Upload
pucrs
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
OS SENTIDOS DO SILÊNCIO EM CALIXTA BRANDCamila Canali Doval*
“Há um modo de estar no silêncio que corresponde aum modo de estar o sentido e, de certa maneira, aspróprias palavras transpiram silêncio” (ORLANDI, 2007,p. 11).
1 Entre Calixta e Esteban, silêncio
Calixta Brand é uma personagem movida pelo silêncio. Desde
a primeira página do conto de Carlos Fuentes, o narrador,
Esteban anuncia: “A moça lia intensamente” (FUENTES, 2007, p.
117). A leitura, embora ato predominantemente silencioso,
trata-se de atividade intensa, dialógica, incentivadora de
sentidos. É com esse silêncio que relaciono Calixta. O
silêncio nunca mudo, nunca estático, nunca sinônimo de falta
de voz ou de voz calada. Conforme Orlandi e a sua teoria sobre
o silêncio,
O silêncio é assim a “respiração” (o fôlego) dasignificação; um lugar de recuo necessário para que sepossa significar, para que o sentido faça sentido.Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaçopara o que não é “um”, para o que permite o movimento dosujeito (2007, p. 13).
Mas não só na leitura manifesta-se o silêncio em Calixta
Brand. O percurso percorrido pela personagem transpassa
diversas formas de silêncio, plagiando o título do livro de
Orlandi, e manifesta-se como resistência à atividade de
silenciamento desenvolvida em relação a ela por Esteban,
narrador e marido.
* Mestranda em Teoria Literária na PUCRS e bolsista CNPq.
Ao narrar Calixta, Esteban vai, em processo contínuo,
silenciando-a. Ela não evita, mas resiste.
Calixta movimenta-se no silêncio através de suas
atividades. Quando Esteban a conhece, ela é uma estudante de
literatura que lê intensamente. Como esposa, Calixta mergulha
nos afazeres domésticos, cuida da casa que era dos pais de
Esteban, em especial, do jardim. Em pouco tempo, o marido
descobre: ela escreve. Esteban não entende: ele é economista.
Ele trabalha fora. Ele traz o mundo para o interior do lar. No
entanto, chega a noite e Esteban não tem nada para contar. Em
certa altura do texto, declara: “Ocorre que as minhas
novidades eram sempre as mesmas, e as dela, sempre novas”
(FUENTES, 2007, p. 121). A partir daí, conclui: “Ela é mais
inteligente do que eu” (idem, p. 126); “Esteban, você é
inferior à sua mulher” (idem, p. 127). Como brecar a
intensidade do existir da esposa e fazê-lo parar de espelhar a
sua própria mediocridade? Silenciando-a. Para Esteban,
silenciar a mulher é sua tentativa de fazê-la parar de
significar.
No entanto, a voz de Calixta transcende o físico, está no
florescer do jardim, no que lê, no que escreve. Está no poder
da criação.
Pensada através da noção de silêncio, como veremos,a própria noção de censura se alarga para compreenderqualquer processo de silenciamento que limite o sujeitono percurso de sentidos. Mas mostra ao mesmo tempo aforça corrosiva do silêncio que faz significar em outroslugares o que não “vinga” em um lugar determinado. Osentido não para; ele muda de caminho (ORLANDI, 2007,13).
Como tentaremos demonstrar, são várias as formas de
silenciamentos impostas a Calixta por Esteban. Sua autoridade
impõe-se através da diferença de gênero, da etnia, da posição
social. Impõe-se, sobremaneira, através do poder, da
insensibilidade e da humilhação. Mas eis que estamos na
América Latina, Esteban é mexicano e sua esposa Calixta é uma
norte-americana de Minnesota, loira e de intensos olhos azuis
(FUENTES, 2007, p. 117). Transitamos, portanto, pelo campo da
discussão do centro, aqui tão movente quanto o silêncio de
Calixta, que escapa, transcende, significa.
Dessa forma, quando o centro começa a dar lugar às
margens, a complexidade das contradições existentes dentro das
convenções fica visível, e resta o jogo da linguagem da
diferença (HUTCHEON, 1988, p. 90).
É através da linguagem que Calixta se manifesta, a
linguagem da criação, que permite a ela significar mesmo
desprovida dos movimentos. Esteban considera-se o centro, mas
é ele quem vive à margem da esposa, existindo em função dela,
fazendo de sua vida uma via de mão única, destinada a
silenciar a esposa na esperança de conseguir, assim, emergir.
O que Esteban não compreende é que ao tentar silenciar
Calixta, ele silencia a si mesmo:
Para Pêcheux, o discurso é efeito de sentidos entrelocutores. Compreender o que é efeito de sentidos écompreender que o sentido não está (alocado) em lugarnenhum, mas se produz nas relações: dos sujeitos, dossentidos, e isso só é possível, já que sujeito e sentidose constituem mutuamente, pela sua inscrição no jogo dasmúltiplas formações discursivas (que constituem asdistintas regiões do dizível para os sujeitos) (ORLANDI,2007, p. 20).
Não é impedindo que Calixta fisicamente ocupe o centro em
sua vida, em sua casa, em seu país – ou mesmo na literatura –
que Esteban a impedirá de significar. Enquanto ele rompe os
vínculos com o mundo, ocupado em censurar Calixta, ela resiste
e mantém seus canais abertos, significando pelo silêncio. Ela
tanto é que consegue trazer Miguel Asmá para junto de si e,
dessa forma, ressignifica-se.
Mas o que pode significar o “significar-se”?
Significar-se, aqui, entendemos como construção da
subjetividade, o fazer-se sujeito. Para Lacan,
denomina-se sujeito à capacidade da linguagem que,enunciando mais que o esperado, indica um desejo do qualnão se tinha notícia. O sujeito é determinado pelo Outro,nome dado a tudo aquilo pelo qual ninguém chega adominar plenamente os efeitos de suas palavras e atos; oresultado final de sua atividade é sempre algo distintodaquilo que foi visado ou previsto” (CESAROTTO, 2009, p.33).
Na formação do sujeito em relação ao outro é que Calixta
e Esteban esbarram. Ele, seguro de si, não percebe que não tem
poder para invadir o eu de Calixta e dominá-lo, visto que ela é
outro. Como também não percebe que é impossível sobressair-se
incólume ao relacionamento, sem deixar afetar seu próprio ser
pelo ser que é Calixta. A construção da subjetividade dá-se no
espaço da fricção entre os dois. Esteban narra-se ao narrar
Calixta; ao tentar transformá-la em linguagem apreende a sua
própria transformação e tem-se que, ao final, é de si mesmo
que fala. É a sua imobilidade, é a sua tragédia, é o seu
espaço de significação. Calixta escapa, falta.
Ainda conforme os conceitos lacanianos de sujeito,
Neste sentido, o sujeito da psicanálise constitui-se a partir da inserção do objeto da falta, ao contráriodo sujeito cartesiano que se caracteriza como ancoradono ser. Retomando a fórmula freudiana, Lacan situa olugar do sujeito: lá onde isso estava, lá, como sujeito,devo [eu] advir. Ao incluir o objeto da falta comodeterminante do sujeito, o cogito só tem sentido namedida que se vincula à fala, à linguagem. O sujeitosobre o qual operamos no campo da psicanálise é osujeito dividido, apreendido na estrutura da linguagem.É nesta perspectiva que Lacan evidencia que quanto aosujeito não se trata de um fenômeno e sim de algo que éestrutural, um sujeito marcado pela linguagem,articulado à cadeia dos significantes, sendo no ato dafala que ele pode surgir1 (MEYER, 2008).
2 Esteban, narrador de si mesmo
Interessante observar o movimento de linguagem que Esteban
executa no decorrer do conto, em pleno processo de tentativa
de assujeitamento/silenciamento da esposa. Ao buscar, de todas
as formas, podar os talentos de Calixta, ele vai transformando
a si mesmo e, ao final, percebemos que toda a mudança se deu
somente nele.
É assim que o narrador se constrói aos olhos dos leitores:
como espelho de Calixta Brand. Através das palavras dele somos
apresentados a ela, e julgamos conhecê-la, tal qual o próprio
Esteban comenta em algum momento do conto, mas é dele, somente
dele, que nos aproximamos.
Esteban passa por cinco fases durante a história, e elas
podem ser identificadas através dos seus modos de referir-se à
esposa. No início, ao conhecê-la, ainda deslumbrado, chama-a
1 Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982008000200009. Acesso em 03/07/2010.
“bela moça”, “gringuinha” (a diferença carinhosamente
destacada), “meu amor” e, logo, “jovem esposa”.
Em seguida, com o casamento, ele assume a marca da posse e
passa a considerá-la “minha mulher”. Aqui se dá a terrível
descoberta, Calixta escreve. Mas o que ela escreve? A
desconfiança passa a denominá-la “gringa” e “caipira de
Minnesota”, utilizando-se da diferença como forma de agressão.
Para destacar a condição estrangeira da esposa, Esteban
pronuncia “Calixta Brand”.
No ápice da transformação, em que Esteban se encontra em
pleno surto de ódio e complexo de inferioridade em relação à
esposa, agora imobilizada, suas palavras o delatam: “minha
mulher inútil”, “escritora minha” (na forma irônica), “a
imbecil”, “infame bruxa Calixta Brand”, “gringa ordinária”.
Com a chegada de Miguel Asmá, Esteban recua. É o quarto
momento do conto, no qual o médico-jardineiro passa a ocupar o
papel de espelho de Calixta. É através dele que Esteban,
agora, redescobre a mulher. Diante da desgraça que se abateu
sobre ela, corroído por pena e, talvez, arrependimento, ele
indaga a si mesmo sobre o que se esqueceu de Calixta e tenta,
de alguma forma, retomá-la. Chama-a “minha esposa”, “pobre
Calixta”, “linda estudante”.
Ao final, enquanto Calixta encaminha-se para a ascensão,
Esteban murmura “minha mulher”, “linda moça”, “minha esposa”,
“meu amor”. Calixta não mais o escuta.
Veremos, em seguida, alguns movimentos de Esteban em busca
das oposições que, para ele, o diferenciariam de Calixta e o
permitiriam seguir vivendo a ilusão de superioridade em
relação a ela.
Esteban era um jovem mexicano, de família tradicional.
Estudava Ciências Econômicas. Calixta era uma norte-americana
de Minnesota. Estudava línguas e literatura numa escola de
verão no México. À primeira vista, unia-se o calor e
exuberância mexicanos ao gelo e rigidez do interior americano.
Entretanto, não são necessárias muitas linhas para
identificarmos que Calixta poderia representar a onipotência
americana, mas que buscava, no México, unir-se ao calor,
transmutar-se, reconstruir-se. Esteban, por sua vez, há muito
largara suas origens e tinha os olhos voltados para o primeiro
mundo. É o que se percebe num dos primeiros diálogos entre os
dois:
– Que é que você quer ser, Calixta?– Algo impossível.– O quê, meu amor?– Não me atrevo a dizer.– Nem a mim? Já me formei em economia. Vê como é fácil?E você?– Não existe experiência total. Então, vou tratar daparcial.– Não entendo.– Vou escrever. (FUENTES, 2007, p. 119)
Calixta em breve incorporou a cultura que o marido havia
negado. Ele a levou para morar na casa típica que herdara da
família e a primeira reação de Calixta foi tomar para si a
tarefa de reformar o espaço, reencontrar seus detalhes,
reacender sua história. Prestava especial atenção ao jardim, o
qual transformou num Éden, em breve habitado por anjos:
Cuidou, podou, distribuiu, como se nesse vergel doalto trópico mexicano ela tivesse oportunidade deinventar um pequeno paraíso inimaginável em Minnesota,uma eterna primavera que a recompensasse, de certo modo,dos rígidos invernos que sopram no Lago Superior(FUENTES, 2007, p. 121).
Em pouco tempo, o movimento de Calixta passou de admirável
a motivo de frustração para o marido. Habitar a casa
redescoberta pela esposa fez de Esteban ainda mais miserável:
“... aquela lenta revelação das riquezas de minha própria casa
era obra de minha mulher. Voltou mais forte do que nunca o eco
da minha alma: ‘Esteban, você é inferior à sua
mulher’”(FUENTES, 2007, p. 128).
Considerando-se o centro do relacionamento, por ser o
homem, por exercer atividade racional, por garantir o sustento
da casa, Esteban surpreende-se profundamente ao descobrir a
movimentação interior que ocorre entre as paredes de seu
próprio lar – quando não está presente –, mais especificamente
no interior de sua mulher.
Calixta, que nas primeiras cenas do conto “lia
intensamente”, transformou-se em jardineira e, por fim, passou
a escrever. Leitura, jardinagem e escrita: atividades
silenciosas, porém não caladas, nem desprovidas de movimento.
Aos olhos de Esteban, personificam-se como exercício da
subversão.
A escrita, em especial, atividade criadora por excelência,
desperta a desconfiança, o ciúme e o profundo despeito do
marido:
Escrever é uma relação particular com o silêncio. Aescrita permite o distanciamento da vida cotidiana, asuspensão dos acontecimentos. Ela permite que se
signifique em silêncio. Assim, há auto-referência semque haja intervenções da situação ordinária (a censura)da vida: o autor escreve para significar (a) ele-mesmo.É um modo de reação ao automatismo do cotidiano marcadopela censura. Com o distanciamento estabelecido pelaescrita, os movimentos identitários podem fluir, podemser trabalhados pelos sentidos (ORLANDI, 2007, p. 83).
Esteban não sabe do que realmente sente ciúme ou inveja,
mas percebe que a escrita manifesta algo grandioso em Calixta,
algo maior – ou a o menos mais profundo – do que pode
alcançar. Talvez, se quisesse, ele poderia aproximar-se da
esposa, buscá-la entre os escritos e compartilhar da sua
escritura. Porém, a atividade subversiva da esposa sugere o
descentramento de Esteban, a expansão dos sentidos, e isso ele
é incapaz de suportar.
Para Hutcheon, o que antes era uma linguagem alienada
baseada no “ou-ou” – branco/negro, homem/mulher,
ocidente/oriente... – em que o centro utilizado sempre
privilegiava um dos lados, passa a ser a linguagem da
descentralização – em que o centro é elaboração, ficção,
móvel, processo em movimento – dando forma ao “e-também” da
multiplicidade e da diferença que abrem novas possibilidades
(1988, p. 90).
Esteban não aceita perder o centro que julgava estar
debaixo dos seus pés. Ele busca constantemente desarmar
aqueles aos quais considera como integrantes dos grupos
oponentes, tais como o feminino:
– São dois anjos femininos da poesia – comentouela. – Duas poetisas questionadoras.
– Duas velhas abelhudas – tentei ser irônico, semconsegui-lo (FUENTES, 2007, p. 117).
O socialmente inferior: “Olhei-o com a arrogância discreta
a quem considero inferior. Mas encontrei um olhar ainda mais
altivo do que o meu (idem, p. 141).
E o estrangeiro:– Peregrinos. Maimônides, judeu, Avicena,
muçulmano, ambos mestres eternos de uma medicinadestilada, senhor Durán, essencial.
– Quer dizer que me mandaram um curandeiro árabe. –Ri mais uma vez.
Miguel também riu.– Talvez o senhor se beneficie da leitura de O guia
dos perplexos, de Maimônides. O senhor então entenderia quea religião e a ciência são compatíveis.
– Curandeiro. – Gargalhei e saí dali (idem, p. 142).
3 A construção/desconstrução de Esteban
Hoje avalio com quanta lentidão e também comquanta intensidade pode ir-se filtrando um sentimento deinveja crescente, de humilhação latente, até explodir naconvicção de que Calixta era superior a mim, não sóintelectual, mas moralmente. A vida de minha mulherfazia sentido à custa da minha. Meus horários noescritório eram uma confissão intolerável de minhaprópria mediocridade (FUENTES, 2007, p.127).
Calixta Brand é narrado por Esteban, no passado,
retrospectiva da vida dele ao lado de Calixta. Enquanto tenta
justificar ao leitor suas atitudes em relação à esposa, até
mesmo expiar sua culpa em nome de um sentimento que lhe era
exterior - a inveja – o narrador vai construindo e
desconstruindo a si mesmo.
Esteban, que no início era um jovem estudante de economia,
orgulhoso de sua atitude racional diante da vida, encontra-se
desnorteado ao defrontar-se com a intensa e misteriosa
atividade interna da mulher, atividade que dá a ela o dom da
criação. Inveja, somente?
Difícil discernir, com ainda tantas questões em jogo.
Alguns aspectos, como a questão étnica entre os dois,
acima citada, não pode ser esquecida. Ao jovem mexicano era
motivo de orgulho, certamente, desposar e manter em suas
hacienda uma bela jovem norte-americana, loira, com olhos azuis.
Há possibilidade de sentir-se finalmente vingando toda a sua
história: ele significava o poder naquela relação entre México
e Estados Unidos. O poder capitalista, ali, era seu. O poder
de decisão também. A supremacia do Terceiro Mundo em uma
hacienda mexicana.
Mas não se pode levar em consideração apenas este aspecto
na história de Esteban e Calixta, embora seja os sujeitos
históricos representados pelos dois o fio condutor de diversas
vertentes de análise. O que nos cabe avaliar aqui é a questão
fundamental da diferença que se instala entre os dois, seja por
etnia, classe, gênero.
Vale ressaltar as palavras de Hutcheon:
Entretanto, sempre importa lembrar é que essadiferença ocorre dentro de cada uma dessas culturascontestatórias, e também contra a cultura dominante. Osnegros e as feministas, os etnicistas e os gays, asculturas nativa e do Terceiro Mundo não formammovimentos monolíticos, mas constituem uma diversidadede reações a uma situação de marginalidade e ex-centricidade percebida por todos. E tem havido efeitoslibertadores como efeito do deslocamento da linguagem daalienação (não-identidade) para a linguagem dadescentralização (diferença) (...) (2007, p. 90).
No universo constituído pelo conto em questão, é possível
destacar mais de uma forma de cultura contestatória. Assim
como o embate entre Calixta e Esteban refere-se à supremacia
americana sobre os povos latinos, em especial ao México, na
hacienda também o centro dominante se desloca, demonstrando
binarismos entre o mexicano e o árabe (Esteban menosprezando a
cultura de Miguel), o patrão e os empregados (Esteban
ordenando que Herme realize sexo oral nele, apenas com o
intuito de humilhar a esposa), o ceticismo e a religião
(Calixta libertando-se do domínio do marido pelos braços de um
anjo).
No entanto, o que nos interessa aqui, é destacar a
construção da subjetividade dos personagens, mais propriamente
dito a forma com que Esteban nos engendra nas manhas de seu
inconsciente, fazendo-nos participar passo a passo de sua
transformação, como nos seguintes excertos:No escritório, meu machismo vulnerável começou a
manifestar-se em irritações incontroláveis, ordens dadasde maneira altiva, abuso verbal dos subordinados, piadasgrosseiras sobre as secretárias, investidas sexuaisvulgares (FUENTES, 2007, p. 128).
Na cama, minha potência erótica diminuía. A culpaera dela. À mesa, deixava os pratos de lado. A culpa eradela. Calixta me tirava todos os apetites. E, no xadrez,acabei percebendo o óbvio: Calixta me deixava ganhar. Cometiaerros elementares, para que um mísero peão meuderrotasse uma magnânima rainha sua (idem, p. 129).
À medida que cresce seu ódio por Calixta e por todas as
atividades que lhe dizem respeito – especialmente a escrita –
cresce nossa piedade por um homem cegado por suas próprias
emoções em descontrole. Esteban é consciente de seu devaneio e
nos comunica. Em busca de perdão? Seria esse o objetivo de
Esteban ao confessar-se?
Meu ódio vinha da inveja da superioridadeintelectual de minha mulher, assim como da impotênciaque gera o saber-se inútil diante do que nos humilha.Antes, eu estava reduzido a queixar-me intimamente e acometer pequenos atos de menosprezo. Agora, chegara omomento de demonstrar minha força? Mas que tipo depoderes eu podia demonstrar ante uma criatura sem nenhumpoder? (idem, p. 135).
Esteban torna-se um monstro aos nossos olhos e parece
fazer questão disso. Creditamos a ele – ou ao menos à força de
seu ódio – a súbita doença e a imobilidade de Calixta. Mas são
as memórias de Esteban registradas no conto. É a sua versão
dos fatos, a sua voz. Ao expiar seus pecados (e enfatizá-los),
relacionando-os ao divino e ao profano, o economista se
liberta do julgamento, e consideramos apenas justa sua solidão
final. Afinal, não há nada que possamos dizer a ele, Esteban
declara por conta própria suas pulsões malignas em relação à
esposa: “Aceitei que a prostração de Calixta me agradava e me
compensava o sentimento de inferioridade que, como um verme
maldito, crescera no meu peito, até sair-me como serpente pela
boca” (idem, p. 136).
4 A construção/desconstrução de Calixta
Já foi dito que conhecemos a personagem de Calixta através
do olhar do outro, ou seja, do marido. Esteban pouco a pouco
vai tentando “empurrar” uma Calixta estrangeira, subversiva,
bruxa. Mas o leitor não se deixa enganar: ele sabe que a voz
do ciúme fala por Esteban e não confia em suas palavras.
Esteban constrói Calixta em função de si mesmo. É visível
através de seus constantes questionamentos, em busca de
induzir a opinião do leitor: “Se não, para onde ia voltar a
gringuinha? (FUENTES, 2007, p. 118), “Seria verdade? Não era
ela que me enganava?” (idem, p. 119), “Percebi que o erro foi
intencional. Passaram-se noites, e comecei a pensar que
Calixta cometia erros de xadrez de propósito, para que eu sempre
ganhasse. Qual era, então, a vantagem da mulher?” (idem, p.
122)
Ao escutar de Calixta a declaração de que estava
escrevendo, Esteban indaga sobre o que ela escreve. Diante da
misteriosa resposta “–Não se escreve sobre uma coisa (...)
Simplesmente, escreve-se” (idem, p. 123), ele confessa ao
leitor: “Eu esperava uma resposta clássica, do tipo ‘escrevo
para mim mesma, para meu próprio prazer’. Não só a esperava,
eu a queria” (idem, ibidem).
A partir deste ponto, Esteban começa a comportar-se
obsessivamente em relação à Calixta. Ele pede para ler seus
contos e surpreende-se a ponto de surtar com o que lê.
Possivelmente, o texto de Calixta tem uma qualidade latente,
que mesmo um leigo como ele é capaz de identificar. É um golpe
deveras mortal para o orgulhoso mexicano:
Até esse instante, eu julgava ser um homemequilibrado. Ao ler os contos de Calixta – especialmenteo último –, assaltou-me um fúria insólita, agarrei ospreciosos papéis de minha mulher, rasguei-os empedacinhos, ateei-lhes fogo com um fósforo e, abrindo ajanela, atirei-os ao vento, que os levou ao jardim eainda mais para longe – era uma noite tempestuosa–, atéas montanhas do povoado (FUENTES, 2007, p. 126).
Esse é o primeiro passo a que se entrega Esteban na ação
de silenciar a esposa. Rasgar em pedacinho as histórias
escritas a próprio punho, queimá-las e jogá-las ao vento é uma
clara referência à censura, de que nos fala Orlandi:
O Outro (e os outros) é o limite mas também é opossível. Se é assim teoricamente, a situação típica dacensura traduz exatamente esta asfixia: ela é ainterdição manifesta da circulação do sujeito, peladecisão de um poder de palavra fortemente regulado. Noautoritarismo, não há reversibilidade possível nodiscurso, isto é, o sujeito não pode ocupar diferentesposições: ele só pode ocupar o “lugar” que lhe édestinado, para produzir os sentidos que não lhe sãoproibidos. A censura afeta, de imediato, a identidade dosujeito (2007, p. 79).
Por que Esteban censura Calixta? Não apenas por não
compreendê-la. Mas por ver nela um único sentido; o sentido
que “cabe” em suas próprias convicções. Esteban interpreta
Calixta no que ele entende sobre marido e esposa, homem e
mulher, nacional e estrangeiro, superior e inferior. Quando
percebe nela rastros de algo que foge ao seu controle – e ao
seu entendimento – ele a censura.
Em sua obsessão por calar a mulher, Esteban passa a falar
por ela, e a cala em seu inconsciente.
Insone, analisei as possibilidades. Ela me amavatanto que não se atrevia a me ofender (“Devolva-me meuspapéis”) ou a pressionar-me (“Que achou de meuscontos?”). Ela fez algo pior: fez-me sentir que minhaopinião lhe era indiferente. Que ela vivia os longos equentes dias da casa na planície, numa plenitude auto-suficiente. Que eu era o inevitável estorvo que chegavaàs sete ou oito da noite vindo da cidade, para compartircom ela as horas dispensáveis mais rotineiras. O jantar,a partida de xadrez, o sexo. O dia era dela. E o dia erada sua maldita literatura.
“Ela é mais inteligente do que eu”(FUENTES, 2007, p.126)
Eis o ápice da construção do outro. Esteban simula a fala
de Calixta mais de uma vez durante o conto. A mulher real já
não lhe importa, tomado pela interpretação que infligiu a si
mesmo. Por ciúme, ou inveja ou simplesmente medo de algo que
julgou maior do que o seu entendimento: “Aquele maldito
sorriso me dizia claramente que seu motivo não era cordial,
era perverso, infinitamente odioso. Calixta tolerava essas
minhas pequenas rebeldias porque era dona e senhora da maior
rebeldia: era dona da criação” (idem, p. 129).
Assim, por revelar o que tinha de íntimo e grande, e ser
mal compreendida pelo marido, Calixta transita, na fala de
Esteban, de esposa perfeita à bruxa.
5 O silêncio e os sentidos
Buscamos, neste ponto, agregar à análise a já mencionada
teoria sobre as formas do silêncio, desenvolvida por Orlandi.
Entendemos que o espaço principal de significação da
personagem Calixta, em contraponto ao personagem Esteban, dá-
se nesse campo da significação. Ao rasgar seus textos, ao
desejar sua morte, Esteban silencia Calixta para o mundo, mas
não é capaz de fazê-la parar de significar.
Conforme Orlandi, “Na perspectiva que assumimos, o
silêncio não fala. O silêncio é. Ele significa. Ou melhor: no
silêncio, o sentido é” (2007, p. 31). Por isso Esteban é
incapaz de calar Calixta. O silêncio verbal, e mesmo a
incapacidade para escrever não são garantia de vazio. Calixta
está lá; em seu silêncio, Calixta é.
Os rastros do silêncio se fazem presentes em toda a
narrativa. Os diálogos entre Calixta e Esteban são recheados
de não-dizeres, ilustrando a pouca afinação entre o casal.
Enquanto, no início, Esteban era o foco das ações, ensinando a
Calixta sobre seu país e seu povo, ciceroneando os passeios,
provendo a esposa de ocupações, não fazia falta a ele a
ausência de palavras da esposa. No entanto, uma pergunta feita
por Esteban, espontânea, sem sombra alguma de efetiva
curiosidade, recebe de Calixta uma resposta capaz de despertar
sentidos nunca antes despertos:
Cometi o erro de perguntar-lhe:– E suas leituras?– Bem – respondeu ela, baixando o olhar, revelando
um pudor que ocultava algo que não escapou ao olharpenetrante do marido.
– Não me diga que você deixou de ler! – exclamei,com fingida surpresa. – Olhe, não quero que os afazeresdomésticos...
– Esteban – disse ela, pousando a mão carinhosasobre a minha –, estou escrevendo...
– Muito bem – respondi, com uma inquietaçãoincompreensível para mim mesmo.
(FUENTES, 2007, p. 122).
Assim se configuram os diálogos do casal deste ponto em
diante, até o momento do silenciamento total e irreversível de
Calixta. Demora algum tempo para Esteban compreender o sentido
da escrita para a esposa; ele pressente o perigo, mas, como
leigo, não alcança exatamente qual é. A ignorância, aqui, como
na maioria dos casos, transforma-se em ciúme, inveja, ódio.
Esteban obceca-se pela ideia de existir algo em Calixta que
lhe seja incontrolável:
– Que ótimo você ter tempo para ler. Mexi o bispo para devorar um peão.– Diga-me, Calixta, você também tem tempo para
escrever?– Cavalo, bispo, rainha.
Calixta não pôde evitar o movimento de êxito, avitória sobre o marido – eu –, que voluntariamente oupor erro me havia exposto a ser vencido. Distraído nojogo, concentrei-me na mulher.
– Você não me respondeu. Por quê?Ela afastou as mãos do tabuleiro.– Sim, estou escrevendo (idem, p. 122).
“Sim, estou escrevendo” é a sentença de morte de Calixta.
Escrever é silêncio e silêncio é espaço pleno de significação,
em que os sentidos se movem longe da censura. Esteban, por sua
vez, fala.
Para nosso contexto histórico-social, um homem emsilêncio é um homem sem sentido. Então, o homem abre mãodo risco da significação, da sua ameaça e se preenche:fala. Atulha o espaço de sons e cria a idéia de silênciocomo vazio, como falta. Ao negar sua relação fundamentalcom o silêncio, ele apaga uma das mediações que lhe sãobásicas (ORLANDI, 2007, p. 34).
Ao ver-se coagido pela força do silêncio de Calixta,
Esteban entra em desenfreado processo de silenciamento
absoluto da esposa. Como a manifestação da subjetividade dela
dá-se pela escrita, é preciso mais do que fazê-la calar. É
preciso impedi-la de ser: silenciar o silêncio. Para Orlandi,
A significação não se desenvolve sobre uma linhareta, mensurável, calculável, segmentável. Os sentidossão dispersos, eles se desenvolvem em todas as direçõese se fazem por diferentes matérias, entre as quais seencontra o silêncio. A materialidade do sentido não éindiferente aos processos de significação e a seusefeitos: o silêncio significa de modo contínuo,absoluto, enquanto a linguagem verbal significa porunidades discretas, formais. Eis uma diferença que épreciso não apagar (2007, p. 46).
É a dispersão dos sentidos produzidos por Calixta o que
apavora Esteban. Como reação, ele necessita fazê-la parar:
“Resolvi-a ocupando totalmente o corpo de Calixta. A confissão
de minha mulher – “Escrevo” – transformou-se em meu dever de
possuí-la com tal intensidade que exaurisse essa rival
indesejável” (FUENTES, 2007, p. 124). Porém, Calixta resistia:
“O silêncio de Calixta me falava bem alto de sua eloquência.
Ela se calava porque criava. Não precisava falar do que fazia”
(idem, p. 127).
Esteban embrenha-se tanto no labirinto forjado pelo
silêncio da esposa, que perde completamente a noção do real e
acaba proferindo uma maldição sobre Calixta: “– Ah, mãezinha!
Por que morreu você e não minha mulher Calixta?” (idem, p.
133). É o golpe final para deter o que há muito julgara sair
de seu controle.
Calixta não morre, mas adoenta-se definitivamente. Uma
espécie de paralisia que a inutiliza para o resto da vida. No
que Esteban silencia em sua pergunta ao médico “– Ela vai
viver?” (idem, p. 134), intuímos: “Ela está morta”?
Daqui em diante, Calixta comunica-se com os olhos. Esteban
aproveita-se e fala por ela, cria sua voz, manipula sua
essência.
Esses encontros culpados com o olhar de Calixta meexasperavam. Por um momento, acreditei que minhapresença viva e atuante fosse insulto suficiente. Àmedida que lia Calixta, eu me ia dando conta da desgraçapusilânime dessa nova relação com minha mulher inútil.Essa foi minha deplorável vingança inicial. Ler para elaem voz alta seus escritos, sem importar-me com que elaos escutasse, entendesse ou não (FUENTES, 2007, p. 137).
Finalmente, Calixta estava muda. Esteban matara o que
conseguira de seu ser. O jardim, símbolo vivo da força
criativa dela, crescia desorganizadamente ao seu redor.
Calixta era parte dele, para sempre fincada na beira do banco
de areia que simulava a desembocadura de um rio, onde não
havia nenhum. Calixta era agora paisagem, sentada em sua
cadeira de rodas e admirando fixamente o horizonte. Silêncio.
Mas, em nossa concepção, o silêncio é mais ainda –ele significa por si mesmo: “O silêncio não são aspalavras silenciadas que se guardam no segredo, semdizer. O silêncio guarda um outro segredo que omovimento das palavras não atinge (M. Le Bot, 1984)”(ORLANDI, 2007, p. 69).
6 Lapso de interpretação
Há sempre um círculo se formando e se fechando nas boas
histórias literárias. Em Calixta Brand isso se repete. A
paralisia de Calixta, sua incapacidade para falar, escrever,
criar, não é o fim. Assim como Esteban desconstrói a mulher
sob seu reflexo, fazendo da história dela o espelho de sua
própria degradação, surge Miguel Asmá para reconstruí-la.
Esteban anuncia o desfecho:
Eu desconfiava, vendo-a sentada ali, humilhada,indeciso entre desejar sua morte ou adiá-la em nome daminha própria vida, de que nesse rosto nobre masdestruído sobrevivia uma estranha vontade de voltar a ser elamesma, de que sua presença continha uma fala obscuraque, embora não fosse bela como antes, era capaz deressuscitar a memória de sua formosura e fazer-meresponsável por sua desgraça. Será que essa mulherinútil se vingaria de minha própria e vigorosamasculinidade? (FUENTES, 2007, p. 141).
Talvez vingança não seja o termo correto, porém, Esteban
acerta ao narrar a vontade de Calixta em voltar a ser ela
mesma.
Miguel é um anjo no sentido literal da palavra. Travestido
de árabe, obrigando Esteban novamente a deslocar-se do centro,
ele inseriu-se na narrativa, fincando pé – e asas – no Éden
outrora cultivado por Calixta:
Trabalhava sob o sol a pino de Puebla com apenas umtapa-sexo que lhe permitia exibir um corpo esbelto e bemtorneado, onde tudo parecia rijo: peito, braços, abdome,pernas, nádegas. Sua única imperfeição eram duascicatrizes profundas nas costas (idem, p. 144).
Ocorre que, como dito, o silêncio não é ausência de
significado. Ao contrário, é nele que os sentidos se
movimentam livremente. O silêncio significa. Tudo, a partir do
silêncio, é uma questão de compreendê-lo. Esteban não
compreende o silêncio de Calixta, enquanto Miguel apreende
todos os seus movimentos. Esse é o último grande embate do
conto, muito bem explicitado na fala de Esteban:
Que via em Calixta o jovem Miguel Asmá? Que viaele que eu não via? O que eu havia esquecido sobre ela?O que me atraíra quando a conheci? Agora Calixtaenvelhecia, não falava, seus escritos haviam sidoqueimados ou destruídos por minha mão invejosa. Que liaMiguel Asmá nesse silêncio? Que o atraía nessa doente,nessa doença? (FUENTES, 2007, p. 144)
O segredo instalado entre Miguel e Calixta fez Esteban
finalmente enxergar a realidade de sua trajetória. O centro
fora deslocado de novo, e ele estava sozinho. A história não
era mais dele. A relação de construção dos sujeitos, a fricção
que leva à instalação da subjetividade agora se dava entre
outros, não mais entre ele e o outro. Esteban construiu-se em
relação à Calixta, construiu-se em relação à Miguel. De agora
em diante, eram Calixta e Miguel, um diante do outro,
inaugurando novos sentidos. Miguel Asmá, o anjo, sabia de
Calixta o que Calixta nem precisava lhe falar.
Diríamos que o silêncio não é interpretável, mascompreensível.
Compreender o silêncio é explicitar o modo peloqual ele significa.
Compreender o silêncio não é, pois, atribuir-lheum sentido metafórico em sua relação com o dizer(“traduzir” o silêncio em palavras), mas conhecer osprocessos de significação que ele põe em jogo. Conheceros seus modos de significar. (ORLANDI, 2007, p. 50).
É nos braços do anjo que Calixta ascende, do jardim que
construíra ao firmamento. Assim se finaliza a narrativa,
voltando ao início, fechando a volta necessária do ser em
transformar-se. É o início para Calixta e é o início para
Esteban, mas não há dúvidas de quem recebe o final feliz:
A jovem Calixta Brand, a linda moça que conheci eamei nos portais de Puebla, descansava, bela e dócil,nos braços do rapaz que se chamava Miguel Asmá. Mais umavez, como no princípio, La afastou para o lado, comligeiro movimento da mão, a mecha loura juvenil que lhecobria o olhar (FUENTES, 2007, p. 149).
Ao rever o gesto da esposa, como quando a conhecera,
Esteban tem a revelação: tudo que pensara, tudo que construíra
e destruíra, o fizera sobre falso testemunho, sob a guia da
inveja. Um lapso de interpretação.É assim que podemos entender o mecanismo da
incompletude como constitutiva do sentido e do sujeito.O lugar em que o sujeito “se” significa para significar.O silêncio torna possível esse gesto de interpretaçãomínimo (e nem por isso pequeno), aquele que nos instalana origem de nós mesmos e de nossos sentidos.Imaginariamente. Aí não interessa se a interpretaçãofixa ou não fixa, se é engano ou não é. O que importa ésaber o que torna possível o gesto da interpretação, oque lhe dá origem.
O silêncio fundamenta o movimento dainterpretação. Ele é o ponto de apoio do giro
interpretativo. Que produz o efeito de sustentação dailusão do sujeito como origem de si e dos sentidos: osujeito não se vê como interpretando, mas como “dandosentido”. Porque pode estar em silêncio, porque podesignificar em silêncio (ORLANDI, 2007, p. 156).
Muito tarde para Esteban. Essa é a parte deliciosa do
conto. Esteban sabe que é tarde. No exato momento em que
assiste a partida de Calixta e Miguel, ele entende a morte
prenunciada por ela: a solidão. Nada mais do que velhice e
solidão. Além da culpa por ter sido o fomentador da própria
desgraça. Bem que Miguel Asmá havia lhe avisado:
O senhor já se perguntou que parte dela poderiater agora, após havê-la tido toda?
Não pude evitar o sarcasmo.– Que coisa você me permite ter, rapaz?– Não tem importância, senhor. Eu consegui fazer
desaparecer todas as ameaças contra ela...Disse isso sem arrogância. Disse-o com um gesto de
dor, esfregando bruscamente as costas.– Faltou-lhe ser mais atento, senhor – afirmou o
jovem. – Sua mulher perdeu o poder sobre as palavras.Lutou e sofreu heroicamente, mas o senhor não percebeu.
– Que importa, “seu” tonto?– Importa para o senhor, que saiu perdendo.– É mesmo? – Recuperei minha fidalguia arrogante. –
Já vamos ver(FUENTES, 2007, p. 148).
REFERÊNCIAS
CESAROTTO, Oscar Angel. O discurso lacaniano. In: Revista Memóriada Psicanálise: Jacques Lacan – A lógica do Sujeito. Vol. 07.Editora Duetto, 2009.
FUENTES, Carlos. Calixta Brand. In: Inquieta Companhia. Rio deJaneiro: Rocco, 2007.
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-Modernismo: história, teoria,ficção. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1988.
MEYER, Gabriela Rinaldi. Algumas considerações sobre o sujeitona psicose. In: Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica. Rio deJaneiro: Agora. vol.11. no.2. July/Dec. 2008