), começando pelo primeiro, lançado no ano

de 1982. Entre a independência e o lançamento desde primeiro plano, o país rapidamente evoluiu

para um modelo MIRAB. Este modelo, particularmente dependente de receitas e exportações de

bens e serviços e de transferências unilaterais (Sarmento, 2008:173), é caracterizado por uma

crescente taxa de urbanização, consumo decrescente e um ligeiro crescimento da agricultura.

Face a tais debilidades, a resposta governamental e do partido PAICV77, nasce na forma de

um plano, ou estratégia: o 1º Plano Nacional de Desenvolvimento (1982-1985). Este alertava desde

logo para as dificuldades que o país enfrentava, não só as que derivam de uma independência

recente, como as que advêm de uma localização periférica face ao continente africano, e da

dispersão geográfica do arquipélago.

O PND apresentava como medidas concretas a aposta na indústria, primeiro no mercado

interno e depois no externo, e tinham como objetivo atuar nas áreas prioritárias identificadas pelo

governo, isto é, essencialmente criar condições de base que permitissem escapar ao modelo

77 Partido Africano para a Independência de Cabo Verde.125

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

MIRAB. Contudo, a dependência face à ajuda externa manteve-se como principal, e quase única,

fonte de acumulação.

Já o 2ª PND (1986-1990) reunia como principais objetivos criar uma base económica sólida

de forma a permitir estabilizar a produção, e, como medidas concretas, apontava já para uma

preocupação social clara, com intenções de equidade social, criação de emprego e construção de

infraestruturas. Dois modelos que na teoria e na prática seguiam um modelo económico e social

pró-soviético isolacionista.

Se entre 1975 e 1991 o Turismo não era um dos eixos prioritários da economia para a classe

política, a partir de então, com as primeiras eleições multipartidárias vencidas pelo MpD, esta

atividade é encarada como a alavanca ideal para o futuro económico e social do país. Algo que se vê

refletido nos vários planos que se foram desenhando, em particular desde o 3º PND (1991-1995).

Este demonstra uma aposta no mercado externo, numa dinâmica que procurava inserir o país no

mercado global através do incentivo do investimento privado e liberalização da economia.

No 4º PND (1997-2000) assistiu-se a um reforço desta postura de liberalização (através da

privatização de empresas públicas, por exemplo) e aposta na economia internacional. Deve-se

destacar um terceiro elemento estruturante que é inovador. Falamos da ideia de “desenvolvimento e

afirmação da cultura nacional”. Indício da necessidade de potenciar a ideia de identidade, unidade e

diversidade nacional, algo que pode acarretar enorme potencial se devidamente aplicado ao turismo

e à sua promoção.

Neste, foi aberta a porta para o investimento privado e reduzida a intervenção estatal. Com

propostas de 10% das verbas disponíveis a aplicar no Turismo e com a criação da Lei Base do

Turismo, este viu ainda criadas, através de Decreto-Lei, a categoria de 'Zonas Turísticas Especiais'

(ZTE). Entre estas, as de 'Desenvolvimento Integral' e as de 'Reserva e Protecção Turística'

(Sarmento, 2008:258). Estas passam a ser geridas pela 'CV Investimentos e Sociedades de

Desenvolvimento Turístico'.

A política liberalizadora acentuou-se com este PND, que apesar de reconhecer alguma falta

de controlo e proteção da fauna e da flora, reforçou a aposta no turismo como uma potencial área,

destacando como objetivos: a valorização dos recursos turísticos naturais, o desenvolvimento de um

turismo de qualidade e o aumento da contribuição do setor para o equilíbrio das contas externas.

Todavia, considerando as fraquezas apontadas, a aposta passa pela captação, não de um turismo de

massas, mas de um turismo de elite. Para tais objetivos e ambições procurou-se construir novas126

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

infraestruturas, reabilitação do património histórico e cultural, e a promoção de Cabo Verde como

destino turístico (Sarmento, 2008).

No último PND, o 5º, e referente ao período 2002-2005, desta feita implementado pelo

PAICV que venceria as eleições legislativas de 2003, encontrava-se estruturado sob três pilares, a

procura de Equilíbrio Locais, Boa Governação e Ética, e Aspirações Nacionais de

Desenvolvimento. Se o último pilar é uma nova aposta nos princípios condutores do PND anterior,

a ideia de detetar e desenhar as vantagens e potencial de cada ilha, apostando na erradicação da

pobreza e no crescimento económico e social do meio rural, presente no primeiro pilar, é sem

dúvida uma abordagem refrescante. Já o segundo pilar prende-se com uma das questões sempre

presentes em contextos de poder. Falamos do combate à corrupção, compadrio e outras estratégias

que minam o melhor desempenho administrativo e económico do país.

Devemos destacar a intenção de executar os seguintes sub-programas: aumento da eficiência

da administração pública; diversificação dos produtos turísticos; formação de recursos humanos

para o setor; desenvolvimento do turismo das ilhas da Boa Vista e do Maio78; uma planificação

turística mais eficaz na promoção de investimentos no setor e que assegure um desenvolvimento

sustentável do turismo na ilha do Sal e nas ZTE. Ainda de destaque, há que referir a criação de uma

Escola de Hotelaria e de um Instituto Superior de Turismo e Hotelaria, para além de intenções

expressas para a promoção do eco-turismo, turismo de habitação, entre outras formas de turismo.

Essa preponderância permitiu que em 2007 o turismo atingisse um volume de receitas

correspondente a 23% do PIB do país, responsável por 90% dos investimentos externos (CCIT79).

Em 2007 o país recebeu 333 mil turistas, algo a considerar vista a evolução da chegada de hóspedes

desde 1990. Nesse ano entraram pouco mais e 21 mil turistas, e dez anos depois já eram 145 mil

(INE-CV, 2008)! Esta rápida ascensão demonstra o impacto de uma aposta de fundo no setor. No

ano de 2008 os principais emissores de turistas foram o Reino Unido, Itália e Portugal, totalizando

os três cerca de 56,7% do total de turistas (INE-CV, 2008). Entre os referidos, o destaque vai para o

Reino Unido que desde 2007, e sobretudo com a abertura de ligação aérea direta entre Estados,

permitiria um aumento acentuado e a atual hegemonia (cerca de 77 mil turistas, mais 15 mil que os

que provêm de Itália, e mais 28 mil que Portugal80).

78 Em 2005 é criada a Sociedade Desenvolvimento das Turístico das Ilhas da Boa Vista e Maio (SDTIBM).79 Câmara de Comêrcio Indústria e Turismo Portugal Cabo Verde (http://www.portugalcaboverde.com/main.php).80 INE-CV (2008).

127

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

O crescimento e desenvolvimento do país foi e é bandeira política cunhada de sucesso. Basta

rever as palavras do Primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria das Neves, quando se dirigiu à

sua nação em julho de 2010: “Cabo Verde manteve taxas de crescimento robustas. O PIB cresceu

em média 7,3% por ano entre 2006 e 2009. Já em 2006 atingimos a taxa de crescimento de 10,1%.

A crise internacional veio contrariar essa expansão. Mesmo assim, continuamos com bons índices

de crescimento” (Neves, 2010:2).

A ideia de potenciar a exploração do turismo foi também apontada como desejo e meta a

atingir a curto prazo pelo Governo: “a nossa visão é construir um turismo de qualidade e de alto

valor acrescentado; desenvolver uma praça financeira; transformar o país num hub no domínio dos

transportes aéreos e marítimos, e criar uma base logística de apoio às pescas (Neves 2010:4)”.

Nessa linha, é importante ainda um sublinhar dos pontos-chave do Governo e do seu plano

para 2011-2016, presente no documento oficial “Programa do Governo VIII Legislatura 2011-

2016”81. Desde logo, uma continuidade na abertura aos mercados internacionais, o desenvolvimento

do setor privado e reformas no setor público; também, medidas que vão ao encontro das palavras

citadas do líder do Governo, como as questões sociais, inclusão e coesão. Ainda, a continuidade na

aposta educativa82 e na construção de infraestruturas (saneamento, energia, mas também as que

permitam maior mobilidade entre ilhas e para o exterior, nomeadamente, para os países de onde

provém o mercado turístico).

Naturalmente que o desenho de um programa não determina nem pressupõe a sua

realização. É antes uma declaração de intenções e desejos teoricamente realizáveis. Comprovado o

compromisso político numa sociedade e economia mais sustentável, através da catapulta turística,

devemos olhar agora as medidas concretas desenhadas para potenciar essa atividade de 'alto valor':

Primeiro, como passar do turismo de massa para o turismo de elevado valor acrescentado. Segundo,torna-se imperativo aumentar a sua contribuição para a economia nacional. Neste sentido, será importanteque o turismo tenha uma ligação muito maior com a economia nacional e assegure uma participaçãocabo-verdiana mais alargada no sector. A chave é assegurar-se de que, com o decorrer do tempo, um novosector de turismo apareça, em que o conteúdo e impacto económicos locais sejam muito mais elevados doque os de hoje. A agenda é construir um sector de turismo que seja muito bem integrado na economiacabo-verdiana. Tal tem sido difícil e exigirá uma reorientação das políticas e dos incentivos. Coloca-se,ainda, a necessidade de diversificar as ofertas, de implementar uma promoção turística sofisticada eeficiente e de assegurar que todas as ilhas participem no desenvolvimento do sector. O Governo procurará

81 Ofício de 14 de Junho de 2011.82 “Será revisto o quadro institucional do sector para uma melhor racionalização das instituições existentes e para

reforçar a capacidade de coordenação, planeamento e gestão do desenvolvimento do sector do turismo. Iremosigualmente melhorar a qualidade dos serviços prestados, investindo na formação e especialização da mão de obradirecta e indirectamente vinculada às actividades turísticas” (Programa do Governo, 2011:29).

128

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

criar novas rotas aéreas e atrair turistas oriundos de novos mercados.(Programa do Governo, 2011:28-29)

Dado que esta investigação decorre até ao ano de 2014, importa introduzir as conclusões do

Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo em Cabo Verde 2010/2013; um relatório

elaborado pelo Ministério da Economia, Crescimento e Competitividade, mormente, a Direção

Geral do Turismo de Cabo Verde, com o propósito de realizar um diagnóstico do turismo nacional.

Algumas das principais conclusões desse diagnóstico revelaram as deficiências do processo de

desenvolvimento do turismo, a insuficiência de recursos e infraestruturas (ou mesmo inexistência) e

a inflação dos preços.

Este auto-diagnóstico é importante também na perspetiva de demonstrar a preocupação e o

interesse que oficialmente o governo caboverdiano tem no turismo, e, sobretudo, demonstra ainda,

como o turismo é a grande, ou única, aposta governamental às difíceis condições, constrangimentos

que assolam o país. Em resposta a este cenário, o relatório sugere todo um conjunto de ações e

atividades que pretendem um turismo sustentável e de alto valor acrescentado, capaz de maximizar

os efeitos multiplicadores, com elevado nível de competitividade, diversificado e de qualidade

(PEDTCV, 2009). Nas suas conclusões destaca-se ainda o reconhecimento do papel determinante da

sociedade civil na implementação e melhoria do plano estratégico.

Em síntese, temos de destacar as infraestruturas de base que existem atualmente e que são

originárias do investimento e aposta no turismo, desde aeroportos, estradas, saneamento,

eletricidade, transportes, formação e qualificação de pessoas, etc.; e, claro, os dados sociais e

económicos que sugerem uma melhoria profunda quando comparados com os de 1975, ou mesmo

de 2000.

Hoje, Cabo Verde é um país de Médio Desenvolvimento, de acordo com o índice as Nações

Unidas. Para tal, o país fez enormes progressos ao nível económico mas também social. A esperança

média de vida à entrada no século XXI era pouco superior a 69 anos e hoje é de 74 anos. A taxa de

fertilidade atingiu em 2013 os 2,3 filhos por mulher, demonstrando uma tendência de declínio da

natalidade, também esta acompanhada pela de mortalidade. Ainda assim, Cabo Verde tem uma

população jovem com uma média de idade a rondar os 27 anos de idade. Os avanços nas áreas de

saúde e educação mostram os progressos realizados pelo país que, para tudo isto alcançar, sacrificou

muitos milhões de euros de dívida pública, hoje várias vezes superior à de 2000.

129

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

2. Turismo em Cabo Verde – um Balanço Nacional

O primeiro passo para o turismo internacional surge com a construção do aeroporto

internacional na ilha do Sal na década de 1960, que permitiu o investimento numa modesta

pousada, em 1967, por parte de uma família belga (Vynkier), que procurava hospedar turistas

balneares. Só mais tarde, em 1986, é que seria inaugurado o primeiro hotel, o Belorizonte,

construído pelo Governo e explorado por uma rede turística francesa. Só na década seguinte, com o

gradual interesse de investidores italianos, portugueses e espanhóis, e com a acessibilidade

apresentada por parte dos vários governos, é que o turismo descolou de vez.

Como vimos nos pontos anteriores, volvidas todas estas décadas com independência, adoção

de ideologias governativas pró-marxistas, posterior abertura e sucessivos governos, foram vários os

avanços e recuos que colocaram Cabo Verde já longe de um pequeno arquipélago desconhecido

enquanto destino turístico. À escala do turismo mundial, Cabo Verde é ainda uma gota num oceano,

mas os dados são claros quanto ao seu crescimento. De acordo com o Banco de Cabo Verde (BCV)

as receitas brutas do turismo representaram em 2013 cerca de 24,1% do PIB.

20002001

20022003

20042005

20062007

20082009

20102011

20122013

2014

0

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

3.000.000

3.500.000

Evolução do Número de Hóspedes e Dormidas (2000-2014)

Hóspedes

Dormidas

Figura 5.1: Evolução do Número de Hóspedes e Dormidas (2000-2014)

Idealmente seria útil apresentar uma retrospetiva clara do crescimento dos indicadores de

referência quanto ao crescimento turístico no país, desde pelo menos, a sua independência. No

entanto, os dados disponíveis não são públicos; dir-se-ia mesmo, inexistentes de forma contínua e

consistente até por volta do século XXI. Assim, apresentam-se agora os dados relevantes desde o

130

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

ano de 2000.

Como na figura acima indica, fica claro que tanto o número de hóspedes quanto o número de

dormidas a nível nacional aumentaram entre 2000 e 2013. Não deixa de ser também evidente que

tanto o número de hóspedes mais do que triplicou quanto o número de dormidas quintuplicou,

passando 684 mil dormidas em 2000 para as 3,4 milhões!

Também se pode verificar um ligeiro decréscimo no número de dormidas e de hóspedes

durante o ano de 2014, um resultado inesperado dado o crescimento contínuo e acelerado que se

tem verificado nas últimas décadas.

De igual modo, verifica-se um crescimento nas estadias médias que foram das 4,4 noites em

2000 para as 5,9 noites em 2013, apesar de algumas flutuações intermédias; bem como, da estável

percentagem de ocupação acima dos 50% desde 2010. Naturalmente que a percentagem de

ocupação deve ser lida com cautela visto que a simples abertura de alguns novos estabelecimentos

hoteleiros provoca uma flutuação na taxa de ocupação. Não é comum uma ocupação elevada nos

primeiros anos de abertura, com exceção para os grandes empreendimentos hoteleiros do tipo tudo-

incluído.

Para uma caracterização macro ainda mais segura, resta ainda fazer nota dos números de

hóspedes nos vários tipos de espaços, da pousada ao hotel, e ainda, do número médio de noites que

cada tipo tende a servir aos seus clientes. Vamos tentar perceber quem são os clientes/turistas que

visitam Cabo Verde. Ainda em relação ao número de hóspedes, deixámos os hotéis de fora na figura

abaixo por uma simples questão de escala. Isto é, os valores são tão mais elevados que os restantes

que não permitiriam uma análise cuidada dos outros tipos de espaço, bem como, sendo o turismo

em hotel um elemento privilegiado da nossa análise, preferimos abordá-los separadamente.

131

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

O que esta figura gráfica nos indica é que o número de hóspedes nos vários tipos de espaço

tendeu a crescer, atingindo um primeiro pico no ano de 2006, apenas para lentamente decrescer até

ao ano de 2009 ou 2010, para depois gradualmente voltar a crescer. Tendência geral apenas

contrariada pelo declive das pousada a partir de 2006. No ano transato confirmam-se os dados de

uma tendência de redução do número de hóspedes nos vários tipos de alojamento, com exceção dos

aldeamentos turísticos.

Os grandes acolhedores de hóspedes em 2013 foram, de longe, os hotéis com uma média de

6,3 noites por turista, logo seguidos dos aldeamentos turísticos com uma média 5,4 noites,

relegando os restantes tipos para valores inferiores a 3,1 noites. Isto demonstra que os aldeamentos

turísticos, apesar do número intermédio de hóspedes que recebem, conseguem garantir um serviço

mais prolongado aos seus clientes.

Regressando então aos hóspedes em hotéis, os valores, como afirmámos, são também

esclarecedores. Se, entre 2000 e 2005, o número de turistas hospedados não ultrapassavam os 200

mil, eles mais do que duplicaram em 2012, atingindo os 476 mil hóspedes em 54 alojamentos. No

ano passado, os mais de 468 mil hóspedes que ficaram hospedados em hotéis representaram 86,8%

do total de turistas registados e 91,3% das dormidas. Este valor é ainda mais representativo se

considerarmos que os restantes espaços juntos apenas somam menos de 72 mil hóspedes em 2014,

132

20022003

20042005

20062007

20082009

20102011

20122013

2014

0

10.000

20.000

30.000

Evolução do Número de Hóspedes por tipo de Alojamento (2002-2014)

Pensões

Pousadas

Hotéis-apartamentos

Aldeamentos turísticos

Residenciais

Figura 5.2: Evolução do Número de Hóspedes por tipo de Alojamento (2002-2014)

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

em cerca de 168 alojamentos!

O turismo hoteleiro, em particular o turismo hoteleiro assente numa política de tudo-

incluído, é o grande responsável por assegurar estes clientes/turistas. Como vimos nos pontos

anteriores, o esforço dos vários Governos desde a abertura aos mercados internacionais, garantiram

condições vantajosas para os investidores estrangeiros, permitindo que hoje o turismo em Cabo

Verde seja a atividade económica mais importante do país. O turismo internacional é a principal

alavanca económica que prometia ser; um fabuloso farol para a economia do arquipélago que sente

o seu efeito multiplicador para além das naturais remessas diretas recolhidas centralmente pelo

Governo.

Os últimos dados sobre o número de estabelecimentos confirmam que desde 1999 os

estabelecimentos hoteleiros passaram de 79 para 222 em 2013, sempre em crescimento contínuo,

com particular destaque para os hotéis, e onde permanece a maioria dos turistas. Turistas estes, na

sua maioria europeus, como de resto a figura seguinte demonstra83.

Já em termos da evolução do número de turistas por nacionalidade, podemos verificar que os

Italianos têm vindo a diminuir apesar de historicamente serem os principais turistas até ao ano de

2006. O grande destaque é, sem dúvida, da parte dos habitantes do Reino Unido que, tendo apenas a

83 Nestas retiraram-se as nacionalidades com valores inferiores aos 20 mil turistas no ano de 2014.133

20002001

20022003

20042005

20062007

20082009

20102011

20122013

2014

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

Número de Turistas por Nacionalidade entre 2000-2014

Cabo Verde

Alemanha

Bélgica/Holanda

França

Reino Unido

Itália

Portugal

Figura 5.3: Número de Turistas por Nacionalidade entre 2000-2014

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

partir de 2004 chegado a Cabo Verde, são hoje o principal grupo de turistas com 96 mil turistas/ano,

logo seguidos dos Alemães, com 68 mil visitantes, e os Franceses, com 61 mil (apenas mais mil

turistas que Portugal), demonstram uma clara tendência de crescimento estável. Isto, mesmo

considerando o abrandamento, ou mesmo recuo, de alguns dos valores no ano de 2014.

Estas nacionalidades encontraram em Cabo Verde um serviço ao qual estavam

familiarizadas e que é disponibilizado por grandes empresas e agências de turismo e viagem que

permitiram este crescimento acentuado. Falamos em particular da agência/operador turístico TUI,

alemã, e da rede hoteleira RIU, espanhola, que já se encontram associadas no país, tanto na ilha do

Sal como na ilha da Boa Vista. Em maior pormenor falaremos sobre estas empresas e a sua

influência nos pontos dedicados às particularidades da ilha da Boa Vista.

Resumindo, a oferta mais antiga e ainda predominante é o turismo balnear, com destaque

para a ilha do Sal; no entanto, a ilha da Boa Vista parece emergir com potencial para ultrapassar tal

hegemonia, particularmente agora que dispõe de aeroporto internacional (poderíamos também

considerar a ilha de Maio neste grupo, todavia, esta continua à margem do turismo caboverdiano

apesar do potencial para o turismo balnear).

Nas ilhas do Fogo e de Santo Antão, o principal atrativo é a natureza e morfologia,

nomeadamente as paisagens rurais, ora montanhosas ora verdejantes, ideal para o turismo de

aventura. Em Santiago e São Vicente, principais centros urbanos, reside a oportunidade de turismo

histórico e cultural, em particular a Cidade Velha em Santiago, que desde 2009 tem o estatuto de

Património Mundial da Humanidade da UNESCO. São Vicente tem também como trunfo o já

famoso Festival de Música da Baía das Gatas que se realiza desde 1995. Um outro tipo de turismo,

mais disperso e particularmente interessante, é o residencial. Cada vez são mais os turistas que

procuram investir na compra de uma segunda casa. Casas estas construídas com investimento

igualmente externo e que têm como mercado-alvo pessoas em idade de reforma de países europeus.

As características morfológicas de Cabo Verde intensificam as suas carências,

nomeadamente, a sua pequena dimensão, insularidade e descontinuidade territorial. Dada a sua

fraca capacidade produtiva e o seu mercado interno diminuto, este Estado depende fortemente da

importação. Cabo Verde vê-se condicionado adicionalmente pela sua distância geográfica a outras

economias e ao comércio internacional.

Se apesar de tais constrangimentos o turismo parece vingar, a resposta poderá residir nos

elementos diferenciadores que dispõe, nomeadamente, a estabilidade política, económica e social134

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

que vive, os bons indicadores económicos que apresenta, a proximidade face aos principais

mercados, sobretudo europeus. Podemos ainda destacar o seu posicionamento geográfico com

potencial de captar novos mercados no continente americano e africano, e ainda, claro, as

temperaturas médias que apresenta (25ºc).

Consideramos mesmo que um dos seus trunfos principais é a variedade e diversidade

paisagística e cultural existente nas suas ilhas, que potenciam vários tipos de turismo que vão além

do balnear. Trunfo este que, com a liberalização gradual dos transportes, mormente os aéreos,

parece começar a ser tida em conta. Ou seja, novos planos de uma estada turística diversa e múltipla

parecem ser oferecidas e procuradas.

3. Da Boa Vista descoberta a Cabo Verde Independente

Esta ilha da Boa Vista, de 620 km² e de clima ameno ao longo de todo o ano, está repleta de

longas e belas praias, sendo a maior Santa Mónica com 18km de comprimento. Foi descoberta

pelos portugueses a 3 de maio de 1460 e povoada apenas no final do século XVI. Enquanto ilha

mais oriental do arquipélago, é também a que está mais próxima do território continental africano.

A Boa Vista é conhecida, sobretudo, pelas suas características morfológicas e por ser o

berço da morna, estilo musical com influência afro-negra, tida como exemplo do modo de “ser e

estar do boavistense”, um modo que poderá tender a desaparecer: “(...) embora o património

histórico-cultural venha desempenhando um relevante papel na vida psico-social do boavistense,

muitos dos seus traços tendem a desaparecer” (Lima, 2002:23).

Da história desta ilha, assim como a de todo o arquipélago, não existem muitos registos pelo

que, as obras publicadas sobre a sua história e cultura são uma sombra da sua riqueza cultural e

património histórico. Dos poucos autores que compilaram um levantamento de nota registem-se

João Lopes Filho (1976)84, e António Germano Lima (199785; 2002).

São conhecidas as dificuldades históricas da população da ilha em sobreviver nas difíceis

condições climáticas da Boa Vista, forçando algumas vezes as suas populações a migrar, escapando

à fome e à miséria. Foram essas características deste povo que acabaram por o moldar de forma

diferente das outras ilhas, a que Lima (2002) chamou de “um perfil psico-sociológico específico”.

Ainda assim, em paralelo com as suas dificuldades, é ainda tido como um povo alegre cuja alcunha

Kabrere terá origem na comercialização de gado caprino. Alcunha essa que é tida ainda hoje com

84 Filho, João (1976) Cabo Verde: Apontamentos Etnográficos, Edições do autor: Lisboa. 85 Lima, Germano (1997) Boavista: Ilha de Capitães (História e Sociedade), Spleen Edições: Praia.

135

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

motivo de orgulho.

Nesta ilha a iniciativa de povoamento “sério” só aconteceu tardiamente, especificamente

entre os finais do século XVI e início do século XVII. Até aí, os povoados existentes eram de

caçadores e escravos-pastores que ocasionalmente recebiam seus exploradores ou colonos que

arrendavam a ilha à coroa portuguesa. Uma prova disso é que em 1580 viviam apenas 50 pessoas

em toda a ilha (Kasper, 1987). Um dos acontecimentos chave que acelerou o processo de

colonização e de expansão dos assentamentos e suas comunidades, foi a abolição da escravatura em

1842, sendo que, em 1850, contavam-se já 2305 “almas” em 461 fogos86.

Desenvolvendo-se a um ritmo acelerado, em 1843 assim falava de Sal-Rei Lopes de Lima (…) '...apovoação de Sal-Rei, hoje tão notável pela nobreza e grande quantidade de suas casas e armazéns, deconstrução europeia, que começa a rivalizar neste ponto com a Vila da Praia (…), cresce cada dia emriqueza e em edifício e em importância social.' (Lopes de Lima, 1843 citado por Lima, 1997:75)

Os centros religiosos da ilha foram edificados entre os séculos XVIII e XIX, período de

crescimento económico na ilha, sendo o principal a Igreja de S. Isabel (1857), padroeira de Sal-Rei,

capital regional. Nas festas dedicadas a esta santa ainda hoje se praticam alguns desportos

tradicionais, como a corrida de cavalos e a corrida de regatas.

Tal como nas outras regiões e territórios do então império colonial português, a

evangelização toldou muitas das práticas religiosas tradicionais, mas sem nunca as conseguir abolir

totalmente. Em particular, a prática de feitiçaria e outras práticas supersticiosas. Este fenómeno

cobre tanto a feitiçaria com propósitos de bem (benfazeja) como de mal (malfadeza):

A feitiçaria também se aprendia. Neste sentido, apurámos que antigamente, quem quisesse aprender a arteda feitiçaria, podia fazê-lo mediante um pagamento a preço de ouro. Houve quem na Boavista tivessepago um boi e uma cama para aprender a arte da feitiçaria só para se vingar de alguém. (Lima, 2002:60)

Daí que as práticas religiosas tradicionais ainda influenciem algumas festividades hoje

assimiladas pela religião dominante, a católica. As festas tradicionais estão associadas a santos

padroeiros, festividades típicas do catolicismo como Natal, Páscoa, etc. Estas festas terminavam e

terminam sempre com música e dança. Antes eram lubrificadas com o grogue localmente

produzido, hoje com bebidas alcoólicas mais comuns como cerveja:

Assim, sejam quais forem as suas origens e as influências nelas exercidas, as manifestações religioso-supersticiosas e sócio-culturais dessa Ilha ganharam foro próprio e, embora as emoções de outroravenham decaindo ano após ano, a tradição das suas comemorações ainda se mantém. (Lima, 2002:316)

No que se refere às riquezas do solo, a Boa Vista foi desde cedo identificada como tendo

86 De acordo com o Dicionário Geográphico das Províncias e Possessões Portuguezas no Ultramar, segundo Lima,1997:72.

136

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

grande potencial para a produção de gado, dada a grande estepe de vegetação que a época das

chuvas permitia, ideal para a pastagem. Para além da pastorícia, alguma plantação de algodão foi

implementada na ilha sem grande sucesso. Na verdade, o auge económico da ilha surgiu apenas no

início do século XVII com a chegada dos ingleses à ilha. Estes iniciaram a exploração das salinas de

Sal-Rei e a produção de urzela para a indústria têxtil.

O auge económico que atravessa a ilha e a sua população declina rapidamente a partir do

primeiro quartel do século XIX, devido a alterações político-económicas em Portugal e nos

principais países industrializados. Situação agravada pelo investimento em outras ilhas, como a ilha

do Sal. Foram necessários quase 80 anos para se sentir alguma recuperação económica, esta,

sobretudo, pela mão de casas como a de Ben'Oliel e Martins Carvalho & Filhos:

Do Século XX aponta-se o exemplo da família de David Ben'Oliel que, para além dos bens deprodução, como casas comerciais, gados, terras e navios, era detentor de vários bens sociais quesimbolizavam a classe alta boavistense da época. De entre esses bens, David Ben'Oliel foi oprimeiro abastado da Ilha a importar um automóvel ligeiro; era praticamente dono de uma praia(…). (Lima, 1997:226)

Esta recuperação assentou na pesca, em particular de baleia, mas também na salga de peixe.

A purgueira, ideal para produção de azeite e para iluminação, foi outro dos recursos importantes

nesta fase de reacendimento da economia local, assim como a produção de cal, objetos tradicionais,

lã de carneiro:

[Bofareira] (...) não chegava a 10 casas! (...) eu tinha 10 irmãos! Naquele tempo havia quem tinha casasde cal, exportava cal e sal... carne, sal, lenha, urzela... produtos que se exportava... (...) de árvores, depoieiras, espinha... mais forte em Tarafes... (...) BFHRNB95

Era um pouco diferente. (...) Já antes a gente era de horta e animais. As casas não eram como agora, (...)eram com caule, e havia pessoas que trabalham na produção de caule, que nós chamávamos de forno. (...)Na vila era mais pescadores (...), também tinha o sal, sim. (...) Mas já ninguém faz isso, agora tem muitaconstrução nova e... já não se trabalha o sal aqui. (...) Antigamente aqui eram casas só de pedra com palhae depois os emigrantes, como estávamos a falar, começaram a fazer em condições. (...) A situação, graçasa Deus, foi melhorando e já é com coisas diferente, mas antes era quase todas dessa maneira. URHREB51

(...) Boa Vista era assim, maridos agricultores e pescadores e daí se aguentava. Havia grande comércio dailha mas praticamente uma pessoa, o Sr. David Benoniel. Fazia-se o comércio com essa casa. Haviatambém a fábrica, a estrutura ainda lá está. Há 15 ou 20 anos deixou de funcionar, era uma fábrica deconserva. Também havia muitos gados e exportava-se pele de animal, sal, o sal-rei mesmo. Daí talvezvenha o nome. URHRNB46

A saída de Martins e de outras famílias preponderantes em função de promessas de melhor

investimento na ilha de S. Vicente (e noutras paragens), onde um novo porto faria redundar a

preponderância de Sal-Rei, acabou por ditar um novo e lento declínio económico e social da ilha.

Período seguido por forte migração da população local para outras ilhas e países, na década de

137

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

1950/60, provocando um sentido êxodo migratório que lentamente afundou a frágil economia local

até à data da independência em 197587:

Anotamos contudo que o maior responsável pela decadência demográfica da Boavista, assim como detodo o Cabo Verde, é o próprio descalabro do império marítimo português e do seu comércio,nomeadamente com o Acto da Conferência de Berlim, o que traria reflexos desastrosos à economia dailha da Boavista que, de entre outras consequências negativas, veria a sua população diminuirbruscamente. (Lima, 1997:79)

Da emigração forçada, às catástrofes naturais e humanas, da crise do império português,

cujos ideais se arrastaram no Estado Novo, a Boa Vista sofreu uma fuga de capital cultural, social e

humano nas décadas anteriores e posteriores à sua independência. Por isso, António Germano Lima

lamenta: “(...) entre 1953/1973, foi vendo uma parte do seu capital cultural voar, (...) quem aprende,

hoje em dia, a tocar violão na Boavista? Quem aprende a dançar mazurca?” (Lima, 1997:236).

A independência foi conseguida com a queda do Estado Novo em Portugal, após 13 anos de

guerra colonial nas províncias da África Continental, e ditou o fim de mais de 500 anos de história

conjunta. Este processo moroso foi alimentado pelo contexto político-económico mundial,

nomeadamente, pelo confronto dos blocos ocidentais e soviéticos que, no caso do segundo bloco,

ativamente interveio no treino e financiamento das forças independentistas.

A pós-independência é precisamente o período de maior interesse nesta investigação daí que

sugerimos uma leitura aprofundada de Lima (2002) para um olhar mais minucioso à história da Boa

Vista até esta data. Assim, dada a referida influência do bloco soviético no processo de

independência de Cabo Verde, sem surpresa o país rapidamente adotou o modelo de

desenvolvimento socialista assente no isolacionismo face ao ocidente, controlo dos mercados e da

produção, nacionalização de bens, empresas e indústrias privadas por um partido único.

Este movimento político-económico cessaria apenas em 1992, com as primeiras eleições

multipartidárias livres, e criaria a base para o investimento público-privado no turismo e serviços

dependentes. Esta foi também a década que viu com gradual consistência a chegada de turistas

aumentar ao ponto de se avançar a construção do primeiro Hotel de dimensões médias na ilha e, à

data, um dos maiores do país, o Marine Club:

Desde sempre que a principal atividade foi a agricultura, pesca e pecuária. Antes não havia nada deturismo. Só a partir dos anos 90 com a criação dos primeiros hotéis é que começaram a inverter essasituação URHRNB30

(...), era uma ilha pacata com menos habitantes que todas as ilhas. Em termos de desenvolvimento de

87 População Recenseada em 1970 era de 3569 habitantes, número que diminuiria para os 3375 dez anos mais tarde(1980) [citado por Lima, 1997:73].

138

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

turismo não havia infraestruturas. Havia uma pousada pequena (...) e as pessoas vinham... Durante adécada de 80 os turistas eram mais franceses, e portugueses também, vinham muitos iates, muitos iates.(...) Meu pai era artesão. (...) Na nossa casa todos os turistas que vinham à ilha passavam lá para comprarprodutos em cascas de tartarugas! (...) As pessoas eram muito acolhedoras. Quando vinham os turistas as pessoas estavam dispostas a recebê-las. As pessoas eram muito abertas,mesmo para pessoas das outras ilhas. Era muito tranquila, não havia essa violência, e as pessoas deixavama porta aberta. Sal-Rei vivia da pesca, havia muito peixe. (...) Só que ao nível de desenvolvimento estavaao abandono. Não se apostava na ilha e não se dava importância ao turismo! (...) Havia poucas ligações debarco e poucos aviões por semana. (...) Só em 1981 é que é eletrificado Sal-Rei! URMRNB43b

Nos anos 80 era uma Boa Vista... era uma ilha calma, assim, estávamos num paraíso onde todas aspessoas que falavam lá fora reconhecíamos logo pela voz. Ouvia-se um carro reconhecíamos pelo motor,eram tão poucos que conhecíamos quem era! As portas e as janelas ficavam abertas durante o dia, e noverão durante a noite também. Quem precisasse de alguma coisa entrava em casa e apanhava e depoisvinha lá pôr! Uma Boa Vista de dunas altas e brancas! De muitas plantações das dunas, entre as dunas... mais verde nas ribeiras! Já em 93 na ribeira do Rabil aopé da estrada os agricultores faziam agricultura naquela ribeira que é a maior bacia hidrográfica de CaboVerde! Havia melão, melancia, os frutos que davam todos! A gente passava e apanhava o que precisasse edeixava o resto lá! Era uma Boa Vista de uma comunidade de família onde tudo era diferente!URMRNB46

Para muitos locais os dois pontos altos para a ilha na década na pós-independência foram

sem dúvida a construção do Marine Club e a eletrificação da ilha. Ainda que no caso da

eletrificação muitos sublinham que esta apenas foi acelerada por pressão dos emigrantes, que por

iniciativa privada já começavam a procurar instalar a rede elétrica em algumas povoações.

Sobretudo emigrantes que haviam partido na década de 1960 para trabalhar para embarcações

pesqueiras europeias, nomeadamente, holandesas, espanholas, portuguesas entre outras:

Na Boa Vista na época ainda havia alguns emigrantes que mandavam remessas ou se vivia do gado, dapesca, uma agricultura ainda fraca mas que dava para safar porque não havia muita gente. URHRNB48

Boa Vista desde a independência está a soluçar, passo a passo. Agora a partir dos anos 82 ou 85, data emque… aqui na Boa Vista não tínhamos luz… foi em 85 que começaram a pôr luz na vila e no nortetambém porque um grupo de emigrantes reuniu para pôr eletricidade no norte e depois o governo sentiu-se envergonhado e pôs luz [na vila]. Eles reuniram e deram 100 escudos cada um! Naquela data 100escudos ainda era muito dinheiro… (…) Nós tivemos luz aqui [BF] em 95! BFHRNB44

Vivendo sobretudo da produção escassa das atividades tradicionais e do comércio de

eventuais excedentes de produção, a população da Boa Vista ainda recorda as dificuldades de

transporte de produtos e pessoas pelas estradas e caminhos que ligavam as povoações do interior a

Sal-Rei:

Vender na vila. (…) [De burro] era um bocado de caminho! Agora tem carro. Umas 3 ou 4 horas decaminho [de burro] era longe. O caminho era antes, do deserto, estrada de pedra aquela. Era dificuldade,levar carvão, lenha, para vender na vila! [risos] Dificuldade... Agora a coisa está melhor! Coisa melhora.JGHRNB73

Os primeiros visitantes pós-independência foram os voluntários franceses que, num

139

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

protocolo de apoio médico, passavam algumas semanas por ano na ilha. O seu acampamento de

apoio médico era montado no exterior do centro da cidade, junto aos novos bairros edificados para

alojar turistas de residência na praia de Cruz. Gradualmente estes visitantes foram ultrapassados

pelos turistas de aventura que chegavam à ilha de barco, em embarcações particulares, ou em voos

de domésticos via Sal:

Os primeiros turistas eram sempre relacionados com os franceses. Quando éramos crianças, todo opessoal [turistas] eram considerados franceses! Eram turistas dos veleiros. Vinham aqui, passeavamsempre, faziam caminhadas, nunca faziam esse tipo de coisas que fazem agora de excursões nem nada.Era sempre de mochila às costas pelas ruas. Era um tipo de turista mais próximo da população,cumprimentava as pessoas, as crianças... Era bom encontrar essas pessoas diferentes na ilha! URHRNB36

Com a chegada dos primeiros turistas a população da Boa Vista teve muita abertura. Quando chegavamvinham sempre em missão de ajudar também a população da ilha, não vinham só pelo turismo! Vinhampara conhecer e ajudavam a população, como por exemplo, os primeiros turistas do Marine Club vinhamtambém fazer acampamentos ao lado do hotel. URHRNB30

Foi uma coisa diferente ter turistas a passear no meio da vila a conversar. Havia um contacto que já não háhoje. (...) Tinha uma sobrinha com 4 anos e todos os estrangeiros que via dizia "Olha tia um francês!", erauma novidade para ela. Todo português era um francês [risos]! Era uma relação diferente com turistas. Osturistas estavam na praia e nós aproximava-mo-nos e descobríamos a nacionalidade através do livro quetinham na mão! URMRNB46

O turismo de antigamente na Boa Vista, claro era com menos gente que agora e... mas era um turismomais perto da população... andavam de povoação em povoação! (...) Chegavam e passavam horas,compravam água e coca-cola e ficavam um tempo e falavam... (...). JGHRNB49

Este hotel, o Marine Club, sem regime tudo-incluído foi, rapidamente acompanhado e

seguido por outros novos pequenos hotéis e residenciais em Sal-Rei, sendo um período rotulado

pelos locais como o 'bom turismo', em oposição ao turismo que conheceram depois de 2006. Este

período de 'bom turismo' foi caracterizado ainda pela presença de empresas e investimento privado

italiano, para turistas italianos:

Tudo influência do que aconteceu no Marine Club! Do turismo do início, porque era só italianos,antigamente ficam poucos portugueses, poucos ingleses, eram contados pelos dedos. Em 100%, 90 eramitalianos e os outros 10 eram divididos. URHRNB31

Na altura quando vinha de férias dizia-se mesmo que 'nesta ilha tem mais italianos que boavistenses!' Erasó italianos. (...) As pessoas começaram a ter mais interesse em trabalhar no turismo. Víamos já pessoas afalar italiano corretamente. (...) Todos os sítios mais frequentados acabavam por ser de italianos. Erameles que faziam movimentar! URHRNB36

Bom... os portugueses tinham partido... os italianos começaram a vir porque em Itália há muitoscaboverdianos a trabalhar! Agora, os primeiros devem ter vindo por convite desses caboverdianos emItália. Começaram primeiro a Sal, um voo, Bergamo-Praia-Sal. Depois desenvolveu-se o turismo no Sal.Quando os italianos começaram a ver Boa Vista (...) vieram investir cá... era muito complicado investir cámas era muito bonita como ilha! Começaram a vir mais italianos não só em passeio turístico mas paratrabalhar cá! URHREB37

140

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

Os turistas visitavam, na altura, os italianos, e era estranho ver pessoas de outra nacionalidade aqui nanossa ilha. Era uma coisa difícil de explicar, despertava o interesse. E estavam mais próximo das pessoas,era mais consumista do ponto de vista local. Exploravam mais o mercado boavistense ao nível dosprodutos locais e da cultura boavistense. Já agora nós temos uma cultura de turismo completamentediferente. É percetível! URHRNB27

O turista, pelo menos o francês que recordo do meu período de infância era, como vou dizer... um turistamais próximo da população local. Porque na altura não havia hotéis, havia uma ou duas pensões... nãoestavam fechados. Havia sempre ali a circular nas ruas e tinha mais contacto. Já o turismo, já o italiano,era mais de hotel... o turismo italiano... antes da construção dos hotéis maiores eram poucos e depois oMarine Club, e os que se seguiram, os turistas estavam dentro do hotel. Vinham para aproveitar o Sol e apraia... e via-mo-los na rua mas não havia aquele contacto... não dava para aproximar, era já turismo decomércio. Não era como o turista francês que vinha para descobrir. Ali [com os italianos] a ilha já eravendida, digamos assim! E depois o turismo all-inclusive que esta enclausurado nos hotéis e quepraticamente não se vê, e por conseguinte não há qualquer contacto. URHRNB36

A hegemonia italiana, apesar do curto período, teve um profundo impacto na economia e

cultura locais. Inúmeros funcionários das empresas que inicialmente investiram na ilha, são hoje

empresários de sucesso que conseguiram aproveitar as oportunidades de negócios que se

multiplicaram com a abertura ao turismo internacional. A influência destes elementos estendeu-se

também à forma como o turismo é entendido e percecionado.

Alguns sim, nem todos tinham aqueles pacotes! Tinha de ir no Sal e do Sal… (…) [para a Boa Vista].Naquela época também a questão das casas. Aí que mudou total em termos de residências aqui em Sal-Rei! Ou mesmo na Boa Vista de uma forma geral. As casas se alugavam muitas vezes em termosirrisórios! Não tinha quem ocupá-las! Mas de repente com isso… Marine Club, e lá também com essepessoal dessas pequenas pensões que estavam todas cheias… pessoas começaram a ver que podiam fazernegócio nisso! Os cabo-verdianos não conseguem bem ver essas coisas, eram os estrangeiros que alugavam uma casa poruma quantia que não era tão alta assim por mês ou ano. Mas sabiam que naquela época vinham os turistasalugar com pequeno-almoço e assim, e conseguiam lucrar com isso! Quem começou esses negócios erampessoas italianas que vieram para cá, muitas vezes como turistas ou para trabalhar nessesempreendimentos turísticos como o Marine Club (…) e depois desligavam-se da empresa e fixavam-seaqui! Hoje em dia são vários. Temos o Pancinni que se envolveu em outras áreas de construção (…) eoutros que viram a oportunidade e foram ficando. Ou foram e voltaram para se estabelecer! JGHRNB41

O referido 'bom turismo', época dourada de desenvolvimento económico local e de muitas

oportunidades para os nativos da ilha, é comummente comparado com o turismo pós 2006,

classificado como 'mau turismo', o 'all-inclusive'. É dizer, o turismo massificado de serviço tudo

incluído. Este sentimento está sobretudo generalizado entre os nativos da ilha e será abordado com

maior profundidade no capítulo seguinte:

Eu comecei a sentir as mudanças na ilha da Boa Vista quando eu vim trabalhar em finais de 96. Eu tive oimpacto da nova Boa Vista, completamente diferente, mais pessoas, mais carros, empresas a abrir todosos dias, novos projetos, pessoas com outra atitude na vida! Lembro-me quando era jovem que as pessoaseram muito tranquilas, não se preocupavam com nada. Se houvesse emprego havia, se não, é igual.Ninguém com muitas ambições! URHRNB31

No inicio dos anos 90 a vila de Sal-Rei, praticamente era muito diferente de hoje, não tinha quase nada

141

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

comparado com a atual! Em termos de infraestruturas não havia muita coisa... umas coisas básicas para apopulação. Mas a partir dos anos 95 a 2000 começaram a ser construídas algumas infraestruturas básicaspara a população e começou a haver algum desenvolvimento. Com a abertura do aeroporto, o turismotransformou-se aqui na ilha da Boa Vista! Foi o momento mais importante! URHRNB30

Depois dos franceses veio esse boom de italianos. (...) Quando voltei depois, já tinha o hotel LukaKalema, foi mais ou menos em 98, que eu pessoalmente comecei a ver mais movimentação de turistasaqui na ilha. E agora já não é só franceses e italianos. (...) Os italianos dominaram o mercado do turismona Boa Vista até antes da construção do hotel RIU. Até à construção era basicamente italianos. O hotelRIU inaugurou-se em 2007 se não estou em erro, portanto até 2005, 2006 era dominado pelos italianos.URHRNB36

Antigamente conhecia todos os habitantes, agora é muito complicado. "Aquela senhora é filha de fulanoou senhor", mas agora é muito diferente! A ilha cresceu e modificou-se muito! CTHRNB45

Da mesma forma, também existe a ideia do 'bom turista', naturalmente, associado ao 'bom

turismo':

Era um turismo em 2001 era bem diferente. Havia interação com a população residente. A Boa Vistaantigamente que tinha muito menos turistas que hoje, mas era um turismo que tinha uma interação com apopulação, que procurava alguns locais de diversão, digamos que, mesmo comparando com hoje, aspessoas dizem que era um turismo que deixava muito mais rendimento! Pelo menos na população local.JGHRNB35

No início… como dizer, os turistas eram mais ativos, tinham mais contacto com a população, não é comoagora que vão para os hotéis, é all-inclusive… ficam aí dentro e já saem menos. Mas antigamente não,vinham e por exemplo, era só meia-pensão, já saíam, frequentavam os restaurantes, os bares, à noite saiampara jantar e… agora já não acontece a não ser à sexta-feira que é o dia que o pessoal sai para divertir.URHRNB31

Isto apesar de exceções que encontram nos turistas do tempo do “bom turismo” os “não tão

grandes turistas”. Assim, o turista menos bom é tido como aquele que consome menos e assim não

deixa tantos rendimentos na ilha e no país:

Falando de turistas, antes recebíamos turistas franceses, na altura eu era ainda criança. Até porque paraum boavistense sempre que aparecia uma pessoa de cor clara era chamado de francês! Sempre assim.Depois passámos a ter turistas estrangeiros que se tornaram investidores. Passaram a ser donos de hotéis,de residências e essas coisas, mas com a evolução do tempo (...) investiram aqui [os espanhóis]. Houveuma evolução. Os franceses como turistas gostam de gastar mais na parte de beleza, no SPA, porexemplo. (...) Os italianos também não são grandes turistas, não gostam muito de gastar. Mas com a vindade Espanhóis, temos alemães e ingleses que quando chegam à ilha deixam uma certa receita na ilha ondeestão alojados. URHRNB29b

Em suma, representa o período tido como áureo do turismo e que termina no ano de 2006

com a expansão do aeroporto e com a construção dos primeiros hotéis com regime tudo-incluído,

nomeadamente o Ventaclub e o Riu Karamboa:

A principal fase foi a abertura do primeiro hotel, depois o Ventaclub (...). Nós fomos muito ajudados como aumento dos quartos do Sal porque havia só um avião de Itália. Quando o avião enchia todos os quartosde Santa Maria então os a mais vinham para cá. (...) E com muita dificuldade, através de pequenos aviõesda Cabo Verde Express, chegavam cá... era muito cansativo. (...) Depois, o Governo acreditou no

142

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

aeroporto internacional na Boa Vista. (...) Antes, o aeroporto era curto e perigoso com a montanha ali.Depois, lançado este projeto, fizeram um contrato com a RIU. Se não fosse o aeroporto não havia esseinvestimento. URHREB51

A mudança foi depois da abertura dos grandes hotéis e do aeroporto! (...) Chegou gente de fora e agoraestá tudo diferente. URHREB51

Até à abertura do aeroporto internacional ficou um bom mercado... digamos que a economia caboverdianada Boa Vista trabalhava em tudo... restaurantes, hotéis, bares.. e depois com o RIU Karamboa as coisasmudaram um pouco! URMREB60

Na altura, o único hotel que tinha era o Marine Club, e até tinha a sua graça porque havia um dia dasemana que as pessoas podiam entrar lá e coiso... Depois já estava a aberto, por exemplo, o Ventaclub,havia mais pessoas... Não quero cair no cliché mas foi depois da abertura dos grandes hotéis! Notei assimuma grande mudança. Parecia que tinha mais pessoas estranhas que locais! Passavas na rua e "Olá, olá!",passado algum tempo era tanta gente que já não se via... URHRNB36

Eu acho que nos últimos anos o tipo de turismo mudou muito! Nos primeiros anos, eu costumo chamar,mais aventureiro... pessoas que queriam descobrir lugares novos onde não havia quase nada e só por issojá era interessante! Agora, com a abertura do aeroporto internacional e com a abertura destas grandescadeias, com o custo do pacote tudo incluído começaram a chegar todas as pessoas (...) e querem umasemana de férias sem se preocupar com nada e então acho que os hotéis têm tudo-incluído e oferece isso!OPFREB41

Olhando para os últimos sete anos na Boa Vista, podemos verificar como o número de

hotéis, da pequena à grande dimensão, se multiplicaram. A ilha passou a pertencer ao circuitos

comuns de turismo internacional, em particular Europeu, em grande parte pela mão de grandes

operadores, com destaque para a TUI. Esta empresa alemã é responsável pelo grosso dos turistas do

centro e norte da Europa, em particular do Reino Unido, Alemanha e países nórdicos.

4. Dados do Turismo na Boa Vista

Foi realizado um estudo em 1967 sobre a viabilidade da ilha como destino turístico, em

particular pela companhia Atlantic Interplan que manifestou interesse em criar infraestruturas para

albergar 5000 turistas, incluindo um aeroporto internacional. Neste sentido, em 1969, o Ministério

do Ultramar tomou a iniciativa de legislar para que uma sociedade anónima tomasse controlo dessa

exploração (Lima, 1997). Do projeto não se passou, mas hoje são mais de 5000 os turistas que

semanalmente visitam a ilha da Boa Vista.

De acordo com os planos e previsões da Sociedade de Desenvolvimento Turístico das Ilhas

da Boa Vista e Maio (SDTIBM) existem três ZDTI (Zonas Desenvolvimento Turístico Integral), as

de Chave, Morro de Areia, e Santa Mónica. Essencialmente áreas disponíveis para o

desenvolvimento de infraestruturas hoteleiras e que no total contabilizam mais de 5700 ha. A ZDTI

de Chave, fica na costa oeste da ilha, cobre do sul da Sal-Rei até quase toda a extensão da praia de143

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

Chave onde se encontram já três cadeias hoteleiras internacionais em pleno funcionamento e uma

quarta de forma intermitente, e onde atualmente se executam obras de expansão.

A ZDTI de Morro de Areia, na ponta da praia de Chave, não tem qualquer infraestrutura,

nem hoteleira, nem de acesso, e também não tem qualquer projeto previsto no futuro próximo.

Finalmente, a tão desejada ZDTI de Santa Mónica que fica a sul da ilha e que, essencialmente,

cobre toda a praia do mesmo nome com 18 km de comprimento. Nesta ZDTI está instalada um dos

principais hotéis da ilha o Riu Touareg, o hotel mais recente, edificado em 2011, e encontram-se

algumas infraestruturas de acesso e de planificação para novos empreendimentos.

Esta última ZDTI ocupa mais de metade da área das ZDTI, com 3432 ha, quase dois milhões

de metros quadrados de área bruta de construção disponível. De acordo com os planos da SDTIBM,

a Boa Vista, nas suas ZDTI, teria a capacidade de albergar mais de 44 mil quartos, 28 mil dos quais

em Santa Mónica. De acordo com o Guia do Investidor disponível no sítio desta sociedade, calcula-

se que, ocupadas as ZDTI, a ocupação turística se situaria acima dos 30 mil visitantes, provocando

direta e indiretamente um incremento de população que ultrapassaria os 120 mil habitantes

(STDIBM, 2010). Na verdade, em junho de 2014, durante o 1º Fórum para o Turismo Sustentável

da Ilha da Boa Vista, um representante desta sociedade, responsável pelo setor das infraestruturas

afirmou existir uma projeção de 250 mil habitantes por volta do ano de 2085!

Falar da evolução do turismo na Boa Vista implica comparar com a ilha do Sal, o principal

motor turístico do país até meados da década de 2000. Se considerarmos a evolução do número de

estabelecimentos em ambas as ilhas (figura abaixo), verificamos um aumento do número de

estabelecimentos em ambas as ilhas, sendo que a Boa Vista se tem vindo a aproximar dos valores da

ilha do Sal.

144

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

Nesta linha, também o número de camas, quartos, e capacidade de alojamento são ainda

significativamente superiores no Sal face à Boa Vista. Basta um olhar sobre a evolução do número

de hóspedes, que cruze estas ilhas e o total nacional, e duas conclusões saltam à vista: primeira, a

Boa Vista está novamente a curta margem da ilha do Sal, apesar do número mais reduzido de

alojamentos; segunda, ambas as ilhas acolhem mais de 401 mil dos 539 mil turistas que visitam o

arquipélago de Cabo Verde.

145

20002001

20022003

20042005

20062007

20082009

20102011

20122013

2014

0

100.000

200.000

300.000

400.000

500.000

600.000

Evolução Comparativa do Número de Hóspedes

Boa Vista, Sal e Cabo Verde (2000-2014)

Boa Vista

Sal

Cabo Verde

Figura 5.5: Evolução Comparativa do Número de Hóspedes (2000-2014)

19992000

20012002

20032004

20052006

20072008

20092010

20112012

2013

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Evolução Comparativa do Número de Estabelecimentos

Sal e Boa Vista (1999-2013)

Boa Vista

Sal

Figura 5.4: Evolução Comparativa do Número de Estabelecimentos (1999-2013)

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

A ilha da Boa Vista foi alvo de investimento público e privado direcionado para o turismo

massificado, pelo que, a esmagadora maioria destes hóspedes ficam alojados em quatro grandes

complexos hoteleiros de regime tudo-incluído. Um esforço que adveio da construção do aeroporto

internacional em 2007 e que abriu caminho para o rápido surgimento destes complexos. Daí, a

rápida curva do número de hóspedes desde então. Um outro dado que corrobora e reforça a

preponderância destes grandes complexos hoteleiros, de capital europeu, é o facto da percentagem

de ocupação da Boa Vista ser avassaladora quando comparada com o país ou com a ilha do Sal.

Ultrapassando uns incríveis 80% à três anos consecutivos!

Num espaço de tempo relativamente curto, a ilha, e o país, têm lugar de destaque nas

preferências dos turistas, em parte também pela retirada de outros destinos competitivos como

Tunísia e Egito, em virtude da escalada da Primavera Árabe em vários países do norte de África e

Médio Oriente, que desviaram milhares de turistas para destinos como Marrocos e Cabo Verde:

Boa Vista passou muito tempo esquecida! Quando passava uma notícia... ainda hoje, tem um minuto oumenos e depois ficamos todos aborrecidos porque não mostrou nada! Boa Vista sempre foi uma ilhaassim, e de repente despertaram e lembraram-se da Boa Vista! BFHRNB25

Era uma ilha calma, uma das que tinha menos população em Cabo Verde. A terceira menos grande. Maséramos 4 mil na ilha. Podias deixar a porta aberta e podias estar ali. Depois começou a mudar e perdemosa nossa tranquilidade e a confiança! Era uma ilha de morabeza! Era só dunas, tamareiras... ninguémqueria saber da Boa Vista em Cabo Verde, só de férias! Agora toda gente... a Boa Vista virou lema demoda! (...) Boa Vista é o centro de Cabo Verde agora! URHRNB33

146

20002001

20022003

20042005

20062007

20082009

20102011

20122013

2014

20

30

40

50

60

70

80

90

Evolução Comparativa da Taxa de Ocupação

Boa Vista, Sal, Cabo Verde (2000-2014)

Boa Vista

Sal

Cabo Verde

Figura 5.6: Evolução Comparativa da Taxa de Ocupação (2000-2014)

V – Cabo Verde e os Trilhos para a Abertura

A mudança está presente nos discursos dos locais que ainda se mostram surpresos pela sua

rapidez e dimensão:

Havia mais postos de trabalho. Aliás o Karamboa foi maioritariamente construído por mão de obraestrangeira! E de repente hoje temos 38 voos semanais, internacionais... foi uma coisa... depois dainauguração do aeroporto internacional e da abertura dos hotéis foi uma coisa que a gente não esperava,muito rápido! URMRNB46

Isso já foi em 2007, na segunda vez. (...) Era uma aldeola quando chegámos a primeira vez, temevoluindo. Uma coisa pequenininha com dois restaurantes que um deles hoje em dia já nem existe,curiosamente! Cresceu imenso ao nível humano! Primeira vez que vim cá tinha 2000 habitantes! Dizemque já vai em 11 ou 10 mil! É muito significativo! URHOP47

A mudança é precisamente o ator principal desta investigação: as alterações no quotidiano

da Boa Vista, fruto direta e/ou indiretamente do crescimento do turismo neste espaço, e as suas

consequências, impactos imediatos e impactes que se vão desdobrar no futuro. Estas mudanças

poderiam ser descritas numa narrativa estatística de dados macro-económicos, mas ignorariam as

particularidades do ilhéu, o perfil das suas gentes, e sobretudo, a voz das suas gentes. No Anexo

“D” encontram-se algumas fotografias retiradas pelo investigador com o propósito de contextualizar

também visualmente a ilha da Boa Vista e algumas das suas características.

No próximo capítulo apresentamos essas mesmas vozes, e como elas interpretam as

mudanças no espaço da sua comunidade. Daremos lugar às suas perceções procurando determinar

como veem os turistas, quais os impactos a que mais atenção atribuem, quais as prioridades de

intervenção que apontam e qual o futuro que anteveem para a Boa Vista. Tudo isto cruzando os

dados disponíveis com excertos das entrevistas realizadas, e com outras investigações realizadas

dentro e fora de Cabo Verde.

147

VI – Perceções das Motivações em Análise

VI – Perceções das Motivações em Análise

A primeira questão do guião de entrevista aplicado procurava determinar a perceção que os

entrevistados tinham dos fatores motivacionais que levavam os turistas a selecionar a Boa Vista

como o seu destino de férias. Das noventa e seis entrevistas aplicadas recolheram-se duzentos e

dezasseis fatores que determinariam esta seleção, os quais foram agrupados em dez 'motivações';

estas destacadas no quadro abaixo por ordem decrescente de frequência, foram divididas em três

tipos: de ordem Ambiental, nomeadamente, "Natureza", "Clima", e "Biodiversidade" (a rosa);

Social, como, "Cultura", "Tranquilidade", "Desporto", e "Estabilidade" (a amarelo); e ainda

Económico, "Propaganda", "Hotelaria", e "Proximidade" (a verde).

No mesmo quadro podemos verificar que os dois fatores mais mencionados, e portanto, mais

determinantes na perceção dos entrevistados, são fatores ambientais, atingindo uma percentagem

acumulada de 54% do total de menções, isto é, ligeiramente mais de metade, dominando assim as

perceções totais por larga vantagem.

Seguidamente, constatamos que os seguintes dois fatores mais determinantes foram sociais,

curiosamente com o mesmo número de menções cada. Se adicionarmos todas as menções de índole

social verificamos que reúnem praticamente metade do total das menções do fator ambiental

contabilizando cerca de sessenta e quatro. Estas, por sua vez, são bastante mais numerosas que as de

caráter económico que totalizaram apenas cerca de trinta e seis; ainda assim, podemos verificar que

tanto o quinto como o sexto fator mais mencionado são desse mesmo critério económico.

149

Quadro 6.1: Perceção das Motivações

VI – Perceções das Motivações em Análise

Analisemos o fator motivacional seguindo uma análise ponto por ponto, e variável por

variável, procurando determinar as tendências e que variáveis são ou não determinantes para cada

ponto. O primeiro refere-se à perceção que os entrevistados têm quanto ao que leva os turistas a

escolher a ilha da Boa Vista como destino de férias num mercado tão competitivo como é o do

turismo.

Resta referir que os dados percentuais apresentados nas análises de conteúdo seguintes

referem-se à percentagem interna das variáveis sócio-demográficas, ou seja, referem-se não aos

valores absolutos de cada critério mas sim à percentagem relativa interna dos mesmos. Por

exemplo, se considerássemos os valores absolutos em termos de género, o masculino seria

predominante de forma praticamente invariável dado que a maioria dos entrevistados são homens

(cerca de 60%). Assim, interessa a percentagem interna de homens e de mulheres que consideram

um dado critério, e não o número absoluto de homens ou mulheres que o mencionaram. Só assim se

garante que os dados apresentados não sejam inquinados à partida.

1. Por que motivo escolhem os turistas a Boa Vista para fazer férias?

Podemos partir para uma análise aprofundada dos dados referentes às perceções

motivacionais tendo em conta que as seis primeiras motivações se encontram emparelhadas por

uma ordem de importância que revela que, por larga margem, as motivações dos turistas para visitar

a ilha têm origem, na perspetiva dos entrevistados, em fatores predominantemente ambientais e,

ainda que com menor peso, em fatores sociais.

Perceção da Motivação: Natureza

Há que sublinhar a beleza natural desta ilha, mormente, no que toca às suas belas praias

beijadas por uma suave ondulação, ideal como destino de férias balnear. O magnífico Deserto de

Viana também merece uma atenção, ou não fascinasse qualquer um uma área isolada no centro da

ilha coberta por um manto de dunas de areia branca trazidas pelos ventos do Saara e que ali

caprichosamente repousam.

Ou ainda as longas e virgens praias do sul da ilha, apenas acessíveis para carros com tração

às quatro rodas, como a deslumbrante praia de Santa Mónica, que cobre nem mais nem menos que

18km da costa desta ilha:

Há ainda qualquer coisa de puro na Boa Vista, (…) sobretudo vêm pela natureza, não pelas gentes.URHRNB36

150

VI – Perceções das Motivações em Análise

Eu acho que são as lindas praias daqui da Boa Vista! URHRNB80

É praia! Praia, o mar… um lugar livre, tranquilo. BFHRNB44

Seguramente o mar! (...) O que traz os turistas à Boa Vista são as praias que são lindíssimas! URHREB51

As mais valias... vou começar pelas mais lógicas, as praias, a paisagem... de resto se formos ver é seca...até chegar a algumas praias só vês terra! URMRNB27

De acordo com os entrevistados, a natureza e a paisagem da Boa Vista são o principal

motivo que traz os turistas à mesma, independentemente da sua idade, isto porque todas as faixas

etárias apresentam percentagens internas muito elevadas, na casa dos 80% (com exceção dos 60%

dos indivíduos com 70 ou mais anos); no entanto, existe uma ligeira tendência para esta motivação

ser mais importante para as camadas mais jovens.

Praticamente com os mesmos valores, tanto estrangeiros (81%) como nacionais (79%),

apontam para a natureza, e do mesmo modo, ambos os géneros apresentam valores elevados, onde o

masculino lidera por apenas mais 7% que o feminino (74%). Também, os entrevistados que habitam

em espaço urbano (81%) e os que habitam em espaço rural (74%) estão próximos, sugerindo mais

uma vez que estas características não parecem muito determinantes no desenho do perfil dos

entrevistados que mencionam esta motivação.

Fica também clara a ideia de que, quanto maior for o nível de escolaridade, maior é a

atenção dada a esta motivação, flutuando os valores entre os 65% dos entrevistados com o ensino

primário e os 87% do ensino preparatório, muito próximo dos 85% daqueles com o ensino superior.

Também a análise da característica situação profissional revela que são os trabalhadores por

conta própria (86%) e os empregados (77%) quem mais mencionam a natureza e a paisagem, isto se

ignorarmos os 100% dos domésticos, que sendo apenas uma pessoa terá em todas as variáveis ora

0% ora 100%, e assim será sempre relativizado. Há ainda a mencionar os 67% de tanto

desempregados como reformados.

Na análise por grupos de residência verificamos que são os estrangeiros residentes (86%) e

os operadores (82%) quem mais valorizam esta perceção, embora seguidos por perto pelos nativos

da Boa Vista (78%) e os oriundos de outras ilhas do arquipélago (75%). Assim, conclui-se que esta

motivação atravessa com percentagens elevadas todas as diferentes características sócio-

demográficas apresentadas, reforçando que é uma perceção geral entre os entrevistados.

151

VI – Perceções das Motivações em Análise

Perceção da Motivação: Clima

Cabo Verde é um país de clima quente, tropical seco, onde raramente se atinge os 30ºC ou

menos de 20ºC, e assim, também a Boa Vista apresenta valores máximos e mínimos semelhantes,

uma temperatura média a rondar os 25ºC, a mesma temperatura que podemos sentir nas suas águas

no mês de setembro. A grande diferença das ilhas mais a Este do arquipélago para com a grande

maioria das restantes é a pluviosidade média que é ligeiramente mais baixa. Aliás, as planícies secas

e áridas da Boa Vista, Sal e Maio são prova disso mesmo. Com isto, introduzimos o segundo fator

motivacional mais mencionado, o clima, indicado por 43% dos entrevistados:

É por causa das condições naturais que a ilha oferece aos turistas, como por exemplo, quando os turistasvêm para ilha vêm à procura de um turismo, de sol de mar... de turismo balnear! A Boa Vista é uma ilhapropícia a estas condições. Como todos sabemos, em termos de praia em Cabo Verde é a que temmelhores condições e tem Sol praticamente todo ano. URHRNB30

A água é quente mesmo em março e abril, o tempo está bom! Em dezembro e janeiro estamos em t-shirt.Não chove. URHREB68

Bem o sol a praia... os hotéis daqui são todos sol e praia. Isto é um destino novo... basicamente eradesconhecido ao mercado e agora nos últimos 5, 7 anos foi dado a conhecer! RUHOP39

Quem não conhece as temperaturas do arquipélago caboverdiano pode pensar que as

temperaturas médias do mesmo não são assim tão elevadas. Mas na verdade o seu clima é tropical e

se as temperaturas não fossem amenizadas pelos ventos alísios que chegam da África continental e

que suavizam as temperaturas altas e a humidade constante, a ilha seria um “lugar insuportável”.

Apesar de conhecer outros destinos africanos, o investigador recorda o dia em que pela

primeira vez aterrou na Boa Vista no início de maio de 2012, sendo surpreendido pelo clima.

Naquele momento da chegada o vento desaparecera. Carregado com malas, o impacto da

temperatura seca e quente do exterior contrariava a temperatura fresca do interior do avião. Os

calções e a manga curta pareciam escaldar na caminhada entre o avião e o terminal do aeroporto.

Por motivos estéticos, o dito aeroporto não está totalmente coberto e está permeável aos

caprichos do tempo. Como uma claraboia sobre as cabeças de todos, o sol caía sobre os turistas com

violência enquanto, lentamente, a fila em ziguezague avançava. Foram 45 minutos que pareceram

horas. Quando finalmente o investigador chegou ao balcão alfandegário já nada podia evitar o

ligeiro escaldão no pescoço.

O simples facto da brisa constante que está presente na Boa Vista ter momentaneamente

terminado, teve um impacto imediato na capacidade de suportar o seu sol e clima seco. Brisa essa

152

VI – Perceções das Motivações em Análise

que nos meses de verão se torna vento forte, que levanta o fino areal, perturbando os turistas na

praia, mas também penetra nas redes mosquiteiras das habitações e invade as casas. Como nota

adicional, recorde-se que, apesar de cuidados redobrados, esse areal fino danificou o computador

portátil do investigador deixando-o semanas sem poder usufruir dele. Um problema comum entre

aqueles que com regularidade usam esse tipo de aparelhos na ilha, mas também outros aparelhos

eletrónicos e máquinas.

Aliás, esse tipo de contrariedades, associadas aos danos provocados pela salinação de

equipamentos e infraestruturas, elevam ainda mais o custo de vida de todos os seus residentes já que

torna a sua manutenção extremamente dispendiosa. Aquando da entrada do investigador no

primeiro apartamento, onde viveu por sete meses, todas as torneiras e tubagens da habitação foram

trocadas e o mesmo teve de ser feito após a sua saída dada a elevada erosão dos materiais, incapazes

de suportar algumas das característica climáticas do espaço e suas consequências.

O clima é uma das motivações-chave para os entrevistados. Todas as faixas etárias o

mencionaram, dos 30% dos entrevistados entre os 40 e 49 anos, aos 50% dos 30 aos 39 anos, sendo

desenhada uma ligeira insinuação que sugere que quanto maior for a idade dos entrevistados menor

é a atenção dada a esta perceção.

Apesar do espaço de residência ser indiferente (pois tanto urbanos como rurais apresentam

valores praticamente idênticos, na casa dos 43%), foram mais os indivíduos do género masculino

(48%) nacionais de Cabo Verde (45%) que mencionaram esta motivação, mais que o género

feminino (34%) e estrangeiros (33%).

No entanto, é sem sombra de dúvida que se afirma que maior nível de escolaridade leva a

maior atenção à motivação climática, já que os valores vão dos 37% dos indivíduos com ensino

primário, aos 46% com ensino superior.

Do mesmo modo, são os operadores (64%) que por larga vantagem sublinham o clima como

motivação, deixando os nativos (cuja média de ambos os grupos nativos fica nos 43%) e os

estrangeiros (21%) a uma distância considerável. Também interessante é que nenhum dos

entrevistados desempregados acham o clima determinante, ao passo que as restantes situações

profissionais variam entre os 44% dos empregados e os 50% nos reformados.

Perceção da Motivação: Cultura

“Cultura”. Neste conceito cabe um conjunto de aspetos característicos da comunidade local153

VI – Perceções das Motivações em Análise

que são diferenciadores de outras povoações estrangeiras, entre eles a "Morabeza" (o ato de bem

receber, hospitalidade). Os indivíduos não diferenciaram a cultura da Boa Vista da das restantes

ilhas, mas apontaram para uma ideia de cultura nacional que “já é reconhecida internacionalmente”

e capaz de ser um fator determinante na deslocação dos turistas.

Eu continuo a achar que é uma certa proximidade com o mar, uma diferença muito grande à vida urbanaque eu conheço, do Porto, do clima do Porto… é isso que tem para explorar. Agora, tem alguma música,alguma morabeza, uma certa maneira relaxada de ser mas eu acredito que é mais isso, a diferença… paramim! URMRNB27

Eu não diria que não está a ser mostrado, porque uma das coisas boas somos nós! Eu estou aqui a falarcontigo (...) é essa a nossa maneira de ser, é importante, é um dos fatores que acabou de fazer esteinvestimento do turismo neste país! A nossa maneira de ser funcionou. Vieram cá, viram as pessoas e amaneira de ser das pessoas, o seu carácter e a sua natureza. Foi isso que fez os turistas pensar ser idealvisitar esta ilha! URMRNB46

Englobaram-se, então, dentro de “cultura” os fatores "Música", "Gastronomia" e

"Morabeza". Estes serão também analisados comparativamente logo após uma leitura ao seu

conjunto:

Também tem outra coisa que é muito importante aqui em Cabo Verde, que é a hospitalidade do povocaboverdiano! É um povo que recebe muito bem os turistas. Também a gastronomia daqui, é muitoimportante, os turistas gostam muito... a música... tudo isso influencia a escolha dos turistas. URHRNB30

Existe a ideia de que os caboverdianos são particularmente bons acolhedores, gente

hospitaleira, detentores de uma "morabeza crioula", noção que está bem enraizada na narrativa

local, em particular nas ilhas consideradas “mais tradicionais e típicas”, como a gente da Boa Vista

parece considerar ainda a sua:

De todo o património histórico-cultural, destaca-se o seu criador: o boavistense. Com efeito, o grandepatrimónio da Boavista é, antes de tudo, a sua gente. De facto, quem conhece o kabrere, por ter convividocom ele longo tempo, sabe que o mais belo da sua ilha é, na sua essência, o calor humano da sua gente, deespírito acolhedor e de convivência alegre e amiga, junto da qual ainda se sentem reminiscências da suagenuína morabeza de outrora. (Lima, 2002:317)

Esta narrativa é também reforçada pela publicidade e marketing, mas sendo esta a quinta

motivação mais registada, deixaremos essa análise para esse ponto e viramos as nossas miras para

um livro de Germano Almeida que tantas vezes é apontado como um farol da "verdadeira Boa

Vista", uma obra intitulada "A Ilha Fantástica".

Esta recorda histórias de acordo com as memórias do autor dos seus tempos de infância e

juventude na ilha entre os anos 50 e início dos anos 60 do século passado. Uma narrativa marcada

não só pela presença portuguesa mas também por uma rica mistura de relatos que tratam as questões

familiares, pequenos poderes locais, religião, e muita descrição minuciosa de acontecimentos e

154

VI – Perceções das Motivações em Análise

cerimónias.

Munido com este livro, nenhum viajante ou curioso ficará por dentro da Boa Vista dos dias

de hoje, mas sem dúvida que faz um excelente papel introdutório, que contribui para melhor

compreender os nativos locais, hoje uma minoria da população residente. Isso leva-nos a levantar a

questão de que se os turistas se encontram na sua esmagadora maioria nos grandes resorts, onde os

trabalhadores são também quase todos de outras ilhas e estrangeiros, que hospitalidade é essa?

Podemos considerá-la como exemplo dessa afamada morabeza boavistense?

No meu ponto de vista tem a ver com praias, lindas praias, um clima, praticamente durante o ano. (...) Aspessoas são amáveis, simpáticas e acolhedoras. Portanto isso também ajuda, mas acho que basicamente éisso! BFHRNB34

Sem dúvida uma contradição, mas deixemos agora esta questão e olhemos para os dados

recolhidos.

Com uma variação de apenas 2%, são os Europeus (29%) que mais referenciam o fator

cultural, tal como, com uma outra ligeira variação (mais 5% que o género feminino) são os homens

que mais atenção dão à cultura (28%).

Com uma diferença já mais significativa, são os entrevistados de meio rural (33%) que

superam os urbanos (25%). Em termos de faixa etária, os dados apontam para a faixa dos 20-29

anos com os valores mais elevados, na casa dos 45%, depois, cai até aos 20% dos indivíduos entre

40 e 49 anos, para novamente subir até aos 33% dos 60 aos 69 anos, e depois cair até ao valor de

0% entre os mais idosos!

Igualmente oscilante, mas dentro de uma variação bem mais próxima, temos a leitura por

grupo de residência onde os valores variam entre os 21% dos residentes estrangeiros, os 27% de

tantos operadores como nativos de ilha, até aos 33% dos nativos das outras ilhas. Ainda assim,

podemos concluir com alguma segurança que a cultura é muito importante para todos os grupos,

algo que já não pode ser dito se olharmos para a escolaridade.

Os valores mais elevados são dos indivíduos com o ensino preparatório (40%) e licenciados

(30%), ambos bem acima dos restantes, levando à conclusão que uma escolaridade superior não

significa uma tendência para apontar a cultura como fator determinante. A cultura é basilar desde a

perspetiva geral destes entrevistados sem que se possa de facto desenhar um perfil absoluto dos que

têm esta perceção.

155

VI – Perceções das Motivações em Análise

Perceção da Motivação: Que cultura?

Olhemos agora para as partes que compõem a “Cultura”. Comecemos por "Morabeza", um

traço ou característica auto-catalogado que se refere ao ato de bem receber e que mereceu vinte

menções! Não deixa de ser interessante a quantidade de menções, pois, caso o considerássemos

separadamente, seria o quarto fator mais mencionado da lista das motivações, apenas superado pela

"tranquilidade", "clima" e "natureza"!

Penso que os turistas são muito curiosos mas há que dizer no todo, o povo caboverdiano faz a morabezacrioula. Claro que vai-se diferenciar de ilha para ilha. O povo da Boa Vista é acolhedor! Mas o turista vaisempre além da praia, sol e mar! Procura saber como as pessoas vivem cá, a qualidade de vida, como sãoas famílias, as ruas, as casas.. porque já reparei numa questão.. quando um Europeu fala sobre Cabo Verdepensa em África com tribos e quando chega aqui tem aquele impacto muito diferente e muda tudo estás aver!? Há sempre a curiosidade de saber o que se passa! URMRNOI30

A primeira coisa acho que são as praias e também a morabeza das pessoas daqui. Como recebem osclientes aqui. Há uma receção muito forte aqui. As pessoas vêm, passam férias aqui e depois voltam!Logo querem ficar aqui e investir, outros viver aqui! É o povo daqui, que não encontram noutro lugar,principalmente a tranquilidade daqui. URHOP29b

Primeiro é a beleza de Cabo Verde em geral, da ilha, também como as pessoas recebem, essa morabeza detodos os cabo-verdianos. BFHRNB29

A sua beleza natural, o clima... a segurança e a tranquilidade, e a simpatia das pessoas que ainda existe.Não como de antes mas ainda existe... a morabeza, sim. BFHRNB25

Adicionaram-se ainda nesta categoria outras referências pontuais às 'boas qualidades' da

comunidade:

Penso que a Boa Vista está na moda também porque na Boa Vista é tudo terra-a-terra. URMRNOI32

Gostam da Boa Vista porque é ainda uma ilha acolhedora, são gente boa... gostam também da ilha, temum clima bom, gostam de vir! (...) É uma ilha fantástica e todo mundo gosta da Boa Vista! CTMRNB53

Os entrevistados que referiram este fator não têm uma nacionalidade, género ou residência

específica ou demarcada, pois nestas três variáveis os valores são todos superiores aos 20% e

inferiores aos 26%, reforçando a ideia de que parecem ser irrelevantes como diferenciadores. Pelo

contrário, a situação profissional indica que os desempregados ignoram a morabeza como fator e

são aqueles que ainda trabalham que mais importância lhe dão, com valores acima dos 23%. Do

mesmo modo, também a escolaridade parece condicionar este fator dado que, com exceção dos

valores do ensino secundário, os dados indicam uma tendência de crescimento face ao nível de

ensino. Com valores mais oscilantes temos a faixa etária que apresenta valores elevados entre os

indivíduos dos 20 aos 29 anos (35%) e dos 60 aos 69 anos (33%), muito acima dos restantes que são

tendencialmente mais baixos dos 30 aos 49 anos (entre os 14 e 21%) e bem acima dos 0% dos mais

156

VI – Perceções das Motivações em Análise

idosos.

Toda esta análise obriga a uma referência pessoal de um primeiro exemplo da hospitalidade

local. Apenas a algumas semanas no terreno, o investigador foi convidado por um informante nativo

da Boa Vista a participar num evento social que envolvia toda a sua família e amigos. Este decorreu

na pequena 'Praia de David' também chamada 'Praia de Fátima', um recanto de areia entre dois

paredões naturais de rocha que deixa o mar quente tão tranquilo como uma piscina. Éramos cerca

de quarenta pessoas e, não fosse o facto de estarmos muitos de pé, certamente não caberíamos

deitados todos em toalhas no curto areal. A ideia também não era apanhar sol mas antes saborear

uma bela cachupa caseira e frango no churrasco em boa companhia, regados por cervejas menos

frescas que o ideal, e vinho morno. O convívio durou todo o dia e só terminou depois do sol se pôr.

Sem surpresa, foram alguns episódios semelhantes que permitiram ao investigador aceder a

mais informantes, contactos importantes e amizades essenciais para a recolha de muita da

informação pretendida.

Voltando à análise dos dados, com cinco menções, temos a música caboverdiana. Apesar da

morna ser o género musical mais conhecido internacionalmente, em parte pela fama da cantora já

falecida, e diva nacional, Cesária Évora, outros como o funaná ou a coladeira são relativamente bem

conhecidos, em particular onde a diáspora caboverdiana está presente:

As praias! Essa é a primeira, mais as praias e o sol! (...) Pode ser também a cultura, particularmente amúsica... CTHRNB25

Quem são então os entrevistados que apontaram a música como fator determinante? São

praticamente todas mulheres trabalhadoras, tanto empregadas (26%) como trabalhadoras por conta

própria (5%), sem nacionalidade, residência, ou escolaridade específica, com a nota de terem entre

20 e 59 anos.

Um dos espaços onde com maior frequência podemos assistir a espetáculos de bandas de

música caboverdiana está localizado mesmo no centro da praça de Sal-Rei, onde uma vez por

semana a esplanada acolhe grupos ao vivo. Naturalmente que existem outros espaços onde se pode

ouvir música caboverdiana ao vivo na Boa Vista, mas na sua maioria só em ocasiões especiais, ou

mesmo durante certos festivais ou festas, por exemplo, no polivalente "DjiDjung".

O prato gastronómico mais famoso do arquipélago é a "cachupa", essencialmente um prato

com milho, feijão, carne, mandioca, batata-doce e couve, pese embora existam vários outros pratos

e iguarias que merecem destaque, tais como a lagosta, o peixe-espada, o atum ou o polvo. Temos

157

VI – Perceções das Motivações em Análise

também de fazer nota das bebidas típicas como o ponche e o grogue (aguardente de cana-de-

açúcar).

Aquando da presença do investigador nas aldeias do "norte" ou interior, mormente em

Cabeça de Tarafes, este teve a oportunidade de provar o localmente denominado "melhor grogue da

Bubista!". Num dos únicos espaços abertos ao público da pequena aldeia, um casal recebe tanto

locais como os poucos turistas que se aventuram naquela povoação remota. Denominada

comummente por loja, estes espaços não são exatamente cafés nem mercearias, mas nele podemos

adquirir ou consumir produtos alimentares, bebidas frescas e até o dito grogue caseiro. No caso

específico da loja referida, a hospitalidade dos seus proprietários é sem dúvida também um exemplo

digno da morabeza que os nativos da ilha apregoam.

O almoço foi de rei. A (…) fez sopa e galinha no forno com batatas. Fomos acompanhados por um jovemda família com cerca de dez anos cuja presença foi justificada como 'havendo espaço sempre para maisum da família ou amigos'! O senhor (…) pai do (…) e eu estivemos a falar sobre tradição e agricultura nailha. Mostrou imenso orgulho pelas suas produções, alguns objetos e técnicas agrícolas que os 'jovens jánão sabem nem querem saber'! A conversa foi acompanhada por grogue e mais alguns vizinhos, no entanto, fiquei-me por um par decervejas, caso contrário, ao ritmo que consomem grogue, não me lembraria de nada para além dosprimeiros trinta minutos. Entretanto, aparece na loja um casal de turistas franceses que haviam alugado um carro e andavam aexplorar a ilha. Com as voltas haviam gasto alguma gasolina e estavam preocupados que não chegasse.Afirmámos que só havia gasolineiras em Sal-Rei [a hora e meia] ao que os turistas boquiabertosafirmaram enquanto gesticulavam 'Mas isso é de doidos!' Sim, estamos longe de Paris... pensei eu. À tarde fomos de mota para Fundo das Figueiras. Por três vezes tivemos de desmontar e empurrar a motoaté que (…) desistiu e encostou a moto na berma e seguimos o caminho a pé. A distância era de apenas 15minutos a pé e, sendo a única estrada aquela, a moto estava em segurança. (…) Foi um dia em cheio ondea cereja no topo do bolo foi provar o famoso 'melhor grogue da Boa Vista' em Cabeça de Tarafes! (DC,25/11/2012)

Também noutra aldeia do interior, em Fundo das Figueiras, outros restaurantes e lojas têm

prosperado com as visitas de turistas em passeios organizados, pese embora que sejam apenas um

punhado deles, concretamente aqueles que conseguem garantir aos operadores turísticos a qualidade

de serviço procurada pelos seus clientes. Nas aldeias da Boa Vista, ao contrário da cidade de Sal-

Rei, os restaurantes pertencem e são geridos por "fijos da bubista", gente nativa:

É o típico! Calmo, vem aproveitar o Sol, as praias, comida é boa... mesmo a, como posso dizer... odiálogo entre as pessoas! As pessoas muitas vezes vão e voltam! FFMRNB38

A gastronomia é então um fator cultural determinante apenas para dois indivíduos,

masculinos, cabo-verdianos, de meio urbano, ambos empregados, entre os 20 e 29 anos, com o

ensino preparatório ou secundário. Portanto um perfil extraordinariamente preciso.

158

VI – Perceções das Motivações em Análise

Perceção da Motivação: Tranquilidade

Como será claro, por tranquilidade os entrevistados entendem o ritmo lento e sem distúrbios

que a ilha da Boa Vista possui, em parte pela reduzida população e pela distância entre os povoados

e os resorts turísticos. Ainda assim, também aplicável àqueles que optam por pernoitar na vila de

Sal-Rei pois apesar de ser um centro urbano, a sua reduzida área geográfica, tráfego, e

infraestruturas, mantêm um espaço agradável e sem sobressaltos, como criminalidade violenta ou

algum tipo de distúrbios à ordem:

Eu acho que são as praias, temperatura, os desportos náuticos… também por causa da tranquilidade e dapaz que aqui tem. Aqui é um país muito tranquilo. Aqui dizem ‘Cabo Verde no stress’ né!? URHRNB31

Acho que principalmente por questões de tranquilidade. Por que praias, eu falo com os meus amigos, hámuitas outras praias mais bonitas e com infraestruturas. (…) É a paz, a tranquilidade. Ver coisas novas,novo, virgem, você quer aquele toque primeiro. JGHRNB41

Cabo Verde é tipo, o primeiro é o lema: 'no stress'. A tranquilidade que temos e o sorriso de orelha aorelha, e o mar! URHRNB33

A tranquilidade existe em abundância nesta ilha, para alguns até é "tranquila em excesso"!

Ou seja, entre os estrangeiros que residem na ilha, nomeadamente, entre os membros das

comunidades italiana e portuguesa com os quais o investigador travou conhecimentos e até

amizades, surgiam comentários desta natureza. Sem dúvida comentários que exprimem desilusão,

pelo facto de não existirem muitas alternativas de entretenimento para quem reside na ilha. Um

exemplo, talvez, extremo de tentativa de entretenimento por parte destas duas comunidades é a

prática de golfe numa zona de areal plana e consistente.

No entanto, de acordo com as perceções recolhidas, é inquestionável que esse é o tipo de

tranquilidade que os turistas procuram, sobretudo quando, no caso dos clientes dos resorts, estes já

encontram “tudo o que podem necessitar” onde estão hospedados:

Tem muito espaço onde o turista pode passear... tem calma, ainda. O turista vem para descansar, tem todoo silêncio do mar, envolvendo uma paisagem natural ainda. Penso que é isto que trás os turistas... e aprópria Morabeza dos boavistenses para aqueles turistas que a quiserem experimentar! URMRNB46

Para além disto é tranquilo! As pessoas são relativamente tranquilas e quando estamos cá algum tempofazemos amigos. URHREB68

Eu pergunto realmente... uma ilha como Boa Vista, muitos turistas procuram tranquilidade, ao pé do marmas que seja tranquila. Depende de onde vêm. (...) Pessoas mais reformadas que compram terreno e casaaqui, por isso eu relaciono com tranquilidade. A Boa Vista é tranquilidade! Porque as condições para umapessoa que vem de um país como Reino Unido e as condições da Boa Vista são completamentediferentes! URHRNOI30

Para mim é porque tem um bocadinho de paz! (...) É espaço, sossego e o clima também! BFHRNB95

159

VI – Perceções das Motivações em Análise

A tranquilidade emerge nos discursos de elementos de todos os grupos pelo menos acima

dos 25% (no caso dos nativos de outras ilhas do arquipélago) chegando mesmo aos 29% (entre os

estrangeiros residentes), sendo mais valorizada no meio rural do que urbano mas apenas por

reduzida margem de 4%. Entre os homens (29%) ligeiramente mais que entre as mulheres (com

menos 5%). Ainda com ligeira diferença de 2%, são os Europeus, que valorizam mais a

tranquilidade (com 29%) que os nacionais.

As variáveis restantes já têm uma diferença mais demarcada, como é o caso da situação

profissional. Os dados demonstram que são os desempregados que menos valor dão à tranquilidade

(com apenas 17%), seguidos dos empregados (mas já com 24%), muito distantes dos trabalhadores

por conta própria (36%) e reformados (33%) com percentagens a partir de um terço.

Já a escolaridade parece indicar que quanto maior o nível maior importância se dá a este

fator, mas deve-se destacar que os licenciados dão menos importância que os indivíduos com o

ensino secundário; ainda assim, no geral, todos entre os 21 e os 31%.

Finalmente temos a faixa etária, cujos dados são um tanto caricatos. Temos uma média dos

indivíduos entre os 20 e os 49 anos que varia entre os 29 e os 35%, mas logo seguidos de um nulo

para os indivíduos entre os 50 e 59 anos, e de uma acentuada subida para as idades seguintes (17 e

20% respetivamente). Ainda que pudéssemos apontar para uma tendência de maior referência para

os mais novos, esta oscilação profunda exige ponderação e, por tanto, não merece que se retire

ilações perentoriamente. A análise a estes valores parece confirmar que a tranquilidade é

preponderante, de forma geral, sem grandes distinções sócio-demográficas.

Perceção da Motivação: Propaganda

O fator seguinte é a "Propaganda", ou seja, a eficiência e eficácia do marketing e

publicidade que, tanto operadores e agências, como Governo, foram e são capazes de manter de

forma a garantir que potenciais clientes não estejam ignorantes à Boa Vista como destino de férias.

Propaganda essa que apontam à capacidade das agências de viagem de vender um produto

apresentado como novo:

Vêm mais pessoas porque conhecem a Boa Vista pelos media, as agências turísticas fazem chegar mais.Há mais passagens. O aeroporto desenvolveu-se. É bem vendida... há um impacto natural! URHREB35

Falta de conhecer! Turistas vêm na Boa Vista para conhecer a terra! Aquela que é a importância deturistas! URHRNO49

160

VI – Perceções das Motivações em Análise

(...) procurar outros destinos, por curiosidade... novos voos não é?! Temos um potencial enorme emtermos de natureza! (...) Poucas pessoas conhecem devidamente a ilha da Boa Vista e com certeza é umailha que tem um potencial enorme ao nível paisagístico! URHRNB27

Neste momento, no meu ponto de vista, os turistas que vêm para cá para conhecer um destino novo eaproveitar o produto sol e praia! JGHRNB31

Temos portanto um esforço publicitário, de marketing, encabeçado por empresas

estrangeiras, também mais valorizado por nativos desses países estrangeiros e empresas que

trabalham na atividade turística. É, sem dúvida, determinante o esforço de propaganda que tanto

empresas privadas como até o próprio Governo têm promovido de modo a cativar a atenção de

milhões de potenciais turistas. Por outro lado, este esforço é também criticado negativamente pois,

apesar dos seus resultados positivos, sugere-se que os meios são duvidosos:

São fotografias mal tiradas, enganam as pessoas, de pessoas sentadas nas agências de viagens! (…) Masas pessoas dizem já tive no Egito, no Brasil, quero um sítio barato que não seja o Brasil que já vi 3 vezese à República Dominicana… Existem pessoas que vêm por que querem conhecer Cabo Verde, pronto,tem uma vantagem por que tens um pé em África mas ainda não é bem África. URMRNB27

Não sei, acho que é um sítio estranho! Eu penso que muita gente até ir à agência nunca ouviram falar dailha! (...) Acho que é isso, ficam curiosas com um país que nunca ouviram falar! (...) Acredito quetambém haja muita publicidade enganosa! URMRNB27

A ilha da Boa Vista é ainda um destino considerado novo, aliás, todo país à exceção da ilha

do Sal, é considerado um destino novo, e essa é a imagem que se procura passar na propaganda da

ilha e do país. Uma promoção imagética recheada de belas paisagens que precipitam os sentidos

para uma imagem errónea da realidade, simplificando-a:

As imagens turísticas mascaram o mais desagradável e desta forma constroem seletivamente a realidade,convertendo-a num produto mais apelativo e sugestivo. O discurso turístico pauta-se pela seleção edescontextualização e apoia-se na exaltação e no exagero de certos traços do destino.Concomitantemente, ignora e silencia o que considera não dever fazer parte da atenção turística. Assim,mediante a informação que é incluída e excluída, a imagética turística providencia uma certa forma de vero mundo. (Santos, 2008:3)

Naturalmente que esta citação não é referente apenas ao caso de Cabo Verde ou da Boa

Vista, mas a autora procura chamar a atenção para o arquipélago no seu estudo de caso onde acaba

por referir esta problemática, assim como tocar em vários dos fatores motivacionais aqui já tratados,

como a natureza, a paisagem e a morabeza (cultura). Este trabalho sugere como a imagética

escolhida no discurso sobre este destino molda a forma de o ver, tanto externa como internamente,

criando e/ou reforçando certas características em detrimento de outras. Recomenda-se a quem

estiver mais interessado, uma leitura atenta do seu trabalho sobre a imagética turística e o caso de

161

VI – Perceções das Motivações em Análise

Cabo Verde.

Regressando aos dados recolhidos, a propaganda parece ser sobretudo preponderante para os

indivíduos entre os 20 e os 39 anos e de meio urbano, com ligeiro acentuar para os homens e

curiosamente irrelevante apenas para os reformados.

No que toca à nacionalidade, esta não é de todo diferenciadora (14% para nacionais e 13%

para estrangeiros) ao contrário da escolaridade, cuja tendência é de maior relevância à medida que a

escolaridade é também superior, com exceção do ensino preparatório (7% face aos 11% do primário

e 13% e 17% do secundário e superior, respetivamente). Em termos de grupo, tanto os residentes

estrangeiros (21%) como os operadores (18%) dão uma importância significativamente superior

face aos restantes (12% para nativos da ilha e 8% para nacionais que migraram para a ilha).

Perceção da Motivação: Hotelaria

O crescimento da capacidade de alojamento depende das infraestruturas que localmente

conseguem alojar e entreter os turistas no terreno. Falamos de hotéis, residenciais, pensões etc., e o

fator seguinte é precisamente a infraestrutura hoteleira, ou Hotéis, com onze menções. Colocamos

aqui excertos de entrevistas onde são apontadas algumas dessas infraestruturas preponderantes:

Temos praia, temos sol 365 dias do ano. Temos clima e há condições, há hotéis, há aeroporto e há asagências turísticas. URHRNB36

Esses hotéis [resorts] têm proporcionado aos seus clientes grandes momentos de lazer e de prazer!Quando saem daqui vão satisfeitos porque o dinheiro foi bem empregue. URHRNB48

De acordo com os dados disponíveis no Instituto Nacional de Estatística de Cabo Verde

(INE-CV), o crescimento da infraestrutura hoteleira na ilha da Boa Vista é claro. Se no fim da

década de 1990 existiam apenas seis unidades hoteleiras na ilha, em apenas dez anos o número total

ascendeu às vinte. Naturalmente que nem todos os hotéis se enquadram na categoria de hotéis

resort com capacidade para albergar turistas em larga escala.

Daí ser importante recordar que apenas em 1997 foi aberto o primeiro hotel de quatro

estrelas na ilha, e à data considerado o melhor do país. O Marine Club Beach Resort não era, nem é

hoje, um hotel com regime tudo-incluído e as suas unidades são semelhantes a bungalows num total

de 34 moradias e 98 quartos.

Este hotel foi o grande responsável pelo desenvolvimento do turismo estrangeiro de forma

consistente e crescente na ilha, ainda que quase exclusivamente proveniente de Itália. Vários dos

162

VI – Perceções das Motivações em Análise

residentes de origem estrangeira, hoje também com nacionalidade caboverdiana, assim como

nativos da ilha, iniciaram funções neste hotel ou em outras empresas dependentes e vieram a tornar-

se grandes empresários da ilha:

A Boa Vista era uma ilha que encantava, porque a diferença do Sal e a Boa Vista era grande. Na alturahavia 230 camas na ilha, quase todas no Marine Club, numa superfície de 650 km2 com pequenas aldeiasapenas habitadas por caboverdianos. Vivia-se uma atmosfera local em contacto com os caboverdianos.Era como uma pequena aldeia e mudou muito... URHREB37

Cheguei cá e me apaixonei totalmente desde o primeiro dia, da ilha... os ambiente, as pessoas. E na épocaa ilha era formada mais por pessoas da Boa Vista mesmo. Locais, criadas da ilha. E por isso foi talvezmais fácil entrar na comunidade, socialmente, na ilha. Foi bom, foi fácil. Encontrei um povo alegre, feliz,muito lindo... embora não havia muito em termos de serviços e... lojas, infraestruturas... as pessoas viviambem, e se calhar melhor que hoje! (...) Me apaixonei pela Morabeza! (...) Na época havia mais ou menos2500 pessoas, não havia esse bairro da barraca. Não havia nada disso! URHREB35

O povo começou a trabalhar mais em relação ao turismo, porque na época, quando cheguei cá, as pessoasque trabalhavam no turismo eram apenas as do Marine Club. 100 famílias, 150 empregados. Tínhamos 19estrangeiros em toda a ilha, destes, 15 italianos e os outros de outros países, Bélgica, Suíça, França... ehavia várias pessoas que passavam cá 6 meses de férias e 6 de trabalho. URHREB35

A este hotel seguiu-se um segundo, de dimensões superiores, apenas em 2007, o Ventaclub,

com capacidade para 900 turistas, cuja abertura foi adiada devido aos atrasos na construção do

aeroporto internacional e que na altura forçaram a empresa a dispensar centenas de funcionários até

que este estivesse terminado. Na verdade, foi a inauguração nesse ano do aeroporto internacional

Aristides Pereira que permitiu que novos investidores apostassem na ilha. Daí que apenas alguns

meses depois fosse inaugurado o RIU Karamboa com 750 quartos e capacidade para mais de dois

mil hóspedes, empregando mais de um milhar de pessoas.

Esta cadeia hoteleira internacional, a RIU, viria ainda a construir um segundo hotel na

mesma ilha, de seu nome RIU Touareg, no ano de 2011. Com 881 quartos é mais um hotel de cinco

estrelas com o regime tudo-incluído cujo valor total do investimento rondou os 120 milhões de

euros, solidificando assim a posição da cadeia no país, totalizando mais de 2600 quartos em cinco

hotéis.

Estes números incríveis podem ser agregados aos de outros hotéis de regime idêntico, como

o Iberostar ou o Royal Decameron (antigo Ventaclub), de modo a mostrar os valores totais do

turismo na ilha volvidos todos estes anos. Como é visível no quadro abaixo, o número total de

quartos passa de menos de 600 em 2007, para mais do dobro após a abertura do aeroporto

internacional. Valor que em cinco anos quase duplica.

163

VI – Perceções das Motivações em Análise

Um outro número digno de nota é a capacidade de alojamento, sobretudo se considerarmos

que a ilha hoje tem mais camas disponíveis para turistas que habitantes à dez anos! Estas unidades

hoteleiras, lideradas pela cadeia RIU, conseguem alojar mais de cinco mil pessoas por dia, o que

significa em termos práticos que, semanalmente, passam pelo aeroporto internacional pelo menos

esse número de turistas. Isto porque, por norma, estes clientes adquirem o pacote semanal de férias.

Antes de passarmos à análise dos dados recolhidos nas entrevistas ficam aqui algumas notas

do diário de campo do investigador sobre estes hotéis:

'Chegámos' pouco faltava para as 14 horas locais. Depois do check-in normal com as suas filas, e do outrocheck-in no hotel, do almoço e de arrumar as coisas no quarto dei uma volta ao complexo. Uma estruturarecente com jardins e com uma bela vista para o mar de água clara e de temperatura morna abraçada porum areal fino, branco e solto que nos é regado pelo vento. Molhei os pés na água, contei os turistas noareal e no mar e voltei-me... o meu hotel no seu leve tom claro e pacífico destoa com os pequenos montesde pedra vulcânica rude e desolada. A piscina e o bufete são muito procurados. Nas traseiras, os campos desportivos e os estaleiros earmazéns são a última ponta de cimento antes dos prados arenosos, rochosos e áridos da ilha da BoaVista. (DC 5/5/2012)

Se a infraestrutura hoteleira é um fator motivacional de nota entre aproximadamente 10%

dos entrevistados das três faixas etárias mais novas, os valores parecem crescer à medida que as

mesmas avançam, já que 14% dos entrevistados entre os 50 e 59 anos de idade o mencionam, e

cerca de 33% dos entrevistados entre os 60 e 69 anos. No entanto, esta curva é bruscamente

164

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 20130

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

Evolução do Número de Quartos na Boa Vista (2002-2013)

Boavista

Figura 6.1: Evolução do Número de Quartos na Boa Vista (2002-2013)

VI – Perceções das Motivações em Análise

interrompida pelo nulo dos entrevistados com 70 ou mais anos de idade.

Com valores praticamente idênticos, género e nacionalidade, não parecem ser determinantes

no perfil dos entrevistados em causa, uma vez que variam entre si em 1% ou 2%, respetivamente, ao

passo que os indivíduos de meio urbano (13%) parecem mais atentos à mesma que aqueles de meio

rural (7%).

Também esclarecedores são os dados referentes ao nível da escolaridade. Estes sugerem que

quanto maior o nível, menor a incidência da perceção, isto pois o valor mais elevado é daqueles

com o ensino primário (16%), bem acima dos 7% do ensino preparatório, e dos valores dos

restantes níveis de escolaridade, cuja média é de 12%.

Em termos de situação profissional, 17% dos reformados, 14% dos trabalhadores por conta

própria, e 11% dos empregados apontaram para a infraestrutura hoteleira, ao passo que os restantes

a ignoram. Finalmente, os residentes estrangeiros (8%) e naturais da Boa Vista (7%) parecem

atribuir menos importância a este fator que operadores (18%) e residentes de outras ilhas (25%).

Perceção da Motivação: Desporto

Entre as atividades mais praticadas pelos primeiros turistas da ilha, franceses e italianos, isto

entre as décadas de 1970 e 1990, sem dúvida que o desporto aquático era uma das mais procuradas,

particularmente o surf e a pesca. Esta procura deixou a sua marca na comunidade local, já que os

visitantes estrangeiros eram em menor número e quase forçosamente interagiam constantemente

com os habitantes locais:

O mar, o sol, a praia! Isso é o que se sente constatado durante os tempos. Começou com os franceses aquimesmo na praia do Estoril, vinha com esses, para fazer surf, essas pranchas. Há mais de vinte anos, porcausa do vento. (...) Isto logo em 1978, a minha mãe emigrou para Itália em 1979 e já havia esta atividade. (...) Não vinhamem grande número. Antigamente um pescador via um branco e dizia "Olha, amanhã já vai haver vento!".As pessoas já sabiam quando era a época de vento porque eles vinham para cá. URHRNB46

No caso da pesca, este serviço foi explorado sobretudo por italianos e para turistas italianos.

Memórias, comentários e lembranças de grandes pescarias podem ser encontradas, por exemplo,

nas paredes de um restaurante da praça de Sal-Rei, o "Cá Santinha". Hoje, este serviço ainda está

disponível, mas, segundo os locais e estrangeiros, o peixe está mais difícil de apanhar devido à

elevada procura para consumo:

Aqui nós temos coisas especiais! Temos duas coisas daquelas mais especiais que os turistas procuram, Sole Mar! Ou Sol e praia, mas temos outras coisas... temos pesca (...)! URHRNB48

165

VI – Perceções das Motivações em Análise

Atualmente existe toda uma panóplia de desportos náuticos que podem ser praticados nas

praias e nas ondas da Boa Vista, do kite e windsurf, ao skimming, bodyboard à pesca submarina.

Mas também em terra existem alternativas. Falamos concretamente da ultra-maratona internacional

da ilha, que já vai na sua 13.ª edição e que consiste numa corrida de resistência de 150km que

atravessa boa parte da ilha e que conta com a participação de dezenas de atletas de vários países na

categoria 'sem limite'.

Ora as faixas etárias com valores mais elevados nesta perceção encontram-se entre os 40 e

os 69 anos, sendo que a média das três faixas ronda os 15%, bem acima dos 5% entre os 20 e os 39

anos e do nulo dos entrevistados com 70 ou mais anos de idade. Uma nota pertinente é que, ao

contrário do que seria de esperar, a variável da idade aponta para que o desporto seja mais

determinante para as faixas etárias dos 40 aos 69 anos!

O género masculino (9%) supera o feminino (8%) pela margem mínima, ao passo que os

entrevistados de nacionalidade estrangeira (19%) superam largamente os nativos de Cabo Verde

(5%) que parecem quase ignorar o desporto como fator atrativo.

Todos os que mencionaram esta perceção habitam em espaço urbano e, à exceção de um

entrevistado com o ensino preparatório (5%), todos têm o ensino secundário (25%) ou superior

(7%). São os reformados (17%) e os desempregados (17%) que apresentam os valores mais altos

por situação profissional, seguidos por perto pelos empregados (10%). Os restantes não mencionam

o desporto.

Em termos de análise por grupo de residentes, verificamos que os nativos de outras ilhas não

fazem qualquer menção a esta motivação, ao passo que são os residentes estrangeiros (21%) que

mais a valorizam, bem acima tanto dos operadores (9%) como dos nativos da ilha (7%). São os

estrangeiros e os operadores que mais valorizam este fator porque em grande medida são os que

mais a praticam, mas também que dela dependem. É curioso, no entanto, que sejam os adultos mais

velhos que mais importância dão ao desporto.

No caso dos operadores, são vários os pacotes disponíveis para turistas, tanto dentro como

fora dos resorts, já para não falar das várias escolas de surf e serviços semelhantes que operam nas

praias junto a Sal-Rei, e que, apesar de pertencerem a estrangeiros residentes, são nativos da Boa

Vista que nelas trabalham.

Perceção da Motivação: Proximidade166

VI – Perceções das Motivações em Análise

A “Proximidade”, como será claro, aponta para a proximidade geográfica da Boa Vista face

ao principal mercado de clientes, a Europa. É um fator importante na escolha do destino em causa e

é englobada na categoria económica pois, grosso modo, existe uma interdependência entre a

distância e o custo das férias. Daí que este destino apresente preços bastante competitivos:

Primeiro, a beleza das praias, também o mar limpo e o sol, uma ilha muito quente... o voo, cinco horas emeia da Europa à Boa Vista. E também, apesar de algum desenvolvimento turístico, ainda há muito porfazer! URHREB37

Penso que a ilha da Boa Vista e as outras ilhas em geral são bons destinos porque não é muito longe daEuropa. Cinco ou seis horas da Europa de avião. Praticamente não há diferença de fuso horário, só duasou três horas. Não é muito! URHREB68

Uma das vantagens é os voos charter de ligação. URHREB68

A proximidade é importante para indivíduos de meio urbano, com pelo menos o ensino

preparatório, apesar da faixa etária não parecer determinante (devido a profundas variações). O

género masculino (10%) destaca-se face ao feminino (5%), e os dados mostram que é extremamente

determinante para os indivíduos de nacionalidade europeia (24% dos mesmos referiram a

proximidade muito acima dos 4% dos nativos do país). Isso confirma-se quando olhamos para os

grupos, onde 36% dos estrangeiros residentes referiram também este fator, muito acima dos 9% dos

operadores e dos 3% dos autóctones da ilha.

Apesar da surpreendente reduzida atenção dos operadores dada a este fator, não deixa de ser

claro que são os estrangeiros que maior importância lhe atribuem, visto que são eles que se

deslocam e, também por isso, reconhecem o salto qualitativo e quantitativo que a ilha deu com a

expansão do aeroporto para a categoria de aeroporto internacional, permitindo mais voos, mas

também, "melhores voos", ou seja, com pistas capazes de suportar aviões maiores e igualmente

mais confortáveis para os turistas.

Não se deve minimizar a importância do aeroporto internacional. Apesar da proximidade

geográfica, o sucesso do destino está mais intimamente ligado ao aeroporto e uma outra prova disso

é que, até à expansão dessa infraestrutura, o destino era apenas procurado por quem estivesse

disposto a apanhar um segundo avião e perder dois dias de férias em viagens dentro do arquipélago.

O aeroporto internacional é também importante para os outros voos internacionais com ligação à

Europa que não são charter, ou fretados especificamente pelos operadores e agências ligadas

contratualmente aos resorts localizados na ilha. Estes permitem a sobrevivência e crescimento de

muitos pequenos hotéis e residenciais na Boa Vista, mas também de outros negócios como o

167

VI – Perceções das Motivações em Análise

imobiliário ou o comércio.

Perceção da Motivação: Estabilidade

Segue-se a Estabilidade (política e social). Apenas quatro entrevistados consideram que a

estabilidade política e social da jovem democracia multipartidária do país é determinante na decisão

dos turistas em visitar a Boa Vista:

(...) O estado social é estável o que faz com que os turistas venham a Cabo Verde. Em termos políticos esocial. URHRNB48.

Com a abertura do mercado à influência internacional em 1991, e a oficialização da

Constituição de 1992, o país tem gozado de uma estabilidade política e social que se tem reforçado

com a gradual melhoria das suas condições e qualidade de vida. Prova disso mesmo é a ascensão de

Cabo Verde a país de médio desenvolvimento, grau atribuído pelas Nações Unidas em 2008, bem

como, uma rotatividade no Governo entre os partidos PAICV e MPD.

O clima político é determinante para indivíduos de meio urbano que trabalham (seja por

conta própria ou de outrem), e que têm entre 30 e 49 anos de idade. São ainda nativos da ilha e têm

pelo menos o ensino preparatório, sendo que nem o género nem a nacionalidade são determinantes.

Perceção da Motivação: Biodiversidade

O fator menos referido foi a "Biodiversidade", isto é, a riqueza que o ecossistema natural da

ilha detém. Conta apenas com três referências, ou três entrevistados, a listar tal característica como

determinante na escolha dos que visitam a ilha da Boa Vista:

Em termos de clima e paisagem marítima e… a natureza marinha, baleias, tartarugas, é a ilha porexcelência. URHRNB36.

A Biodiversidade é parte integrante do trabalho desenvolvido por técnicos especializados,

em particular biólogos estrangeiros e voluntários locais, que desenvolvem projetos de conservação

de algumas espécies, nomeadamente as apontadas na citação anterior, ainda que possamos

acrescentar algumas espécies de aves migratórias. Estes trabalham, na sua maioria, em duas

organizações não-governamentais, a "Natura2000" e a "Turtle Foudation", mas também, em

gabinetes governamentais localizados no terreno:

Fui ao acampamento da Natura2000 no Lacacão. (…) Há um elevado número de estrangeiros, quasetodos espanhóis das Canárias. Parecem ser cerca de 16 estrangeiros e 10 nacionais. O acampamento temuma tenda central e nas traseiras outra onde se dorme. Entre a praia e o acampamento há uma vasta área

168

VI – Perceções das Motivações em Análise

de lama. Um percurso de duzentos metros onde o perigo de escorregar para o lamaçal está bem presente.A praia em si não tem nada de particular em termos de beleza. Algumas rochas e um areal curto. A mais valia é mesmo ser lugar de nidificação das tartarugas. Pelas 21 horas até às duas da manhã, váriasequipas de três elementos patrulham a praia procurando os rastos das patas das tartarugas. Após a desovaelas são medidas e o lugar do ninho é marcado para proteção. Existe até um espaço, ao fundo da praia,onde são transladados os ninhos para uma proteção mais eficiente.As luzes permitidas são apenas as vermelhas e a roupa obrigatória é escura. Temos ainda de andaragachados para não perturbar a nidificação. Qualquer luz, vulto ou movimento suspeito e as tartarugasinterrompem o processo em definitivo. Todo o cuidado é pouco, mas... de nada serve falar baixo como euestava a fazer para comunicar com os elementos da equipa que acompanhei... as tartarugas são surdas! Os turistas chegam em vários veículos com seus faróis camuflados de vermelho por plástico. Vêm emsilêncio e após uma explicação do processo da visita são criados grupos que separadamente vão para apraia aguardar uma oportunidade de ver de perto a nidificação.O céu estava limpo e as estrelas pareciam multiplicadas. O único clarão de luz artificial distinguível nohorizonte era o do hotel Riu Touareg. Não surpreende que muitas tartarugas acabem perdidas, desidratasou caçadas na costa. A luz artificial é tão potente que, apesar da distância, confunde-as. (DC12/8/2012)

Dado o frágil ecossistema da ilha da Boa Vista e o já longo trabalho desenvolvido por estas

organizações para a formação e alerta da importância da sustentabilidade ambiental das espécies e

dos seus habitats naturais, não deixa de ser surpreendente o reduzido número de menções obtidas.

Aqui, todos os entrevistados eram homens residentes em meio urbano e estavam

empregados, com idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos, e com pelo menos o ensino

secundário sem, no entanto, que fosse determinante a sua nacionalidade. Deve-se notar que apenas

os nativos da ilha e os residentes estrangeiros consideraram a "Biodiversidade" como determinante.

2. Perceção e Tendências Sócio-demográficas

Vejamos agora se podemos encontrar algumas tendências reveladoras ao interpretar os dados

cruzados transversalmente da perceção motivacional e das características sócio-demográficas dos

entrevistados88.

Comecemos então com o género. Uma leitura transversal mostra uma tendência interessante

onde o género masculino é o que mais fatores identifica independentemente do que é percecionado,

chegando mesmo ao ponto de ser o único a considerar o fator "Biodiversidade", como já fizemos

referência.

Se ao recordarmos a análise anterior, podemos verificar que em cinco fatores a diferença é

de apenas mais 5% para os homens, e noutras três essa variação é igual ou inferior a 2%, é ainda

assim inegável que o género masculino parece mais atento quantitativa e qualitativamente aos

fatores que motivam os turistas a visitar a ilha da Boa Vista, ainda que nestes casos, por margem

reduzida. Contrariamente, uma última leitura revela que nos dois fatores mais mencionados as

88 Todos os resultados encontram-se no CD-Rom em formato de Excel, no Anexo C.169

VI – Perceções das Motivações em Análise

distâncias entre os géneros são as maiores atingindo uma variação de 9% no fator "Natureza" e uns

significativos 14% no fator "Clima". É pertinente reforçar que o género é, sem dúvida, uma variável

reveladora entre os entrevistados.

No que se refere à nacionalidade, os dados mostram uma predominância quantitativa dos

não caboverdianos, denominados de Estrangeiros. Dos dez fatores motivacionais apontados pelos

entrevistados, sete são dominados por este grupo, no entanto, em cinco destes as variações são

inferiores a 4%, e nas restantes duas (desporto e proximidade) estas oscilam entre os 14% e os 20%

(respetivamente)! Os nacionais do arquipélago caboverdiano apenas apresentam dados superiores

nos fatores clima, cultura e infraestrutura, sendo que deste, o único que tem dados superiores a 4%

de variação é o clima com 8%.

Isto sugere que os nacionais de Cabo Verde são, em termos absolutos, menos capazes de

apontar fatores motivacionais, ainda que se deva notar que estes têm maior superioridade percentual

face aos estrangeiros no segundo e terceiro fatores mais mencionados (clima e cultura). Esta

referida menor capacidade de encontrar fatores que motivam a deslocação de turistas estrangeiros

poderá residir no facto de os nativos europeus serem precisamente oriundos da região emissora dos

turistas, a Europa, e assim deter maior capacidade de descortiná-los.

170

Natureza

Clima

Cultura

Tranquilidade

Propaganda

Hotelaria

Desporto

Proximidade

Estabilidade

Biodiversidade

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Perceção das Motivações por Género

Feminino

Masculino

Percentagem Interna

Mo

tiva

ção

Figura 6.2: Perceção das Motivações dos Turistas por Género

VI – Perceções das Motivações em Análise

Em certa medida tal pode ser confirmado ao analisarmos a perceção por Grupo de

Residência, onde os Residentes Estrangeiros da Boa Vista apresentam percentagens superiores a

qualquer outro grupo em seis fatores, ainda que no caso de em quatro destes fatores a vantagem seja

mínima face ao grupo dos Operadores (este com maioria de elementos estrangeiros, 7/11).

Na verdade, os Operadores são os claros líderes das menções ao fator clima onde, como já

foi referido, apresentam valores bem mais elevados que qualquer outro grupo. Apesar de apenas

liderarem neste fator, em pelo menos outras sete circunstâncias encontram-se numa segunda

posição, ainda que no caso da cultura e tranquilidade estejam ex-aequo com os Residentes Naturais

da Boa Vista.

Entre os nativos de Cabo Verde, os provenientes de outras ilhas apenas superam os restantes

grupos nas menções à infraestrutura e à cultura e, entre os nativos da Boa Vista, em nenhuma

circunstância conseguem superar os restantes grupos. O que serve apenas para confirmar o claro

domínio de estrangeiros e operadores face aos restantes grupos no que se refere à perceção

motivacional.

171

Natureza

Clima

Cultura

Tranquilidade

Propaganda

Hotelaria

Desporto

Proximidade

Estabilidade

Biodiversidade

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Perceção das Motivações por Nacionalidade

Caboverdianos

Estrangeiros

Percentagem Interna

Mo

tiva

ção

Figura 6.3: Perceção das Motivações dos Turistas por Nacionalidade

VI – Perceções das Motivações em Análise

Uma variável de leitura transversal que tem particularidade interessante é sem dúvida ao

espaço de Residência. Quantitativamente, são os habitantes de espaços urbanos que mais fatores

lideram, sete em dez possíveis, chegando mesmo a ser os únicos nos quatro fatores menos

mencionados (Desporto, Proximidade, Clima Político, e Biodiversidade), e a liderar por larga

margem no caso da Propaganda, da Infraestrutura Hoteleira, e da Natureza. Todavia, em três dos

quatro fatores mais mencionados, Clima, Cultura, e Tranquilidade, são os residentes em meio rural

que atingem maiores percentagens internas. Percebemos que os rurais dominam os fatores sociais,

ao passo que os urbanos são claros dominantes nos fatores de tipo económico e ambiental.

O domínio dos residentes de meio rural nos fatores sociais vai, por um lado, ao encontro da

valorização da tranquilidade dos seus espaços face aos espaços de onde provêm os turistas, e por

outro, da ideia de que são estes que valorizam e preservam a "verdadeira cultura". Como referimos

no ponto anterior, uma ideia claramente enraizada entre os entrevistados, mesmo entre os que

habitavam em meio urbano.

172

Natureza

Clima

Cultura

Tranquilidade

Propaganda

Hotelaria

Desporto

Proximidade

Estabilidade

Biodiversidade

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Perceção das Motivações por Grupo de Residentes

RNB

RNOI

REB

Operadores

Percentagem Interna

Mo

tiva

ção

Figura 6.4: Perceção das Motivações dos Turistas por Grupo de Residentes

VI – Perceções das Motivações em Análise

A Escolaridade é uma característica sócio-demográfica cujos dados não revelam grandes

surpresas. Como será expectável, os melhores níveis de escolaridade, ensino secundário e superior,

apresentam uma liderança em seis dos dez fatores motivacionais, sendo que esta tendência é apenas

quebrada em três outras circunstâncias pelo ensino preparatório, nomeadamente, nos casos da

Natureza, Cultura e Estabilidade, ainda que seja nos primeiros dois que os valores apresentados

disparam bem acima dos outros níveis de escolaridade.

Sem surpresa, o ensino primário apresenta-se quase sempre na última posição, com exceção

dos fatores Propaganda e Desporto, e de uma surpreendente liderança no caso da Hotelaria, ainda

que por ligeira vantagem. Estes dados confirmam que os entrevistados com níveis de escolaridade

mais elevados estão mais atentos aos fatores que levam os turistas à ilha da Boa Vista.

173

Natureza

Clima

Cultura

Tranquilidade

Propaganda

Hotelaria

Desporto

Proximidade

Estabilidade

Biodiversidade

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Perceção das Motivações por Área de Residência

Urbano

Rural

Percentagem Interna

Mo

tiva

ção

Figura 6.5: Perceção das Motivações dos Turistas por Área de Residência

VI – Perceções das Motivações em Análise

No que se refere à Situação Profissional, os dados apontam uma tendência quanto aos

fatores motivacionais que se prende com o facto de o grupo de desempregados ser o que menores

valores apresenta, com exceção do Desporto que divide a liderança com os reformados, chegando

mesmo a ignorar completamente quatro dos fatores, entre eles, a Cultura, um dos mais

mencionados, e a apresentar os valores mais baixos no caso dos fatores Clima e Tranquilidade.

Já os reformados, apesar de ignorarem a Propaganda, o Clima Político e a Biodiversidade,

apresentam valores internos nos restantes fatores acima dos 16%, chegando a encabeçar o fator

Clima, Proximidade e Infraestrutura Hoteleira, demonstrando assim uma atenção consistente aos

fatores motivacionais. Já os trabalhadores por conta própria ignoram o Desporto e a Biodiversidade,

mas de resto, os seus números são elevados em todos os fatores, com destaque para os seis fatores

mais mencionados. Os empregados apenas lideram o fator Biodiversidade e Cultura, mas são os

únicos presentes em todos os fatores, conduzindo sem contestação a Biodiversidade e a Cultura. Os

dados parecem sugerir que os elementos desempregados contrariam a tendência geral e encontram-

se, em larga medida, indiferentes à perceção dos fatores motivacionais.

Finalmente, a Faixa Etária é a característica com valores mais flutuantes, sendo que, ainda

assim, se pode vislumbrar uma tendência onde as faixas etárias mais novas estão mais atentas aos

174

Natureza

Clima

Cultura

Tranquilidade

Propaganda

Hotelaria

Desporto

Proximidade

Estabilidade

Biodiversidade

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Perceção das Motivações por Escolaridade

Primário

Preparatório

Secundário

Superior

Percentagem Interna

Mo

tiva

çõe

s

Figura 6.6: Perceção das Motivações dos Turistas por Escolaridade

VI – Perceções das Motivações em Análise

fatores motivacionais que as restantes. Por exemplo, pelo menos uma das duas faixas etárias mais

novas (20-29 e 30-39 anos de idade) lidera em quatro dos fatores, e encontra-se em segunda posição

ou em igualdade com outra faixa etária em outros quatro fatores.

Existem aqui outras particularidades dignas de nota, como o caso da faixa etária dos 60-69

anos comandar nos fatores Proximidade, Desporto e Infraestrutura, e seguir o líder no caso da

Cultura. Ou seja, os dados apresentam-se dispersos e sem claras tendências, tanto ao nível das

percentagens internas dos agrupamentos de idades, como numa leitura aos tipos de fatores, levando

a considerar que esta variável não será determinante no que se refere à perceção motivacional, com

exceção dos mais jovens que parecem mais enunciadores de fatores motivacionais.

175

Natureza

Clima

Cultura

Tranquilidade

Propaganda

Hotelaria

Desporto

Proximidade

Estabilidade

Biodiversidade

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Perceção das Motivações por Situação Profissional

Empregados

Desempregados

TCP

Reformados

Percentagem Interna

Mo

tiva

ção

Figura 6.7: Perceção das Motivações dos Turistas por Situação Profissional

VI – Perceções das Motivações em Análise

20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 700

10

20

30

40

50

60

70

80

90 Perceção das Motivações por Faixa EtáriaNatureza

Clima

Cultura

Tranquilidade

Propaganda

Hotelaria

Desporto

Proximidade

Estabilidade

Biodiversidade

Faixa Etária

Figura 6.8: Perceção das Motivações por Faixa Etária

3. Os Turistas e as suas Motivações

Ao falarmos da motivação percecionada pelos residentes entrevistados, importa cruzar estas

com as motivações que os turistas declararam nos questionários89. Como descrevemos no capítulo

dedicado à metodologia, a maioria dos turistas viajava pela primeira vez a África (52%) e na sua

maioria pela primeira vez a Cabo Verde (78%), o que por arrasto implica que quase todos

conheciam a ilha da Boa Vista pela primeira vez (93%)! Ora, 40% destes revelaram estar curiosos

com a ilha, 19% optaram pela Boa Vista ao se depararem com a opção na Internet, 16% seguiram

recomendação de anteriores turistas, 13% por confiaram na agência de viagens ou no hotel onde

estavam hospedados e 12% foram sobretudo acompanhar um amigo ou familiar.

Como é visível, não é possível realizar uma comparação direta entre os questionários e as

entrevistas, visto que apresentam categorias diferentes; no entanto, existem semelhanças

interessantes. Desde logo, sendo a opção “curiosidade” abrangente, ao ponto de incluir vários tipos

de curiosidade – pela praia, temperatura, cultura, etc. – podemos inferir que os residentes têm uma

noção muito aproximada das motivações dos turistas. Isto reforça-se no caso da infraestrutura

hoteleira, que para 11% dos entrevistados é um fator determinante na motivação dos turistas; ora,

como os resultados mostram, de facto, 13% dos turistas afirmam que o hotel ou a agência de

viagens foi a principal motivação para a sua escolha.

89 Os resultados encontram-se no CD-Rom, em formato de SPSS, no Anexo C.176

VI – Perceções das Motivações em Análise

Por outro lado, apenas 16% dos inquiridos optou pela Boa Vista por recomendação de

anteriores turistas, o que nos leva a questionar porque assim sucede, questão que retomaremos nos

capítulos seguintes.

Na verdade, a incompatibilidade entre as categorias de resposta dos questionários e das

entrevistas não foi inocente. Dadas as dificuldades da aplicação dos questionários, referidas no

capítulo da metodologia, estes foram o mais possível despidos de opções de resposta de forma a

aplicar os mesmos mais rapidamente, satisfazendo assim uma das exigências dos operadores. Em

suma, este bloco do questionário tem sobretudo uma utilidade comparativa mais fértil quando voltar

a ser aplicado por outros investigadores ou entidades interessadas, no futuro. Pois, resta definir em

que consiste aquela curiosidade. De qualquer forma, os resultados obtidos junto dos turistas revelam

que existe uma elevada curiosidade em conhecer o destino, e em muitos casos a viagem é a primeira

experiência em Cabo Verde e até no continente africano.

Uma outra forma de verificarmos a motivação é através da avaliação que os turistas fazem

da sua experiência. Olhemos com atenção para outros resultados dos questionários aplicados aos

turistas.

No que concerne a avaliação dos turistas quanto à sua experiência nas diversas categorias

colocadas, refira-se o claro predomínio positivo das opções “praia”, “comida”, “hotel” e “gente”,

como de resto o próximo gráfico o demonstra com clareza:

177

VI – Perceções das Motivações em Análise

Ou seja, 77% dos inquiridos afirmou gostar muito da praia, 15% gostou, e apenas 7% se

mostrou indiferente à experiência. Cerca de 39% gostaram muito da comida, 52% apenas gostaram,

7% foi indiferente à comida, e 2% não gostaram. A gente foi avaliada de forma muito positiva

(“gostei muito”) por 41%, e positiva (“gostei”) por 39%, 18% mostrou-se indiferente e 2% não

gostou da sua experiência nesta categoria. Finalmente, um terço dos turistas gostou muito do hotel e

57% gostou, também, cerca de oito mostraram-se indiferentes e, novamente, apenas 2% não

gostaram.

Apesar de 49% ter apreciado os preços, e 17% ter apreciado muito, 16% dos inquiridos

foram indiferentes aos preços ou mesmo não gostaram dos valores cobrados, e, por fim, 2% não

gostaram nada dos preços, é dizer, acharam-nos elevados.

A cidade de Sal-Rei recolheu apenas dois “gostei muito” e vinte e nove “gostei”, sendo que

49% dos inquiridos saiu da ilha com uma avaliação indiferente da capital do ilhéu, 18% afirmaram

que não gostaram, e 2% que não gostaram nada. As aldeias do interior foram muito apreciadas por

6% dos turistas e apreciadas por 21%, ao passo que a maioria, 54%, manifestou indiferença, 16%

não gostou e 3% não gostou nada.

Caminhando para o final, o artesanato foi avaliado com 7% “gostei muito” e 18% “gostei”,

mas 40% dos turistas ficaram indiferentes, 30% não gostou dos objetos e 5% não gostou nada. Os

tours disponibilizados pelos operadores tiveram uma avaliação muito positiva em dezasseis casos

178

Praia Comida Gente Preços Hotel Sal-Rei Aldeias Artesanato Tours0

10

20

30

40

50

60

70

80 Avaliação dos Turistas por Categoria

Não Gostei Nada

Não Gostei

Indiferente

Gostei

Gostei Muito

Figura 6.9: Avaliação dos Turistas por Categoria

VI – Perceções das Motivações em Análise

(16%), positiva em trinta e um (31%), indiferente em quarenta e sete (47%), e não foram apreciados

em seis (6%). Vejamos todos estes dados sintetizados no quadro seguinte:

Sem dúvida que a perceção dos residentes da grande motivação dos turistas ser a praia terá

origem na satisfação que os turistas demonstram desta sua experiência. Igualmente, os hotéis e a

comida neles servida é considerada de elevada qualidade e é da mesma forma um motivo de agrado

para os turistas. Concomitantemente, as gentes que acolhem os turistas são avaliadas de forma

muito positiva. Os resultados apresentados permitem admitir com algum conforto que as perceções

das motivações dos residentes face aos turistas são, grosso modo, e dentro do que é possível

comparar, muito aproximadas.

179

Avaliação Média (1-5) por CategoriaCategoria Média Desvio

Praia 4,69 0,615

Comida 4,28 0,683

Gente 4,19 0,8

Preços 3,63 1,012

Hotel 4,21 0,671

Sal-Rei 3,11 0,79

Aldeias 3,11 0,852

Artesanato 2,92 0,981

Tours 3,48 0,82

Quadro 6.2: Avaliação Média por Categoria

VI – Perceções das Motivações em Análise

180

VII – Impactos Percecionados em Análise

VII – Impactos Percecionados em Análise

Neste capítulo apresentamos e discriminamos os resultados obtidos referentes aos impactos

percecionados pelos entrevistados. Estes estão divididos entre positivos e negativos, e são

acompanhados por uma breve descrição e definição dos mesmos, cruzados com dados ou

experiências recolhidas durante a presença do investigador no terreno.

1. Impactos Positivos Percecionados

Quadro 7.1: Impactos Positivos Percecionados

Os impactos positivos declarados foram onze, sendo que, ao contrário das motivações, os

impactos ambientais (a cor-de-rosa) detêm uma atenção marginal, com apenas três referências em

“Proteção Ambiental”, totalizando apenas 1%. Já os impactos de cariz económico (a verde) ocupam,

sem dúvida, o lugar de destaque com 67% do total das referências. Estes são: “Criação de

Emprego”, “Infraestruturação”, "Melhoria das Condições de Vida”, “Crescimento Económico” e

“Entrada de Divisas”. Se analisarmos com atenção a tabela que quantifica o número de menções,

verificamos que dos cinco principais impactos referenciados, quatro enquadram-se nesse grupo.

Apesar de representados na parte superior da tabela, na terceira posição, a curta distância do

segundo impacto mais apontado, os impactos sociais ocupam um lugar de médio destaque, com

29% das referências totais. Estes são: “Migração”, “Intercâmbio Cultural”, “Aumento dos Níveis

Profissionais e Culturais”, “Revitalização das Tradições” e “Procura por Artesanato”. Tal como se

procedeu no ponto anterior, iniciaremos a análise com os impactos mais referenciados.

182

VII – Impactos Percecionados em Análise

Criação de Emprego

Apesar de um apogeu pontual, a ilha da Boa Vista padeceu de uma periferia de séculos não

só administrativa como também económico-estratégica. A sua comunidade habituou-se ao longo dos

séculos a procurar uma vida melhor nas outras ilhas do arquipélago e noutros países, já que até o

setor primário encontra dificuldades acrescidas devido às suas características climáticas.

Um terreno seco com pouca pluviosidade anual equivale a baixa produção agrícola e a uma

produção pastorícia limitada. São comuns as histórias de migração forçada para fugir à fome e a

outras privações.

Desde a sua independência, Cabo Verde tem elevado o seu nível alfabetização e literacia, e

até recentemente, por causa das limitadas infraestruturas escolares, apenas algumas dezenas de

jovens locais terminaram estudos superiores com e sem o apoio da Câmara Municipal, Governo e

privados. Mas, uma vez formados, encontrar uma oportunidade de trabalho na sua ilha natal

revelava-se extremamente complicado.

Com o impulso da construção de infraestruturas para o turismo, e a chegada de novas

empresas à Boa Vista, o cenário hoje é quase o oposto. Em menos de vinte anos a economia local

fervilha e são inúmeras as oportunidades para trabalhar na ilha, tanto para locais como para

estrangeiros ou migrantes nativos:

Hoje em dia, esta nova geração que tem aquela coisa de 'não vou sair [emigrar para trabalhar], queroestudar! Quero um futuro melhor para mim, mesmo que seja fora de Cabo Verde!' (...). URHRNB36

Deixamos exemplos dessa perceção entre os entrevistados:

A ilha da Boa Vista é a que tem a taxa de desemprego mais baixa do país e a que mais contribui para oPIB nacional neste momento, e vai resolvendo os problemas do país de desemprego. URMREB34

O futuro da Boa Vista é de trabalho e de luta sim! (...) há trabalho para todos! BFHRNB95

Em termos da população concreta, a criação de emprego trouxe mais emprego, beneficiou com isso... mastambém o turismo é all-inclusive e a população não ganha muito com isso! A única forma que apopulação ganhou foi o emprego, de outra maneira não me parece que a população tenha ganho muitocom o turismo! URHRNB30

Ali a partir do aeroporto internacional muito, uma mudança boa na ilha. Aquele RIU por exemplo, haveremprego ali. Mais do lado do trabalho... muitas coisas melhoraram. (...) aeroporto, o RIU... os dois hotéisRIU... tem dado muito emprego essas infraestruturas, o resto são poucas [outras melhorias]. FFMRNB38

Se formos ver os hotéis que tem turismo de massa... eles fazem aqueles hotéis, dão mão de obra... éevidente que o salário é barato, mas já é contributo que estão a dar para quebrar a taxa de desemprego daBoa Vista! URHRNB48

183

VII – Impactos Percecionados em Análise

Bom... (...) estou cá à mais ou menos quatro anos... desde 2008... (...) o motivo principal para estar na BoaVista é a questão de busca de oportunidades e trabalho! Neste momento a Boa Vista é o mercado maisfluído e segmentado... proporciona mais postos de trabalho e oportunidades de trabalho! (…) Estamos aver, aqui está a ter um boom no turismo que significa um incremento de postos de trabalho significativo!(...) Mas é uma oportunidade limitada, setorizada por competência, habilitação e formação também!URMRNOI30

Então trouxe à Boa Vista mais desenvolvimento e postos de trabalho, e muitíssimos postos indiretos.URMOP40

O aumento do emprego. A melhoria considerável da vida das pessoas. Mais emprego, ganhasse mais.URMRNOI32

Estas e outras citações são prova clara da preponderância que a criação de emprego tem na

vida dos habitantes da ilha e a sua posição isolada na tabela das perceções positivas confirma essa

mesma importância atribuída. Com quase dois terços dos entrevistados a referirem este fator, é sem

surpresa que a caracterização geral dos entrevistados que a mencionaram seja também dispersa.

Ainda assim, podemos apontar como uma das tendências a idade dos entrevistados. As três

faixas etárias com maior incidência de menções são as três mais jovens, sendo a maior percentagem

interna da faixa entre os 30 e os 39 anos de idade com 84%, quase o dobro das três faixas de idade

superior, que apresentam percentagens internas entre os 33% (60-69 anos) e os 43% (50-59 anos).

Isto demonstra que, quanto menor a idade, maior a importância dada à criação de emprego como

fator positivo, algo que é compreensível uma vez que a maioria dos novos postos de trabalho são

sobretudo para jovens adultos na construção civil ou hotéis e operadores turísticos.

Também de compreensão imediata, é o facto de, em termos de nível de escolaridade, sejam

os entrevistados com menor nível que maior importância atribuem à criação de emprego, uma vez

que os postos de trabalho são na sua maioria para mão de obra não especializada (barman,

camareiras, guias turísticos, trolhas, etc.). Os dados mostram que os entrevistados com o ensino

primário (79%) e ensino preparatório (80%) apresentam valores internos bem acima dos

entrevistados com ensino secundário (56%) e superior (28%).

Em termos de género, deve-se assinalar que ambos reúnem percentagens internas próximas,

mas são os homens que apresentam valores superiores (com 37%) face às mulheres (27%). O

mesmo ocorre se cruzarmos os dados em termos de situação profissional: com exceção dos

empregados (71%), os restantes grupos apresentam valores médios próximos dos 53%. A

entrevistada doméstica também fez referência a este fator e, portanto, nesta categoria apresenta uma

percentagem interna de 100% que deve ser sempre relativizada. A superior percentagem dos

184

VII – Impactos Percecionados em Análise

empregados entre os entrevistados vai ao encontro de que imensos novos postos de trabalho

emergiram com o turismo massificado.

Esta proximidade já não se verifica no caso da nacionalidade, já que, com enorme destaque,

são os nativos que mais importância atribuem a este aspeto positivo, com 71%, bem acima dos 52%

dos estrangeiros. Esta diferença não deve despistar o facto de ambas as percentagens serem

elevadas, sublinhando a importância da criação de emprego.

O mesmo ocorre em termos de lugar de residência, já que os habitantes de espaço urbano

dão maior importância (70%) que os de espaço rural (59%). Ou seja, até os habitantes afastados dos

centros urbanos e dos espaços hoteleiros, onde estão disponíveis esses novos empregos, reconhecem

a sua importância, ainda que com menor incidência que os habitantes urbanos.

A última característica sócio-demográfica a tratar é o grupo, onde, com esmagadora

percentagem, os residentes nativos de outras ilhas, ou seja, os migrantes, apresentam percentagens

internas de 92%, logo seguidos dos operadores (empregadores) com 73%, e depois, os nativos com

66%. Percentagens elevadas que contrastam com os residentes estrangeiros (43%). Esta análise por

grupo sustenta mais uma vez a tese de que a criação de emprego é sem dúvida um fator positivo de

elevado destaque, em particular para os que dele mais beneficiaram, os migrantes por um lado e os

empregadores por outro:

Um dos jovens chamava-se (…) e era o animador principal do catamarã. Tinha 25 anos e era de Santiago.Inicialmente o seu pai havia chegado à ilha para a construção de alguns hotéis, e depois chamou-o. O paientretanto regressou mas ele trabalha em turismo à cinco anos sendo que aquele trabalho já o ocupa à três.Vive nas barracas onde paga 4000 ECV pelo quarto e mais 1000 de eletricidade porque tinha umalâmpada. O resto do salário é para comer 'Mas não se pode comer muito, para poupar'! Conta regressarem breve com o dinheiro que poupou para se casar e comprar um pequeno terreno agrícola na sua ilha.(DC 27/11/2012)

É de notar que aqui não falámos de questões que orbitam o emprego, como é o caso da

exploração laboral, da migração, ou dos níveis profissionais. Cada um destes pontos tem o seu

espaço e será tratado de forma independente.

De acordo com os dados do World Travel & Tourism Council, o emprego direto e indireto

gerado pelo turismo no país, no ano de 2013, foi de 84.500 empregos, cerca de 38,3% do emprego

nacional, e estima-se que em 2014 o turismo seja responsável por 39,1%, chegando muito próximo

dos noventa mil empregos. Salvo uma quebra em 2009, o emprego associado ao turismo tem

crescido e só os empregos diretos chegaram aos 14,5% em 2013 (WTTC, 2013). Já no ano de 2012,

a principal cadeia hoteleira nacional, a RIU, disponibilizou um relatório onde apontava para 1.110

185

VII – Impactos Percecionados em Análise

empregos na Boa Vista e uma despesa salarial direta que ultrapassava, a nível nacional, desde 2005,

os 25 milhões de euros anuais.

A criação de emprego é um fator incontornável e da maior importância para os entrevistados

e os dados comprovam-no, indo ao encontro de muitos outros estudos internacionais (como Milman

e Pizman, 1988; Faulkner e Tideswell, 1997; Andriotis, 2008; Gu e Ryan, 2008; entre outros).

Apesar do seu destaque, não devemos descartar os próximos impactos positivos percecionados, em

particular os dois próximos que totalizam ligeiramente menos.

Infraestruturação

Como referimos já nas perceções que os entrevistados tinham das motivações que moviam

os turistas para a Boa Vista, as infraestruturas hoteleiras são determinantes para cativar e manter

clientes; mas não só essas como outras infraestruturas basilares, entre elas, o aeroporto:

Antes tínhamos o aeródromo do Rabil, agora, o aeroporto pronto mal dava para os voos nacionais, passounum espaço muito curto de tempo de um aeroporto nacional a internacional e isso veio melhorar.URHRNB36

A Boa Vista não era assim procurada, não tinha quase nada. Há diferenças significativas em todos osaspetos. Depois da construção do aeroporto houve muitas mudanças. A ilha foi procurada por váriaspessoas das outras ilhas…muitas mudanças em todos os aspetos. BFHRNB29

Isso é uma parte essencialmente do Governo de Cabo Verde que na sua visão optou por investir nas bases,nos pilares de desenvolvimento, aqueles grandes investimentos que nós, localmente, não conseguimosmobilizar recursos para os fazer. (...) Eu acho que as pessoas beneficiam sim dessas obras, acabam porcriar condições para o bem-estar de todos. A mesma pessoa que é do norte e nunca viajou e diz que nãobeneficiou com a construção do aeroporto, se calhar está com uma visão errada porque, se calhar, elatrabalha no hotel RIU e esse hotel depende do aeroporto! URHRNB31

Mas também, vias de comunicação que vieram substituir antigos caminhos de terra-batida

ou empedrados, assim como, foram criadas novas vias que aproximaram as populações:

Em termos de transporte teve muito impulso, a nível terrestre e aéreo. Mais possibilidade de viajar, a ilhaestá mais próxima do Mundo! URHRNB48

Antigamente havia um complexo entre pessoas do Rabil, que éramos considerados pessoas do interior, emrelação às pessoas da cidade de Sal-Rei. (...) Eu sinto como um cidadão da cidade, eu penso que é umaspeto positivo para a Boa Vista e para a população do Rabil.I: O que permitiu isso, foi a estrada?Exatamente, o acesso. Antigamente na época dos meus pais só podiam ir para a vila uma vez por mês etinham de reservar transporte com semanas de antecedência, o que hoje não acontece porque se podeapanhar a qualquer momento! URHRNB29b

O sucesso de um destino turístico depende da satisfação dos seus trabalhadores e residentes,

e esta está intimamente interligada com a sua qualidade de vida. Daí que, em segundo lugar entre os

186

VII – Impactos Percecionados em Análise

impactos positivos do turismo, os entrevistados tenham referido a construção de outras

infraestruturas como o hospital, a habitação, entre outras cuja edificação se deve indiretamente à

chegada do turismo massificado:

Foi preciso os turistas e haver interesse para... 'realmente é preciso um hospital!'. (...) As pessoasreclamam, reclamam mas sentadas no sofá. Os estrangeiros que vêm cá é que acabam por fazer algumacoisa! (...) Se não fosse por eles, íamos estar a mesma coisa. URHRNB36

Sal-Rei está mudado, mudado! (…) Para melhor. A vida está diferente, completamente! Tem grandesprédios. JGHRNB73

Temos praça em melhores condições, um mercado municipal, um parque infantil... etc. Enfim, temosessas infraestruturas que não tínhamos anteriormente. URHRNB27

Já há algum tempo que andamos a pedir água (...) este ano houve chuva e os agricultores estão bastanteanimados, graças aos diques construídos. JGHRNB59

Iniciando a análise cruzada das características sócio-demográficas com este impacto

positivo, destacamos primeiramente a faixa etária: existe uma tendência para atribuir menor atenção

a este impacto à medida que avançamos nos subgrupos de idade. No entanto, numa leitura faixa por

faixa é possível determinar que existem duas exceções entre os grupos mais velhos, que apresentam

uma ligeira subida face aos entrevistados com idades entre os 50 e os 59 anos, com percentagem

interna de 29%. Ainda assim, os valores mais elevados são entre os entrevistados com idades

compreendidas entre os 20 e os 29 anos (70%) e os 30 e os 39 anos (53%), logo seguidos pelos 40%

dos subgrupos 40-49 e os 50-69 anos.

Entre o género feminino (53%) existe uma maior perceção face a este impacto em relação ao

masculino (48%); no entanto, os valores são demasiado próximos para se fazer retirar qualquer

conclusão preliminar. O mesmo ocorre com as nacionalidades onde a diferença é de apenas 3%

entre os nativos (51%) e os estrangeiros (48%), e na residência, onde os habitantes de meio rural

(53%) apresentam percentagem interna 3% acima dos de meio urbano. É dizer, nenhuma destas

características parece ser determinante no perfil dos entrevistados que apontaram para este impacto.

Conclusão semelhante pode ser retirada quando analisamos a situação profissional onde os

valores variam entre os 51% dos empregados, 50% dos desempregados, 45% dos trabalhadores por

conta própria, sendo que apenas os 33% dos reformados emerge com maior distância.

Em termos de nível de escolaridade surge novamente uma tendência crescente, ou seja,

quanto maior a escolaridade maior a percentagem interna de entrevistados que apontam à

construção de infraestruturas. Os valores crescem entre os 42% dos entrevistados com o ensino

187

VII – Impactos Percecionados em Análise

primário e os 59% dos com o ensino superior; no entanto, deve fazer-se nota aos reduzidos 31% dos

entrevistados com o ensino secundário que contrariam esta tendência.

Os resultados que possivelmente mais surpreendem são os da análise por grupo, onde os

nativos (54%) e os operadores (55%) lideram. Os primeiros são os que maior proveito retiram das

infraestruturas públicas criadas, e os segundos das infraestruturas privadas. Seguidamente são os

estrangeiros (43%) e os oriundos de outras ilhas (33%). Ao passo que os estrangeiros beneficiam de

ambas as estruturas, devido à sua motivação empresarial, não deixa de parecer estranho que apenas

uma percentagem tão baixa de migrantes destaque a criação de infraestruturas, uma vez que os

migrantes são a principal força de trabalho nessas construções.

Resta apenas referir que esta perceção parece ajustada ao crescimento registado de

infraestruturas na ilha, nomeadamente de empreendimentos hoteleiros, cujos dados estão

discriminados em capítulo anterior dedicado à contextualização da ilha, assim como, vai ao

encontro dos trabalhos de referência de autores como Akis et al (1996), ou Ap e Crompton (1998).

Migração

Com praticamente o mesmo número de menções, a migração para a Boa Vista surge na

terceira posição dos impactos positivos percecionados pelos entrevistados. Optámos por criar a

categoria de migração no lugar de emigração e/ou imigração, agregando ambos subgrupos, uma vez

que a questão prende-se com o movimento de pessoas para a Boa Vista e não a sua proveniência.

No que se refere aos impactos de grupos de pessoas de proveniências diferentes na sociedade

boavistense, trataremos nos impactos negativos no ponto destinado à 'descriminação', e à 'divisão

desigual dos benefícios entre a comunidade local':

(...) muitos turistas, muitos operadores europeus, muita gente de outras ilhas, da costa de África... mudou aidentidade da ilha comparado à 10 anos! URHREB37

Esta força de trabalho que chega à ilha é composta inicialmente por migrantes nativos, em

particular da ilha de Santiago, e gradualmente reforçada por gente de outras ilhas e de origens tão

diferentes como países da costa africana, Senegal e Guiné, e da Europa, como Itália e Espanha, e

ainda nativos da Boa Vista que regressam em virtude das oportunidades que vão sendo criadas. Ora,

como será evidente, a criação de empregos e de mão de obra que a construção de infraestruturas e

seu funcionamento requer. Seguindo essa lógica, não surpreende que a migração para a ilha seja o

ponto seguinte com maior número de menções. Nas palavras dos entrevistados:

188

VII – Impactos Percecionados em Análise

Para mim o aumento da população foi um impacto positivo. URMRNOI32

Eu muitas vezes digo que o turismo da Boa Vista e a vinda das pessoas das outras ilhas, sobretudo deSantiago e da costa ocidental de África, é um mal menor para o nosso turismo, era uma necessidade quetínhamos e temos de preparar para arcar com essa responsabilidade. URHRNB36

Tivemos uma migração enorme, nos últimos três, quatro anos por causa desses hotéis. A maioria doscaboverdianos desempregados noutras ilhas viajavam para cá a procurar trabalho e encontravamfacilmente. Vão ganhar muito mais do que nas suas ilhas! URHREB35

Éramos até 6 mil pessoas à cinco anos atrás, hoje somos onze mil ou doze mil pessoas com a chegada depessoas das outras ilhas, e de África. Todos à procura de trabalho. Hoje só não tem trabalho quem nãoquer! Sempre relacionados com os hotéis! (...) Na Boa Vista havia essa tradição e quase toda a gente tinhafamiliares emigrados! URHRNB33

Agora o ponto forte era claramente o turismo! No princípio criou muito e a população aumentou de umamaneira extremamente rápida e as pessoas invadem a trabalhar nesses hotéis por causa dessa abertura.Assim o povo garante a maior parte da vida no turismo. URMRNB46

É curioso que, apesar das inúmeras oportunidades de emprego oferecidas direta e

indiretamente pelo turismo, são muitos os nativos, principalmente os jovens na casa dos 20-40 anos

de idade, que estão desempregados ou que têm algum tipo de emprego a tempo parcial e/ou

esporádico. Não estão disponíveis dados concretos que comprovem esta perceção geral dos

entrevistados, mas o próprio investigador ficou com essa mesma perceção. Ao lidar diariamente

com membros da comunidade local nativa são vários os casos que poderiam ser enumerados, cujas

justificações mais comuns apresentadas pela população apontavam para fatores culturais:

Alguns porque têm famílias emigradas e não querem fazer nada… é por isso que existiu essa necessidadede recrutar pessoas para trabalhar porque a gente da Boa Vista, de facto, não queria trabalhar, alguns sim,mas a maioria não queria. BFHRNB29

Esses badios, como dizem aqui, se forem embora, não tem quem trabalhe! A população aqui... são gentede outras ilhas e guineenses que estão aqui! URFOP29

Tendência essa que muitos sugeriam começar a alastrar aos nativos de outras ilhas que

vieram com o intuito de trabalhar:

O caboverdiano gosta de festa e gosta de dançar. Gerir um hotel é muito difícil aqui. Quando há uma festa(...) no dia depois fico com 50% do pessoal a menos! É por isso que cada vez mais trabalham guineenses,eles estão sempre lá. Não tem essa coisa... URHREB51

Há muitos Senegaleses e Guineenses aqui, quando os turistas franceses estão aqui dizem que não pareceCabo Verde parece o Senegal! (...) Ao menos eles vêm aqui para trabalhar, porque o caboverdiano emgeral quer ganhar dinheiro sem fazer nada. URMOP47

Veremos no ponto dedicado à descriminação como os nativos da Boa Vista e mesmo de

outras ilhas começam a apontar como negativa a presença dos estrangeiros, sobretudo da África

continental. Todavia, deve ser feita a nota de como esses mesmos emigrantes estrangeiros começam189

VII – Impactos Percecionados em Análise

já a trabalhar para os locais, mesmo em trabalhos agrícolas no interior da ilha:

Sim, já começamos a ter porque aqui há pouca mão de obra, há pouca gente. Então os agricultorestrabalham com essa gente da vizinha África. JGHRNB33

Em termos de faixa etária não existe nenhuma tendência claramente visível. Os valores

oscilam entre os 33% dos entrevistados entre os 60 e 69 anos, chegando até aos 55% entre aqueles

com idades compreendidas entre os 30 e 39 anos. A nota de destaque vai para a exceção dos 71%

dos entrevistados com 50 a 59 anos de idade. Contrariamente, é sem sombra de dúvida que a

nacionalidade não determina em nada a escolha deste fator, visto que tanto nativos como

estrangeiros assentam numa percentagem interna de 48%.

Se entre os homens apenas 41% aponta este aspeto positivo, já as mulheres superam este

valor com 58%, sugerindo que o género parece apresentar uma tendência ligeira. O mesmo ocorre

em termos de residência, onde os habitantes de espaço urbano (49%) superam os de espaço rural

(44%), por ligeira vantagem.

Algo semelhante poderia ser dito sobre a escolaridade, onde uma tendência muito subtil

emerge. Quanto maior o nível escolar, maior a atenção dada a este aspeto positivo, ainda que os

valores de maior destaque sejam para o ensino primário (54%) e ensino superior (54%), bem acima

dos restantes, cuja média interna se fica pelos 35% aproximadamente.

Também com percentagens aproximadas, a característica grupo apresenta valores que

ondulam entre os 55% dos operadores e os 51% dos nativos, passando pelos 43% dos estrangeiros,

até aos 33% dos nativos de outras ilhas. Não deixa de ser novamente curioso a baixa percentagem

dos migrantes num outro impacto positivo diretamente relacionado com a migração.

A situação profissional aponta para uma percentagem superior por parte dos trabalhadores

por conta própria (59%), seguida pelos empregados (50%) e desempregados (45%), ainda bem

acima dos 33% dos reformados. Estes dados encontram pouco paralelo direto com outros estudos

consultados pelo investigador, isto leva-nos a considerar que a determinação da migração como um

aspeto positivo é algo aparentemente particular ou diferenciador deste estudo de caso para com

outros. Ainda assim, uma situação semelhante à recolhida por Monterrubio et al (2012) no México,

onde também membros de grupos culturais diferentes representam 70% da força de trabalho da

comunidade de Huatulco.

Melhoria das Condições de Vida

190

VII – Impactos Percecionados em Análise

Sem dúvida que a criação de emprego e de novas infraestruturas podem garantir uma

melhoria geral da vida das pessoas, mas nem sempre é o caso. Um exemplo concreto na Boa Vista

foi a migração sem capacidade de alojamento para os novos habitantes que levou à construção de

guetos, sem condições sanitárias, onde abundam problemas de higiene e de saúde que podem levar

a pressões maiores sobre as unidades de saúde. Este caso será tratado nos impactos negativos, mas

serve aqui para demonstrar que a criação de emprego e de infraestruturas não é sempre garantia de

melhoria das condições de vida.

Ainda assim, as condições em que habitam estes migrantes pode ser idêntica ou semelhante

à do seu lugar de origem, pelo que, a questão da deterioração das suas condições de vida pode não

se colocar. Independentemente da leitura que a priori queiramos fazer, é inegável que para uma

grande percentagem dos entrevistados houve, de facto, uma melhoria das condições de vida, já que

trinta e três dos noventa e seis entrevistados a apontaram. Por melhoria das condições de vida

considerámos: a diminuição do custo de vida, o acesso a novos serviços ou a serviços melhorados, e

o aumento do poder de compra, etc. Aqui estão alguns exemplos:

Hoje os nossos emigrantes podem viajar a um custo mais baixo da Europa para a Boa Vista e Cabo Verde.É um dos aspetos positivos. URHRNB36

Está diferente! As pessoas sempre se queixam, as populações sempre se queixam… mas eu falo que estádiferente porque todas as casas que passo têm telefone, não tinham. Já houve uma altura em que havia 12telefones na zona norte! (…) Hoje tem Internet. (…) De uma forma ou de outra está tendo coisas! Aspessoas estão tendo um rendimento muito melhor do que antes! JGHRNB41

Em termos do hospital, antes era um pronto-socorro, beneficiou toda a ilha! URHRNB33

Não podemos esquecer que muitos não puderam fazer mais do que o ensino gratuito, o obrigatório. Nemtiveram hipótese de fazer o secundário ou licenciatura fora. Mas hoje temos os mais pequenitos que até jásabem quando é a desova das tartarugas. JGHRNB31

Mão de obra... trabalho para as pessoas, isso é fundamental. Ao fim ao cabo também... há riqueza e aspessoas têm melhor qualidade de vida. Algumas... podem não aparentar aqui, mas de certeza que retiramdinheiro para mandar para as famílias para as outras ilhas! (...) Nota-se que existe uma melhor qualidadede vida das pessoas! As pessoas já saem, antigamente não se via caboverdianos nos restaurantes.URHOP47

Olha, por exemplo, houve um aumento significativo de taxistas... e que prestam serviço de táxis e de guia,carro guia... guias turísticos ao longo da ilha... houve aumento de lojas de souvenirs que não existia antes.É um dos aspetos positivos desse trabalho, houve trabalho e abriu-se lojas... houve iniciativas privadas depequenos comerciantes. Houve incremento de hotéis, também locais que com algum capital conseguiraminvestir num hotel, um guest-house ou residencial. Houve também um aumento de restaurantes e onde sepode comer bem também! Digamos assim! Houve também outros pequenos serviços que se foramdesenvolvendo com o turismo em vários setores... na área de carpintaria, canalização... (...) Há também oturista que vem alugar uma casa, e depois comprar uma casa e tem necessidade (...) de pequenoscomércios (...). URMRNOI30

191

VII – Impactos Percecionados em Análise

Sinceramente noto. (...) As pessoas começam a poder comprar artigos. Muitas pessoas com famosostelemóveis e computadores. Também pessoas que felizmente começam a fazer outros cursos... (...). Têmdinheiro para mandar familiares para Portugal e outros países por motivo de doença! Isso para mim é umagrande diferença! E depois também noto diferença ao nível de higiene pessoal. Uma grande diferença dequando vim a primeira vez. URMOP27

No que se refere às faixas etárias, a tendência é claramente para atribuir menor importância a

este fator à medida que a idade aumenta; no entanto, os valores não são assim tão claros e podem

parecer até, à primeira vista, oscilantes; mas as percentagens mais elevadas de 50%, para as idades

entre 20 a 29 anos, e de 40%, para 40 a 49 anos, reforçam essa mesma ideia.

Novamente, os dados referentes ao género não são conclusivos, apesar de ligeira

superioridade das mulheres (37%) face aos homens (33%). Com uma diferença ligeiramente

superior, tanto a nacionalidade como residência apresentam valores internos próximos entre nativos

(32%) e estrangeiros (43%), e os habitantes de espaço urbano (38%) e rural (26%). Ainda assim, é

aparentemente inconclusivo.

Já o nível escolar parece determinar a importância deste impacto positivo, uma vez que os

valores variam entre os 21% do ensino primário até aos 39% do ensino superior, isto apesar do

valor destacado do ensino preparatório, que contraria ligeiramente essa tendência com os seus 40%

de percentagem interna.

Novamente determinante parece ser a situação profissional, já que domésticos e

desempregados ignoram este impacto, e o mesmo pode ser dito sobre os reformados, uma vez que

apenas há uma menção. Do outro lado, são os que trabalham por conta própria (11%) e os

empregados (21%), portanto, os trabalhadores, que destacam a melhoria das condições de vida

como fator positivo.

Um outro aspeto interessante é a relação entre este impacto e o grupo, onde os operadores

parecem atribuir um enorme destaque ao mesmo, atingindo uns 73%, muito acima dos restantes

grupos, cuja percentagem interna varia entre os 29% (entre nativos e estrangeiros) e os 33% (entre

migrantes).

Os dados oficiais do Governo de Cabo Verde sugerem que ao nível nacional os índices de

mortalidade infantil entre 2000 e 2011 nunca foram superiores a 5,5%, sendo que, a tendência de

aproximação aos 5% está presente. Já a taxa de crescimento natural tem, no mesmo período,

decrescido e estabilizado nos 1,5%, e a esperança média de vida passou de 69,7 anos em 2000 para

192

VII – Impactos Percecionados em Análise

74,2 anos em 2011. Sinais da melhoria geral das condições de vida, nestes casos associadas às

melhorias na área da saúde.

Por outro lado, na educação o número de alunos inscritos no terceiro nível passou de 800 em

2000 para 10.100 em 2010, sendo que 5600 destes são do género feminino. No entanto, é

impossível comprovar estatisticamente que estas melhorias se verificam também na Boa Vista, pois

não estão disponíveis dados por ilha no sítio do INE de Cabo Verde.

Ainda por outro lado, a edificação de um novo hospital, o aumento do pessoal no mesmo, e

a expansão da escola da Boa Vista, são claros exemplos de indicadores dessa mesma melhoria das

condições de vida verificadas naquele espaço, sendo novamente um outro impacto expectável de

acordo com os resultados das investigações, por exemplo, de Liu e Var (1986), Akis et al (1996),

Chen et al (2004).

Crescimento Económico

O crescimento económico é o impacto positivo que se segue, e engloba a multiplicação de

novas empresas e oportunidades de negócio, mas também o aumento do consumo, o acesso ao

crédito, o acesso a novos produtos e a redução do custo dos produtos. Alguns exemplos das vinte e

cinco referências retiradas das entrevistas:

Todo o turista que entra deixa um pequeno recurso… embora o tipo de turismo que está sendo feito é detudo incluído e a maioria do dinheiro já está no banco! URHRNB48

Talvez tenha sido bom para a ilha, porque a ilha desenvolveu-se muito rápido. Há dez anos na ilhaexistiam 10 carros. Hoje todos os carros têm menos de 3 anos, às vezes até há engarrafamentos. Sente-seque entrou muito dinheiro, mas também é de lamentar porque é um turismo de massa. URHREB68

Também temos restaurantes que são, como "Cá Santinha" os donos são uma caboverdiana e um italiano esempre nos hotéis fazem publicidades para ir ali com os turistas italianos... então beneficiou também eles!Alguns restaurantes e mais os condutores! URHRNB33

É que fez subir o nível de vida porque, apesar de tudo, algum dinheiro circula. Sobretudo com osserviços. Sente-se que há mais dinheiro a circular do que há 10 anos. Vê-se pessoas a comer e a beberaqui e ali. Há mais dinheiro embora haja pouco dinheiro. Aqui ninguém passa fome! URHREB68

Não é por ser a minha empresa mas trabalha [é das poucas que trabalha] com os locais. Com quatrocarros da nossa ilha faz viver quatro famílias. URMOP33b

Não, o custo de vida era superior nos anos 90. Não havia comércio. Havia dois ou três comerciantes quecompravam tudo na Praia e colocavam 100% mais! Hoje passaram 15 anos. Uma água de Caramulo em97 custava 120 escudos e agora custa 80. URHREB51

Com uma percentagem interna nos 50%, os entrevistados com idades compreendidas entre

193

VII – Impactos Percecionados em Análise

os 60-69 anos apresentam um valor muito acima dos demais, sendo mesmo mais de três vezes o dos

com idades entre 40 e os 49 anos (15%) e bem acima dos 32% dos entrevistados entre os 30 e os 39

anos, o segundo com maior percentagem. Esta flutuação não esconde uma tendência clara para

atribuir maior importância a este aspeto positivo à medida que avançamos na faixa etária.

Ainda com uma diferença significativa, há a mencionar que os homens (31%) apresentam

mais menções que as mulheres (18%), sugerindo uma tendência de género. O mesmo já não é

verdade na nacionalidade, já que, estrangeiros (29%) e nacionais (25%) têm uma diferença ligeira.

Com uma diferença nula temos a residência, já que, tanto urbanos como rurais apresentam uma

percentagem idêntica de 26%.

Regressando às tendências ligeiras, o nível de ensino parece condicionar subtilmente esta

perceção, uma vez que, quanto maior o nível escolar, menor a importância atribuída ao impacto

positivo em causa. O crescimento económico é mais mencionado por entrevistados com o ensino

preparatório, muito acima dos que têm o ensino secundário (19%) e do segundo com maior

percentagem interna, o ensino superior com 26%.

O cruzamento com a situação profissional revela que o crescimento económico é mais

preponderante para reformados (33%), logo seguidos por empregados (29%) e trabalhadores por

conta própria (23%); os restantes não fazem qualquer menção a este impacto. Por fim, são os

nativos de outras ilhas (33%) e os estrangeiros (29%), os grupos que mais referenciam o impacto

positivo em causa, logo seguidos pelos nativos (25%) e distantes dos operadores (18%).

De acordo com os dados do INE-CV verificou-se uma multiplicação de novas empresas nos

últimos anos e consequente injeção de capital que circula na economia local e nacional. O rápido

crescimento, não só do número de empresas como do seu volume de negócios e número de pessoas

ao serviço, são mais sinais do impacto da chegada do turismo massificado à ilha da Boa Vista. Os

valores abaixo demonstram com clareza que o crescimento económico é uma realidade na ilha da

Boa Vista, assim como se verificou nos trabalhos de Cooke (1982) ou Perdue et al (1990):

194

VII – Impactos Percecionados em Análise

Intercâmbio Cultural

O intercâmbio cultural é de complicada medição, sendo portanto essencial que seja a

experiência relativa dos entrevistados a medida desse intercâmbio, que tanto pode ser positivo como

negativo. Neste ponto falamos de intercâmbio percecionado como positivo e que toma diferentes

formas de acordo com os entrevistados, sendo as mais comuns, a aprendizagem de novas línguas,

novas tradições e costumes, e outros fatores que de alguma forma enriqueceram a comunidade e a

transformaram. Contemplemos os intercâmbios de natureza externa, tanto nacionais como

internacionais:

(…) o pessoal começou a interessar-se pelo turismo e pela língua italiana. Por exemplo, agora podesencontrar um jovem que não aproveitou a escola e fala italiano mas não fala português! Tudo influênciado que aconteceu no Marine Club! URHRNB31

Nós os condutores que temos contrato com algumas agências, como eu... consegui aprender cinco línguasdiferentes então tenho trabalho todos dias... mas tem outros que só fazem português... esses têmdificuldades... URHRNB33

Penso que não foi assim um choque tão grande como as pessoas estão a dizer porque a própria emigraçãocontribuiu para desenvolver a mentalidade das pessoas! URHRNB48

Penso que a mudança mais visível aqui foi em termos culturais porque eles tentaram conhecer a cultura dailha e interagir com a população, e isso foi... as pessoas tiveram de dar muitas informações à cerca dacultura da ilha e houve também alguma troca de experiência com os turistas. URHRNB30 Os africanos está a dizer... não há diferença, são poucos... as opiniões são diferentes mas é uma partecomplicada porque os hábitos dos guineenses e senegaleses já são diferentes do povo caboverdiano. Ali éuma coisa que aconteceu, mesmo estranha para nós que não tínhamos esses hábitos... FFMRNB38

As pessoas mudaram muito! Gostam de ver o turismo, gostam de ver as pessoas, a gente conversa com aspessoas... O turismo é bom, sim senhor... CTMRNB53

A nível cultural, comportamental, estamos a sofrer essas influências, porque normalmente tem de haverum convívio e um relacionamento com as pessoas que não são de cá com as de cá. Essa mistura, e háalguma alteração! URMRNB36

Tem muitas misturas dessas raças e cultura diferentes! (...) Muita coisa que aprendi aqui com esses, essas

195

Ano Empresas com Contabilidade Organizada Pessoas ao Serviço Volume de Negócios2007 57 1.270 6.519.4542008 101 1.637 5.630.3362009 128 1.640 3.057.2182010 169 1.984 4.851.6512011 201 2.376 2.797.130

Quadro 7.2: Empresas com Contabilidade Organizada, Pessoas ao Serviço, Volume de Negócios

VII – Impactos Percecionados em Análise

gentes! URFOP29

A partir do momento que começou a ter um turismo muito massivo aqui as atenções viraram-se para aBoa Vista (...). São pessoas que vêm trabalhar e é uma mistura de várias culturas. Então, é essa misturatoda que temos neste momento aqui que faz que por um lado as pessoas vêm para cá para trabalhar eganhar, mas também tráz gente que não vem trabalhar! Isso faz com que as coisas mudem. Agora em Sal-Rei há uma miscelânea de culturas, da costa africana, das ilhas, da Europa (...). URHRNOI34

Com apenas 17 menções, o intercâmbio cultural é, sobretudo, referido por um grupo de

entrevistados cuja faixa etária predominante são os grupos mais jovens. Em particular os jovens

com idades entre 20 e os 29 anos (35%), sendo que, nas restantes a inclinação é de valores na casa

dos 18% (30-39 anos) a 14% (40-49 anos), com exceção do nulo dos mais velhos e dos reduzidos

5% dos com 40-49 anos de idade.

O género apresenta valores novamente superiores para o género feminino (21%) com ligeira

margem (mais 5%) face ao masculino.

São os nacionais de Cabo Verde que mais importância dão ao intercâmbio cultural (com

20%), exatamente o dobro dos estrangeiros, algo compreensível dado que são eles os principais

recetores e emissores desse intercâmbio com turistas e operadores. Ainda assim, não deixa de ter

uma percentagem interna bastante reduzida.

A situação profissional é um caso similar, onde (à exceção dos 0% da doméstica) os valores

vão dos 21% dos empregados até aos 9% dos trabalhadores por conta própria, passando pelos 17%

tanto de desempregados como de reformados.

Igualmente díspar é a análise em termos de residência, onde tanto os residentes em meio

urbano (14%) como os de meio rural (3%), apresentam valores bastante reduzidos, em particular os

habitantes rurais, insinuando que essa perceção de intercâmbio cultural é praticamente nula nas

zonas afastadas dos principais centros urbanos, da presença de turistas e cadeias hoteleiras.

Em termos de nível escolar, são novamente os dois níveis mais elevados que maior atenção

dão a este impacto, com destaque para os 31% dos entrevistados com o ensino secundário, ficando

os restantes na casa dos 16% (primário) e 17% (superior), ainda assim, bem acima dos 7% dos

entrevistados com o ensino preparatório.

Os resultados mais surpreendentes da análise a este impacto são, sem dúvida, os

relacionados com o grupo, uma vez que são os operadores (36%) que, por larga margem, superam

os restantes grupos, com quase o dobro dos nativos (19%) e mais de cinco vezes o valor dos

estrangeiros (7%) e oriundos de outras ilhas (8%). É de difícil justificação se considerarmos o grupo

196

VII – Impactos Percecionados em Análise

dos operadores como sendo estrangeiros, mas como já afirmámos, este grupo é composto por

elementos provenientes dos outros grupos, mas que laboram em operadores, agências e hotéis, pelo

que, estão em contacto constante com turistas, logo, mais oportunidades para o dito intercâmbio.

Novamente, isto não explica por que motivo tanto os nativos como os oriundos de outras ilhas

apresentam valores tão baixos, em particular o segundo grupo que é a grande força de trabalho nos

hotéis de turismo massificado.

No caso deste impacto positivo, é impossível determinar estatisticamente o grau de

intercâmbio cultural pois trata-se de um impacto subjetivo e, assim, apenas é determinável através

de uma avaliação qualitativa que nos remete novamente para a subjetividade dos elementos afetos.

É dizer, os únicos dados palpáveis acabam por ser as perceções dos próprios membros da

comunidade. Complicando mais esta questão, há que considerar ainda que é extremamente difícil

diferenciar o intercâmbio cultural motivado pelo turismo, daquele motivado, por exemplo, pelo

contacto com outras culturas através de meios de comunicação como a televisão ou Ia nternet.

Ainda assim, um resultado semelhante aos de Milman e Pizam (1988), ou Ap e Crompton (1998).

Aumento dos Níveis Profissionais

À medida que avançamos nos impactos positivos percecionados é cada vez menor o número

de menções que estes recebem, e, neste caso, o aumento dos níveis profissionais locais foi

contemplado apenas com dezassete referências por parte dos entrevistados. De forma bastante

evidente, este impacto prende-se com a capacitação profissional que a experiência e formação

profissional no ramo da hotelaria e hospitalidade acarreta.

Os milhares de pessoas que direta ou indiretamente trabalham com os turistas foram, e são,

alvo de formação por parte das empresas privadas que têm esse interesse de melhor servir os seus

clientes, mas também, por parte de outros organismos como as associações de juventude, outros

órgãos da Câmara Municipal da Boa Vista, e instituições privadas, como é o caso da SDTIBM.

Esta profissionalização pode tanto implicar formação formal como informal, e também

enquadra outros eventos não formais, como debates públicos. Alguns exemplos das entrevistas:

Está a dar mais oportunidades para os jovens. Com os novos hotéis como os RIU, já há mais formações delínguas mesmo.(...) Então acho que está a trazer mais benefícios. Novos conhecimentos. Agora estámelhor, se não fosse o turismo, a ilha agora estava a passar um mau bocado! URHRNB31

(...) há mais condições e mais profissionalismo, tem restaurantes, tem bares, tem coisas preparadas para oturismo. URHRNOI61

197

VII – Impactos Percecionados em Análise

As pessoas começaram a conhecer outros tipos de serviço e regras de hotelaria que antes não conhecíamosna ilha. (...) Quem trabalhe aqui hoje no RIU ou no Iberostar já está preparado para trabalhar em qualquerpaís, por que são hotéis de renome de nível mundial e os serviços que estão aqui também encontram láfora! URHRNB29b

No que toca à faixa etária, os dados apontam para uma destacada percentagem interna de

33% entre os entrevistados dos 60-69 anos, em contraste com ambos os nulos dos grupos anterior e

posterior a este. Ainda assim a tendência estatística sugere que quanto mais avançada a faixa etária

menor importância é atribuída a este impacto. Resta referir que as restantes faixas etárias

circunscrevem-se entre os 20% (20-29 anos) e os 10% (40-49 anos). É pertinente recordar que,

sendo as camadas mais jovens as que mais beneficiam com a formação e capacitação profissional,

sejam, em contra-maré, os mais velhos que maior atenção dão à mesma. Ou seja, são os adultos

mais velhos que beneficiando destas oportunidades que mais as valorizam.

Se são os homens (17%) que mais atenção dão a este impacto, as mulheres (11%) não ficam

muito atrás, e o mesmo ocorre em termos de nacionalidade, onde os nativos (14%) ficam

ligeiramente aquém dos estrangeiros (19%). Novamente, esta curta diferença percentual ocorre

ainda na residência, onde os habitantes urbanos (16%) superam os de meio rural (11%). A

proximidade percentual nestes três casos poderá ser um indicador da sua aparente irrelevância.

Contrariamente às características sócio-demográficas anteriormente analisadas, o nível de

escolaridade é claramente determinante, visto que são os indivíduos com o ensino secundário (31%)

e ensino superior (15%) que têm os valores mais elevados, destacando-se dos 5% e 7% de ensino

primário e preparatório, respetivamente. Esta tendência implica que o impacto positivo 'aumento

dos níveis profissionais da população residente' é alvo da atenção dos indivíduos com maiores

níveis de escolaridade.

A situação profissional também parece indicar que os que estão profissionalmente ativos e

os reformados estão mais atentos a este impacto, já que, os desempregados (e a doméstica)

apresentam valores nulos, abaixo dos 18% dos empregados, 17% dos reformados e 9% dos que

trabalham por conta própria.

Se os estrangeiros residentes são o grupo que menos importância deu a este impacto, com

apenas 7%, tanto os operadores (27%) como os residentes naturais de outras ilhas (25%)

apresentam os valores mais elevados, permanecendo os locais a caminho com 14%. Sem dúvida que

os operadores são grandes beneficiadores da profissionalização dos seus trabalhadores, na sua

198

VII – Impactos Percecionados em Análise

maioria naturais de outras ilhas, e havendo um número muito marginal de nativos a trabalhar nesse

tipo de postos de trabalho diretamente ligados ao turismo, a sua baixa percentagem é

compreensível. O mesmo ocorre com os estrangeiros residentes que, na sua maioria, são

proprietários de uma ou várias empresas com pessoal reduzido e/ou com mão de obra não

especializada, como é o caso das empresas de construção civil, comércios e alguns serviços; daí,

talvez se justifique a sua baixa percentagem.

Uma vez que a formação profissional da população local na área do turismo, e não só,

ocorre maioritariamente in loco nas empresas que as contratam, não é possível determinar se esta

perceção acompanha dados documentais. No entanto, as várias parcerias estabelecidas entre as

instituições educativas e governamentais caboverdianas com empresas na área da hotelaria e

turismo a trabalhar em Cabo Verde, e com universidades e instituições de ensino no estrangeiro,

nomeadamente em Portugal, demonstram, quer um esforço formal na melhoria dos níveis

profissionais dos seus cidadãos, quer uma aposta séria do país no turismo a longo prazo, pelo menos

no que se refere à formação profissional para os quadros administrativos, ou seja, de ensino superior

ou equivalente. Este aumento dos níveis profissionais é também destacado nos trabalhos de Ferreira

(2005) e destacado em Sarmento (2008).

Entrada de Divisas

Ao fluxo de dinheiro estrangeiro que entra num país chama-se entrada de divisas. Estas

podem entrar através de exportações, empréstimos, aplicações em bolsas de valores, remessas de

empresas nacionais no estrangeiro, remessas de particulares emigrados, de forma mais direta através

de tributação de serviços aduaneiros ou, ainda, através da requisição de um visto de turismo. Estes

são alguns exemplos dessas divisas, que, por sua vez, são, ou podem ser, canalizadas pelos

Governos nos seus orçamentos de Estado anuais:

Penso que o Governo não está para trabalhar nesse turismo, ele sentiu entrar divisas, vistos… sobretudo.URHRNB36

No que concerne ao Governo, cada turista paga 25€, (...) é um lado positivo... (...) agora há que criarcondições para que a população se beneficie, digamos assim, do turismo! (...) Eu acho que o turismoacaba por dificultar a vida dos boavistenses! URHRNOI61

Está a dar certo! Antes ninguém estava aqui... os turistas compra a 10 e vende a 300, o Governo vende enós na terra não ganhámos nada. URFRNB83

A ilha não ganha nada com o turismo e o Governo ganha mais do que a ilha! URHRNB44

199

VII – Impactos Percecionados em Análise

Está-se a dizer que trouxeram muito dinheiro, pela rádio e pela televisão, (...) até então a nação é que estáusufruindo, e os hotéis. Nós ainda não, sinceramente. JGHRNB59

Há uma necessidade do Governo, uma vez que marcou a Boa Vista como uma ilha turística, e nestemomento é considerada uma ilha para o desenvolvimento da Boa Vista... porque cada turista que entrepaga ao Estado por cada visto, que entra... cada avião que aterra na Boa Vista paga uma taxaaeroportuária. URMRNB46

Pois bem, apesar de apenas onze indivíduos terem apontado a entrada de divisas como um

impacto positivo do turismo massificado na Boa Vista, há ainda assim que desenhar o perfil dos

mesmos. Se foram os indivíduos com 30-39 anos e 70 ou mais anos que apresentaram os valores

mais elevados (com 20%), os restantes subgrupos variaram entre os 8% (20-29 anos) e os 17% (60-

69 anos), reforçando a ideia de que quanto maior a faixa etária maior atenção é dada a este impacto.

Mais uma vez, o género não parece ser determinante, já que, os homens (12%) superam as

mulheres em apenas 1%. Igualmente, tanto reformados como desempregados apresentam valores

idênticos (com 17%), seguidos de perto pelos trabalhadores por conta própria (14%) e pelos

empregados (10%), pelo que não é possível retirar conclusões claras dada a proximidade dos

valores.

A residência mostra que os indivíduos de meio urbano (13%) superam com relativa margem

os de meio rural (7%), praticamente o dobro. Também com uma margem significativa faz-se

menção de que os estrangeiros ignoram este impacto deixando os nativos destacados com 15%.

Graças aos valores abruptos dos indivíduos com o ensino preparatório (20%) e dos

indivíduos com o ensino secundário (6%), a análise ao nível escolar comprova uma também subtil

maior atenção a este impacto à medida que o nível escolar aumenta.

Ora, mais uma vez, a análise por grupo apresenta profundas disparidades. Desta feita, temos

um nulo tanto nos residentes estrangeiros como nos operadores, ao passo que os nacionais se

aproximam com os 15% dos nativos da Boa Vista e os 17% dos naturais das outras ilhas do

arquipélago.

De acordo com o Banco de Cabo Verde (ver figura abaixo), tanto o investimento direto

estrangeiro como as receitas brutas do turismo, entre elas milhões em vistos de turismo, foram e são

significativos. Apesar de existir uma tendência atual para uma abrupta redução do investimento

externo e uma crescente receita bruta do turismo, o que mantém a ideia de que existiu e continua a

existir, de facto, uma enorme entrada de divisas que pode novamente fazer crescer o investimento

200

VII – Impactos Percecionados em Análise

se novos empreendimentos hoteleiros forem edificados.

Resta notar, como aliás a figura acima o demonstra, que a perceção dos entrevistados de que

existiu um galopante investimento no turismo se revê nos dados objetivos. Estes mostram que o

pico foi entre 2007 e 2008, precisamente na altura em que se ergueu o aeroporto e as grandes

cadeias hoteleiras, que investiram centenas de milhões de euros na edificação ou remodelação dos

seus hotéis na Boa Vista.

Tais dados vão ao encontro da literatura internacional (Ferreira, 2005; Lopes, 2008). Na

verdade, o WTTC afirma que em 2013 o investimento específico em turismo rondou os 21% do

total do investimento no país, o que se traduziu em 16,3 mil milhões de Escudos de Cabo Verde

(ECV) ou 147,8 milhões de euros.

Revitalização das Tradições

Como se fez menção na contextualização da Boa Vista, esta ilha dependia até há poucas

décadas da agricultura de subsistência, pastorícia e da pesca artesanal. Esta são algumas das práticas

tradicionais mais importantes, mas poderíamos incluir aqui outras como a recoleção de sal, urzela,

cal, cerâmica, entre outras já extintas. No caso dos cinco entrevistados que falaram na revitalização

201

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 20130

5

10

15

20

25

Evolução das Receitas do Turismo e Investmento Externo (2002-2013)

Receitas Brutas de Turismo

Investimento Directo Estrangeiro em Cabo Verde

Figura 7.1: Evolução das Receitas do Turismo e Investimento Externo em Percentagem do PIB (2002-2013)

VII – Impactos Percecionados em Análise

das práticas tradicionais como um impacto positivo, foi por unanimidade que apenas quatro foram

apontadas, mormente, a pesca, a agricultura, a pastorícia e a cerâmica; sendo que as últimas duas

apenas por uma vez cada, cimentando a ideia de que a agricultura na Boa Vista passa por um

processo de revitalização acelerado, graças à construção de algumas infraestruturas e ao

investimento em tecnologias contemporâneas de rega e técnicas de produção.

O caso da pesca é particular, dado que, de facto, hoje existe aproximadamente uma centena

de pescadores e algumas dezenas de barcos artesanais, ultrapassando largamente os número de há

três décadas, por exemplo.

No entanto, os entrevistados falavam na revitalização destas práticas tradicionais pesqueiras

como um impacto negativo, uma vez que apenas uma percentagem marginal dos pescadores são

naturais da Boa Vista. Sobre este assunto falaremos um pouco mais no ponto ”exploração externa

das oportunidades de negócio”. Por agora apresentamos exemplos das entrevistas referentes a este

impacto positivo:

Neste momento há uma viragem e o Governo já considerou a Boa Vista como a aposta mais séria emtermos agrícolas e pecuária e está neste momento a construir na ilha dez diques de retenção e captação deágua que vão permitir disponibilizar pelo menos 10 mil metros cúbicos de água por dia. E os agricultorescomeçam a aproveitar e estender as suas produções com tomate, pepino… URMREB34

A agricultura daquela época é totalmente diferente da agricultura que se pratica hoje! Já não é exatamenteuma agricultura de subsistência (…) visa o lucro! JGHRNB41

O turismo trouxe uma causa efeito no sentido de trabalho e crescimento. Se neste momento o ministérioda agricultura está a investir para desenvolver a agricultura não é porque mas para (...) criar postos detrabalho e atividades novas (...). URHREB37

Dado o reduzido número de menções, o perfil dos indivíduos que apontaram para este

impacto é, no que concerne à idade, bastante claro, são indivíduos com idades compreendidas entre

os 30 e os 49 anos, de ambos os géneros (5%), nacionais de Cabo Verde (7%), residentes em ambos

os espaços (urbano com 2% e rural 3%), com ensino preparatório (7%) até ao ensino superior (7%,

1% a mais que o ensino secundário). Todos estão empregados (8%) e pertencem ao grupo de

residentes naturais da Boa Vista (8%). Em suma, o seu perfil são jovens nativos da ilha,

profissionalmente ativos, com níveis de escolaridade elevados. A revitalização das práticas

tradicionais é um impacto positivo pouco comum na maioria dos estudos internacionais, ainda

assim, partilhado pelo trabalho de deKadt (1979).

Proteção Ambiental

202

VII – Impactos Percecionados em Análise

Este extenso impacto positivo engloba todo o tipo de investimento público ou privado na

criação e manutenção de áreas protegidas, incluindo campanhas ambientais e todo tipo de legislação

que visa a proteção do ecossistema natural da ilha, desde organismos públicos, do Governo à

Câmara Municipal, até associações de proteção ambiental ou de capacitação de jovens. Este

impacto é considerado tanto por Ferreira (2005) como por Lopes (2008) nos seus trabalhos.

A Boa Vista contém catorze das quarenta e sete áreas protegidas do país, entre elas sete

reservas em ilhéus, quatro monumentos naturais e duas paisagens, abrangendo área terrestre e

marítima, sobretudo a leste da ilha, sendo que, algumas destas áreas protegidas se sobrepõem a

zonas de desenvolvimento turístico90.

Hoje, a população é muito mais crítica, vai para a rua, faz abaixo-assinados, protesta, já não aceitaatentados ambientais de outrora. URMREB34

O perfil é novamente claro, os indivíduos que apontam para este impacto positivo têm

idades compreendidas entre os 20-29 (10%) e 30-39 anos (3%), tanto homens (2%) como mulheres

(5%), nacionais (3%) como estrangeiros (5%), de ambos os espaços (urbano 3% e rural 4%),

licenciados, profissionalmente ativos (3% dos empregados e 1% dos trabalhadores por conta

própria), tanto do grupo de naturais da Boa Vista (3%) como estrangeiros residentes (7%).

Procura por Artesanato

Tal como no caso anterior, o aumento da demanda de arte local, isto é, a procura de produtos

artesanais produzidos na ilha da Boa Vista, é entendido como um aspeto negativo mais do que

positivo, visto que, mais uma vez, os grandes produtores e vendedores de arte são estrangeiros.

Questão a aprofundar nos impactos negativos.

Resta referir que, como aspeto positivo, recebeu apenas uma menção, referente à escola de

olaria do Rabil, mas poderíamos aqui apontar para alguns produtores de artesanato no interior que,

afastados das rotas e do conhecimento dos operadores e turistas, escapam aos circuitos de consumo,

ou ainda, de alguns artistas locais que trabalham pontualmente para organismos públicos e privados

nas artes plásticas, sobretudo pintura. A citação:

Olha, estamos na escola de olaria onde aprendi a trabalhar com o meu irmão! (...) vemos esta loja que estácheia de produtos que são vendidos na sua maioria para os turistas! Quer dizer que de um ponto de vista,não havendo turistas teríamos de fazer outra coisa que não a produção de cerâmica! São algumas famíliasque vivem dessa produção! Temos jovens a trabalhar (...) melhor que estar sentados... mesmo que muitosjovens acabem os estudos, mas com o hotel e as pensões têm como trabalhar! Isso é importante!

90 Sugere-se a visita a um espaço virtual que se dedica a este ponto, o sítio: http://areasprotegidasboavista.blogspot.pt . 203

VII – Impactos Percecionados em Análise

URMRNB46

O único indivíduo que mencionou este impacto positivo tem 46 anos, é do género

masculino, caboverdiano natural da Boa Vista, com o ensino preparatório, empregado e habita no

espaço urbano. Na verdade, o indivíduo concreto que mencionou, neste caso, a escola de olaria fê-

lo, provavelmente por pertencer à mesma e nela laborar; mas dada a enorme afluência de turistas

que aquele espaço recebe, chegando às várias dezenas por dia, é de surpreender que operadores e

outros nacionais de Cabo Verde que trabalham, por exemplo, como motoristas e/ou guias de tour

entrevistados, não tenham mencionado a mesma. Por fim, resta referenciar os resultados

semelhantes dos trabalhos de Liu e Var (1986), ou Ap e Crompton (1998).

2. Perceção dos Impactos Positivos por Variável Sócio-demográfica

De forma a determinar a existência de alguma tendência transversal por variável sócio-

demográfica91, iremos analisar cada uma destas iniciando com a faixa etária dos entrevistados. No

que se refere à faixa etária mais jovem, compreendida entre os 20 e os 29 anos de idade, podemos

encontrar uma acentuada presença em todos os impactos, com exceção dos impactos positivos

referentes à maior procura por arte local e revitalização das práticas tradicionais onde não existe

qualquer menção da parte desta faixa. Quanto às restantes, esta faixa etária lidera em seis dos onze

impactos e surge em posições próximas dessa mesma liderança em três outros impactos.

Da mesma forma, a seguinte faixa etária, dos 30 aos 39 anos, também se apresenta em

posições cimeiras em praticamente quase todos os impactos, com exceção do nulo no impacto

positivo referente à procura pela arte local. É dizer, em seis impactos é a segunda faixa com maior

percentagem interna, e no impacto mais mencionado é o líder com elevado destaque. Estes dados

confirmam que existe uma forte presença das duas faixas mais jovens em todos os impactos

positivos e portanto leva-nos a inferir que a idade parece ser determinante na identificação dos

impactos positivos.

Quanto às faixas etárias restantes, podemos avançar que entre os entrevistados com idade

compreendida entre os 40 e os 49 anos em três impactos lideram e noutros quatro estão

posicionados próximos das duas posições mais elevadas. Na verdade esta faixa etária foi a única a

destacar a procura de arte local, mas por outro lado, não teve presença no impacto referente às áreas

91 Os resultados referentes aos impactos positivos e negativos, encontram-se no CD-Rom, em formato de Excel, noAnexo C.

204

VII – Impactos Percecionados em Análise

protegidas e campanhas ambientais.

A faixa entre os 50 e os 59 anos de idade não fez qualquer menção nos três impactos

positivos menos mencionados e apenas liderou, ainda que com grande destaque, o impacto referente

à migração. Entre os entrevistados na faixa 60-69 anos de idade, os valores oscilam entre duas

lideranças e dois lugares próximos da liderança, e quatro posições residuais e três nulos. A faixa

etária com 70 ou mais anos de idade é a que apresenta mais nulos, em cinco impactos positivos não

faz qualquer menção, e nas restantes ocupa o meio ou o fim da tabela.

Estes dados reforçam a ideia de que quanto maior a idade, menor a capacidade de identificar

impactos positivos e menor a presença nos impactos identificados. De forma geral a tendência é

esta, com a exceção dos impactos “crescimento económico” e “entrada de divisas”. Por fim, não é

detetável qualquer outra inclinação, mesmo em termos do cariz dos impactos, ou seja, a inclinação

anterior cobre tanto os impactos de cariz económico, como os de cariz social e ambiental.

205

VII – Impactos Percecionados em Análise

O género, por seu turno, sugere uma maior variação de resultados, já que, em quatro

impactos o género masculino lidera com destaque, e noutros dois por ligeira margem, ao passo que

o género feminino lidera com destaque em três impactos e por curta margem num outro, mas é o

único presente no impacto menos mencionado referente à procura pela arte local. No impacto

positivo “revitalização das práticas tradicionais” existe um empate técnico. Isto revela que o género

masculino, por uma ligeira margem, é o que maior presença tem nos impactos positivos, apesar de

num destes não ter qualquer menção.

206

Criação de Emprego

Infraestruturação

Migração

Melhoria das Condições De vida

Crescimento Económico

Intercâmbio Cultural

Aumento dos Níveis Profissionais

Entrada de Divisas

Revitalização dasTradições

Proteção Abiental

Procura por Artesanato

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Impactos Positivos Percecionados por Faixa Etária

20-29

30-39

40-49

50-59

60-69

70

Percentagem Interna

Figura 7.2: Impactos Positivos Percecionados por Faixa Etária

VII – Impactos Percecionados em Análise

A perceção do impacto por nacionalidade reúne seis situações de liderança para a

nacionalidade cabo-verdiana, em que cinco lidera com destaque, ao passo que os estrangeiros

lideram em quatro, duas das quais com destaque, e por outro lado, não têm qualquer menção no

impacto referente à entrada de divisas. Há ainda uma situação de empate no caso do impacto

positivo migração para a Boa Vista. Esta leitura revela que os nacionais de Cabo Verde são capazes

de identificar mais impactos positivos, e neles contabilizar mais menções.

207

Criação de Emprego

Infraestruturação

Migração

Melhoria das Condições De vida

Crescimento Económico

Intercâmbio Cultural

Aumento dos Níveis Profissionais

Entrada de Divisas

Revitalização das Tradições

Proteção Ambiental

Procura por Artesanato

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Impactos Positivos Percecionados por Género

Feminino

Masculino

Percentagem Interna

Imp

act

os

Po

siti

vos

Figura 7.3: Impactos Positivos Percecionados por Género

VII – Impactos Percecionados em Análise

Também claramente percetível é o domínio dos entrevistados que residem em meio urbano,

dado que são os que mais menções apresentam transversalmente, liderando em sete casos, sempre

com destaque face aos de meio rural que apenas lideram em três casos, onde apenas num deles com

destaque, nomeadamente, no impacto referente à revitalização das práticas tradicionais. Resta

referir o nulo dos residentes em meio rural no caso da procura pela arte local, e os dois impactos em

que ambos apresentam os mesmos valores, mormente, no caso da migração e do crescimento

económico. Com isto podemos afirmar que o espaço de residência condiciona a capacidade de

identificar impactos positivos e a subsequente presença nos mesmos.

208

Criação de Emprego

Infraestruturação

Migração

Melhoria das Condições De vida

Crescimento Económico

Intercâmbio Cultural

Aumento dos Níveis Profissionais

Entrada de Divisas

Revitalização das Tradições

Proteção Ambiental

Procura por Artesanato

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Impactos Positivos Percecionados por Nacionalidade

Caboverdianos

Estrangeiros

Percentagem Interna

Imp

act

os

Po

siti

vos

Figura 7.4: Impactos Positivos Percecionados por Nacionalidade

VII – Impactos Percecionados em Análise

O nível de escolaridade em co-relação com os impactos positivos percecionados indica que

os entrevistados com o ensino primário não lideram em nenhum dos impactos, mas encontram-se

próximos dessa liderança em três situações, o mesmo número de impactos em que não fazem

qualquer referência, isto nos três impactos menos mencionados. O nível de escolaridade

preparatório é o que mais impactos lidera, cerca de cinco, sendo que na maioria dos restantes ocupa

as últimas posições, não estando mesmo presente no impacto referente às áreas protegidas, porém

salienta-se que é o único a mencionar a procura de arte local.

Já entre os entrevistados com o ensino secundário, estes apenas lideram nos dois impactos

“intercâmbio cultural” e “aumento dos níveis profissionais” (ambos de cariz social), e na maioria

dos restantes ficam-se entre as últimas duas posições, não estando se quer presentes nos dois

impactos menos mencionados. Finalmente, entre aqueles com o ensino superior, foram capazes de

liderar em quatro impactos e seguir a liderança noutros cinco, sendo que não têm qualquer presença

no impacto menos mencionados e são os que menor presença têm no impacto mais mencionado,

mas por outro lado, são os únicos a mencionar o impacto referente ao ambiente. Grosso modo, o

nível de escolaridade parece determinante, ainda que em quatro impactos tenham sidos os níveis

mais baixos a apresentar mais menções.

209

Criação de Emprego

Infraestruturação

Migração

Melhoria das Condições de Vida

Crescimento Económico

Intercâmbio Cultural

Aumento dos Níveis Profissionais

Entrada de Divisas

Revitalização das Tradições

Proteção Ambiental

Procura por Artesanato

0 10 20 30 40 50 60 70

Impactos Positivos Percecionados por Área de Residência

Urbano

Rural

Percentagem Interna

Imp

act

os

Po

siti

vos

Figura 7.5: Impactos Positivos Percecionados por Área de Residência

VII – Impactos Percecionados em Análise

Antes de fazermos a leitura transversal entre os impactos positivos e o nível profissional,

devemos novamente recordar que, existindo apenas uma pessoa na categoria de doméstica, optámos

por não a destacar dada a profunda flutuação dos valores da mesma, ora a zero ora a cem por cento.

Assim, iniciamos com os empregados. Estes foram os únicos a mencionar tanto a procura de arte

local como a revitalização das práticas tradicionais, e um dos dois que mencionaram a criação de

áreas protegidas e campanhas ambientais. Para além disto, lideraram em seis impactos e seguiram a

liderança noutros três.

Os desempregados, por outro lado, apenas contam com presença em cinco impactos, sendo

que em quatro eles seguem na segunda posição (duas destas em ex aequo). Resta referir que a

maioria dos nulos são em impactos de cariz social. Já os trabalhadores por conta própria lideram em

três impactos e noutros dois seguem o líder, e têm dois nulos em impactos de cariz social, mormente

os menos votados. Os reformados ignoram os três impactos menos mencionados, são os que maior

percentagem interna apresentam no impacto referente ao crescimento económico, seguem o líder

em três impactos e encontram-se na última posição noutros tantos.

De acordo com o que podemos discernir, a situação profissional parece ter algum peso, uma

vez que na maioria dos impactos positivos são os empregados e os trabalhadores por conta própria210

Criação de Emprego

Infraestruturação

Migração

Melhoria das Condições De vida

Crescimento Económico

Intercâmbio Cultural

Aumento dos Níveis Profissionais

Entrada de Divisas

Revitalização das Tradições

Proteção Ambiental

Procura por Artesanato

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Impactos Positivos Percecionados por Escolaridade

Primário

Preparatório

Secundário

Licenciatura

Percentagem Interna

Imp

act

os

Po

siti

vos

Figura 7.6: Impactos Positivos Percecionados por Escolaridade

VII – Impactos Percecionados em Análise

quem têm maior destaque, ou seja, os que estão profissionalmente ativos parecem ser capazes de

mencionar mais impactos e garantir maior presença nos mesmos.

Resta tratar os grupos de residência, onde os nativos da Boa Vista estão presentes em todos

os impactos, sendo mesmo os únicos a mencionar as práticas tradicionais e a arte local, ademais são

os segundos em percentagem interna em cinco impactos. Os nativos de outras ilhas do arquipélago

ignoram os três impactos menos mencionados, entre eles o de cariz ambiental, por outro lado, são

os que lideram com enorme destaque no impacto criação de emprego, liderando ainda noutros dois

impactos, também estes de cariz económico. Já os estrangeiros residentes são os que mais se

preocupam com as questões ambientais, sendo que ignoram três impactos e estabelecendo-se nas

últimas posições na maioria dos casos.

Os operadores residentes são os que mais impactos lideram, cerca de cinco, sendo que em

dois destes com enorme destaque, nomeadamente na melhoria das condições de vida e no

intercâmbio cultural, por outro lado são os que menos importância deram ao crescimento

económico e ignoram os quatro impactos menos mencionados, entre eles o de cariz ambiental. Esta

leitura permite-nos inferir que os operadores são o grupo com maior presença nos impactos

positivos, sem que, no entanto, seja capaz de identificar tantos impactos como os nativos da ilha da

Boa Vista.

211

Criação de Emprego

Infraestruturação

Migração para Local

Melhoria das Condições De vida

Crescimento Económico

Intercâmbio Cultural

Aumento dos Níveis Profissionais

Entrada de Divisas

Revitalização das Tradições

Proteção Ambiental

Procura por Artesanato

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Impactos Positivos Percecionados por Situação Profissional

Empregado

Desempregado

TCP

Reformado

Percentagem Interna

Imp

act

os

Po

siti

vos

Figura 7.7: Impactos Positivos Percecionados por Situação Profissional

VII – Impactos Percecionados em Análise

3. Impactos Negativos Percecionados

Uma outra questão basilar desta investigação era determinar, de acordo com as perceções

dos entrevistados, quais os impactos negativos que o turismo massificado trouxe e traz para a ilha

da Boa Vista. Como a figura abaixo aponta, foram detetados dezanove impactos negativos, isto é

mais do que duplicou os positivos e quase duplicou o número de menções positivas. Ora, se nas

perceções motivacionais dos turistas os fatores associadas à natureza foram as que mais atenção

tiveram, e nos impactos positivos dos residentes foram os fatores ligadas à economia, aqui o cenário

é diferente.

Com largo destaque, são os impactos de cariz social (a amarelo) os mais mencionados, com

duzentas e noventa e uma menções em doze diferentes impactos, sublinhando que os efeitos sociais

negativos trazidos pelo turismo massificado ocupam lugar cimeiro nas perceções dos indivíduos

entrevistados. Dado o elevado número dos mesmos, não serão aqui discriminados individualmente.

Seguidamente vêm os impactos negativos associados à natureza, mormente “Ausência de

Infraestruturas”, “Aumento da Poluição”, e “Destruição da Natureza”. Por fim, os impactos

negativos intimamente ligados à economia, com cerca de cento e trinta e quatro menções, divididas212

Criação de Emprego

Infraestruturação

Migração para Local

Melhoria das Condições De vida

Crescimento Económico

Intercâmbio Cultural

Aumento dos Níveis Profissionais

Entrada de Divisas

Revitalização das Tradições

Proteção Ambiental

Procura por Artesanato

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Impactos Positivos Percecionados por Grupo de Residência

RNB

RNOI

REB

Operadores

Percentagem Interna

Imp

act

os

Po

siti

vos

Figura 7.8: Impactos Positivos Percecionados por Grupo de Residência

VII – Impactos Percecionados em Análise

por cinco impactos, entre os quais “Dependência face ao Turismo”, “Perda do Direito dos

Residentes”, “Abandono das Práticas Tradicionais”, “Aumento dos Preços”, e “Divisão Desigual

dos Benefícios na Comunidade Local”.

Como será de notar, alguns destes impactos são idênticos ou muito próximos de impactos

positivos anteriormente tratados, e noutros casos até o reverso de impactos positivos, o que

demonstra a panóplia de diferentes e até contraditórias perceções que coabitam entre os

entrevistados, e que enriquecem esta investigação e seus resultados. Como fizemos até agora,

iniciaremos pelo mais vezes mencionado e continuaremos por ordem decrescente.

Aumento da Criminalidade

Quando voltava do treino de basquetebol, por volta das 21 horas, olhava estrada empedrada no meucaminho quando numa rua mal iluminada junto à praça um indivíduo da África continental interpelou-memesmo junto à igreja na praça de Sal-Rei: “Hello my friend!” - saudou-me. Sem mais rodeios ofereceu-se para vender droga do tipo que eu quisesse. Chamava-se (…) e vinha doZimbabué. Apesar de rejeitar perentoriamente os seus serviços imediatamente vi naquela situação umaoportunidade de melhor conhecer a comunidade da África Continental e possivelmente uma outra janelapara a Boa Esperança. Sem grande margem para conseguir grandes informações o meu discurso era sempre interrompido pelasua pressão para lhe comprar os seus produtos. Tentou convencer-me a adquiri-los argumentando em

213

Quadro 7.3: Impactos Negativos Percecionados pelos Residentes

VII – Impactos Percecionados em Análise

inglês que: 'Às vezes estamos assim cansados e um medicamento ajuda a ficar leve!' - afirmouentusiasmado! (…) As drogas estão de facto à vista de todos! (DC 12/6/2012)

De forma muito sintética, o impacto negativo “aumento da criminalidade” engloba na

realidade um conjunto vasto de impactos como a prostituição, assaltos à mão-armada, assaltos a

casas, homicídios, venda e consumo de drogas, violência de gangues e um conjunto de atos

considerados como criminosos, chegando ainda até à simples noção ou “sensação de insegurança”

percecionada pelos entrevistados. Este impacto está em primeiro lugar na lista dos entrevistados

com sessenta e quatro menções, tantas quantas o melhor cotado impacto positivo, totalizando cerca

de 13% das menções a impactos negativos, e estando referido em 67% das entrevistas:

(…) temos uma ilha que cresce em demanda e também uma nova realidade que foi surgindo que são osassaltos, furtos a residências e portanto provocada pela vinda de gente de outros pontos do país, da costaafricana também, mas portanto desta discrepância social que se vai acentuando cá na ilha da Boa Vista.URMREB34

[Aumento populacional] (...) Aumento do consumo de droga, mais que posso dizer... tambémcriminalidade... tem pessoas assim, qualquer área tem trabalho mas tem pessoas que não queremtrabalhar. O que é que acontece, são mais as pessoas que estão no uso de droga e de bebida. Alcoolismo.Preferem não trabalhar do que estar atrás de turistas. URHRNB33

Só que aqui, com o aumento populacional, foi aparecendo outros aspetos que a Boa Vista não estavahabituada. (...) Segurança. Cresceu, mas em termos de segurança em termos policial estamos aquém doque uma ilha turística... (...) A delinquência juvenil, a prostituição e também... Quem trabalha num hotelnão consegue! (...) Nunca conseguem ter uma vida digna, então as pessoas vão desviando para outros...droga, prostituição, crianças de rua... outro aspeto que não havia antes. (...) São aspetos que estão acrescer! Cada dia que passa mais meninos na rua... JGHRNB31

Trouxe os tais problemas sociais característicos, a questão da prostituição, um aumento de droga... (...)alcoolismo... não sem o facto de ter aumentado teve a haver com o turismo... houve também questões dedelinquência... um incremento de roubos, a questão da segurança que não está muito boa! URMRNOI30

Havendo mais gente vai havendo outros problemas que o progresso sempre tráz. Não quero ser moralistamas... o aumento do consumo de drogas e o seu tráfico! Também de certa forma a prostituição! (...) anteshavia uma prostituição meio camuflada... (...) uma troca de favores! URFREB39

Aumento de criminalidade, de vandalismo... porque o aumento de turismo tem benefícios mas tambémtem essas partes negativas. Então na criminalidade na Boa Vista aumentou bastante e de forma bembrusca. Agora as pessoas estão sempre com medo na rua e isso! URHRNOI32

Os aspetos negativos são os assaltos, muitos turistas têm sido assaltados, com certa frequência na BoaVista. URHRNB29b

As alterações sociais que o aumento da criminalidade trouxe, leva muitas vezes os

entrevistados a revisitar o discurso da comparação da atual Boa Vista criminalizada com a imagem

de uma “antiga Boa Vista”, uma comunidade à margem dessa realidade, vivida na base de uma

espécie de ingenuidade idílica de comunhão e harmonia social:

214

VII – Impactos Percecionados em Análise

A antiga Boa Vista... Eu gostava mais da Boa Vista que havia antes porque era uma Boa Vista comqualidade de vida... imagina que antigamente podíamos abrir com o portão, tínhamos uma linha no portãoque era para abrir e fechar o portão. Podíamos dormir com a linha no portão, e podíamos ir à praia aqualquer hora do dia ou da noite e não havia problemas nenhuns! Era uma Boa Vista onde as pessoasestavam mais... havia mais união. Para mim, a qualidade de vida era muito melhor que agora. Agora há muita delinquência, há roubos, hámuitas pessoas de fora... pronto, é o turismo que trouxe muitas coisas boas para a ilha mas também tem assuas desvantagens! Eu agora tenho medo de sair à rua, não saio a partir das 7 ou 8 horas da noite, eu nãogosto de andar sozinha! Já ouviste falar que há muitos roubos na praia e mesmo na rua... URMRNB48

O turismo é bem visto, os problemas é que põem as pessoas da Boa Vista inquietas! Não tem esse espíritode agressão, não estão acostumadas a isso! (...) Mas vai ter um crescimento ainda mais acelerado...antigamente as pessoas viviam com as suas portas abertas! (...) As pessoas têm medo de sair à rua denoite! Principalmente as mais velhas que não estão acostumadas nem vão acostumar porque sempreviveram assim! (...) Acabou-se a tranquilidade da Boa Vista! Todos têm medo de sair à rua! CTMRNB20

A Boa Vista é uma ilha muito pequena! Antigamente aqui na Boa Vista eu podia sair e deixar a portaaberta que não tinha problema. Mas agora com os turismos aqui vem muitas pessoas... há pessoas boasmas sempre há pessoas que não é muito bem vindo! URMRNB44

Os boavistenses ficam sempre a reclamar... que a Boa Vista era uma vez... e agora está estragada!Dormiam com porta aberta e colocavam roupas lavadas sem mexer nada! (...) Agressividade aqui comarma era uma coisa de outro mundo e agora já estão a matar! URMRNB32

Existe este facto que é a violência, a droga, a prostituição... são danos para esta ilha tão tranquila depessoas educadas! URMRNB46

Importa também ressalvar que, por vezes, foi apontada uma forma de prostituição que existe

em paralelo com a mais comum; para além daquelas mulheres que a troco de dinheiro prestam

serviços de caráter sexual a outros, existem também referências a prostituição perpetrada por

homens, mas que não se enquadram exatamente nos mesmo moldes que a primeira. Alguns

entrevistados referiram que alguns jovens se sustentam com turistas que passam a “namorar”

enquanto estão de férias na ilha. Essencialmente trocam a sua “companhia” por presentes (como

telemóveis), refeições, dinheiro de bolso, etc. Uma espécie de prática que os aproxima de gigolos

informais:

Eles não vão gostar do que estou a dizer mas é prostituição! Muitos dos jovens veem um grupo, na outrasemana outro grupo, e na outra a “pessoa da minha vida”! URHRNOI34

A análise das características dos subgrupos das faixas etárias revela uma subtil relação

quanto aos entrevistados que apontaram para o impacto negativo “aumento da criminalidade”. Esta

prende-se com maior número de menções à medida que a idade é maior. Sublinhando, novamente,

que esta é uma tendência ligeira, resta apontar os dados concretos, que variam entre os 75% (40-49

anos de idade) até aos 60% (dos subgrupos mais novos e mais velhos da amostra), isto com a

215

VII – Impactos Percecionados em Análise

exceção dos 43% dos entrevistados entre os 50 e os 59 anos de idade.

Ora, se o género parece não ser determinante, visto que os homens (67%) apenas

acrescentam 1% às mulheres, já a nacionalidade aponta para uma acentuação por parte dos

estrangeiros (76%) face aos nativos (64%), ainda assim, ambos com elevadas percentagens. Por

outro lado, uma análise por zona de residência mostra que a esmagadora maioria dos entrevistados

do espaço urbano (72%) apontaram para este impacto negativo, ao passo que apenas 52% do espaço

rural o mencionou.

No que concerne ao nível de escolaridade, os dados são bastante próximos, todos entre os

63% do ensino primário, até aos 69% do ensino secundário (os restantes têm 67%), sugerindo uma

ligeira tendência para os entrevistados mencionarem mais este impacto à medida que avançamos no

nível de escolaridade.

Ao nível da situação profissional, para além da liderança por parte dos reformados (83%),

isto se ignorarmos novamente o caso isolado da doméstica (100%), tanto os trabalhadores por conta

própria (68%) como os empregados (65%) apresentam dados elevados (e próximos entre si),

deixando os desempregados (50%) para último lugar.

O aumento da criminalidade é muito importante também para o grupo de residentes

estrangeiros (86%), possivelmente em parte pelo receio pelos seus negócios e potenciais clientes;

logo seguido pelos naturais de outras ilhas (67%) e nativos da Boa Vista (64%). Na última posição

permanecem os operadores (55%) eventualmente porque os seus clientes e negócios ocorrem em

espaços privados com segurança própria, tal como as suas atividades e passeios em espaços

públicos, como os passeios de moto-4 são exemplo, sempre acompanhados relativamente de perto

pelas forças de segurança públicas em parceria com o exército.

Um exemplo disso é o programa “Turismo seguro”, onde dois elementos, um polícia e um

militar, patrulham as praias mais visitadas pelos turistas, forçando a uma diminuição da

criminalidade nesses espaços desde a sua implementação:

Tranquila, mas com pequenos problemas desde que os hotéis se implantaram, vieram muitos estrangeiros,badios, africanos e fizeram cabanas lá em baixo, as chamadas barracas. Umas 1000 ou 1500 pessoas...depois de terminados os hotéis ficaram sem trabalho, havia agressões, roubos e mesmo assim reforçarama polícia. Mas havia muitas agressões com faca, umas três ou quatro por semana! Depois colocaram umpolícia e um militar a fazer rondas... Agora baixou um pouco. URHREB68

Estes resultados são comuns na literatura internacional dedicada ao tema, como atestam os

trabalhos de Nicholls (1976) e Cohen (1988). Numa nota final, resta apontar para o facto do

216

VII – Impactos Percecionados em Análise

aumento da criminalidade estar intimamente associado ao aparecimento e expansão das chamadas

barracas, o bairro da Farinação e o bairro da Boa Esperança, daí que, na perceção dos entrevistados,

este impacto negativo esteja correlacionado com o próximo, o crescimento descontrolado, e com

outros neste capítulo:

(...) temos o bairro da Boa Esperança por motivos óbvios não é!? (...) essas pessoas com um índice deescolaridade baixo acabam por trazer para a ilha da Boa Vista coisas que são escusas (...) não havia naBoa Vista. O vandalismo, o caçobody, os assaltos! (...) Eu nunca imaginaria isso na Boa Vista! Fui criadocom uma educação diferente! (...) Hoje até temos casas de prostituição nas barracas... bordéis. Asnigerianas e assim... URHRNB27

Evidentemente que a mesma perceção se arrasta para a população emigrante que lá habita:

As pessoas que emigram para cá não são as melhores! (...) Qualquer coisa serve, roubo, assalto!URFRNB33

Agora o pessoal está com mais medo! Porque desde que chegou turismo, entrou muita gente a procurartrabalho e nesse grupo de muita gente vieram os que não querem trabalhar, os que querem roubar, atacar!URHRNB31

Apesar de pontualmente ocorrerem alguns roubos a habitações de locais na cidade de Sal-

Rei, relata-se que estes já chegaram às zonas agrícolas do interior e mesmo às áreas de pasto.

Durante o curto período fértil, após as chuvas, algumas planícies localizadas em zonas remotas e

desabitadas são usadas para pastorear o gado, nomeadamente cabras e vacas. Estes animais eram

deixados sozinhos por largos períodos de tempo, o seu isolamento e a relativa segurança não exigia

controlo rigoroso.

Tal situação permitiu que algumas cabeças de gado fossem roubadas e vendidas para

consumo dentro e fora da ilha, inclusivamente conta-se repetidamente um episódio em que um

habitante de Santiago tentou roubar um boi sem sucesso:

(...) antigamente as pessoas tinham a sua horta ou campo ali com melancia, feijão, batata... fica ali, podiapassar uma semana ou duas. Depois o dono vinha e tirava, mas hoje em dia, se deixa passar isso já nãoencontra! Antigamente tinha muita cabra! (...) os badios eles começaram a apanhar cabra e a meter emtanque de água, sete e oito para mandar para a Praia para vender. Teve até um homem da Praia que teve acoragem de apanhar um boi! Pintou-o de castanho e felizmente eles viram aquilo no cais, se não, levavamo boi pintado de castanho. Hoje todo o mundo o chama de "pinta-boi"! URHRNB31b

Divisão Desigual dos Benefícios entre a Comunidade Local

Entre os impactos positivos mais referidos encontravam-se tanto o crescimento económico

como a entrada de divisas, dois bons exemplos da injeção de capital na economia nacional e

também local. No entanto, esse capital adicional que circula na comunidade é muitas vezes

considerado como pertencente a um circuito fechado do qual apenas uma marginal percentagem dos

217

VII – Impactos Percecionados em Análise

benefícios chega aos membros autóctones. Por benefícios entenda-se, não apenas uma

redistribuição equitativa dos rendimentos que provêm do turismo, mas sobretudo as oportunidades

de negócio que esse mesmo turismo permite criar.

Com isto, pretendem afirmar que o dinheiro circula em grandes quantias, mas apenas entre

aqueles que têm capacidade de investimento e de retenção das principais oportunidades de negócio,

inclusivamente acusando algumas empresas estrangeiras de monopolizar algumas dessas

oportunidades. Ora, assim, entendemos que é percecionada uma divisão desigual dos benefícios

entre a comunidade local, nomeadamente, entre os residentes nativos da Boa Vista e aqueles novos

residentes estrangeiros.

O turismo ainda não é aquele que os cabo-verdianos desejavam em termos de benefícios que é desejadoné!? Para mim ainda está incipiente porque há muitos turistas mas os cabo-verdianos estão a colher poucoem termos laboral, nas instituições, nos hotéis, ainda o cabo-verdiano não tá muito… URHRNB48

Nos aspetos negativos, tem a ver com facto de que os turistas quase não usufruem fora do hotel. Raro é oturista que vai ao restaurante, a um bar ou então…URHRNB36

Neste momento surge tudo por todos os lados, novos operadores, novos restaurantes e novos negócios emtorno do turismo, mas é bom de salientar que a maior parte são estrangeiros! URMREB34

Mas o povo daqui não tem recebido muito em troca, por exemplo, não tem tirado proveito desse turismo.Verifica-se esse turismo de tudo incluído, tudo fica pago no hotel e quando o turista sai é só para ver, nãocompra nada, pouco compram. Assim fica difícil para a população tirar algum proveito. BFHRNB29

Acho que não! Este é um dos pontos negativos do turismo aqui! Um turismo all-inclusive, onde osturistas vêm para cá já com tudo incluído no pacote que têm. Praticamente nos hotéis onde vão já temtudo e não precisam de sair para procurar nada fora do hotel, isso acaba um pouco por prejudicar oturismo na ilha! URHRNB30

Apesar dos problemas, a população tem vindo a reclamar porque não tem vindo a tirar proveito comodeveria. De ano para ano o turismo tem aumentado. Número de hotéis, de turistas. A população tem aceitede maneira positiva o turismo na ilha mas com algumas reclamações. URHRNB30

Para mim foi a maior desilusão é ver mesmo os filhos da Boa Vista que nunca viveram assim! (...) Temuma injustiça social muito maior! (…) Foi injusto, como não há controlo, não há uma exigência para quepossam distribuir melhor a riqueza ela ficou na mão de duas ou três pessoas e eles dominam a ilha.URHRNB62

Esta distribuição desigual prende-se, na perspetiva dos entrevistados, com o facto dos

investidores estrangeiros retirarem maiores dividendos do turismo que os nativos do país e da ilha.

Sem dúvida que a maioria da insatisfação se prende com o facto dos hotéis serem do tipo “tudo-

incluído”, retirando inúmeras oportunidades de negócio aos locais, que por sua vez, possuem

pequenos negócios ligados ao comércio e serviços. Essa é de longe uma das maiores queixas ao

turismo massificado que se pode ouvir nas conversas em espaços públicos, cafés, praças... o tema

218

VII – Impactos Percecionados em Análise

do dia é “todos os dias”, o facto da empresa A ou B, em particular as estrangeiras, quase

monopolizarem certo serviço, ou controlarem o valor de certo produto.

É inegável a influência e supremacia destas grandes empresas hoteleiras e seus parceiros

operadores que estão presentes no terreno. Diga-se, supremacia, e não monopólio, porque ainda

assim alguns nichos são aproveitados por pequenas empresas. Mesmo assim, é sem dúvida acertado

afirmar que os turistas têm acesso a tudo o que possam necessitar no hotel, inclusivamente serviços

disponíveis em Sal-Rei, como escolas de surf ou lojas de artesanato com alguns produtos locais.

O “único motivo” que à partida poderá motivar os turistas a sair é a sua curiosidade em

conhecer alguns lugares de reconhecida beleza natural ou interesse histórico-cultural. Curiosidade

essa que é satisfeita, em larga medida, pelos operadores turísticos representados em todos os hotéis

por elementos das mesmas que procuram vender esses pacotes “de experiências”, como por vezes

são denominados.

Certas empresas têm seus carros, seus transportes… dizem que fazem controlo do estrangeiro (…) e vemtudo, tudo vem aqui e o hotel favorece tudo, as suas contas estão todas feitas! As pessoas daqui têm tiradopouco proveito… no princípio sim mas agora as coisas baixaram! BFHRNB44

As pessoas que vêm não é por se interessarem pela ilha. Vêm por uma ou duas semanas e fazem a vida depraia. Tenho a certeza que cerca de 80% das pessoas não saem do hotel! Alguns são um pouco curiosos efazem algumas excursões, mas os outros não saem do hotel. Isto é um bocado de lamentar, este turismo demassa. Há tantos turistas como caboverdianos na ilha. Há mais ou menos 10 mil turistas e 10 milcaboverdianos. URHREB68

Para além disso, os caboverdianos da ilha não beneficiam diretamente deste turismo porque as viagens sãocompradas na Europa e o dinheiro fica na Europa! (...) E é tudo incluído o que faz com que as pessoas nãogastem dinheiro na ilha, ou muito pouco. Claro, dá emprego a uma centena de pessoas, mulheres quefazem limpeza, homens que fazem manutenção dos edifícios, mas é só! Não há realmente retornofinanceiro para a ilha. URHREB68

Os turistas que chegam vão para os hotéis, ficam nos hotéis e depois fazem a voltinha e passam aqui evão! O turismo resume-se basicamente a isso! JGHRNB31

São as tour operadores que mandam na lei aqui! (...) O Governo não consegue impor por que os hotéistêm a faca e o queijo na mão! JGHRNB31

O turismo não oferece nada! Vou dar um exemplo, neste momento disseram que os hotéis estão cheios!6000 pessoas! Agora a Boa Vista só precisa de 600! Você nem vê 6! (...) 6000 mil fechados, trancados nohotel! URHRNOI61

Mas não são apenas as grandes empresas estrangeiras que são aqui apontadas, mesmo os

pequenos trabalhadores ou proprietários de lojas de artesanato, na sua maioria nativos da costa

africana, também são alvo de críticas, tal como os comerciantes chineses, ou proprietários de cafés e

restaurantes italianos.219

VII – Impactos Percecionados em Análise

Isso, por acaso, é um ponto negativo do turismo. Eles fazem publicidade para que os turistas sófrequentem os lugares dos estrangeiros! (...) Quem vem mais [aos dos locais] são mais os portugueses, porexemplo, um ou outro italiano (...). Um dia chateei-me com um guia inglês que dizia "Olha vão aoMorabeza, Social Club, mas não recomendo os restaurantes caboverdianos porque não sabemos de ondevem a comida..." não sei quê. Eu às vezes ouço cada absurdo que eu... (...). Vêm cá, dão as informaçõeserradas e os turistas ficam com uma ideia errada do que é! (...). URHRNB36

Uma coisa que eu critico é que os guias não sejam caboverdianos, nem digo da Boa Vista, mas, pelomenos, caboverdianos! CTMRNB20

Hotel, pensões e tinham que tinham tendas na praia ou com as suas mochilas nas costas. Havia um grupode franceses que vinham sempre para a praia de Cruz! (...) Não eram turistas davam consultas, mas osturistas ficam nos hotéis ou pensões. Era só o Dunas, aquele Luka Kalema. (...) Depois os italianos. Ositalianos vieram depois de construir o Marine Club. Eu conheço os italianos porque eu trabalhava comodançarino, fazia espetáculos assim. Vieram como animadores e agora são empresários! URHRNB37

O Marine Club foi o principal para atrair novos hotéis! (...) O senhor veio para trabalhar no Marine Club enão era se quer o dono de nada e hoje é dono do comércio aqui. Eu acredito que haja muita coisa sujaaqui. URHRNB46

O turismo na Boa Vista ainda não está tão desenvolvido como pensamos, porque o turismo queoferecemos é turismo de praia, devíamos oferecer outro tipo de turismo como o cultural. Temos umacultura vasta e temos de aproveitar e oferecer outras coisas, mas não. Antes havia lojas de artesanato de pessoas de Cabo Verde, locais, só que com a concorrência dosSenegaleses houve uma baixa de preço dos produtos e as pessoas da Boa Vista sentiram-se desvalorizadose disseram que "não vale a pena a fazer objetos e apanhar objetos por um preço que depois não vale apena!". Penso que isso incentivou muito a não ter produtos, mesmo de Cabo Verde ou da Boa Vista!URHRNB29b

A maior parte dos negócios são de italianos, e eles não têm essa ligação ao caboverdiano! URMOP33

(…) o comércio tradicional está comprometido pela ferocidade dos mercados chineses que vendem osmesmo produtos que os cabo-verdianos mas a uma preço mais reduzido. Sentem que estão a perder opulso à sua ilha. URMREB34

Do mesmo modo, entre os nativos da Boa Vista a crítica arrasta-se ainda aos outros

compatriotas. Ora, são os pescadores, as peixeiras, os vendedores de mercado e de rua, os taxistas,

os técnicos de nível médio nas empresas locais, ninguém escapa à crítica.

Quer dizer, por exemplo, no mercado do peixe já não há pessoas da Boa Vista! Eles tomaram conta dopeixe! URHRNB36

Boa Vista não tem pescadores agora! São todos de Santiago. (…) Uma das melhores fábricas de atum eraaqui na Boa Vista. URHRNB80

A análise cruzada entre a faixa etária e os indivíduos que a destacaram revela que, apesar do

subgrupo com idades compreendidas entre os 60 e 69 anos de idade (83%) estar mais preocupado

com este impacto do que qualquer outro, nos subgrupos anteriores todos se circunscrevem entre os

57% (50-59 anos) e os 65% (40-49 anos), com exceção do nulo dos mais velhos. É possível

220

VII – Impactos Percecionados em Análise

desenhar uma curva decrescente nesta variável: quanto maior a idade dos entrevistados menor é a

tendência de apontar para o impacto negativo em causa.

O mesmo preocupa mais os homens (66%) que as mulheres (55%), mais os estrangeiros

(71%) que os nativos (59%), mas apenas ligeiramente mais os que habitam em espaço urbano

(62%) do que os habitantes rurais (59%).

Em termos de nível de escolaridade, a percentagem mais acentuada é entre os indivíduos

com ensino secundário (88%), por larga margem, sem ainda assim perturbar a tendência geral que

sugere que quanto maior o nível escolar mais atenção é atribuída à divisão desigual dos benefícios

entre a comunidade local.

Com as exceções de tanto reformados como da doméstica, este impacto negativo é

preocupante para todos os entrevistados, em particular os que trabalham por conta própria (73%),

mas também para empregados (63%) e desempregados (50%).

Na análise por grupo podemos ver que apenas um terço dos nativos de outras ilhas e 45%

dos operadores consideram este impacto como importante, ao passo que a grande maioria dos

nativos (66%) e dos estrangeiros residentes (79%) estão alerta para o mesmo. A distribuição

desigual encontra eco em vários outros estudos como os de Getz (1994), Lindberg et al (2001),

Monterrubio et al (2012).

Este ponto teve extrema importância nesta investigação, uma vez que a persistência dos

residentes em salientar esta questão era enorme. Por esse motivo, uma das questões do inquérito aos

turistas procurava precisamente determinar os seus hábitos de consumo fora do hotel de forma a

determinar se as preocupações e queixas dos residentes se confirmavam.

Os resultados mostraram que 79% dos inquiridos saíram do hotel onde estavam hospedados;

no entanto, 60% destes não o fez sem recorrer aos serviços de operadores turísticos. Na verdade,

28% dos que saíram livremente fizeram-no apenas por uma vez, 6% por duas vezes, e 3% por três

vezes (0% mais do que isso). Por outro lado, entre os que usaram os serviços dos operadores, 40%

fê-lo apenas por uma vez, 25% por duas vezes, 3% por três vezes e 1% mais do que três vezes.

Estes dados devem ser enquadrados de duas formas: em primeiro lugar, os inquiridos eram

de nacionalidade francesa e portuguesa, dois grupos que, a par dos italianos, estão entre os que mais

saem do hotel, e ainda os que mais o fazem sem usar os serviços de operadores, em particular os

italianos e portugueses.

Se a recolha dos questionários tivesse seguido o plano original na sua aplicação às221

VII – Impactos Percecionados em Análise

nacionalidades que mais visitam a ilha (Reino Unido, Alemanha, Itália, Portugal e França) os

resultados poderiam ser diferentes. Durante a permanência do investigador no terreno, era quase

impercetível a presença dos turistas do Reino Unido e Alemanha fora dos serviços prestados pelos

operadores. Ainda que se reconheça que a grande maioria dos turistas que usava estes serviços eram

destes países, dado o volume total dos mesmos no destino, a percentagem real por nacionalidade

revelaria a baixa assiduidade destes na exploração do destino de forma livre e espontânea.

Em segundo lugar, alguns dos inquiridos afirmaram realizar caminhadas pela praia até aos

arredores da cidade Sal-Rei, contabilizando estas como saídas, quando o objetivo da questão era

determinar os que consumiam, por exemplo, os serviços prestados pelos taxistas locais em

detrimento do dos operadores.

Assim, os dados são claros quanto à perceção de divisão desigual das oportunidades dentro

da comunidade local, e estes dados também confirmam que a maioria dos turistas recorre aos

serviços de operadores estrangeiros, aumentando a saída de capital para o estrangeiro e diminuindo

as oportunidades para a economia local.

Crescimento Descontrolado

Uma consequência de isto tudo é que o crescimento é descontrolado, no sentido que Cabo Verde se está adesenvolver muito rapidamente para as suas capacidades! (...) Desenvolveu-se em 10 anos aquilo que nãodesenvolveu em 100 anos! URHREB37

Por crescimento descontrolado entendemos um crescimento da população residente e

visitante acima da capacidade de carga do espaço, nomeadamente ao nível de infraestruturas,

serviços básicos e outros garantidos pela constituição de Cabo Verde aos seus cidadãos e residentes

legais. O exemplo icónico deste tipo de descontrolo é o da malha urbana, mormente o surgimento e

expansão exponencial dos bairros de lata ilegais da cidade de Sal-Rei, concretamente o bairro da

Boa Esperança e o bairro da Farinação.

O bairro antigamente era ali no terreno da Shell. Tinha mais ou menos cinco barracas. A CM tentou acabarcom aquilo e não consegui. E depois pediu para mudar para ali em cima porque era na entrada da vila enão ficava bem. Depois de um mês, começaram a crescer, crescer, e quando eram umas vinte aquilo pegoufogo! Na altura morreram umas duas pessoas, entre eles uma prima minha que vivia ali também! Depois, (...) foram esquecendo e tornaram aquilo como... não sei te explicar. Todos os barcos que vinhamaquilo enchia de gente. Depois voltou a pegar fogo. A CM foi, marcou o chão e que não era para continuara construir. E aquilo cresceu de uma forma que se tornou uma cidadela de barraca! URHRNB31b

Antes não havia necessidade de mão de obra só havia quatro barraquinhas, de madeira e de plástico.Depois de um par de incêndios deixaram de construir com materiais combustíveis e começaram combloco! (...) A barraca tem a sua própria gestão, seus restaurantes, seus mercados, seus alimentos. (...)

222

VII – Impactos Percecionados em Análise

Agora há muito desemprego, as grandes obras acabaram, as pequenas são poucas. A maioria estãodesempregados. É uma bomba social! Em condições um pouco infra-humanas! (...) Muita genteconcentrada num espaço muito pequeno. Se acontece uma epidemia pode ser um desastre! URHREB36

Antes na Boa Vista quando chegava uma pessoa, toda a gente ficava a saber que era uma pessoa estranha àilha! Hoje por exemplo nem estamos.. porque é tantas pessoas... e portanto aumentou a população até apopulação estudantil. Veio trazer outras necessidades e a ilha passou a ser diferente! [ficheiro2] (...) trouxenecessidades em termos de habitação. As pessoas que vieram para cá e não havia habitação para todas as pessoas. Depois o turismo veio para cáe não é um turismo planeado, não é nada planeada, e veio trazer esses problemas. As pessoas começam aconstruir barracas. Na ilha antes dessa altura não havia barracas! Vivia-se muito da emigração, das remessas que osemigrantes mandavam! (...) Não havia mão de obra suficiente e tiveram de recrutar pessoal! (...) Hápessoas, por exemplo, (...) é como se fosse, vieram mais pessoas de Santiago, primeiramente é como sefosse um bairro que veio de outra ilha, como se fosse outra ilha! Começou a importar outras coisas,importação entre aspas. Primeiro vieram os de Santiago e depois da costa de África, e agora de todas asilhas. Então há uma separação, penso, embora as pessoas estejam a tratá-las normalmente, há sempre...somos todos de Cabo Verde! URMRNB43b

Evidentemente que este crescimento descontrolado implica outros efeitos multiplicadores

negativos, diretos e indiretos, como o aumento da criminalidade e a especulação imobiliária,

contemplados anteriormente, e outros que serão aqui também abordados. Por crescimento

descontrolado incluímos também o investimento em infraestruturas dedicadas ao turismo por parte

de privados, aprovado seja pelo Governo ou pelos poderes camarários, e que povoa a periferia e o

centro de Sal-Rei de forma legal.

Como são os casos dos prédios para aluguer de habitação para o turismo que, devido à crise

internacional, ficam inacabados e/ou são construídos sem acesso a saneamento, eletricidade ou em

lugares por lei, teoricamente protegidos por questões ambientais. Ou ainda, o caso de grandes

empreendimentos hoteleiros do tipo resort ou residências em condomínio fechado que ficam por

terminar devido a questões de litígio legal, retração de investidores, entre outros fatores que os

tornam insustentáveis económica e ambientalmente.

Todavia, o grande foco de crítica são, sem dúvida, os bairros degradados sem acesso a

serviços básicos como água potável canalizada e saneamento canalizado, na sua maioria sem acesso

à rede elétrica (de forma legal ou ilegal), recheado de habitações e pequenos negócios situados em

condições precárias de segurança e higiene. Lugares que dependem de cisternas públicas onde todos

os dias dezenas de pessoas fazem fila para a obtenção de água potável para consumo e higiene

pessoal, e onde a presença das forças policiais públicas é, apesar de gradualmente mais presente,

ainda reduzida.

A ilha entrou num crescimento, eu não digo desenvolvimento digo crescimento descontrolado em todos os

223

VII – Impactos Percecionados em Análise

aspetos. URHRNB36

(...) temos bairros degradados como é o caso da Boa Esperança... é inadmissível! Todos somos culpados,os privados também são culpados... O Governo sabia que não havia mão de obra necessária para aconstrução. A Boa Vista vai crescer de forma descontrolada... já é tarde e é muito complicado resolver asituação desse bairro. BFHRNB25

Boa Vista era talvez a única ilha que não tinha Barracas! Isso tudo são consequências do mal dodesenvolvimento. URHRNB48

O salário que os hotéis pagam, não há salário mínimo [em Cabo Verde], eles pagam 200… 100, 150€…Por isso é que nasceram as barracas! O vencimento é baixo o custo dos preços subiram e o pessoal nãotem dinheiro para alugar uma casa, porque se alugar não tem o que comer. URHRNB31

Entretanto com o fenómeno do turismo, e com a necessidade de ter mão de obra para construir os hotéis,os apartamentos turísticos, e a nova habitação aqui na ilha da Boa Vista veio gente para cá de todo omundo e portanto temos ali cerca de seis mil habitantes só dentro daquele bairro. (…) ali vivem naquelebairro precário sem água, sem luz… é o patinho feio do desenvolvimento turístico na ilha da Boa Vista.URMREB34

A problemática mais evidente das condições precárias em que as pessoas habitam nestes

espaços é o elevado risco de problemas de saúde que pode advir, não só para o resto da população,

como para os turistas da ilha. Um problema de saúde pública poderia comprometer por vários anos

o turismo na ilha e afundar dramaticamente a economia nacional e local:

A maior parte das pessoas que estão lá são trabalhadoras! A maior parte das pessoas empregadas noshotéis vivem nas barracas! URHRNB36

Isso é um problema que pode ser bastante grave. As pessoas não têm condições de vida, as pessoas quetrabalham nos hotéis vivem nas barracas! Se um dia acontece uma epidemia, os turistas são os primeiros asofrer! (...) Basta surgir nas barracas, que vai surgir nos hotéis! As pessoas teriam de ter condições devida! URHOP47

Do outro lado da balança houve um impacto extremamente negativo que foi o surgimento das barracas! Asbarracas... é um bairro ilegal... foi... construído por barracas, casas de papelão e agora já tem de cimento ebetão. Mas é um bairro onde as condições de vida, saúde, sanitárias são precárias. Existe uma classeoperária. Trabalhadores da classe dos hotéis e outros serviços. Muito não têm grande poder de compra!URMRNOI30

Então, com cinquenta e seis referências, presente em 58% dos entrevistados, o crescimento

descontrolado é um importante impacto negativo tanto para os homens (59%) como para as

mulheres (58%), mas sobretudo para os habitantes urbanos (64%), onde as pressões da malha

urbana estão presentes, ainda que no espaço rural (44%) seja também bastante referido.

Sendo mais preponderante para os subgrupos de população mais jovem, não deixa de ser

interessante a nulidade de referências dos mais idosos e a maior percentagem individual desta

categoria entre os indivíduos com idades compreendidas entre os 60 e 69 anos de idade (67%), logo

224

VII – Impactos Percecionados em Análise

atrás pelos 30-39 anos (68%), e dos restantes (com 60%), sendo que também o subgrupo com 50-59

anos de idade se fica pelos 29%, ainda assim mantendo a tendência geral decrescente.

Também são os estrangeiros (76%) que mais apontam este impacto, bem acima dos nativos

(53%), tal como ocorre com os indivíduos com o ensino secundário (88%) cuja percentagem interna

é muito superior às demais, em particular à dos indivíduos com o ensino primário (21%). Isto

insinua que, quanto maior o nível de escolaridade, maior atenção é dada à questão do crescimento

descontrolado.

Longe de relevância de nota ficam os reformados e os desempregados (ambos nos 17%),

deixando os empregados (65%) e trabalhadores por conta própria (59%) a atribuir mais atenção a

este impacto.

Por fim, em termos da análise por grupo, são os operadores (82%) e os residentes

estrangeiros (79%) aqueles que mais consideram este impacto negativo, com alguma distância quer

dos nativos (53%) quer dos imigrantes (42%). Enquanto impacto social destacado, não existe nos

trabalhos internacionais uma categoria idêntica, já que este se assemelha aos impactos “ambiental”

e “inadequação de infraestruturas”; no entanto, já que aqui se refere especificamente ao crescimento

exponencial dos bairros degradados, optámos por criar uma outra categoria diferenciadora.

Antes ainda da análise do próximo impacto negativo percecionado, deixamos aqui um

excerto do diário de campo do investigador que relata a sua primeira experiência no bairro da Boa

Esperança durante o trabalho de campo:

Ontem fui finalmente às barracas e era tudo o que imaginava e um pouco mais! Alugam-se quartos porquatro mil a seis mil ECV e a eletricidade custa à volta de três mil, mas depende da quantidade delâmpadas, televisões e aparelhos porque se paga ao objeto e não à unidade de consumo! O esquema degeradores enriquece alguns estrangeiros do continente. As casas têm um aspeto exterior que muitas vezescamufla o interior mais cuidado. A rua está cheia de gente, de crianças a adultos e praticamente nenhumidoso à vista. Vi de tudo à venda, de comida e bebida a drogas e prostituição. A violência existe e os moradores falam nela com preocupação: 'Muitos jovens preferem a vida debandido a trabalhar!', afirmava um nativo de Santiago. A comida é racionada dada a ausência deequipamentos como congeladores ou por causa do inconstante fornecimento elétrico, e 'nada vai paradesperdício!'. Apesar das ruas estarem tão limpas como as de outras partes da cidade, os odores são intensos. Não existesaneamento e as casas de banho são as valas dos acessos ao bairro. O odor, o lixo, as águas estagnadassão um risco presente para toda a saúde pública.Sentei-me com todos [grupo recém apresentado de residentes do bairro] numa pequena tasca com bancose cadeiras de plástico, música em alto volume e na televisão sem som o canal de música. Um dospresentes estava claramente alcoolizado antes de pedirmos a primeira rodada de cervejas. O barulhoimpedia uma conversa fluída. Do nada, o indivíduo alcoolizado pergunta-me: 'Já estiveste com uma caboverdiana?'. Ao respondernegativamente ele chama a empregada do bar e diz-lhe algumas palavras ao ouvido. Ela olha-me de alto abaixo e responde-lhe regressando ao bar manifestando algum desagrado pela proposta. Ele volta a chamá-

225

VII – Impactos Percecionados em Análise

la em pleno pulmão e agarrando-a nas nádegas diz: 'Queres [esta]?'. Com alguma atrapalhação o [informante] interrompe a situação ao olhar para o meu desconforto e recordaa viva voz o indivíduo de que eu era casado e não queria que ele o importunasse com tais convites ao queo homem responde: 'Casado?! E depois, é só sexo!'.Quando eventualmente regressámos a casa, já pelas 21 horas, a noite há muito tinha caído e as ruasestavam mais vivas que nunca. Os diferentes sons das várias tascas e habitações particulares. As gentesem corrupio a circular nas ruas... (DC 4/9/2012)

Aumento dos Preços

Estamos perante um outro impacto negativo bastante taxativo. O aumento de preços é um

impacto comum em espaços turísticos, dada a inflação a que esses lugares estão sujeitos, em

particular os espaços de maior sucesso. Deve-se, no entanto, notar que no caso da ilha da Boa Vista,

desde há muito padece de uma periferização face aos principais centros de produção, sobretudo

agrícola, o que inflaciona os preços dos produtos, em particular os básicos.

Se noutros espaços turísticos, por exemplo, um produto fresco num restaurante ou café é

substancialmente mais elevado do que no mercado público mais próximo, aqui poucas vezes esse é

o caso. Depende, sobretudo, se o produto é localmente produzido ou se é importado em grandes

quantidades pelos fornecedores das grandes cadeias hoteleiras, ficando assim a um preço mais

acessível que nos mini-mercados locais.

Será justo ainda fazer referência ao facto de que mesmo em muitos produtos produzidos

localmente por nativos, o seu custo é frequentemente o mesmo ou muito ligeiramente inferior ao

que chega de barco, importado da capital ou de outras ilhas por parte de pequenos comerciantes

dessas outras ilhas. É dizer, uma porção da pressão sobre os preços persiste também, em parte, pela

procura de lucro elevado por parte dos produtores locais.

A construção de vários diques para retenção de águas das chuvas no interior promete

aumentar a produção agrícola e a sua variedade e, assim, possivelmente, reduzir os preços destes

produtos e o custo de vida geral da população. Até então, os pequenos comércios em Sal-Rei, na sua

maioria lojas de nacionais da China, vai reforçando a sua montra de víveres e retirando o espaço a

outros produtos que comummente podemos encontrar em Portugal em qualquer das lojas deste tipo.

Isso é uma outra prova de que na Boa Vista mercado alimentar é aparentemente altamente

lucrativas dadas as margens dos comerciantes:

O custo de vida na Boa Vista é excessivo e tem a ver com vários fatores. Um dos fatores é que tudo éimportado… (…) Também há o fator de que a ilha não produz quase nada. A nível hortícola produz-semuito pouco. URHRNB36

226

VII – Impactos Percecionados em Análise

Esse é o ponto negativo que o turismo trouxe. Desde que chegou o turismo, o preço de tudo subiu.URHRNB31

Não! Aí é que está a diferença, era muito barato! (…) Viver na Boa Vista era muito barato mesmo! Alagosta que se comia em 1998, quando cheguei aqui, vendia-se a menos de mil escudos, você nãoencontra por menos de não sei por quantos [2500]! Antes na Boa Vista falava-se que se comia carne compedaços de batata agora é pedaços de porco com batata! (…) O Natal está a chegar e não sei como voufazer para ter lagosta! JGHRNB41

Tudo é caro e tem de ser importado e os impostos são muito altos, e depois para o cliente também é caro!Devem encontrar outro sistema de taxar. Penaliza a todos, o caboverdiano e o turista. URHREB51

A construção do aeroporto internacional foi muito ligado a estes projetos, esses investimentos grandes.Em dois anos as coisas mudaram totalmente. Por exemplo, já os produtos locais são menos, o peixe, hámenos e é mais caro. Os hotéis para garantir os peixes para os turistas querem comprar até preços que aspessoas não querem investir. Mas eles podem e mandam no preço. URHREB35

Pensava-se que com o aumento das pessoas as coisas baixassem mas continua muito caro! OPFREB41

Uma ilha turística onde as coisas são elevadas, o produto é caro e se tu consegues manter a sua famíliacom o que ganha! É uma das coisas, fatores que implicam muito da situação da vida do turismo! (...)Deriva tudo do turismo! Onde há turismo sabemos que as coisas não são fáceis! O Governo devia de verbem essa situação! (...) Para os outros que não têm família, aqui é difícil! URMRNB46

Não dá para fazer uma poupança se não tens casa própria! Os produtos são caros! Nos chineses ou domercado... há muita procura! (...) se um não compra outro compra! Não há alternativa! Põem os preçosque quiserem! Todos somos turistas! URMRNB32

Há uns anos que a Boa Vista se tornou uma ilha muito cara por causa do turismo. Há essa ideia erradaque o turista vem cheio de dinheiro e vai comprar tudo o que tem na loja! URMRNOI32

Muito caro, antes comprava um quilo de atum por 80 cêntimos, agora custa 6 euros, portanto não secompara! (...) Vou-te dar um exemplo. Antes da chegada desses hotéis não havia uma pessoa na BoaVista que não tivesse casa para morar e comida para comer! URHOP31

Sendo praticamente o mesmo número de entrevistados, que o anterior, a mencionar este

impacto, 57% dos indivíduos que o fizeram são tanto caboverdianos (59%) como estrangeiros

(52%), embora mais homens (62%) que mulheres (50%). Se os indivíduos com 60 a 69 anos de

idades apresentam a percentagem interna mais elevada, com 67%, isso não invalida a tendência de

quanto maior a faixa etária menos preponderância atribuída a este impacto; já os restantes

subgrupos vão dos 65% dos mais jovens aos 20% dos mais velhos.

Outro sinal claro é de que, em meio rural (48%), este impacto passa mais despercebido que

em meio urbano (64%). Também o nível escolar sugere que à medida que este avança, maior

atenção é dada ao aumento dos preços, isto apesar do valor mais elevado se encontrar nos

indivíduos com o ensino preparatório (67%). Os restantes variam dos 42% do ensino primário aos

61% do ensino superior.227

VII – Impactos Percecionados em Análise

O aumento dos preços apenas preocupa um terço dos reformados, mas os desempregados

(50%), os empregados (55%), e os trabalhadores por conta própria (64%) revelam uma preocupação

bastante superior. Por fim, é visível ainda que o grupo dos operadores se destaca na atenção ao

aumento dos preços com 73%, bastante acima dos restantes que vão dos 50% dos residentes

estrangeiros aos 58% dos oriundos de outras ilhas (ainda que apenas com mais 2% que os nativos

da Boa Vista).

O aumento dos preços é sinónimo também de degradação da qualidade de vida,

estabelecendo desde logo um paradoxo com o impacto positivo, já analisado, que determinava

exatamente uma melhoria da mesma qualidade. Este impacto negativo está presente tanto em

Carmichael et al (1996) e em Lawson e Williams (2001), assim como em inúmeros outros trabalhos.

Alterações à Moralidade

O boavistense está em vias de extinção! Isso eu acho. URHRNOI34

Já desapareceu. Primeiramente havia gente da Boa Vista e a cultura, mas agora nem gente nem cultura!(…) Tudo fora do sentido! URHRNB80

Se é indiscutível que a cultura de qualquer sociedade é mutável, sofrendo ajustes constantes

nos seus códigos de conduta, moralidade, regras e valores, não deixa de ser justo salvaguardar que

estas mutações podem ocorrer a ritmos muito diferentes de uma sociedade para outra. São as

transformações percecionadas como aceleradas, que ocorreram na comunidade da Boa Vista, que

aqui classificamos de forma lata como “alterações à moralidade”.

Transformações forçadas, por um lado, pela interação de diferentes gentes e culturas no

mesmo espaço, mas também, pela modernização acelerada a que o espaço e as suas gentes foram

forçadas pela mão do turismo, nomeadamente o massificado. Apesar destas alterações não

ocorreram apenas entre as comunidades nativas da ilha, isto é, reconhecendo que existe uma

influência mútua de, para e entre as várias culturas, há que reconhecer que algumas exercem uma

pressão superior em relação a outras. Na Boa Vista, as perceções mostram uma clara pressão

exógena, nacional como estrangeira, sobre a comunidade nativa:

Esse aumentou populacional é positiva por um lado, (...) mas com essa mão de obra necessária muitacoisa má veio junto. Veio muita cultura diferente. A população da Boa Vista (...) se apega muitorapidamente à cultura do outro (...). A perda da identidade cultural é um dos aspetos negativos. (...) Essaaculturação em relação à cultura do outro... a prostituição, a violência... (...). URMRNOI32

Materialmente era mais pobre, mas espiritual e humanamente era muito mais rica, mais solidária… para

228

VII – Impactos Percecionados em Análise

mim já é tudo! URHRNB48

Havia uma certa dignidade na pessoa humana, mas agora são compradas mais fácil! Diz que não mas hojeou amanhã já cede, já não tem aquele vigor, caráter! URHRNB48

Sim, sim. Tornaram-se mais interesseiras! (…) Até antes era um povo fechado, mas era bom! Seconseguia a tua boa-fé abria-se e havia esse encontro. Agora o povo é desconfiado de todos! Estrangeiros,porque sempre querem enganar... dos seus políticos também, porque sempre têm interesses nos própriosbolsos. Até pelo mesmo caboverdianos das outras ilhas... sempre foi fechada e havia alguns conflitos comoutros caboverdianos. (…) Hoje, num grupo, há maior probabilidade de ter gente que não é da Boa Vistado que da Boa Vista! Eu também no lugar deles me sentiria desorientado! (…) O povo está dececionado...triste também. URHREB35

Eu acho que as pessoas da Boa Vista antes eram mais amigáveis, toda gente se conhecia. As famílias erammais harmoniosas e as pessoas eram mais solidárias e humildes! URMRNB36

Já não há esse tratamento com as pessoas como havia nesse tempo. Fomos encobertos pela população queestava a chegar e hoje em dia já somos uma minoria! URMRNB36

As pessoas estão a perder o interesse no sentimento de comunidade e o turismo tem as suasconsequências. A mobilidade geral, nós hoje em dia temos se calhar pessoas que vêm das outras ilhas, éuma população maior do que as pessoas daqui da ilha. E isso tem sido um fator desse egoísmo, de riscotambém. URHRNB27

As pessoas já têm uma educação muito diferente! Era difícil que eu encontrasse uma pessoa mais velhaque lhe faltasse ao respeito. Agora é natural, os meninos não têm respeito pelos mais velhos!URMRNB46

Grande diferença, mais calma... as pessoas eram mais unidas se posso dizer. Não havia muitodesenvolvimento, nem lugares para se divertirem muito, então as relações eram mais fortes! Maispróximas, agora é tudo diferente! (…) O interior também vai mudando! Essas coisas que eu digo, antestinham relações mais fortes! (...) Os jovens vão emigrando e os mais velhos ficam! (...) Saem maismulheres do que homens! Emigram para outras ilhas ou países! CTMRNB20

A gente não tem educação como antigamente. Antes quando chegava gente mais grande as pessoasdiziam "Boa tarde! Boa noite!" agora não! Havia essa delicadeza e hoje não existe! CTHRNB45

No antigamente nós conhecíamos todos os companheiros e ajudávamos todos os companheiros mesmoquem vivia um pouco mais razoável porque todo mundo ajudava companheiro. Quando um tinha ajudavaoutro, quem tinha tinha. Mas agora não, o tempo está a mudar e a gente pensa só na vaidade. Quem tem,tem quem não tem, não tem. Tem pouca gente que ainda ajuda companheiro! URMRNB43

Penso que há uma... cópia, não sei se é a palavra certa... de hábitos e costumes dos turistas por parte dosjovens, como por exemplo... agora há muitos jovens com tatuagens, são coisas que eles vêm nos turistas.Antes não se via na Boa Vista! (…) Os jovens estavam numa ilha fechada e agora têm mais visão domundo, porque o turista tem comportamentos e atitudes diferentes! URMRNB46

Os jovens agora não se preocupam com grande coisa... (...). Preferem estar lá fora sentados, ou a ver anovela como o senhor já sabe. Procuram estar em casa a ver novelas ou jogo de futebol e não seinteressam por anda disso! Não querem trabalho de esforço nem sujo! JGHRNB58

Na cidade em dez pessoas duas são da Boa Vista. Já estamos a perder a nossa identidade! Na rua encontramais gente a falar o crioulo da Praia do que o nosso! (...) Estamos a perder a nossa identidade e jáestamos a perder a nossa capacidade de decidir por nós! Os outros decidem por nós! CTHRNB33

229

VII – Impactos Percecionados em Análise

Cerca de 43% dos entrevistados apontaram as alterações à moralidade como um impacto

negativo, ligeiramente menos de metade dos homens (48%) e cerca de um terço das mulheres

(34%), mas sobretudo nacionais de Cabo Verde (51%) e pouquíssimos estrangeiros (14%). Sem

qualquer peso neste impacto parece ser o espaço onde habitam, dado que, urbanos (42%) como

rurais (44%) têm valores praticamente idênticos.

Os entrevistados que mencionaram este impacto não pertencem a nenhuma faixa etária em

particular, dado que os valores internos são próximos (44%), apenas com a exclusão do nulo dos

indivíduos entre os 60-69 anos, e uma percentagem ligeiramente superior que a média para aqueles

com mais de 70 anos (60%). Estes dados revelam uma muito subtil insinuação para as faixas mais

novas, em relação às mais velhas.

Já o nível de escolaridade aponta para maior atenção dada pelos entrevistados como menos

estudos (58%), muito acima dos restantes, que vão dos 31% do ensino secundário aos 41% do

ensino superior.

Também com valores muito díspares, a situação profissional sugere que os empregados

(25%, ainda que uma minoria dos mesmos), estão muito mais atentos a este impacto negativo que

os restantes subgrupos, onde com apenas 9% os trabalhadores por conta própria aparecem em

segundo plano, ainda assim, três vezes mais que os desempregados e nove vezes mais que os

reformados.

Olhando para os grupos, podemos verificar que os nativos, tanto naturais da Boa Vista

(53%) como das outras ilhas (42%), estão particularmente preocupados com este impacto

comparando tanto com estrangeiros (21%) como com operadores (18%). Esta alteração da

moralidade está presente também nos trabalhos de referência de autores como Brunt e Courtney

(1999) e Tomljenovic e Faulkner (2000) sendo uma das principais armas de arremesso teórico nas

obras que mais atacam o turismo internacional, como a obra de Turner e Ash (1975) é exemplo.

Exploração Laboral

Cerca de 30% dos entrevistados vê a exploração laboral como uma consequência do

turismo, ou seja, muitas vezes, apesar do impacto positivo principal ser a criação de emprego, existe

a crítica de que esses empregos são precários e/ou mal remunerados:

A mão de obra não qualificada não tem falta de trabalho! (…) Eles ganham 800 ECV por dia. É para

230

VII – Impactos Percecionados em Análise

chegar às sete e sair às quinze. JGHRNB41

Eu acho que há pessoas nos hotéis que trabalham muito e não deviam ser tratados como são tratados! Issoeu costumo ouvir os trabalhadores a falar muito, que não têm direitos, que pagam muito pouco aostrabalhadores, muita coisa para fazer! Reclamam muito disso. Foi bom mas há muita coisa que precisa demudar, e os trabalhadores andam a reclamar. CTMRNB53

É um emprego ou é um sub-emprego? JGHRNB31

Mas eles têm deveres, direitos praticamente quase que não existe. Por exemplo, aqui no RIU há umsistema em que uma pessoa trabalha num hotel RIU em qualquer setor. Se está a trabalhar 4 anos e noquinto pode garantir entrada no quadro da RIU, esse trabalhador é rescindido o contrato e mandam paracasa porque não necessitam dos serviços. JGHRNB31

(...) nos hotéis há muita gente, a questão de mão de obra... a questão que vem aqui trabalhar mas ganhammuito pouco! URFOP29

O turismo aqui em Cabo Verde é praticamente... é a fonte de riqueza em Cabo Verde, sem ela nãoconseguiríamos... estaria com mais problemas de desemprego e isso não foge à ilha da Boa Vista! Aspessoas têm um emprego por meio do turismo, muitas vezes são exploradas, mas penso que o turismotambém tráz as suas consequências! (…) temos exploração de mão de obra... as pessoas não têm umaforma de reclamar porque têm medo de serem despedidos! URHRNOI31

Eu sempre trabalho nos hotéis e vejo... (...). Vejo como são tratados! (...) Eles não têm consideração pelotrabalhador. Há muita coisa mal nisso. URHRNB44

Infelizmente as pessoas que trabalham aqui não valorizam muito os funcionários. Você pode fazer omesmo que eu mas você vai ganhar mais do que eu. Não sei se é por ser branco e pensam que pode termais capacidade, o que não é verdade. (...) Quem quer trabalhar num lugar onde não és valorizado e o teusalário não corresponde ao cargo que tens!? URHRNB29b

A exploração laboral preocupa sobretudo as camadas mais jovens, uma vez que os valores

internos das várias faixas etárias vai dos 40% dos entrevistados entre os 20 e 29 anos até aos 0%

dos com 70 ou mais anos. Os valores são inferiores à medida que se avança na análise às faixas

etárias mais velhas, apenas com a exceção dos 33% dos entrevistados entre os 60 e 69 anos.

O género feminino (34%) parece mais preocupado com a exploração laboral do que o

masculino (28%), assim como os nativos (35%) estão mais preocupados que os estrangeiros (14%).

Por outro lado, tanto os habitantes em espaço urbano como de espaço rural dão

aparentemente, a mesma atenção a este impacto (30%). Não fossem os 21% dos entrevistados com

o ensino primário e diríamos que o nível de escolaridade não era relevante, já que os restantes

subgrupos rondam os 32%. Ainda assim, existe uma subtil tendência para atribuir maior atenção a

este impacto à medida que o nível de escolaridade é maior.

É sem grande surpresa que a exploração laboral parece perturbar mais os desempregados

(67%) do que qualquer outro grupo, deixando a alguma distância os trabalhadores por conta própria

231

VII – Impactos Percecionados em Análise

(32%) e os empregados (29%). Já os reformados parecem ignorar esta problemática, assim como os

domésticos.

Na mesma linha, os nativos (36%) estão mais preocupados com a exploração laboral que

qualquer outro grupo, aliás bem mais que os nativos das outras ilhas (17%) ou que os estrangeiros

residentes (21%); no entanto, há que referir que os operadores (27%) estão apenas ligeiramente

atrás dos nativos. Já Kousis (1989), Brayley et al (1990) e Freitag (1994) haviam contemplado a

exploração laboral como um impacto negativo presente nas suas investigações.

Discriminação aos Migrantes

Normalmente, as pessoas da Boa Vista são mais racistas! URMRNOI50

Ninguém gosta de ser ocupado e existe no meio de Cabo Verde um racismo interno, ilhéu. Os gajos daPraia é da Praia e o de S. Vicente é de S. Vicente. São outras elites, e é óbvio que o pessoal daqui nãoachou bem. Existe um... é notório uma atenção a isso. As pessoas daqui também não querem crescer, masfalam sempre mal dos outros! Os outros estão cá para trabalhar, mal ou bem trabalham. Mas o pessoal daqui é o crítico e também não faz nada para melhorar a sua situação. A terra é deles mas aevolução é isto! Faz lembrar em Portugal em 1980, chegaram os Ingleses e os alemães ao Algarve que nóspróprios dizíamos "Epa estes gajos! Vão pa terra deles...". (...) É um deja vú! (...) Isto é um processonormal... eu agora acho que as pessoas devem participar e o caboverdiano não quer participar! URHOP47

Vinte e oito dos entrevistados apontaram uma atitude discriminatória como fruto das

alterações provocadas pela chegada do turismo massificado, ou seja, a forte migração para a ilha de

membros de comunidades de outras ilhas do arquipélago e de outros países também teve

consequências negativas, entre elas, um acentuar do discurso e atitude discriminatória da população

local face à nova população migrante.

Naturalmente que, como já foi referido no ponto dedicado à migração, a população residente

nativa da ilha é hoje uma minoria, e assim, os primeiros a serem alvo desse discurso discriminatório

foram os compatriotas que para a Boa Vista imigraram em busca de trabalho e de uma vida melhor,

isto apesar de, recorrentemente, haver uma distinção entre os imigrantes “originais” e os “atuais”.

Se, por um lado, se considera que os primeiros imigrantes tinham um propósito de labuta, os mais

recentes são tidos como imigrantes com segundas intenções, por norma associadas a atos de

criminalidade e más influências:

É verdade, vem muita gente de Santiago, antes já vinha para trabalhar mas agora... vêm só para fazerconfusão e roubar... fazer atalhos. (...) Infelizmente não temos nada que fazer, somos todoscaboverdianos... portanto... URMRNB62

A população da ilha não tem aceitado de forma pacífica a vinda de outras pessoas! A maneira de ser e

232

VII – Impactos Percecionados em Análise

pensar das pessoas de Santiago é muito diferente daqui. Isso, dia após dia, tem criado alguma tenção emesmo conflito físico. (...) tem agravado... [da costa africana não], mais das outras ilhas. Vêm paratrabalhar mas não trabalham, vêm para outros fins! URHRNB30As pessoas que emigram para cá não são as melhores! (...) Qualquer coisa serve, roubo, assalto!URFRNB33

Por causa desses vindores principalmente desses badios! (...) Gentes das outras ilhas que trabalham naRIU e em todos esses... qualquer dia não encontram gente da Boa Vista! Se fosse só gente da Boa Vistasim, agora... é mais difícil encontrar gente da Boa Vista! URFRNB83É discriminação! (...) mas não é só em relação à costa africana. (...) Em relação às pessoas da Praia,badios, da costa africana, até da S. Vicente (...) há muito isso. Eu penso que seja pelo facto da Boa Vistater estado tanto tempo isolada! Há aquela recusa....! (...) há segregação sim, mesmo na escola... (...). não éuma coisa grave, por enquanto, mas uma espécie de diferenciação! URFREB39

Bom... é assim.. a minha impressão, desde logo o início era que as pessoas da Boa Vista eram um poucomais à parte do resto da população! As pessoas oriundas de outras ilhas e não só, também de outrasnacionalidades... tenho vindo a constatar isso, as pessoas da Boa Vista não vêm com bons olhos a entradade pessoas de outras ilhas. Mas no entanto, talvez com a convivência, já mudaram a mentalidade! Masainda se pode comprovar isso! URHRNOI31

Este discurso é alvo de revolta por parte de muito imigrantes caboverdianos que, em

resposta, acusam os nativos de inveja, que advém da sua passividade na procura de trabalho. De

facto, o pivô do discurso discriminatório está assente nas questões laborais:

Os vícios da vida, o custo de vida, os salários que são pagos... a... os locais não gostam muito da presençadas outras pessoas que vieram para trabalhar... isso afeta o local de trabalho. URFREB26

Aqui isto trouxe um racismo, não o racismo do branco mas o racismo com gente de outras partes... comoo badio, o mandjaco, depois os da Guiné, que trabalham por 5 mil escudos ao mês e o caboverdiano nãoaceita, e os da Guiné (...) aceitam! URMREB60

Investigador: O que as pessoas pensam destes imigrantes africanos que vieram para cá?URHRNOI32: De modo geral tratam de forma inferior. Se eu cheguei agora numa obra, por exemplo, se opatrão faz uma proposta eu posso reclamar e reivindicar mas eles não reclamam nada e aceitam tudo. Pormais indecente que seja eles aceitam, não sei porquê. Então, isso vai influenciar na forma como eles são"Se tu não queres outros querem!". (...) Esses africanos os seus postos de trabalho são lavandaria,jardineiro, limpeza geral, mais ou menos esses, sempre os trabalhos mais duros! URHRNOI32

A génese da revolta parece ser sempre a questão em torno das oportunidades de trabalho que

parecem escapar aos nativos, em parte o que já apontámos no segundo impacto negativo. Por vezes

essa consciência está presente em algumas análises auto-críticas dos nativos da ilha. Aqui ficam

alguns exemplos:

Eu não percebo como podem sustentar o seu filho até aos trinta anos se ele passa o dia sentado no sofá. Eisto é grande problema que nós temos, e não é só em Sal-Rei, aqui também! (...) Porquê? Se tenscondições para trabalhar porque não trabalhas? (...) Enquanto tu vês pessoas de outras ilhas a virem e atrabalhar (...) e depois chega a uma altura que é o badio que é filho da puta, é o de santo Antão que nãoserve! E eles estão a trabalhar! URHRNOI34

As pessoas da Boa Vista são muito críticos! (...) Não fazem quase nada mas quando vem gente de fora

233

VII – Impactos Percecionados em Análise

eles têm tendência de criticar! Se vem se uma pessoa vem e está a desenvolver dizem "não, ele vem cánão tinha nada e veio só buscar dinheiro para levar para a terra dele!" URMRNB48

Não com bons olhos! (...) A sensação que temos (...), é que alguém nos está a roubar o trabalho! (...)Quem vem, ou vem para as obras, para algum trabalho de restauração ou bar, porque também não temosformação e pessoal que chegue para isso, e nós apontamos o dedo (...). URHRNB28

Dado que os bairros denominados de “barracas” são habitados quase exclusivamente por

estes imigrantes e por migrantes, existe uma associação direta entre os impactos negativos e estes

espaços, e a discriminação não é exceção. Comentários face às barracas:

No início houve receio, ninguém queria… houve uma certa discriminação, mas agora parece que aspessoas já estão mais acostumadas e vejo muitas pessoas de Boa Vista a dizer que as barracas é um bomsítio! Se calhar lá, neste momento circula mais dinheiro! Porque tem mais de metade da população da BoaVista está lá na barraca. BFHRNB29

A barraca era muito mal vista! Demorei muito tempo a entrar lá. Foi há muito pouco tempo que fui lá! Euprópria já estava a criar uma imagem da barraca assim, violenta, onde só tem crime... as pessoas tinhamideia de que drogas, prostituição, tudo de mal na ilha está na barraca! URHRNB36

O pessoal aqui discriminava o pessoal da barraca, muito! Não iam para a barraca mas agora vão. Antes opessoal tinha medo mesmo, porque quem ia para a barraca era para comprar drogas. Mas agora têmamigos, colegas de trabalho, e hoje em dia tens pessoas que vão daqui lá visitar amigos! Antes tinhammesmo receio de ir ali! URMRNB32

(...) só ver o exemplo das pessoas que vivem na zona da Boa Esperança. Ainda há gente de Sal-Rei que vêessas pessoas com diferença! (...) dizem que é um sítio perigoso e que as pessoas fazem mal... (...). Nãogostam muito de deslocar ali à noite sem ter a companhia de alguém! (…) De lá para cá essas pessoassentem essa diferença, como se fossem inferiores! URHRNOI31

As pessoas culpam a barraca de todas essas coisas! Há uma expressão que diz "Faças ou não faças sãosempre os badios", aqui é sempre as pessoas da barraca! URMRNB28

Este tipo de atitude é de tal forma preocupante para os residentes, que alguns dos

professores entrevistados fizeram referência à influência desta narrativa nos mais jovens, que fazem

uma clara distinção entre quem é ou não daquele espaço, construindo e reconstruindo a sua

identidade usando o seu bairro de residência como determinante:

(...) é curioso quando fazemos as apresentações nas salas de aulas e os alunos dizem "eu sou tal, meunome é tal e sou de barraca ou da Boa Esperança!", mas eu faço a correção, "Não, tu és de Sal-Rei"! Eusou da Boa Esperança e sou professor de psicologia assim como tu és o João e não deixas de ser de Sal-Rei. Já está mesmo interiorizado ao nível psicológico! URHRNB27

A impressão que eu tenho é que as pessoas da Boa Esperança se sentem discriminadas em relação à vila.Às vezes os meus alunos dizem "eu moro na Boa Esperança", mas eles moram na vila não é!? Elesmesmos já fazem aquela distinção! (...) No outro dia um aluno disse "tu moras na barraca" e o outro disse"não, eu moro no Boa Esperança", porque barraca não é uma coisa boa! (...) É uma coisa que já está nacabeça! JGMRNB35

234

VII – Impactos Percecionados em Análise

A discriminação capta a atenção de todas as faixas etárias, flutuando entre os 40% (20-29

anos) e os 17% (60-69 anos), apontando para que as faixas etárias mais jovens atribuam mais

atenção a este impacto.

São as mulheres (34%), mais que os homens (26%) os entrevistados mais preocupados com

a discriminação, e também os estrangeiros (33%) mais que os nacionais (28%), e os habitantes

urbanos (36%) mais que os rurais (11%).

A análise por nível de escolaridade revela que existe uma tendência clara para prestar maior

atenção a este impacto negativo à medida que o nível de escolaridade aumenta, confirmada pela

profunda diferença entre os entrevistados com ensino preparatório (7%) e os do ensino primário

(26%) ou superior (35%).

Por uma diferença mínima, os empregados (35%), mais que os desempregados (33%),

consideram a discriminação um impacto negativo, ainda assim muito acima dos valores

apresentados pelos reformados (17%) e dos trabalhadores por conta própria (14%).

Sem admiração de maior, são os oriundos de outras ilhas (42%) e os residentes estrangeiros

(36%) os que mais reclamam a discriminação existente na Boa Vista. Já os operadores (27%) e os

nativos (25%), parecem estar bem menos atentos a este impacto.

A forte presença da perceção de discriminação face aos migrantes é um aspeto particular da

Boa Vista, não apenas pelas suas características, mas também porque tal impacto negativo não

encontra eco na literatura de referência. Poder-se-ia agregar ao impacto “alterações à moralidade”,

no entanto, não refletiria corretamente esta tendência específica e que deriva dos fatores

anteriormente mencionados.

A recorrência de comentários discriminatórios por parte de informantes, ou presente em

conversas que o investigador auscultou e/ou participou no terreno, permitiriam apresentar aqui

vários episódios da sua experiência in loco. Apenas para efeitos de demonstração, escolhemos

colocar um curto excerto do diário de campo que exemplifica essa discriminação, uma de nativos

para com estrangeiros e outra no sentido inverso:

Certo indivíduo nativo da ilha numa rua paralela à praça de Sal-Rei, estava na esquina a falar com umconhecido com quem se cruzava e ambos falavam de umas obras que decorriam numa nova loja 'dechineses'. Alguns minutos dentro da sua conversa o primeiro aponta para as obras e com desdém pergunta'Aquele senegalês ali?!' Ao que o outro respondeu 'O preto! São pretos eles!'. (…) Na mesma linha, fez-me recordar uma outra conversa entre dois empresários estrangeiros que desta feitaao falarem sobre a capacidade profissional dos caboverdianos um deles remata toda uma argumentaçãocom a expressão: 'Realmente... não se pode contar com estes gajos para nada... é uma coisa! São pretos,pronto! (DC 23/12/2012)

235

VII – Impactos Percecionados em Análise

Especulação Imobiliária

Hoje foi dia de mudança. Já estou no apartamento (…). Faltam algumas reparações e tenho bastantescoisas para comprar. A cama é um pouco desconfortável, como uma barca em colchão... a luz bate fortenos olhos assim que o sol nasce... em África não é costume usar persianas e a cortina apenas atrasa oinevitável... de resto o calor faz-me transpirar toda a noite, há que arranjar também o motor da ventoinhade teto, caso contrário, vou passar a dormir na varanda mergulhado em repelente!Tenho ainda um inquilino no apartamento. Tenho a certeza que tenho um ninho de baratas atrás do fogãoe balcão da cozinha... é tudo em castrado, nada posso fazer se não pôr algum tipo de remédio queencontre por aí. Fui ao supermercado aqui ao lado e por dez itens essenciais gastei 22€, só a água, ogarrafão de cinco litros, custou 235 ECV, cerca de 2€ e pouco. (DC 14/5/2012)

Apesar de já termos tocado na questão do aumento dos preços, e, por arrasto, do custo de

vida, optámos por distinguir a especulação imobiliária, ou seja, o aumento dos preços dos bens

imobiliários, como habitações e terrenos, do simples aumento de preços. Esta distinção baseou-se,

em parte, pelo facto de surgir antes mesmo da implementação do turismo massificado, apesar de,

claro, com ele e depois dele se ter agravado profundamente.

Esse aumento exponencial do custo de terrenos e de habitação deveu-se a dois fatores

interligados, mas que devem ser considerados separadamente. Por um lado, os terrenos tiveram

enorme procura por parte de investidores estrangeiros, para a construção de infraestruturas

hoteleiras e de habitações de férias, como apart-hotéis e condomínios, para venda no mercado

Europeu.

Na década de 2000 e 2010 houve uma grande especulação dos terrenos onde se oferecia muito dinheiropor um pequeno pedaço de terreno. Foi agora com a crise que isso terminou. Foram os italianos que, compoder de compra (…). A partir de certo momento começaram a ir diretamente à CM, mas como a CM nãodava prioridade, eles começaram a comprar através de terceiros. Então aí começou a especulaçãoimobiliária. URHRNB36

Em 2006 estava uma fase otimista e assim de repente passou para uma fase de especulação, e na alturaestava uma febre. Parecia uma febre do ouro! As pessoas só falavam em terrenos, em turismo e vivia-semuito essa febre e os temas de conversa eram esses. URMRNB27

Do que se diz na Boa Vista, quem inflacionou isto foram os italianos! Em 2007 nós chegámos cá isto erapior que o Algarve ou qualquer parte da Europa, era extremamente inflacionado, a imobiliária era umacoisa que não se chegava lá! Obviamente que foram os italianos que fizeram isto, lá para cima, especular.Hoje devido também à crise internacional estão a chegar ao preços justos das coisas! URHOP47

Então, alguns começaram a vender terreno. Se tens 250 m2 a 1200€, vais vender por 30 mil euros! Muitosfizeram assim! Venderam o terreno e construiram no terraço da casa dos pais! URHRNB33

Na altura houve uma corrida aos terrenos porque se podia comprar facilmente um terreno por 15 milescudos e vender por 5 milhões! (...) Começou a haver uma febre dos terrenos na Boa Vista com toda agente a vender. Não houve um controlo da entidade estatal e da CM e trouxe um caos urbanístico. Euacho que tem sido um dos grandes entraves do desenvolvimento da ilha e de alguns problemas sociais

236

VII – Impactos Percecionados em Análise

também. (...) O problema na Boa Vista é que o apetite pelos terrenos acabam por levar a um preço, umainflação! URHRNB31

Por outro lado, o aumento populacional e a carência de habitações suficientes agravou a

procura interna e fez subir drasticamente o custo das habitações e respetivo aluguer, o que por

arrasto dificultou o acesso dos nativos da Boa Vista aos terrenos que anteriormente eram facilmente

adquiríveis. Esta última questão está intimamente ligada a outro impacto negativo denominado

Perda dos Direitos dos Residentes Nativos que será à frente aprofundada.

(...) para além de ter a abertura de trabalho, mas também temos a dificuldade do trabalho também, porquetemos ainda muita gente sem trabalho, muitos jovens sem trabalho. Temos também o problema dasmoradias para os jovens, têm dificuldade em construir uma casa.... se podes ficas em casa dos pais... (…)O valor do terreno cresceu de uma maneira horrível! Agora só para obter uma planta de casa tens delevantar 2000€, e não é pouco! O terreno aumentou muito. Eu, quando comprei o meu terreno, pagueicerca de 14 a 15 mil escudos, agora tens de ter 200 ou 300 contos! Seria mais 800 para uma moradia!URMRNB46

Esta escassez de habitações e elevada procura por terrenos parece até ter criado uma arma

política, já que alguns entrevistados apontaram o pedido de terrenos na Câmara Municipal como

moeda de troca. Nesta os poderes políticos locais sequestravam o voto dos munícipes, ou a sua

“voz”, em troca de consideração nos pedidos de terreno:

Muitos jovens, de acordo com o (...) não reclamam em espaços públicos porque receiam represálias daparte da Câmara Municipal. Muitos ainda aguardam pelo processo de atribuição de terreno e temem quequalquer protesto implique um “esquecimento ou negligência” nesses processos. Já tinha ouvido outrosboavistenses a falar sobre isto, estes novos comentários parecem reforçar essa ideia. (DC 4/7/2012)

Apesar dos entrevistados com 70 ou mais anos não fazerem menção a este impacto, fica

claro que as restantes faixas etárias estão atentas à especulação imobiliária, ainda que em nenhuma

desta ultrapasse os 33% dos entrevistados entre os 60 e 69 anos. No entanto, os restantes grupos

variam entre os 20% dos subgrupos 20-29 e 40-49 anos, isto resulta numa ligeira tendência de

menor importância atribuída à especulação imobiliária à medida que avançamos na idade dos

entrevistados.

Numa análise atenta às variáveis de género e de espaço de residência verificamos que, por

larga vantagem, tanto o género masculino (31%) como os habitantes em espaço urbano (26%)

superam o género feminino (11%) e o espaço rural (15%). Também a nacionalidade revela que o

impacto negativo em causa está mais presente entre os estrangeiros (33%) do que entre os nacionais

(20%).

A especulação imobiliária não preocupa os entrevistados com o ensino primário, mas, sem

237

VII – Impactos Percecionados em Análise

dúvida, está presente na mente dos restantes níveis de escolaridade, em particular entre os que

possuem o nível secundário (38%), bem acima dos entrevistados com o ensino superior (28%) e o

preparatório (20%). Isto confirma que, mais uma vez, o nível de escolaridade determina a

importância atribuída a um impacto negativo, já que quanto menor for o nível de escolaridade,

menor é também a atenção atribuída a este impacto.

Se os empregados (35%) e os desempregados (33%) revelam atribuir maior atenção a este

impacto, apenas 17% dos reformados e 14% dos trabalhadores por conta própria parecem

considerar o mesmo.

Parece que são os residentes estrangeiros (36%) quem mais estão preocupados com este

impacto, logo seguidos pelos operadores (27%), um pouco acima dos nativos, tanto da Boa Vista

(20%) como das outras ilhas (17%). Sem dúvida que o facto de estrangeiros e operadores estarem

mais preocupados com a especulação imobiliária pode ter uma dupla leitura, por lado podemos

acusá-los de procurarem margens de lucro maiores na compra e venda dos terrenos e portanto

estarem interessados em adquirir terrenos ao mais baixo custo possível.

Por outro lado, estes são os motores de investimento e o custo elevado dos terrenos apenas

dificulta a captação de investimento e aumenta também o valor das taxas municipais sobre as

propriedades sobrevalorizadas, dificultando ainda mais esse investimento ou reinvestimento que é

procurado e desejado pelo Governo e pela Câmara Municipal da Boa Vista.

A especulação imobiliária poderia estar agregada ao aumento dos preços empurrando estes

mais acima na tabela dos impactos negativos percecionados, todavia, determinou-se que o número

de menções específicas a este tipo de aumento de preços exigia o seu destaque, nessa medida não

podemos destacar este impacto como sendo necessariamente diferenciador face aos estudos

internacionais, apesar da sua demarcada presença.

Ausência ou Inadequação de Infraestruturas

Com vinte menções, a ausência e/ou inadequação de infraestruturas surge na décima posição

dos impactos negativos percecionados. Apesar de parecer contrastar com o segundo impacto

positivo, precisamente a construção de infraestruturas, estas menções referem-se às básicas, ou

serviços básicos, ao passo que as anteriores referiam-se a vias de comunicação, malha urbana,

alguns serviços, etc. Estes serviços básicos são, especificamente, a rede de esgotos ou saneamento,

água, eletricidade, recolha e gestão de lixo. 238

VII – Impactos Percecionados em Análise

As negativas são várias. São... mais que as positivas. Sobre-população da ilha, não há infraestruturassuficientes para todos. Não há água e energia, há cortes diários. URHREB35

(...) em Cabo Verde e na Boa Vista estamos a receber turistas, mas não temos infraestruturas de suporte!JGHRNB31

(...) e também há falta de saneamento! Como outros problemas! CTHRNB25

Sal-Rei é cidade não sei de quê! Não tem esgoto, saneamento, essas coisas... segurança! Não fizeramnada, só construiram os hotéis e trouxeram os turistas. URMOP29

O lixo aqui é gravíssimo, não há um lugar onde depositar os dejetos sólidos na Boa Vista. A vila de Sal-Rei precisa de uma rede de esgotos. URHRNB48

Então isso, a saneamento é um problema, não há aterro nem incinerador, e o lixo está por aí. URHRNB36

(…) como por exemplo a questão do lixo, passamos de cinco toneladas por dia para vinte e dois na ilha daBoa Vista! O que faz com que tenhamos uma lixeira gigante a céu aberto, escondida dos olhares turísticose que fica ali na zona do Rabil. URMREB34

Tem agora já locais que vivem na barraca também! Arranjaram namorada que vive na barraca, optou poralugar um quartinho. São 7 mil escudos um quartinho! Só que o problema de barraca é o saneamento!Não tem casa de banho então é tudo feito por ali! Atrás das barracas... não há água não tem nada...URHRNB33

Uma das estratégias governamentais para contrariar algumas destas carências, foi privatizar

alguns setores, e na Boa Vista existe hoje uma empresa privada que gere a água e a luz na ilha, a

AEB (Água e Energia da Boa Vista). No entanto, a pressão excessiva (para a capacidade atual) do

consumo de água e de outros recursos por parte das grandes cadeias hoteleiras, dificulta e atrasa o

abastecimento das populações residentes. Para agravar a situação, deve-se recordar que o consumo

de qualquer dos hotéis de turismo massificado da ilha é superior a toda a população residente, o que

acaba por colocar a prioridade da empresa privada nos seus principais clientes, os grandes hotéis.

Viver nos hotéis é viver numa prisão dourada, penso que as pessoas devem ter noção que a água é cara edevem ter cuidado com a água! (...) A mim não me choca que sou europeia, mas o caboverdiano que vemde Santiago e vê essa comida e água, o que essa pessoa deve pensar! URMOP33b

Outra é a questão da água e da luz. Foi criada uma empresa, a AEB, ao contrário do resto do país, foicriada uma nova empresa de capitais espanhóis, uma parceria público-privada (…) agora está melhormas, ainda assim, há cortes constantes, mas tempo houve em que a prioridade de abastecimento eram oshotéis. A população ficava dias a fio sem água e sem luz! URMREB34

Mas não são apenas os grandes hotéis que pressionam a capacidade da empresa. Também os

constantes puxões ilegais de eletricidade na zona da Boa Esperança, e as muitas máquinas, rede de

água e eletricidade obsoletas ou datadas a necessitar de renovação ou substituição, atrasam

gravemente a atualização da capacidade de abastecimento da energia e água.

239

VII – Impactos Percecionados em Análise

A análise às faixas etárias releva, sem dúvida, que são as camadas mais jovens que maior

atenção dão à ausência ou inadequação das infraestruturas, em parte reforçada pelos nulos dos

entrevistados entre os 50-59 anos e os com 70 ou mais.

Se, apenas por diferença mínima, o género masculino (21%) supera o feminino (18%), o

mesmo já não ocorre na análise por nacionalidade, onde, por larga vantagem são os estrangeiros

(38%) que mais importância atribuem a este impacto negativo, mais do que dobrando o valor dos

nacionais (15%). Também superior é a percentagem dos habitantes de espaço urbano (23%) face aos

de espaço rural (11%).

A análise dos dados, cruzando com o nível escolar, demonstra uma clara curva ascendente:

quanto maior o nível escolar maior é a atenção atribuída a este impacto negativo, iniciando nos 5%

dos entrevistados com ensino primário e terminando nos 28% dos entrevistados com o ensino

superior.

Em termos de situação profissional, apenas os empregados (19%) e os trabalhadores por

conta própria (32%) consideram este impacto, o que nos leva a concluir que a ausência de

infraestruturas básicas preocupa apenas os indivíduos profissionalmente ativos. Igualmente

revelador é o facto de os residentes estrangeiros (43%) e os operadores (36%) apresentarem

percentagens muito superiores aos nativos da Boa Vista (12%) e de outras ilhas do país (17%).

A inadequação das infraestruturas é resultado do consumo excessivo de recursos escassos,

que, por sua vez, deriva do aumento exponencial da população residente e visitante; daí que este

impacto é muitas vezes catalogado como consumo excessivo de recursos, estando por exemplo

presente nos trabalhos de Ferreira (2005) e de Lopes (2008) entre muitos outros.

Perda da Autenticidade Cultural

Decidi ir a Sal-Rei sozinho. Esperei que alguém pedisse um táxi e fui à boleia para meter conversa comos turistas. A vila, no centro, é confusa. Táxis demais sempre a perguntar: 'Hotel Friend?' Vemos muitosafricanos do continente a oferecer ajuda e a elogiar os turistas apenas para os conduzir às suas lojas deartesanato. Com a pulseira não tenho paz, sou assediado de todos os lados... (DC 8/5/2012)

Por exemplo, as pessoas locais, na sua maioria, não gostam de tantos africanos ilegais que afastam osturistas com a sua persistência. Ele vêm do Senegal, da Nigéria e da Costa de Marfim. Estão sempre pelasruas com discursos preparados para as várias nacionalidades de turistas e com clara tendência para sejuntarem em grupos perto da saída e chegada dos táxis no centro de Sal-Rei, muito próximos das suaslojas de artesanato. (DC 11/5/2012)

O debate em torno da autenticidade é extenso e mereceu uma visita aprofundada no segundo

240

VII – Impactos Percecionados em Análise

capítulo desta obra. Do ponto de vista dos entrevistados, a chegada de turistas trouxe uma procura

por bens de consumo, entre eles, os produtos de artesanato, sendo que estes são quase

exclusivamente produzidos e vendidos por nacionais do Senegal e de outros países do continente

africano. Cerca de dezassete entrevistados consideraram esse facto como um exemplo de perda de

autenticidade cultural, já que consideram que o artesanato oferecido não os representa:

(…) as lojas de artesanato é quase exclusivamente de senegaleses e guineenses. As receitas que os turistasdeixam não ficam na ilha. URHRNB36

Aqui encontras muitos senegaleses, lojas de produtos que não são daqui. Maioria daqueles que vendemsão produtos que trazem de Senegal. E depois dizem ‘É feito aqui em Cabo Verde!’, mas não é verdade.URHRNB31

No artesanato já tem muito artesanato de fora que não é da ilha! (...) Compram gato por lebre!FFMRNB38

O pessoal daqui parece um pouco desligado do turismo. Aproveitam o trabalho mas muitos queremexplorar as pessoas que vêm... (...) Mesmo o artesanato aqui que vendem não tem nada a ver com o país...é incrível. Os turistas vêm e querem levar recordações e compram coisas que não tem nada a ver comCabo Verde! URHRNOI30

(...) o artesanato tem vindo a despertar... normalmente quem tira proveito disso são os nossos vizinhos dacosta africana que têm várias lojas de souvenirs. URHRNB27

Eu queria abrir essa loja de artesanato que não tem nada a ver com esse Senegalês, é produto nacional!(...) Com produtos das outra ilhas. Eu trabalhava no Spinguera e os turistas reclamam porque queriamcomprar e não tinha. É triste mesmo. BFMRNB30

A perda de autenticidade obteve ainda duas menções específicas a outros exemplos da

cultura local: uma, remete para a gastronomia, e outra, para a música caboverdiana, que também se

enquadra neste mesmo impacto negativo:

Já vi músicos caboverdianos no RIU a tocar funaná vestidos de guineenses, de fulas! Para mim isso éagressão à nossa cultura! URHRNOI61

(...) se fores a ver nos restaurantes não tem assim tantos pratos típicos como devia para uma pessoa defora! Nós até gozamos a dizer que o prato típico é galinha com batata frita! URHRNB36

A perda de autenticidade relativa aos objetos artesanais preocupa menos de um quarto de

todas as faixas etárias, mas ainda assim, mais os mais novos que os mais velhos, particularmente

quando comparados com o nulo dos entrevistados com 70 ou mais anos, muito longe até dos 14%

dos que têm idades compreendidas entre os 50 e 59 anos.

Se apenas 5% de todos os estrangeiros consideram este impacto, são 21% os nacionais que o

fazem, mostrando uma preocupação largamente superior. Também com diferenças notórias, são os

entrevistados do género masculino (21%) e de espaço rural (33%) que mais importância lhe241

VII – Impactos Percecionados em Análise

atribuem, bem acima do género feminino (13%) e dos residentes em espaço urbano (12%).

Com uma clara curva descendente os dados demonstram que, quanto maior o nível de

escolaridade, menor é a atenção atribuída a este impacto negativo, onde os 16% dos entrevistados

com o ensino primário é oito vezes superior aos 2% do entrevistados com o ensino superior.

Por diferenças mínimas, tanto empregados (19%), como desempregados (17%) e

trabalhadores por conta própria (18%) consideram este impacto, ao passo que os reformados e

domésticos o ignoram por completo. Finalmente, este impacto é também ignorado pelos operadores

e profundamente marginal para os estrangeiros (7%), mas bem mais importante para os residentes

nativos, tanto locais (24%) como oriundos de outras ilhas (17%), ainda que com alguma diferença

percentual.

A autenticidade cultural é um impacto negativo presente em trabalhos como os de Brougham

e Butler, (1981) e Dogan (1989). No entanto, há que referir que, aqui, este impacto refere-se, na sua

maioria, especificamente à adulteração dos objetos culturais tradicionais da ilha da Boa Vista, e não

necessariamente a outras alterações de cariz social ou comportamental.

Aumento da Corrupção

Mais um impacto que esteve presente nas conversas entre o investigador e 15% dos

entrevistados. Com a injeção acentuada de capital na economia nacional e local, torna-se

expectável, por parte das forças políticas decisórias, a tentação de facilitar caminhos e permitir

atalhos em troca de géneros, sobretudo em dinheiro. Não obstante a corrupção implica a

participação de corruptor e de corrupto, e assim, não são apenas os elementos políticos decisores

que devem arcar com todas as atenções. No entanto, os entrevistados apenas mencionam os

políticos, em particular, os responsáveis políticos regionais:

Mesmo o poder público, a CM, que está mais próxima não faz muito para isso. (…) Quando lhe interessafala, então é porque tem o rabo preso a alguma coisa! Porque não falam nada, quer dizer. JGHRNB41

Tu queres um terreno, tu tens de fazer um pedido à CM por escrito a pedir ajuda. Tem pessoas que játentaram seis vezes e nunca tiveram terreno... agora é mais por "amizade"! Tens um vereador ou opresidente que é teu amigo e tens mais possibilidade de arranjar terreno! URHRNB33

A questão dos terrenos na Boa Vista é uma coisa que eu sinceramente já perdia a esperança! (…) É umacoisa que não é transparente e não tem justificação. Você não sabe como é que acontece, então eu já nãoestou nem ligando! (…) Outro aspeto que não entendi, sendo uma ilha turística que é o aspeto dasestradas. Tem um défice. JGHRNB41

Há um pouco de corrupção, não tanto como o resto de África, mas existe! (...) Quando cheguei a Cabo

242

VII – Impactos Percecionados em Análise

Verde há quinze anos o terreno à beira mar custava 1500€ com 500 m/2, hoje vale 200 mil €! A CMvende esses terrenos por 1500 e 2000€ a amigos, que por sua vez os venderam por 50, 80 mil etc. Eu pedium terreno e nunca consegui um terreno, se não fazes parte da máfia não consegues! URHREB68

Eu sou da Boa Vista e não tenho terreno para construir a minha casa. Porquê? Os italianos vão, têmdinheiro e vendem o terreno mais fácil para eles. (...) Sou procurador de um primo meu que está na Suíça,agora no momento de campanha deram terreno. Porque o pai dele trabalhava com ele no primeiromandato do presidente de Câmara, agora pedi e deram terreno. URHRNB37

Ponto ligado tanto à especulação imobiliária como à perda dos direitos dos residentes, esta

questão relaciona-se com a procura de terrenos por parte de locais, mas também de estrangeiros.

Estrangeiros que, por sua vez, se queixam da morosidade burocrática que por vezes se torna

suspeita para quem não está disposto ou é incapaz de “simplificar o processo através de apoios

informais a decisores”:

Há neste momento uma grande desconfiança nos governantes, tanto nacionais como locais. URHRNB36

É investimento e a autoridade fecha os olhos e vira a cara muitas vezes aos investidores, fazemos barulhomas às vezes não tem o eco porque os milhões falam mais alto na ilha. URHRNB48

Aqui é muito difícil conseguir informações, cada um procura a vida como pode. É muito, muitocomplicado. Há muita coisa para fazer mas é muito demorado e há muita corrupção também! Se tem umaideia e quer investir tem de passar pela CM, dar a ideia a eles depois eles te dizem espera, espera, depoisum dia vês que um caboverdiano já usou a tua ideia porque tem o dinheiro e passou ao largo da CM. (...)É muito específica a Boa Vista porque é uma mentalidade turista é dinheiro, só dinheiro, dinheiro,dinheiro, não se fala em mais nada, trabalho e dinheiro. URMOP47

Há aqui interesses e esses são os grandes obstáculos. Porque, falta de poder local também... (...) muitosobstáculos e interesses da própria sociedade. URHOP47

Apesar da contestação, esta questão parece ser resolvida através de um processo de maior

transparência dos processos de atribuição, venda ou legalização de terrenos e negócios por parte da

Câmara Municipal. A falta de transparência não é sinónimo de corrupção, mas é motivo mais do que

suficiente e justificado para levantar suspeitas.

A corrupção é um impacto negativo que preocupa metade dos entrevistados entre os 60 e 69

anos, mas nenhum entre os 50 e os 59 anos, ademais, as duas faixas etárias mais jovens têm apenas

percentagens residuais, muito abaixo dos 30% dos entrevistados entre os 40 e 49 anos de idade ou

dos 20% dos com 70 ou mais anos. Conclui-se que este impacto é mais preocupante para as faixas

etárias mais velhas.

Mas não só em particular para estas, como, também, sobretudo para o género masculino

(19%), os estrangeiros 24% e os residentes de espaço urbano (17%), ultrapassando largamente as

outras características.243

VII – Impactos Percecionados em Análise

Os dados referentes ao nível escolar revelam uma subtil inclinação crescente; quanto maior

o nível escolar maior a atenção atribuída ao impacto, isto apesar dos baixos 9% dos licenciados,

ainda assim acima dos 5% do ensino primário, ambos muito abaixo dos 20% do ensino preparatório

e 38% do ensino secundário.

São os reformados (33%) quem mais mencionam a corrupção crescente, logo seguidos dos

trabalhadores por conta própria (27%), ambos bem acima dos valores dos desempregados (17%) e

dos empregados (8%).

Este impacto é ainda ignorado pelos nativos de outras ilhas e apenas 12% dos nativos da

Boa Vista, sendo, assim, importante para os operadores (36%) e estrangeiros residentes (21%). Ou

seja, os detentores de capital para investir queixam-se mais do que quaisquer outros grupos da

crescente corrupção que o desenvolvimento turístico trouxe. A corrupção é sem dúvida um impacto

que vive emparelhado com o crescimento económico, ou, pelo menos, com a sua perspetiva.

Atitude dos Locais Face ao Turismo

No capítulo II, no ponto dedicado aos impactos e impactes que a literatura científica detetou

como oriundos ou agravados pela presença do turismo em certos espaços, ficou claro como a atitude

dos locais face ao turismo pode ser um importante diagnóstico para a situação de qualquer espaço

turístico. Locais satisfeitos com o turismo tendem a uma atitude mais positiva para o turismo e para

os turistas, o que por sua vez, tende a garantir maior qualidade no serviço prestado e, por arrasto,

maior satisfação por parte dos turistas que procurarão regressar ao destino garantindo a própria

sustentabilidade económica do destino.

No caso da Boa Vista, e dos residentes entrevistados, constata-se que apenas 11% dos

entrevistados manifestaram insatisfação pela presença do turismo e dos turistas. Esta insatisfação

está relacionada com a expetativa inicial que os mesmos e a comunidade em geral tinham,

sobretudo os nativos da ilha:

Nós desejámos que fosse melhor! Que as pessoas do pais ou da ilha tivessem mais bem servidos doturismo. Que houvesse mais oportunidades, principalmente para os jovens. Acompanhasse essasoportunidades... FFMRNB38

Não, a gente esperava melhor! Turismo, turismo, turismo mas a gente esperava melhor. Com o tempoisso vai mudar. CTMRNB53

Dizem que o turismo não é proporcional a todos... não conseguem tirar os dividendos necessários ouesperados do turismo... que isso porque criticam muito o sistema de turismo que fazem cá, o chamado

244

VII – Impactos Percecionados em Análise

turismo de pacto, em massa! Grande massa de pessoas que chegam cá na Boa Vista semanalmente, setemil e tal turista à semana, cento e tal mil ao ano... as pessoas acham que esses números deveriamsignificar muito mas não está! URMRNOI30

As pessoas pensaram que o futuro era o turismo mas afinal não é assim, não é tão bom para os nativos!URMRNB62

O mais óbvio em Sal-Rei é ali a zona das barracas, bairro da Boa Esperança. Criaram os hotéis e nãocriaram condições para aquilo que seria necessário. Nem é preciso dizer mais nada. As pessoas da BoaVista não veem o turismo como parte integrante da ilha... FFMRNB27

No início era o máximo. Isto era um deserto. Todos estavam contentes com o desenvolvimento. Masesperavam outra coisa! (…). No início as pessoas eram melhor recebidas, mas depois, com as grandesquantidades, as pessoas locais começaram a sentir-se intimidados estás a compreender?! As pessoascomeçaram a sentir-se ameaçadas em casa. URMRNB28

Os boavistenses em si, de forma geral, (...) nós os boavistenses não temos ganho grande coisa,sinceramente. (…) Aliás, nota-se um pouco a frustração e o descontentamento da população em relação aisso. Também podemos perguntar até que ponto estávamos preparados para isso e até que ponto podemosquerer mais se não estamos preparados. URHRNB28

Eu estou um pouco desiludido com o turismo. A única coisa que trouxe foi criar uma barraca com quatromil e setecentos habitantes, tem mais população que a Boa Vista. Não sei de quem é a culpa mas presumoque seja do Estado... que não tenha negociado bem as coisas, porque como disse às vezes é preciso serum bocadinho Chavista e um bocadinho Castrista, porque... é precisa mão de obra é preciso criarcondições para que as pessoas tenham alguma dignidade. URHRNOI61

Se considerarmos os valores globais por faixa etária, podemos concluir que a idade não é

determinante neste impacto negativo; no entanto, num olhar mais aprofundado, faixa a faixa, é

possível apartar os casos particulares dos nulos para os entrevistados entre os 40 e 49 anos e aqueles

com 70 ou mais anos de idade, assim como a elevada percentagem daqueles entre 60 e 69 anos face

às restantes faixas etárias, que rondam os 14%.

Indiferente parece ser a residência e nacionalidade dos entrevistados, que revelaram um

declínio da atitude face aos turistas e ao turismo, sendo que, em ambas as características a

percentagens rondem os 11%. Por outro lado, apenas 9% do género masculino apontam para este

impacto, ao passo que praticamente o dobro desta percentagem (16%) está presente no género

feminino, demonstrando uma maior preocupação com o dito impacto.

No que se refere ao nível escolar, os dados individuais por nível, contrastam com o resultado

global, ou seja, os valores mais altos são para os entrevistados com o ensino superior (17%), muito

acima do ensino preparatório (7%) e do nulo dos indivíduos com o ensino secundário. Todavia, os

próximos 11% do nível de escolaridade primário colocam uma tendência geral muito ligeira, onde

quanto maior a escolaridade, maior a atenção dada ao impacto.

245

VII – Impactos Percecionados em Análise

Novamente dispersos são os valores percentuais por situação profissional, que mais uma

vez, flutuam entre os 6% dos empregados, e o nulo dos reformados e domésticos, e os 33% dos

desempregados, o grupo, de longe, mais preocupado com a perda da atitude, logo seguidos pelos

trabalhadores por conta própria (23%).

A análise por grupos de residência demonstra que os operadores, de todo, não consideram

este impacto, ao passo que os restantes grupos apresentam valores muito próximos, orbitando entre

os 17% dos nativos de outras ilhas, e os 12% dos nativos da Boa Vista.

Dado que não existem elementos comparativos, não podemos falar em declínio da atitude

dos locais face ao turismo. Ainda assim, estes dados poderão servir para eventuais estudos

comparativos futuros. Este declínio, como já vimos no segundo capítulo, está presente em obras

como Doxey (1975) ou Dogan (1989).

Dependência face ao Turismo

Dada a ausência do setor secundário e a insipiência do setor primário na ilha da Boa Vista, a

aposta no setor terciário, os serviços, nomeadamente num tipo específico de serviço, o turismo,

levou a uma dependência acentuada face ao mesmo. Aliás, poder-se-ia falar em dependência

nacional uma vez que as divisas e impostos que provêem diretamente do turismo têm sido capazes

de equilibrar as contas nacionais e melhorar drasticamente o produto interno bruto de Cabo Verde.

Mas, o turismo é um tipo de serviço que conhece muitos casos de rápida saturação, que

tendem a levar os destinos à ruína ou a uma profunda depressão económica e social, agravando,

muitas vezes, a economia de um destino para níveis muito piores do que antes da chegada do

turismo. Recorde-se aqui as ferramentas teóricas como o “Ciclo de Vida de um Destino Turístico”

de Butler (1982) que se baseiam precisamente na prevenção desse tipo de situações.

Naturalmente que isto apenas pode ser o caso quando toda a economia local depende direta e

indiretamente da presença de turistas, e na Boa Vista o caso é realmente esse. Usualmente, os

efeitos da sazonalidade de um destino turístico permitem uma tangente aproximação dos efeitos da

ausência do turismo num dado espaço, mas, nesta ilha, como em todo o arquipélago, a sazonalidade

é muito subtil, dado que a ocupação média anual dos hotéis acerca-se dos 80%, isto sobretudo

devido às características climáticas e geográficas de Cabo Verde:

Cabo Verde é um país pobre, a taxa de desemprego é elevado e então o Governo terá se preocupadoexcessivamente com a taxa de desemprego e... (...). Agora estamos excessivamente dependentes doinvestimento de empresários estrangeiros. (...) Estamos dependentes do turismo, (...). BFHRNB25

246

VII – Impactos Percecionados em Análise

Nota-se quando para a construção de um hotel como o desemprego oscila na ilha. (...) O país sempreesteve dependente da ajuda ao desenvolvimento, sempre dependente das remessas dos emigrantes, eagora está também completamente dependente do turismo em si! Estamos triplamente dependentes daconjuntura internacional! URHRNB28

Penso que até agora não têm noção do impacto... pensam que é tudo por acaso. Mesmo as pessoas quetrabalham no hotel não pensam que se amanhã de manhã não chega nenhum turista, tudo acaba! Aspessoas aqui vivem dia-a-dia, não se programa grande coisa. URHREB51

A dependência face ao turismo é uma preocupação presente apenas nos entrevistados entre

os 20 e os 59 anos, sendo que as percentagens internas das faixas etárias são bastante próximas,

rondando os 13%, provando uma tendência etária neste impacto onde, quanto maior a idade, menor

a atenção atribuída. Igualmente sem qualquer referência a este impacto, o género feminino fica

muito aquém dos 19% apresentados pelo género masculino.

Já no que toca à nacionalidade, os valores são novamente próximos, entre os 12% dos

nacionais e os 10% dos estrangeiros; o mesmo ocorre entre os 10% dos residentes em espaço

urbano e os 15% dos residentes em espaço rural. Os dados revelam que todos os níveis de

escolaridade apresentam uma percentagem de 13%, com exceção dos 5% dos indivíduos com o

ensino primário, levando assim a considerar que a preocupação com a dependência face ao turismo

cresce com o nível de escolaridade.

Ora, apenas os desempregados (15%), os empregados (17%) e os trabalhadores por conta

própria (5%), estão preocupados com este impacto; no caso do último subgrupo, a diferença face

aos outros é significativa. Por outro lado, todos os grupos de residentes apontaram para este impacto

negativo, ainda que tenham sido os nativos da Boa Vista (14%) que apresentaram uma percentagem

interna um pouco mais elevada que os restantes (cuja média os leva aos 8%).

Ferreira (2005) e Lopes (2008) foram alguns dos autores que sublinharam a dependência

face ao turismo como um importante impacto negativo que deve ser abordado com a máxima

atenção, dada a fragilidade ambiental e económica dos destinos turísticos (em particular, os

balneares).

Aumento da Poluição

Chegamos ao segundo impacto negativo diretamente relacionado com a questão do ambiente

e que apenas chama a atenção de cerca de 10% dos entrevistados. O aumento da poluição é uma

247

VII – Impactos Percecionados em Análise

situação diretamente relacionada com o primeiro impacto negativo relacionado com as questões

ambientais, a ausência de infraestruturas básicas. Obviamente que não havendo, por exemplo, uma

lixeira devidamente preparada e equipada para tratar as toneladas de lixo que são despejadas

diariamente, essa poluição torna-se rapidamente um problema grave com consequências a curto, a

médio e a longo prazo.

Recorde-se que a lixeira encontra-se precisamente sobre a maior bacia hidrográfica do país

e, assim, numa posição delicada tanto para humanos como para o resto do ecossistema autóctone

que depende dessa água e terrenos férteis adjacentes. Sem surpresa, a poluição que advém da lixeira

é precisamente o principal alvo das críticas dos entrevistados:

Os negativos em termos ambientais é a ilha não ser cuidada. URHRNB31

(…) A lixeira é a vergonha. E está próxima de um lugar que é importante. A bacia do Rabil é a maior[bacia hidrográfica] de Cabo Verde! Pode ver pessoas lá a apanhar comida… uma miséria! (…) paravender e para consumo próprio. URHRNB48

Os problemas ambientais da Boa Vista estão ligados aos hotéis. Eles... tem a lixeira a céu aberto, querdizer, não há controlo! Ali há pessoas que vivem em barracas e apanham aquele alimento... aquelesalimentos que já ultrapassaram, eles levam na barraca e dão um banho e vendem! A CM não está a fazernada com o lixo! URHREB42

Se não se criam os meios para resolver o problema, vai ser ainda pior! (...) Aqui não há separação de lixosorgânicos e não orgânicos vai tudo para a lixeira. O que se pode queimar, queimam, e o resto fica lá!URHREB36

Antigamente tínhamos seis toneladas de lixo e agora temos vinte e três, e a maioria do lixo é dos hotéis!São muitos problemas, para mim... não sei! URHRNB44

Só para teres ideia, só os hotéis produzem mais lixo que a ilha inteira. JGHRNB35

O aumento da poluição é problemático apenas para os entrevistados entre os 30 e 39 anos

(11%), sobretudo para aqueles entre os 40 e 49 anos de idade (33%), sugerindo um perfil etário

muito específico. O mesmo não acontece no caso do género, onde, apesar de ligeira vantagem para

o masculino (12%) face ao feminino (8%), os valores são próximos, mais ainda no caso da

residência rural (11%) e urbana (10%) cuja diferença é mínima.

Ligeiramente maior é a variação entre os nativos de Cabo Verde (9%) e os estrangeiros

(14%), sugerindo uma preocupação acrescida dos estrangeiros face aos nativos. Se considerarmos o

nível de escolaridade, concluímos também que os entrevistados com o ensino preparatório e

superior (ambos com 13%) apresentam valores superiores aos restantes grupos (cuja média é de

6%), o que no final leva a uma ligeira tendência crescente (maior escolaridade, maior preocupação

248

VII – Impactos Percecionados em Análise

com o aumento da poluição).

Este impacto negativo preocupa apenas os indivíduos empregados (13%) e os trabalhadores

por conta própria (9%), ou seja, a poluição é uma problemática para os entrevistados

profissionalmente ativos. Uma problemática também para os residentes operadores (18%) e

estrangeiros (14%), mais do que para os nativos da ilha (10%), e totalmente indiferente para os

oriundos de outras ilhas (0%).

O aumento da poluição é, sem dúvida, um dos impactos negativos mais comuns na

literatura, como por exemplo em Jurowski e Gursoy (2004) ou Northcote e Macbeth (2005). A

fragilidade ambiental dos destinos e/ou a sobre-população dos espaços e do consumo dos recursos

acabam por acarretar esta consequência que em muitos casos, acaba por levar ao declínio de um

destino.

Perda de Direitos dos Residentes

Entramos nos últimos cinco impactos negativos detetados, todos eles abaixo dos 10% de

menções, neste caso concreto, com apenas 7%, a perda de direitos dos residentes é o próximo

impacto negativo; e remete-nos novamente quer para a questão imobiliária, quer para a questão da

privatização de algumas praias públicas por parte dos grandes hotéis.

Esta exclusão de cidadãos caboverdianos de praias anteriormente públicas, teve o seu

exemplo mais significativo aquando da construção do hotel Marine Club, junto à praia de Cruz, que,

não só bloqueou o acesso a parte da praia, anteriormente utilizada pelos locais para banhos, para

churrascos e outros eventos familiares. Agravando ainda mais a situação o dito hotel bloqueou o

acesso à antiga praia de Fátima ou de David onde estão as ruínas de uma igreja. Este percurso foi

bloqueado e consequentemente negado o acesso à igreja durante uma procissão anual, o que levou a

protestos de indignação. De forma a contornar a situação, foi criado um caminho pedestre que rasga

o hotel e permite a dita procissão e o acesso às praias localizadas do outro lado do hotel.

São estas as situações que melhor exemplificam as menções a este impacto negativo:

Houve alguns desentendimentos! O pessoal ia na zona Marine Club pescar e iam tomar banho nessa praiae depois fecharam... era só clientes, ouve desentendimentos! (...) Muitos conflitos! URMRNB32

Nas barracas deram terreno para toda gente, isso é uma revolta para toda gente da ilha. Por que eles vêmde Santiago e da África e têm terreno e nós não! Porquê? Será que também tenho de viver nas barracascom uma barraquinha para poder ter um terreno? Somos natural da ilha e deveríamos ter terreno, só que oterreno virou business! URHRNB33

249

VII – Impactos Percecionados em Análise

Quando há políticas para trazer o turismo e investir cá, tomam decisões que talvez a população não tenhagrande poder de decisão. Essas políticas são implementadas e a população só tem de cumprir e aceitar!(...) Principalmente quando foi a construção, por exemplo, do aeroporto, não houve um consenso entre apopulação e o governo, porque pessoas foram expropriadas das suas terras e não houve acordo. Foiimposição para construir. URMRNB28b

O terreno é outro problema. Tem pessoal aí com dois ou três terrenos e eu não tenho terreno. O pessoalque vem de fora... é triste para nós porquê, eu sou daqui e não tenho terreno para fazer a minha casa. Opessoal vem das outras ilhas, com três ou quatro casas na barraca! E estão a construir sem autorização!URHOP29b

A perda dos direitos dos residentes preocupa os dois grupos etários mais jovens, em

particular aqueles entre os 20 e 29 anos (15%), e os indivíduos entre os 60 e 69 anos (17%). Os

dados disponíveis são muito reduzidos para apontar com clareza uma tendência. Ainda assim,

aparenta que quanto menor a idade maior a atenção dada a este impacto negativo.

Igualmente claro é que apenas os nacionais (9%) de meio urbano (10%) apontam para a

perda de direitos, abrangendo, no entanto, os géneros feminino (5%) e masculino (9%). Ainda a

destacar são os 20% dos entrevistados com o ensino preparatório, muito acima dos 6% e 7% dos

indivíduos com o ensino secundário e superior, respetivamente, e do nulo do ensino primário.

Novamente, apenas os profissionalmente ativos apontam para este impacto, nomeadamente,

8% dos empregados e 9% dos trabalhadores por conta própria. Também com estas percentagens, os

grupos de residentes nativos, operadores e provenientes de outras ilhas, rondam os 8%, ao passo

que os residentes estrangeiros o ignoram por completo.

Northcote e Macbeth (2005) também descortinaram, no seu estudo, como os residentes

haviam perdido direitos para os operadores e/ou turistas. Estes podem tomar várias formas, entre

elas, direitos sobre território, acesso a recursos e direitos laborais.

Destruição da Natureza

Com a mesma percentagem de menções que o impacto anterior, a destruição da natureza é o

próximo impacto negativo. Como será claro, aqui considerámos referências à destruição do

ecossistema da Boa Vista, nomeadamente, as suas dunas e praia, mas também as espécies

endógenas da ilha como as tartarugas, as baleias e algumas aves. Espécies que correm risco de

extinção pelo excesso de consumo, como as lagostas, o atum ou o peixe-serra.

Sim, mas também o grande problema aqui são as moto4 sobre as dunas! É um dos problemas mais graves.URHREB42

250

VII – Impactos Percecionados em Análise

E a ilha é pequenina e frágil, ou acabamos com tudo de bom, como as tartarugas, ou então temos deproduzir essas praias... o ecossistema está completamente debilitado!URHRNB62

Eles veem as espécies protegidas como recursos turísticos, não veem que há que conservar os recursos,apenas uma visão económica de turismo e é muito complicado mudar as opiniões! (...) Cada vez temosum ambiente mais destruído com perda de espécie e biodiversidade. Há muitas atividades que destroem anatureza, como os quads e isso podia ser evitado! Muita preguiça e falta de interesse. URHREB36

Este impacto valeu a atenção de apenas 7% dos entrevistados, a maioria dos quais com idade

compreendidas entre os 20 e os 49 anos, isto apesar da maior percentagem interna pertencer aos

entrevistados entre os 60 e 69 anos de idade (17%), muito acima dos 8% de média dos anteriores.

No entanto parece claro que, quanto maior a faixa etária, menor o interesse por este impacto.

Maior interesse é também atribuído pelo género feminino (11%) e os de nacionalidade

estrangeira (19%), e habitantes de espaço urbano (9%), bem acima dos 5% do género masculino,

dos 4% dos nacionais e ainda dos 4% dos habitantes de espaço rural.

Com maior subtileza verificamos que, quanto maior o nível de escolaridade, maior a

preocupação com o aumento da poluição (ensino superior com 11%, mais que dobrando o ensino

primário com 5%), isto apesar do nulo dos indivíduos com o ensino secundário.

Apenas os empregados (8%) e os trabalhadores por conta própria (9%) mencionaram este

impacto negativo. Com igual destaque, são os operadores (18%) e os estrangeiros residentes (21%)

quem maior preocupação revela, em particular face aos nativos (3%) e os de outras ilhas(0%).

Ainda que esta possa ser reduzida, até certa medida, a simples ocupação dos espaços para

edificação de infraestruturas de suporte à atividade turística obriga à destruição da natureza. Isto

estava já presente nos trabalhos tanto de Cater (1987) como de Faulkner e Tideswell (1997).

Alterações dos Padrões de Consumo

O aumento dos preços e do custo de vida pode implicar alterações nos padrões de consumo

dos indivíduos cujos rendimentos são mais reduzidos ou mesmo precários. Para 4% dos

entrevistados, isto foi precisamente o que sucedeu na ilha, e hoje os nativos da Boa Vista veem-se

forçados a consumir outros tipos de peixe em virtude da procura e do preço de algumas das espécies

mais consumidas. Deve-se, no entanto, fazer nota que, por outro lado, hoje é também possível

consumir muitos outros tipo de alimentos, por exemplo a carne de porco, que antes era um recurso

mais raro, e agora até é mais barato que o peixe!

Mudou muito. Antes havia muitos peixes que não eram comidos. Faziam isca e diziam que se comer fazia

251

VII – Impactos Percecionados em Análise

mal... hoje em dia todo tipo de peixe é comido. Já não consegue comprar atum, tem de comprar umacavala, salmonete, aqueles peixinhos que o pessoal não comia aqui! URMRNB32

Mesmo antes tinha muita quantidade e o preço mínimo e isso influencia e muito na dieta alimentar,porque antes poderíamos ter um peixe de graça e agora tudo é comprado. URMRNB28b

Não, é, é tudo muito caro... (...) um kg de atum custava 150 escudos há volta de dez anos. E pouca gentecomia serra. Era garopa, charéu... (…), antigamente a gente não comia serra. URMRNB62

As alterações nos padrões de consumo são um problema que merece menção, sobretudo nos

entrevistados entre os 60 e 69 anos de idade (17%), com valores bem acima dos 5% de média das

outras faixas etárias com valores positivos, nomeadamente as dos 20 aos 49 anos de idade,

sugerindo que este impacto merece, por diferença mínima, maior atenção por parte dos mais velhos.

Maior atenção é também dada pelo género feminino (8%), mais do que o masculino (3%), e apenas

por nacionais de Cabo Verde (5%), tanto do espaço urbano como rural (ambos com 4%).

A alteração dos padrões de consumo é uma problemática apenas para os entrevistados com o

ensino primário (5%) e superior (7%), assim como para os empregados (5%), os desempregados

(17%) e nativos da Boa Vista (5%) e operadores (9%). Mathieson e Wall (1982) foram os primeiros

autores a constatar como o turismo poderia promover alterações nos padrões de consumo das

comunidades anfitriãs seja esta promovida pelo aumento dos preços, pela escassez de recursos ou

pelo efeito demonstrativo que De Kadt (1979) salientou.

Perda da Língua Local

Para 3% dos entrevistados, a multidão de residentes e visitantes de outras paragens, tem

promovido uma perda do uso e importância da língua local para as suas respetivas línguas ou

dialetos:

Nós nativos somos poucos, mais de metade já se ouve muita língua de outras ilhas, sem contar com aslínguas estrangeiras! URHRNB48

Todo mundo aqui já reclama porque todo mundo é italiano, cumprimento sempre "Ciao comé stai!". Nãotêm aquela coisa de falar na sua língua, em português! (...) Turistas são tidos como todos iguais!URMRNB32

Apenas os entrevistados entre os 30 e 49 anos de idade (5%) chamaram a atenção para a

perda da língua local face às estrangeiras ou outras variações nacionais, sendo todos homens (5%),

nativos de Cabo Verde (4%) e da Boa Vista (5%), e residentes em espaço urbano (3%). Todos

tinham também pelo menos o ensino preparatório (7%) e eram profissionalmente ativos, sejam

252

VII – Impactos Percecionados em Análise

empregados (3%) ou trabalhadores por conta própria (5%).

Apesar de neste trabalho haver uma percentagem reduzida dos entrevistados a mencionar a

perda da língua local, e do facto do próprio investigador considerar este impacto como virtualmente

inexistente, o mesmo está destacado nos trabalhos de White (1974) e Coppock (1977).

Abandono das Práticas Tradicionais

Por fim, o último impacto negativo mencionado por 2% dos entrevistados, que contraria

diretamente o impacto positivo da revitalização das práticas tradicionais; falamos do abandono das

práticas tradicionais:

A pesca… havia muito pescador aqui da vila da Boa Vista, já há pouco, a maioria já está virado parahotéis ou para outros mas não quer saber do mar, o mar dá dinheiro… URHRNB48

Entretanto, um setor que ficou para trás foi o da agricultura e pecuária! Os hotéis até agora importam tudoo que consumem, tudo, tudo, tudo! (…) Muitas discussões houve, muita fricção houve, especialmente daparte nordeste, a parte mais vocacionada para a agricultura… porque os agricultores não se conseguiamassociar para ter uma produção à altura das demandas dos hotéis, e ao mesmo tempo não conseguiamentrar porque não estavam certificados! Não tinham as exigências de qualidade que os hotéis têm.URMREB34

Sem dúvida contraditório e até, diríamos, estranho, pois, como vimos, aumentou tanto o

número de pescadores como o de agricultores da ilha. Claro está que a questão é levantada

sobretudo por nativos da ilha, que consideram erroneamente a ausência de jovens autóctones nestas

práticas como sinónimo da sua perda ou abandono.

Esta preocupação com o abandono das práticas tradicionais afeta os entrevistados entre os

30 e os 49 anos de idade (4% de média), com nacionalidade cabo-verdiana, que habitam em espaço

urbano, tanto homens como mulheres (2% de variação), com o ensino primário (5%) e preparatório

(7%), empregados (2%) ou a trabalhar por conta própria (5%). Curiosamente, afeta mais os

operadores (9%) que os nativos da ilha (2%).

Curiosa pode parecer a percentagem de operadores que apontam para esta perda. Mas

recordamos que os indivíduos desta categoria que mencionaram este impacto negativo são nativos

da Boa Vista. Quem também alertou para este impacto negativo foram os trabalhos, já várias vezes

referenciados, de Ferreira (2005) e de Lopes (2008).

4. Perceção dos Impactos Negativos por Variável Sócio-demográfica

Olhando para os impactos negativos na relação com as faixas etárias, verificamos que a

253

VII – Impactos Percecionados em Análise

faixa etária mais nova, dos 20 aos 29 anos de idade, ignora por completo três impactos, entre eles,

os dois menos mencionados, e, por outro lado, apresenta as percentagens internas mais elevadas

noutros tantos impactos. Entre os mais jovens, a oscilação é elevada entre os vários impactos, não

sendo possível encontrar algum tipo de tendência transversal, mesmo se olharmos os impactos de

cariz económico, ambiental ou social separadamente. Isto, com a exceção de que aparenta haver

uma gradual representatividade desta faixa à medida que avançamos dos impactos mais

mencionados para os menos mencionados.

Na faixa etária seguinte, 30-39 anos, verificamos que tem representatividade em todos os

impactos mencionados, sendo mesmo a única nesta situação. Em duas das três que lidera, são

impactos de cariz ambiental e, grosso modo, encontra-se na maioria dos casos entre as faixas com

percentagens internas mais elevadas por impacto negativo. Também tem representatividade

percentual elevada na maioria dos casos, a faixa etária dos 40 aos 49 anos de idade acaba por liderar

em quatro impactos negativos e a não estar representada em apenas um (nas alterações da atitude

dos locais face ao turismo).

Entrando na segunda metade das faixas etárias, recordamos como os entrevistados entre os

50 e os 59 anos de idade não mencionam sete dos dezanove impactos negativos; na verdade não

mencionam qualquer impacto de cariz ambiental e na maioria dos restantes apresenta das

percentagens internas mais baixas, não chegando a liderar em nenhum dos casos.

Na penúltima faixa etária a analisar, dos 60 aos 69 anos de idade, encontramos os maiores

contrastes percentuais de todas as faixas. Isto porque, na maioria dos impactos, ora lidera as

percentagens internas, ora não faz qualquer menção, é dizer, em sete impactos negativo lidera e

noutros cinco, não faz qualquer referência. Ainda entre as que lidera, há que recordar as

elevadíssimas percentagens face aos restantes em cinco dos impactos, nomeadamente, na divisão

desigual dos benefícios entre a comunidade local, aumento da corrupção, atitude face ao turismo,

destruição da natureza, e alterações ao consumo. Estas oscilações cobrem todo o tipo de impactos

negativos, dos económicos, aos sociais e até ambientais.

Finalmente, entre os entrevistados mais velhos, 70 ou mais anos, verificamos que ignoram a

maioria dos impactos negativos mencionados, já que treze dos dezanove impactos não mereceram

qualquer referência por parte destes. Entre os que mencionam, apenas no caso das alterações à

moralidade lideram, com particular destaque, refira-se. Adicionalmente encontramos uma tendência

desta faixa etária em mencionar impactos de cariz social, já que apenas um dos cinco mencionados254

VII – Impactos Percecionados em Análise

é de cariz económico (aumento dos preços) e nenhum é de cariz ambiental.

Esta análise revelou que foram as faixas etárias intermédias, 40-49 e 50-59 anos de idade,

quem mais impactos mencionaram e maiores percentagens internas apresentaram na maioria dos

impactos negativos identificados, assim como são as faixas etárias mais velhas, 60-69 e 70 ou mais

anos de idade, as que menos representatividade têm e menos impactos são capazes de identificar.

Em termos de género, existe uma clara tendência para o género masculino apresentar

percentagens internas superiores ao feminino, já que em treze dos dezanove impactos negativos

apresenta valores mais elevados, sendo que em sete destes se destaca em cinco ou mais por cento

face ao feminino que acaba por ignorar dois impactos, perda da língua local e dependência face ao

255

Aumento da Criminalidade

Divisão Desigual dos Benefícios

Crescimento Descontrolado

Aumento dos Preços

Alterações à Moralidade

Exploração Laboral

Discriminação aos Migrantes

Especulação Imobiliária

Ausência de Infraestruturas

Perda da Autenticidade

Aumento da Corrupção

Atitude dos Locais face Turismo

Dependência face ao Turismo

Aumento da Poluição

Perda de Direitos dos Residentes

Destruição da Natureza

Alteração Padrões Consumo

Perda da Língua Local

Abandono das Práticas Tradicionais

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Impactos Negativos Percecionados por Faixa Etária

20-29

30-39

40-49

50-59

60-69

70

Percentagem Interna

Imp

act

os

Ne

ga

tivo

s

Figura 7.9: Impactos Negativos Percecionados por Faixa Etária

VII – Impactos Percecionados em Análise

turismo. O género feminino lidera, então, em apenas seis impactos negativos, no entanto, em cinco

destes com destaque, o que revela que nas que lidera, fá-lo com diferença significativa.

Uma análise transversal aos impactos negativos cruzada com a nacionalidade apresenta

dados curiosos, pois em nenhum dos impactos os entrevistados de nacionalidade estrangeira lideram

face aos de nacionalidade cabo-verdiana, no que se refere às percentagens internas.

Esta diferença agrava-se se nos recordarmos que em quatro casos dos cinco menos

mencionados, os estrangeiros não fazem qualquer menção. Estes dados parecem indicar que os

entrevistados de nacionalidade estrangeira são menos capazes de identificar impactos negativos, e

mesmo quando o fazem, não lhe atribuem uma importância tão grande quanto os de nacionalidade

caboverdiana.

256

Aumento da CriminalidadeDivisão Desigual dos Benefícios

Crescimento DescontroladoAumento dos Preços

Alterações à MoralidadeExploração Laboral

Discriminação aos MigrantesEspeculação Imobiliária

Ausência de InfraestruturasPerda da AutenticidadeAumento da Corrupção

Atitude dos Locais face TurismoDependência face ao Turismo

Aumento da PoluiçãoPerda de Direitos dos Residentes

Destruição da NaturezaAlteração Padrões Consumo

Perda da Língua LocalAbandono das Práticas Tradicionais

0 10 20 30 40 50 60 70

Impactos Negativos Percecionados por Género

Feminino

Masculino

Percentagem Interna

Imp

act

os

Ne

ga

tivo

s

Figura 7.10: Impactos Negativos Percecionados por Género

VII – Impactos Percecionados em Análise

Aumento da CriminalidadeDivisão Desigual dos Benefícios

Crescimento DescontroladoAumento dos Preços

Alterações à MoralidadeExploração Laboral

Discriminação aos MigrantesEspeculação Imobiliária

Ausência de InfraestruturasPerda da AutenticidadeAumento da Corrupção

Atitude dos Locais face TurismoDependência face ao Turismo

Aumento da PoluiçãoPerda de Direitos dos Residentes

Destruição da NaturezaAlteração Padrões Consumo

Perda da Língua LocalAbandono das Práticas Tradicionais

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Impactos Negativos Percecionados por Nacionalidade

Caboverdianos

Estrangeiros

Percentagem Interna

Imp

act

os

Ne

ga

tivo

s

Figura 7.11: Impactos Negativos Percecionados por Nacionalidade

A área de residência também revelou que os entrevistados que residiam em meio rural

apenas ultrapassaram os de meio urbano em quatro impactos, alterações à moralidade, perda da

autenticidade, dependência face ao turismo e aumento da poluição, sendo que, no caso da questão

da autenticidade, a diferença é substancial face ao meio urbano. Por outro lado, não foram capazes

de identificar os dois impactos menos mencionados.

Se consideramos que em apenas dois impactos, exploração laboral e alterações ao consumo,

se verificou um empate, isto é, uma igualdade na preocupação com estes impactos negativos,

confirmamos o domínio avassalados dos entrevistados que residem em meio urbano. Domínio, tanto

na capacidade de identificar impactos negativos, como neles apresentar maior incidência. Em onze

dos dezanove, lideram com destaque e, noutros dois, lideram por menos de 5% do que os de meio

rural.

257

VII – Impactos Percecionados em Análise

Aumento da CriminalidadeDivisão Desigual dos Benefícios

Crescimento DescontroladoAumento dos Preços

Alterações à MoralidadeExploração Laboral

Discriminação aos MigrantesEspeculação Imobiliária

Ausência de InfraestruturasPerda da AutenticidadeAumento da Corrupção

Atitude dos Locais face TurismoDependência face ao Turismo

Aumento da PoluiçãoPerda de Direitos dos Residentes

Destruição da NaturezaAlteração Padrões Consumo

Perda da Língua LocalAbandono das Práticas Tradicionais

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Impactos Negativos Percecionados por Área de Residência

Urbano

Rural

Percentagem Interna

Imp

act

os

Ne

ga

tivo

s

Figura 7.12: Impactos Negativos Percecionados por Área de Residência

O nível de escolaridade também nos revela dados interessantes. Entre os entrevistados com

o ensino primário (ou inferior), apenas a perda da língua local e a especulação imobiliária não

foram mencionadas; por outro lado, as alterações à moralidade e a perda da autenticidade foram as

que acabaram por liderar. Na maioria dos restantes impactos apresentaram as percentagens internas

baixas. No caso do ensino preparatório, só a perda da língua local não foi mencionada e noutros sete

impactos atingem a liderança, ainda que, em três destes seja partilhada com outros níveis de

escolaridade.

Também os entrevistados com o ensino secundário lideraram em sete impactos, sendo que

desta vez, apenas num dos casos é uma liderança partilhada. Estes ignoram as alterações à atitude

face ao turismo e outros três impactos negativos (estes de cariz económico). Por outro lado

destacam-se nos tais impactos que lideram, em particular na atenção dada ao aumento da corrupção,

crescimento descontrolado e divisão desigual dos benefícios entre a comunidade local.

Já os licenciados também ignoram o abandono das práticas tradicionais e lideram mais uma

vez em sete impactos negativos sendo que em três casos numa circunstância de partilha. Este

subgrupo é o mais consistente já que na maioria dos impactos apresenta percentagens elevadas. Isto

em conjunto com os resultados dos entrevistados com o ensino secundário, confirmam a tendência

258

VII – Impactos Percecionados em Análise

de que quanto maior for o nível escolar maior atenção é atribuída aos impactos. As únicas exceções

claras residem nos impactos negativos “alterações à moralidade” e a “perda de autenticidade”, que

contrariam essa tendência.

Aumento da Criminalidade

Divisão Desigual dos Benefícios

Crescimento Descontrolado

Aumento dos PreçosAlterações à Moralidade

Exploração Laboral

Discriminação aos Migrantes

Especulação ImobiliáriaAusência de Infraestruturas

Perda da Autenticidade

Aumento da CorrupçãoAtitude dos Locais face Turismo

Dependência face ao Turismo

Aumento da Poluição

Perda de Direitos dos ResidentesDestruição da Natureza

Alteração Padrões ConsumoPerda da Língua Local

Abandono das Práticas Tradicionais

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Impactos Negativos Percecionados por Escolaridade

Primário

Preparatório

Secundário

Superior

Percentagem Interna

Imp

act

os

Ne

ga

tivo

s

Figura 7.13: Impactos Negativos Percecionados por Escolaridade

Quanto à situação profissional, os entrevistados empregados foram os que mais impactos

negativos mencionaram, já que estão representados em todos, sendo que em cinco destes lideram,

quase todos os impactos negativos de cariz social. Por outro lado, os desempregados ignoram seis

impactos negativos e lideram outros quatro, entre eles destacamos a exploração laboral, onde reúne

maior percentagem que os restantes subgrupos juntos.

Os trabalhadores por conta própria não referem apenas as alterações ao consumo e são os

que lideram em mais casos, sete em dezanove. Contrariamente, os reformados apelas lideram nos

casos do aumento da criminalidade e aumento da corrupção. Estes são os que mais impactos

negativos ignoram, onze dos dezanove! Estes dados indicam-nos claramente que são os

entrevistados profissionalmente ativos os que são capazes de apontar mais impactos negativos e259

VII – Impactos Percecionados em Análise

neles apresentar maiores percentagens internas.

Finalizamos com a análise por grupo de residentes, onde verificamos que os residentes

nativos da Boa Vista foram os que mais impactos mencionaram, liderando em cinco dos impactos

negativos. Contrariamente, os residentes nativos de outras ilhas de Cabo Verde são o subgrupo que

menos impactos lidera, apenas o aumento da descriminação face aos migrantes e alterações da

atitude face ao turismo. Na verdade, este é o subgrupo que menos impactos foi capaz de identificar

uma vez que ignorou seis.

Já os estrangeiros não mencionaram quatro impactos, especificamente quatro dos cinco

menos mencionados da tabela. Estes residentes estrangeiros lideraram em cinco impactos negativos.

O subgrupo que mais impactos dominou foram os operadores, com sete em dezanove, e apenas não

fez menção a três impactos, todos de cariz social. Estes dados são reveladores de que, se por um

260

Aumento da Criminalidade

Divisão Desigual dos Benefícios

Crescimento Descontrolado

Aumento dos Preços

Alterações à Moralidade

Exploração Laboral

Discriminação aos Migrantes

Especulação Imobiliária

Ausência de Infraestruturas

Perda da Autenticidade

Aumento da Corrupção

Atitude dos Locais face Turismo

Dependência face ao Turismo

Aumento da Poluição

Perda de Direitos dos Residentes

Destruição da Natureza

Alteração Padrões Consumo

Perda da Língua Local

Abandono das Práticas Tradicionais

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Impactos Negativos Percecionados por Situação Profissional

Empregados

Desempregados

TCP

Reformados

Percentagem Interna

Imp

act

os

Ne

ga

tivo

s

Figura 7.14: Impactos Negativos Percecionados por Situação Profissional

VII – Impactos Percecionados em Análise

lado, os nativos são os que mais impactos negativos detetam, os migrantes caboverdianos são, de

longe, os que menos o fazem e menos representatividade têm. Revela também que os operadores

são os que maior representatividade têm nos impactos que são capazes de identificar.

261

Aumento da Criminalidade

Divisão Desigual dos Benefícios

Crescimento Descontrolado

Aumento dos Preços

Alterações à Moralidade

Exploração Laboral

Discriminação aos Migrantes

Especulação Imobiliária

Ausência de Infraestruturas

Perda da Autenticidade

Aumento da Corrupção

Atitude dos Locais face Turismo

Dependência face ao Turismo

Aumento da Poluição

Perda de Direitos dos Residentes

Destruição da Natureza

Alteração Padrões Consumo

Perda da Língua Local

Abandono das Práticas Tradicionais

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Impactos Negativos Percecionados por Grupo de Residentes

RNB

RNOI

REB

Operadoress

Percentagem Interna

Imp

act

os

Ne

ga

tivo

s

Figura 7.15: Impactos Negativos Percecionados por Grupo de Residentes

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

VIII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Dado o ênfase das perceções em torno de impactos negativos associados às infraestruturas

básicas, à gestão da atividade turística e a situações de precariedade e insegurança social,

consideramos que este conjunto de sinais transporta uma tendência clara de responsabilização da

situação atual, como um profundo declive entre as projeções e objetivos dos programadores do

turismo na Boa Vista e a realidade. Por programadores entendemos não apenas as instituições

públicas, que planearam e aplicaram a atividade, mas também as instituições privadas que

investiram e operam neste espaço.

Esta responsabilização suscita, desde logo, que nos interroguemos se estes programadores

subestimaram, de forma grosseira, os efeitos, muito deles conhecidos e comuns noutros destinos, e

até alvo de alerta por entidades como a UNWTO. Sobretudo tendo em conta a alegada meta de um

turismo sustentável apontada pelo Governo desde a abertura ao mercado internacional.

Embora não tivesse feito parte do guião original de entrevista, foram inúmeros os casos em

que os entrevistados apontaram indireta e diretamente esta subestimação dos impactos negativos

anteriormente analisados. A análise cuidada das entrevistas revelou mesmo que 40% dos casos, é

dizer, trinta e oito dos entrevistados, fizeram menção a esta subestimação e apontaram-na como

principal causador da maioria dos desequilíbrios sócio-económico-ambientais percecionados.

Se realizarmos uma análise cruzada destes com as características sócio-demográficas,

podemos verificar que, em média, 36% de todas as faixas etárias o mencionaram. O valor mais

elevado foi para os entrevistados entre os 60 e os 69 anos de idade, com 50%, logo seguidos dos

45% e 40% para as faixas 20-29 e 30-39 respetivamente, e a mais baixa para aqueles com 70 ou

mais anos de idade, com 20%, bem abaixo dos 29% e 35% restantes, para 50-59 e 40-49 anos,

respetivamente. Estas percentagens elevadas confirmaram-se tanto em termos de género (masculino

37% e feminino 41%), de nacionalidade (caboverdianos 39%, estrangeiros 43%), e, ainda com

valores elevados e aproximados, como no caso do espaço de residência (urbano 39% e rural 41%).

Por outro lado, o nível de escolaridade demonstrou que os entrevistados com o ensino

superior são os que mais referiram a subestimação (50%), seguidos pelo ensino preparatório (40%),

cuja percentagem é quase o dobro, tanto do ensino secundário (25%) como primário (21%).

Esta perceção está presente em 55% das entrevistas a trabalhadores por conta própria e

262

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

apenas em 17% dos reformados. Os empregados (37%) e desempregados (33%) apresentam valores

a rondar um terço das entrevistas de cada categoria. Finalmente, metade dos estrangeiros residentes

considera que houve uma subestimação dos impactos negativos do turismo na Boa Vista, e um

pouco menos (42%) dos nativos da ilha também, bem mais do que os operadores (27%) e residentes

de outras ilhas (25%).

Como afirmámos, a questão da subestimação não faz parte nem dos impactos negativos nem

das perceções do futuro, ou mesmo das prioridades na correção do mesmo. No entanto, demonstra

com solidez que os entrevistados responsabilizam as instituições e organismos responsáveis pelo

planeamento e implementação do turismo, e a organização da sociedade boavistense, face ao

fracasso em corresponder às expetativas.

Essas expetativas não correspondidas levam a uma perceção do futuro construída com base

na experiência do passado recente vivenciado, nos impactos positivos e negativos, e, nessa medida,

acabam por ajudar a explicar os dados referentes à perceção do futuro que apresentamos de seguida.

1. A Boa Vista das Próximas Décadas - Perceção do Futuro

As opiniões e expectativas dos boavistenses quanto ao turismo, são construídas com base em

perceções como as que até aqui analisámos, e assim, quisemos saber como pensavam que seria a

Boa Vista num futuro próximo, entre 15 a 30 anos, tendo em conta o rumo e a situação atual da ilha

e sua relação com o turismo massificado. Uma alternativa para a questão direta do nível de

satisfação face ao turismo.

Como podemos ver na tabela abaixo, o futuro é sobretudo incerto, para trinta e um dos

entrevistados, e negativo para vinte e seis. Apenas vinte e um consideram que o futuro será positivo,

e seis que será idêntico ao atual. Nesta questão, doze entrevistados optaram por não responder ou

mostraram-se incapazes de apresentar uma resposta clara.

263

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Incerto

Todos esperam o melhor mas... não sei. Na minha opinião aqui o futuro está como a tartaruga, devagar,devagar! E muitas coisas em termos de turismo desenvolve mas a ilha mão está a desenvolver! A ilha nãoestá a acompanhar o turismo, está sempre atrás. URHRNB37

Como é que eu imagino a Boa Vista daqui a 20 anos!? Difícil... se continuar assim, não sei se a BoaVista... com a crise, daqui a vinte anos acho que não vamos ter Boa Vista, mas se isso melhorar daqui avinte anos tudo vai mudar! URHRNB31b

Sinceramente é a minha preocupação, não sei se vai ser bom, se mau ou se péssimo! Mas é a minhapreocupação! O que será da Boa Vista daqui a dez ou cinco anos!? URMRNB28

Agora imaginar a Boa Vista não é tão fácil...há três anos atrás toda a gente estava a chorar aqui no Sal,não havia turistas! (...) Depois começou a guerra no Egito e encheu Cabo Verde! (...) Neste momentoainda estamos bem porque ainda não se estabilizou o Egito. (...) Arrancar o turismo foi longo e difícil masdestruir todo o trabalho feito é rapidíssimo. (...) Turismo aqui é frágil, não é sustentável. Muito cansativomanter vivo. É só diminuir o fluxo turístico e pronto, os hotéis deixam de ter capacidade de pagar as suasdespesas. URHREB51

Não sei, tenho medo daqui a vinte anos, não há como prever. Eu espero que ainda existe a natureza quetemos, e que o façam com respeito! (...) Mais limpo, sem toda esta terra... que as construções estejamterminadas que não pareçam Beirut! URFREB38

Quase um terço dos entrevistados consideraram o futuro da Boa Vista uma incerteza (32%).

Na verdade, mais de metade dos entrevistados (57%) entre os 50 e os 59 anos de idade apontaram

para essa incerteza, bem acima dos restantes, mesmo considerando os dados dos que tinham 70 ou

mais anos (40%) e os dos entre 30 e 39 (39%). Desta forma deteta-se uma subtil tendência para

considerar o futuro mais incerto à medida que a faixa etária é maior, isto, apesar dos valores

daqueles entre os 60 e 69 anos de idade (17%). Resta então referir os 20% da faixa etária mais

jovem e os 25% da restante (40-49 anos de idade).

A incerteza é maior entre o género feminino (37%) do que no masculino (29%), assim como

entre os caboverdianos (35%), em comparação com os estrangeiros (24%). Em contraste, os valores

são muito aproximados entre os que habitam e meio urbano (33%) e meio rural (30%).

Também aproximadas são as percentagens dos entrevistados com o ensino preparatório264

Quadro 7.1: Perceção do Futuro dos Residentes

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

(27%) ao superior (30%); no entanto, a elevada percentagem entre os entrevistados com o ensino

primário (47%), revela que a incerteza é condicionada pelo nível de ensino, neste caso, quanto

menor, maior é a incerteza quanto ao futuro.

Cerca de metade dos reformados também estão incertos quanto ao futuro, assim como 36%

dos trabalhadores por conta própria, e 31% dos empregados, bem mais do que os desempregados

20% (e doméstica 0%).

Com uma percentagem quase residual, apenas 9% dos operadores está incerto, ao passo que

os nativos das outras ilhas são os que maior incerteza têm (42%), logo seguidos pelos nativos da

Boa Vista (36%) e estrangeiros (29%).

Negativo

Vinte e seis entrevistados consideraram que a Boa Vista terá um futuro negativo:

Mas eu temo um pouco o futuro da Boa Vista. Não sou um pessimista, mas eu temo. URHRNB48

Eu estou pessimista que até 2026 não vamos ter melhorias! URHRNB36

No futuro vai para o fundo! URHRNB80

Eu, sinceramente não tenho uma visão muito boa da Boa Vista. Eu falo que nós não desenvolvemos, nósevoluímos em algumas coisas. Boa Vista não se desenvolveu! JGHRNB41

Se continuarmos nesta ignorância tudo vai ficar maior mas as coisas positivas mais positivas e asnegativas mais negativas ainda. Então, eu imagino tudo maior! Se há cinco hotéis grandes eu imaginoquinze! (…) As pessoas vão triplicar, a delinquência vai aumentar e espero que as questões da água e luzestejam resolvidas! Estou um pouco dececionado, foi muito rápido, as mudanças. Todos os sítios que nãoestão preparados para isso vão ter problemas graves! Estou preocupado com isso! URHREB35

Se mantiver assim os investidores vão tomar conta da Boa Vista! Já querem mandar! O RIU com todoscarros que tem, motos, já tem quase o monopólio. Já têm 60%! Agora querem entrar com agências... (...)É assim, se for continuar assim vamos estar fodido! (...) Eles não se preocupam com os locais!URHRNB33

Aqui na, em Cabeça de Tarafes não sei mas...(...) Poderá também estar em vias de extinção! Eu gostariadaqui a vinte anos tivesse sítio onde morar na minha ilha. CTHRNB25

Temo que possamos estar perdidos em trinta anos! URFREB26

O futuro não sei... um futuro feito de mais empresas estrangeiras! (...) Se continuarmos assim vamosentregar a Boa Vista a empresas estrangeiras! URMREB60

Daqui a vinte anos parece que a Boa Vista será coberta a 90% desses hotéis. Projectos de turismo e etc,etc.. CTHRNB45

Imagino uma Boa Vista... que muito sinceramente não me vou orgulhar em ver. Uma Boa Vista muitodesorganizada, com grandes problemas sociais, com um turismo descontrolado e irresponsável! E acho

265

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

que o boavistense em si daqui a quinze anos ainda vai estar à margem daquilo que são os benefícios queesta ilha tem a dar! URHRNB28

Em muitos casos os entrevistados fazem um paralelo direto com a ilha do Sal e a sua

experiência com o turismo:

Acho que segue a mesma linha do Sal, o talvez pior! (...) Daqui a 20 anos vejo um dos edifício do turismodeserto no meio da areia, talvez a ser invadido pela areia, abandonado! E a população pior ainda do queestava antes do desenvolvimento do turismo! FFMRNB27

Ah está no caminho da ilha do Sal! Acredito que desta forma não vamos aventurar muito no turismo aquina Boa Vista, porque vai sofrer fracasso de certeza! URHRNOI32

Não sei! Acho que daqui a 20 anos já será uma ilha bastante desgastada! Aquilo de bom que temos aquiestá ser mais explorado pelos estrangeiros. Vai ser uma ilha tipo S. Maria! (...) Com tempo vai ser umailha estrangeira dentro de Cabo Verde, vai ser assim, e um pouco desgastada! URHRNOI30

Há muitas discussões… se é bom, se é mau, para onde a ilha caminha… as pessoas estão muito reticentesem relação ao futuro da Boa Vista. Acham que se vai transformar num "Sal 2" muito mais rapidamente,porque tem uma área de extensão de praia muitíssimo maior. URMREB34

Ou até com outros locais nacionais e internacionais:

Daqui a quinze anos?! Olha, vai ser como as Canárias! Espero que não! Muito turista! Espero que nãoesteja assim mas por mais que se lute, e os nacionais reclamem nas suas lutas de café, não há volta a dar!(...) Os locais vão acabar por ser uma atração turística porque vão ser tão poucos! URHRNB36

Daqui a vinte anos sinceramente, imagino a Boa Vista quase como a cidade da Praia onde as pessoas vãoter medo de sair à rua, com esse desenvolvimento. É óbvio que a Boa Vista vai desenvolver e de quemaneira. Mas pronto é óbvio que são fatores que acompanham o desenvolvimento. Estou a ver uma BoaVista completamente diferente, nada a ver com a Boa Vista à dez ou quinze anos atrás. (...) Vamos vivercomo na Europa, na França, onde as pessoas nem têm tempo para dizer bom dia! URHRNB29b

Qual o perfil dos entrevistados que perspetivaram um futuro negativo? Os dados apontam

para uma ligeira tendência das faixas etárias mais velhas em considerarem o futuro dessa forma, em

parte, devido ao facto de 50% dos entrevistados com 70 ou mais anos de idade assim o idealizarem,

e mesmo considerando que ninguém entre os 60 e os 69 anos o subscreve. Entre as faixas mais

jovens, os valores rondam os 30%, nomeadamente 35% entre na faixa etária 20-29, 24% na 30-39 e

ainda 30% na faixa etária 40-49 anos de idade.

Se a incerteza era liderada pelo género feminino, a negatividade é liderada pelo masculino

(29%), que apresenta valores 5% superiores ao feminino; os residentes em espaço rural lideram

com 30%, um pouco acima dos de meio urbano (26%). Em termos da variável nacionalidade,

podemos verificar que, por larga vantagem, os caboverdianos (29%) são mais negativos que os

estrangeiros (19%).

Verificamos novamente, também, que quanto maior a escolaridade, maior a negatividade

266

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

quanto ao futuro, uma vez que os valores vão dos 16% do ensino primário aos 28% do ensino

superior, passando pelos 27% do ensino preparatório, e pelos destacados 38% dos entrevistados

com o ensino secundário.

Sem surpresa, os desempregados (40%) são os que mais apontam para um futuro negativo,

ainda que sejam seguidos com valores próximos tanto por empregados como por trabalhadores por

conta própria, ambos com 27%, e já com alguma distância pelos reformados (17%).

Mais uma vez, os operadores destacam-se como os que menos perspetivam um futuro

negativo (9%), e os restantes grupos apresentam valores relativamente aproximados, já que variam

entre os 31% dos nativos da ilha e os 25% dos oriundos de outras ilhas, passando pelos 29% dos

estrangeiros.

Positivo

Na terceira posição da tabela das respostas quanto ao futuro da Boa Vista, vinte e uma

pessoas consideraram que a Boa Vista será um lugar melhor, e assim atribuíram resposta positiva à

questão colocada. Com menos cinco respostas que o futuro negativo e dez que o incerto, o futuro

positivo reúne testemunhos que contradizem o homólogo negativo:

Será melhor! Porque tem projetos de fixar preços, colocar salário mínimo que aqui não existe… por isso éque os que chegam aqui pagam o que querem. (…) Penso que daqui a vinte anos serão tudo problemasresolvidos. A ilha vai estar muito mais melhor! URHRNB31

A continuar assim as oportunidades de negócios, os jovens vão tentando realizar sonhos... construindosuas casas e essas coisas... FFMRNB38

Mais ordenada, mais vias, com mais... equipamentos sociais, com estradas de melhor qualidade. Uma BoaVista melhor onde todos os que escolherem a Boa Vista para conhecer e visitar possam sentir-se bem!URMRNB46

Positivo, primeiro porque espero que agora que há conhecimento de toda esta situação, sejam tomadasdecisões para corrigido. Ainda há a possibilidade de o fazer! (...) o quanto antes! OPFREB41

Mas penso que a Boa Vista está no rumo certo, mas as pessoas precisam de trabalhar com mais afinco emais responsabilidade! URHRNOI31

Tem de melhorar. Eu espero que vá melhorar. Em tudo, era bom, em tudo. JGHRNB58

Está perto da Europa, o clima é agradável durante todo o ano, não me parece que tenhamos umadeterioração da situação económica. Eu acho que vamos melhorar, se perspetivarmos os investimentosque estão planeados, eu acho que vamos melhorar! URHRNB31

Contradição essa que curiosamente chega aos paralelismos anteriormente mencionados com

outros destino próximos, sobretudo as Canárias:

267

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Mais construido, mais desenvolvido. Sei que muita gente vai dizer "oh, isto vai ser como as Canáriasdaqui a 20 anos!" Eu acho que não! Muito mais suave! Não há progresso em outras coisas, agora com acrise, menos ainda... RUHOP39

Imagino com esperança num turismo sustentável, com infraestrutura e com um turismo sustentável, comoutras cadeias turísticas interessadas no país. Com mais desenvolvimento, um pouco como as ilhasCanárias, mas de forma mais controlada! URMOP40

Eu penso que vai ser um pouco como a estação balnear das Canárias! Mais moderno, é preciso um poucomais de modernismo! URMOP33b

Numa inversão da análise descritiva relativa à faixa etária dos que apontaram o futuro como

negativo, são as faixas mais novas que, neste caso, mais antecipam um futuro favorável. Essa

diferença é acentuada pelo nulo dos que têm entre 60 e 69 anos de idade e pelos 14% daqueles entre

os 50 e 59 anos. Na verdade, as restantes faixas vão dos 20% dos mais velhos aos 25% da faixa

mais nova e dos que têm entre 40 e 49 anos, passando pelos 24% da faixa dos 30-39 anos de idade.

O género feminino volta a destacar-se (24%) face ao masculino (21%), e, pela primeira vez

nesta questão, os estrangeiros (29%) apresentam dados superiores ao nacionais (20%). Em termos

de espaço de residência, os residentes em meio rural (26%) veem um futuro mais positivo que os de

meio urbano (20%).

Por uma ténue diferença, os entrevistados tendem a considerar o futuro mais positivo à

medida que o seu nível escolar é maior. Ténue porque se apenas 16% dos entrevistados com o

ensino primário consideram o futuro positivo, os com o ensino preparatório (33%) lideram essa

análise cruzada, bem acima dos 25% do ensino secundário e 20% do superior.

São também os empregados (24%) quem um melhor futuro adivinha, seguidos de perto

pelos trabalhadores por conta própria (18%) e desempregados (20%). Curiosamente nenhum dos

reformados considerou o futuro positivo e a doméstica o consideraram.

Desta feita, são os operadores (45%) quem apresenta valores mais altos, seguidos, a alguma

distância, pelos nativos de outras ilhas (25%), e pelos nativos da Boa Vista (19%) a uma distância

ainda maior. Por fim, os que encontram um futuro menos positivo são os estrangeiros (14%).

Idêntico

O futuro menos mencionado é o da estagnação, com apenas seis menções. Estes

entrevistados perspetivam um futuro onde nada de significativamente positivo ou negativo vai

ocorrer na Boa Vista. Em certa medida será justo considerarmos que esta previsão de estagnação é

268

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

um sinal negativo dados os impactos apresentados pelos entrevistados; ainda assim, tratamos esta

resposta como as anteriores, destacando-a e analisando-a:

Vai ser um pequeno gigante adormecido, estagnamento total! URHRNB48

Igual! (risos) Tem mais lojas chinesas! (…) Nada vai para a frente. Os lotes vão continuar vazios e ascasas por acabar… URMRNB27

Não, não... Deus me livre... vai estagnar... eu tenho quatro anos aqui e não vejo nada... URFOP29

O perfil dos entrevistados que consideram o futuro idêntico parece circunscrito à faixa etária

mais velha (20%) e às faixas mais novas, nomeadamente, 20-29 (10%), 30-39 e 40-49 (5%), dado

que as restantes não têm qualquer representação. Apesar do mesmo número de homens e mulheres

considerarem o futuro desta forma, a percentagem interna por género revela que o género feminino

(8%) é o mais representativo, dado os valores do masculino (5%).

A nacionalidade não parece ser condicionante nesta resposta, pois os caboverdianos (7%) e

estrangeiros (5%) somaram valores quase idênticos, ao passo que a residência revela que os de meio

urbano (7%) têm maior propensão para esta perspetiva do que os de meio rural (4%).

A estagnação está mais presente entre os entrevistados com menor nível de escolaridade, já

que os valores vão dos 11% dos entrevistados com o ensino primário aos 4% do ensino superior,

passando pelos 7% e 6% dos ensinos preparatório e secundário, respetivamente.

Os desempregados (20%) e os reformados (17%) somam maiores percentagens que as

restantes situações profissionais, já que apenas 6% dos empregados e 5% dos trabalhadores por

conta própria partilham esta visão de futuro. O futuro idêntico está ainda presente nas respostas,

sobretudo, de operadores (18%), alguns estrangeiros (7%) e nativos da ilha (5%), por outro lado,

não tem representação entre os oriundos de outras ilhas.

2. Perceção do Futuro por Variável Sócio-demográfica

Podemos verificar, na figura seguinte, que a faixa etária mais jovem variou as suas respostas

entre um futuro positivo, logo seguido de negativo e de idêntico, ao passo que a faixa seguinte varia

entre o positivo, logo seguida de incerto e idêntico92. A faixa entre os 40 e os 49 anos apenas se

destacou no futuro positivo, com algum presença no futuro negativo ou idêntico.

Contrariamente, a faixa posterior, 50-59 anos, marcou sobretudo presença na incerteza e na

incapacidade de responder. A faixa etária 60-69 anos apresentou claramente uma postura negativa,

92 Novamente, todos os resultados encontram-se no CD-Rom em formato de Excel, no Anexo C.269

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

marcada também pela incapacidade ou opção de não responder e pelo nulo na opção positiva. Os

entrevistados com 70 ou mais anos de idade mostraram-se sempre capazes de responder, sendo que

a sua previsão de futuro era de manutenção do status quo e, depois, de incerteza, revelando-se um

dos grupos que menos negativo se mostrou.

A análise por Género mostra como o género feminino se mostrou particularmente incerto

quanto ao futuro, ao passo que os valores positivo e negativo foram idênticos, o que, a par da

liderança na opção “idêntico” revela uma clara tendência das entrevistadas em traçar um futuro

dúbio.

Por seu turno, o género masculino destacou-se na previsão do futuro quer negativo quer

incerto, assim como na incapacidade de antecipar o desfecho do atual cenário. Isto, somando ao

baixo valor na opção positivo, leva-nos a crer que os entrevistados entendem o futuro como

ligeiramente mais negativo que as entrevistadas.

270

Incerto Negativo Positivo Não Responde Idêntico0

10

20

30

40

50

60Perceção do Futuro por Faixa Etária

20-29

30-39

40-49

50-59

60-69

70

Tipo de Futuro

Pe

rce

nta

ge

m In

tern

a

Figura 8.1: Perceção do Futuro por Faixa Etária

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

A previsão do futuro para estrangeiros mostrou-se relativamente aproximada nas três opções

mais destacadas, ligeiramente mais negativo que positivo, e, numa condição menos ligeira, também

entre os nacionais, a perceção foi sobretudo de incerteza e negatividade.

Por área de residência verificou-se que os habitantes em meio urbano apresentaram uma

postura que pende mais para uma previsão em queda, grande incerteza, e os entrevistados de meio

rural apresentaram-se tão incertos como negativos, mas ligeiramente mais positivos que a sua

271

Incerto Negativo Positivo Não Responde Idêntico0

5

10

15

20

25

30

35

40Perceção do Futuro por Género

Feminino

Masculino

Tipo de Futuro

Pe

rce

nta

ge

m In

tern

a

Figura 8.2: Perceção do Futuro por Género

Incerto Negativo Positivo Não Responde Idêntico0

5

10

15

20

25

30

35

Perceção do Futuro por Nacionalidade

Caboverdianos

Estrangeiros

Tipo de Futuro

Pe

rce

nta

ge

m In

tern

a

Figura 8.3: Perceção do Futuro por Nacionalidade

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

contraparte.

Os entrevistados com o nível de ensino primário mostraram percecionar um futuro muito

incerto, seguido, com distância, por respostas igualmente positivas e negativas. Já os de nível

preparatório demarcaram-se apenas como os mais positivos sem grande destaque em qualquer das

outras opções.

Contrariamente, foi entre os residentes com o ensino secundário que o futuro se mostrou

mais negativo, e posteriormente igualmente incerto e positivo. Por fim, os licenciados, marcaram

uma postura negativa e incerta bem mais do que positiva. Na verdade, foram o grupo que mais

mostrou hesitação em antecipar o futuro.

272

Incerto Negativo Positivo Não Responde Idêntico0

5

10

15

20

25

30

35Perceção do Futuro por Área de Residência

Urbano

Rural

Tipo de Futuro

Pe

rce

nta

ge

m In

tern

a

Figura 8.4: Perceção do Futuro por Área de Residência

Incerto Negativo Positivo Não Responde Idêntico0

10

20

30

40

50Perceção do Futuro por Escolaridade

Primário

Preparatório

Secundário

Tipo de Futuro

Pe

rce

nta

ge

m In

tern

a

Figura 8.5: Perceção do Futuro por Escolaridade

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Os residentes empregados mostraram-se divididos entre as várias hipóteses de futuro, apesar

de terem liderado na hipótese de um futuro positivo, assim como os trabalhadores por conta própria.

Os desempregados tiveram uma posição ligeiramente mais negativa, ao passo que os reformados

mostraram-se incapazes de perspetivar um futuro com clareza, destacando-se também por não

serem capazes de perspetivar o futuro como positivo.

No grupo de residentes, os nativos da Boa Vista demarcaram-se como os mais negativos e

um dos grupos mais incertos quanto ao futuro, onde menos de um quinto viu o futuro com bons

olhos. Entre os nacionais oriundos de outras ilhas a incerteza reina, algo reforçado pelo grande

número que viu o futuro igualmente como positivo e negativo.

Os estrangeiros residentes na ilha podem ter sido os que se revelaram mais incapazes de

responder e os que apresentaram valores positivos mais baixos, mas o destaque vai para a idêntica

previsão de um futuro incerto ou negativo, contrariando algumas ideias comuns de que tanto

operadores como estrangeiros seriam quem mais veria o futuro positivamente. Na verdade, foram

273

Incerto Negativo Positivo Não Responde Idêntico0

10

20

30

40

50

60 Perceção do Futuro por Situação ProfissionalEmpregados

Desempregados

TCP

Tipo de Futuro

Pe

rce

nta

ge

m In

tern

a

Figura 8.6: Perceção do Futuro por Situação Profissional

Incerto Negativo Positivo Não Responde Idêntico0

10

20

30

40

50 Perceção do Futuro por Grupo de ResidentesRNB

RNOI

REB

Tipo de Futuro

Pe

rce

nta

ge

m In

tern

a

Figura 8.7: Perceção do Futuro por Grupo de Residentes

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

apenas os operadores que se destacaram profundamente no futuro positivo, logo seguido, a alguma

distância, pelas duas opções menos comuns.

Os estrangeiros residentes na ilha podem ter sido os que se revelaram mais incapazes de

responder e os que apresentaram valores positivos mais baixos, mas o destaque vai para a idêntica

previsão de um futuro incerto ou negativo; contrariando algumas ideias comuns de que tanto

operadores como estrangeiros seriam quem mais veria o futuro positivamente. Apenas os

operadores que se destacaram profundamente no futuro positivo.

3. Prioridades de Intervenção

Entramos agora na análise à lista de prioridades de intervenção de forma a corrigir o rumo

atual. Perguntou-se nas entrevistas quais os passos que os entrevistados dariam de forma a corrigir a

situação atual. De todas as prioridades declaradas, apenas três não são de cariz puramente político,

são antes de cariz privado ou público-privado (“Diversificação do Produto Turístico; Investimento

Privado”; e, “Envolvimento da Sociedade Civil”).

Podemos verificar no quadro abaixo que as principais prioridades mencionadas se

concentram na intervenção e investimento estatal e/ou camarário em infraestruturas básicas, logo

seguida pela necessidade de diversificar o produto turístico, e necessidade de maior investimento

em formação e educação profissional/académica. Na verdade todas as prioridades definidas se

relacionam com os impactos negativos percecionados ou deles derivam. Vejamos agora quais as

características ou o perfil dos indivíduos que as mencionaram.

274

Quadro 8.1: Prioridades de Intervenção na Boa VistaPrioridades de Intervenção na Boa Vista Percentagem

Intervenção e Investimento Estatal em Infraestruturas 53 20Intervenção e Investimento Municipal em Infraestruturas 40 15Diversificação do Produto Turístico 34 13Formação, Educação e Capacitação 28 11Investimento Privado 26 10Cooperação Política 22 8Policiamento e Fiscalização 18 7Financiamento e Apoio ao Investimento 16 6Envolvimento da Sociedade Civil 12 5Regulamentação e Legislação 12 5

Nº de Menções

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Intervenção e Investimento Estatal em Infraestruturas

Para mim, essa é a parte mais preocupante que o Governo ainda teimosamente não quer ver que tem quedar atenção à ilha, porque fora da capital é a ilha que mais contribui em percentagem para o PIB nestemomento! Mas não temos infraestruturas básicas em condições. URHRNB36

Em virtude das lacunas nos serviços básicos da Boa Vista, é sem surpresa que esta

prioridade se apresenta no primeiro lugar, com cinquenta e três menções, ainda que, como no caso

da próxima prioridade, existem confusões nos discursos dos entrevistados quanto à

responsabilização da carência ou inexistência de algumas infraestruturas, por outras palavras, é por

vezes confundida a responsabilidade da Câmara Municipal com a do Governo e vice-versa. Dessa

forma, algumas das citações em ambas as prioridades mencionadas podem refletir essa confusão.

Alguns dos exemplos de infraestruturas de que o Governo/Estado é responsável são:

hospitais, represas de água, algumas vias, aeroporto, postos de polícia e exército, abastecimento de

água e eletricidade, etc.; pese embora que, no caso deste abastecimento, a empresa estatal ter sido

substituída por uma empresa privada de capital estrangeiro.

De entre todas estas infraestruturas, o hospital é um dos mais mencionados:

Temos um centro de saúde feito recentemente mas que não está em condições de acompanhar odesenvolvimento turístico. Não temos a educação. Não temos investimentos. As escolas não tão emcondições, bem apetrechadas. URHRNB36

Para mim era um hospital! Uma ilha que é turística tem de ter hospital! (...) Bom hospital, melhoria dasestradas, YA... URHRNB33

Sem dúvida apesar de ter um hospital novo, infelizmente não e assim organizado para dar a assistêncianecessária! OPFREB41

(...) se falarmos de condição dos hotéis, das pensões isso sim, mas falando dos hospitais é umanegligência. Porque pronto, a ilha se desenvolver em dois passos, não temos uma ilha nessa vertenteturística, porque pronto, devíamos ter um hospital com melhores condições, com mais doutores, emáquinas justas para enfrentar esse trabalho. Porque trabalhar em turismo não é só fazer entrar turistasque pagam 20 ou 50€ e depois não tem as condições necessárias que tem o turismo. URMRNB46

A Boa Vista é só hotéis, só hotéis! Da outra parte, de infraestruturas quase nada. Principalmente ohospital, acho que é o principal, uma pessoa com saúde faz tudo, e sem saúde nada! URHOP29b

Este turismo tráz aproximadamente vinte e quatro mil turistas por mês, más e há falta de lógica, nãotemos hospital, de levar um ferido ou acidentado de noite! Percebes!? URMREB60

Primeiro, tratar da saúde da gente. Um hospital com equipamentos... (...). Um dia morreu um alemão enão havia câmara frigorífica (...). Cada vez que há um problema falta gente no centro e não há meios. (...)Eu penso que quando se faz uma ilha turística a saúde é um mínimo para o turista e para a gente que moraaqui! URMOP47

Não há muitas infraestruturas e falta por exemplo um hospital, existe um hospital que é muito bonito noexterior mas por dentro não tem nada. (...) É um problema, acho que foi imposto construir um hospital

275

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

porque quando há um aeroporto internacional tem de haver um hospital. O problema dos cuidados[médicos] é grave! (...) Para além disso praticamente não há ligações entre as ilhas. (...) Só há ligações deavião que para nós já são caras. Pessoas que não têm meios económicos não conseguem deslocar-se. Debarco é mais barato, são poucos e não sabemos quando eles chegam nem quando partem. URHREB68

Outras infraestruturas estão relacionadas com serviços básicos de primeira necessidade:

habitação e segurança:

Tem uma grande potencialidade para o turismo. E como disse, se o Governo souber aproveitar, souberemfazer os investimentos que são precisos eu acho que temos uma grande chance de vir a tirar grandeproveito e a ilha desenvolver ainda mais. Mas se não for feito obviamente que as coisas vão se agravar. Apopulação está a aumentar e é preciso dar resposta ao nível da habitação, da segurança, de emprego queainda né!? (...) As coisas podem correr mal! URMRNB36

Primeiro uma estrada aqui! (...) Não fazem manutenção e não está em condições! No tempo da chuvatemos muitos problemas por causa das estradas! (...) Outra coisa que devia ser feita aqui... uma forma deguardar a água de chuva! Isso é muito importante... CTHRNB25

Devem pensar num maior aeroporto, o porto que ainda está a avançar, têm de pensar em infraestruturascomo estradas, canalização, saneamento, e também todo esse conjunto de elementos ainda precisam detrabalhar na Boa Vista! URHRNB48

(...) tudo vai para os cofres do Estado e não entra na Boa Vista! Com esse dinheiro [vistos] dava umaajuda muito, muito grande aqui! A habitação que é precária, há défice de habitação muito grande, aquestão de saneamento, do lixo... (...) construção de rede viária, água canalizada, eletricidade, por aífora... com esse dinheiro dava uma ajuda muito grande! (...) Daí tanta contestação porque a ilha da BoaVista é a que mais contribui neste momento para o PIB nacional de Cabo Verde de forma direta e comuma percentagem a aumentar! Uma receita que sai daqui muito grande e não há grande retorno!URMRNOI30

Para desenvolver e trazer clientes é claro que é necessário! (...) porto, por questões logísticas, aeroportopor questões óbvias... estradas e ruas... (...) hospital. e depois, desenvolver a vila, iluminação, limpeza...mas basicamente é comunicação, porto e aeroporto, ruas e hospitais! RUHOP39

Foram os entrevistados de ambas as faixas etárias mais jovens que mais mencionaram esta

prioridade, em particular os que tinham entre 30 e 39 anos de idade (63%). Na verdade, existe uma

clara tendência para mencionar menos esta prioridade à medida que se avança na faixa etária já que

os valores vão caindo até aos 20% dos indivíduos com 70 ou mais anos de idade.

A intervenção governamental preocupa ligeiramente mais os homens (57%) do que as

mulheres (53%), um pouco mais os estrangeiros (62%) do que os caboverdianos (53%), mas

bastante mais os residentes em meio rural (63%) do que em meio urbano (52%).

Uma análise cruzada com o nível de escolaridade demonstra que quanto maior for o mesmo,

maior é a importância atribuída, já que, os dados vão dos 37% dos indivíduos com ensino primário

até aos 65% dos licenciados. A situação profissional, revela que são os empregados (60%) e os

trabalhadores por conta própria (59%) que maior destaque dão a esta prioridade, muito acima dos

276

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

desempregados (33%) e dos reformados (17%).

Finalmente, a análise por grupo de residência evidencia que são os operadores (73%) quem

mais destaca esta prioridade, bem acima dos restantes grupos, que rondam os 51% em média. É

muito provável que esta preocupação se prenda com a importância destas infraestruturas para os

serviços prestados pelos operadores aos seus clientes e para a expansão dos seus negócios na Boa

Vista.

Intervenção e Investimento Municipal em Infraestruturas

Esta prioridade obteve quarenta menções, representando cerca de 15% do total das

prioridades. Em continuidade com a prioridade anterior, as intervenções camarárias mais

reclamadas orbitam em torno de questões básicas, aqui sobretudo na habitação, mas também na

questão dos resíduos e ordenamento do território. Alguns exemplos:

Primeiro há que evitar os guetos. Segundo que o Governo junto da sociedade faça junto de cadaconstrução hoteleira uma organização da habitação dos trabalhadores, do tipo precário e não definitivo. Jáé altura de planearem os novos assentamentos populacionais. Está saturado. URHRNB36

Primeiro a marginal; segundo a segurança. Se o turista se sente seguro sai mais do hotel... e depois, apraça cheia de restaurantes e bares e sem carros! Música ao vivo no meio da rua. URHREB51

Um dos pontos está a ser feito agora que é a construção de habitação social! (...) e também a mudança daforma como o turismo é feito na ilha. Tem de ser feito de forma que a população ganhe muito mais com oturismo! URHRNB30

Para se fazer um aterro sanitário como deve de ser, para ajudar na construção das casas, das pessoas quechegam das outras ilhas às procura de emprego, (...) para ampliação e remodelação das escolas... (...) faltaeste entrosamento entre o que a ilha rende e deixa ao país e o que a ilha precisa! URMRNB46

(...) aqui na cidade de Sal-Rei está uma cidade um bocadinho desorganizada. Não é apelativa. Não temuma rua pedonal onde os turistas possam passear livremente e conhecer lojas de artesanato local...pequenos restaurantes, etc. URMRNB36

A CM podia fazer atividades culturais para fazer os turistas saírem! Eles só passam na vila, vêm e vãoembora! (…) A CM também tem culpa. Devia investir na atração turística na vila e assim. URMRNB32

Já há gente que vive na lixeira, como no Brasil... (...). A culpa desse impacto forte sobre o ambiente e apopulação é da autarquia. O Governo não pode fazer nada porque quem manda em tudo é a autarquialocal. URHREB51

Os entrevistados com idades compreendidas entre os 20 e os 59 anos de idade apresentaram

percentagens internas que oscilaram entre os 57% da última faixa e os 40% da anterior (40-49

anos), valores bem acima dos 0% e dos 20% das faixas 60-69 e 70 ou mais anos de idade,

respetivamente; o que nos leva a considerar que a prioridade é do particular interesse das faixas277

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

etárias mais novas.

Por uma diferença significativa, são as mulheres (57%) que mais mencionam esta

prioridade, bem acima dos homens (38%), e mais os habitantes em meio rural (52%) do que os de

meio urbano (39%). A nacionalidade parece ser irrelevante, já que tanto estrangeiros como

nacionais apresentam valores idênticos na casa dos 43%.

Também na mesma casa (50%), tanto licenciados como indivíduos com o ensino secundário

apresentam valores idênticos, bem acima dos 32% do ensino primário e dos 20% do preparatório;

confirmando a maior prioridade atribuída à necessidade de intervenção camarária entre os

entrevistados com maior nível escolar.

Em termos de situação profissional foram os empregados (50%) que mais mencionaram esta

prioridade, bem acima dos trabalhadores por conta própria (36%), dos desempregados e

reformados, ambos com 17%.

Desta feita, os operadores (36%) e os residentes naturais de outras ilhas (33%) são os que

menos mencionam esta prioridade, ao passo que os nativos (46%) lideram, logo seguidos pelos

residentes estrangeiros (43%).

Diversificação do Produto Turístico

A diversificação que os entrevistados mais procuram surge como complemento à simples

exploração do turismo balnear em regime de hotel, e pretende, sobretudo, utilizar o turismo

internacional como palco para a promoção das características culturais e produtos culturais da ilha

da Boa Vista, ao mesmo tempo que criam produtos e negócios que permitam à comunidade local

um rendimento direto do turismo na ilha. Esta prioridade obteve trinta e quatro menções:

Os locais tradicionais, históricos da ilha como a olaria do Rabil, ou o deserto, o único de Cabo Verde.Deserto de dunas. A zona agrícola é pouca, mas é um sítio muito bom para levar os turistas para teremuma ideia de como o pessoal aqui vive! Vais para Santa Mónica, é praia, é tudo seco, mas chegas ali e já éoutra coisa. O pessoal ali vive ainda como se vivia antigamente. (…) Esse é um ponto que tem de sermelhorado. Têm de ser criadas mais opções para os turistas. URHRNB31

A primeira coisa que tem de fazer é unir e organizar para tentar mostrar aos turistas o que há de melhor nailha, como a gastronomia, a música, tudo isso... uma promoção da cultura da terra! Além do Sol e do maro turista interessa também conhecer a realidade da ilha. Acho que a população não está da forma maiscorreta mostrar ao turista o que a ilha tem de melhor para mostrar! URHRNB30

Nós aqui... talvez podíamos estar melhor aproveitados com a comida que temos! O sistema de turismo quefazem com os pacotes incluídos, frequentam menos os restaurantes e daí provam menos o prato típico dailha! (…) podíamos aproveitar o queijo para atrair os turistas... passeios de burro... e as praias aquibonitas. E uns hotéis aqui... Aqui ainda tem esse sossego, não sabemos por quanto tempo... FFMRNB38

278

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

É isso que nós devíamos de mudar, devíamos de oferecer algo cultural mesmo da ilha! Os turistas, mesmoda modalidade de all-inclusive, procuram e têm curiosidade em conhecer a cultura dos nativos da BoaVista! Só que, temos muita procura e temos pouco para oferecer! URHRNB27

Olha, modernizar essa ilha! Não ser só destino de sol e praia e... outros atrativos, cultura, música e essascoisas que o turista quer ver... restaurantes, essas coisas... é difícil ir a um restaurante e comer comidatípica de Cabo Verde se quiser! Muito difícil! URFOP29

Boa Vista acho que é uma ilha sub-explorada, digo eu. A oferta neste momento é muito limitada, não hámuito para oferecer! A ilha é rica mas é concentrada nas praias! Se alguém for fazer um roteiro turísticoao longo das ilhas irá ter uma paisagem bastante bonita, especificamente nas praias, mas durante todo opercurso não há nada, só pedras e rochas, é seco, não é? Tendo em conta o clima do arquipélago. Mas hámuito para oferecer. A Boa Vista é uma ilha rica em cultura! Musica, é rica! Aqui nasceu a Morna, porexemplo! (...) Muito rica também na cultura, podia explorar o turismo cultural, em artesanato e por aífora! (...) neste momento, é apenas o que a natureza oferece e mais nada! URMRNOI30

Duas das frases que talvez melhor exprimam este sentimento ou desejo por um turismo que

dê a conhecer a ilha aos turistas, são as seguintes:

Acho que é pena virem com tudo incluído porque a maioria das pessoas não saí do hotel. Então veem umlugar bonito mas não vêm conhecer a Boa Vista! OPFREB41

Eu acho que o turismo poderia ser um turismo que convivia diretamente com a população, para deixaressa ilha praticamente rústica, como está; organizar e criar condições, junto dos povoados sem alterarmuito os povoados, assim, os turistas com as dunas e as tamareiras sentissem um pouco o passado!URHRNB62

Esta ideia de que a Boa Vista está a passar "ao lado" dos turistas que visitam as suas belas

praias mostra, por um lado, o desejo local em exibir as virtudes culturais locais; ao passo que, a

segunda citação transporta o desejo de ver a nostalgia saciada através do negócio do turismo e da

preservação dos espaços.

Esta diversificação é a primeira prioridade que se encontra tanto na esfera pública como na

privada, já que esta diversificação depende sobretudo da iniciativa privada de investidores ou

grupos de interesse, ainda que possa ser largamente facilitada com o apoio político, tanto local

como nacional.

Se os entrevistados entre os 50 e 59 anos de idade não consideram esta prioridade, e aqueles

com 70 ou mais anos de idade parecem não dar grande importância (20%), as restantes faixas

variam entre os 35% (40-49 anos) e os 45% (20-29 anos), o que denota, novamente, uma tendência

de menor importância atribuída à medida que a faixa etária é elevada.

O género parece ser ligeiramente determinante, uma vez que os homens (33%) apresentam

valores inferiores às mulheres (39%), do mesmo modo que os estrangeiros (29%) face aos nacionais

279

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

(37%); ao passo que ambos os tipos de residência têm valores muito próximos, já que os residentes

em meio rural têm apenas mais 2% de percentagem interna que aqueles que residem em meio

urbano (35%).

Olhando para o nível escolar, percebemos que, novamente, quanto maior a escolaridade,

maior a preponderância atribuída a esta prioridade, mesmo, os licenciados (39%) apresentam

valores inferiores aos indivíduos com o ensino secundário (50%), ainda assim, acima dos restantes

(preparatório com 33% e primário com 16%).

A análise cruzada com a situação profissional revela que os reformados (17%) são o grupo

com menor percentagem interna (se, como até aqui, ignorarmos os 0% da doméstica), já que os

restantes oscilam entre os 37% dos empregados e os 33% dos desempregados. Por fim, em

semelhança com a situação profissional, a residência por grupo indica que os estrangeiros são os

que menos mencionam esta prioridade (21%) e os restantes grupos encontram-se entre os 39% dos

nativos da ilha e os 33% dos nativos de outras ilhas do arquipélago.

Educação, Formação e Capacitação

Se falarmos de competitividade do turismo em si, na ilha ainda estamos longe daquilo que seria desejável.Daí a insustentabilidade que temos no nosso produto. Uma das coisas que se tem de fazer para tornar onosso produto turístico numa coisa mais valorizada é apostar num turismo.... ou seja, não só ao nívelestrutural de aeroporto, de hospital, de estradas, e afins, mas também, apostar na condição de quemtrabalha nos hotéis e restaurantes e serviços adjacentes. Eu acredito na formação! URHRNB28

Como esta citação dá já a entender, uma das grandes lacunas, e simultaneamente prioridades

de intervenção, é a aposta na formação e qualificação de pessoas. Com vinte e oito menções, cerca

de 11% do total das menções, o investimento em educação e formação profissional é a próxima

prioridade analisada.

Esta educação e formação é dirigida à profissionalização e especialização na atividade

turística, para que a comunidade e o país possam retirar melhores dividendos, mas também de

forma a garantir uma melhoria do serviço prestado. Outros exemplos:

Estas coisas há falta de preparação, de técnica, jovens, não fazer só coisas rudimentares que têmsignificado mas formação é uma parte importante da juventude. É uma pessoa sentir que é útil na própriailha. URHRNB48

Falta regulação, controlo turístico e mudar o esquema com investimento nas ilhas e populações. Naformação… para que os nativos se sintam por dentro do turismo sem estar no turismo. URHRNB36

Ainda vamos a tempo de corrigir alguns erros, sobretudo, investir no município, na educação, naformação profissional e nas infraestruturas. URHRNB36

280

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Deveríamos de preparar a população, deveríamos envolver e estar preparados para o turismo! Esses são ospontos principais! BFHRNB25

Formação, qualificação das pessoas... mesmo para o mercado de trabalho e para receber os turistas!URMRNB46

Eu acho que é só ter as pessoas preparadas para o turismo e podem retirar partido do turismo.URMRNB36

Profissionalismo, formação do pessoal! Eles exigem trabalho mas não têm formação! URMRNB32

Apostar na agricultura, na formação das pessoas... a... isso nunca me passou pela cabeça! Apostassemmais na agricultura, aqui os jovens! FFFRNB39

Eu vejo mais da perspetiva dos jovens. A juventude da Boa Vista (...) falta seguramente algumapreparação e capacitação das pessoas. A ilha vive de turismo mas não temos nenhum espaço de formaçãopara responder ao turismo! URHRNB31

Foram os entrevistados entre os 20 e os 29 anos de idade (40%) que mais mencionaram esta

prioridade, logo seguidos da faixa etária 30-39 anos de idade (32%), sendo que, as restantes

variaram entre os 20% (40-49 anos) e os 14% (50-59 anos), confirmando que são os mais jovens

que têm maior preocupação com a formação e educação, diríamos até, que são os mais interessados

na mesma.

Também mais interessadas parecem as mulheres (29%), os nativos de Cabo Verde (29%),

sobretudo os que habitam em meio rural (33%), ainda que em todos os casos as margens sejam

ligeiras face aos homens (26%), estrangeiros (24%) e residentes em meio urbano (26%). No caso do

espaço de residência, é particularmente interessante como aqueles que mais longe residem da

atividade turística e espaços turisticamente relevantes são quem maior interesse revelam por melhor

educação e formação profissional.

A análise ao nível escolar é desta vez uma clara curva ascendente, que vai dos 16% do

ensino primário aos 37% do ensino superior, revelando, sem margem para dúvida, que quanto maior

o nível de escolaridade, maior importância atribuída a esta prioridade.

É entre os desempregados (33%) que encontramos maior preocupação com esta prioridade,

logo seguidos pelos trabalhadores por conta própria (32%) e empregados (27%); já os reformados

ficam-se pelos 17%. Tanto desempregados como trabalhadores por conta própria parecem estar

interessados em melhor qualificação, ou apenas obter alguma qualificação, de forma a conseguir

emprego ou melhores rendimentos no emprego que têm.

O dado mais interessante, a nosso ver, é o facto dos residentes naturais de outras ilhas não

281

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

terem feito qualquer menção a esta prioridade. Algo surpreendente, já que são a maior força de

trabalho nas cadeias hoteleiras e na construção civil. Seria lógico que procurassem dar maior

prioridade à educação e formação já que poderia permitir ascender nas empresas em que trabalham

ou mesmo conseguir emprego noutras áreas, já que, por exemplo, a construção civil passa

atualmente por alguma estagnação em virtude da falta de investidores. Por outro lado, são os

operadores (45%) que maior importância deram a esta prioridade o que revela que estão

interessados em capacitar os seus empregados e futuros empregados. Seguidamente temos os

nativos com 34%, e estrangeiros com 14%.

Resta fazer a ressalva que a SDTIBM tem sido responsável por várias formações nas áreas

da hotelaria e turismo, administração, línguas e construção civil, capacitando mais de 1000

beneficiários até à data. Ainda assim, o desejo por uma maior oferta e variedade de formações é

clara.

Investimento Privado

O investimento privado é outra das prioridades reconhecidas. Desta feita, representa 10%

das menções com vinte e seis das mesmas, e orbita em torno da necessidade de maior capital

privado investido na criação e melhoria de negócios, empresas e serviços prestados dos quais não só

o turismo mas a comunidade local carecem. A maioria das citações orbitam em torno na necessidade

de investimento e empreendedorismo por parte dos privados, sem necessariamente se referirem a

capital externo ou estrangeiro:

É preciso mais garra e empreendedorismo e ter a consciência que a Boa Vista tem muito mais para dar aosboavistenses e a Cabo Verde. URMRNB46

O que temos de fazer é apelar aos emigrantes já com alguma experiência nesta matéria porque há muitopara fazer para elevar a ilha! URHRNB48

A mentalidade aqui... mas teve gente que teve emigrada e tem dinheiro mas eles não investiram nada! Sãopoucos os que podiam investir mas não fazem nada! Têm medo de arriscar. O pessoal aqui é muitopassivo! (...) Fazem sempre as mesmas coisas... restaurantes, restaurantes! (...) Uma coisa está a dar etodos fazem igual! URMRNB32

A mentalidade de muitas pessoas aqui é ficar sentadas e dizer "Que venham os turistas!". (...) Não podesesperar que seja o hotel ou a agência a fazê-lo! (...) Tu queres que o turista venha?! Que atrativo vaisfazer? URMOP40

Ao sair do hotel vão pedir serviços que não vão encontrar e então vão voltar descontentes e é por isso queacabam por ficar no hotel. Então a Boa Vista tem que investir mais e oferecer, por exemplo, serviços querealmente querem e andam a pedir. Tendo esses serviços, acho que, mesmo comprando pacote tudo

282

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

incluído, esses turistas vão sair do hotel e vão saber que no sítio tal tem um lugar onde pode sentar econsumir os serviços que quer consumir. URHRNB29b

Quer dizer, na Boa Vista há falta de empreendedorismo, as pessoas não se lançam! Então vão outraspessoas investir, então elas reclamam que outras é que estão a tirar proveito! URMRNB36

Eu não gosto de acusar as pessoas mas é que é assim, o negativo da Boa Vista é ser preguiçoso! Agora,não gostam de trabalhar, mas os que têm o seu negócio por conta própria não gostam de ter um horizontemais alargado, e então não criam condições de modo que o turista possa frequentar nesse local! Então,assim torna-se difícil porque uma pessoa quer ir a um lugar mais confortável onde não possa serincomodado, penso que é isso, criar condições primeiro para que o turista possa frequentar esses locais!URHRNOI31

Os entrevistados apontam para investimentos específicos que consideram exemplo do

investimento que a ilha precisaria, nomeadamente novos empreendimentos hoteleiros de média e

pequena dimensão, restauração típica de qualidade, maior produção agrícola, entre outros. Alguns

exemplos abaixo:

É preciso que o pequeno privado construa uma pensão de quarenta quartos. Que um restaurante façacomida interessante! Isso já é solução. URMREB34

O cliente aqui é do tipo comercial. De média, média baixa ou alta (...) O que procura é sol e praia edescansar do stress da praia! (...) Aqui para [o turista] sair tem de haver algo típico de aqui, não pizza! Emsua casa pode comer pizza todos os dias! RUHOP39

Os produtos aqui são muito bons, o problema é que não tem capacidade de responder aos hotéis! Hotéiscomo este que consomem seiscentos kg de melão em dois dias! Uma produção nas ilhas comocomunicação, e em quantidade para suprir as necessidades... claro que eu sou um fornecedor não vouimportar de Brasil, das Canárias, de Marrocos (...)! Isto está claro! RUHOP39

É preciso mais quartos, sim senhor! Não hotéis de all-inclusive como existe, mas era a única forma doturismo arrancar em Cabo Verde, porque não havia restauração, não havia infraestruturas para aguentar ofluxo que se criou! Naturalmente que os all-inclusive colmataram essa lacuna. Mas que hotéis maispequenos, com menos quartos. Tem que se apostar muito na qualidade das pessoas! URHOP47

À exceção do facto de nenhum dos entrevistados entre os 60 e os 69 anos de idade

mencionar esta prioridade, fica claro que, pelo menos 20% das outras faixas etárias a consideram,

sendo que, a faixa com maior percentagem por alguma margem é a mais nova com 35%, bem acima

dos 29% de tanto 30-39, como os 50-59 anos de idade, ou dos 25% dos entrevistados entre os 40-45

anos de idade.

Curiosamente, também 25% dos nacionais e dos residentes em meio urbano apresentam

percentagens internas inferiores aos 33% de estrangeiros e residentes em meio rural. Quanto ao

género, os valores são 2% superiores nas mulheres face aos homens (26%).

O nível de escolaridade apresenta nova tendência claramente crescente, culminando nos

283

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

37% dos licenciados, logo seguidos pelos entrevistados com ensino secundário (31%), valores que

largamente ultrapassam as baixas percentagens, tanto dos indivíduos com ensino primário (11%)

como preparatório (13%).

Também com percentagens internas mais elevadas que os restantes grupos, estão os

empregados (29%) e trabalhadores por conta própria (27%) que apresentaram os valores mais

elevados, deixando os reformados e desempregados nos 17%. Com os mesmo 17% os residentes

nativo de outras ilhas surgem com o valor mais reduzido na análise por grupo de residência que é

liderada, sem contestação, pelos operadores (45%). Os nativos da Boa Vista (25%) e os estrangeiros

(29%) emergem a meio caminho entre ambos os valores anteriores.

Cooperação Política

Em vinte e duas entrevistas, os entrevistados apontaram como prioridade maior a

cooperação política entre o governo local e central. Há a perceção de tanto uma como a outra

instituição se atropelarem ou boicotarem institucional e politicamente, com acusações que têm

atrasado e impossibilitado avanços e reestruturações vitais para a sustentabilidade, não só do

turismo como da comunidade residente na Boa Vista. Recordem-se, entre os impactos negativos, as

carências nas infraestruturas, aumento da criminalidade, crescimento descontrolado, entre tantos

outros cuja resolução obriga a uma cooperação institucional:

Gostaria que o Governo e Câmara, oposição trabalhassem mais unidos! A população seria maisbeneficiada. As coisas não estão a correr tão bem. BFHRNB44

Não tem havido ligação… o Governo local e central são de partidos diferentes. Essa é a primeira barreira.Dificulta e muito. Não temos avançado mais por causa desse aspeto. BFHRNB29

Houve muita pressa no processo turístico da Boa Vista, e isso... (...) O Governo e a Câmara Municipalestão sempre em desacordo, sempre a discutir, a discutir... quase nunca se sentam com seriedade. ACâmara Municipal não tem um departamento de turismo, como é que não um departamento de turismo!?Não trata o turismo com a seriedade que merece!Toda a gente tem de estar envolvida no processo!BFHRNB25

É tempo para o Governo e a Câmara se juntarem e resolver alguns problemas... Se não controlam o abusode início a tendência é piorar e não melhorar! URHREB37

Para mim, foi a Câmara Municipal e o Governo. O Governo tinha que trabalhar noutro sistema assim!URHRNB33

A Câmara Municipal tem obrigação porque é chefe da ilha, e o Governo também tem a obrigação decolaborar com a Câmara Municipal. Mas não há colaboração! Cada qual na sua... FFFRNB84

284

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Maior cooperação política não é importante, de todo, para os entrevistados entre os 50 e os

69 anos de idade, nem uma prioridade determinante para 45% dos entrevistados entre os 40 e 49

anos de idade. Simultaneamente, apenas 20% dos entrevistados entre os 20-29 e 70 ou mais anos de

idade, e 21% dos restantes (30-39 anos), consideram esta prioridade.

Já 28% dos homens e apenas 14% das mulheres percecionam a cooperação política como

prioridade. Com maior diferença ainda, 27% dos caboverdianos entrevistados e apenas 10% dos

estrangeiros a mencionaram. Mas o maior desnível percentual encontra-se entre os residentes em

meio urbano (17%) e os de meio rural (37%).

Os indivíduos com o ensino preparatório (33%) foram os que maior importância atribuíram

à cooperação política, logo seguidos pelos 25% do ensino secundário e 22% do ensino superior;

ficando em 16% a percentagem dos entrevistados com o ensino primário. A situação profissional

dos entrevistados revelou que os trabalhadores por conta própria (32%) e os empregados (21%)

lideram nesta prioridade, logo seguidos por reformados e desempregados (ambos com 17%).

Quanto à análise por grupo de residência podemos afirmar que esta prioridade é bastante

importante para os residentes nativos da Boa Vista (32%), e bastante menos para operadores (17%);

ainda assim, valores bem superiores aos dos residentes estrangeiros (7%) e nativos de outras ilhas

(0%)!

Policiamento e Fiscalização

Se anteriormente se confirmou que as principais prioridades envolvem a edificação ou

melhoramento de infraestruturas, esta prioridade envolve, sobretudo, reestruturações organizativas e

aumento de efetivos no espaço. Com dezoito menções, o policiamento e a fiscalização são

prioridades importantes para 19% dos entrevistados. Sem dúvida que a fiscalização orbita sobretudo

no desejo de maior controlo e regulamentação da venda de produtos na vila de Sal-Rei e noutros

pontos turísticos por parte de emigrantes estrangeiros, ao passo que o policiamento significa

taxativamente maior contingente nas ruas da capital e povoados:

Às vezes são perturbadoras, são pessoas mesmo que... (...) aqui não há controlo, as pessoas vendem coisasna rua... abordam os turistas de qualquer maneira, a seguir os turistas! URHRNOI3

Gostava também de ver na Boa Vista (...) criar um centro de emergência infantil aqui na Boa Vista! (...)Gostava de ver reforçada a segurança. O turismo exige segurança! URHRNB27

Eu acho que devia de haver uma fiscalização, não é que seja comunista (...)! URHRNOI61

285

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Não sou ninguém para dar problemas, mas quando existem algumas leis tem de haver quem as façarespeitar! Se todos fazem o que querem vai haver problemas... exatamente. OPFREB41

A prioridade aqui é a presença dos agentes de fiscalização económica! (...) do fluxo comercial que sepratica na Boa Vista! Aqui, tem uma inflação muito disparada e não há imposição das tabelas de preço dosprodutos o que faz com que os comerciantes façam o preço que querem! URMRNOI30

Mais fiscal... os turistas vêm de férias mas os africanos que vendem não deixam em paz os turistas. Maisfiscalização de turismo, mais na praia de mar, mais segurança, falta segurança! URHRNB37

Um outro aspeto foi a vinda desses, não tenho nada contra o Senegaleses porque considero o Senegal omeu segundo país porque lá estudei, mas posso usar a expressão que andam a espantar os nossos turistasda forma agressiva como eles querem que os turistas comprem os seus produtos. Acho que isso é maupara o turismo e é mau para o país. Se o Governo não toma medidas vamos ter problemas mais graves.URHRNB29b

Primeiro, acho que é a organização. (...) Em termos de venda de produtos, tem de haver maisordenamento, mais regras. Por exemplo, as lojas africanas sempre abertas e as cabo-verdianas têm defechar (...). URMOP33

Como tem sido regra na análise dos dados relativos à idade, verificamos aqui uma tendência

clara para menor preponderância à medida que as mesmas avançam, sendo que, os valores vão dos

25% da primeira faixa etária aos 17% dos entrevistados entre os 60 e 69 anos de idade, sendo

relevante mencionar os nulos das faixas 50-59 anos e 70 ou mais anos de idade. Isto comprova uma

clara tendência que se tem confirmado ao longo de toda a investigação e que abordaremos mais

adiante neste capítulo.

A nacionalidade não é determinante nesta prioridade, já que ambos apresentam 17% de

percentagem interna. Contrariamente, tanto os homens como os residentes de meio urbano

apresentam 22% como valor interno, bem acima dos valores das mulheres (13%) e residentes de

meio rural (11%).

Apenas 11% dos entrevistados com o ensino primário mencionaram esta prioridade, 13%

daqueles com o ensino preparatório e 20% com o ensino superior também a mencionaram. No

entanto, a maior percentagem vai para o ensino secundário com 31%, ultrapassando

confortavelmente os outros valores e demarcando uma tendência de maior atenção atribuída à

prioridade policiamento e fiscalização, à medida que a escolaridade é superior.

Também a situação profissional parece não ser muito determinante no interesse por esta

prioridade, dado que 23% dos empregados a mencionou, assim como, 17% dos desempregados e

14% dos trabalhadores por conta própria, com exceção, claro, do nulo da doméstica e dos

reformados.

286

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

A merecer destaque nesta análise é o facto de 42% dos residentes naturais de outras ilhas

apontarem para a necessidade de policiamento e fiscalização. Estes habitam sobretudo no bairro da

Boa Esperança e Farinação, zonas tidas como de elevado índice de criminalidade, são também estes

os primeiros a priorizarem a mesma. De resto, 27% dos operadores e 14% de nativos e estrangeiros

também o mencionaram.

Financiamento e Apoio ao Investimento

No caso desta prioridade esta depende, em parte, também dos poderes locais e centrais. Ora,

precisamente nessa linha, a necessidade de maior financiamento e apoio ao investimento surge na

lista de prioridades na oitava posição, com dezasseis menções, presente em 17% das entrevistas. De

linhas de financiamento e agências mediadares para a facilitação na criação e expansão de negócios

e empresas, esta prioridade passa pela necessidade da criação de ferramentas económicas, mas

também de ferramentas que agilizem e tornem mais transparentes os processos de aprovação de

projetos, empresas e negócios:

Precisamos de ser mais ativos. Depois a própria autarquia tem de fornecer aquela base, aquele apoio parase avançar. Às vezes há o medo de avançar. Basta avançar, depois de iniciar… (…) Faltam apoios,financiamento… agora neste tempo de crise, ainda fica mais difícil! BFHRNB29

Mas também é preciso um impulso por parte do Governo porque há que preparar! (...) e a própriaautarquia! URMRNB46

São ideias... só que temos um problema aqui, os jovens têm projetos mas falta financiamento. Há muitaburocracia! JGHRNB31

O problema é que não tem apoio do ministério de turismo... não tem apoio. Eles tomam decisão e eles nãoquerem saber! A maioria dos espaços comerciais estão a fechar porque não tem incentivo! URFRNB33

Eu penso que há pessoas que gostam de mostrar os seus trabalhos, só que não tem muito apoio para fazerum artesanato (...). Não têm digamos um... incentivo para fazer peças que possam ter mais saída. Assim écomplicado né?! Se também houvesse mais apoio das autoridades locais e dos responsáveis dos hotéis...URHRNOI31

Acho que também Governo e autoridades locais têm uma cota parte de culpa nisso porque eles deviamincentivar os jovens a criar os seus próprios negócios, por exemplo, dar formações para aprender novasartes e oferecer aos turistas. Mas infelizmente isso não acontece na ilha. E depois temos a questãoburocrática, para criar um negócio é muito complicado! URHRNB29b

Depois tem de se criar condições para um mínimo turismo sustentável. Dar oportunidade a pessoas daquicom ideias, para criar postos de turismo e de artesanato. O problema é que se deixou andar um poucoassim... URMOP33

É entre os jovens que existe maior interesse em destacar esta prioridade, e isso comprova-se

287

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

também na análise cruzada, uma vez que apenas os entrevistados entre os 20 e os 49 anos de idade

mencionaram esta prioridade. Isto, com destaque para os 25% da faixa mais jovem, seguida de perto

pelos 21% da faixa seguinte (30-39 anos) e com alguma distância pelos 10% da terceira faixa (40-

49 anos).

Este desejo está presente sobretudo entre os nacionais de Cabo Verde (19%) e entre os que

habitam em meio rural (30%), valores bem acima das suas contra-partes (estrangeiros 5%, e meio

urbano 10%). Com valores aproximados, são os homens (19%) que mais mencionam esta

prioridade (as mulheres ficam-se pelos 11%).

Todos os níveis de escolaridade a referem, ainda que os que têm o ensino preparatório (7%)

interrompam a tendência geral crescente que vai dos 11% do ensino primário aos 20% do ensino

superior, com mais 1% que o ensino secundário.

São os empregados (21%) e os desempregados (17%) que mais se destacam nesta

prioridade, seguidos com bastante diferença pelos trabalhadores por conta própria (5%), ficando-se

as restantes categorias pelo nulo.

Com outra diferença substancial, os nativos da Boa Vista (22%) apresentam um interesse

marcado pela necessidade de financiamento e apoio ao investimento, seguidos à distância por

operadores (9%) e estrangeiros (7%), não tendo qualquer interesse nesta prioridade os nativos de

outras ilhas.

Envolvimento da Sociedade Civil

Esta prioridade tem o mesmo número de menções que a décima e última prioridade,

abrangendo cerca de 13% dos entrevistados, remetendo para a necessidade de maior envolvimento

da sociedade civil no processo de condução do turismo da Boa Vista, assim como, para a

necessidade da comunidade local em se associar e agir ativamente a favor da melhor gestão do

turismo e da própria comunidade local:

A população não está a ser envolvida nesta questão do turismo! Não foi no início e não estar a ser agora.(...) Nós da Boa Vista, não estamos a ser capazes de aproveitar as possibilidades, porque não estamosenvolvidos, nem preparados para tal! BFHRNB25

Cada pessoa aqui tenta resolver [os problemas] de uma forma isolada, e isso não serve, não conseguem terresultado com isso. URHRNB30

Cá, sentam-se, reclamam, reclamam, mas não fazem nada... para mudar algumas coisas e melhorar!URHREB37

288

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Isto, para ser sustentável tem que envolver toda a gente, não é uns a trazer gente e o resto a não querersaber disto! O interesse também é deles! Uma pessoa tem de lutar e preservar! URHOP47

Eu estou bastante preocupada com o resultado. Foram cometidos muitos erros e acho que a mentalidadedos caboverdianos é muito relaxada e as pessoas são muito relaxadas... tendem a ser muito indiferentesquanto ao que acontece e guardam as suas opiniões para si mesmos! Acho que foram poucas as pessoasque acabaram por decidir como o turismo deveria ser e eles poderiam ter feito melhor, e se vendidomelhor! URFREB26

Há alguma inércia! E depois de alguns anos depois de estar aqui acabamos por ficar na mesma! (...) euainda sinto isso ao fim de treze anos. (...) Para ter iniciativa alguns grupos e pessoas que realmenteconseguem dinamizar alguma coisa mas é muito difícil! A maneira de contornar isso é (...) juntar a essaspessoas mais ativas! URFREB39

As pessoas só veem o turismo como um produto final. Mas no turismo há várias coisas positivas quepodemos tirar mas não está a ser tirado. Há uma distância grande entre população e turismo. URHOP29b

O desejo de envolvimento da sociedade civil encontra-se disperso entre as várias faixas

etárias, sem que se possa determinar um padrão ou tendência. Isto deve-se aos 20% das faixas 20-29

e 40-49 anos de idade e os 17% da faixa 60-69 anos de idade, que são separadas por percentagens

muito inferiores, como os 5% da faixa 30-39 anos e os 0% das restantes. Igualmente inconclusiva é

a diferenciação de género, uma vez que ambos estão praticamente com a mesma percentagem (12%

para os homens e 11% para as mulheres).

Também o nível de escolaridade padece de dispersão percentual, que vai dos 5% do ensino

primário e 0% do preparatório, aos 25% do secundário e 13% do superior, perfazendo, ainda assim,

uma clara tendência de valores mais elevados à medida que o nível de escolaridade avança.

Igualmente claro, é o facto desta prioridade apenas ser mencionada por empregados (15) e

trabalhadores por conta própria (9%), e logo ignorada pelos restantes. É ainda ignorada pelos

residentes naturais de outras ilhas e apenas mencionada por 10% dos nativos da Boa Vista, mas já

por 18% dos operadores e 21% dos estrangeiros.

Regulamentação e Legislação

Com doze menções, esta última prioridade passa pela regulamentação do mercado,

concretamente, o mercado turístico e outros relacionados ou afetados por este, como o comércio

local ou o mercado imobiliário:

É uma tendência da nossa gente de que não vendem e não baixam o preço! (…) Não fazem contas aocusto de produção e de investimento para colocar o preço. Mas os poderes poderiam entrar nesse área eregular o mercado. URHRNB36

289

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

Se o Governo colocasse um preço fixo para os locais e outro preço para turistas, como no Sal (…). Assimseria justo. URHRNB31

Então esse é uma dos aspetos negativos do turismo dentro da dinâmica do político, ou da sociedade civilque não sabe regular. Não havendo uma forma de regularização, os pequenos agentes acabam por… (…)eles é que moldam o nosso estilo de vida. (…) Ensinar os políticos! Regulamentação em certos campos-chave. Em termos de transportes públicos, venda de bens alimentares, seria fundamental… em termos deágua. Nós aqui não sabemos muito bem em quem acreditar! URMREB34

Agora, regular o turismo… junto dos hotéis há estrutura de transportes, etc. (…) Junto a um grande hotelhá sempre tascas mas são dos nativos para aproveitar as saídas, as deixas, aqui são de italianos. É isso queprecisa de ser regulado! URHRNB36

Assim, é necessária uma legislação clara, que permita, de forma transparente, criar negócios

vantajosos para investidores, Governo e comunidade local:

Se o turismo é pedra de toque da economia de Cabo Verde imagina se fosse bem regulado e trabalhado,seria realmente de forma diferente. URHRNB36

O Governo deveria obrigar os hotéis a fazer casas e criar condições para os trabalhadores. Assinar acordoscom os investidores com determinadas obrigações! Tu vens criar trabalho a mil empregados tens de criarcasa para os mil empregados. O Governo dá isenções nisto e naquilo mas tem de dar condições. Estaspessoas chegam à Boa Vista e o Governo não pode dar casas! URHREB37

Outras questão para os investidores locais, estrangeiros ou não, são os impostos! Nos últimos anos pareceque as finanças estão mais interessadas em colecionar mais impostos possível do que ajudar a criarmelhores empresas! URHREB35

Para mim deveria ter sido assim, o nosso Governo quando tiver tipo uma cadeia como RIU que quercomprar terreno para hotéis, o nosso Governo devia tipo vender terreno mas na nossa lei é assim, nãoqueremos hotéis all-inclusive. Porque o dinheiro fica na Europa! URHRNB33

Era criar um contrato com esses empresários como os da RIU... não fazerem contrato sem garantiremapoio social à mão de obra que vem das outras ilhas para esta construção! (...) para alojamento dessaspessoas, para não termos as barracas, mais lixo espalhado e essas coisas! Há que haver uma contrapartidasocial, até porque se reparar as empresas que constroem esses grandes hotéis ganham muito com a BoaVista. Tem areia e inertes de graça e estava orçamentado quando fizeram o projeto! Porque não investemtambém na parte social? URMRNB46

Epá podiam fazer muito mais, só têm direitos! Eu estou a falar contra mim, é dizer, quando se construiu oRIU e outros hotéis eles deviam ser obrigados a construir habitação para os trabalhadores! (...) Esteproblema das barracas, pode mais dia menos dia aparecer barracas no TOUAREG. Não há sítio perto paraeles viverem, qualquer dia surge ali outra favela! URHOP47

(...) eles têm é de ver a forma como fazem o contrato! Tem de beneficiar todos! Eu entendo que quemquer investir não quer perder dinheiro mas também tem de ver a outra parte! URMRNOI30

Esta prioridade foi mencionada apenas pelas faixas etárias dos 20 aos 59 anos, em valores

que oscilaram entre os 13% e os 15%, tendo as restantes zero menções. A regulamentação e

legislação foi ainda mais mencionada por homens (19%) e residentes em meio urbano (19%),

290

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

deixando as mulheres (8%) e os residentes em meio rural (4%) bastante abaixo dessa percentagem.

Já em termos de nacionalidade os estrangeiros (19%) mais do que os nacionais do arquipélago

(11%), parecem dar atenção a esta prioridade.

Em termos de escolaridade, existe uma flutuação entre os 5% do ensino primário e 6% do

secundário, os 13% do ensino preparatório e os 17% do ensino superior. A análise cruzada com a

situação profissional revelou que apenas os trabalhadores por conta própria (9%) e empregados

(16%) consideraram a melhoria da regulamentação e legislação do turismo.

Por fim, todos os grupos de residência deram importância a esta prioridade, em particular, os

estrangeiros (21%) e residentes naturais de outras ilhas (17%), ficando os nativos da Boa Vista

(10%) e operadores (9%) com percentagens inferiores.

4. Perceção das Prioridades por Variável Sócio-demográfica

Se olharmos para a variável faixa etária, podemos verificar que os entrevistados mais jovens

apresentam maiores percentagens em seis prioridades e são os segundos em outras três, tendo ainda

uma terceira posição. Isto reforça, desde logo, a ideia de que são os subgrupos etários mais jovens

que mais prioridades sugerem e nelas apresentam melhores resultados. Dizemos “reforça”, pois o

cenário é muito próximo nos entrevistados entre os 30 e 39 anos de idade que apesar de apenas na

prioridade mais referida apresentarem os valores mais elevados, encontram-se sempre entre as três

faixas etárias com percentagens mais altas em todas as prioridades identificadas.

Os entrevistados entre os 40 e 49 anos de idade são o último subgrupo etário a ter presença

em todas as prioridades, ainda que essa presença seja pontualmente ultrapassada pelas faixas etárias

mais avançadas. Refira-se que a única prioridade que lideram (Cooperação Política) fazem-no com

particular destaque.

A faixa etária seguinte apresenta valores muito flutuantes, desde percentagens elevadas nas

duas prioridades mais identificadas, até à ausência noutras cinco; na verdade, apenas a prioridade

Intervenção e Investimento Camarário é liderada por esta faixa. Com elevada semelhança, a faixa

seguinte, 60 a 69 anos, está ausente em cinco prioridades e lidera apenas a “Diversificação do

Produto Turístico”. Os entrevistados de idade mais avançada, 70 ou mais, não lideram qualquer

prioridade e não estão presentes nas quatro prioridades com menor incidência. Curiosamente, em

todas as prioridades em que estão presentes a percentagem é sempre idêntica (20%). Como

havíamos feito referência, são as faixas etárias mais jovens as que mais prioridades conseguem

291

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

identificar e que maior presença nelas têm, em particular nos entrevistados com menos de 39 anos

de idade, tal como verificamos na figura seguinte.

Na variável género confirma-se a total hegemonia do género masculino que em todas

prioridades lidera com diferenças que vão dos 3% aos 13% fase ao género feminino. Desta forma,

tanto em quantidade (percentagem) como em qualidade (número de prioridades apontadas) o género

masculino destaca-se.

Já no que concerne à nacionalidade, vemos que na “intervenção camarária em

infraestruturas” e “policiamento e fiscalização” os valores são idênticos, de resto os valores oscilam

292

I. e I. Estatal em Infraestruturas

I. e I. Municipal em Infraestruturas

Diversificação Produto Turístico

Formação, Educação e Capacitação

Investimento Privado

Cooperação Política

Policiamento e Fiscalização

Financiamento e Apoio Invest.

Envolvimento da Sociedade Civil

Regulamentaçao e Legislação

0 10 20 30 40 50 60 70

Perceção das Prioridades por Faixa Etária20-2930-3940-4950-5960-6970

Percentagem Interna

Pri

ori

da

de

s

Figura 8.8: Perceção das Prioridades por Faixa Etária

I. I. Estatal Infraestruturas

I. I. Municipal Infraestruturas

Diversificação Produto Turístico

Invest. Formação Educação

Investimento Privado

Cooperação Política

Policiamento e Fiscalização

Financiamento e Apoio Invest.

Envolvimento da Sociedade Civil

Regulamentaçao e Legislação

0 10 20 30 40 50 60

Perceção das Prioridades por Género

Feminino

Masculino

Percentagem Interna

Pri

ori

da

de

s

Figura 8.9: Perceção das Prioridades por Género

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

tanto para nacionais como para estrangeiros. Tanto os nacionais como os estrangeiros lideram em

quatro prioridades cada; ainda assim há uma ligeira tendência para percentagens mais elevadas

entre os caboverdianos, em particular nas seis prioridades mais mencionadas.

Os entrevistados residentes em meio urbano apresentam percentagens internas em todas as

293

I. I. Estatal Infraestruturas

I. I. Municipal Infraestruturas

Diversificação Produto Turístico

Formação, Educação

Investimento Privado

Cooperação Política

Policiamento e Fiscalização

Financiamento e Apoio Invest.

Envolvimento da Sociedade Civil

Regulamentaçao e Legislação

0 10 20 30 40 50 60 70

Perceção das Prioridades por Área de Residência

Urbano

Rural

Percentagem Interna

Pri

ori

da

de

s

Figura 8.11: Perceção das Prioridades por Área de Residência

I. I. Estatal Infraestruturas

I. I. Municipal Infraestruturas

Diversificação Produto Turístico

Formação, Educação

Investimento Privado

Cooperação Política

Policiamento e Fiscalização

Financiamento e Apoio Invest.

Envolvimento da Sociedade Civil

Regulamentaçao e Legislação

0 10 20 30 40 50 60 70

Perceção das Prioridades por Nacionalidade

Caboverdianos

Estrangeiros

Percentagem Interna

Pri

ori

da

de

s

Figura 8.10: Perceção das Prioridades por Nacionalidade

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

prioridades apontadas, com exceção da prioridade “financiamento e apoio ao investimento”, onde

os residentes em meio urbano ultrapassam, por apenas 1%, levando-nos a concluir, sem margem

para dúvida, que a residência é determinante na identificação de prioridades de intervenção.

A escolaridade, cruzada com as prioridades, demonstra claramente que o nível de

escolaridade é determinante na identificação e acentuação das prioridades. Desde logo podemos ver

como os entrevistados com nível primário são os que apresentam valores internos mais baixos em

todas as prioridades, com exceção de duas. Igualmente, os entrevistados com o ensino preparatório

são segundo subgrupo com menor percentagem interna. As exceções de nota são uma surpreendente

liderança na prioridade “Cooperação Política”, uma segunda posição em “Regulamentação e

Legislação”, e um nulo em “Envolvimento da Sociedade Civil”.

Seguidamente, constatamos que existe um entrelaçar constante entre aqueles com o ensino

secundário e o ensino superior. À medida que as prioridades avançam a ligeira vantagem do ensino

superior é gradualmente invertida em igual medida pelo ensino secundário. Assim, temos três

lideranças destacadas do ensino secundário nas seguintes prioridades: “Diversificação do Produto

Turístico”, “Policiamento e Fiscalização” e “Envolvimento da Sociedade Civil”; também temos

quatro lideranças destacadas para o ensino superior nas prioridades: “Investimento e Intervenção

Camarária”, “Investimento em Formação e Educação”, “Investimento Privado”, e “Regulamentação

e Legislação”.

294

I. I. Estatal Infraestruturas

I. I. Municipal Infraestruturas

Diversificação Produto Turístico

Formação, Educação

Investimento Privado

Cooperação Política

Policiamento e Fiscalização

Financiamento e Apoio Invest.

Envolvimento da Sociedade Civil

Regulamentaçao e Legislação

0 10 20 30 40 50 60 70

Perceção das Prioridades por Escolaridade

Primário

Preparatório

Secundário

Superior

Percentagem Interna

Pri

ori

da

de

s

Figura 8.12: Perceção das Prioridades por Escolaridade

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

A situação profissional, cruzada com as prioridades, sugere que a situação profissional é

determinante na capacidade de identificar prioridades. Os entrevistados em situação de reforma são

o subgrupo com menor percentagem em todas as prioridades (isto ignorando novamente o caso da

doméstica), chegando mesmo a apresentar nulos nas quatro menos mencionadas.

Os desempregados estão também ausentes nas duas propriedades menos mencionadas, mas

lideram curiosamente, na “Investimento em Formação e Educação” e apresentam valores elevados

na prioridade mais destacada e em “Diversificação do Produto Turístico”.

Os trabalhadores por conta própria, por seu turno, presentes em todas as prioridades, lideram

apenas, mas com destaque, na prioridade “Cooperação Política”, contudo, estão nas situações

profissionais com maiores percentagens em sete outras prioridades. Por fim, os empregados lideram

em oito prioridades e nunca apresentam percentagens internas inferiores aos 15%. Tudo isto

demonstra que são os entrevistados profissionalmente ativos, empregados e trabalhadores por conta

própria, os que mais prioridades identificam e que maiores percentagens internas apresentam em

comparação com os demais subgrupos.

Finalmente, a variável grupo de residência, onde os Residentes Naturais da Boa Vista (RNB)

lideram metade das prioridades, o que lhes reserva a hegemonia na identificação e na presença de

prioridades para o futuro da ilha. Já os Residentes Nativos de Outras Ilhas (RNOI) lideram apenas

na prioridade “Policiamento e Fiscalização”, mas, com enorme vantagem sobre as demais,

295

I. I. Estatal Infraestruturas

I. I. Municipal Infraestruturas

Diversificação Produto Turístico

Formação, Educação

Investimento Privado

Cooperação Política

Policiamento e Fiscalização

Financiamento e Apoio Invest.

Envolvimento da Sociedade Civil

Regulamentaçao e Legislação

0 10 20 30 40 50 60

Perceção das Prioridades por Situação Profissional

Empregados

Desempregados

TCP

Reformados

Percentagem Interna

Pri

ori

da

de

s

Figura 8.13: Perceção das Prioridades Por Situação Profissional

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

sublinhando o seu desejo por maior segurança, dada a zona principal de habitação deste grupo de

residentes. Por outro lado, não consideram importantes quatro das prioridades identificadas pelos

demais subgrupos.

Os Residentes Estrangeiros da Boa Vista (REB) lideram nas duas prioridades menos

destacadas, “Envolvimento da Sociedade Civil” e “Regulamentação e Legislação”, e estão numa

segunda posição noutras quatro prioridades. Já os Operadores (OP) lideram nas prioridades

“Investimento e Intervenção Estatal” e “Investimento Privado”, e, à semelhança dos REB, detêm

quatro segundas posições. Este cruzamento demonstra que são os nativos da ilha quem tem maior e

melhor capacidade de identificar soluções ou, pelo menos, sugestões para tal. Os nativos de outras

ilhas são, de longe, o seu contrário.

Antes de dar por terminada esta apresentação dos dados, importa regressar uma última vez

aos questionários dos turistas. Na décima primeira pergunta do questionário perguntámos aos

turistas se ponderavam regressar à ilha da Boa Vista, sendo que pouco mais de metade afirmou

positivamente (55%). Igualmente, questionámos se ponderavam regressar ao arquipélago, sendo

que 76% afirmou também de forma positiva. Isto revela que o desejo dos turistas inquiridos em

296

I. I. Estatal Infraestruturas

I. I. Municipal Infraestruturas

Diversificação Produto Turístico

Formação, Educação

Investimento Privado

Cooperação Política

Policiamento e Fiscalização

Financiamento e Apoio Invest.

Envolvimento da Sociedade Civil

Regulamentaçao e Legislação

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Perceção das Prioridades por Grupo de Residentes

RNB

RNOI

REB

Operadores

Percentagem Interna

Pri

ori

da

de

s

Figura 8.14: Perceção das Prioridades por Grupo de Residentes

VII – Futuro e suas Prioridades em Análise

regressar ao país é significativamente superior ao de regressar à ilha.

Ademais, há que relativizar estes resultados, não apenas pelos motivos anteriormente

referentes à questão da nacionalidade, mas sobretudo considerar que ponderar regressar e

efetivamente regressar são duas realidades distintas, em particular, se considerarmos que apenas 7%

dos turistas inquiridos já havia estado na ilha, um valor muito abaixo dos 55% recolhidos.

Estes dados motivam um interesse maior na questão dos impactos do turismo e como estes

estão, ou não, a ser considerados pelas instituições públicas e setor privado. Considerando a elevada

perceção da subestimação dos impactos do turismo como fator determinante na situação atual da

ilha, não é tão surpreendente. Por um lado, os elevados valores da perceção futuro negativo como

futuro incerto, e por outro lado, a quantidade de prioridades de intervenção no âmbito da

responsabilidade do setor público. Por seu turno, o futuro é percecionado como risonho apenas para

menos de um quarto dos entrevistados. A história do turismo massificado na Boa Vista é ainda

muito recente, com menos de uma década, ainda assim, pelos resultados obtidos, apresenta um nível

de satisfação que se aproxima mais dos destinos em declínio do que daqueles em consolidação, isto

se usarmos como referência as análises de ciclo de vida referidas no capítulo II.

297

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

IX - Turismo na Boa Vista, uma Discussão

Conhecidos os dados e a sua análise, cabe agora discutir os mesmos e enquadrar os seus

resultados no contexto. Uma mudança profunda foi implantada na Boa Vista; falamos do turismo

(massificado), esse conjunto de atividades, interações e relações temporárias entre turistas,

residentes e mediadores (públicos e privados), estabelecidas em resposta às necessidades e desejos

dos turistas e seus resultados no espaço recetor e emissor.

O espaço emissor escapou aos objetivos desta investigação, mas o espaço recetor recebeu os

holofotes do palco principal dos trabalhos desenvolvidos. Os discursos recolhidos e as perceções

definidas levaram ao desenho de um quadro geral que vamos agora recuperar e discutir. Começando

por recordar de forma sintética os resultados obtidos nas perceções motivacionais dos residentes,

verificou-se o destaque dado ao ambiente, ou seja, a Praia e o Clima, logo seguida das motivações

sociais e, por fim, as económicas.

Encontrou-se uma clara tendência na capacidade de identificar mais fatores motivacionais

nos entrevistados de género masculino, de nacionalidade estrangeira, em particular operadores,

residentes em meio urbano, com maiores níveis de escolaridade. Por outro lado, os nacionais de

Cabo Verde destacaram-se apenas nas motivações referentes aos fatores sociais, assim como os

residentes em meio rural.

Os desempregados apresentaram menos capacidade de identificar fatores motivacionais, e

pelo contrário, os profissionalmente ativos são os que mais fatores identificam, assim como, os

entrevistados mais jovens.

A enorme proximidade entre as perceções dos residentes e as motivações declaradas pelos

turistas, mormente nos fatores Hotéis, Praia, Gente e Comida, demonstrou o reconhecimento dos

interesses dos primeiros sobre os segundos.

Se recapitularmos os resultados tratados no capítulo dedicado à análise das perceções dos

impactos, verificamos que as perceções de âmbito económico dominaram os impactos positivos por

larga margem, seguidas a grande distância pelas perceções de cariz social. Já o ambiente estava

praticamente ausente dos impactos positivos.

Em termos das características sócio-demográficas, constatou-se que as faixas etárias mais

jovens, assim como, os nacionais de Cabo Verde, residentes em meio urbano e profissionalmente

298

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

ativos, tinham maior capacidade de identificar impactos positivos e maior presença nos mesmos.

Da mesma forma, o nível de escolaridade pareceu determinante, ainda que o ensino

preparatório apresente maiores percentagens na maioria dos impactos em que está presente. E,

ainda, os operadores foram o grupo com maior presença nos impactos positivos sem que, no

entanto, fossem capazes de identificar tantos impactos como os nativos da ilha da Boa Vista.

Entre os impactos positivos percecionados, a Migração revelou ser o único impacto que não

encontrou eco na literatura revista durante a investigação. Uma vez que não se tornou claro o

motivo desta diferenciação, sugere-se um olhar mais atento a este fenómeno em estudos futuros

dedicados a este tema. Ainda assim recorde-se que, se considerarmos o impacto negativo

“discriminação face aos migrantes”, estes são tidos como um “mal necessário”, uma postura

dicotómica onde se reconhece a preponderância da sua presença enquanto força de trabalho local, e

em simultâneo, um descontentamento generalizado pela perda de oportunidades profissionais para

os locais.

Um outro ponto que merece destaque é o facto da revitalização das práticas tradicionais,

como a pesca e a agricultura, apresentarem resultados tão baixos, dada a importância da mesma ao

nível local. Ou seja, durante o trabalho de campo, o investigador constatou como esta revitalização

era importante para a comunidade nativa, a mesma que em simultâneo não considerou o aumento do

número de pescadores e agricultores como um aspeto positivo, em grande parte, devido ao facto

destes novos trabalhadores serem oriundos de outras ilhas e países.

Igualmente surpreendente é a quase inexistente consideração de impactos ambientais

positivos, quando foram vários os esforços nesse sentido, tanto da sociedade civil (através de

associações ambientais) como das entidades governamentais. Em parte, poder-se-á justificar estes

resultados pela falta de visibilidade do trabalho destas instituições, e também pelas implicações

sociais que as imposições ambientais trouxeram à comunidade local (como a proibição do consumo

de tartarugas é exemplo).

Em larga medida, estes resultados foram ao encontro da hipótese “1”, proposta que

reconhecia a existência de variações nas perceções dos residentes consoante as características sócio-

demográficas. Igualmente, a hipótese “2” previa uma predominância de impactos positivos de cariz

económico e, no caso dos negativos, de cariz social e ambiental. Hipótese também confirmada.

Em termos de impactos negativos, os dados demonstraram que os impactos negativos de

cariz social são a maioria entre os identificados pelos entrevistados, seguidos à distância pelos299

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

ambientais, sendo os económicos residuais.

As faixas etárias intermédias, 40-49 e 50-59 anos de idade, e aqueles com nacionalidade

caboverdiana, nativos da Boa Vista, e com maior escolaridade, mencionaram mais impactos e

tiveram maiores percentagens internas na maioria dos impactos negativos identificados. As faixas

etárias mais velhas, 60-69 e 70 ou mais anos de idade, tal como os entrevistados de nacionalidade

estrangeira e nacionais de outras ilhas, tiveram menor representatividade e identificaram menos

impactos negativos.

O género feminino e os operadores identificaram menos impactos negativos, mas quando o

fizeram, atribuíram-lhes maior importância. Mais uma vez, os entrevistados profissionalmente

ativos foram capazes de apontar mais impactos negativos e neles apresentaram maiores

percentagens internas.

O grande número de impactos negativos é um sinal claro que os residentes têm uma

perceção vasta e profunda dos principais problemas da sua ilha. Entre todos estes, apenas o

“crescimento descontrolado”, a “especulação imobiliária” e a “discriminação aos migrantes” não

encontraram paralelo na literatura de referência.

Relativamente à literatura internacional de referência, esta investigação goza da

possibilidade de poder fazer menção e até uma relativa comparação com o trabalho de Lima (2012).

Esta aplicou cerca de 300 inquéritos a residentes da ilha da Boa Vista, por forma a determinar as

perceções dos residentes da ilha face aos impactos do turismo. Naturalmente que não podemos fazer

comparações diretas entre ambos os estudos, desde logo porque a metodologia é diferente; no

estudo em causa, Lima aplicou um inquérito por questionário, e no caso desta investigação aplicou-

se um guião de entrevista aberto. Ainda assim, dentro do possível, faremos uma relativização dos

resultados.

À data, os resultados de Lima (2012) demonstraram, à semelhança desta investigação, que a

criação de emprego, o aumento do investimento (aqui denominado de “construção de

infraestruturas”), o aumento do número de empresas locais e de mercado para empresas locais

(ambas coincidentes com o impacto económico “crescimento económico”) estavam entre os

impactos económicos de maior importância. A melhoria das condições de vida, embora

subentendida, não foi destacada nos resultados da presente pesquisa, assim como a questão da

despesa pública e da melhoria da imagem.

Do lado dos impactos negativos, a autora destacou: o aumento dos preços, do custo dos300

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

serviços, do custo das habitações, o aumento da criminalidade, a não valorização da tradição local, a

diminuição da tranquilidade e o aumento do tráfego. Destas, as últimas três não encontraram

paralelo no presente estudo. A não valorização da tradição poderia ser enquadrada no “abandono

das práticas tradicionais”, mas a verdade é que este impacto negativo detetado é o menos

percecionado e encontra o paradoxo nos impactos positivos onde se considerou a “revitalização das

práticas tradicionais”, a que já se fez referência anteriormente. O mais interessante, a nosso ver, é a

disparidade nos impactos ambientais, onde o aumento do tráfego, o único impacto ambiental

detetado, nem se quer foi considerado pelos residentes entrevistados.

Em termos globais, no estudo de Lima (2012) os residentes percecionaram mais impactos

positivos que negativos no caso da esfera económica e ambiental. No entanto, os impactos

negativos foram maioritariamente socioculturais e muito superiores aos positivos. Se compararmos

com a presente investigação verificamos que apenas a questão ambiental não se confirmou, uma vez

que os impactos ambientais negativos detetados são em muito superiores aos positivos.

Curiosamente, a autora já chamava a atenção para as consequências futuras da alarmante quantidade

de impactos sociais detetados:

Estes resultados evidenciam, claramente, que as entidades responsáveis pelo desenvolvimento turísticodesta ilha devem definir estratégias adequadas para minimizar os efeitos socioculturais negativos doturismo, uma vez que se os residentes começarem a ter uma atitude negativa face ao turismo isso iráinfluenciar de forma negativa o desenvolvimento turístico desta ilha e os benefícios que esta atividadepoderá proporcionar para o desenvolvimento da economia local. (Lima, 2012:71)

Como nos recordam Brunt e Courtney (1999), o turismo é apresentado muitas vezes como o

motor de mudança social quando na verdade ele apenas contribui para tal. É dizer, o turismo é uma

atividade com enorme visibilidade e, por esse motivo, é por vezes erroneamente apontado como

bode expiatório de muitas mudanças na sociedade, sobretudo mudanças sociais e culturais (Crick,

1989).

A ilha da Boa Vista, tal como todo o Cabo Verde, viveram décadas de profundas mudanças

desde a sua independência. Todavia, nesta como em outras ilhas periféricas ou de maior isolamento,

as mudanças parecem estar a ser sentidas com maior impacto nas últimas duas décadas,

precisamente as décadas onde a aposta no turismo se implementou. Dizer que no caso desta ilha o

turismo é usado como bode expiatório é, a nosso ver, errado. No entanto, o contrário também o será.

O peso da influência do turismo massificado e de fenómenos que ocorrem simultaneamente com

impactos idênticos, são de difícil diferenciação.

301

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

Por exemplo, a enorme onda migratória que chegou à Boa Vista com o turismo diversificou

e alterou as relações na comunidade local. Comportamentos, atitudes, rendimentos, níveis de

educação, traços culturais e étnicos distintos do da comunidade autóctone, invadiram-na. Tais

mudanças e influências derivam da chegada de novos membros à comunidade, membros que

atualmente representam dois terços da mesma e que invariavelmente forçam a alterações e,

sobretudo, forçam uma perceção negativa da comunidade nativa. A elevada discriminação face aos

migrantes foi um dos impactos negativos que claramente demonstraram esse sentimento.

Por outro lado, Vounatsou et al (2005) ao investigarem os impactos sociais do turismo na

ilha de Mykonos, já haviam alertado que o turismo havia alterado gradualmente o comportamento e

as atitudes dos locais, em parte devido à retração da emigração dadas as novas oportunidades de

emprego. Estas permitiram um alívio económico às famílias, independência aos jovens (em

particular das mulheres jovens), o que afetou profundamente a forma de viver e a estrutura social

local. Por arrasto, a hospitalidade diminui e o modo de vida tradicional também, à medida que os

turistas começaram a ser vistos como um recurso e não como hóspedes.

As semelhanças com o caso da Boa Vista são gritantes. A retração quase total da emigração

por parte dos jovens locais, dada a alternativa no emprego, inclusive com a possibilidade de

emprego de longa duração, moldou profundamente as estruturas familiares ao nível local. Deste

modo, a dependência das remessas de emigrantes para a sobrevivência foi reduzida. Com isto não

pretendemos afirmar que já não são recolhidas ajudas provenientes dos familiares emigrados, na

verdade, foram inúmeras as situações onde se verificou a acumulação das mesmas aos novos

rendimentos.

O turismo forçou e acelerou várias transformações, tornando-se um agente de mudança

social que afeta atitudes, crenças, valores e regras que dão sentido e significado à sociedade. O

turismo parece obrigar a interações que forçam à desconstrução do comportamento social das

pessoas, este sob a forma de cultura (Vounatsou et al, 2005).

Os exemplos recolhidos e experimentados na Boa Vista não são uma novidade, mas as

características particulares desta comunidade e da sua cultura trouxeram alguns elementos novos,

como a questão paradoxal da migração simultaneamente entendida como positiva e negativa. Estas

diferenças particulares são reforçadas e, em alguns casos, fruto de outras circunstâncias específicas.

Vejamos alguns exemplos e como estes conduziram a fenómenos que demonstraram um esforço de

resistência às consequências percecionadas do processo de turistificação da ilha.302

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

Todos os impactos até agora descritos, tanto positivos como negativos, desenharam uma

perceção geral das consequências do turismo massificado que continua a ser limitada pelas barreiras

políticas e económicas, a um turismo menos desigual e tendencialmente mais sustentável. A

responsabilização do status quo é claramente dirigida à classe política, deixando o setor privado, e

as grandes empresas estrangeiras, a alguma distância. O turismo tem sido um processo visível de

estandardização de serviços para a satisfação de turistas estrangeiros, nomeadamente, europeus. Das

agências de turismo, aos hotéis e operadores, as regras de mercado têm sido seguidas segundo as

recomendações e sugestões do plano estratégico nacional que encontra no turismo, a tal alavanca

para a modernização e enriquecimento do país.

Alavanca essa que se foca na comercialização das relações entre comunidade e turistas, onde

os residentes prestam serviços e o turistas consomem-nos, invertendo totalmente o tipo de turismo

que existia antes da sua massificação, marcado pela interação cordial e hospitaleira entre estes dois

grupos, sem mediadores externos no estabelecimento das relações entre o nativo da Boa Vista e o

turista. O novo turismo moldou profundamente os espaços públicos, em particular, a cidade e as

praias, forçando a uma rápida multiplicação da população e piorando as condições de vida.

Nessa medida, a resposta da comunidade, ou pelo menos de parte dela, tem-se sentido sob

várias formas de resistência e adaptação, sem que estas duas posturas se auto-excluam. A resistência

é a forma de resposta mais visível, e mais mediática, e tem-se circunscrito a manifestações em

espaço público por direitos dos cidadãos e residentes da ilha. Faremos uma curta exposição de

alguns desses eventos.

Começando por ordem cronológica, refira-se a manifestação que decorreu em junho de 2012

pela interrupção e proibição de construções no ilhéu da Boa Vista. Esta decorreu na Praia de Diante,

foi impulsionada pelas redes sociais, e liderada por um grupo alargado de nativos da Boa Vista. A

indignação prendia-se com a edificação de uma estrutura turística com componente comercial (café)

e de proteção ambiental.

Ainda antes de se tornar público e claro que estrutura era, e como seria o seu funcionamento,

a simples sugestão da parcial privatização e exploração do espaço galvanizou o movimento. O

espaço, tido como uma das praias mais procuradas e queridas dos locais, foi rotulado pelos mesmos

como reserva comunitária, se assim quisermos, um lugar reservado ao uso e à memória da

comunidade e sobre o qual nenhum tipo de iniciativa privada poderia encontrar lugar.

No final desse ano de 2012, uma outra manifestação tomou as ruas da cidade de Sal-Rei,303

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

desta feita em virtude das constantes anomalias, cortes e aumentos na água e luz na ilha, agora sob a

alçada da empresa privada de capital espanhol AEB. Na verdade, neste mesmo ano, esta era a

segunda manifestação sobre a mesma problemática. Os cortes constantes na luz provocam não só

incómodo e frustração aos cidadãos, como são responsáveis pela danificação de eletrodomésticos e

perda de víveres congelados, o que agrava ainda mais as condições e o custo de vida das

populações.

No ano de 2013, destacou-se a manifestação da associação de taxistas de Sal-Rei, pela lutava

contra a monopolização dos transportes de turistas do aeroporto para os hotéis e vice-versa; serviço

que passaria quase exclusivamente a ser prestado por uma empresa estrangeira, um operador de

grande dimensão, reduzindo as oportunidades de negócio dos taxistas e os rendimentos das

respetivas famílias.

Em 2014, duas outras manifestações merecem a nossa atenção. A primeira a ser destacada é

uma nova luta pela qualidade e custo da água potável e por saneamento básico. Os novos bairros e

seus moradores veem-se forçados a adquirir água transportada por tanques, o que quadruplica o seu

custo, e simultaneamente, milhares de habitantes das áreas imediatamente em torno do centro antigo

da cidade continuam sem saneamento básico e a despejar os dejetos nas imediações dos seus bairros

e ruas públicas.

A última manifestação, ou exemplo de resistência, teve lugar em Maio de 2014, quando

centenas de emigrantes da Guiné tentaram invadir a esquadra da cidade de Sal-Rei como protesto

pela incapacidade da polícia local em resolver uma tentativa de homicídio a um dos seus

compatriotas. Este episódio aproximou-se de um outro semelhante efetuado pelos mesmos

elementos em 2008 por motivos idênticos, ou seja, falta de segurança e aumento da criminalidade.

Em suma, formas de contestação que procuram melhores condições de vida, ou lutas sociais

que muitas vezes procuram condições mínimas de vida, maior distribuição das oportunidades, maior

segurança e contenção da inflação. Situações que encontram eco nos impactos negativos

identificados e cujas manifestações dão a entender a importância atribuída às mesmas por parte da

comunidade.

Todavia, foi visível no terreno que a maioria destas manifestações eram conduzidas pelos

mesmos grupos, nomeadamente as manifestações por melhores condições de vida e pelo património

local. As manifestações com um número avultado de participantes apenas tomavam forma com a

participação dos residentes dos bairros da Boa Esperança e Farinação. Tal acontecia, não apenas304

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

pelo número significativo dos seus habitantes, mas sobretudo pela capacidade dos seus líderes em

mover a sua comunidade, em particular as comunidades emigrantes da costa de África, como a

guineense.

Olhemos agora para as respostas que definimos como adaptativa. Esta é ainda menos visível

que a resistência, pois apenas um grupo muito reduzido de residentes da Boa Vista encontrou

formas de se adaptar ao turismo massificado, seja através do negócio ou de atividades para a

proteção e propagação da cultura local e património.

Do lado do negócio, apenas a olaria do Rabil tem crescido e adaptado a produção tradicional

de cerâmica à procura dos turistas, permitindo a continuidade da atividade tradicional através da

venda de objetos souvenir, ou lembranças. Isto apesar da maioria dos produtos consumidos serem

pequenos objetos de barro em forma de pratos, tartarugas, cinzeiros, etc. Todos de pequena

dimensão e baixo custo para o consumidor. Negócio já distante da venda de potes e outros produtos

para uso nas cozinhas tradicionais de outrora.

Um outro exemplo de negócio onde se procura explorar a cultura local são os tours vendidos

pelos operadores, onde se consomem paisagens, espaços, fauna e alguns objetos durante um

percurso de entre duas a seis horas, aproximadamente. Atualmente existem ofertas de tours que vão

além das ofertas típicas de operadores e encontramos tours onde se pode consumir produtos locais

diretamente no produtor local, aproximando momentaneamente o turista do nativo. Este turismo de

proximidade é serviço procurado e, apesar de representar uma magra fatia dos tours, tem agradado

tanto operadores como a locais.

A forma de negócio mais visível, e uma das mais indesejadas, é a venda de artesanato de

proveniência externa, e/ou de produção na ilha por parte de estrangeiros. Referimo-nos ao

artesanato da costa africana produzido e vendido por emigrantes, maioritariamente, do Senegal e

Guiné. Resistir pela adaptação ao contexto tem, no caso do artesanato, iniciado uma onda de luta

pela proteção do património cultural e pela autenticidade dos produtos que os turistas podem e

devem consumir.

Algumas notas merecem destaque nesta menção à questão da autenticidade. Em primeiro

lugar, discordamos com a postura realista-objetivista de McCannell, onde a autenticidade é

mensurável e estática, uma vez que ela é um produto da cultura, ela própria dinâmica e mutável. Em

segundo lugar, e igualmente falaciosa, é a autenticidade na perspetiva construtivista, que vê a

mutabilidade cultural e dos seus traços como justificação/explicação para o caos. Apesar da305

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

autenticidade ser negociada e construída contextual e ideologicamente, isso não a torna arbitrária e

suscetível de desconstrução imediata. Finalmente, embora concordemos que a autenticidade não é

relevante para todos os turistas, mesmo assim, ela não é inútil pois deve ser entendida não apenas na

perspetiva do turista, mas, sobretudo, da comunidade de onde é original. Ou seja, basta que a

autenticidade seja importante para a comunidade local para que deixe de ser um conceito inútil.

A autenticidade dos objetos tradicionais da Boa Vista, e de Cabo Verde, é algo defendido e

procurado pela comunidade local. Nessa linha, as questões que colocamos são: quais os indicadores

de autenticidade que a comunidade local deseja e exige? A quem é permitida a sua produção e

venda? Desta forma abarcamos os dois lados da moeda (produção/venda e simbolismo dos objetos),

o lado comercial e o lado cultural.

O processo de negociação da validação e autenticação dos objetos tidos como tradicionais e

genuínos da comunidade local ainda não deu resultados, em parte porque este processo exige

alguma retificação política e, por arrasto, uma complexa negociação burocrática politizada. Mas já

existem indivíduos interessados em explorar essa possibilidade, bem como, alguns projetos em fase

de planeamento e numa primeira fase de aplicação. Isto leva-nos a considerar que apesar da

hipótese “5” proposta nesta investigação não ser ainda uma realidade num formato “pleno”, existe

já um potencial para um incremento nos movimentos de salvaguarda e reinvenção das tradições

locais num futuro próximo.

Regressando à questão da autenticidade, de acordo com alguns elementos da comunidade

nativa, o problema era quem os produzia, referindo-se ao artesanato produzido quase

exclusivamente por estrangeiros. Já para outros, o problema eram os materiais não locais que eram

empregados nos mesmos. Para outros ainda, o problema principal era a falta de qualidade na técnica

da sua criação. Durante a presença no terreno, ficou claro que o problema principal não era tanto se

os objetos eram realmente validados de acordo com as tradições, mas sobretudo quem lucrava com

a venda dos objetos, fossem quadros, cinzeiros ou estátuas, etc.

Uma evidência desta postura é o facto da olaria do Rabil produzir e vender objetos cuja

pertinência cultural estava totalmente ausente; mas como eram produzidas e vendidas por nativos da

ilha a atividade era aprovada e apoiada. Naturalmente que a sua contestação é válida no sentido em

que a venda de estátuas em imitação de pau-preto ou os quadros com representações de traços

tribais da África continental nada têm de característico da cultura local ou até nacional. Mas

existiam exceções como esta, que não eram de todo coerentes com o argumento da produção306

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

artesanal culturalmente genuína.

Um outro caso era a existência de imigrantes do Senegal, que adquiriam materiais e

pintavam pequenos quadros in loco, e que ainda assim eram criticados porque não eram produtos da

terra, quando, tecnicamente de facto, eram produzido na Boa Vista com materiais adquiridos na ilha

ou no país. Mais uma vez a questão não era tão óbvia, dado que artesãos de outras ilhas de Cabo

Verde faziam o mesmo, mas como eram nacionais, já lhes era tolerada a prática, ainda que, mesmo

assim, não por todos.

Pretendemos demonstrar com esta exposição que a questão da autenticidade do artesanato

mostrou ser mais uma questão económica, produção e venda, do que uma questão de genuinidade

simbólica dos objetos e práticas. Uma reclamação local pelo direito de venda exclusiva num

mercado específico. Uma outra forma de olhar a questão da autenticidade e que merece maior

aprofundamento em estudos posteriores. Dito isto, podemos novamente perceber porque são

comuns as leituras instrumentalistas do turismo, onde os turistas e o turismo são tidos como meros

caminhos para o alívio e incremento económico, e os destinos um recurso a consumir:

Apesar das poucas pesquisas sistematizadas a respeito, as existentes demonstram que, na verdade, oshabitantes dos lugares turísticos que se beneficiam economicamente com a presença dos turistas nãoestão precisamente interessados em receber os turistas como hóspedes e realizar com eles trocas culturais,mas em receber o dinheiro trazido por eles. Os turistas passam a ser um mal necessário. Mal porque suapresença incomoda. Necessário porque seu dinheiro faz falta. Os turistas, por sua vez, veem no habitantelocal apenas um instrumento para seus fins. O grande paradoxo do turismo é que essa atividade colocaem contato pessoas que não enxergam a si mesmas como pessoas, mas como portadoras de uma funçãoprecisa e determinada: uns trazem dinheiro com o qual compram os serviços do outro. O primeiro éconsumidor, o outro, parte da mercadoria, e é essa a relação que prevalece. (Barretto, 2004:147)

Estas práticas de resistência e de adaptação produzem uma perceção geral nos residentes que

ajuda não só a explicar a sua perceção do futuro como molda a atitude destes face ao turismo, e

claro, condiciona a relação entre o residente e o turista. Se os impactos percecionados do turismo na

Boa Vista conduzem a práticas de resistência e de adaptação entre os seus residentes, importa

determinar quais as condicionantes para essa perceção.

Nessa linha, teremos em conta algumas comparações com as posições teóricas mais comuns

na análise da atitude dos residentes e os resultados obtidos nesta questão referente ao futuro. Isto,

recordando que esta análise é comummente obtida a partir da aplicação de questionários fechados, e

no caso desta investigação, a análise é realizada a partir de uma perceção do futuro, e não uma

perceção da atitude presente. Ainda assim, consideramos pertinente o estabelecimento desta leitura

para efeitos demonstrativos da perceção do estudo de caso em relação a alguns exemplos teóricos e

307

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

práticos de referência.

Verificamos que existem características sócio-demográficas que claramente condicionam a

visão do futuro dos residentes, como foi o caso da idade (quanto maior a faixa etária maior a

tendência para uma perceção mais negativa), e do género, onde o género feminino foi ligeiramente

mais incerto e positivo que o género masculino (por sua vez mais negativo).

Outra característica sócio-demográfica determinante foi a situação profissional já que, sem

surpresa, os desempregados apresentaram uma atitude mais negativa, ao passo que os

profissionalmente ativos (empregados e trabalhadores por conta própria) apresentaram a atitude

mais positiva entre os entrevistados. Sem surpresa também, são os nativos de outras ilhas os que

consideraram o futuro mais incerto; os nativos da Boa Vista consideram o futuro mais negativo e os

operadores mais positivo. Por seu turno, o nível de escolaridade demonstrou dados contraditórios já

que os entrevistados com maior nível de escolaridade apresentaram os valores mais elevados tanto

na perspetiva negativa como na positiva.

Se considerarmos a correlação entre a perceção do futuro e os fatores espaciais, verificamos

que são os entrevistados que espacialmente estão mais apartados da atividade turística que têm uma

perceção simultaneamente mais positiva e negativa, do que os que convivem e habitam mais perto

dos turistas. Por outras palavras, os resultados não confirmam os trabalhos de Pizam (1978), cujas

conclusões enunciam que onde quem reside e convive mais próximo dos turistas e da atividade

turística tem uma perceção mais negativa do turismo do que aqueles que têm menor convivência ou

contacto.

Já numa leitura que se pretenda aproximar da posição da Community Attachment de Harril

(2004), podemos referir que, uma vez que os caboverdianos são mais negativos e incertos que os

estrangeiros, e estes mais positivos que os demais, isto vai ao encontro da sua posição de, quanto

maior for o apego à comunidade, mais negativa é a atitude.

Podemos também verificar alguma proximidade com os pressupostos da teoria Growth

Machine, já que quem retira menos dividendos do turismo não o apoia na mesma medida daqueles

que daí retiram mais benefícios. Este resultado é sólido, dado que são, de facto, os nativos da Boa

Vista os que menos dividendos retiram da atividade turística, sejam eles económicos, ambientais ou

sociais.

Quanto à preposição da Teoria Excedente Altruísta, dada a reduzida incidência da perceção

positiva, não podemos falar numa ideia de bem maior que se sobreponha aos interesses das308

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

perceções particulares. Na verdade, a já referida negatividade dos nativos da ilha aponta no sentido

contrário, onde o desejo por um bem maior ao nível local se sobrepõe aos planos do bem nacional

planeados pelo Governo central.

Contrariando também a premissa da Representation Theory, a tolerância dos impactos

negativos face aos positivos não se confirmou; antes pelo contrário, uma vez que as perceções

foram claramente mais negativas, quantitativa e qualitativamente, que positivas.

Resta ainda analisar estes dados a partir da Social Exchange Theory. Desse modo,

consideremos os impactos positivos e negativos percecionados que foram apresentados. À partida,

poder-se-ia argumentar que os impactos negativos são praticamente o dobro dos positivos, e

portanto, é uma troca social desigual que justifica uma visão negativa quanto ao futuro. No entanto,

importa recordar que, por um lado, a perceção do futuro é maioritariamente incerta, e não negativa,

como seria de esperar, e a diferença entre as perceções negativa e positiva é de apenas cinco

entrevistados.

Por outro lado, a maioria dos impactos tanto positivos como negativos apenas obteve

menções num terço dos entrevistados. Isto significa que apesar da multiplicidade de impactos

percecionados, apenas quatro positivos e cinco negativos foram mencionados por mais de um terço

dos residentes; sugerindo, portanto, um equilíbrio se olharmos desde uma 'perspetiva de

preponderância'.

Nessa medida, emerge mais razoável o argumento de que, de facto, os entrevistados parecem

considerar uma avaliação próxima entre os impactos positivos e negativos, e assim, pender no

sentido do argumento da troca social. Recordamos que falamos de perceções e não de que os

impactos do turismo massificado na Boa Vista são igualmente positivos e negativos. De todo.

Estamos sim a colocar a análise das perceções destes mesmos impactos em perspetiva,

relativizando-os.

Em consonância clara com os dados de muitas investigações que procuravam comprovar a

SET, verificamos que os residentes que mais dependem do turismo toleram melhor os impactos

negativos ou sobrevalorizam os positivos. Referimo-nos ao caso dos residentes dos bairros

precários da Farinação e da Boa Esperança. A maioria dos trabalhadores dos grandes hotéis, das

empresas de construção, e de serviços dependentes do turismo, habitam nestes espaços que

padecem de profundas necessidades de infraestrutura, segurança, e higiene.

Os dados mostraram que era entre estes residentes estrangeiros e de outras ilhas de Cabo309

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

Verde que se encontravam as perceções de futuro mais positivas, depois dos operadores, e as menos

negativas na generalidade. Sendo, ainda de longe, os que apresentam maior incerteza, o que pode

ser explicado pela grande dependência destes grupos estrangeiros e oriundos de outras ilhas face à

atividade turística.

Com isto, defende-se que, dadas as condições de vida e de trabalho a que estão submetidos,

os residentes migrantes e estrangeiros da costa africana, a força de trabalho da ilha, toleram as suas

difíceis condições de vida e a incerteza quanto ao seu futuro em virtude da oportunidade laboral que

a ilha oferece. Sendo assim mais um exemplo que parece confirmar a SET e os trabalhos de Milman

e Pizam (1988), Ko e Stewart (2002), entre muitos outros.

Adicionalmente, foram os migrantes de outras ilhas os que menos impactos negativos foram

capazes de identificar, não chegando sequer a ser em nenhum deles os com maior incidência, e

foram os que mais mencionaram os três principais impactos positivos de cariz económico.

Concomitantemente, verificou-se que os residentes que mais benefícios colhem não são os

que mais impactos negativos são capazes de identificar, contrariando Lankford (1994) e Lawson et

al (1998). De facto, foram nativos da Boa Vista os que mais impactos negativos identificaram. No

entanto, os operadores são o sub grupo de residentes que maior representatividade tem nos impactos

negativos que identificou (sete dos dezanove).

Isto significa também que a hipótese “3” desta investigação, que propunha que o

crescimento da atividade turística resultaria numa perceção de que esta era uma alavanca sólida para

a economia local e nacional no futuro próximo, não se confirma. Aliás, as perceções são antes

toldadas por outras condicionantes.

De acordo com os resultados agora apresentados, é de considerar que as perceções dos

residentes são, antes de mais, condicionadas pelo proveito que estes retiram da atividade turística,

seja um proveito que resulte de uma situação de necessidade, lucro, cumprimento de calendário

político, etc.

Dadas as tamanhas alterações ao espaço, seja à estrutura da comunidade local, à economia, à

paisagem, e à preponderância da ilha da Boa Vista no âmbito nacional, a diferença entre resistência

e adaptação, ou se quisermos, aceitação ou não destas mesmas mudanças pela mão do turismo,

reside nas perceções que os seus residentes têm de como essas alterações os beneficiam ou não. Em

suma, quanto maior o proveito retirado, melhor a perceção e atitude para com o turismo e os seus

impactos.310

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

1. Da Governança na Boa Vista

A hipótese “4” deste trabalho sugeria que o não envolvimento da população local, ou mesmo

o fraco envolvimento, no planeamento e execução do desenvolvimento turístico da ilha, havia

conduzido a uma perceção de desilusão ou insatisfação generalizada face às expectativas criadas.

Em parte, sugeria parcialmente o contrário da hipótese “3”, e os resultados referentes à perceção do

futuro, assim como, a predominância dos impactos negativos e prioridades de intervenção conexas

direta e indiretamente à liderança política nacional e local, parecem confirmá-lo.

Se, com grande destaque, a necessidade de intervenção e investimento em infraestruturas

por parte do Governo e Câmara Municipal ocuparam as posições cimeiras da perceção do futuro,

não são menos importantes e válidas as restantes intervenções sugeridas. A variedade destas

contraria o discurso banalizado de como apenas os técnicos e especialistas públicos têm a

capacidade de identificar as lacunas e as prioridades para a sua correção.

Os nativos da ilha, com maior nível de escolaridade, profissionalmente ativos, residentes em

meio rural, em particular os mais jovens, tiveram maior e melhor capacidade de identificar soluções

ou, pelo menos, sugestões para tal. Em rumo contrário, os nativos de outras ilhas tiveram de longe

menos capacidade em identificar prioridades.

Todavia, resta destacar que, em resultado da presença do investigador no terreno,

consideramos que muitos dos impactos negativos apresentados poderiam ser corrigidos em termos

da ordem de importância. Desde logo, pela prioridade menos mencionada, ou seja, Regulamentação

e Legislação. É dizer, a não atualização das normas e regulamentos turísticos, e sobretudo, a

legislação que continua suspensa ou incompleta desde 1992, agem como uma barreira.

Um exemplo disto é a situação dos contratos-programa, um instrumento legal que funciona

como ferramenta para a cooperação entre poderes locais e centrais, forçando, se necessário, uma das

partes a colaborar com a outra se certas diligências legais forem cumpridas. Por outras palavras, os

desacordos entre o poder local da Boa Vista, de uma cor política, e poder central, de outra cor

política, são em grande medida umas das principais barreiras à correção de inúmeros problemas, e

nesse sentido, certos instrumentos legais como estes contratos-programa poderiam contornar as

divergências políticas e forçar a colaboração para benefício da comunidade local e do próprio

turismo.

Como já haviam alertado Allen et al. (1988), muitos Estados e governos locais, ao procurar

otimizar os benefícios económicos do turismo acabam por descurar os impactos sociais e311

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

ambientais do mesmo. A necessidade de uma monitorização contínua não é de todo uma novidade

mais ainda teima em reaparecer como um dado comum. O caso da Boa Vista é apenas mais um

exemplo gritante desta tendência.

O turismo sustentável emergiu como um objetivo paralelo ao desenvolvimento turístico

acelerado e massificado, sem que para tal tenham sido criadas as condições estruturais, tanto a nível

nacional como, em particular, local. E falamos de estrutura e não apenas de infraestruturas, ou seja,

faltam ferramentas de monitorização contínua das perceções dos impactos, da satisfação dos

residentes, operadores e turistas, e sobretudo, não existem plataformas de envolvimento e

negociação entre os intervenientes.

Estas condições acabam por agravar as perceções dos residentes e contribuir negativamente

na sua atitude face ao turismo, e a médio prazo, podem afetar a experiência dos turistas, colocando

em risco a continuidade do destino. Os passos mais importantes no sentido desta aproximação

exigem operadores e investidores cooperantes, assim como uma sociedade civil ativa e interessada,

mas acima de tudo exige a iniciativa do setor público, e depende das suas competências.

A política turística, enquanto conjunto de regras, linhas de orientação, diretrizes, leis,

objetivos e estratégias de desenvolvimento (Goeldner, Ritchie e McIntosh, 2000), deverá ser capaz

de conduzir à implementação de um destino turístico com os propósitos, expectativas e intenções

idealizadas. Atualmente, a preocupação central do turismo é que este seja sustentável. Em linhas

gerais isto significa que deve ser capaz de garantir um desenvolvimento que não ponha em causa as

gerações futuras. A sustentabilidade é reconhecida como dependente de pilares como sócio-cultural,

ambiental, económico, mas hoje reconhecem-se também outros dois igualmente preponderantes, a

política e a tecnologia (HwanSuk e Sirakaya, 2006).

A política procura renegociar constantemente os objetivos do desenvolvimento turístico

futuro, e é o principal motor de implementação de decisões que afetam um destino turístico e, por

arrasto, o seu sucesso. Isto implica um compromisso contínuo entre todos os intervenientes de modo

a que as comunidades, os Estados, os operadores, a sociedade civil e os próprios turistas vejam as

suas expetativas cumpridas sem pôr em causa a dos restantes grupos interessados e/ou afetados.

Este objetivo obriga a uma gestão dos destinos turísticos de forma integrada (Timur e Getz, 2002),

transparente e continuada.

Esta integração exige uma relação entre diferentes níveis de estruturas administrativas

governativas, tanto nacionais como locais, e vários intervenientes, pois, apenas deste modo se pode312

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

garantir uma aplicação prática da conceção moderna de governação (Paskaleva, 2003). Esta

conceção vai além da cooperação integrada entre as partes numa postura teórica; ela é capaz de

produzir respostas concretas para as problemáticas que invariavelmente vão surgindo num destino,

tal como é capaz de apresentar e aplicar iniciativas que mitigam problemas e potenciam capacidades

adquiridas.

Tal como ocorre na ilha da Boa Vista, a aposta no turismo massificado produziu alterações

profundas na malha urbana e na gestão quotidiana dos serviços básicos aos seus residentes, em

particular aos novos residentes, migrantes nacionais e estrangeiros. Entre competências municipais

e estatais, são os residentes que acabam por ser afetados pelas incapacidades destas instituições

político-governativas de desenvolver o seu trabalho em prol dos seus cidadãos, seja por litígios

políticos, incapacidade orçamental ou incompetência governativa.

A integração do desenvolvimento urbano e da implementação do turismo num espaço estão

intimamente ligados e são muitas vezes indissociáveis. Assim, é determinante criar condições de

diálogo, colaboração contínua entre as várias instituições governativas e, de forma conjunta e

integrada, desenhar e aplicar um plano turístico comum e sustentável (Hall, 2000; Healy, 1997).

A sustentabilidade do turismo é um contexto altamente politizado “thus, political support in

the form of legally binding commitments at the national and regional level is a critical element in

obtaining information, funding, education and expertise” (HwanSuk e Sirakaya, 2006:1278).

Adicionalmente, envolve muitos intervenientes, cada um dos quais com um papel importante no

sucesso da implementação do processo (Jamal e Getz, 1995: Hall, 1999).

Este planeamento integrado não é mais do que uma referência à Governança. Como

considera Hall (2008), o turismo enquanto principal plataforma económica de alguns Estados (em

particular nos Estados ilhéus), é demasiado importante para que as suas rédeas sejam conduzidas

por uma abordagem económica puramente liberal.

A governança é o mecanismo que melhor garante uma condução transparente e integrada por

parte das instituições públicas e privadas, e sem ela a tendência continuará a ser a fratura entre as

elites governantes e, por arrasto, uma fraca estrutura institucional que leva a um desenvolvimento

lento e fortuito (Tornell e Lane, 1999).

Relegar ou ignorar a preponderância do papel da governação é permitir que a

sustentabilidade de um destino, de uma região, e no caso deste estudo, de um país, dependa

aleatoriamente da “(...) happy juxtaposition of the right people and the right skills and sympathetic313

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

council” (Pearce, 2001:351) e não em estruturas e processos claramente definidos (Beaumont e

Dredge, 2010:4).

Existe, portanto, uma conexão mutuamente dependente entre governação e sustentabilidade.

Doxey (1976), Butler (1980), Ritchie (1993), Cooper (2002), Breakey (2005) entre muitos outros

autores, têm procurado essa aproximação, criando modelos que demonstram o dinamismo do

turismo tanto espacial como temporalmente, e apresentam algumas sugestões que procuram almejar

essa sustentabilidade.

Tais modelos procuram desenhar uma estratégia geral para os destinos turísticos, sendo

usados como ferramentas de diagnóstico, monitorização e implementação. Cada destino exige uma

fórmula própria, uma atenção particular e distinta de outros destinos. Essa fórmula deve ser

planeada, criada e implementada em conjunto com todos os intervenientes, numa dinâmica

simultaneamente horizontal e vertical.

No entanto, a individualidade de cada destino turístico não escapa a características comuns

que invariavelmente produzem efeitos idênticos ou semelhantes. Nessa medida, uma plataforma de

base comum deve ser procurada de forma a melhor proteger os destinos às suas influências, e claro,

corrigir os impactos e impactes diagnosticados e redefinir propósitos e metas. Tal plataforma, tem

de ser desenhada e implementada por um corpo de intervenientes envolvidos, empenhados e

capazes de partilhar ideias e ações que visem a sustentabilidade do destino. Esse corpo não é mais

do que um sinónimo para a governança.

A governança, enquanto abordagem holística de planeamento e desenvolvimento que

transforma as instituições e lhes atribui uma propensão e uma busca por uma sustentabilidade, e

enquanto processo e meta (Stanhope, 2000), não é mais do que um metáfora, “(...) to speak of

shifting the conventional role of institutions and shrinking the role of state” (Alipour et al, 2011:34).

No estudo realizado pela UNWTO sobre gestão de turismo em costa, em nove países

africanos, uma das principais observações foi a ausência de planos, políticas e estratégias ao nível

sub-nacional, ou regional. Como temos vindo a reforçar, isto é contraproducente, pois: “the

establishment of effective structures for delivering and managing sustainable tourism at a local level

is very important for the sustainability of the sector and for tackling issues of planning,

development control, enterprise engagement and community benefit” (UNWTO, 2013:27).

Também na ilha da Boa Vista o caso parece ser idêntico. As barreiras à governação são

várias e começam desde o nível governativo, é dizer, uma Constituição incompleta, as divergências314

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

político-partidárias e a ausência de um organismo público para a gestão e planeamento turístico à

escala regional, boicotam, à partida, uma governação inter-governamental pública transparente,

eficiente e eficaz.

Em resultado destas barreiras ao turismo, como afirma Murphy (1980), este continuará a ser

entendido na Boa Vista como uma atividade que usa a comunidade local como um recurso e a vende

como um produto, e, enquanto produto, a comunidade continuará a ser tida como um aglomerado de

recursos apresentados e consumidos em desacordo com as suas intenções, desejos e necessidades.

Dentro da postura da sustentabilidade as alternativas são várias, aliás, como o caso da

"community tourist product" apresentada por Murphy (1985), apresentada como a melhor forma de

garantir a satisfação e regresso dos visitantes, assim como, de garantir a sustentabilidade dos

destinos. Um princípio também partilhado por Lankford (1994) que afirma que para se alcançar um

consenso na política de turismo, é essencial considerar as perceções e preferências que coabitam na

comunidade.

Na investigação levada a cabo por Andriotis (2005) em Creta, este concluiu que entre a

comunidade existia uma clara procura por um aumento do investimento público e privado, e de

procura de apoio ao investimento na atividade turística da ilha. Na verdade, entre o grupo

empresarial e a comunidade local verificou-se uma elevada capacidade de definir objetivos e

soluções para as problemáticas vividas na ilha.

Tal como no caso da Boa Vista, confirmou-se que, dada a oportunidade, ambos podem

contribuir com inputs para o processo de planeamento e desenvolvimento do turismo na ilha: "this

confirms that tourism planning does not need to remain in the realm of the public sector, as happens

in many communities, but there is a need for community participation in tourism development and

planning as many past studies suggested" (Andriotis, 2005:13).

Uma das principais barreiras, em particular em países em desenvolvimento, é que o setor

público continua a esconder ou mascarar os impactos negativos do turismo de forma a garantir o

interesse de mais investidores e o crescimento do turismo (Tosun, 2002). A literatura dedicada ao

estudo do turismo tem reforçado que, pelo contrário, o envolvimento das comunidades e de outros

intervenientes acaba por mitigar ou até eliminar muitos dos impactos negativos (Pearce, 1998;

Brunt e Courtney, 1999; Cooper et al, 2006).

Essa falta de envolvimento justificará o facto da sociedade civil da ilha apresentar um

declínio da atitude positiva face ao turismo. A solução poderá passar pela criação de uma plataforma315

IX – Turismo na Boa Vista, uma Discussão

comum que permita lutar pelos seus direitos e que seja capaz de propor medidas concretas, ou a

comunidade local fica à mercê da boa vontade de investidores e instituições políticas, perpetuando o

status quo.

Por outro lado, o setor privado está também disperso, em particular as pequenas e médias

empresas, tornando-as incapazes de travar o peso dos grandes investidores e empresas estrangeiras,

sobrevivendo apenas dos nichos de mercado que os grandes operadores e hotéis vão deixando

passar por entre os dedos.

Do lado destes pesos pesados, o agravamento dos impactos negativos da sua presença

começam a pôr em causa a sustentabilidade do destino, e por arrasto a viabilidade económica do seu

investimento, mas, ainda assim, não existe um organismo comum capaz de forçar a mão dos

poderes públicos, concretamente, na construção e melhoramento de muitos serviços essenciais,

como vias de comunicação, hospitais, etc.

Brida et al (2011) defende que o turismo sustentável exige maior entrosamento entre os

setores público e privado, bem como, uma maior aposta do setor público na educação e formação

dos intervenientes, para que estes possam tomar melhores decisões fazendo uso de uma melhor

leitura da informação, dos riscos envolvidos, e participação na resolução de problemas comuns na

gestão do destino turístico. As sugestões concretas dos autores passam pela implementação de

oficinas de formação, debates públicos e a criação de eventos que facilitem o intercâmbio cultural

entre residentes e turistas.

Esta dispersão de interesses e capacidades tem acentuado as carências do destino

boavistense, afetando a vida da comunidade local e pondo em causa as mais-valias económicas que

produz para o país. É urgente a criação de uma plataforma de governança para que tais impactos(es)

e consequências sejam mitigados e até contrariados no futuro.

316

Conclusão

Conclusão

O turismo é uma atividade que abraça a história da humanidade, pelo menos, desde os

primeiros registos escritos na antiguidade clássica. Os primeiros grandes passos vieram com a

industrialização, com a propagação dos Estados-nação pela Europa, e enormes avanços

tecnológicos. Antes e depois dos conflitos mundiais solidificaram-se os seus processos, expandiu-se

e tornou-se gradualmente mais acessível. Com a retoma económica do 'velho continente' a atividade

iniciou um período de contínuo e acelerado crescimento que se propagou à escala global e aos

valores atuais.

À medida que o turismo se cimentou enquanto atividade comum, novas formas de definição,

legislação e burocratização foram acrescentadas e o turismo foi sendo, cada vez mais, do interesse

de Estados e das suas economias. Das inúmeras tentativas de definição, a atividade enriqueceu

disciplinas científicas trazendo à luz novos objetos de estudo e novas teorias. Também nesta

investigação procurámos contribuir com definições dos conceitos de turismo e de turista. Novos

estudos dedicados ao tema podem contar com definições transversais, coerentes, mas sobretudo

objetivas do fenómeno.

Também explanámos as principais tendências na abordagem ao turismo, destacando o

predomínio e influência da economia, os avanços e os contributos de várias ciências sociais, como a

Sociologia. Os principais focos da análise ao turismo foram divididos em três grandes grupos: o

institucional, o técnico, e o científico (ou académico). No foco científico destacámos os trabalhos

em torno da autenticidade, da importância da relação entre hóspedes e anfitriões, e os impactos

positivos e negativos mais comuns do turismo.

Após o debate em torno do 'património' teórico e metodológico, questionaram-se as

perspetivas dominantes e uni-direcionadas de algumas abordagens ao tema, em particular, a origem

e as consequências das abordagens puramente economicistas de fenómenos complexos como o

turismo. Toda esta explanação pretendeu também criar um texto compacto, mas minucioso, das

teorias e estudos de referência que possa ser útil a investigadores que no futuro tomem esta

atividade como objeto de estudo.

Intimamente associado e dependente da abordagem ao turismo, alguns conceitos-chave

foram introduzidos, contextualizados e debatidos, entre eles, os princípios e as consequências da

Modernidade e do processo de modernização pela mão do Desenvolvimento. Ao procurar a318

Conclusãomodernidade, apregoou-se a decepação das tradições e dos costumes, vangloriaram-se as benesses

do crescimento económico e social sem precedentes nos carris do desenvolvimento pela mão das

sociedades ocidentais.

Dissipado o nevoeiro ideológico, as nações em vias de desenvolvimento continuavam com

profundas necessidades e novas teorias e princípios foram procurados e exigidos; nomeadamente,

conceitos como a sustentabilidade, o desenvolvimento assente na riqueza dos recursos locais e da

capacitação das populações, catapultada pelo processo de globalização e liberalização económica.

Cabo Verde, assim como inúmeros outros países nessas circunstâncias, optaram pela aposta no

turismo internacional como resposta às suas debilidades.

Daí que, após definições de objetivos, tema, e debate teórico-metodológico, se tenha

contextualizado o caso deste arquipélago. A sua história, percurso ideológico e político após a

independência, e os avanços e opções na escolha e execução do seu plano de desenvolvimento

assente no turismo.

A Boa Vista, enquanto um dos palcos principais desta aposta, tem-se gradualmente apartado

da ilha periférica e dependente, para um dos motores da economia nacional; longe dos dias em que

a comunidade local se via forçada a emigrar, e os que permaneciam a executar atividades de

subsistência. Da população decrescente para uma multiplicação do número de habitantes, toda uma

mudança social que começou com a edificação do primeiro hotel, cujo alvo eram os turistas

internacionais, em 1996.

Desde então, e particularmente desde a expansão do aeroporto local para internacional, os

hotéis de regime tudo-incluído, com capacidade para milhares de turistas, têm mudado a face da

ilha. Novas oportunidades de emprego, crescimento económico, novos serviços, entre outras

vantagens, têm coexistido com aumento da criminalidade, pressão sobre recursos e infraestruturas,

surgimento de bairros degradados, etc. Daí que se mostrava vital determinar quais os impactos

percecionados pelos residentes e procurar indícios que corroborassem ou contrariassem essas

mesmas perceções.

Igualmente, determinaram-se as motivações que turistas tinham em visitar a ilha e quais

aquelas que eram percecionadas pelos mesmo residentes. Os residentes mostraram, grosso modo,

ter discernimento quanto às motivações principais dos turistas, ainda que tenham sobrevalorizado

os seus traços culturais como motivo de particular interesse para os visitantes. Estes, por sua vez,

demonstraram pouca vontade em regressar à Boa Vista, e mesmo ao arquipélago.

319

ConclusãoCaminhando para o final deste trabalho, revelaram-se as baixas expetativas da comunidade

local para com o futuro da sua ilha. Da negatividade à incerteza, apenas uma minoria vê o futuro

como risonho. No entanto, os residentes entrevistados mostraram serem capazes de identificar

várias justificações para a situação atual e indicar as prioridades de intervenção necessárias para o

almejar de um futuro melhor.

O foco das suas sugestões centrou-se na necessidade de edificação e expansão de

infraestruturas básicas e serviços necessários para a melhoria da sua qualidade de vida; na criação

ou atualização de programas de saúde, segurança e potenciação de capital humano local; e ainda, na

necessidade de revisão das leis e regras que regem o turismo e os programas de financiamento e

apoio às empresas e seus negócios.

De toda esta informação recolhida e resultados analisados, comparámos com a literatura de

referência e estudos semelhantes, e revelámos as particularidades e os pontos comuns do caso da

Boa Vista e de outros destinos internacionais. Das várias alternativas disponíveis para abordar os

dados recolhidos nesta investigação à ilha da Boa Vista, no arquipélago de Cabo Verde, procurou-se

testar as diversas propostas. Deste esforço concluiu-se que, por um lado, existem de facto

características sócio-demográficas que condicionam a atitude dos residentes face ao futuro.

Por outro lado, algumas teorias de autores de referência encontraram eco neste estudo de

caso como a SET, a Community Attachment, e a Growth Machine. Já a Teoria Excedente Altruísta,

ou os argumentos espaciais de Pizam, não só não encontraram eco, como revelaram resultados

contrários. Tais resultados demonstram a variedade, multiplicidade, e disparidade de resultados, e

sublinham a necessidade de um acompanhamento contínuo e adaptado, e não uma estandardização

nas correções ou ajustes paliativos.

Neste sentido, sugere-se uma continuidade na recolha de dados de modo a confirmar os

dados desta investigação e um aprofundamento das suas implicações, contribuindo com ferramentas

e indicadores úteis ao planeamento contínuo deste destino turístico e da sua comunidade residente.

Enquanto veículo para a modernização e desenvolvimento do arquipélago de Cabo Verde, o

turismo massificado tem produzido impactos que moldam a perceção dos residentes, a sua relação

com a atividade e a sua atitude para com os turistas e o turismo. Dessa conexão, têm emergido

práticas que são exemplo de resistência e de adaptação. As de resistência têm contornos de

contestação pelos direitos dos residentes, em particular, os nativos da Boa Vista, têm direito à

proteção social e cultural e a um turismo de maior proximidade para com as populações, a discursos

320

Conclusãode responsabilização política dos impactos negativos, e a um posicionamento contra a aculturação

dos produtos culturais consumíveis.

As de adaptação têm passado, por exemplo, pela acentuação da estandardização dos serviços

e da sua qualidade, por um acentuar da comercialização das relações, pela criação de empresas e

negócios assentes no turismo, etc. Posições fortemente condicionadas pela perceção que os

residentes têm do proveito que retiram da atividade turística.

Um dos pontos de maior destaque nesta investigação foi também, sem dúvida, a separação

da comunidade local nos processos de planeamento e execução do destino turístico. Apesar de

largamente demonstrado em inúmeros estudos nas últimas décadas, o papel da comunidade local e a

importância do seu envolvimento e capacitação é largamente ignorado na Boa Vista, tanto pelo

Governo central como pelo Governo local.

Envolver implica associar estas comunidades nos planos e na gestão dos espaços,

procurando cruzar os seus desejos e necessidades com a viabilidade ambiental e económica dos

empreendimentos turísticos e negócios conexos. Determinar quais os desejos e necessidades exige

determinar, recolher e analisar indicadores de qualidade de vida, satisfação e atitude destas

comunidades para com o turismo.

Das lições retiradas, reconhecemos a urgência na continuidade da recolha de indicadores do

status quo do destino junto da sua comunidade e visitantes, a importância do papel dos residentes

no sucesso e sustentabilidade do destino e consequente melhoria da qualidade de vida dos

habitantes da Boa Vista, e por arrasto, de Cabo Verde. Ademais, lições que podem e devem ser

consideradas em ilhas consolidadas turisticamente, como o Sal, e, sobretudo, em ilhas apontadas

como novos destinos de impacto, como a ilha de Maio.

Contributos para uma Reflexão sobre Intervenção

(...) well conceived and well articulated but realistic tourism policy objectives; local involvement andcontrol over tourism development; forging private-public sector partnerships for tourism development;raising gender awareness to enhance women participation in the tourism sector; promoting regionaltourism co- operation and integration; availability and allocation of appropriate resources (e.g. financial,human, product); developing equity in tourism benefits-sharing; promoting community tourism awarenesscampaign; availability of appropriate legal framework for tourism; building image of a destinationthrough a marketing and promotional campaign; expanding tourism entrepreneurial initiatives/investmentopportunities. (Dieke, 2000:11)

De acordo com Adorno e Horkheimer (1947) da Escola de Frankfurt93, há que fazer uma

93 Movimento para um novo paradigma de investigação, Teoria Crítica, também influenciada por autores como WalterBenjamin e Jürgen Habernas, entre outros.

321

Conclusãocrítica ao turismo como modelo de desenvolvimento de localidades. Os autores recordam como as

sociedades contemporâneas, e as ciências, abraçaram o positivismo, e como este as tem

influenciado. Ao contrário da teoria crítica de Marx e da sua dialética, que coloca o homem no

centro, no positivismo cartesiano o homem é visto como mero meio para o lucro. Desta forma, a

razão instrumental é deturpada e torna-se razão alienada conduzida pela ciência positivista que, por

sua vez, leva a que os aspetos económicos e financeiros tomem precedência na tomada de decisões.

Em última análise, as relações sociais são pautadas pela eficiência e eficácia em detrimento dos

valores humanitários.

A influência do positivismo na relação entre turismo e desenvolvimento torna-se clara

quando consideramos como o subdesenvolvimento era considerado um mero estágio para o

desenvolvimento. Uma noção que justificava a reprodução do servilismo dos períodos anteriores

(Lopes et al, 2012:117). Se aplicada ao turismo, a crítica de Adorno e Horkheimer sugere que este

pode estimular a comercialização de formas culturais locais, impedindo a formação de indivíduos

autónomos ao conduzir os homens a uma sensação confortável de que o mundo está em ordem num

tipo de satisfação compensatória (Lopes et al, 2012:112), onde: “divertir significa sempre não ter

que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é a sua

própria base” (Adorno e Horkheimer, 1985:119).

“As horas de lazer, portanto, proporcionam um sentimento de satisfação aos envolvidos que

contribuem para controlar as ações dos mesmos, onde para perpetuar o prazer, não devem mais

exigir esforço, reflexão” (Lopes et al, 2012:113). Estas conclusões vão ao encontro da postura de

Urry (1990) e Bacal (2003), onde a imagem é mais valorizada que a experiência turística, as provas

da experiência são destacadas em detrimento das vivências possíveis. A comprovação sobrepõe-se à

necessidade.

Recuperando os contributos de Marx, este argumenta que o trabalho é o elemento que

produz e reproduz a humanidade; ao produzir realidade material ele torna-se um agente

transformador. A produção de meios de subsistência e a determinação da sua consciência coletiva

segundo o interesse das classes, conduziu a uma história moldada pela divisão do trabalho. Nessa

linha, as várias divisões do trabalho retiraram o homem de um estágio original de igualdade e para

retomar essa rota perdida é necessária uma nova e final rutura.

O não-trabalho é entendido como uma arma para a igualdade, democracia e justiça dos

povos, já que essas atividades permitem que ricas relações culturais surjam e sejam espalhados os

322

Conclusãocostumes que marcam a força de cada população segundo o desenvolvimento das relações de

produção: “a vida lúdica que permeava o estilo das sociedades 'primitivas' torna-se novamente o

elemento básico para entender a sociedade socialista: o trabalho é colocado como benefício

coletivo, e não individual” (Filho, 2004:157).

Concordamos com o autor quando este reconhece que a luta pelo não-trabalho enquanto

benefício e direito coletivo foi parte integrante da resistência marxista à apologia do trabalho

disseminada pela sociedade burguesa, ainda que uma parte subentendida, já que o foco se prendia

mais na questão do trabalho do que com a do não-trabalho. No caso desta investigação, o direito ao

não trabalho por parte dos turistas, e o direito ao trabalho por parte dos residentes,

A aposta no turismo de massas na ilha da Boa Vista emergiu como estratégia de alívio

orçamental nacional e não tanto como uma luta pelo direito ao trabalho, ou ao não-trabalho, numa

batalha pela igualdade. O tabuleiro neoliberal é uma realidade, talvez até uma fatalidade, mas isso

não pode justificar a apatia da sociedade civil, ou o descarrilamento estratégico do planeamento,

nem a maximização dos dividendos como fim que se justifica a si próprio.

O que pretendemos não é apontar o óbvio e descrever os impactos negativos económicos,

sociais e ambientais que o turismo massificado planificado trouxe à ilha. É também verificar que,

como em vários casos internacionais e de conhecimento alargado, foram cometidos erros comuns,

sendo a fonte desses erros descurar a importância da componente social.

Não existem dúvidas quanto ao valor da atividade turística nas contas de Cabo Verde. Os

dados são claros e mostram como o turismo tem contribuído para o crescimento do país. Ao nível

nacional, a ilha da Boa Vista é um exemplo de abrandamento dos movimentos migratórios, do

aumento da criação de empresas e postos de trabalho, bem como, da melhoria dos transportes e

alguns serviços. Naturalmente, se a isto chamarmos desenvolvimento, então, a ilha, e por arrasto o

país, tem bebido do turismo em boa medida.

No entanto, a realidade é mais do que a soma dos números. Ela é muito mais complexa que

algoritmos financeiros e económicos que procuram responder às necessidades macroeconómicas de

um país, bem como, às ambições políticas de partidos e ambições económicas de empresas. O

elemento humano é o denominador e não a variável controlada que muitas vezes é adicionada a

planos e estratégias institucionais nacionais e supra-nacionais.

Como se fez menção no segundo capítulo, o turismo é uma atividade que continua

profundamente dominada pelo setor económico, condição essa largamente agravada pelas previsões

323

Conclusãoidealistas de organismos internacionais como a OMT, que "empurram" países em vias

desenvolvimento no trilho do "desenvolvimento acelerado" pela mão do turismo. É ainda comum

descurar-se que os grandes exemplos de sucesso do turismo advêm de países já desenvolvidos.

Estes conseguem aumentar a eficiência das atividades nos destinos oferecidos devido à tecnologia,

conhecimento, recursos e capital de que dispõem, escapando a boa parte das "fugas" (leakages).

Apostar no desenvolvimento turístico massificado tendo como base esses exemplos é um

esforço que leva muitas vezes ao fracasso e agravamento de precariedades. Por outro lado, esses

mesmos exemplos têm sido difundidos à escala global por todo tipo de cientistas das mais variadas

disciplinas. Não é viável o argumento de desconhecimento dos efeitos, consequências e impactos

desta atividade ao nível nacional, regional ou local.

São hoje milhares os estudos de caso e investigações sobre o turismo; estes cobrem todos os

continentes e podem, na sua maioria, ser gratuitamente acedidos. Foi da voz dos residentes que se

concluiu existir a perceção de uma subestimação dos impactos do turismo na ilha, apesar de todo

esse conhecimento disponível.

Mais uma vez, o objetivo desta investigação não era avaliar as políticas públicas e as

medidas governamentais ou municipais; assim, há que recordar também o papel do setor privado,

em particular das grandes empresas hoteleiras e operadores internacionais, que como vimos no

capítulo anterior, são o único grupo que largamente apoia a atividade e vê nela um futuro positivo.

Dada a experiência destes grupos na atividade, seria de considerar uma maior exigência na garantia

da segurança e higiene, não apenas dos seus clientes, mas em particular dos seus trabalhadores e

suas famílias.

Quando as exigências se circunscrevem a infraestruturas de comunicação, a aeroportos e à

edificação de um "hospital", e certas garantias económicas, fica claro que estas empresas encontram

em si mesmas e nos seus clientes as suas prioridades. Ainda que não seja da sua responsabilidade a

qualidade de vida dos habitantes da Boa Vista, a sua experiência e conhecimento na atividade

poderia ter valido outras condições que atenuariam os graves problemas sociais que a ilha hoje vive.

Por fim, da parte dos residentes, ou se quisermos da sociedade civil da Boa Vista, ficam

algumas notas que vale a pena recordar e sublinhar. A comunidade demonstrou ser passiva face aos

acontecimentos e consequências que derivaram do turismo na ilha, em particular após a chegada do

turismo massificado. A desorganização associativa é apenas um dos problemas que necessitam de

ser revistos. Uma comunidade unida e associada em defesa dos seus direitos e deveres é garantia de

324

Conclusãoum movimento de equilíbrio face à melhoria da sua qualidade de vida.

Com isto, pretendemos afirmar que nos vários quadrantes da sociedade existem alterações,

pese embora que as mais urgentes e necessárias partam das instituições públicas. Nessa linha,

importa agora contribuir com sugestões que contribuam para um desenvolvimento boavistense que

seja mais sustentável e desejável que o corrente. Apresentamos então dez medidas ou prioridades:

1) Da parte das instituições públicas centrais urge, sem sombra de dúvida, uma produção

legislativa e regulamentar clara e transparente, por exemplo, nos já destacados contratos programa e

ferramentas semelhantes, bem como, em particular para a atividade turística, na definição de

regulamentação costeira, áreas protegidas, concursos públicos, contratos de trabalho, proteção do

comércio local e produtos artesanais locais e nacionais;

2) Em igual medida, são necessárias infraestruturas de base que podem e devem ser

definidas e terminadas em coordenação com o poder regional. O futuro do turismo em Cabo Verde

depende do sucesso e da sustentabilidade da ilha da Boa Vista. Argumentos numéricos e

quantitativos não são válidos neste caso, dada a especificidade económica desta ilha. Uma melhor

Boa Vista conduz a um melhor turismo no país a longo prazo. Falamos de escolas, vias de

comunicação e outros serviços essenciais já mencionados;

3) Uma última medida que está intimamente dependente do Governo central é a formação e

qualificação de pessoas, que se encontra apenas disponível na universidade pública ou nas próprias

empresas hoteleiras. Nessa medida sugere-se a criação de um polo universitário, na ilha, para ensino

a distância ao nível das licenciaturas e a disponibilidade de formações técnicas em articulação com

o setor privado. Formações essas criadas a pedido das necessidades do setor privado;

4) Um outro ponto de articulação com o poder regional seria a criação de um espaço que

concentrasse todos os serviços e informações necessárias para empresas relacionadas com o

turismo, uma espécie de loja do investidor, que facilitaria o surgimento de novos investidores e

projetos, tanto nacionais como internacionais. Tal espaço poderia também criar formações na área

de empreendedorismo e gestão de empresas;

5) Já de forma independente, o poder local, antes de mais, deve criar um barómetro do

turismo independente do nacional, capaz de acompanhar os indicadores essenciais de avaliação do

turismo. Uma ferramenta que não recolha e analise apenas índices empresariais, mas também a

satisfação de turistas e residentes;

6) Adicionalmente, a presença de representantes da Câmara Municipal e forças de

325

Conclusãomanutenção de ordem pública nas ruas durante os horários de maior movimento nas ruas de Sal-

Rei, é da maior importância. Uma maior regulamentação e fiscalização garante uma perceção de

segurança e tranquilidade aos visitantes da ilha que atualmente são importunados e afugentados por

vendedores ambulantes ilegais e vendedores que “empurram” os turistas para as suas lojas de

produtos artesanais externos;

7) Nessa mesma linha, a demarcação de produtos regionais, sejam alimentares ou objetos

decorativos ou artesanais, seria uma grande mais-valia; por um lado, os turistas que procuram esses

mesmos produtos teriam uma referência clara quanto à sua “legitimidade”, e por outro lado, criaria

oportunidades de negócios ao nível local. Idealmente, outros produtos nacionais seriam também

dispostos e claramente protegidos e identificados para consumo dos visitantes;

8) Uma quarta medida sugerida especificamente à Câmara Municipal da Boa Vista será a

requalificação dos espaços públicos. A disposição dos espaços públicos e zonas comerciais da vila

de Sal-Rei não considera de forma satisfatória as necessidades e exigências dos espaços turísticos.

Não sendo a cidade de Sal-Rei apenas um destino turístico, ela é sobretudo uma montra para o

mesmo. Até à data, poucas ou nenhumas alterações ao espaço têm considerado com igual peso as

necessidades dos residentes e dos visitantes. Tais requalificações vão da urgência de casas de banho

públicas a espaços exclusivamente pedonais. Uma nota extra seria a deslocalização dos espaços de

comércio alimentar para zonas paralelas à praça principal, sendo esta reservada primordialmente

para comércio artesanal e sobretudo restauração e entretenimento;

9) Da parte da sociedade civil, a medida mais evidente seria a criação da já referida

plataforma social e associativa da Boa Vista, um organismo capaz de agregar as associações locais

com o objetivo de criar e partilhar soluções para as problemáticas sociais que as instituições

públicas e setor privado não são capazes de solucionar; assim como, garantir a existência de um

olhar apartidário sobre as problemáticas sociais da ilha, lutando pelos deveres e direitos dos

associados e cidadãos da ilha da Boa Vista;

10) Note-se a inexistência de medidas específicas para o setor privado; no entanto, as

medidas acima sugeridas afetariam positivamente estas empresas e a qualidade de vida dos seus

empregados. Sendo este o setor com “maior músculo”, é da sua competência e responsabilidade

colaborar nesse sentido.

É também do seu interesse que os residentes, assim como os turistas, tenham uma perceção

mais positiva do turismo, como sugerem Eusébio e Carneiro (2010). Só dessa forma se garante a

326

Conclusãosustentabilidade do destino. Nessa medida, sugere-se que em colaboração com a sociedade civil, ao

nível associativo, se criem condições para uma maior e melhor interação entre turistas e residentes.

Estas podem emergir pela multiplicidade de serviços aos clientes que os aproxime dos

residentes, no caso dos operadores, mas também, pelas oportunidades de trazer aos hotéis locais,

por exemplo, cidadãos seniores e menores a conhecer os espaços, e não apenas convidar elites

locais, ou através do apoio de projetos sociais e desportivos.

Poderíamos acrescentar outras propostas interessantes, mas corria-se o risco de se perder o

foco das prioridades. Por esse motivo, apresentámos apenas estas contribuições que acreditamos

conduziriam a ilha da Boa Vista, enquanto comunidade e enquanto o destino turístico, a um futuro

mais transparente, sustentável e desejável para todos os intervenientes, residentes e visitantes.

327

Bibliografia

Adams, Richard, John Page, (2003), “International Migration, Remittances and Poverty in Developing

Countries”, World Bank Policy Research Working Paper 3179.

Adorno, Theodor, Horkheimer, Max (1985), A Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.

Ahmed, Sadrudin (1986), “Understanding residents' reactions to tourism marketing strategies”, Journal of

Travel Research, 25(2), pp. 13-18.

Ajzen, Icek, Fishbein, Martin, (1975), Belief, Attitude, Intention, and Behavior: An Introduction to Theory

and Research. Reading, MA, Addison-Wesley.

Akis, Sevgin, Nicos Peristianis, Jonathan Warner (1996), “Residents' attitudes to tourism development: the

case of Cyprus”, Tourism Management, 17, pp. 481-494.

Akkawi, Mais (2010) “Resident Attitudes towards Tourism Development in Conservative Cultures: The Case

of Qatar”, Master of Arts Thesis in Recreation and Leisure Studies, Tourism and Policy Planning,

University of Waterloo, Canada.

Albuquerque, Francisco (2007), Marco Conceitual e Estratégia para o Desenvolvimento Local, IADH –

Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano, Disponível em:

http://www.cooperaremportugues.org/apc-aa-cooperaremportugues/home/fulltext.shtml?

slice_id=134db0e6ba4b59513aed97891858c354&x=85

Alesina, Alberto, Roberto Perotti (1996), “Income Distribution, political instability, and investment”,

European Economic Review, 40(6), pp. 1203-1228.

Alhasanat, Sami (2008), “Sociocultural Impacts of Tourism on the Local Community at Petra, Jordan”,

European Journal of Scientific Research, 44(3), pp. 374-386.

Allen, Lawrence, Harry Hafer, Patrick Long, Richard Perdue (1993) “Rural Residents’ Attitudes toward

Recreation and Tourism Development”, Journal of Travel Re-search, 31(4), pp. 27-33.

Allen, Lawrence, Patrick Young, Richard Pedue, Scott Kiselbach (1988), “The Impact of Tourism

Development on Residents Perceptions of community life”, Journal of Travel Research, 27(1), pp. 16-21.

Álvarez, Angéles, Martha Tablada, Diana Oliva (2011), “Migración y ecoturismo en la Reserva de la

Biosfera de Los Tuxtlas (México)”, Pasos – Revista de Turismo y Património Cultural, 9(2), pp. 383-396.

Alves, Maria (2009), Avaliação e Qualidade das Organizações, Escolar Editora. Lisboa.

328

Alves, Maria (2011), “Reflexões Sobre a Pesquisa Qualitativa Aplicada ao Turismo”, Turismo em Análise,

22(3), São Paulo, USP.

Amaro, Rogério (2003), “Desenvolvimento – conceito ultrapassado ou em renovação? - da teoria à prática e

da prática à teoria. Desenvolvimento e Saúde em África”, Cadernos de Estudos Africanos, Nº4

Janeiro/Julho, Lisboa, ISCTE.

Amirou, Rachid (2007), “Imaginário turístico e sociabilidades de viagem”, Estratégias Criativas, Associação

Portuguesa de Turismologia.

Andereck, Kathleen, Christine Vogt (2000), “The relationship between residents’ attitudes toward tourism

and tourism development options”, Journal of Travel Research, 39(1), pp. 27-36.

Andriotis, Konstantinos (2003), The Tourism Life Cycle: An Overview of the Cretan Case, Conference on

Tourism Development and Planning, Patras, Greece. Disponível a 12/09/2011 no

sítio:http://tour.teipat.gr/Files/Synedrio/Conference%20Articles/Andriotis_paper%5B1%5D.pdf

Andriotis, Konstantinos (2005), “Community Groups’ Perceptions of and Preferences to Tourism

Development. Evidence from Crete”, Journal of Hospitality and Tourism Research, 29(1), pp. 67-90.

Andriotis, Konstantinos (2008), “Integrated resort development: The case of Cavo Sidero, Crete”, Journal of

Sustainable Tourism, 16(4), pp. 428-444.

Ap, John (1990), “Residents Perceptions Research on the Social Impacts of Tourism”, Annals of Tourism

Research, 17(4), pp. 610-616.

Ap, John (1992), “Residents perceptions of tourism impacts”, Annals of Tourism Research, 19(4), pp. 665-

90.

Ap, John, John Crompton (1993), “Residents' Strategies for Responding to Tourism Impacts”, Journal of

Travel Research, 32(1), pp. 47-50 .

Ap, John, John Crompton, J. (1998). Developing and Testing a Tourism Impact Scale. Journal of Travel

Research, 37 (2), pp. 120 – 130.

Araújo, Pala (2006), A Capacitação para o Desenvolvimento das ONGD Portuguesas, Dissertação de

Mestrado, Universidade Aberta.

Aref, Fariborz, Ma'rof Redzuan (2009), “Community Learders' Perceptions toward Tourism Impacts and

Level of Community Capacity Building in Tourism Development”, Journal of Sustainable Development,

2(3), 208-213.

Ashley, Caroline, Dilys Roe (1998), “Enhancing Community Involvement in Wildlife Tourism: Issues and

329

Challenges”, Wildlife and Development Series, 11, International Institute of Environment and

Development, London.

Assante, Lisa, Hsing Wen, Kimberly Lottig (2006), “An empirical assessment of residents’ attitudes for

sustainable tourism development: a case study of O‘ahu, Hawai‘i”, Journal of Sustainability and Green

Business, Disponível no sítio: http://www.aabri.com/manuscripts/10602.pdf

Ateljevic, Irena (2011), “Transmodern Critical Tourism Studies: a call for hope and transformation”, Turismo

em Análise, 22(3), pp. 497-515, USB, São Paulo.

Ateljevic, Irena, Annette Pritchard, Nigel Morgan (2007), The Critical Turn in Tourism Studies: Innovative

Methodologies, Oxford, Elsevier.

Ateljevic, Irena, Candice Harris, Erica Wilson, Francis Collins, (2005), “Getting 'Entangled': reflexivity and

the “critical turn”in tourism studies”, Tourism Recreation Research, 30(2), pp. 9–21.

Atkinson, Paul (2005) “Qualitative Research – Unity and Diversity”, Social Research, 6(3), pp. 1-15.

Azarya, Victor (2004), “Globalization and International Tourism in Developing Countries: marginality as a

commercial commodity”, Current Sociology, 52(6), pp. 949-967.

Bacal, Sara (2003), Lazer e o universo dos possíveis, São Paulo, Aleph.

Bates, Ernest (1911), Touring in 1600: A Study in the Development of Travel as a Means of Education ,

London, Constable.

Baudrillard, Jean (1995) A Sociedade de Consumo, Lisboa/Portugal, Edições 70.

Brito, Brígida (2000), “O Turista e o Viajante: Contributos para a conceptualização do Turismo alternativo e

Responsável”, Actas do IV Congresso Português de Sociologia - Sociedade Portugesa: Passados

Recentes, Futuros Próximos, 17-19 de Abril de 2000, Universidade de Coimbra, Coimbra

Bardin, Laurence (1979), Análise de Conteúdo, Edições 70m Lisboa.

Barreto, Margarita (2003), “O Imprescindível Aporte das Ciências Sociais para o Planeamento e

Compreensão do Turismo”, Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, 9(20), pp. 15-29.

Barreto, Margarita (2004), “Relações entre visitantes e visitados: um retrospecto dos estudos sócio

antropológicos”, Revista Turismo em Análise, 15(2), pp. 133-149.

Barreto, Margarita, Santos, Rafael (2005), “Fazer Científico em Turismo no Brasil e seu Reflexo nas

Publicações”, Turismo - Visão e Ação, 7(2), pp. 357 – 364.

Beamont, Narelle, Dianne Dredge (2010), “Local tourism governance: a comparison of three network

330

approaches”, Journal of Sustainable Tourism, 18(1), pp. 7-28.

Beck, Ulrich, (2001), “Redefining Power in the Global Age: Eight Theses”, Dissent, Fall 2001, pp. 83-89.

Becker, Howard (1996). “The Epistemology of Qualitative Research”, Jessor, Richard, Anne Colby, Richard

Schweeder, Ethnography and Human Development - Context and Meaning in Social Inquiry, pp. 53-69.

Belisle, Francois, Don Hoy (1980). “The Perceived Impact of Tourism by Residents: A Case Study in Santa

Marta, Colombia”, Annals of Tourism Research, 7(1), pp. 83-101.

Beni, Mario (2001), Análise Estrutural do Turismo, Quinta edição, Editora Senac, São Paulo.

Beni, Mario (2006), “Política e Planejamento Estratégico no Desenvolvimento Sustentável do Turismo”,

Turismo em Análise, 17(1), USB, São Paulo.

Berg, Bruce (2000), Qualitative Research Methods for the Social Sciences, 4ª Edition, Allyn and Bacon,

London.

Bertram, Geoffrey (1986), “'Sustainable development' in Pacific micro-economies”, World Development,

14(7), pp. 809–22.

Bertram, Geoffrey, R. Watters (1986), “‘The MIRAB process: Earlier analyses in context’”, Pacific

Viewpoint, 27(1), pp. 47–59.

Bertram, Geoffrey (1999), ‘The MIRAB model twelve years on.’ The Contemporary Pacific, 11, 1. pp. 105–

38.

Birch, David, Gene Dayton (1994), “Mapping Spaces - A Research Note on Perspective”, Social Semiotics,

4(1-2), pp. 1-7.

Boissevain, Jeremy (1979), “The Impact of tourism on a dependent island: Gozo, Malta”, Annals of Tourism

Research, 6(1), pp.76-90.

Boorstin, Daniel (1961) The Image: A Guide to Pseudo-Events in America, New York: Atheneum.

Boullón, Roberto (2002) Planejamento do espaço turístico, Bauru, EDUSC.

Boyer, Marc (2000), “Histoire de l'invention du Tourisme”, BITS information, Juiellet/Août, Septembre,

1996.

Brannen, Julia (2006), Mixed Methods Research: A discussion paper, ESRC National Centre for Research

Methods, Methods Review Paper.

Breakey, Noreen (2005), Tourism Destination Development – Beyond Butler, Doctoral Thesis on Philosophy

at the University of Queensland.

331

Brida, Juan, Pablo Monterubbianesi, Sandra Zapata-Aguierre (2011), “Impactos del Turismo sobre el

Crecimiento económico y el desarrollo. El caso de los principales destinos turísticos de Colombia”. Pasos

– Revista de Turismo y Património Cultural, 9(2), pp. 291-303.

Broad Robin, John Cavanagh (2006), “The Hijacking of the Development Debate: How Friedman and Sachs

Got it Wrong”, World Policy Journal, 3, pp. 231-242.

Brougham, J., Butler, R. (1981), “A segmentation analysis of resident attitudes to social impacts of tourism”,

Annals of Tourism Research, 7 (4), pp. 569-90.

Brown, G., R. Giles (1994), “Resident responses to the social impact of tourism”, Seaton, et al. (Ed.),

Tourism: A state of the art, pp. 755–764, Chichester, Wiley.

Bruhns, Heloisa (1997), “Turismo e Lazer: Viajando Com Personagens”, Teresa Luchiari (Org.), Turismo e

Meio Ambiente, 1ºed.Campinas, SP, IFCH /UNICAMP Textos didáticos 31(2).

Bruner, Edward (1991), “Transformation of Self in Tourism”, Annals of Tourism Research, 18, pp. 238-250.

Brunt, Paul, Paul Courtney (1999), Host Perceptions of Sociocultural Impacts, Annals of Tourism Research,

26(3), pp. 493-515.

Bryman, Alan (2007), “Barriers to integrating quantitative and qualitative research”, Journal of Mixed

Methods Research, 1, pp. 1-18.

Bryman, Alan (2004), Social Research Methods, Revised edition, Oxford University Press.

Bujosa, Angel, Jaume Nadal (2007), “Attitudes Toward Tourism and Tourism Congestion”, Revista Région et

Développement, 25, Disponível no sítio: http://region-developpement.univ-tln.fr/fr/pdf/R25/Bujosa-

Nadal.pdf

Burns, Peter (1999) An Introduction to Tourism and Anthropology, London, Routledge.

Burns, Tom, Philippe DeVille (2003), “The Three faces of the coin: a socio-economic approach to the

institution of money”, EJESS, 16(2), pp. 149-195.

Burns, Georgette (2004) “Anthropology and tourism: Past contributions and futures theoretical challenges”,

Anthropological Forum, 14(1), pp. 5-22.

Burns, Tom, Christian Stöhr (2010), “Power, Knowledge, and Conflict in the Shaping if Commons

Governance – The case of EU Baltic Fisheries”, International Journal of the Commons, 5(2), pp.233-258.

Brayley, Russ, Turgut Vas, Pauline Sheldon (1990), “Perceived influence of tourism on social issues”, Annals

of Tourism Research, 17 (2), pp. 284-289.

332

Brudtland Report (1987), Our Common Future, Oxford University Press.

Butler, Richard (1980), “The Concept of the Tourist Area Cycle of Evolution: Implications for Management

of Resources”, Canadian Geographer, 24(1), pp. 5-12.

Butler, Richard (1980b), “The social implications of tourist developments”, Annals of Tourism Research,

2(2), pp. 100-111.

Camargo, Luiz (2003) “Os domínios da hospitalidade”, Hospitalidade: cenários e oportunidade, Dencker,

A., Bueno, M. (Org), São Paulo, Pioneira Thomson Learning.

Candiotto, Luca (2007), Turismo rural na agricultura familiar: urna abordagem geográfica do Circuito

Italiano de Turismo Rural, município de Colombo — PR, Tese de Doutoramento em Geografia,

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

Candiotto, Luca (2009), “Considerações sobre o conceito de Turismo Sustentável”, Revista Formação, 16(1),

pp. 48-59.

Capelle, Mônica, Marlene Melo, Carlos Gonçalves (2003), “Análise de discurso nas ciências sociais”,

Revista UFLA, 6(1).

Carmichael, Barbara (2000), “A matrix model for resident attitudes and behaviours in a rapidly changing

tourist area”, Tourism Management, 21(6), pp. 601-611.

Carmichael, Barbara, Donald Peppard, Frances Bourdreau (1996), “Mega-resort on my doorstep: Local

residents' attitudes toward Foxwood Casino and Casino Gambling on nearby Indian Reservation Land”,

Journal of Travel Research, 34(3), pp. 9-16.

Carvalho, H., Nolasco, M. (2008), “Um Passo a Frente e Você não está mais no Mesmo Lugar: turismo e

modificação ambiental”, Revista História Ambiental & Turismo, 4(1).

Carvalho, Pedro (2009), A Imagem de um Destino Turístico Cultural: o caso do alto douro vinhateiro,

património da humanidade, Universidade Fernando Pessoa.

Casanova, José (1991), “Turismo e Território – alguns apontamentos”, Sociedade e Território, 13, pp. 33-38.

Casson, Lionel (1974), Travel in the Ancient World, London, Allen and Urwin.

Cater, Erlet (1987), “Tourism in the least developed countries”, Annals of Tourism Research, 14(2), pp. 202-

226.

Cavus, Senol, Abdullah Tanrisevdi (2002), “Resident Attitudes towards Tourism: A Case Study of Kusa-dasi,

Turkey”, Tourism Analysis, 7(3-4), pp. 259-268.

333

Centeno, Rogelio (1992), Metodologia de la investigación aplicada al turismo, México, Trillas.

Chapman, R. (2007), “Sustainability and Tourism”, Geodate, 20(2), Warringal Publications, Sydney.

Chen, Chih-Chien, Deepak Chhabra, Kevin Tatsugawa (2004), “Resident Perception of the Effect of Tourism

A Case Study”, e-Review of Tourism Research (eRTR), 2(4), pp. 82-87.

Cheong, So-min, Marc Miller (2000), “Power and Tourism – A Foucauldian Observation”, Annals of Tourism

Research, 27(2), pp. 371-390.

Choi, Hwan, Erkan Sarakaya (2006), “Sustainability indicators for managing community tourism”, Tourism

Management, 27 (6), pp. 1274-1289.

Clarke, Jackie (1997), “A framework of approaches to sustainable tourism”, Journal of Sustainable Tourism,

5(3), pp. 224–33.

Clog, Clifford (1992), “The Impact of Sociological Methodology on Statistical Methodology”, Statistical

Science, 7(2) pp. 7-103.

Cochrane, Alan, Kathy Pain (2000), “A globalizing society”, Held (Ed.), A globalizing world? culture,

economics and politics, London, Routledge.

Coelho, Júlio (2007), “Um Índice de Desenvolvimento Turístico Baseado no Ciclo de Vida de Um Destino

Turístico: Uma Abordagem Teórica”, IX Reunión Económica Mundial – Madrid / 2007, 26 e 27 de Abril

(Acta de Congresso).

Cohen, Erik (1971), “Arab Boys and Tourist Girls in a Mixed Jewish-Arab Community”, International

Journal of Comparative Sociology, 12, pp. 217-233.

Cohen, Erik (1972), “Towards a Sociology of International Tourism”, Social Research, 39(1), pp. 164-182.

Cohen, Erik (1974), “Who is a tourist?: A Conceptual Clarification”, The Sociological Review, 22(4): pp.

527-555.

Cohen, Erik (1979), “A phenomonology of tourist experiences”, Sociology, 13, pp. 179-202.

Cohen, Erik (1984), “The Sociology of Tourism: Approaches, Issues, and Findings”, Ann. Rev. Sociol, 10, pp.

373-389.

Cohen, Erik (1988), “Traditions in the Qualitative Sociology of Tourism”, Annals of Tourism Research, 15,

pp. 29-45.

Cohen, Erik (2007), “Authenticity in tourism studies: Après la lutte.”, Tourism Recreating Research, 32 (2),

pp. 75-82.

334

Coccossis, Harry, Mary Constantoglu (2008), “The Use of Typologies in Tourism Planning: Problems and

Conflicts”, 46th Congress of the European Regional Science Association (ERSA) Enlargement, Southern

Europe and the Medierranean, August 30th 2006.

Cole, Stroma (2007), “Beyond Authenticity and Commodification”, Annals of Tourism Research, 34(4), pp.

943-960.

Cole, Stroma (2008), “Living in Hope: tourism and poverty alleviation in Flores?”, Tourism Development,

Burns, Novelli, Chapter 16, pp. 272-287, University of West England, Bristol.

Comic, Dorde (1989), “Tourism as a Subject of Philosophical Reflection”, Revue de Tourism, 44(2), pp. 6-

12.

Coppock, Terry (1977), Second Homes: Curse or blessing?, Oxford, Pergamon Press.

Cooke, Karen (1982), “Guidelines for Socially Appropriate Tourim Development in British Columbia”,

Hospitaity, Leisure, Sport & Tourism, 21(1), pp. 22-28.

Cooper, Chris (2002), “Sustainability and Tourism Visions”, VII Congreso Internacional del CLAD sobre la

Reforma del Estado y de la Administración Pública, Lisboa.

Cooper, Chris, Terry De Lacy, Leo Jago (2006), Development of a scale to assess the social impact of

tourism within communities, The Sustainable Tourism Cooperative Research Centre (STCRC), Fredline,

Australia.

Crick, Malcom (1989), “Representations of International Tourism in the Social Sciences: Sun, Sex, Sights,

Savings, and Servility”, Annual Review of Anthropology, 18, pp 44-307.

Crompton, J. (1990), Tourism Research: Redirections of the Nineties, Closing address presented at the

outdoor recreation trends symposium III in Indianapolis.

Cuervo, Raimundo (1967), El turismo como medio de comunicación humana, México: Departamento de

Turismo do Governo de México.

Cunha, Licínio (2009[2001]), Introdução ao Turismo, Editorial Verbo, Lisboa.

Cunha, Licínio (2010), A Definição e o Âmbito do Turismo: um aprofundamento necessário, ReCiL -

Repositório Científico Lusófona.

Cuter, Julio, Rolney Baptestone (2010), “Desenvolvimento Econômico, Turismo, Cultura e Hospitalidade:

uma análise de município de Santana do Paranaíba/SP”, Revista Patrimônio: Lazer & Turismo, 7(11), pp.

99-115.

335

D'Amore, L. (1983), “Guidelines to planning harmony with the host community”, Tourism in Canada:

Selected Issues and Options, pp. 135-159.

D'Arms, John (1970), Romans on the bay of Naples. A Social and Cultural Study of the Villas and Their

Owners from 150BC to AD400, Cambrige MA, Harvard University.

Lorena, Maria (2009), Turismo em Cabo Verde: um estudo exploratório, Tese de Mestrado Universidade de

Lisboa- Instituto de Ciências Sociais, Lisboa.

Dann, Graham (1996), The Language of Tourism: a sociolinguistic perspective, UK, CAB International.

Dann, Graham, Cohen, Eric (1991), “Sociology and Tourism”, Annals of Tourism Research, 18, pp. 69-155.

Dann, Graham, Cohen, Eric (2002), “Sociology of tourism”, Apostolopoulos, Leivadi, Yiannakis (ed.) The

Sociology of Tourism. Theoretical and empirical investigations, Routledge, London, pp. 301-314.

Dann, Graham, Dennison Nash, Philip Pearce (1988), “Methodology in Tourism Research”, Annals of

Tourism Research 18, pp. 115-169.

De Man, Reinier, Tom Burns (2006), “Sustainability: Supply chains, partner linkages, and new forms of self-

regulation”, Human Systems Management, 25, pp. 1-12.

Delamere, Thomas, Thomas Hinch. (1994), “Community festivals: Celebration or sellout?”, Recreation

Canada, 52(1), pp. 26-29.

DeKadt, Emmanuel (1979), Tourism: A Passport to Development?, New York, Oxford University Press.

Denzin, Norman, Yvonna Lincoln (2000), Handbook of Qualitative Research, Tousand Oaks, Sage.

Dieke, P. (2000), “Developing Tourism in Africa: Issues for Policy Consideration”, DPMN Bulletin, 7(1), pp.

25-31.

Dogan, Hasan (1989), “Forms of adjustment: sociocultural impacts of tourism”, Annals of Tourism Research,

16(2), pp. 223-239.

Dollar, David, Aart Kraay (2002), “Growth is Good for the Poor”, Journal of Economic Growth, 7, pp. 195-

225.

Doxey, George (1975), “A causation theory of visitor-resident irritants methodology and research

inferences”, Sixth Annual Conference, Proceedings of Travel Research Association, 32, pp. 29-34.

Doxey, George (1976), “When enough’s enough: the natives and residents in old Niagra”, Heritage Canada,

2(2): 26-27.

Duffield, Brian, Jonathan Long (1981), “Tourism in the Highlands of Scotland Rewards and Conflicts”,

336

Annals of Tourism Research, 8(3), pp. 403-431.

Dumzedier, Joffre (1973), Lazer e Cultura Popular, São Paulo, Perspetiva.

Duran, Citlalin (2013), Governance for the Tourism Sector and its Measurement, UNWTO Statistics and

TSA Issue Paper Series STSA/IP/2013/01 (Online).

Durbin, Joanna, Jonny Ralambo (1994), “The Role of Local People in the Successful Maintenance of

Protected Areas in Madagascar”, Environment Conservation, 21(2), pp. 115-120.

Dyer, Pam, Dogan Gursoy, Bishnu Sharma, Jennifer Carter (2007), “Structural modeling of resident

perceptions of tourism and associated development on the Sunshine Coast”, Australia. Tourism

Management, 28(2), pp. 409-422.

Echtner, Charlotte, Tazim Jamal (1997), “The Disciplinary Dilemma of Tourism Studies”, Annals of Tourism

Research, 23 (3), pp. 563-575.

EDTCV (2009), Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo em Cabo Verde 2010/2013 ,

Disponível em: https://portoncv.gov.cv/dhub/porton.por_global.open_file?p_doc_id=763

Eisenstadt, Shmuel (2000), “Multiple Modernities”, Daedalus, 129, pp. 1–29.

Escobar, Arturo (1995), “Imagining a Post-Development Era”, Crush, Power of Development, London,

Social Movements, pp. 211-227.

Esman, Marjorie (1984), “Tourism as ethnic preservation: The Cajuns of Louisiana”, Annals of Tourism

Research, 11(3), pp. 451–467.

Evans, Nancy (1976), “Tourism and Cross Cultural Communication”, Annals of Tourism Research, 3(4), pp.

189-198.

Faulkner, Bill, Carmen Tideswell (1997), “A Framework for Monitoring Community Impacts of Tourism”,

Journal of Sustainable Tourism, 5(1), pp. 3-28.

Faulkenberry, Lisa, John Coggeshall, Kenneth Backman, Sheila Backman (2000), “A Culture of Servitude:

The Impact of Tourism and Development on South Carolina’s Coast”, Human Organization, 59(1), pp.

86-95.

Farrel, Bryan, Louise Twining-Ward (2004), “Reconceptualizing Tourism”, Annals of Tourism Research,

31(2), pp. 274-295.

Featherstone, Mike (1991), “Consumer Culture & Postmodernism”, Theory, Culture & Society, Sage

Publications, London.

337

Featherstone, Mike (1995), “Undoing Culture – Globalization, Postmodernism and identity”, Theory,

Culture & Society, Sage Publications, London.

Fernandes, Ana (2004), Cooperação para o Desenvolvimento, Ficha Formativa nº2. Disponível em

http://www.plataformaONGD.pt

Fernandes, Carlos, Charlotte Rassing (2000), “Measuring Sustainable Tourism Development in Remote

Rural Communities of Europe”, 6th World Leisure Congress “Leisure and Human Development,

Research Thematic Area.

Ferreira, Luís (2005), “Estudo Analítico das Variáveis da Macro Envolvente de uma Destino Turístico”,

Revista de Estudos Politécnicos, 2(4), pp. 135-147.

Fielding, Nigel, Margrit Schreier (2001), “Introduction: On the Compatibility between Qualitative and

Quantitative Research Methods”, Academic Journal, 2(1).

Filho, João (2004), “Ensaio Sociológico sobre o Fenômeno do Lazer em Karl Marx e Paul Lafargue”,

Turismo em Análise, 15(12), pp. 150-165, USB, São Paulo-

Finkelstein, Lawrence (1995), “What is Global Governance”, Global Governance, 1, pp. 367-372.

Foddy, William (1996), Como Perguntar. Teoria e Prática da construção de perguntas em entrevistas e

questionários, Oeiras, Celta.

Fortuna, Carlos, Claudio Ferreira (1996), “O Turismo, o Turista e a (Pós)Modernidade”, Oficina do CES,

9(80), Coimbra.

Foucault, Michel (1975), The Birth of the Clinic: An Archaeology of Medical Perception, New York, Vintage.

Foucault, Michel (1977), Discipline and Punish, London, Allen Lane.

Francesch, Alfredo (2011), “Una tarde com los auténticos maasai mara. Turismo, autenticidad y de cómo

eludir un pozo sin fondo”, Pasos – Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, 9(2), pp. 237-248.

Franklin, Adrian, Mike Crang(2001), “The Trouble with Tourism and Travel Theory”, Tourist Studies,1(1):

pp. 5-22.

Freitag, Tilman (1994), “Enclave Tourism Development for Whom the Benefits Roll?”, Annals of Tourism

Research, 21(3), pp. 538-554.

Freitas, Henrique (2000), “Análise de dados qualitativos: aplicações e as tendências mundias em Sistemas de

Informação”, Revista de Administração da USP, 35(4), pp. 84-102.

Friedlander, Ludwig (1965), “Roman Life and Manners Under the Early Empire”, Magnus (1997) Teoria y

338

Tecnica del Turismo, 2º Ed., Madrid, Nacional.

Friedman, John (1996), Empowerment – Uma política de desenvolvimento alternativo, Oeiras, Editora Celta.

Fuster, Luis (1970), Teoria y Tecnica del Turismo, 2ª ed., Madrid, Nacional.

Gee, Chuck, Dexter Choy, James Makens (1984), The Travel Indstry, Westport, AVI Pub.

George, Wanda (2002), “Tourism, Globalization and Sustainable Development: are these contravening

concepts?”, Tenth Canadian Congress on Leisure Research, University of Alberta.

Getz, Donald (1986), “Models in tourism planning – towards integration of theory and practice”, Tourism

Management, Butterworth & Co.

Getz, Donald (1992), “Tourism Planning and Destination Life Cycle”, Annals of Tourism Research, 19, pp.

752-770, Pergamon Press Ltd.

Getz, Donald (1994), “Residents' attitudes toward tourism: A longitudinal study in Spey Valley, Scotland”,

Tourism Management, 15(4), pp. 247-258.

Giddens, Anthony (1990), The consequences of Modernity, Polity Press, UK.

Giddens, Anthony (2010), Sociologia, 8ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian.

Goeldner, Charles (2000), “Tourism 2000: “Asia Pacific's Role in the New Millennium”, Journal of Travel

Research, 38, pp. 280-281

Goeldner, Charles, Brent Richie, Robert McIntosh (2002), Turismo Princípios, Prática e Filosifia, 8ª Ed.

Porto Alegre, Bookman.

Granero, Arlete, Hélio Filho, Marcelo Barros, Sibele Silva (2008), “O Desenvolvimento do Turismo: uma

visão sistêmica”, Anais do 4º Congresso Brasileiro de Sistemas, Uni-FACEF – Centro Universitário de

Franca, São Paulo.

Graburn, Nelson (1977), “Tourism: The Sacred Journey”, in Hosts and Guests: The Anthropology of

Tourism, Ed. V. L. Smith, pp. 17-31, Philadelphia, University of Pennsylvania Press.

Graburn, Nelson (1989), "Tourism: The Sacred Journey.", Hosts and Guests: The Anthropology of Tourism,

pp. 21-36, 2º ed., Ed. V. L. Smith, Philadelphia, University of Pennsylvania Press.

Graburn, Nelson, Diane Barthel-Bouchier (2002), “Relocating the Tourist”, International Sociology, 16(12),

pp. 147-158.

Greenwood, Ernest (1965), Métodos de Investigação Empírica em Sociologia, Tradução de “Los Métodos de

Investigación Empírica en Sociologia”, 1963, Revista Mexicana de Sociologia, 25(2), pp. 541-574.

339

Greenwood, Davydd (1989) “Culture by the Pound: An Anthropological Perspective on Tourism as Cultural

Commoditization.”, Hosts and Guests: The Anthropology of Tourism, 2º ed., V. L. Smith, Philadelphia,

University of Pennsylvania Press.

Gu, Huimin, Chris Ryan (2008), “Place Attachment, identity and community impacts of tourism: the case of

Beijing Hutong”, Tourism Management, 29(4), pp. 657-647.

Gu, Ming, Poh Poh Wong (2006), “Residents' Perception of Tourism Impacts: A Case Study of Homestay

Operators in Dachangshan Dao, North-East China”, Tourism Geographies: An International Journal of

Tourism Space, Place and Environment, 8(3), pp. 253-273.

Gubba, Egon, Yvonna Lincoln (1994), “Competing paradigms in qualitative research”, Denzin & Lincoln

(Eds.), Handbook of Qualitative Research, pp. 105-117, London, Sage.

Gubrium, Jaber, James Holstein (1997), The New Language of Qualitative Method, Oxford, University of

Oxford Press.

Guimarães, Vera (2008), A Sociologia e os Estudos do Turismo: algumas divagações, V Seminário de

Pesquisa em Turismo do MERCOSUL – SeminTUr – Turismo: Inovações da Pesquisa na América Latina,

Universidade de Caxias do Sul, Rio de Janeiro.

Guerreiro, Maria, Júlio Mendes, Patrícia Valle, João Silva (2008), Análise da Satisfação dos Residentes com

o Turismo: o caso de uma áreadestino no Algarve, Portugal, Revista Turismo em Análise, 19(3), São

Paulo.

Gunn, Clare (1994), Tourism Planning, 3ª Edição, Washington DC, Taylor & Francis.

Gursoy, Dogan, Jurowski, Claudia (2002), “Resident Attitudes in Relation to Distance from Tourist

Attractions”, Annals of Tourism Research, 31(2), pp. 296-312.

Gursoy, Dogan, Claudia Jurowski, Muzzo Uysal (2002b), “Resident Attitudes: A Structural Modeling

Approach”, Annals of Tourism Research, 29(1), pp. 79-105.

Gursoy, Dogan, Denney Rutherford (2004), “Host Attitudes toward tourism: An Improved Structural

Model”, Annals of Tourism Research, 31(3), pp. 495-516.

Gúzman, J., Fernando, L. (2003), “Estado Actual del Conocimiento Teorico Acerca del Desarrollo del

Turismo, Instituto de Investigaciones Turísticas – ULSA, Cancún, México. Disponível no sítio:

http://www2.egi.ua.pt/cursos_2005/files/TAM/Teoria%20del%20Turismo%20ULSA

%20Cancun.pdf

Haley, AJ, Tim Snaith, Graham Miller (2005), “The social impacts of tourism a case study of Bath, UK”,

340

Annals of Tourism Research, 32(3), pp. 647-668.

Hall, Michael (2011), “A typology of governance and its implications for tourism policy analysis”, Journal

of Sustainable Tourism, 19(4), pp. 437-457.

Hammersley, Martyin, Paul Atkinson (1983), “Ethnography and Participant Observation”, Denzin & Lincoln

(1995), Handbook of Qualitative Research, Routledge, London.

Hardy, Anne, Robert Beeton, Leonie Pearson (2002), “Sustainable Tourism: An Overview of the Concept and

its Position in Relation to Conceptualisations of Tourism”, Journal of Sustainable Tourism, 10(6), pp.

476-491.

Harrill, Rich, Thomas Potts (2003), “Tourism Planning in Historic Districts: Attitudes toward Tourism

Development in Charleston”, Journal of the American Planning Association 69(3), pp. 233-244.

Harrill, Rich (2004) Residents’ Attitudes toward Tourism Development: A Litertaure Review with Implica-

tions for Tourism Planning. Journal of Planning Lite-rature 18(3), pp. 215-266.

Heinen, Joel (1993), “Park-People Relation in Koshi Tappu Wildlife Reserve, Nepal”, Environment

Conservation, 20(1), pp. 25-34.

Hester, Randolph (1993), “Sacred structures and everyday life: Ar e t u r n t o M a n t e o , N C ” , Dwelling,

seeing, and designing, S e a mo n , Albany, State University of New York Press.

Hillman, Wendy (2007), “Revisiting the Concept of (Objective) Authenticity”, Conference Paper nº 26,

University of Queensland, Australia.

Hjalager, Anne-Mette (2007), "Stages in the Economic Globalization of Tourism", Annals of Tourism

Research, Vol. 34 (2), pp. 437-457.

Hollinshead, Keith (1993) “Encounters in Tourism”, VNR's Encyclopedia of Hospitality and Tourism, pp.

636-651.

Honggang, Xu (2003) “Massive side effects of cultural tourism development”, Journal Systems Analysis

Modelling Simulation, 43(2), Gordon & Breach Science Publishers, Inc. Newark, USA.

Huh, Chang, Vogt, Christine (2008), “Changes in residents' attitudes toward tourism: A cohort analytical

approach”, Journal of Travel Research, 46(4), pp. 446-456.

Hughes, George (1995) “Authenticity in Tourism”, Annals of Tourism Research, 22, pp. 781-803.

Hunziker, Walter, Krapf, Kurt (1942), Algemeine Fremdeverkehrslehre, Zurique.

Husband, Winston (1989), “Social status and perception of tourism in Zambia”, Annals of Tourism Research,

341

16(2), pp. 239.

Hwansuk, Choi, Erkan Sirakaya (2006), “Sustainability indicators for managing community tourism”,

Tourism Management, 27, pp. 1274-1289.

Ignarra, Luiz (1999), Fundamentos do turismo, São Paulo, Pioneira

IUOTO (1973), “International Travel Statistics”, International Union of Travel Organizations (IUOTO).

Irandu, Evaristus (2004), “The Role of Tourism in the Conservation of cultural Heritage in Kenya”, Asia

Pacific Journal of Tourism Research, 9(2), pp. 50-133.

Jackson, Leonard (2008), “Residents Perception of Special Events Tourism”, Journal of Place Management

and Development, 1(3), pp. 240-255.

Jacobson, Susan (1991), “Resident attitudes about a national park in Sabah, Malaysia”, West e Brechin (Eds.)

Resident Populations and National Parks in Developing Nations: Interdisciplinary perspectives and

policy implications, University of Arizona.

Jafari, Jafar (1990), “Research and Scholarship: The Basis of Tourism Education”, Journal of Tourism

Studies, 1(1), pp. 33–41.

Jafari, Jafar (1994), “La cientifización del turismo”, Estudios y Perspectivas en Turismo, 3(1), pp.7-36.

Jafari, Jafar (2005), “El turismo como disciplina científica: Sociología del Turismo“, Política y Sociedad,

42(1), pp. 39-56.

Jamal, Tazim, Donald Getz (1995), “Collaboration and Community Tourism Planning”, Annals of Tourism

Research, 22(1), pp. 186-204.

Janeira, Ana (1971), “A Técnica de Análise de Conteúdo nas Ciências Sociais: natureza e aplicações”,

Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224260109P6yXY4bm6Vt51JF8.pdf

Joaquim, Graça (1997), “Da identidade à sustentabilidade ou a emergência do 'turismo responsável'”, Revista

Sociologia Problemas e Práticas, 23, pp. 71-100.

Joaquim, Graça (2003) “Turismo Sustentável: O Desafio da Inovação e da Tradição”, TERN 2003

Actas do 1º Encontro de Turismo em Espaços Rurais e Naturais, Escola Superior Agrária de Coimbra.

Johnson, Jerry, David Snepenger (2002), “Resident's Perceptions of Tourism Development Over the Early

Stages of the TALC”, Butler (Ed.) The Tourism Lifecycle: Applications and Modifications, pp. 229-236,

Montana State University, USA.

Jordan, James (1980), “The Summer People and the Natives, some effects of tourism in a Vermont vacation

342

village”, Annals of Tourism Research, 7(1), pp. 34-55.

Jurowski, Claudia (1998), “A Study of Community Sentiments in Relation to Attitudes toward Tourism

Development”, Tourism Analysis, 3(1), pp. 17-24.

Jurowski, Claudia, Dogan Gursoy (2004), Distance effects on residents' attitudes toward tourism, Annals of

Tourism Research, 31(2), pp. 296-304.

Jovicic, Zivodin (1988), “A Plea of Tourismological Theory and Methodology”, Reveuw de Tourisme, 43(3):

pp.-2-5.

Kakazu, Hiroshi (2007) “Sustainable Island Tourism: The Case of Okinawa”, University of the Ryukyus.

Disponível no sítio: http://www.yashinomi.to/pacific/pdf/Kakazu_02.pdf

Kahler, Miles (2004), ”Global Governance Redefined”, The Conference on Globalization, the State, and

Society, Washington University School of Law.

Kassis, Rami (2006), “Turismo de base comunitária como instrumento de redução da pobreza e inclusão

social – O Caso da Palestina”, Silva & Neuchaus (Orgs.), Um Outro Turismo é Possível!, Reflexões sobre

desigualdades, resistências e alternativas no desenvolvimento turístico, Fortaleza, pp. 57-60

Kasper, Josef (1987), “A Ilha da Boa Vista de Cabo Verde”, Junta das Missões Geográphicas e de

Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e Sociais, Imprensa Nacional: Lisboa.

Kaspar, Claude (1981), “Loisirs, Recreation, Tourisme – Une Introduction au theme generale du 31º Congrés

AIEST – Leisure – Recreation – Tourism”, Main papers prepared for the 31º AIEST Annual Congress,

Cardiff.

Kayat, Kalsom (2002), “Power, social exchanges and tourism in Langkawi: rethinking resident perceptions”,

International Journal of Tourism Research, 4(3), pp. 171-191.

Kingsbury, Paul (2005), “Jamaican Tourism and the Politics of enjoyment”, Elsevier – Geoforum, 36, pp.

113-132.

Knebel. Hans (1960), Soziologische Srrukturrzandlungen im modertzen Tourismus, Stuttgart, Enke.

Ko, Dong-Wan, William Stewart (2002), “A structural equation model of residents’ attitudes for of residents’

attitudes for tourism development”, Tourism Management, 23, pp. 521-530.

Kooiman, Jan (1999), “Social-Political Governance”, Public Management Review, 1(1), pp. 67-92.

Konecki, Krzysztof (2008), “Triangulation and Dealing with the Realness of Qualitative Research”,

Qualitative Sociology Review, 4(3), pp. 77-95.

343

Korça, Perver (1998), “Resident Perceptions of Tourism in a Resort Town”, Leisure Sciences: An

Interdisciplinary Journal, 20(3), 193-212.

Korstanje, Maximiliano (2009), “MacCannell en perspectiva: análisis crítico sobre la obra el turista”, Revista

Brasileira de Pesquisa em Turismo, 3(3), pp. 80-111.

Kousis, Maria (1989), “Tourism and the family in a rural Cretan community”, Annals of Tourism Research,

16(3), pp. 318-332.

Krippendorf, Jost (1987), “Ecological Approach to Tourism Marketing”, Tourism Management, 8(2), pp.

174-176.

Krippendorf, Klaus (2004), Content Analysis – Am Introduction to its Methodology, Sage, London.

Lage, Beatriz, Paulo Milone (1998), “Impactos Socioeconômicos do turismo”, Revista de Administração,

33(4) Outubro/Dezembro, pp. 30-44, São Paulo.

Lage, Beatriz, Paulo Milone (2001), Economia do turismo. 7º ed., São Paulo, Atlas.

Langgat, (2011), “The Alteration of Sarawak Ethnic Natives Food: It's Impact to Sarawak State Tourism”, 2º

International Conference on Business and Economic Research (2nd ICBER 2011).

Lankford, Samuel, Dennis Howard (1994), “Developing Tourism Impact Attitude Scale”, Annals of Tourism

Research, 21(1), pp. 121-139.

Lankford, Samuel (1994), “Attitudes and perceptions toward tourism and rural regional development”,

Journal of Travel Research, 32(2), pp. 35-43.

Lash, Soctt, John Urry (1994), Economies of signs & space, London, Sage Publications.

Lawson, R., J. Williams, T. Young, J. Cossens (1998), “A comparison of residents' attitudes towards tourism

in 10 New Zealand destinations”, Tourism Management, 19(3), pp. 247-256.

Lecompte, Margaret, Judith Goetz (1982), “Problems of reliability and validity in ethnographic research”,

Review of Educational Research, 52(1), pp. 31-60.

Leiper, Neil (1979), “The Framework of Tourism: Towards a Definition of Tourism and the Tourist

Industry”, Annals of Tourism Research, 6(4), pp. 390-407.

Leiper, Neil (1990) “Partial Industrialization of Tourism Systems”, Annals of Tourism Research, 17, pp. 600-

605.

Leiper, Neil (2000) “An Emerging Discipline”, Annals of Tourism Research, 27(3), pp. 805-809.

Lélé, Sharachachandra (1991), “Sustainable Develipment: Critical Review”, Corbridge, Development:

344

Critical Concepts in the Social Sciences,Volume VI – Challenges of Development, School of

International Studies, University of Miami, Miami, Routledge.

Lickorish, Leonard, Carson Jenkins (1997), “An Introduction to Travel and Tourism”, Oxford, Butterworth

Heinemann.

Lima (1997), Ilha de Capitães (história e sociedade), Praia, Spleen Edições.

Lima, António (2002), Boavista, Ilha da Morna e do Landú, Instituto Superior da Educação, Praia.

Lincoln, Yvonna, Egon Guba (1985), Naturalistic Inquiry, Newburry Park, Sage.

Lindberg, Kreg, Tommy Andersoon, Benedict Dellaert (2001), “Tourism Development: Assessing Social

Gains and Losses”, Annals of Tourism Research, 28(4), pp. 1010-1030.

Liu, Juanita, Turgur Var (1986) “Resident Attitudes towards Tourism Impacts in Hawaii”, Annals of Tourism

Research 13(2): pp. 193-214.

Lopes, Alba, Dinah Tinôco, Richard Araújo (2012), “Turismo como Vetor de Desenvolvimento Local: um

olhar através das ideias de Theodor Adorno e Max Horkheimer”, Turismo em Análise, 23(1), USB, São

Paulo.

Lopes, Iris, Guilherme Castela, Efigénio Rebelo (2010), “A Evolução da Investigação em Turismo: Uma

Nova Plataforma de Conhecimento?”, Discussion Papers - Spatial and Organizational Dynamics, 3.

Disponível no síto: http://www.cieo.ualg.pt/discussionpapers/3/article4.pdf

Lopes, Luciane (2008), “Os Impacto Socioculturais e o Desenvolvimento do Turismo Paleontológico em

Peirópolis – Minas Gerais”, Centro Universitário de Belo Horizonte, dissertação de mestrado em Turismo

e Meio Ambiente.

Lohmann, Guilherme, Panosso Netto (2012), Teoria do Turismo – Conceitos, Modelos e Sistemas, Editora

ALEPH, São Paulo.

Lu, Jiaying, Michael Schuett, John Jacob, Logan Respss (2008), “Keeping our Charm: residentes, growth,

and quality of life issues in a small but growing Texas coastal”, Proceedings of the 2008 Northeastern

Recreation Research Symposium, 46(6).

Luchiari, Maria (1998), “Urbanização turística – um novo nexo entre o lugar e o mundo”, Lima (Org.), Da

cidade ao campo: a diversidade do saberfazer turístico, Fortaleza, Ed. UECE, pp. 15-29.

Macedo, Raquel, Viviane Medeiros, Francisco Azevedo, Maria Alves (2011), “Ecoturismo de base

comunitária: uma realidade ou uma utopia”, Pasos – Revista de Turismo y Património Cultural, 9(2), pp.

437-448.

345

Malta, Guilherme (2011), Turismo e Desenvolvimento: análise de uma complexa relação considerando as

abordagens e concepções presentes na literatura do turismo. Tese de Doutoramento, Universidade

Federal de Minas Gerais - Departamento de Geografia, Minas Gerais, Brasil.

Magalhães, Leandro (2008) “Discussão crítica acerca do turismo numa perspectiva materialista histórica”,

Caderno Virtual de Turismo (UFRJ), 8, pp. 95-104.

Martinelli, Alberto (2005), “From world system to world society?”, Journal of World-Systems Research, XI

(2), pp. 241-260.

Martins, Heloisa (2004), “Metodologia Qualitativa de Pesquisa”, Pesquisa Sociológica e Metodologia

Qualitativa, Educação e Pesquisa, 30(2), pp. 287-298.

Marujo, Maria, Paulo Carvalho (2010), “Turismo, Planeamento e Desenvolvimento Sustentável”, Revista

Turismo & Sociedade, 3(2), pp.147-161, Outubro, Curitiba.

Mathieson, Alister, Geoffrey Wall (1982), Tourism Economic Physical and Social Impacts, Longman,

England.

Matthews, Harry (1983), “On Tourism and Political Science”, Annals of Tourism Research, 10, pp. 303-306.

MacCannell, Dean (1973), ‘Staged Authenticity: Arrangements of Social Space in Tourist Settings’,

American Journal of Sociology, 79(3), pp. 589-603.

MacCannell, Dean (1976), The Tourist: A New Theory of the Leisure Class, Schocken Books Inc., Nework.

Mead, William (1914), The Grand Tour in the Eighteenth Century. New York: Houghton Miffin.

McCool, Stephen, Steven Martin (1994), “Community Attachment and Attitudes toward Tourism

Development”, Journal of Travel Research 32(2), pp. 29-34.

McGehee, Nancy, Kathleen Andereck, Christine Vogt (2001), A Examination of Factors Influencing Resident

Attitudes Toward Tourism in Twelve Arizona Communities. Journal of Planning Literature, 4(18), pp.251-

266.

McCool, Stephen, Steven Martin (1994), “Community attachment and attitudes toward tourism

development”, Journal of Travel Research, 32(3), pp. 29-34.

McIntosh, Robert, Charles Goeldner, Brent Ritchie (1995), Tourism, Principles, Practices, Philosophies, 7º

Edition, John Wiley & Sons, Inc New York.

MacCannell, Dean (1976), The Tourist: A New Theory of the Leisure Class, New York, Schocken Books

MacCannell, Dean (2001), “Tourist Agency”, Tourist Studies, 1(1), pp. 23-37, Sage Publications, London

346

Madrigal, Robert (1993), “A Tale of Tourism in Two Cities”, Annals of Tourism Research, 20(2), pp. 336-

353.

Magalhães, Dulce (1991), “A Sociedade perante o Lazer”, Revista da Faculdade de Letras da Universidade

do Porto, 1(1), pp.165, Porto.

Marcelino, Nelson (1996), “Estudos do Lazer - uma introdução”, Coleção educação física e esportes,

Campinas/SP, Autores Associados.

Marciniak, Lucas (2005), “Qualitative Understanding and Variety of Qualitative Approaches”, Qualitative

Sociology Review, 1(2).

Mason, Jennifer (1996), “Linking Qualitative and Quantitative Data Analysis”, Bryman & Burgess,

Analyzing Qualitative Data, Routledge, London.

Mauss, Marcell (1974), “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”, Sociologia

e Antropologia, São Paulo, EPU/Edusp.

Mercer, Claire, Giles Mohan, Marcus Power (2003), “Towards a critical political geography of African

Development”, Geoforum, 34(4), pp. 419-436.

Milando, João (2005), Cooperação Sem Desenvolvimento, Colecção Estudos e Investigações, nº 39, Lisboa:

Imprensa de Ciências Sociais.

Milman,, Ady, Abraham Pizam (1988), “Social impact of tourism on Central Florida”, Annals of Tourism

Research, 15 (2), pp. 191-204.

Mill, Robert, Alastair Morrison (1999), The Tourism System: An Introductory Text, 3rd Edition, Kendall/

Hunt Publishing Company, Iowa.

Minayo, Maria (2000), O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde, 7ª Edição, São Paulo:

Hucitec.

Mitchell, Stephanie, Jerome McElroy (2011), Emigrant and Immigrant Small-Island Profiles, Bank of

Valletta Review, 43, Spring.

Mitchell, Ross, Paul Eagles (2001) An Integrative Approach to Tourism: Lessons from the Andes of Peru,

Journal of Sustainable Tourism, 9(1), pp. 4-28.

Mitford, Nancy (1959) “The Tourist”, Encounter, 13(3), pp. 3-7.

Moesch, Marutschka (2000), A produção do saber turístico, São Paulo, Contexto.

Moesch, Marutschka (2002), A produção do saber turístico, São Paulo, Contexto, 2002.

347

Mohul, Elif (2009), Impacts of Educational Tourism on the Residents of Famagusta. Dissertação de

Mestrado, Eastern Mediterranean University, Cyprus.

Monterrubio, Juan, Gregory Gullette, Marivel Mendonza-Ontiveros, María Fernández, Ana Luque (2012),

“Social Impacts of Tourism as Perceived by State-planned Tourism Destination Residents: the case of

Huatulco, Mexico”, International Journal of Tourism Anthropology, 2(1), pp. 34-52.

Mouzelis, Nicos (2008), Modern and Postmodern Social Theorizing – Briging the Divide. Cambrige

University Press, Cambrige.

Mowforth, Martin, Ian Munt (2003), Tourism and Sustainability, 2º edition, London, Routledge.

Mulley, Sarah (2008), “Global Governance, From Poverty to Power”, Policy & Practice, Oxfam.

Mustafa, Mairna (2010), “Tourism and Globalization in the Arab World”, International Journal of Business

and Social Science, 1(1).

Murphy, Peter (1980), “Tourism Management in host communities”, Canadian Geographer, 24, pp. 1-4.

Murphy, Peter (1983), “Perceptions and attitudes of decision-making groups in tourism centers”, Journal of

Travel Research, 21(3), pp. 8-12.

Murphy, Peter (1985), Tourism: A community Approach, New York, Routledge.

Muñiz, Diego, José Brea (2011), “Gestión proactiva de crisis en el turismo: una experiencia de estudio en

Galicia”, Pasos – Revista de Turismo y Património Cultural, 9(2), pp. 279-289.

Munslow, B., C. Brown (1999), Complex Emergencies: The Institucional Impasse”, Third World Quarterly,

20(1), pp. 207-222.

Munt, Ian (1994), “The other post-modern tourism: culture, travel and the new middle class”, Theory,

Culture and Society, 11(3), pp. 101-123.

Nash, Denison (1989), “Tourism as a form of imperialism”, Hosts and guests: The anthropology of tourism.

2nd Ed. V. Smith (Ed. ), pp. 37-52, Philadelphia, University of Pennsylvania Press.

Nash, Denison (1996), “On Anthropologists and Tourists”, Annals of Tourism Research, 23(3), pp. 691-694.

Nash, Denison, Valene Smith (1991), “Anthropology and Tourism”, Annals of Tourism Research, nº 18, pp.

12-25.

Nechar, Marcelino (2011), “Epistemologia crítica del turismo ?qué es eso?”, Turismo em Análise, 22(3), São

Paulo.

Nechar, Marcelino, Alexandre Netto (2011), “Implicações Epistemológicas na Investigação Turística”,

348

Revista Estudios y Perspectivas en Turismo, 20, pp. 384-403.

Netto, Alexad, Félix Noguero, Margaret Jäger (2011), “Por uma visão crítica dos Estudos Turísticos”,

Turismo em Análise, 22(3), São Paulo.

Neves, José (2010), “Estado da Nação – Construindo a Prosperidade para Todos”, Discurso do Estado da

Nação na Assembleia Nacional. Disponível no sítio:

http://www.governo.cv/documents/Estado_da_Nacao.pdf.

Nichols, Leland (1976) “Tourism and Crime”, Annals of Tourism research, 3, pp. 81-176.

Northcote, Jeremy, Jim Macbeth (2005), “Conceptualizing yield: Sustainable Tourism Management”, Annals

of Tourism Research, 33(1), pp. 199-220.

Nowak, Jacques, Mondher Sahli (2010), “Tourism: a risk for developing countries?”, Private Sector

Development, 7, pp. 11-13.

Nunkoo, Robin, Haywantee Ramkissoon (2009), “Community Support for an Integrated Resort Project”, E-

Journal Nº 2552. Disponível no sítio: http://www.ttresearch.org/home/images/2552_1/04.pdf

Okecha, Roselyne, Mercy Mwagona (2007), “Tourism Contribution in Local Economies: Focus on Poverty

Rediction in Kenya”, 4th

IPTT African Conference on Peace Through Tourism, Disponível em:

http://www.iipt.org/africa2007/PDFs/Roselyne.pdf

Oliveira, Händel (1973), Cabo Verde – 72 – ano quinto de seca, Lisboa.

Oliveira, Orlando (2009), Turismo, Cultura e Meio Ambiente: Estudo de Caso da Lagoa do Abaeté em

Salvador – Bahia. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília – Centro de Desenvolvimento

Sustentável.

Olsen, Kjell (2007), “Staged Authenticity: A Grande Idée?”, Tourism Recreation Research, 32(2), pp. 83-85.

OMT – Organização Mundial de Turismo (1995), Concepts, Definitions et classifications pour les

Statistiques du Tourisme, Mannuel Technique.

OMT - Organização Mundial do Turismo (1997), Lo que todo gestor turístico debe saber – guia práctica

para el desarollo y uso de indicadores de turismo sostenible. Madrid, OMT.

OMT – Organização Mundial de Turismo (1999), Conta Satélite do Turismo, Quadro Conceptual, Madrid.

Ostrom, Elinor (2009), Beyond Markets and States: Polycentric Governance of Complex Economic Systems,

Nobel lecture.

349

Ouriques, Helton (2008), “Elementos para uma crítica do turismo na economia-mundo capitalista”, II

Colóquio Brasileiro em Economia Política dos Sistemas-Mundo, Florianópolis.

Oviedo-García, Angeles, Mario Castellano-Verdugo, David Martín-Ruiz. (2008), Gaining residents’ support

for tourism and planning, International Journal of Tourism Research, 10(2), pp. 95-109.

Padilla, Aart (2004) “The Three Cs of Caribbean Tourism: Contexts, Characteristics, and Consequences”,

ASCE – Association for the Study of Cuban Economy. Disponível no sítio:

http://www.ascecuba.org/publications/proceedings/volume14/pdfs/padilla.pdf

Parks, George (1954), The English Traveler to Italy. The Middle Ages (to 1525), Rome: Edizione Storia e

Letteratura..

Pearce, Douglas, Richard Butler (1993), Tourism Research: Critiques and Challenges, London, Routledge.

Pearce, Philip, Gianna Moscardo (1986), “The concept of authenticity in tourist experiences”, Australian and

New Zealand Journal of Sociology, 22(1), pp. 121-132.

Pearce, Douglas (2001), “An Integrative framework of urban Tourism Research”, Annals of Tourism

Research, 28(4), pp. 926-946.

Pearce, Philip (2007), “Persisting With Authenticity: Gleaning Contemporary Insights for Future Tourism

Studies”, Tourism Recreation Research, 32(2), pp. 86-89.

Pereira, Cássio (1999), “Políticas Públicas no Setor do Turismo”, Turismo em Análise, 10(2), pp. 7-21, USP,

São Paulo.

Perdue, Richard, Patrick Long, Lawrence Allen (1990), “Resident Support for Tourism Development”,

Annals of Tourism Research, 17(4), pp. 586-599.

Pernecky, Tomas (2010), “The Being of Tourism”, The Journal of Tourism and Peace Research, 1 (1), pp. 1-

15.

Perkins, John (2004), Confessions of Economic Hit Man, Berrett-Koehler Publishers.

Pizam, Abraham (1978), “Tourism’s impacts: the social costs to the destination community as perceived by

its residents”, Jornal of Travel Research, 16(4), pp. 8-12.

Pnud (2003), O Relatório de Desenvolvimento Humano, Queluz: Mensagem-Serviço de Recursos Editoriais.

Disponível em http://www.undp.org

Poirine, Bernard (1995), “A Theory of Remittances as an Implicit Family Loan Arrangement”, Two Essays

on Aid and Remittances, Pacific Studies Monograph 19, Sydney, Centre for Pacific Studies, University of

350

New South Wales.

Quintero, Modesto (2006), “Estratégias de resistência frente aos impactos do turismo em Esmeraldas,

Equador.“, Neuhaus & Silva (Org.) Fórum Social Mundial Porto Alegre, Janeiro de 2005, Um Outro

Turismo é Possível! Reflexões sobre desigualdades, resistência e alternativa no desenvolvimento turístico,

pp. 63-65.

Rahnema, Majid (1997), “Afterword: towards post-development: searching for signposts,a new language and

new paradigms”, Rahnema & Bawtree (eds), The post-development reader, Zed Books, pp. 377-403.

Rastegar, Hamidreza (2009), “Tourism Development and Residents' Attitude: A Case Study of Yazd, Iran”,

MPRA Paper No. 25325, 5(2), pp. 203-211.

Ravallion, Martin (2001), “Growth, Inequality and Poverty: Looking Beyond Averages”, World

Development, 29(11), pp. 1803-1815.

Rázusová, Magdaléna (2009), “The Language of Tourism”, International Conference Language, Literature

and Culture in a Changing Transatlantic World, University of Presov. Disponível no sítio:

http://www.pulib.sk/elpub2/FF/ Ferencik2/pdf_doc/27.pdf

Redclift, Michael (1992), “The Meaning of Sustainable Development”, Geoforum, 23(3), pp. 395-403.

Reisinger, Yvette, Carol Steiner (2006), “Reconceptualizing Object Authenticity”, Annals of Tourism

Research, 33, pp. 65-86.

Requixa, Renato (1980), “As dimensões do lazer”, Revista Brasileira de Educação Física e Desporto, 45,

pp. 54-76.

Ritchie, Brent, Charles Goeldner (1989), Travel, Hospitality and Tourism Research: A Handbook for

Managers, New York, John Wilson.

Ritchie, Brent (1993), “Crafting a Destination Vision”, Tourism Management, 14 (5), pp. 379-389.

Rivers, Pitt (1973), Tourist Troubles, New Society (February 1), 23:500.

Rocha, Juliana, Maria Bursztyn (2005), “A importância da participação social na sustentabilidade no

desenvolvimento local”, Revista Internacional de Desenvolvimento Local, 7(11), pp. 45-52.

Rogozinski, Kazimierz (1985), “Tourism as a Subject of Research and Integration of Sciences”, Problemy

Turystyki, 4, pp. 7-19.

Rose, Nikolas (2000), “Government and Control”, British Journal of Criminology, ISTD: The Centre for

Crime and Justice Studies 2000, 40(2), pp. 321-339.

351

Ross, Glenn (1992), “Resident perceptions of the impact of tourism on an Australian City”, Journal of Travel

Research, 30 (3), pp. 13-20.

Rothman, Robert (1978), “Residents and transients: community reaction to seasonal visitors”, Journal of

Travel Research, 16(3), pp. 8-13.

Ruschmann, Doris (2008), Turismo e planejamento sustentável: a proteção do meio ambiente, São Paulo,

Papirus.

Ryan, Chris (1991), Recreational Tourism: A Social Science Perspective, London, Routledge.

Ryan, Chris, David Montgomery (1994), “The attitudes of Bakewell residents to tourism and issues in

community responsive tourism”, Tourism Management, 15(5), pp. 358-369.

S/a, (2011) Programa do Governo VIII Legislatura 2011-2016. Disponível a 2/06/2012 no sítio:

http://www.caboverde2016.gov.cv.

S/a (2009) “Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo em Cabo Verde 2010/2013”, Ministério

da Economia, Crescimento e Competitividade. Direcção Geral do Turismo de Cabo Verde. Disponível no

sítio: https://portoncv.gov.cv/portal/page?

_pageid=118,190644&_dad=portal&_schema=PORTAL.

Sachs, Ignazy (1993) “Estratégias de transição para o Século XXI”, BURSZTYN, M. (Org.). Para Pensar o

Desenvolvimento Sustentável, São Paulo, Brasiliense.

Sachs, Wolfgang, Gustavo Esteva (1997), “Development”, AAVV, The Development Dictionary – A Guide to

Knowledge as Power, London, Zed Books, pp. 6-25.

Said, Edward (1978) Orientalism, London, Penguin.

Salazar, Noel (2005) “Tourism and Glocalization – 'Local' Tour Guiding”, Annals of Tourism Research,

32(3), pp. 628-646

Samy, John (1975) “Crumbs from the Table? The Worker’s Share in Tourism.”, The Pacific Way-- Social

Issues in National Development, ed. S. Tupounia, R. Crocombe, and C. Slatter, pp. 205-213, Suva, South

Pacific Social Sciences Association.

Stanhope, Rhoanna (2000), “A Vision for the Future? The Concept of Sustainable Development in the

Netherlands and New Zealand”, New Zealand Journal of Environmental Law. 4, pp.147-180.

Schmidt, Volker (2006),” Multiple Modernities or Varieties of Modernity?”, Current Sociology, pp. 54; 77

Sharpley, Richard (1994), Tourism, Tourists and Society, UK, Elm Publications.

352

Sheldon, Pauline, Turgut Var (1984), “Resident Attitudes to Tourism in North Wales”, Tourism Management,

5, pp. 40-47.

Sheldon, Pauline, Teresa Abenoja (2001), “Resident attitudes in a mature destination: the case of Waikiki”,

Tourism Management, 22(5), pp. 435-443.

Silver, Ira (1993), “Marketing Authenticity in Third World Countries”, Annals of Tourism Research, 20, pp.

302-318.

Spanou, Elena (2006), “The Impact of Tourism on the Sociocultural Structure of Cyprus”, Tourisms: an

international multidisciplinary Journal of Tourism, 2(1), pp. 145-162,

Santos, Boaventura (2009), “Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de

saberes”, Santos, Boaventura de Sousa e Meneses, Maria Paula (Orgs.), Epistemologias do Sul, Coimbra,

Editora Almedina, pp. 23-71.

Santos, Maria do Carmo Lorena (2012) “Imagens de um destino turístico: o caso de Cabo Verde”, Forum

Sociológico [Online], Disponível em: http://sociologico.revues.org

Sarmento, Eduardo (1998), “Reflexão sobre o modelo de desenvolvimento cabo-verdiano”, Documento de

trabalho nº 52, CEsA.

Sarmento, Eduardo (2008), O Turismo Sustentável como facto de desenvolvimento das pequenas economias

insulares: o caso de Cabo Verde, Lisboa, Edições Universitárias Lusófonas.

Sarmento, Eduardo (2009), “Uma perspectiva socioeconómica sobre a potencialidade do turismo na

economia angolana”, 1º Encontro Luso-Angolano em Economia e Sociologia e Desenvolvimento Rural.

Universidade de Évora.

Saveriades, Alexis (2000), “Establishing the social tourism carrying capacity for tourist resorts of the coast of

Republic of Cyprus”, In Tourism Management (21), pp. 147-156

Sayago, Doris (2000) A invenção burocrática da participação: Discursos e Práticas no Ceará, Tese de

Doutorado, Brasília: Universidade de Brasília.

Sharpley, Richard (2010) “The Myth of Sustainable Tourism”, CSD Working Papers Series 2009/2010 – Nº4,

Center for Sustainable Development – CSD.

Serrano, Helga, Pedro Aremandáriz (2006) “O turismo de base comunitária como uma estratégia para o

desenvolvimento – A experiência do Equador”, Neuhaus, E., Silva, J. (Org.) Fórum Social Mundial Porto

Alegre, Janeiro de 2005. Um outro Turismo é Possível! Reflexões sobre desigualdades, resistência e

alternativa no desenvolvimento turístico, pp.20-45

353

Sethna, Rustum, Bert Richmond (1978), “US Virgin Islanders' Perceptions of Tourism”, Journal of Travel

Research, 17(1) , pp. 30–31.

Shaw, Gareth, Allan Williams (2002), Critical Issues in Tourism: A Geographical Perspective, Blackwell

Publishers, Oxford.

Shen, Ming (2011), “The Effects of Globalized Authenticity on Souvenir”, International Journal of

Innovative Management, Information & Production, 2(1), March pp. 68-76.

Schewe, Charles, Roger Calantone (1978), “Psychographics segmentation of tourists”, Journal of Travel

Research, 16(3), pp. 14-20.

Shuib, Ahmad (1995), “Tourism in Taman Negara Malaysia – Its Contributions as Perceived by Residents of

Ulu Tembeling”, Akademika: Journal of Social Sciences and Humanities, 47 (Julai) pp. 37-48.

Silveira, Caio (2007), “Desenvolvimento local: marcos conceituais”, IADH – Instituto de Assessoria para o

Desenvolvimento Humano. Disponível em http://www.cooperaremportugues.org/apc-aa-

cooperaremportugues/home/fulltext.shtml?

slice_id=134db0e6ba4b59513aed97891858c354&x=85

Silverman, David (1997), Qualitative Research: Theory, Method and Practice, London, Sage.

Smith, Valene (1977), Hosts and Guests: The Anthropology of Tourism, University of Pennsylvania Press,

Philadelphia, Pa.

Smith, Stephen (1988), “Defining Tourism: A Supply-side view”, Annals of Tourism Research, 15, pp. 179-

190.

Smith , Stephen (1995), “Defining and describing tourism” (chapter 2), Tourism Analysis: A Handbook.

Essex, England, Longman Group Limited.

Smith, Michael, Richard Krannich (1998), “Tourism dependence and resident attitudes”, Annals of Tourism

Research, 25 (4), pp. 783-802.

Sindiga, Isaac, Mary Kanunah (1999), “Unplanned Tourism Development in Sub-Saharan Africa with

Special Reference to Kenya”, The Journal of Tourism Studies, 10(1), pp. 25-39.

Snaith, Tim, Art Haley (1999), “Residents’ Opinions of Tourism Development in the Historic City of York,

England”, Tourism Management, 20, pp. 595-603.

Stake, Robert (1994), “Case Studies”, Denzin & Lincoln (eds), Strategies of Qualitative Inquiry, Thousand

Oaks, Sage.

354

Strauss, Anselm, Juliet Corbin (1998), Basics of qualitative research: Techniques and procedures for

developing grounded theory, 2ª Edition. Thousand Oaks, Sage.

Stronza, Amanda (2001), “Anthropology of Tourism: Forging New Ground for Ecotourism and Other

Alternatives”, Annual Review of Anthropology, 30, pp. 261-283.

Stronza, Amanda, Javier Gordillo (2008), “Community View of Ecotourism”, Annals of Tourism Research,

Vol. 35 (2), pp. 448-468.

Tatoglu, Ekrem, Fuat Erdal, Huseyin Ozgur, Sedat Azakli (2000), “Resident Perceptions of the Impact of

Tourism in a Turkish Resort Town”, Adnan Menderes Univeristy, Turkey. Disponível no sítio:

http://www.opf.slu.cz/vvr/akce/turecko/pdf/Tatoglu.pdf

Teo, Peggy (1994), “Assessing socio-cultural impacts: the case of Singapure”, Tourism Management, 15(2),

pp. 126-136.

Thomason, Pamela, John Crompton, Dan Kamp (1979), “A study of the attitudes of impacted groups within

the host community”, Journal of Travel Research. 17(3), pp. 2-6.

Tyrell, Timothy, Irving Spaulding (1984), “A Survey of Attitudes towards Tourism Growth in Rhode Island”,

Hospitality Education and Research Journal, 8(2) pp. 22-33.

Tomljenovic, Renata, Bill Faulkner (1999), “Tourism and Older Residents in a Sunbelt Resort”, Annals of

Tourism Research 27(1): pp. 93-114.

Tomljenovic, Renata, Bill Faulkner (2000), “Tourism and World Peace: A Conundrum for the Twenty-first

Century”, Faulkner et al (Eds.), Tourism in the Twenty-first Century, London: Continuum.

Tornell, Aaron, Philip Lane (1999), “The Voracity Effect”, The American Economic Review, 89(1), pp. 22-46.

Tosun, Cevat (2002), “Host Perceptions of Impacts, a Comparative Tourism Study” , Annals of Tourism

Research, 29(1), pp. 231–253.

Touraine, Alain (1992), Crítica da Modernidade. Epistemologia e Sociedade, Instituto PIAGET, Lisboa.

Tribe, John (1997), “The Indiscipline of Tourism”, Annals of Tourism Research, 24(3), pp. 638-657.

Tribe, John (2006), “The Truth About Tourism”, Annals of Tourism Research, 33(2), pp. 260-381.

Turner, Louis, John Ash (1975), The golden hordes: International tourism and the pleasure periphery,

Constable, London.

Turner, Victor, Edith Turner (1978), Image and Pilgramige in Christian Culture, Columbia University Press.

Twining-Ward, Louise, Richard Butler (2002), “Implementing STD on a Small Island: Development and Use

355

of Sustainable Tourism Development Indicators in Samoa”, Journal of Sustainable Tourism, 10(5), pp.

363-387.

Um, Seoho, John Crompton, (1987), “Measuring Resident’s Attachment Levels in a Host Community”,

Journal of Travel Research, 26(1), pp. 27-29.

United Nations, World Tourism Organization (1994), “Recommendations on Tourism Statistics”, Serie M,

nº83, United Nations, New York.

United Nations World Tourism Organization (2008), Seminario Internacional sobre la Gobernanza en

turismo en Las Américas. Informe Final. Villahermosa, Tabasco, México.

United Nations World Tourism Organization (2013), Annual Report 2014. Disponível em:

http://www2.unwto.org/publication/unwto-annual-report-2013

Urry, John (1990), The Tourist Gaze: Leisure and Travel in Contemporary Societies, Sage Publications,

London.

Urry, John (2001), Globalising the Tourist Gaze, Department of Sociology, Lancaster University, United

Kingdom.

Van Gennep, Arnold (1908), Religions, moeurs et légendes: essais d’ethnographie et de linguistique, Paris,

Mercure de France.

Var, T., Kendall, K., Tarakcioglu, E. (1985) “Resident attitudes towards tourists in a Turkish resort town”,

Annals of Tourism Research, 12 (4), pp. 652-658.

Vargas, José (2002) Sociologia, Porto Editora, Porto.

Vargas-Sánchez, Alfonso, María Plaza-Mejía, Nuria Porras-Bueno (2009), “Understanding residents'

attitudes toward the development of industrial tourism in a former mining community”, Journal of Travel

Research, 47(3), pp. 373-387.

Vaugeois, Nicole (2000), Tourism in developing countries: refining a useful tool for economic development,

pp. 1-19. Disponível no sítio: http://pt.scribd.com/doc/88155015/Tourism-and-Developing-Countries

Vellas, François, Jean Cauet (1997), Le Tourisme et les Îles, Economia, L'Harmattan, Paris.

Vesey, Catherine, Frederic Dimanche (2000), Urban Residents Perceptions of Tourism and its Impacts,

Unpublished Manuscript, University of New Orleans, LA.

Viana, A. (2007), Uma aproximação ao Turismo Sustentável. Desenvolvimento Econômico. 5ª ed. São Paulo,

Atlas.

356

Vounatsou, M., D. Laloumis, Pappas Nikolaos (2005), “Social Impacts of Tourism: Perceptions of Mykonos'

City Residents”, International Conference on Tourism Development and Planning, Patras, Greece.

Disponível no sítio: http://tour.teipat.gr/Files/Synedrio/Conference

%20Articles/Vounatsou_Paper.pdf

Wahab, Salah-Eloin (1977), Introdução à Administração do Turismo, São Paulo, Pioneira.

Wang, Yasong, Robert Pfister (2008) “Residents’ attitudes towards tourism and perceived personal benefits

in a rural community”, Journal of Travel Research, 47(1), 84-93.

Warn, Sue (1999), Recreation and tourism: a changing industry, Londres, Routledge.

Wearing, Stephen, Betsy Wearing (2001), “Conceptualizing the Selves in Tourism”, Leisure Studies, 20(2),

pp. 143-159.

Weaver, David (2000), “A broad context model of destination development scenarios”, Tourism Management

(21), pp. 217-224.

Weber, Robert (1990), Basic Content Analysis, 2º Edition, London, Sage.

West, Patrick, Steven Brechin (1991), “Resident Peoples and National Parks”, Social Dilemmas and

Strategies in International Conservation, Tucson, University of Arizona Press.

White, Paul (1974), The Social Impact of Tourism on Host Communities: A Study of Language Change in

Switzerland, Oxford, Oxford University Press.

Whyte, William (1943), Street Corner Society, University of Chicago Press.

Williams, Stephen (1998), Tourism Geography, Routledge, London.

Williams, Daniel, Cary McDonald, Carla Riden, Muzaffer Uysal (1995), “Community Attachment, Regional

Identity, and Resident Attitude toward Tourism Development”. Unpublished paper presented at

conference on global tourism: New Rules, new strat-egies, 26th Annual Conference Proceedings of the

Travel and Tourism Research Association, Acapulco, Mexico.

Witt, Stephen, Michael Brooke, Peter Buckley (1991), The Management of International Tourism, London,

Unwin Hyman.

Woosman, Kyle (2008), Identifying with Tourists: Examining the Emotional Solidarity Residents of Beaufort

County, South Carolina Have With Tourists in their Community. Doctoral Thesis of Philosophy - Parks,

Recreation and Tourism Management, University of Clemson.

Yutyunyong, Tranakjit, Noel Scott (2009), “The integration of social exchange theory and social

357

representations theory: A new perspective on residents' perception research”, 18th Tourism and

Hospitality Education and Research Conference, Fremantle Western Australia.

Xiao, Honggen, Stephen Smith (2006) “The making of tourism research: Insights from a Social Sciences

Journal”, Annals of Tourism Research, 33, pp. 490–507.

Zadek, Simon (2006), “Global collaborative governance: there is no alternative”, Corporate Governance,

8(4), pp. 374-388.

Zapata, Tania (2007) Desenvolvimento Institucional e Construção de Parcerias para o Desenvolvimento

Local, IADH – Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano. Disponível no sítio:

http://www.cooperaremportugues.org/apc-aa-cooperaremportugues/home/fulltext.shtml?

slice_id=134db0e6ba4b595 13aed97891858c354&x=85

358

359

Anexo A: Guião de Entrevista

Operadores1) Dados pessoais: Nacionalidade, Idade, Género;

2) Profissão (ramo profissional – se operador, político, interveniente, etc.):Tempo que desempenha essas funções e a sua relação com o turismo;

3) Motivações/Expectativas e Perceções: (Se estrangeiro - Por que motivo veio para Cabo Verde e em particular esta ilha, o que o atraiu aCabo Verde, que pensa de Cabo Verde;) Quais os pontos fortes/fraquezas/potencialidades deste país e desta ilha?

4) Perceção face ao turismo: Como classifica o turismo enquanto atividade económica, porquê?No caso concreto desta ilha e deste país, quais os pontos positivos e negativos/vantagens edesvantagens?Qual pensa ser a melhor forma de enaltecer esses pontos positivos e minorar os negativos?; O que mudou na sociedade com este investimento no turismo? Dado o presente rumo quais as consequências que o investimento/gestão do turismo terá nestepaís/ilha dentro de 20 anos? Porquê?;

Residentes1) Dados pessoais: Nacionalidade, Idade, Género, Profissão (ramo profissional e sua relação com o turismo);

2) Motivações/Expectativas: Por que motivo pensa que os turista vêm para Cabo Verde e em particular esta ilha, o que os atraí aCabo Verde? Que pensaram de Cabo Verde e dos caboverdianos, e o que esperam de Cabo Verde?;

3) Discurso retrospetivo da experiência: Como descreveria a sua experiência em Cabo Verde, quais os seus aspetos positivos/negativos/potencialidades, e porquê? Dado o presente rumo quais as consequências que o investimento/gestão do turismo terá nestepaís/ilha dentro de 20 anos? Porquê?;

4) Perceção face ao turismo: Como classifica o turismo enquanto atividade económica, porquê?No caso concreto desta ilha e deste país, quais os pontos positivos e negativos/vantagens edesvantagens?Qual pensa ser a melhor forma de enaltecer esses pontos positivos e minorar os negativos?

360

361

Anexos B, C e D: CD-Rom

362