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NARRATIVAS PUBLICITÁRIAS EM CONTEXTOS MERCADOLÓGICOS
CONTEMPORÂNEOS1
Adriana Lima de OLIVEIRA2 Daniel AFANADOR 3
ESPM - Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, SP
RESUMO Este texto busca discutir uma prática mercadológica denominada Marketing de Afiliados, onde as narrativas do consumo são geradas e partilhadas não mais através de formatos publicitários convencionais, e sim a partir das interações entre públicos dispostos em rede, facilitando a proximidade e a legitimidade do discurso colocado em curso. Neste cenário, emerge o fenômeno dos blogs como instância exemplar nesta perspectiva em rede, abrindo oportunidades para a inserção e promoção de marcas, bem como seus produtos e serviços. Investigar o estabelecimento desses novos contratos nos parece importante na medida em que podemos traçar um panorama atual das iniciativas e estratégias de produção desses discursos que, ainda que pretendam se distanciar da propaganda considerada intrusiva, não deixam de conter características publicitárias. PALAVRAS-CHAVE: comunicação e consumo; propaganda; tendência; blog; marketing de afiliados. INTRODUÇÃO No final do mês de abril de 20154, um tribunal regional de Hamburgo, na Alemanha, se
manifestou sobre um litígio no qual duas editoras, o Zeit Online e o Handelsblatt,
tinham denunciado a Adblock Plus, produto da Eyeo5, companhia alemã de software que
desenvolveu um aplicativo para navegadores de Internet que permitia bloquear anúncios
intrusivos de publicidade. A resposta do tribunal, frente as reclamações de que as
editoras perdiam dinheiro por cada usuário que deixasse de clicar ou de ver os anúncios,
foi que os usuários têm o direito inalienável de auto-determinação, permitindo-lhes
bloquear anúncios, proteger a sua privacidade e determinar a sua própria experiência na
web.
Porém, o problema não acaba aí, pois além da Adblock Plus, existem outros aplicativos,
entre eles o Adblock e o uBlock, que desempenham o mesmo papel de bloquear
1 Trabalho apresentado no VI Pró-Pesq PP – Encontro de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda. GT-02. De 27 a 29/05/2015. CRP/ECA/USP. 2 Mestranda do PPGCOM da ESPM-SP, e-mail: [email protected]. 3 Mestrando do PPGCOM da ESPM-SP, autor do blog www.mirincon.co, e-mail: [email protected]. 4 Disponível em: < http://www.enriquedans.com/2015/04/bloquear-la-publicidad-es-una-opcion-licita.html >. Acesso em 26 de janeiro de 2015. 5 Disponível em: < https://adblockplus.org/en/impressum > Acesso em 26 de janeiro de 2015.
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publicidade na Internet. Isto é, mesmo se a justiça na Alemanha tivesse tomado uma
decisão contrária, os usuários poderiam ter migrado facilmente para uma outra
plataforma. E ainda, se levarmos em consideração que o Adblock Plus é um software de
código aberto, isto significa que qualquer pessoa pode pegar o código fonte sob o qual
está construído para adaptá-lo às suas próprias necessidades. Nesse sentido, poderiam
existir tantas versões disponíveis, quanto usuários na Internet. É evidente que hoje o
público tem mais controle sobre o tipo de anúncios que para ele são aceitáveis, mas isso
é pouco ou nada frente ao que as agências de propaganda e as marcas podem fazer para
reverter tal situação. No entanto, uma lição que podemos tirar é que ninguém quer
publicidade invasiva: nem o usuário que é atrapalhado enquanto faz alguma coisa do
seu dia a dia; e nem a indústria da publicidade quer dar a impressão de que a sua
criatividade, para chegar aos grandes públicos, sumiu.
Por conta disso, a hipótese norteadora deste artigo é que as narrativas publicitárias estão
mudando nas novas mídias para se adaptarem aos seus públicos, procurando novos
veículos e sendo construídas novas mensagens. Assim, através de um fenômeno que
existe nos Estados Unidos e na Europa há alguns anos, e que agora está aparecendo
timidamente na América Latina e no Brasil, vamos falar do Marketing de Afiliados,
utilizado hoje por sites de e-commerce para chegar em públicos que, na sua grande
maioria, só os blogs têm acesso. No nosso caso, faremos um recorte das nossas
pesquisas de mestrado em andamento, em especial dos discursos do consumo na
comunidade do blog de viagens de Vivir Al Máximo (VAM), cuja gênese está numa
viagem que o autor do blog começa no ano 2012 e se estende até os dias de hoje. Para
isso, no corpus traremos três blogs dessa comunidade VAM, com o objetivo de entender
como é que as narrativas publicitárias interagem com as narrativas desses blogs, para
juntas incitarem o ato do consumo.
Utilizaremos como contextualização e suporte para as análises o discurso da
criatividade, segundo recorte da nossa pesquisa de mestrado, como vetor de uma
sociedade neoliberal que, a partir das novas tecnologias da informação e comunicação,
possibilita engajamentos de outra ordem, não mais no modelo tradicional massivo de
‘um para muitos’ mas um novo modo de operar ‘um para um’. Warshaw (2006, p. 8) o
explica dizendo que “quase todas as antigas formas de consumo e produção midiática
estão evoluindo”, trazendo desse modo “novos níveis de participação” e “laços mais
fortes com os conteúdos”.
3
Justamente neste cenário vemos surgir esse novo modelo de negócio, que seria
impossível de ser viabilizado pelos recursos tradicionais das agências de publicidade em
seu formato padrão de veiculação intrusiva. Neste sentido os blogs são os principais
parceiros nesta estratégia de conectar o anunciante com o seu consumidor a partir de
uma abordagem mais sutil e orgânica. Jenkins (2009, p. 55) chama a atenção para o
fenômeno da “cultura da convergência” que permite “modos de audiência comunitários
em vez de individuais”. De olho nessas mudanças, os anunciantes começam a
diversificar seus orçamentos de publicidade com vistas a estender suas marcas a
múltiplos pontos de distribuição [contato] na intenção de atingir um público espalhado
em uma variada seleção de nichos menores. Portanto, nosso trabalho está alicerçado na
tríade, anunciante [quem paga], blogs [mídia] e agência de publicidade [criação] que se
articulam na exploração de novas formas de comunicação com o sujeito caracterizado
consumidor e para isso, exploraremos a comunicação mediada pelos blogs no geral e,
especificamente, alguns dos blogs de viagens da comunidade VAM por determinarem
uma nova modalidade de consumo e, na sequência, a questão das narrativas enquanto
reforço da linguagem publicitária, para daí traçarmos um panorama atual das iniciativas
e estratégias de produção desses discurso que, ainda que pretendam se distanciar da
propaganda considerada intrusiva, não deixam de conter características publicitárias.
BLOGS, BLOGS DE VIAGENS E NARRATIVAS Antes de continuar, vale a pena fazer uma revisão na lógica dos blogs e os blogs de
viagens, o que eles são e como funcionam. No caso dos blogs, Amaral, Recuero e
Montardo (2009, p. 31) os definem como “uma ferramenta de comunicação que é
utilizada como forma de publicar informações para uma audiência”. E acrescentam,
trazendo uma definição de Shah (2005), de que é um artefato que gera muitas auto
referências e narrativas mutuamente definidoras mais do que cria uma narrativa mestra
linear.
Se já nessa primeira definição fala-se pela primeira vez sobre narrativas, Puhringer e
Taylor (2008), na sua tentativa de definir o que é um blog de viagens, referem-se
implicitamente às narrativas quando utilizam expressões ligadas como “contar acerca
de” viagens atuais ou passadas, bem como o fato de “reportar atividades e experiências”
também para uma audiência. Nesse jogo, definem um blog de viagens como
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uma série de entradas individuais que contam acerca de viagens planejadas, atuais ou passadas. Os blogs de viagens são equivalentes aos diários pessoais, e são feitos de uma ou mais entradas individuais ligadas por um tema em comum (por exemplo, o itinerário de uma viagem ou a compra de uma passagem ao redor do mundo). Eles são normalmente escritos por turistas que reportam aos seus amigos e familiares sobre as suas atividades e experiências durante as suas viagem (2008, p. 180).
Eis que na primeira definição sugere-se a existência de narrativas, enquanto na segunda
ela aparece implicitamente. Já no caso dos blogs do nosso corpus, elas existem porque
os próprios blogs contam a história de quem os escreve. Isto é, como nos lembra
Baccega (2009, p. 260), as narrativas constituem tanto a história, ‘a realidade’, quanto a
literatura, ‘a ficção’. Por conseguinte, as histórias de que falaremos têm sua origem na
comunidade do blog de viagens de Vivir Al Máximo (VAM), um blog criado por Ángel
Alegre García (29 anos), um jovem engenheiro espanhol que após trabalhar durante 4
anos no escritório principal da Microsoft em Seattle, nos Estados Unidos, decidiu largar
tudo para cumprir o seu sonho de, segundo ele, “ser um homem livre (...). Atualmente
viajo pelo mundo conhecendo pessoas incríveis”.
Nos mais de 2 anos de existência do blog, nasce uma comunidade que está presente de
duas maneiras. Num primeiro momento, nos comentários de cada publicação, e num
segundo momento num grupo secreto do Facebook. Em particular, sabemos que dos 10
últimos posts, publicados entre os dias 19 de fevereiro e 20 de abril de 2015, todos têm
entre 29 e 136 comentários. Mas enquanto o blog é aberto e qualquer pessoa pode
acessar e comentar, existe também uma comunidade secreta no Facebook que hoje tem
não mais de 350 membros. Segundo a própria descrição do grupo, só podem fazer parte
algumas pessoas cuidadosamente selecionadas pelo autor que compartilhem a mesma
filosofia sobre a qual está construído o blog, leitores de todo o mundo que o autor
conheça em pessoa (ou tenha planejado conhecer no futuro) ou então que participem
com frequência no blog.
A filosofia em questão aparece num manifesto publicado no blog de VAM que diz:“não
estamos aqui para consumir e representar o sistema, e sim para criar, compartilhar e
ser a melhor versão de nós mesmos” 6.
Conseguinte, a escolha do corpus para este trabalho está enquadrada dentro dos blogs
da comunidade de VAM, não no blog principal do qual surge a comunidade. Antes de
chegar neles, exploraremos como é que alguns blogs se financiam hoje em dia, pois
6. Disponível em: <http://viviralmaximo.net/manifiesto/>. Acesso em: 26 maio de 2014.
5
embora a ideia de largar tudo e viajar pelo mundo pareça perfeita, é financeiramente
insustentável. Por isso, vamos dar uma olhada numa das múltiplas formas de
monetização das mídias digitais em geral, isto com o objetivo de entender melhor a
escolha do nosso corpus.
MARKETING DE AFILIADOS: alternativa de sustentabilidade financeira para
os blogs
Para Jenkins (2009), no mundo da convergência das mídia, toda história importante é
contada, toda marca é vendida e todo consumidor é cortejado por múltiplas plataformas
de mídia. Neste sentido, a circulação de conteúdo depende fortemente da participação
do consumidor, contrastando com a percepção da passividade dos espectadores dos
meios de comunicação. Cabe às empresas identificar, neste cenário, necessidades e
oportunidades que possam ser transformadas em bons negócios. Tornou-se claro para
muitas empresas que, para além da clássica segmentação de mercado, o sucesso
comercial passa pelo desenvolvimento de estratégias que assumem um caráter cada vez
mais individualizado.
No entanto, independente das novas estratégias de difusão do conteúdo, a forma de se
rentabilizar a mídia [nos parece] continua a mesma: o que se fazia na mídia tradicional,
hoje se faz com pouca variação nas novas mídias. É o caso da publicidade de display
[mais conhecida como banners], utilizada em portais, blogs e sites especializados, o que
seria uma adaptação dos anúncios em jornais e revistas impressos de ontem. São
anúncios colocados estrategicamente para chamar a atenção dos leitores; ou das
publicações patrocinadas em blogs, cujo equivalente seriam os infomerciais, nos quais
normalmente se explica para o leitor que esse é um conteúdo pago. E ainda, teríamos o
caso dos anúncios no YouTube, uma versão contemporânea dos tradicionais anúncios
em televisão, só que aqui o usuário pode não assistir ao anúncio completo após os
primeiros 5, 15 ou 30 segundos. Poderíamos até afirmar que as agências de PR
(Relações Públicas) também se adaptaram, trabalhando conjuntamente em mídia
tradicional e digital, com a diferença de que hoje podem utilizar o recurso dos hiperlinks
para entregar ainda mais informações que, por questões de espaço, não poderiam ser
mencionadas até então.
Nesse jogo onde se equilibram estratégias de comunicação, meios e sustentabilidade
financeira, as narrativas publicitárias teriam achado recentemente nos blogs um
6
caminho quase inexplorado nas suas pretensões de se adaptarem às exigências dos
novos públicos. Ofertam a partir de uma estrutura de linguagem informal e, portanto,
mais próxima, natural e cotidiana, dentro das narrativas dos próprios blogueiros, todo
tipo de mercadorias. Aqui, mais especificamente, trataremos sobre como isso é feito
graças ao que tem se consagrado no mercado sob os nomes de marketing de afiliados,
programas de afiliados ou programas de associados. A esse respeito, Weinberg e
Mares (2014)7 explicam que: Um programa de afiliados é um acordo onde você paga pessoas ou empresas para a realização de determinadas ações (como fazer uma venda ou fazer um Lead). Por exemplo, um blogueiro pode recomendar um produto e ter uma comissão quando há vendas através do blog. Neste caso, o blogueiro é a filial. Empresas como a Amazon, Zappos, eBay, Orbitz e Netflix usam programas de afiliados para conduzir partes significativas de suas receitas. Na verdade, programas de afiliados são o principal canal de vendas para muitas lojas de e-commerce, produtos de informação e programas de afiliação.8
Além disso, Duffy (2005, p. 161) explica que o papel desempenhado pelo afiliado seria
um tipo de parceiro que: vai motivar os clientes a ligar para o número de atendimento ao cliente e encomendar estes produtos diretamente de você. O papel dos afiliados de oferecer envolve marketing - nada mais. O afiliado quer uma coisa em troca: uma comissão sobre cada venda. O afiliado assume o risco total associado com o custo de comercialização de seus produtos. Se os esforços de marketing não funcionam, o afiliado perde dinheiro. Se os esforços de marketing dão certo, o afiliado ganha dinheiro. Não existem parâmetros ou restrições que definem o quanto ou quão pouco dinheiro a filial pode gastar ou ganhar. 9.
De acordo com o já mencionado por Wienberg e Mares, uma das maiores empresas
utilizando o marketing de afiliados é a Amazon, o maior site de e-commerce dos
Estados Unidos. Segundo o próprio site da companhia10, é possível ganhar até 10% de
comissão por cada venda. O que cada afiliado tem que fazer com qualquer produto que
7. Livro em formato Kindle, sem paginação. 8. Tradução nossa do original de Weinberg e Mares (2014): “An affiliate program is an arrangement where you pay people or companies for performing certain actions (like making a sale or making a qualified lead). For example, a blogger may recommend a product and take a cut when there are sales through the blog. In this case, the blogger is the affiliate. Companies like Amazon, Zappos, eBay, Orbitz and Netflix use affiliate programs to drive significant portions of their revenue. In fact, affiliate programs are the main traction channel for many ecommerce stores, info products and membership programs”. 9. Tradução nossa do original Duffy (2005, p. 161): “will motivate customers to call your customer service number and order these products directly from you. The role the affiliate offers to play involves marketing – nothing else. The affiliate wants one thing in return: a commission on each sale. The affiliate bears the total risk associated with the cost of marketing your products. If the marketing efforts do not work, the affiliate loses money. If the marketing efforts do well, the affiliate makes money. There are no parameters or constraints that define how much or how little money the affiliate can spend or earn”. 10. Disponível em: < https://affiliate-program.amazon.com/.> Acesso em 01/05/2015.
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se queira oferecer será gerar um hiperlink especial com a plataforma do programa que
estará inserido em algum lugar do blog. Como é mostrado pelo gráfico abaixo [figura
1], a composição de cada Link permitirá à Amazon saber a origem dessa venda segundo
o nome de usuário (em negrito no Link de afiliado), e no final de cada trimestre a
Amazon paga em dinheiro ou em cartões de presente o total das comissões acumuladas.
Figura 1: Modelo de Marketing de Afiliados conforme descritivo de experiência em novo modelo de negócio. No Brasil, onde a Amazon iniciou operações no ano 2012, mas a venda de livros físicos
só começou em 2014, o limite de cada comissão é do 9% para o caso de livros físicos,
do 4% para eReaders e acessórios Kindle, e de entre 4% e 8,5% para eBooks, segundo o
volume das vendas. Já nos outros países da América Latina, o México é o único onde a
Amazon tem presença. Nos outros, esse espaço está ocupado pela Linio, do Grupo
Rocket, alemã, que encontra-se hoje no México, na Colômbia, no Perú, na Venezuela,
no Chile, em Panamá e na Argentina, também com o seu próprio programa de afiliados.
Embora hoje não existam dados oficiais sobre o tamanho do mercado dos programas de
afiliados no mundo, vale a pena considerar o fato de que a Amazon teve um lucro de
8
$22,7 milhões de dólares no primeiro trimestre do ano 201511, enquanto, segundo a
Forrester Research, o tamanho do mercado do Marketing de Afiliados dos Estados
Unidos passou de 1,657 milhões de dólares no ano 2007 para 4,012 em 201412.
A PUBLICIDADE E SUAS NOVAS NARRATIVAS E para pensarmos nestes novos formatos de troca mercadológica, acreditamos existirem
na publicidade e suas novas narrativas um vínculo importante na condução desses
conteúdos mediados pelos blogs. É na geração de valor de bens, serviços e ideias que a
publicidade adquire significação econômica, social e política. No entanto, como
estratégia de comunicação sob a égide da marca, a publicidade não está sozinha, aparece
integrada à outras formas e disciplinas de comunicação, contribuindo para a instauração
de modelos de produto, estilo de vida e modo de consumo.
Mas é na perspectiva da linguagem que o estudo da publicidade implica seu
reconhecimento como instância produtora de sentido e este sempre resultado de uma
relação contratual que se estabelece entre parceiros, de um lado o anunciante e do outro
o consumidor potencial. No entanto, essa relação pactual não está clara nas novas
estratégias de comunicação, que aqui consideramos para a análise, o que se denomina
marketing de afiliados. Porém, acreditamos que essa relação está mediada pelo que
Jenkins, Ford e Green (2013, p. 4), vão chamar de “Spreadability”, um recurso que faz
os conteúdos viajarem facilmente pela Internet, o qual vai facilitar o fato de juntar
ambas as narrativas, a publicitária e a do blog. Neste sentido, a propaganda deixou de
ser um monólogo com a participação da tecnologia para se manter em um diálogo
permanente com o consumidor. E justamente nesta abertura para o diálogo que o
blogueiro emerge como agente mediador, não mais como o líder de opinião de outrora,
mas sim como líder [autor] de sua própria narrativa inspiradora, incorporando dentro
dela, produtos e serviços são naturalizados.
Na passagem dos meios massivos para a Internet podemos depreender que os blogs se
configuram como um elemento que desponta em um universo onde o papel da mídia é
decisivo na configuração dos inúmeros processos sociais e neste sentido, um novo modo
de presença do sujeito no mundo. Se antes vendiam-se produtos, atualmente vendem-se
sobretudo, imagens e modos de ser.
11. Disponível em <http://goo.gl/rCb0h0>. Acesso em 01/05/2015. 12. Prussakov, G. Size of Affiliate Marketing Industry Worldwide, 2012. Disponível em <http://goo.gl/hGddS0>. Acesso em 01/05/2015.
9
METODOLOGIA E CORPUS Neste ponto, aproveitamos para introduzir os três blogs escolhidos para o nosso corpus,
e como eles foram escolhidos. Para isso, aproveitamos o acesso que temos ao grupo
secreto do Facebook da comunidade de VAM, chamado ‘Círculo Interno de Vivir Al
Máximo’. A partir daí, fizemos uma pergunta pública para identificar quem tinha um
blog do mesmo estilo de VAM, isto é, um blog pessoal ou um blog de viagens que
utilizasse em suas narrativas Links de algum programa de afiliados. Recebemos resposta
de 2 membros que disponibilizaram 2 Links de publicações nas quais indicavam livros
para os seus leitores. Sob os títulos de “17 livros recomendados sobre
empreendedorismo e desenvolvimento pessoal”13 do blog A Empezar que se autodefine
como “um site muito popular com recursos e motivação para você avançar nos seus
projetos” e “15 Grandes livros de desenvolvimento pessoal que li (e que recomendo)”14
do blog Aprendizaje y Vida.
Além disso, fomos atrás de um banco de dados (não atualizado) dentro da comunidade e
procuramos publicações recentes que tivessem Links de afiliados entre os blogs que ali
apareciam por. Assim chegamos em mais duas publicações com as características acima
mencionadas: “As 10 coisas que aprendi depois de 5 anos como autônomo e design
gráfico na Espanha”15 do site No Solo Ideas e “Monogramia? Sim, para mim 2,
grato.”16 do blog Carpe Diem, disfrutando el ahora.
O primeiro blog, A Empezar não tem um ‘Acerca De’ ou ‘Sobre o site’, mas nas suas
publicações mais recentes o próprio autor, Miguel Gómez, num post intitulado ‘Seguir
adelante’ conta uma parte da sua história, segundo a qual o seu último projeto não deu
certo e hoje só dispõe de 1.079 Euros para começar o próximo, mas destaca a sua
experiência, que vem trabalhando na web desde os 13 anos (não menciona quantos tem
agora) e tem lançando projetos desde o ano 2006. Explica também: “não tem volta,
desta vez vou me dedicar a conseguir que o maior número de pessoas possam viver de
seus talentos por meio das minhas duas paixões: internet e desenvolvimento pessoal,
13. Gómez, M. 17 Libros recomendados sobre emprendimiento y desarrollo personal, 2015. [Tradução nossa]. Disponível em <http://goo.gl/n6uy1s>. Acesso em 01/05/2015. 14. Núñez, J. 15 Grandes Libros De Desarrollo Personal Que He Leído (Y Te Recomiendo), 2015. [Tradução nossa]. Disponível em <http://goo.gl/CEL9Ol>. Acesso em 01/05/2015. 15. Herrero, A. Las 10 cosas que he aprendido después de 5 años como autónomo y diseñador gráfico en España, 2015. [Tradução nossa]. Disponível em <http://goo.gl/uqGTJs>. Acesso em 01/05/2015.
16. Chan, C. ¿Monogamía? Sí, a mi dos, gracias, 2015. [Tradução nossa]. Disponível em <http://goo.gl/FU4z5Q>. Acesso em 01/05/2015.
10
algo que sempre quis mas nunca me atrevi a fazer.” O segundo blog, Aprendizaje y
Vida, poderíamos dizer que é anônimo. A sua autora diz no ‘Acerca de’ que o seu nome,
sua idade, seus estudos, sua nacionalidade e outras informações pessoais são
irrelevantes, enquanto o que segundo ela realmente interessa é o que se está
compartilhando no blog, o que se possa aprender e o que o leitor possa ensinar para ela.
Das poucas coisas que diz sobre si mesma é que faz parte da geração X, com a qual se
sente muito identificada nas suas crenças e atitudes, e fecha explicando a temática do
blog: “neste espaço encontrará uma multiplicidade de experiência que formam parte do que tem sido minha vida, e que tem se convertido em todo tipo de vivência, aprendizagem, reflexões e opiniões que configuram minha individualidade e contribuem para me definir. Espero que compartilhar contigo me enriqueça e me ajude a crescer como pessoa, assim como espero também poder servir a você”17.
Em seguida, temos o blog No Solo Ideas de Antonio Herrero (Espanha), que até pouco
tempo atrás era um blog corporativo do estúdio de Design do autor, onde fazia upload
dos trabalhos que a empresa fazia para os seus clientes. No entanto, as duas publicações
mais recentes propõem uma nova reflexão. Na penúltima publicação, o autor conta 11
lições aprendidas como empreendedor, autônomo e empresário na Espanha. No final,
fecha a publicação dizendo “posso e devo desfrutar, compartilhar, ensinar, aprender,
sonhar e ajudar [...] a todas as pessoas que tenham a sorte de cruzarem meu caminho”.
Por último, sob o nome de Carpe Diem, disfrutando el ahora está o blog de Caro Chan,
espanhola morando em Londres. Diz se dedicar à arte, à maquiagem e que é aeromoça.
Já os conteúdos do próprio blog são uma extensão da sua vida diária, pensamentos,
opiniões e fotografias. Se pode dizer que a filosofia sobre a qual está construído o blog é
que “O ontem já passou, o futuro é incerto mas o hoje é um presente, por isso se chama
‘presente’. Vamos desfrutar o dia que se apresenta ao máximo? Quer tentar?”. Isto
aparece destacado na primeira tela que o leitor acessa no blog.
Das publicações já mencionadas desses quatro blogs todas utilizam o programa de
afiliados da Amazon Espanha para oferecer livros. A única mercadoria de outro tipo da
qual se fala em algum momento é de um leitor de livros eletrônicos, o Amazon Kindle.
Cada um utiliza maneiras diferentes de indicar os livros. Por exemplo, o blog de A
Empezar faz uma lista de ‘17 livros sobre empreendedorismo e desenvolvimento
17. Núñez, J. Acerca de Aprendizaje y Vida, 2015. [Tradução nossa]. Disponível em <http://goo.gl/ySZbaB>. Acesso em 01/05/2015.
11
pessoal’ e os divide em diferentes categorias (1. Para começar a mudar a sua
mentalidade. 2. Empreendedorismo e motivação. 3. Coaching e melhora da qualidade
de vida. 4. Inteligência financeira. 5. Espiritualidade), e faz um resumo de duas linhas
em cada, mas não explica se foram livros que o autor já leu. A única coisa é que o autor
faz uma introdução com o seguinte enunciado: “Não há nada como um bom livro para
mudar nossa forma de pensar, abrir a mente e adquirir novas habilidades.” O texto não
tem uma introdução; o blog de Caro Chan simplesmente faz uma menção de um livro
que ela leu dizendo: “Um dos últimos livros que li”, e diz o nome. Esse estilo é parecido
ao utilizado em No Solo Ideas, pois enquanto o autor do blog conta a sua história como
empreendedor, ele vai mencionando e indicando livros. É aí que utiliza expressões
como “recomendo a todos que leiam imediatamente o livro Padre Rico Padre Pobre” ou
para apresentar alguém que ele conheceu diz “Sergio é o autor de Vivir sin jefe, um dos
melhores livros para ajudar você a questionar a si mesmo”. E em outro momento diz:
“Também li a Tim Ferris e seu famoso livro La semana laboral de 4 horas”. No final,
são um total de três livros indicados e uma menção de um outro artigo de outro site, mas
escrito por ele mesmo intitulado “Os livros que mudaram nossa vida”, onde utiliza o
mesmo modelo de Marketing de Afiliados. Por último, o blog de Aprendizaje y Vida
desde o primeiro momento explica que os livros mencionados nesse artigo já foram
lidos pela autora e os recomenda, bem como menciona que tem um Amazon Kindle,
para o qual utiliza um Link de Afiliados também. Logo na introdução, explica e faz
implicitamente um convite: “tenho mais de 300 livros direcionados ao crescimento
pessoal (embora permaneçam em minha estante), cujas leituras tem contribuído em
grande medida para o meu enriquecimento e evolução como ser humano”.
ANÁLISE Os discursos embutidos nestes dispositivos midiáticos buscam públicos mais ou menos
engajados. Esses discursos são produzidos por especialistas ou, como nos explica Aidar
Prado (2013, p.10-11) por “analistas simbólicos”, isto é, uma “infinidade de
enunciadores, que, além de informar e responder às demandas dos usuários, também nos
convoca para programas específicos”, que no caso dos blogs de viagem estão
alicerçados em “experiências” que não poderiam ser conseguidas caso não tivessem
optado por “mudar de vida e ir em busca de seus sonhos.” Essa mudança só é possível
graças ao acesso a uma rede de produtos e serviços oferecidos por estes analistas no
12
mercado. Portanto, na atualidade, a convocação (PRADO, 2013) do sujeito não é mais
para a compra [discurso direto] de um produto ou serviço, e sim a captura da fidelidade,
atenção e adesão [discurso indireto]; é necessária a produção de novas estratégias de
comunicação que deem conta de burlar a promoção publicitária invasiva, através de
narrativas naturalizadas em histórias e práticas cotidianas.
Entendendo a criação publicitária como lugar privilegiado para a construção de uma
narrativa ficcional direcionada ao consumo, temos que considerar as instâncias
essenciais para a proliferação dessas narrativas. Estamos falando do sistema midiático.
Um universo que incorpora o território material e simbólico de todos os meios de
comunicação de massa e suas ramificações (CARRASCOZA, 2015), não havendo como
escapar dele. E é na mistura de discurso que vemos borradas as fronteiras entre ficção e
realidade. A estratégia discursiva da publicidade, entendida como um conjunto de
narrativas de mundo possíveis e favoráveis [direcionado a marcas e produtos], se valem
de dois padrões consagrados por Carrascoza (2005) que foi buscar na mitologia seu
argumentos: de um lado o padrão ‘apolíneo’ de persuasão, dominado pelo vetor lógico-
formal, em que o enunciador tenta influenciar o enunciatário por meio de argumentos
racionais e sustenta-se numa estrutura dissertativa. E do outro lado o padrão ‘dionisíaco’
que se apóia nos pressupostos da emocionalidade e, em geral, é constituído no formato
de narrativa. Essas duas linhas de força são calibradas na enunciação de acordo com os
objetivos do enunciador em face das características do público-alvo.
A partir dessa diferença, elegemos o discurso narrativo como exemplar para fazer um
percurso que sai das mãos do publicitário, seu produtor legitimado, e vai para as mãos
dos blogueiros. São eles que deverão se valer dos recursos persuasivos, próprios da
publicidade, para conseguir a atenção dos seus leitores e catapultá-los à categoria de
consumidores. Para uma primeira análise tomamos como foco alguns elementos da
narrativa como enredo, personagem, ambiente e tempo. Lembrando que uma das
características dos blogs é a proximidade entre o blogueiro e seu público e por isso o
relato na primeira pessoa é fundamental. Na sequência buscamos referências nas fases
sequenciais dos textos narrativos como a manipulação, a competência, a performance e
a sanção (FIORIN, 2001 apud CARRASCOZA, 2014, p.17). “Na publicidade, a
manipulação e a sanção (a recompensa para o personagem que agiu conforme as ‘leis’
do consumo) são as fases das narrativas mais focadas”. Se pensarmos os blogueiros
como personagens principais das narrativas, teremos material fértil para identificar as
13
mais diversas figuras de linguagem, recurso fundamental no modelo da propaganda
emocional pois injetam mais expressividade ao discurso.
DA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA [e suas ficções] A LINGUAGEM COTIDIANA [e seus fatos]. Alguns autores e roteiristas ainda fazem diferença entre história [ciência histórica] e
estória, enquanto narrativa ficcional. Flavio de Campos (2011), por exemplo, trata
estória como um ‘incidente ou o conjunto de incidentes imaginados’. Podemos
percorrer a estória por um fio que faz o percurso que um incidente ou uma sequência de
incidentes traça dentro de uma massa de estórias e por fim, a narrativa ‘é o produto da
percepção, interpretação, seleção e organização de alguns elementos de uma estória.
Historiador e jornalista, portanto, percorrem processo semelhante. A diferença está que
em vez de ser uma massa de incidentes imaginados, se deparam com uma massa de
incidentes coletados, a partir do qual vão compor uma narrativa, neste caso, um relato
ou reportagem. Essas fronteiras não são estritas nas narrativas publicitárias que, muitas
vezes, se utilizam de fragmentos da história para contar suas estórias envolvendo
marcas e produtos. Obviamente que a estratégia de contar histórias não é nova, a
importância está nas estratégias de sua produção. Walter Longo (2009) fala da
integração entre publicidade, ludicidade e interatividade através do conceito MVV -
Madison, Vine & Valley, cuja sigla se refere ao endereço de três importantes indústrias:
Madison Avenue (sede de corporações mundiais da publicidade), Vine Street (endereço
da indústria do entretenimento em Hollywood) e Silicon Valley (região que reúne as
empresas de tecnologia da informação, na Califórnia). Essa hibridização da publicidade
(COVALESKI, 2013) faz surgir movimentos conhecidos como advertainment, a
publicidade mesclada ao conteúdo de entretenimento e o branded content, conteúdo de
marca ou comunicação por conteúdo.
A relevância desses movimentos está justamente na oportunidade de se ajustarem a
nova e variada gama de suportes e plataformas de comunicação, bem como a
possibilidade de criação de diversificadas narrativas. Isso torna possível a naturalização
dos discursos de consumo para o consumidor contemporâneo participar desse processo
produtivo. Este novo papel de protagonista também recebe o nome de prosumer. Para
Angelo Franzão Neto (2009, apud COVALESKI, 2013, p.41), os prosumers têm algum
“poder de influência no consumo de marcas, pois opinam e discutem com tal
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propriedade seus produtos e serviços que acabam se transformando em eficazes
vendedores”. Atuantes em seus networkings, tendem a influenciar a decisão de compra
de uma nova marca ou modelo, principalmente fazendo uso de ferramentas de
comunicação, como os dirigidos a aparelhos mobile e redes sociais. Hoje este segmento
já é reconhecido e valorizado pelo mercado e são para eles que os grandes fabricantes
investem expressivas somas em programas de relacionamento. O exemplo da Amazon e
seu Marketing de Afiliados é um caso exemplar do que estamos chamando de
relacionamento. Antes da marca falar com o consumidor final, aquele para quem a
marca destina seus produtos e serviços, a empresa precisa dirigir a mensagem para o
blogueiro, hoje, um elemento intermediário importante nesta relação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferente de uma campanha publicitária ou um programa de televisão que visam
estabelecer empatia com o público; o blog leva vantagem quando o contato se
estabelece entre pessoas, pois a linguagem se apresenta muito mais acessível para um
indivíduo expressar aquilo que pensa e sente do que para uma marca, um produto ou
serviço promover seus atributos e benefícios. Carrascoza (2014, p.157) chama a atenção
das empresa que não “empregam plenamente narrativas em sua comunicação
publicitária” para fortalecer seu poderio na arena das tramas discursivas, pois torna
reduzido [material e simbolicamente] o “mundo imaginário” que partilham com o seu
público.
Neste cenário, onde as empresas estão buscando alternativas para a sua comunicação e
consequente venda de seus produtos e serviços, Duffy (2005) nos alerta para o risco
que o blogueiro corre neste tipo de contrato: é somente dele a responsabilidade pelo
sucesso do negócio, ou seja, se ele conseguiu que um dos seus seguidores compre o
produto, ele também ganha; caso contrário, ele investiu todo o seu tempo de graça e não
deverá ganhar nada por isso. Desse modo, depreendemos que não se trata apenas da
transmissão e distribuição de informações e sim da relação entre locutores e todas as
suas implicações. Essa relação estabelecida entre as marcas, os blogueiro e seus
seguidores, necessita de narrativas poderosas para tornar visível modos de ser e
conviver socialmente que incluam produtos e serviços disponíveis e acessíveis em um
mercado em constante transformação, principalmente quando se tem na tecnologia uma
variável importante. Na contemporaneidade, esta variável ocupa largo espaço no estudo
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da intersecção comunicação e consumo e junto com a ela a publicidade, como local de
encontro desses discursos.
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