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L'EDUCATION SCOLAIRE POUR LES ELEVES HANDICAPES ET LA PERCEPTION PHENOMENOLOGIQUE DE MERLAU-PONTY: UNE TENTATIVE DE MISE EN RELATION A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A PERCEPÇÃO FENOMENOLOGICA DE MERLAU-PONTY: UMA TENTATIVA DE APROXIMAÇÃO Anaís Suassuna SIMÕES 1 Marcelo Soares Tavares de MELO 2 Eduardo Jorge Souza da SILVA 3 1 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil 2 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil 3 Escola Superior de Educação Física, Brasil Email: [email protected] ; [email protected] ; [email protected] Résumé Ce texte a comme but analyser l'évolution de la symbolisation du corps handicapé et faire une tentative d'aproximer "l'inclusion" et la conception phénoménologique de Merlau-Ponty. Cette recherche bibliographique fait partie d'un travail sur terrain du master en Éducation Physique UPE/UFPB, qui observe dans la réalité scolaire l'inclusion/exclusion de jeunes handicapés dans les classes d' Éducation Physique. Dans ce moment-là, nous effectuons un levage de la bibliographie pour attendre notre but principale. Pendant l'histoire humaine, les corps handicapés ont été traités de manières différentes, soit étant éliminés et supprimés, soit étant intégrés et inclus. C'est dans ce contexte, "d'inclusion" (quand les personnes handicapées sont inclues dans les écoles ordinaires), que les corps sont considérés différents et c'est pour ça qu'ils doivent être respectés. Considérer le corps comme condition d'être dans le monde et être humain est fondamental pour justifier la notion d'inclusion qui comprend la matérialisation et la reconnaissance des différences dans une même classe, principalement si on considère le concept d'Alterité (qui nous permet de percevoir l'autre comme un être de droits et situé historiquement) pour la médiation du dialogue. C'est à partir du corps que se produisent les expériences avec les autres et avec le monde, en favorisant la prise sensible des significations de la société. C'est pour ça, donc, qu'on comprend l'importance de considérer la perception phénoménologique du corps dans le contexte scolaire, comme lieu privilégié pour les possibilités d'inclusion des personnes handicapés dans la société. Mots-Clé: Inclusion, Corps, Éducation, Dialogue, Alterité Resumo Este trabalho tem como objetivo analisar a evolução da simbolização do corpo deficiente ao longo da história, tentando aproximar o paradigma da inclusão das pessoas com necessidades educacionais no contexto escolar com a concepção corporal fenomenológica de Merlau-Ponty. Metodologicamente esta pesquisa de caráter bibliográfico subsidiará uma pesquisa de campo do mestrado em Educação Física UPE/UFPB, a qual observará na realidade escolar a inclusão/exclusão de jovens com necessidades educacionais especiais nas aulas de Educação Física. No momento estamos realizando um levantamento das referências para atender ao objetivo em voga. Ao longo da história humana o corpo deficiente foi encarado de maneiras diferentes, hora sendo eliminado ou excluído, hora sendo integrado e incluído. É a partir do entendimento da inclusão (na qual se defende a inserção de crianças com necessidades educacionais especiais -NEEs- na sala de aula regular), que por base a ideia de que todos os corpos são diferentes e que por conta disso devem ser respeitados. Entender o corpo como condição de estar no mundo e ser humano passa a ser fundamental para justificar a noção de inclusão abrangendo a materialização e o reconhecimento das diferenças dentro de uma mesma sala de aula, principalmente se considerarmos o conceito de alteridade (que possibilita perceber o outro como ser de direitos e situado historicamente) pela 1

l'education scolaire pour les eleves handicapes et la

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L'EDUCATION SCOLAIRE POUR LES ELEVES HANDICAPES ET LAPERCEPTION PHENOMENOLOGIQUE DE MERLAU-PONTY:

UNE TENTATIVE DE MISE EN RELATIONA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A PERCEPÇÃO FENOMENOLOGICA DE

MERLAU-PONTY: UMA TENTATIVA DE APROXIMAÇÃO

Anaís Suassuna SIMÕES1

Marcelo Soares Tavares de MELO2

Eduardo Jorge Souza da SILVA3

1 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil2 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil

3 Escola Superior de Educação Física, Brasil

Email: [email protected] ; [email protected] ; [email protected]

Résumé

Ce texte a comme but analyser l'évolution de la symbolisation du corps handicapé et faire unetentative d'aproximer "l'inclusion" et la conception phénoménologique de Merlau-Ponty. Cetterecherche bibliographique fait partie d'un travail sur terrain du master en Éducation PhysiqueUPE/UFPB, qui observe dans la réalité scolaire l'inclusion/exclusion de jeunes handicapés dans lesclasses d' Éducation Physique. Dans ce moment-là, nous effectuons un levage de la bibliographiepour attendre notre but principale. Pendant l'histoire humaine, les corps handicapés ont été traitésde manières différentes, soit étant éliminés et supprimés, soit étant intégrés et inclus. C'est dans cecontexte, "d'inclusion" (quand les personnes handicapées sont inclues dans les écoles ordinaires),que les corps sont considérés différents et c'est pour ça qu'ils doivent être respectés. Considérer lecorps comme condition d'être dans le monde et être humain est fondamental pour justifier la notiond'inclusion qui comprend la matérialisation et la reconnaissance des différences dans une mêmeclasse, principalement si on considère le concept d'Alterité (qui nous permet de percevoir l'autrecomme un être de droits et situé historiquement) pour la médiation du dialogue. C'est à partir ducorps que se produisent les expériences avec les autres et avec le monde, en favorisant la prisesensible des significations de la société. C'est pour ça, donc, qu'on comprend l'importance deconsidérer la perception phénoménologique du corps dans le contexte scolaire, comme lieuprivilégié pour les possibilités d'inclusion des personnes handicapés dans la société.

Mots-Clé: Inclusion, Corps, Éducation, Dialogue, Alterité

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar a evolução da simbolização do corpo deficiente ao longoda história, tentando aproximar o paradigma da inclusão das pessoas com necessidadeseducacionais no contexto escolar com a concepção corporal fenomenológica de Merlau-Ponty.Metodologicamente esta pesquisa de caráter bibliográfico subsidiará uma pesquisa de campo domestrado em Educação Física UPE/UFPB, a qual observará na realidade escolar a inclusão/exclusãode jovens com necessidades educacionais especiais nas aulas de Educação Física. No momentoestamos realizando um levantamento das referências para atender ao objetivo em voga. Ao longoda história humana o corpo deficiente foi encarado de maneiras diferentes, hora sendo eliminadoou excluído, hora sendo integrado e incluído. É a partir do entendimento da inclusão (na qual sedefende a inserção de crianças com necessidades educacionais especiais -NEEs- na sala de aularegular), que por base a ideia de que todos os corpos são diferentes e que por conta disso devem serrespeitados. Entender o corpo como condição de estar no mundo e ser humano passa a serfundamental para justificar a noção de inclusão abrangendo a materialização e o reconhecimentodas diferenças dentro de uma mesma sala de aula, principalmente se considerarmos o conceito dealteridade (que possibilita perceber o outro como ser de direitos e situado historicamente) pela

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mediação do diálogo. Estabelecemos nexos entre os conceitos de alteridade e diálogo com o depercepção fenomenológica do corpo. É a partir do corpo que acontecem as experiências com ooutro e com o mundo, favorecendo a apreensão sensível dos significados da sociedade. Nesteestudo, ainda em andamento, concluímos que é importante considerar a percepção fenomenológicado corpo dentro do contexto escolar, como espaço privilegiado para as possibilidades de inclusão depessoas com NEEs na sociedade.

Palavras-Chave: Inclusão, Corpo, Educação, Diálogo, Alteridade

1. Introdução

Este trabalho tem como objetivo analisar a evolução da simbolização do corpo deficiente ao longo dahistória, tentando aproximar o paradigma da inclusão das pessoas com necessidades educacionais nocontexto escolar com a concepção corporal fenomenológica de Merlau-Ponty. Esta começa a tratar o corpona sua essência (eu não tenho um corpo, eu sou ele), como meio de aquisição perceptual e de comunicaçãocom o tempo, com o espaço e com o outro (Merleau-Ponty, 1999). Para isto realizamos uma série deleituras (Bakhtin, 2006; Freire, 1994, 2002; Mantoan & Prieto, 2006; Mittler, 2003) tentando aproximaressas ideias. Uma das questões que mais nos chamou a atenção é que são conceitos na sua origembastante distintos, primeiro porque em seu trabalho o filósofo francês trata a questão corporal de formamais abstrata, pois começa a tratar as questões da vivência do ser no mundo a partir das suas experiências,que significa dizer segundo o próprio, "ser com eles em lugar de estar ao lado deles" (p.142).

Diferentemente das questões educacionais que sempre se baseiam em ações mais concretas detransformação, segundo o próprio Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido:

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsaspalavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir,humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se voltaproblematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar (Freire, 1994,p.44).

Levar em conta a questão corporal do estar no mundo de Merlau-Ponty, considerando principalmente afunção corporal de relação com o outro e ainda o conceito de alteridade de Bakhtin e o diálogo naeducação tão discutida por Paulo Freire (Geraldi, 2004), temas que se tornaram fundamentais, a partir domomento em que consideramos presença do binômio exclusão/inclusão, tão fortemente difundidoatualmente nas escolas, nos faz pensar na importância de se considerar as ideias do filósofo francês para aEducação. Ora se é partir da relação com o outro que se dá o processo educativo, por que não utilizar taisideias na educação inclusiva?

2. Breve historização do corpo deficiente

O corpo foi definido de maneiras distintas ao longo do tempo, sempre baseado nas exigências, valores einteresses das culturas dos grupos dominantes (Santin, 1990). O que nos remete a possíveis compreensõesde diferentes ações concretas e explicações do corpo deficiente nos vários momentos da humanidade.Hora sendo temido e causador de medo, hora admirado e venerado. O que acarretou, segundo (Omote,2004), em formas extremas de banimentos e assassinatos ou em outros momentos de acolhimento esimpatia do corpo deficiente.

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Durante a pré-história, marcada pela presença dos povos nômades os quais dependiam da coleta de frutos,caça e locomoção constante para sobreviverem, acabavam abandonando e assassinando as pessoas quetinham algum tipo de dificuldade, seja pela velhice ou por alguma deficiência. (Rechineli, Tereza, Porto, &Moreira, 2008). Ainda segundo os mesmos autores, na Antiguidade, marcada pela dicotomia entre aspotências Roma e Grécia, a simbolização do corpo deficiente se baseou em conceitos diferentes, mas comconsequências semelhantes. Foi nesse período também que, segundo (Santin, 1990), deu-se início de umaanálise mais abstrata da ideia de corpo. Na Grécia Antiga, representada pelas cidades de Atenas e Esparta,o corpo foi simbolizado de forma diferente em cada uma destas cidades. Na primeira existia umaidealização extrema do corpo belo, voltado para as artes, já na segunda, o que se desejava eram corposfortes e preparados para a guerra. Neste sentido quem não conseguisse seguir os padrões estabelecidospela sociedade era assassinado ou abandonado. Em Roma, notava-se a existência de alguns espetáculosenvolvendo corpos definidos como bizarros e grotescos a fim de entreter o público, dentre os quais seencontravam os aleijados, cegos, surdos, dentre outros" (Piccolo, 2012, p.32). Este tipo de prática perdurouainda na Grécia Antiga, perdeu força após a queda do Império Romano, retomando apenas na Baixa IdadeMédia. Ainda em Roma, levando em conta as ideias de Platão as quais defendiam a separação do corpo emente, as pessoas com deficiência foram excluídas e eliminadas por serem vistas como pessoas incapazesmentalmente ou corporalmente (Rechineli et al., 2008).

A Idade Média, talvez tenha sido o período mais confuso e ambíguo da humanidade, quando levamos emconta a compreensão do corpo deficiente. Pois, ao mesmo tempo que os corpos estigmatizados peladeficiência eram vistos como encarnação do demônio e obra do pecado por não apresentaram umaimagem semelhante ao divino, os mesmo eram impedidos de serem eliminado por conta da ética cristã,como bem afirma (Piccolo, 2012), "abrolha neste tempo, pela primeira vez na história, o estabelecimentode uma rede de proteção derivada da moral cristã a tais pessoas e corpos, a qual colocava como inaceitávela prática espartana da exposição como forma de eliminação"(p.34). Passa a valer então, a internação e oacolhimento das pessoas com deficiência em asilos e igrejas. É preciso notar, porém, que a exclusãocontinua, mesmo que mascarada por uma ideia de caridade. Um outro movimento que voltou a tomarforça neste período foi o da exposição pelo riso das pessoas com deficiência, que era utilizadas comoferramenta de entretenimento daqueles que formavam a corte.

A crise no período feudal culminando no fortalecimento do capitalismo, acarretou numa mudança nasimbolização do corpo deficiente. Com o surgimento da burguesia a exclusão continuou, não por conta deuma questão de Deus X Demônio, mas agora pela exigência do sistema de produção, que, visando amanutenção da hegemonia da burguesia sobre a classe operária, investia-se agora "na construção de umhomem novo, um homem que possa suportar uma nova ordem política, econômica e social, um novo modode reproduzir a vida sob novas bases" (Soares, 2004, p.05). O corpo passou a ser visto como uma máquina,com a função única e exclusivamente de produzir capital. Sendo assim a deficiência passou "a ser percebidacomo falha, incapacidade, ineficiência" (Piccolo, 2012, p.31), desta máquina, o acarretou na exclusão daspessoas com alguma deficiência. Além disso, segundo o mesmo autor, qualquer forma de entretenimentopassou a ser vista como perda de tempo e consequentemente de capital, desta maneira os ringues deentretenimento que tomou força durante a Idade Média perderam a força. E assim as definições doscorpos passaram a ser feitas a partir de uma visão médica e não mais de uma visão oriunda da religião.

O que se vê até aqui é que a simbolização do corpo ao longo da história, foi fortemente marcada pelareligião e pelas necessidades humanas e que principalmente por muito tempo os "corpos deficientes" não

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eram vistos como pessoas. O que acarretou nas série de atrocidades que vimos anteriormente. Se nãoseriam para o fim desejados eram eliminados ou encarados como monstros.

Com o século XX, vieram ideias e desejos mais libertadores, o que culminou em reformas políticas eguerras, culminando numa mudança nas atitudes governamentais voltadas para as pessoas com deficiência(Rechineli et al., 2008). Num primeiro momento essas ações foram tomadas por conta da volta para casados heróis amputados das duas grandes guerras, surgiram então, segundo os mesmos autores, hospitais eprogramas de reabilitação com intuito de reintegrar à sociedade os feridos das batalhas.

Acreditamos porém, que não podemos mais encarar o corpo de maneira biológica ou de cunho médico épreciso considerá-lo na sua essência, como porta de comunicação com o mundo. Que expressasentimentos, emoções e vontades. É ainda a partir da interação com o mundo que nosso corpo se modificae nos formamos como pessoa (Tavares, 2003).

Hoje o que se vê, ainda sob o prisma dos ideais igualitários, é a busca e a defesa da inclusão social, o queacarretou em diversas movimentações para a garantia de direito das pessoas com deficiência, das quaispodemos tomar como marco principal a educação.

3. A percepção de corpo em Merlau-Ponty

A ideia de corpo de Merlau-Ponty, segundo (Santin, 1990), é uma tentativa de superar o dualismo existenteanteriormente entre corpo e espírito, sendo assim passa a adotar a ideia de que "eu sou o corpo". É narelação com o mundo que Merlau-Ponty pensa o corpo. Em seu livro Fenomenologia da Percepção ele trazo seguinte sobre o corpo, que para ele é "o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo,juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamenteneles"(Merleau-Ponty, 1999,p.122), ou seja é a partir do corpo que defino as minhas relações com o outroe com o mundo sensível e tomo consciência do estar no mundo. Mas afinal o que é ter consciência do estarno mundo? Merlau-Ponty, ainda no seu Fenomenologia da Percepção, nos aponta uma saída para explicarisso:

A consciência é o ser para a coisa por intermédio do corpo. Um movimento é aprendido quando ocorpo o compreendeu, quer dizer, quando ele o incorporou ao seu "mundo", e mover seu corpo é visaras coisas através dele, é deixá-lo corresponder à sua solicitação, que se exerce sobre ele semnenhuma representação (p.193)

Se é no meu corpo que eu tomo consciência do estar no mundo, este passa a ser o veículo de comunicaçãoe percepção de todas as coisas. Sobre isso (Xavier, 2013) afirma que:

O ser corporificado é a carne do mundo, a consciência de alguma coisa é sempre a consciência de umsujeito, as coisas surgem no mundo sempre para uma consciência, elas se enraízam no nosso corpo enosso corpo se enraíza ao mundo (p.02).

O que nos chama atenção é que mesmo compreendendo que o corpo apreende a questão da experiênciado estar no mundo de forma sensível, todas as nossas ações estão no mundo concreto e (B. F. G. Machado,2011), em seu estudo sobre a obra de Merlau-Ponty, nos aponta que: "é importante destacar que tanto a

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experiência perceptiva das coisas como a experiência perceptiva do outro são sempre de cunho carnal"(p.49) Ainda sobre esta questão (Soares, 2004), diz que apesar da percepção em nosso corpo acontecer deforma concreta, ela não pode ser definida assim, pois desta maneira não conseguiremos alcançar em suatotalidade a essência do corpo singular.

Ora se já entendemos que é a partir do corpo que se dá todas as relações e novas apreensões do mundo eque é a partir das relações humanas que se baseiam todas as ações educativas, nada melhor do quecomeçar a articular as ideias de (Merleau-Ponty, 1999) com as questões educacionais, pois segundo ele é apartir do nosso corpo que apreendemos e damos uma nova significação para o mundo. Se é a partir docorpo que aprendemos coisas novas, começaremos agora a traçar os caminhos das relações que noslevaram a pensar a articulação da questão corporal merlau-pontyana com os ideias da Educação Inclusiva. Eo primeiro passo é tratar a questão da relação com ou outro a partir do diálogo. Tão importante nasrelações interpessoais. O filósofo francês também discute a questão da fala em seu livro, afirmando que éela que traz o pensamento para o mundo sensível se transformando no próprio corpo, mas chama aatenção também para que "não é com "representações" ou com um pensamento que em primeiro lugareu comunico, mas com um sujeito falante, com um certo estilo de ser e com o "mundo" que ele visa"(Merleau-Ponty, 1999, p.249). Ou seja, o que entendemos é que apesar de considerar o corpo na suaessência, toda a relação com o outro se dá de maneira concreta, no mundo sensível, pois ali existe umoutro ser, no mundo, com outras ideias, outras vivências e que precisa ser reconhecido.

4. Alteridade e diálogo

Trazer as questões discutidas por Bakhtin e por Paulo Freire e relacioná-las com as ideias de Merlau-Pontypode parecer estranho e até mesmo impossível, mas acreditamos porém, que tratar o diálogo e o conceitode alteridade é de fundamental importância quando buscamos discutir Educação, pois sem considerar ooutro e sem ouvir o que ele tem a trazer não se transforma o mundo.

O conceito de alteridade de Bakhtin traz para a dialética as relações humanas, já que este situa o sujeitoconcretamente em um determinado momento ou ação histórica. Isto porque começa a basear essasrelações no entendimento das ações e contradições de outrem. Aqui, se começa a enxergar o olhar dooutro, o problema do outro e compreender que o outro sempre será diferente do mim (Bussoletti & Molon,2010).

Bakhtin começa a perceber e considerar o outro como ser de direitos e existente a partir do diálogo,

Toda palavra serve de expressa a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relaçãoao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de pontelançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-sesobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.” (Bakhtin,2006, p. 115).

O que nos faz perceber que existe uma ligação direta com o que Paulo Freire defende, nas suas diversasobras, já que ambos começam a traçar o diálogo como peça fundamental para as relações humanas.Primeiro como maneira de perceber e valorizar ou outro (Bakhtin) e segundo como base de uma educaçãocrítica, capaz de transformar o mundo ( Paulo Freire). O diálogo é tratado em Paulo Freire comoferramenta de aprendizagem, de constituição de SER na história e principalmente como fonte de

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libertação. A relação com o outro passa a ser o foco das suas atenções. Vejamos na Pedagogia daAutonomia ele afirma que " o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relaçãodialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanentemovimento na História.” (Freire, 2002, p.51), o que nos remete a questão de fazer parte do mundo econsequentemente da história. Mas ele lembra também em Pedagogia do Oprimido, que eu só consigo ser"eu" se eu considero o "outro", sendo assim "[...]o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relaçõesconstitutivas, dois tu que se fazem dois eu" (Freire, 1994, p.96). Isso significa dizer que precisamosconsiderar o outro para a construção de uma sociedade melhor. E isso só acontece se traçarmos nossasações de maneira crítica.

Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticaiscaracterísticos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar acontradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora dodiálogo (idem.p.39).

É nesta ação, a da dialética, na qual se leva em conta todas as contradições da sociedade, que se dá atomada de consciência. Esta relacionada com a função e participação de cada um na sociedade.

Perceber o outro como parte de mim e como participação fundamental da história humana e aindaconsiderar o diálogo como meio de transformar o mundo de maneira crítica, outra ideia defendida porFreire, é base fundamental daquilo que a Educação Inclusiva, pois esta passa a enxergar a pessoa comdeficiência como ser de direitos e participantes da sociedade.

5. Inclusão e percepção fenomenológica do corpo: uma tentativa de aproximação.

Tentar aproximar às ideias corporais merlau-pontyanas com a inclusão é, antes de tudo, direcionar-se paraa educação. Porém é preciso compreender, que "por ser a Fenomenologia um método filosófico,umamaneira de pensar e não uma prerrogativa pragmática (Machado, 2010, p.14), o que se pode fazer é afinarao seu jeito de pensar às questões educativas.

Antes de começarmos a trilhar o caminho da aproximação entre as ideias de Merlau-Ponty com a Inclusão,é preciso desmitificar e explicar o que vem a ser Educação Inclusiva. O discurso de Inclusão surgiu maisfortemente, como já discutimos anteriormente, a partir do século XX, mais precisamente na década de 90.Isto porque foi nessa época que começaram a surgir grandes movimentações mundiais para a garantia dosdireitos das pessoas com deficiência. Entre estas ações está talvez o documento mais importante, aDeclaração de Salamanca, que pela primeira vez tratou a inclusão como fundamental para odesenvolvimento de educação de qualidade para todos.

A inclusão prevê que todos os alunos terão acessos às oportunidades oferecidas pela escola, com agarantia de um acompanhamento constante do aluno, do currículo e das ações docentes (Mittler, 2003).Reforçamos essa ideia citando (Cunha, 2013), que diz que a “uma sala de aula inclusiva está preparada parareceber o educando típico ou com necessidades especiais. Por isso os materiais do desenvolvimentopedagógico devem possuir propriedades que atendam à diversidade discente”(p.31), ou seja é entenderque todos os alunos são diferentes e que por conta disso deve-se ter uma preocupação muito grandecompreender e atender às necessidades de cada estudante. Atender a cada necessidade envolve adaptarmaterial, estruturas e principalmente trabalhar de maneira coletiva. E principalmente compreender que

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que cada aluno tem um tempo diferente de aprendizagem e que precisamos respeitar isso (Mantoan &Prieto, 2006). O que precisamos salientar, porém, é que se estamos falando de Inclusão é porque aindahoje existe exclusão, (Lunardi, 2001) analisa bem essa realidade quando afirma que:

o binômio inclusão/exclusão, não pode ser mais pensado como forma antagônica, onde a exclusãosustenta-se pelo seu contrário, pela sua oposição; onde ser excluído é o antônimo de ser incluído.Incluídos e excluídos fazem parte de uma mesma rede de poder, isto é, excluídos em alguns discursose incluídos em outras ordens discursivas (p.04).

Toda esta compreensão das realidades sociais de inclusão/exclusão, dos direitos das pessoas, de enxergar evalorizar as diferenças e a diversidade do alunado, nos fez pensar na questão corporal do estar no mundode Merlau- Ponty, ora se todas as comunicações e relações se dão através do corpo, este precisa serrespeitado e valorizado. E, principalmente, necessita ser compreendido na sua essência como um todo. Ofilósofo acredita que, em se tratando de educação, é preciso enxergar o olhar da criança, do olhar dopesquisado (M. Machado, 2010) e esta está situada socialmente e culturalmente. Sendo assim, entende-sea necessidade de reconhecer o outro e que este é único. É entendendo que cada aluno percebe e está nomundo de maneira diferente, que o professor deve basear seu trabalho. Primeiro porque se cada pessoaenxerga e está no mundo de maneira única, as contribuições trazidas por elas são diferente eprincipalmente aprende de maneira ímpar. Escutar o outro e compreender o outro, fará com que oprofessor perceba com clareza as necessidades dos seus alunos, tornando-o capaz com mais facilidade deadaptar as suas ações às necessidades de cada indivíduo. Sempre visando uma aprendizagem crítica e issosó acontece a partir do diálogo, isto porque, como defende Paulo freire, nós só podemos mudar o mundose o compreendemos no seu total.

6. Considerações finais

Acreditamos que conseguimos traçar com este trabalho uma primeira ponte entre a questãofenomenológica de Merlau-Ponty de que " eu sou um corpo" e que é a partir dele que eu me comunico eme relaciono com os outros e a Educação Inclusiva, pois se tratando de uma modalidade educativa que visaoportunizar a aprendizagem com qualidade a todos, o que nós acreditamos que só se possibilita através dodiálogo e da valorização do outro.

Acreditamos por outro lado, que faz-se necessário ainda outros estudos que possam aprofundar essarelação aqui estabelecida.

Referências

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UNE TENTATIVE DE MISE EN RELATIONA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A PERCEPÇÃO FENOMENOLOGICA DE

MERLAU-PONTY: UMA TENTATIVA DE APROXIMAÇÃO

Anaís Suassuna SIMÕES1

Marcelo Soares Tavares de MELO2

Eduardo Jorge Souza da SILVA3

1 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil2 Universidade Federal de Pernambuco, Brasil

3 Escola Superior de Educação Física, Brasil

Email: [email protected] ; [email protected] ; [email protected]

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Ce texte a comme but analyser l'évolution de la symbolisation du corps handicapé et faire unetentative d'aproximer "l'inclusion" et la conception phénoménologique de Merlau-Ponty. Cetterecherche bibliographique fait partie d'un travail sur terrain du master en Éducation PhysiqueUPE/UFPB, qui observe dans la réalité scolaire l'inclusion/exclusion de jeunes handicapés dans lesclasses d' Éducation Physique. Dans ce moment-là, nous effectuons un levage de la bibliographiepour attendre notre but principale. Pendant l'histoire humaine, les corps handicapés ont été traitésde manières différentes, soit étant éliminés et supprimés, soit étant intégrés et inclus. C'est dans cecontexte, "d'inclusion" (quand les personnes handicapées sont inclues dans les écoles ordinaires),que les corps sont considérés différents et c'est pour ça qu'ils doivent être respectés. Considérer lecorps comme condition d'être dans le monde et être humain est fondamental pour justifier la notiond'inclusion qui comprend la matérialisation et la reconnaissance des différences dans une mêmeclasse, principalement si on considère le concept d'Alterité (qui nous permet de percevoir l'autre

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comme un être de droits et situé historiquement) pour la médiation du dialogue. C'est à partir ducorps que se produisent les expériences avec les autres et avec le monde, en favorisant la prisesensible des significations de la société. C'est pour ça, donc, qu'on comprend l'importance deconsidérer la perception phénoménologique du corps dans le contexte scolaire, comme lieuprivilégié pour les possibilités d'inclusion des personnes handicapés dans la société.

Mots-Clé: Inclusion, Corps, Éducation, Dialogue, Alterité

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar a evolução da simbolização do corpo deficiente ao longoda história, tentando aproximar o paradigma da inclusão das pessoas com necessidadeseducacionais no contexto escolar com a concepção corporal fenomenológica de Merlau-Ponty.Metodologicamente esta pesquisa de caráter bibliográfico subsidiará uma pesquisa de campo domestrado em Educação Física UPE/UFPB, a qual observará na realidade escolar a inclusão/exclusãode jovens com necessidades educacionais especiais nas aulas de Educação Física. No momentoestamos realizando um levantamento das referências para atender ao objetivo em voga. Ao longoda história humana o corpo deficiente foi encarado de maneiras diferentes, hora sendo eliminadoou excluído, hora sendo integrado e incluído. É a partir do entendimento da inclusão (na qual sedefende a inserção de crianças com necessidades educacionais especiais -NEEs- na sala de aularegular), que por base a ideia de que todos os corpos são diferentes e que por conta disso devem serrespeitados. Entender o corpo como condição de estar no mundo e ser humano passa a serfundamental para justificar a noção de inclusão abrangendo a materialização e o reconhecimentodas diferenças dentro de uma mesma sala de aula, principalmente se considerarmos o conceito dealteridade (que possibilita perceber o outro como ser de direitos e situado historicamente) pelamediação do diálogo. Estabelecemos nexos entre os conceitos de alteridade e diálogo com o depercepção fenomenológica do corpo. É a partir do corpo que acontecem as experiências com ooutro e com o mundo, favorecendo a apreensão sensível dos significados da sociedade. Nesteestudo, ainda em andamento, concluímos que é importante considerar a percepção fenomenológicado corpo dentro do contexto escolar, como espaço privilegiado para as possibilidades de inclusão depessoas com NEEs na sociedade.

Palavras-Chave: Inclusão, Corpo, Educação, Diálogo, Alteridade

1. Introdução

Este trabalho tem como objetivo analisar a evolução da simbolização do corpo deficiente ao longo dahistória, tentando aproximar o paradigma da inclusão das pessoas com necessidades educacionais nocontexto escolar com a concepção corporal fenomenológica de Merlau-Ponty. Esta começa a tratar o corpona sua essência (eu não tenho um corpo, eu sou ele), como meio de aquisição perceptual e de comunicaçãocom o tempo, com o espaço e com o outro (Merleau-Ponty, 1999). Para isto realizamos uma série deleituras (Bakhtin, 2006; Freire, 1994, 2002; Mantoan & Prieto, 2006; Mittler, 2003) tentando aproximaressas ideias. Uma das questões que mais nos chamou a atenção é que são conceitos na sua origembastante distintos, primeiro porque em seu trabalho o filósofo francês trata a questão corporal de formamais abstrata, pois começa a tratar as questões da vivência do ser no mundo a partir das suas experiências,que significa dizer segundo o próprio, "ser com eles em lugar de estar ao lado deles" (p.142).

Diferentemente das questões educacionais que sempre se baseiam em ações mais concretas detransformação, segundo o próprio Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido:

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsaspalavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir,humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se voltaproblematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar (Freire, 1994,p.44).

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Levar em conta a questão corporal do estar no mundo de Merlau-Ponty, considerando principalmente afunção corporal de relação com o outro e ainda o conceito de alteridade de Bakhtin e o diálogo naeducação tão discutida por Paulo Freire (Geraldi, 2004), temas que se tornaram fundamentais, a partir domomento em que consideramos presença do binômio exclusão/inclusão, tão fortemente difundidoatualmente nas escolas, nos faz pensar na importância de se considerar as ideias do filósofo francês para aEducação. Ora se é partir da relação com o outro que se dá o processo educativo, por que não utilizar taisideias na educação inclusiva?

2. Breve historização do corpo deficiente

O corpo foi definido de maneiras distintas ao longo do tempo, sempre baseado nas exigências, valores einteresses das culturas dos grupos dominantes (Santin, 1990). O que nos remete a possíveis compreensõesde diferentes ações concretas e explicações do corpo deficiente nos vários momentos da humanidade.Hora sendo temido e causador de medo, hora admirado e venerado. O que acarretou, segundo (Omote,2004), em formas extremas de banimentos e assassinatos ou em outros momentos de acolhimento esimpatia do corpo deficiente.

Durante a pré-história, marcada pela presença dos povos nômades os quais dependiam da coleta de frutos,caça e locomoção constante para sobreviverem, acabavam abandonando e assassinando as pessoas quetinham algum tipo de dificuldade, seja pela velhice ou por alguma deficiência. (Rechineli, Tereza, Porto, &Moreira, 2008). Ainda segundo os mesmos autores, na Antiguidade, marcada pela dicotomia entre aspotências Roma e Grécia, a simbolização do corpo deficiente se baseou em conceitos diferentes, mas comconsequências semelhantes. Foi nesse período também que, segundo (Santin, 1990), deu-se início de umaanálise mais abstrata da ideia de corpo. Na Grécia Antiga, representada pelas cidades de Atenas e Esparta,o corpo foi simbolizado de forma diferente em cada uma destas cidades. Na primeira existia umaidealização extrema do corpo belo, voltado para as artes, já na segunda, o que se desejava eram corposfortes e preparados para a guerra. Neste sentido quem não conseguisse seguir os padrões estabelecidospela sociedade era assassinado ou abandonado. Em Roma, notava-se a existência de alguns espetáculosenvolvendo corpos definidos como bizarros e grotescos a fim de entreter o público, dentre os quais seencontravam os aleijados, cegos, surdos, dentre outros" (Piccolo, 2012, p.32). Este tipo de prática perdurouainda na Grécia Antiga, perdeu força após a queda do Império Romano, retomando apenas na Baixa IdadeMédia. Ainda em Roma, levando em conta as ideias de Platão as quais defendiam a separação do corpo emente, as pessoas com deficiência foram excluídas e eliminadas por serem vistas como pessoas incapazesmentalmente ou corporalmente (Rechineli et al., 2008).

A Idade Média, talvez tenha sido o período mais confuso e ambíguo da humanidade, quando levamos emconta a compreensão do corpo deficiente. Pois, ao mesmo tempo que os corpos estigmatizados peladeficiência eram vistos como encarnação do demônio e obra do pecado por não apresentaram umaimagem semelhante ao divino, os mesmo eram impedidos de serem eliminado por conta da ética cristã,como bem afirma (Piccolo, 2012), "abrolha neste tempo, pela primeira vez na história, o estabelecimentode uma rede de proteção derivada da moral cristã a tais pessoas e corpos, a qual colocava como inaceitávela prática espartana da exposição como forma de eliminação"(p.34). Passa a valer então, a internação e oacolhimento das pessoas com deficiência em asilos e igrejas. É preciso notar, porém, que a exclusão

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continua, mesmo que mascarada por uma ideia de caridade. Um outro movimento que voltou a tomarforça neste período foi o da exposição pelo riso das pessoas com deficiência, que era utilizadas comoferramenta de entretenimento daqueles que formavam a corte.

A crise no período feudal culminando no fortalecimento do capitalismo, acarretou numa mudança nasimbolização do corpo deficiente. Com o surgimento da burguesia a exclusão continuou, não por conta deuma questão de Deus X Demônio, mas agora pela exigência do sistema de produção, que, visando amanutenção da hegemonia da burguesia sobre a classe operária, investia-se agora "na construção de umhomem novo, um homem que possa suportar uma nova ordem política, econômica e social, um novo modode reproduzir a vida sob novas bases" (Soares, 2004, p.05). O corpo passou a ser visto como uma máquina,com a função única e exclusivamente de produzir capital. Sendo assim a deficiência passou "a ser percebidacomo falha, incapacidade, ineficiência" (Piccolo, 2012, p.31), desta máquina, o acarretou na exclusão daspessoas com alguma deficiência. Além disso, segundo o mesmo autor, qualquer forma de entretenimentopassou a ser vista como perda de tempo e consequentemente de capital, desta maneira os ringues deentretenimento que tomou força durante a Idade Média perderam a força. E assim as definições doscorpos passaram a ser feitas a partir de uma visão médica e não mais de uma visão oriunda da religião.

O que se vê até aqui é que a simbolização do corpo ao longo da história, foi fortemente marcada pelareligião e pelas necessidades humanas e que principalmente por muito tempo os "corpos deficientes" nãoeram vistos como pessoas. O que acarretou nas série de atrocidades que vimos anteriormente. Se nãoseriam para o fim desejados eram eliminados ou encarados como monstros.

Com o século XX, vieram ideias e desejos mais libertadores, o que culminou em reformas políticas eguerras, culminando numa mudança nas atitudes governamentais voltadas para as pessoas com deficiência(Rechineli et al., 2008). Num primeiro momento essas ações foram tomadas por conta da volta para casados heróis amputados das duas grandes guerras, surgiram então, segundo os mesmos autores, hospitais eprogramas de reabilitação com intuito de reintegrar à sociedade os feridos das batalhas.

Acreditamos porém, que não podemos mais encarar o corpo de maneira biológica ou de cunho médico épreciso considerá-lo na sua essência, como porta de comunicação com o mundo. Que expressasentimentos, emoções e vontades. É ainda a partir da interação com o mundo que nosso corpo se modificae nos formamos como pessoa (Tavares, 2003).

Hoje o que se vê, ainda sob o prisma dos ideais igualitários, é a busca e a defesa da inclusão social, o queacarretou em diversas movimentações para a garantia de direito das pessoas com deficiência, das quaispodemos tomar como marco principal a educação.

3. A percepção de corpo em Merlau-Ponty

A ideia de corpo de Merlau-Ponty, segundo (Santin, 1990), é uma tentativa de superar o dualismo existenteanteriormente entre corpo e espírito, sendo assim passa a adotar a ideia de que "eu sou o corpo". É narelação com o mundo que Merlau-Ponty pensa o corpo. Em seu livro Fenomenologia da Percepção ele trazo seguinte sobre o corpo, que para ele é "o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo,juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamenteneles"(Merleau-Ponty, 1999,p.122), ou seja é a partir do corpo que defino as minhas relações com o outroe com o mundo sensível e tomo consciência do estar no mundo. Mas afinal o que é ter consciência do estarno mundo? Merlau-Ponty, ainda no seu Fenomenologia da Percepção, nos aponta uma saída para explicarisso:

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A consciência é o ser para a coisa por intermédio do corpo. Um movimento é aprendido quando ocorpo o compreendeu, quer dizer, quando ele o incorporou ao seu "mundo", e mover seu corpo é visaras coisas através dele, é deixá-lo corresponder à sua solicitação, que se exerce sobre ele semnenhuma representação (p.193)

Se é no meu corpo que eu tomo consciência do estar no mundo, este passa a ser o veículo de comunicaçãoe percepção de todas as coisas. Sobre isso (Xavier, 2013) afirma que:

o ser corporificado é a carne do mundo, a consciência de alguma coisa é sempre a consciência de umsujeito, as coisas surgem no mundo sempre para uma consciência, elas se enraízam no nosso corpo enosso corpo se enraíza ao mundo (p.02).

O que nos chama atenção é que mesmo compreendendo que o corpo apreende a questão da experiênciado estar no mundo de forma sensível, todas as nossas ações estão no mundo concreto e (B. F. G. Machado,2011), em seu estudo sobre a obra de Merlau-Ponty, nos aponta que: "é importante destacar que tanto aexperiência perceptiva das coisas como a experiência perceptiva do outro são sempre de cunho carnal"(p.49) Ainda sobre esta questão (Soares, 2004), diz que apesar da percepção em nosso corpo acontecer deforma concreta, ela não pode ser definida assim, pois desta maneira não conseguiremos alcançar em suatotalidade a essência do corpo singular.

Ora se já entendemos que é a partir do corpo que se dá todas as relações e novas apreensões do mundo eque é a partir das relações humanas que se baseiam todas as ações educativas, nada melhor do quecomeçar a articular as ideias de (Merleau-Ponty, 1999) com as questões educacionais, pois segundo ele é apartir do nosso corpo que apreendemos e damos uma nova significação para o mundo. Se é a partir docorpo que aprendemos coisas novas, começaremos agora a traçar os caminhos das relações que noslevaram a pensar a articulação da questão corporal merlau-pontyana com os ideias da Educação Inclusiva. Eo primeiro passo é tratar a questão da relação com ou outro a partir do diálogo. Tão importante nasrelações interpessoais. O filósofo francês também discute a questão da fala em seu livro, afirmando que éela que traz o pensamento para o mundo sensível se transformando no próprio corpo, mas chama aatenção também para que "não é com "representações" ou com um pensamento que em primeiro lugareu comunico, mas com um sujeito falante, com um certo estilo de ser e com o "mundo" que ele visa"(Merleau-Ponty, 1999, p.249). Ou seja, o que entendemos é que apesar de considerar o corpo na suaessência, toda a relação com o outro se dá de maneira concreta, no mundo sensível, pois ali existe umoutro ser, no mundo, com outras ideias, outras vivências e que precisa ser reconhecido.

4. Alteridade e diálogo

Trazer as questões discutidas por Bakhtin e por Paulo Freire e relacioná-las com as ideias de Merlau-Pontypode parecer estranho e até mesmo impossível, mas acreditamos porém, que tratar o diálogo e o conceitode alteridade é de fundamental importância quando buscamos discutir Educação, pois sem considerar ooutro e sem ouvir o que ele tem a trazer não se transforma o mundo.

O conceito de alteridade de Bakhtin traz para a dialética as relações humanas, já que este situa o sujeitoconcretamente em um determinado momento ou ação histórica. Isto porque começa a basear essasrelações no entendimento das ações e contradições de outrem. Aqui, se começa a enxergar o olhar do

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outro, o problema do outro e compreender que o outro sempre será diferente do mim (Bussoletti & Molon,2010).

Bakhtin começa a perceber e considerar o outro como ser de direitos e existente a partir do diálogo,

Toda palavra serve de expressa a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relaçãoao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de pontelançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-sesobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.” (Bakhtin,2006, p. 115).

O que nos faz perceber que existe uma ligação direta com o que Paulo Freire defende, nas suas diversasobras, já que ambos começam a traçar o diálogo como peça fundamental para as relações humanas.Primeiro como maneira de perceber e valorizar ou outro (Bakhtin) e segundo como base de uma educaçãocrítica, capaz de transformar o mundo ( Paulo Freire). O diálogo é tratado em Paulo Freire comoferramenta de aprendizagem, de constituição de SER na história e principalmente como fonte delibertação. A relação com o outro passa a ser o foco das suas atenções. Vejamos na Pedagogia daAutonomia ele afirma que " o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relaçãodialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanentemovimento na História.” (Freire, 2002, p.51), o que nos remete a questão de fazer parte do mundo econsequentemente da história. Mas ele lembra também em Pedagogia do Oprimido, que eu só consigo ser"eu" se eu considero o "outro", sendo assim "[...]o eu e o tu passam a ser, na dialética destas relaçõesconstitutivas, dois tu que se fazem dois eu" (Freire, 1994, p.96). Isso significa dizer que precisamosconsiderar o outro para a construção de uma sociedade melhor. E isso só acontece se traçarmos nossasações de maneira crítica.

Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticaiscaracterísticos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar acontradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora dodiálogo (idem.p.39).

É nesta ação, a da dialética, na qual se leva em conta todas as contradições da sociedade, que se dá atomada de consciência. Esta relacionada com a função e participação de cada um na sociedade.

Perceber o outro como parte de mim e como participação fundamental da história humana e aindaconsiderar o diálogo como meio de transformar o mundo de maneira crítica, outra ideia defendida porFreire, é base fundamental daquilo que a Educação Inclusiva, pois esta passa a enxergar a pessoa comdeficiência como ser de direitos e participantes da sociedade.

5. Inclusão e percepção fenomenológica do corpo: uma tentativa de aproximação.

Tentar aproximar às ideias corporais merlau-pontyanas com a inclusão é, antes de tudo, direcionar-se paraa educação. Porém é preciso compreender, que "por ser a Fenomenologia um método filosófico,uma

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maneira de pensar e não uma prerrogativa pragmática (Machado, 2010, p.14), o que se pode fazer é afinarao seu jeito de pensar às questões educativas.

Antes de começarmos a trilhar o caminho da aproximação entre as ideias de Merlau-Ponty com a Inclusão,é preciso desmitificar e explicar o que vem a ser Educação Inclusiva. O discurso de Inclusão surgiu maisfortemente, como já discutimos anteriormente, a partir do século XX, mais precisamente na década de 90.Isto porque foi nessa época que começaram a surgir grandes movimentações mundiais para a garantia dosdireitos das pessoas com deficiência. Entre estas ações está talvez o documento mais importante, aDeclaração de Salamanca, que pela primeira vez tratou a inclusão como fundamental para odesenvolvimento de educação de qualidade para todos.

A inclusão prevê que todos os alunos terão acessos às oportunidades oferecidas pela escola, com agarantia de um acompanhamento constante do aluno, do currículo e das ações docentes (Mittler, 2003).Reforçamos essa ideia citando (Cunha, 2013), que diz que a “uma sala de aula inclusiva está preparada parareceber o educando típico ou com necessidades especiais. Por isso os materiais do desenvolvimentopedagógico devem possuir propriedades que atendam à diversidade discente”(p.31), ou seja é entenderque todos os alunos são diferentes e que por conta disso deve-se ter uma preocupação muito grandecompreender e atender às necessidades de cada estudante. Atender a cada necessidade envolve adaptarmaterial, estruturas e principalmente trabalhar de maneira coletiva. E principalmente compreender queque cada aluno tem um tempo diferente de aprendizagem e que precisamos respeitar isso (Mantoan &Prieto, 2006). O que precisamos salientar, porém, é que se estamos falando de Inclusão é porque aindahoje existe exclusão, (Lunardi, 2001) analisa bem essa realidade quando afirma que:

o binômio inclusão/exclusão, não pode ser mais pensado como forma antagônica, onde a exclusãosustenta-se pelo seu contrário, pela sua oposição; onde ser excluído é o antônimo de ser incluído.Incluídos e excluídos fazem parte de uma mesma rede de poder, isto é, excluídos em alguns discursose incluídos em outras ordens discursivas (p.04).

Toda esta compreensão das realidades sociais de inclusão/exclusão, dos direitos das pessoas, de enxergar evalorizar as diferenças e a diversidade do alunado, nos fez pensar na questão corporal do estar no mundode Merlau- Ponty, ora se todas as comunicações e relações se dão através do corpo, este precisa serrespeitado e valorizado. E, principalmente, necessita ser compreendido na sua essência como um todo. Ofilósofo acredita que, em se tratando de educação, é preciso enxergar o olhar da criança, do olhar dopesquisado (M. Machado, 2010) e esta está situada socialmente e culturalmente. Sendo assim, entende-sea necessidade de reconhecer o outro e que este é único. É entendendo que cada aluno percebe e está nomundo de maneira diferente, que o professor deve basear seu trabalho. Primeiro porque se cada pessoaenxerga e está no mundo de maneira única, as contribuições trazidas por elas são diferente eprincipalmente aprende de maneira ímpar. Escutar o outro e compreender o outro, fará com que oprofessor perceba com clareza as necessidades dos seus alunos, tornando-o capaz com mais facilidade deadaptar as suas ações às necessidades de cada indivíduo. Sempre visando uma aprendizagem crítica e issosó acontece a partir do diálogo, isto porque, como defende Paulo freire, nós só podemos mudar o mundose o compreendemos no seu total. .

6. Considerações finais

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Acreditamos que conseguimos traçar com este trabalho uma primeira ponte entre a questãofenomenológica de Merlau-Ponty de que " eu sou um corpo" e que é a partir dele que eu me comunico eme relaciono com os outros e a Educação Inclusiva, pois se tratando de uma modalidade educativa que visaoportunizar a aprendizagem com qualidade a todos, o que nós acreditamos que só se possibilita através dodiálogo e da valorização do outro.

Acreditamos por outro lado, que faz-se necessário ainda outros estudos que possam aprofundar essarelação aqui estabelecida.

Referências

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FIRST AID : INTERFACE BETWEEN BODY AND KNOWLEDGEPRIMEIROS SOCORROS: INTERFACE ENTRE CORPO E CONHECIMENTO

Breno Guilherme de Araújo CABRAL¹Isabel Batista FREIRE²

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email: [email protected]; [email protected]

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Abstract

This work represents a deepening reflections on the training of professionals in physical educationtied to gestures of first aid ; always thinking about the prospect of concepts that representsignificant forms of communication with the body being studied and fundamental content in theirarea of training . We show that communication from interfaces with key aspects of behavior and aprofessional Physical Education , conduits to provide first aid care , considering the formal andinformal performance spaces , besides precepts of humane care and impartially observing the socialbehavior . Thus, we aimed to reflect on the actions and professional training for such behaviors thatbecome increasingly present in the physical education classes ; Identify and submit videos producedby graduate students in physical education UFRN - Federal University of Rio Grande do Norte -ensuring these postures . A qualitative descriptive methodology , in order to interpret thephenomena and assigning meanings that are fundamental. However , this study shows that first-aidgoes beyond technical procedures such as artificial respiration , detention or referral to hospital . Italso means demonstrating that the core body established by the contact becomes fundamental inthe process of humanization of care.

Keywords: Formation , Physical Education , Gestures , Body and First Aid .

Resumo

Este trabalho representa um aprofundamento em reflexões sobre a formação de profissionais emeducação física atrelado aos gestos de primeiros socorros; pensando sempre na perspectiva deconceitos que traduzem formas significativas de comunicação com o corpo, sendo objeto de estudoe conteúdo fundamental em sua área de formação. Evidenciamos essa comunicação a partir deinterfaces com os principais aspectos comportamentais e condutas de um profissional de EducaçãoFísica, ao prestar um atendimento de primeiros socorros, considerando os espaços formais einformais de atuação, alem de preceitos de humanização e atendimento imparcial respeitando ascondutas sociais. Dessa forma, objetivamos refletir sobre os gestos e formação do profissional paratais condutas que se tornam cada vez mais presente na nas aulas de educação física; Identificar eapresentar vídeos produzidos por graduandos do curso de educação física da UFRN – UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte – assegurando essas posturas. Adotamos a metodologia descritivaqualitativa, no sentido de interpretação dos fenômenos e atribuição de significados que sãofundamentais. No entanto, esse estudo evidencia que prestar primeiros socorros vai além deprocedimentos técnicos como respiração artificial, imobilizações ou encaminhamento ao hospital.Significa, também, demonstrar que a essência corporal estabelecida pelo contato se fazfundamental em processos de humanização do atendimento.

Palavras-chave: Formação; Educação física; Gestos; Corpo e Primeiros socorros.

1. Refletindo os conceitos

Os saberes que se constituem na área de conhecimento da Educação física compreendem uma pluralidadede sentidos que se tornam presentes cada vez mais na vida e no dia a dia do ser humano, aspectossignificativos contemplados em conceitos relevantes que são trabalhados, estudados e apreciados de formaexpressiva; indicam de fato o quanto marcante se tornam as relações humanas, a partir da compreensãodo movimento e de um olhar diferenciado para o corpo, ponderando aspectos essenciais na formação deum ser.

Olhar de cima para a educação física sugere entendermo-la como uma área ampla, rica, capaz de alicerçarsentidos inimagináveis, que vai desde a prevenção de problemas de agravo da saúde, promoção, proteçãoe reabilitação da saúde, do rendimento físico-esportivo, passando pela compreensão da educação físicaescolar e transitando também pelo olhar sensível ao corpo no dialogar com outras áreas de conhecimentocomo a antropologia, filosofia e sociologia, onde fica claro que o entendimento de corpo de uma forma

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integral facilita a leitura corporal enquanto ser em existência e não apenas um corpo físico que propõe omovimento pelo movimento, sem atribuir os verdadeiros sentidos e significados.

Assim, neste sentido fundamentamos a educação física em sua perspectiva de corpo visível e sensível,compreendendo-o como um espaço íntimo, mas também social capaz de estabelecer uma comunicaçãocom o outro.

No intuito de atingir a essas reflexões, formamos um elo com as ações de primeiros socorros, sendo asmesmas de extrema importância para a atuação do educador físico seja em espaços formais ou não.

Todos os seres humanos são possuidores de um forte espírito de solidariedade, é este sentimento que nosimpulsiona a tentar ajudar as pessoas em dificuldades. Nos primeiros momentos, após os acidentes, asvítimas são totalmente dependentes do auxílio de terceiros, entretanto apenas o espírito de solidariedadenão é suficiente. Para que possamos prestar corretas ações de um socorro de emergência eficiente, torna-se necessário o conhecimento básico de técnicas de primeiros socorros.

Muitos de nós pensamos que no momento de um acidente não teremos coragem ou habilidade suficiente,mas, isso não deve ser um motivo para deixar de aprender sobre os procedimentos ou para deixar dededicar assistência por mais simples que ela seja, esse suporte pode ser realizado de diversas maneiras, atémesmo através do apoio emocional.

O conceito formal de primeiros socorros traduz as primeiras atitudes a serem tomadas imediatamente apósum acidente em ambiente pré-hospitalar ou não hospitalar, entretanto esse conceito pode ser ampliado aoentender primeiros socorros como atitudes de cuidado e prevenção da saúde. Sendo a saúde consideradapela OMS - organização mundial de saúde - o completo bem estar físico, social e psíquico; pode-se dizerque ao realizarmos procedimentos de primeiros socorros, estamos levando em consideração um corpocomo um todo, não proferindo apenas o aspecto físico, mas idealizando o conceito de corpo integral, umcorpo que tem sentimentos e que está sujeito a traumas de todos os âmbitos.

Nesse sentido, os procedimentos com tratamento humanizado têm sido cada vez mais exaltados pela áreamédica e da saúde em geral, sendo o procedimento de humanização fundamental para o prosseguimentodo atendimento e para ações diretas pós-acidentes como os procedimentos de primeiros socorros.

O processo de humanização consiste em entender a vítima como um ser que sofre que sente dor, que temsentimentos e precisa confiar em quem esta prestando atendimento, onde esse processo muitas vezes irápassar desde uma conversa informal tentando entender o estado da vítima e confortando a mesma, até otoque para realização do procedimento ou para manipulações técnicas.

Traduzir as ações propostas em um atendimento de primeiros socorros nos permite avaliar situaçõesdiversas que compõem não só aqueles seres envolvidos na situação; requer também uma sensibilidade detodo o envolvimento qualquer na cena corrente, sugere uma atenção ao mundo que se faz presentenaquele momento, apontando para uma percepção de corpo sensível, que quer comunicar e que tambémcomunica algo com um simples toque, com simples gestos fundamentais para um socorro, dessa forma, aorefletir sobre toda a filosofia a qual constitui o cerne de primeiros socorros, vislumbramos um olhardiferenciado tornando significativa às técnicas de corpo e pequenos gestos presentes em uma linguagemque reflete Mauss em algumas de suas ratificações ao afirmar que é um erro fundamental só considerar aexistência da técnica quando há instrumento, sem pensar que o corpo é o primeiro e o mais naturalinstrumento do homem promovendo um trabalho corporal diferenciado; trabalho corporal este quesegundo Brikman (1989), seja qual for o corpo, deve ser tratado como um todo psicobiológico.

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Brikman (1989), afirma ainda que: “Uma correta observação do manejo corporal permitirá apreciar em quegrau é respeitada essa unidade: quando movimento é realizado genuinamente, como atividade criadora; equando pelo contrário, é falso, frustrado, submetido a um esforço gratuito e estéril.”

Pensando na perspectiva de que chegar ao movimento criador requer que ele seja conscientizado atravésda sensibilidade e da vivência do movimento: a atenção deve ser centralizada sobre os ossos; e sualocalização, sobre os músculos; e sua atividade, sobre o comportamento da respiração, sobre o ritmocirculatório, enfim, sobre os vários aspectos evidenciados em um trabalho corporal.

Neste trabalho objetivamos discutir sobre a importância do contato e do toque nos procedimentos deprimeiros socorros; refletir sobre a inserção de processos de humanização nos procedimentos práticos deprimeiros socorros; refletir sobre gestos que se tornam cada vez mais presentes na formação deprofissionais em educação física e identificar e apresentar vídeos produzidos por graduandos do curso deeducação física da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – assegurando essas posturas.

Destarte, visando compreender o conjunto das várias técnicas que visam apresentar um sistema complexode significados, tendo como intenção traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social;reduzir a distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação compactuamoscom a metodologia descritiva qualitativa, no sentido entender e interpretar os fenômenos emconsideração, além de visualizar e buscar atribuições de significados que são fundamentais para inferir averdadeira essência que é produzida e reproduzida neste estudo.

Identificamos, nas reflexões qualitativas, um método para nossa investigação, tendo em vista acompreensão do universo existente entre os corpos, imersas, principalmente, no conceito de primeirossocorros, a partir dos vários contextos atribuídos, pode amplificar a compreensão do corpo sensível, abertoa diferentes compreensões e vivências, atado a um certo mundo, configurado por diversas significaçõesexistenciais.

No entanto para tornar real essas reflexões, a partir de interfaces com os principais aspectos docomportamento e da conduta de um profissional de Educação Física, consideramos alguns vídeosproduzidos por alunos da graduação do curso de educação física da UFRN ao entrarem em contato com adisciplina Primeiros Socorros Aplicados a Educação Física, demonstrando os gestos técnicos utilizados emum socorro. Com base nestas observações, lançaremos nosso olhar a interpretações sobre o objeto depesquisa, sendo ele a análise dos gestos técnicos presente nos primeiros socorros.

2. Saberes de um socorro consciente

Quando se fala em primeiros socorros associamos a um dos princípios fundamentais e norteadores dasações, chamado “avaliação primária”. A partir da avaliação primaria é que são orientados os procedimentosa serem tomados em seguida. Esse tipo de avaliação tem por objetivo formal identificar, no menor tempopossível, situações que comprometam ou venham a comprometer a vida do vitimado nos instantesimediatamente após o acidente. No intuito de evitar situações de risco para o funcionamento dos sistemasrespiratório ou circulatório, a primeira atitude a ser realizada é a avaliação de responsividade, tendo porfinalidade saber se a vítima está consciente ou não, nesse caso o procedimento irá exigir uma sensibilidadena relação corpo a corpo, no toque, no olhar, na fala, sempre estabelecendo um contato que torna real omomento e toda a técnica presente no principal e mais natural instrumento do homem que traduz toda ahistória, todas as marcas existentes, as quais influenciam nos diversos procedimentos a serem realizados,no entanto, em seguida promove-se um estímulo auditivo esperando respostas da vítima; não havendoresposta toca-se suavemente na região do trapézio, caso não haja resultados iremos promover estímulos

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de dor na mesma região apertando o trapézio com segurança a espera de respostas de uma vítimaconsciente.

Valioso é perceber, o quão importante é a sensibilidade de tornar singular aquela forma de toque, levandoem consideração que em cada corpo envolvido está tatuado suas especificidades, suas formas de sentir etornar compreensível a significância dos sentidos no momento de realizar um socorro. Segundo Brikman(1989) trata-se de conscientizar o que se sente e permitir o usufruto, a fim de não tornar aquelemovimento meramente mecânico, constituindo o movimento pelo movimento e sim trazendo toda aconsciência de si, respeitando toda a integridade corporal fundamental para que todos os procedimentospossam ser realizados.

Ainda sobre as relações corporais estabelecidas nas ações que visam primeiros socorros, podemosesclarecer também que na avaliação primária o seu conceito básico consiste na sigla CAB, onde o “C” estarelacionado à verificação de pulso, na qual se torna imprescindível o contato e o toque para verificar seindivíduo está vivo, o “B” que consiste na verificação de permeabilidade das vias aéreas e o “C” em controlede respiração e ventilação onde mais uma vez o contato corporal é fundamental, sempre pensando emcomo é significativo a utilização dos sentidos na identificação do “ver (ver se existe movimentação torácicaindicando fluxo de ar), ouvir (ouvir se existe som de entrada, saída ou sinais que indicam obstrução de viaaérea) e sentir (com o dorso da mão ou com o rosto se esta existindo entrada e saída de ar pela boca enariz do individuo)”.

Não menos importante que os outros processos na atuação de um socorro, desfrutamos ainda dosprocedimentos de humanização sendo compreendida como um conjunto de diretrizes e princípios queafirmam a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde, sejam elesprofissionais da área da saúde ou apenas prestadores de primeiros socorros ou socorristas. Dessa forma, ofomento das ações humanizadas ocorre através de atitudes que visam estabelecer vínculos solidários e departicipação efetiva em atendimento a vítima, que ao sofrer algum tipo de trauma, encontra-se em estadode vulnerabilidade, muitas vezes necessitando de um apoio e segurança para que permita o atendimentoem melhores condições.

Em 2003 foi instituída no Brasil a Política Nacional de Humanização (PNH) que traduz princípios e modos deoperar no conjunto das relações entre todos que constituem o sistema de saúde ou prestam atendimento,incluindo os diferentes níveis de complexidade de atendimento, do mais simples ao complexo executadoapenas por profissionais capacitados. Essa temática está relacionada com o código de ética dosprofissionais de saúde que veicula o respeito à vida, a dignidade e aos direitos humanos, em todas as suasdimensões. Além disso, as atividades devem ser exercidas com competência para a promoção daintegralidade em todas as ações para com o ser humano, de acordo com os princípios da ética e dabioética, entendendo o homem em sua mais completa magnitude, tem ele um corpo vivo e cheio dereações sejam elas quais for. Tais ideias fazem parte do contexto da humanização enfatizado pelosprofissionais da saúde nos últimos anos, quando se vem discutindo a exaustão o entendimento de corpo eindivíduo.

Ao tratarmos de primeiros socorros, a escuta deve ser colocada como ponto importante, fazendo parte doprocesso de comunicação entre a vítima e o prestador de atendimento, sendo esse um dos principaiselementos que leva a uma relação de confiança entre os mesmos, facilitando todo o procedimento deatendimento em primeiros socorros.

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O Prestador deve está disposto a conversar e dialogar, ouvir o paciente e permitir que ele apresente as suasnecessidades. A construção da humanização se dá também quando ocorre interação com base no diálogoentre o profissional e o paciente. A humanização depende da capacidade de falar e de ouvir. Por meio dacomunicação, as identidades subjetivas são acessadas e colaboram para uma assistência de qualidade epara a valorização do paciente em sua dignidade.

Em muitos casos, quando ocorre algum acidente e os primeiros procedimentos não são realizados de formahumanizada, ocorre que a vítima acidentada não permite o contato corporal para realização dedeterminados procedimentos, por não confiar no prestador de atendimento, sendo ele muitas vezes umprofessor, alguém que viu o acidente, um colega ou familiar, mesmo que ele seja treinado e capacitadopara tal. A questão da confiança pode então ser ponto fundamental para que haja cooperação da vítimaacidentada.

Um exemplo claro que podemos destacar são os acidentes que ocorrem na escola em séries iniciais, ondecotidianamente no momento do socorro, as crianças necessitam e clamam pela presença dos pais ou doprofessor em sala de aula, mesmo na presença de um médico, pois são estes quem traduzem as suasrelações de confiança na escola.

É bastante comum o professor de educação física entrar em ação quando ocorrem os acidentes dentro daescola, pelo fato, principalmente, deste professor está em contato com os corpos e saber lidar de formadiferenciada, passando confiança aos seus alunos. Assim, percebemos a existência de gestos que devem sefazer presentes na formação dos profissionais de educação física, visto que em sua atuação profissional éessencial e necessário saber lidar com acidentes que venham acontecer na escola ou nos espaços informaisde ensino, visando também fundamentar e contribuir para uma visão ampliada do conceito de corpo, alémde estabelecer diversas relações passíveis de diálogos dentro desta área de conhecimento.

Baseados nisso, a disciplina Primeiros Socorros Aplicados a Educação Física ofertada pela UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte no Curso de Educação Física, propõe contemplar seus alunos com essaampliação de conceitos, tornando reais os procedimentos e as formas a serem aplicadas no momento dosocorro, com isso, durante a disciplina os alunos são estimulados a gravar vídeos reproduzindo algumasmanobras de primeiros socorros assimiladas ao longo da disciplina, a maioria são vídeos ricos e traduzem acompreensão e a apreensão dos verdadeiros sentidos e significados do cuidar, do sentir e do ajudar em umsocorro. Existem ainda aqueles que são meras reproduções, sem a consciência do real significado proposto.

O uso da produção de vídeo nesse tipo de disciplina tem um forte poder pedagógico, uma vez que atravésda produção de vídeos os alunos podem vivenciar os conteúdos apreendidos na teoria, praticarefetivamente os procedimentos tendo a oportunidade de manipulação corporal na qualidade de vítima ede prestadores de primeiros socorros.

Em muitos procedimentos os alunos relatam um melhor entendimento do significado e objetivo de talprocedimento quando estão no papel de vítima, podendo sentir as diferentes sensações quando oprocedimento é aplicado por um colega. Um exemplo claro é observado no procedimento de desobstruçãode vias aéreas em vítimas com obstrução severa, onde a manobra de heimlsh é aplicada.

Na teoria os alunos aprendem que esse procedimento tem por objetivo comprimir o abdômen e lançar asvísceras contra a parede do diafragma no intuito de aumentar a pressão intra-abdominal e expulsar oobjeto obstrutor. Analisando o vídeo percebe-se que, mesmo em uma simulação, esse é um papelincômodo ao aluno que está simulando ser a vítima, e os alunos relatam que apreendem de forma muitomais eficiente o procedimento quando estão nesse papel e podem sentir a sensação de compressão

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abdominal e muitas vezes até sensação de anciã de vômito quando o colega aplica tal procedimento deforma mais forte. A mesma percepção pode ser enaltecida ao se fazer uma simulação de reanimaçãocardiorrespiratória - RCP, onde existe a necessidade de ênfase na compressão cardíaca e ao praticar o alunopode perceber a dificuldade de tal procedimento, que na teoria pode parecer tão simples.

Os vídeos podem nos mostrar também que muitas vezes os procedimentos são mal aplicados pelos alunospor questões éticas ou culturais que os bloqueiam para as relações que exigem o toque, entretanto osucesso de procedimentos como desobstrução de vias aéreas, reanimação cardiorrespiratória, avaliaçãoprimária ou afogamento depende diretamente da manipulação física e formas de toque corporal. Mesmoem simulações ficam claras as barreiras do toque e do contato corporal entre indivíduos do mesmo sexo oude sexo oposto dependendo da região onde será aplicado o procedimento. Todavia, tais fatos não podem enão devem ocorrer em situações práticas onde a vida da vítima deve ser o foco principal, em umatendimento que deve ser imparcial, efetivo e de urgência quando nós deparamos com risco de vida.

Dessa forma, é primordial seguir algumas diretrizes imprescindíveis de primeiros socorros ao atender umavítima como, focalizar não somente o objeto traumático, mas também os aspectos globais que envolvem avítima, pois existem aspectos que trazem prejuízos irreversíveis; acalmar a vítima para um atendimentoadequado é fundamental, seja qual for a gravidade do acidente, pois só assim será possível tomar asdecisões cabíveis a cada caso, com discernimento e êxito; manter sempre o contato verbal com a vítima,buscando empatia, confiança e tranquilidade por parte dela; manter sempre gestos firmes, de forma ademonstrar a confiança devida de que sabe o que está fazendo e está ali apenas para ajudar; prestaratenção nos relatos e nas queixas da vítima, tentando gerar um conforto dentro do possível, o que deixaráa vítima mais calma; informar sempre que possível quanto aos procedimentos a serem adotados, evitandoassim desespero ou dúvidas a respeito de seu estado de saúde; respeitar o modo e a qualidade de vida doacidentado; respeitar a privacidade e a dignidade da vítima, evitando expô-la às pessoas, sem necessidade;preservar a identidade moral e os pertences da vítima; fazer companhia à vítima, até que a ajudaespecializada chegue ao local do acidente, ou seja, nunca abandone a vítima, pois isso já é primeirossocorros.

3. SIGNIFICAÇÕES DOS DIÁLOGOS

Compreendemos como significativas as discursões que provocam diálogos entre conceitos importantes detendências humanistas e biológicas, que promovem interfaces e que trazem contribuições para diversasáreas de conhecimento, apresentando linguagens que se fazem presentes no cotidiano da sociedade e querevelam aspectos fundamentais para reflexões pertinentes dentro da educação física.

Acreditamos que contemplar a importância do toque e dos processos de humanização dentro dosprocedimentos práticos de primeiros socorros, atrelando de forma singela aos gestos propostos nessasações, constroem visões amplas e significativas dentro da educação física, trazendo suas contribuições apartir de reflexões reais dentro de uma sociedade.

Os vídeos observados no constructo desse estudo, demostram que apesar de ser nítida a necessidade derelação na interface corpo, toque e humanização nos procedimentos, os prestadores de primeiros socorrosagem muitas vezes de forma correta, porém mecânica, sem ter a real consciência da importância dessarelação para um bom desenvolvimento do atendimento de qualidade.

Referências

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BERTHERAT, T. (2010) Corpo tem suas razões. (21° Ed.). São Paulo: Martins Fontes.

SANT’ANNA, D. B. (1995) Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade.

BRIKMAN, L. (1989) A linguagem do Movimento Corporal. São Paulo: Summus.

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LES RELATIONS ENTRE LE SPORT ET L'ART : UN RÉEXAMEN DANS LAPERSPECTIVE DE L´ESTHÉTIQUE DU MOUVEMENT HUMAIN

APROXIMAÇÕES ENTRE ESPORTE E ARTE: UMA REVISÃO SOB A ÓTICADA ESTÉTICA DO MOVIMENTO HUMANO

Bruno Medeiros Roldão de ARAUJO1

Fábio Luiz Santos TEIXEIRA2

Priscila Pinto Costa da SILVA3

Clara Maria Silvestre Monteiro de FREITAS4

1 Universidade Federal de Campina Grande, Brasil 2 Universidade Federal da Paraíba, Brasil

3 Universidade de Pernambuco, Brasil4 Universidade de Pernambuco, Brasil

Email: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]

Résumé

Certains gestes sportifs, ainsi que certaines modalités, présentent fort caractère artistique aux yeuxdes spectateurs et même des pratiquants, mais cela ne signifie pas nécessairement que le sport etl'art partagent des similitudes, car les concepts traditionnels de l'art ne permettent pas une telleapproche, mais en raison de l´appel esthétique, que vise la production de corps influencée par lesmédias, les pratiques corporelles deviennent une véritable tentative de construction d´un corpssublime, cela place l'activité physique comme un moyen esthétique comparé à la productionartistique. Face à ce scénario, l'objectif c´était d'examiner dans quelle mesure le geste sportif peutêtre considéré comme un acte de création artistique, pour ce faire on a procédé à une recherchequalitative de révision systématique sur la BIREME et la SciELO, dans le but de trouver dans lalittérature une contribution théorique à la réflexion sur le rapport entre le sport, le corps, le gestesportif et l'art dans la prespective de l'esthétique du mouvement humain.

Mots-clés : Sport; Art; Esthétique; Corps; Gestualité.

Resumo

Determinados gestos esportivos, bem como, determinadas modalidades, apresentam forte caráterartístico aos olhos dos espectadores e até mesmo dos praticantes, mas isso não significanecessariamente que esporte e arte apresentem semelhanças, pois os conceitos tradicionais de artenão permitem tal aproximação, mas devido ao apelo estético nas práticas corporais que objetivam aprodução dos corpos por influência midiática, numa verdadeira tentativa de construção de um

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corpo belo, acaba por colocar a atividade física como um meio estético e de produção assemelhadaà arte. Diante deste cenário, objetivou-se analisar em que medida o gesto esportivo pode serconsiderado um ato de criação artística, para tanto, realizou-se pesquisa qualitativa de revisãosistemática na BIREME e na SciELO, buscando na literatura um aporte teórico para a construção deuma reflexão entre o esporte, o corpo, o gesto esportivo e a arte sob a ótica da estética domovimento humano.

Palavras-chave: corpo Esporte; Arte; Estética; Corpo; Gestualidade.

1. Introdução

O trato midiático acerca do esporte, levando a uma espetacularização deste fenômeno é algo notadamentevisto no futebol, em que surgem conceitos tais como o de “futebol arte”, no qual emergem afirmações dotipo: “este lance foi uma pintura, uma verdadeira obra de arte”, o jogador tal é “um artista com a bola”,dentre outras. Mas, as correntes estetas que atualmente ainda são mais aceitas, negam esta aproximaçãodo esporte enquanto ente da arte e até mesmo a condenam.

Segundo o pensamento de Suassuna (2007), que considera o fim último da arte, a produção da beleza,tornando-se condição sine qua non para o entendimento da mesma, e tendo o esporte, objetivando otriunfo sobre determinada meta ou adversário, observa-se que, por mais que algumas vezes os gestosesportivos tenham caráter artístico, o esporte ao ter como objetivo primordial a vitória, a subjugação dosadversários ou do recorde, não possa neste sentido ser considerado uma forma de arte, não obstante, otreinamento que “produz” o corpo do atleta seja sim reconhecível ato de criação artística, pois, acaba porproduzir corpos de grande apelo estético na sociedade contemporânea.

Um dos sinais da sociedade contemporânea é a importância que se dar ao corpo, uma vez que a imagem elinguagem corporal são cada vez mais reconhecidas como forma de expressão e de poder nas inter-relaçõespessoais, neste sentido, o esporte ao revestir o corpo de movimento, permite um discurso individual ecoletivo (Lacerda, 2007), que possibilita além dos benefícios para a saúde, a proximidade com o “corpo damoda”, o corpo atlético, magro e esguio, que passou a dominar a mídia e o inconsciente coletivo, em que aestética do corpo desportivo mostra-se como uma importante representação estética da atualidade.

Determinados gestos esportivos apresentam forte apelo estético, comparável a uma expressão artística dasmais refinadas, sendo um fato socialmente reconhecível, mas até que ponto estas gestualidades do corpoem movimento desportivo, pode ser considerado realmente uma criação artística, encontra barreiras nosconceitos tradicionais de arte, que não permitem inicialmente esta aproximação, mas as modernastransformações no entendimento do que seria arte, pode colocar o esporte no patamar artístico. Para osestetas a “Arte” é algo visto como “uma categoria maior”, base de uma Filosofia da Arte, na qual a Estéticase ancora. No entendimento de estetas como Suassuna (2007), a Arte se distingue por ser uma forma deexpressão, que tem em seu fim último a produção da Beleza. Categoria esta, que superando o pensamentoantigo, engloba o Belo, o Feio, o Trágico, o Humorístico, dentre outras categorias, ou seja, a Beleza não estárelacionada somente a um ideal de “Beleza Absoluta” originária do mundo supra-sensível das Idéias, queseria o mundo real e imortal, segundo o pensamento Platônico, e sim a Arte oriunda da desordem, a “Artedo Feio” proposta por Aristóteles, que considerava a beleza como propriedade do objeto, e não um reflexode algo superior e inteligível como pregoava Platão.

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Neste sentido, mostra-se necessário entender o objeto de estudo da Estética, pois não pode ser demarcadosem a reflexão do papel da Beleza em sua definição. Segundo Suassuna (2007), a Beleza, enquantoconjunto da Arte envolve as categorias de: Gracioso, Belo, Sublime, Trágico, Risível, Beleza do Feio, Cômicoe Beleza do Horrível, pois pode haver beleza na feiúra, no desarranjado, levando a um entendimento deque o objeto de investigação da Estética não seria o simplesmente a “Filosofia do Belo”, seria sim uma“Filosofia da Beleza” ancorada por sua vez na Filosofia da Arte.

Ao pensar o corpo do atleta, sob a ótica da beleza, pode-se facilmente aproximar esporte ao campoestético, e, por conseguinte à arte. O corpo atlético se tornou o “corpo da moda”, o ideário de belezabuscado na sociedade ocidental, principalmente por diversas influências, dentre as quais se destaca amidiática, seja na superexposição de corpos que beiram a perfeição em performances acrobáticas comunsa poucos mortais, ou seja, pela espetacularização midiática que o esporte passa desde o início do século XX,o que o levou a se tornar o maior fenômeno sócio-cultural e de integração mundial do último século, seestendendo até os dias atuais. Esse corpo esportivo, capaz de metamorfosear-se por meio do treino,demonstra-se ser “uma matéria plástica, no sentido em que é, de certa forma, modelável” (Lacerda, 2007,p. 395), esse corpo moldado através da atividade física, é facilmente encontrado no ambiente dasacademias de ginástica que se expandiram rapidamente no Brasil nas duas últimas décadas. Nestes locaisde treino, as pessoas que não são necessariamente atletas, buscam construir seu corpo a semelhança dosesportistas, ou seja, à forma corporal desejável socialmente, um corpo magro e forte.

2. Metodologia

Caracteriza-se por uma revisão sistemática por se fundamentar em pesquisas primárias, relacionando suassemelhanças ou diferenças nas intervenções, possibilitando identificar contradições e conflitos nasdiferentes informações, como aponta os estudos de Linde & Willich (2003). A revisão foi apoiada nasorientações sugeridas por Oxman & Guyatt (1988) que apresentam uma estratégia metodológica para odesenvolvimento deste tipo de pesquisa, seguindo os seguintes critérios: Especificação do objeto; Objetivosdo estudo; Especificação da estratégia de busca dos artigos; Demarcação dos critérios de inclusão eexclusão dos artigos; Resultados que devem ser da busca bibliográfica, da identificação dos artigos, dascaracterísticas da metodologia do estudo, das características gerais da amostra e da especificação dascaracterísticas identificadas; Discussão e conclusão baseadas nos resultados encontrados e Sugestões parafuturas pesquisas. O levantamento foi realizado entre março e agosto de 2014.

2.1 Objetivo e levantamento dos artigos

O objeto de estudo são artigos científicos a luz do esporte e arte, sendo o objetivo caracterizar em quemedida o esporte pode ser considerado um ato de criação artística, por meio da revisão sistemática. Oesquema analítico passou num primeiro momento pela identificação e descrição dos termos: Estética,Esporte, Arte, Gesto e Gestualidade junto às bases de dados digitais alojadas na Biblioteca Virtual em Saúde– BVS, do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – BIREME e tambémespecificamente na Scientific Electronic Library Online – SciELO. O refinamento se deu com o uso daunidade operacional lógica “and”, para combinações dos descritores escolhidos.

Foi neste contexto bibliográfico, que a síntese foi composta pela análise, avaliação e descrição da literaturapublicada (Thomas & Nelson, 2002). Portanto o estudo reúne e apresenta informações, permeadas porreflexões teóricas buscando reconhecer o aporte no campo da Ciência do Esporte/Educação Física.

2.2 Demarcação dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos

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Para definir exatamente quais artigos entrariam na revisão após o levantamento e refinamento porcruzamento entre os descritores, adotou-se como critério de inclusão que as produções tivessem sidopublicadas no período 2001-2014, artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais (português,espanhol, francês e inglês) e pertinentes ao tema abordado. Posteriormente foi realizada uma análise nostítulos e resumos de todos os artigos que preencheram este critério. Após esta apreciação, todos os artigosselecionados foram obtidos na íntegra, por meio das bases BIREME, SciELO e quando não disponíveis, viaPortal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Os critériosde exclusão adotados foram: artigos de revisão, artigos de outros idiomas, teses, dissertações emonografias.

3. Resultados

3.1 Da busca bibliográfica

Na base BVS da BIREME foi encontrada a seguinte distribuição: Estética: 43.277 artigos; Esporte: 21.924artigos; Arte: 37.181 artigos; Gesto: 334 artigos e Gestualidade: 14 artigos. Totalizando: 102.730 artigos. Orefinamento se deu com o uso da unidade operacional lógica “and”, para combinações dos descritoresescolhidos, foi realizado da seguinte maneira: Estética and Esporte: 37 artigos; Estética and Arte: 835artigos; Estética and Gesto: 06 artigo; Estética and Gestualidade: 0; Esporte and Arte: 29 artigos; Esporteand Gesto: 21 artigos; Esporte and Gestualidade: 01 artigo; Arte and Gesto: 14 artigos; Arte andGestualidade: 01 artigo; Gesto and Gestualidade: 02 artigos. Totalizando 946 artigos.

Na SciELO a distribuição de artigos foi a seguinte: Estética: 1.535; Esporte: 519; Arte: 2.652; Gesto: 172 eGestualidade: 09. Totalizando: 4.887 artigos. O refinamento com o uso da unidade operacional lógica“and”, seguiu os mesmos cruzamentos, obtendo-se: Estética and Esporte: 05 artigos; Estética and Arte: 233artigos; Estética and Gesto: 05 artigos; Estética and Gestualidade: 0; Esporte and Arte: 14 artigos; Esporteand Gesto: 03 artigos; Esporte and Gestualidade: 0; Arte and Gesto: 04 artigos; Arte and Gestualidade: 0;Gesto and Gestualidade: 03 artigos. Totalizando 267 artigos.

3.2 Identificação dos artigos

Após análise dos resumos dos 1213 artigos resultantes dos refinamentos, 20 artigos foram selecionados deacordo com os objetivos propostos neste estudo, posteriormente foram analisados e revisados. Os dadosde caracterização podem ser vistos na Tabela 1, no qual se pode ver que a estética relacionada ao esporte épouco estudada, principalmente pelo número restrito de estudos encontrados. Dentre estes estudos, aquestão estética e artística relacionada à Ciência do Esporte/Educação Física é questão central em oitoproduções, demonstrando ser uma temática pouco estudada, o que corrobora a necessidade de maispesquisas sejam desenvolvidas sobre as problemáticas que envolvem o Esporte e a Arte, e que talproximidade ainda se mostra mais evidente no senso comum, do que no campo científico.

Tabela 1 – Caracterização dos artigos selecionados após revisão sistemática

AUTOR(ES) ANO OBJETIVOS MÉTODO CONCLUSÕES

ADELMAN, M. 2003 Estudar se aparticipação esportivafeminina contribuipara uma re-

Pesquisaexploratória decunho qualitativopor meio de análise

Concluiu-se que, se, por um lado, asatletas de fato participam da“desconstrução” de certos elementosda mencionada “estética da

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significação dacorporalidadefeminina.

de depoimentos 10de atletas brasileirasprofissionais dehipismo e vôlei.

limitação”, por outro, continuam emuma cultura na qual a atividadeesportiva das mulheres pode‘comprometer a feminilidade’ daatleta.

BARREIRA, C.R. A &MASSIMI, M.

2008 Analisar o karate pormeio de suaespiritualidade, jáque, junto aos textosfundamentais de suatradição recente, ela étida como a essênciapresente em todas asdimensões daexpressão da arte.

Metodologiahistoriográfica deperspectivafenomenológica.

Concluiu-se que, a espiritualidade estánaquilo que subjaz à essência dokarate, o kime. A definição do gesto(kime) sintetiza o princípio, o produto,e a filosofia corporal constituída nokarate e positivamente garantida pelaexperiência espiritual doesvaziamento.

COSTA, A. S. 2008 Mostrar uma novaimagem do homem eda sociedade, atravésde um olhar sobre ofenômeno esportivodo futebol.

Sem descriçãometodológica(Reflexão teórico-crítica).

Concluiu-se que é possível partir dodesporto obter uma imagem completae global da sociedade dos homens, dasociedade real em que se deve realizaro jogo da existência e da sociedadeideal que o funcionamento utópico doimaginário social propõecontinuamente que é possível partirdo desporto e obter uma imagemcompleta e global da sociedade doshomens, da sociedade real em quenós devemos realizar o jogo da nossaexistência e da sociedade ideal que ofuncionamento utópico do imagináriosocial nos propõe continuamente.

DAMO, A. S. 2001 Chegar a umentendimento doesporte,particularmente dofutebol a partir deuma visão estética.

Sem descriçãometodológica(Reflexão teórico-crítica).

Concluiu-se que o gosto dostorcedores é apoiado em valoreséticos e estéticos, que orientam estamodalidade de participação na vidapública das sociedadescontemporâneas. E que uma estéticado

Esporte e do futebol especialmente,deve incorporar as noções de excesso,de desperdício e de desordem, mas ofutebol também tem ordem, expressapela estrutura ritual, pela lógica do“pertencimento” e pela densidade dosembates.

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DIAS, J. C. N. S.N.

2010 Evidenciar nuanças deuma racionalidadetatuada no corpo e nogesto, a partir do jogoda capoeira.

Métodofenomenológico,com análise a partirdos registrosnarrativos eimagéticos dosistema cultural dacapoeira,particularmente daapropriaçãorealizada comparticipaçãosistemática nogrupo de capoeiraCordão de Ouro dacidade de Natal/ RN.

Concluiu-se que No jogo da capoeira,o saberes do corpo não sãotransmitidos de maneira explícita, mascomunicados no silêncio do gesto, nojogo de corpo, que nos dizem doethos da capoeira. É a afirmaçãoenquanto sujeito que partilha, produze afirma a capoeira como elemento dacultura que potencializa os sentidos esignificados da gestualidade do corponas rodas de capoeira.

GAYA, A. 2005 Investigar se o corpohumano está setornando ou já éobsoleto, em virtudeda transformação docorpo humano naturalem um corpo biônico.

Sem descriçãometodológica(Reflexão teórico-crítica).

Concluiu-se com base em uma visãopós-humanista, que em um futurobreve será possível “escanear” oespírito para um corpo-máquinasofisticado e capaz de ser maiscompetente que o corpo biológico.

HENZEL, P.,PERRONI, M.G. & LEALJÚNIOR, E. C.P.

2008 Analisar a incidência,o tipo, a etiologia e alocalização anatômicadas lesõesmusculoesqueléticasna Seleção Brasileirade CanoagemVelocidade Femininana temporada de2006.

Pesquisa descritivaquantitativa comestudo longitudinalprospectivo, comparticipação detodas as oito (8)atletas da SeleçãoBrasileira deCanoagemVelocidadeFeminina, com idademédia de 19,50 anos(± 3,78).

Concluiu-se que por conseqüência dogesto esportivo, a etiologia das lesõesfoi de origem atraumática devidoprincipalmente a sobrecarga dasestruturas anatômicas envolvidas nacanoagem velocidade.

LACERDA, T. 2007 Estudar como amorfologia corporaldo corpo esportivoinfluencia a estética,como corpo da moda,na sociedademediatizada do séculoXXI.

Sem descriçãometodológica(Reflexão teórico-crítica).

Concluiu-se que atualmente o esportepode ser olhado como mais um dospalcos em que o corpocontemporâneo oscila entre umdesejo de superfície e um desejo deprofundidade, onde a estética docorpo esportivo pode representar umespaço de conciliação e de harmonia,

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espaço de libertação do esportista edo homem.

LÜDORF, S. M.A.

2009 Investigar a maneiraque temáticasrelacionadas ao corponacontemporaneidadesão abordadas porprofessoresuniversitários de umcurso de EducaçãoFísica.

Pesquisa qualitativapor meio deentrevistasindividuais com 15professoresuniversitários,anotações em diáriode campo e análisedocumental.

Conclui-se que assuntos relacionadosà estética corporal são, em parte,contemplados na formação dosprofessores de educação física,havendo diferenças no referencialteórico utilizado e que tais abordagensrepresentam um avanço na formaçãodestes professores, mas que poderiamestar mais sistematicamentepresentes, uma vez que estãodiretamente ligadas à práticapedagógica do professor.

MELO, V. A. 2005 Discutir as relaçõesentre esporte e arte,argumentando que oesporte pode ser umaforma de arte.

Sem descriçãometodológica(Artigo ensaísticocom reflexãoteórico-crítica).

Concluiu-se que devido aos atuaisdeslocamentos do conceito de arte, oesporte é uma forma de arte. Combase no pensamento de BertoldBrecht, o autor defende o esportecomo uma arte da performance eaponta a necessidade de chamar aatenção para os preconceitos quepodem persistir, de compreenderepistemologicamente o fenômenoesportivo e de perceber de maneiramais precisa e multifacetada suaocorrência social.

MELO, V. A. 2007 Discutir as relaçõesentre o esporte e omovimento artísticoeuropeu Futurismo.

Sem descriçãometodológica(Reflexão teórico-crítica, comlevantamentohistórico).

Concluiu-se que o diálogo entreesporte e futurismo é favorecido pelofato de o espetáculo esportivo seorganizar de forma diferenciada darestrita tradição acadêmica, sendouma manifestação integrada à culturade massas que recém se estruturavanos anos iniciais do século XX, onde osfuturistas encontravam nos seusespaços: estádios e quadras, seuslocus de celebração de uma nova arte.

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MELO, V. A. &PERES, F. F.

2010 Analisar asrepresentações deesporte e medicina naprodução do artistanorteamericanoThomas Eakins.

Sem descriçãometodológica(Reflexão teórico-crítica, comlevantamentohistórico).

Concluiu-se que o artista ThomasEakins captou como esporte, ciência earte se articulavam em um todocoerente, intermediados pela idéia deespetáculo, tendo o corpo comoponto de contato.

MELO, V. A. 2011 Discutir a presença doesporte em obras dearte ligadas aocubismo, à AshcanSchool e aoexpressionismo.

Modelo de análise einterpretação deMelo (2009): Tendocomo estímuloprimeiro o tema,prospecta-se a obrade formamultidimensional,no cruzamento dasseguintes variáveis:perfil dorealizador/artista,característica domovimento artístico,a natureza dapresença do esportena obra (do pontode vista doconteúdo e datécnica), o contextohistórico.

Concluiu-se que as diferenças esimilitudes de representação doesporte na arte, mostram uma daschaves para entender a sua enormecapacidade de difusão: poucosprodutos são tão globais e locaissimultaneamente, são tão de elite epopulares ao mesmo tempo; poucasmanifestações expressaram tãoadequadamente a ambiguidademoderna: a combinação de controle eexcitação.

NETO JÚNIO,J., PASTRE, C.M. &MONTEIRO, H.L.

2004 Descrever o perfilpostural dos atletasque participam deprovas de potênciamuscular e identificarprocessos anátomo-cinesiológicosresponsáveis pelasprincipais alteraçõescorporais.

Pesquisa descritivaqualitativa,utilizando protocolode avaliaçãopostural, comoexames dos pés,tíbia, pelve, coluna ecabeça, adaptadocom base naspropostas deKendall et al. Aamostra foi de 15

Concluiu-se que o diagnóstico precocee a adoção de medidas profiláticasefetivas podem contribuir para oaumento da performance, bem comoprevenir a ocorrência de lesõesdesportivas, pois o grupo estudadoapresentou características posturaisespecíficas como hiperlordose lombar,anteversão pélvica e protrusão decabeça, decorrentes de desequilíbriosretracionais musculares de flexores dequadril e joelho e extensores de

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atletas do sexomasculino comidades entre 19 e 28anos, queparticipavam deprovas de potênciamuscular emcompetiçõesinternacionais.

joelho. Neste sentido, estudosenvolvendo intervenção fisioterápicadeverão avaliar se há redução dosefeitos crônicos que as alteraçõesposturais decorrentes do treinamentocausam ao atleta de alto nível.

NÓBREGA, T.P. &TIBÚRCIO, L.K. O. M.

2004 Refletir, apoiado emalguns ensaios deMerleau-Ponty e combase nafenomenologia,acerca do corpo e dasnarrativas e saberesque nele se anunciamna dança butô -modalidade quecombina dança eteatro, criada noJapão na década de1950.

Sem descriçãometodológica(Reflexão teórico-crítica, apoiada emensaios de Merleau-Ponty e com basefenomenológica).

Concluiu-se que, acolher a experiênciaestética do corpo na educação podefavorecer uma reflexão sobre opróprio ato de conhecer como umprocesso contínuo e inconcluso, quenão se fecha em sínteses acabadas,pois sendo um fenômeno corpóreoestá sempre sendo refeito além dedescerrar uma pluralidade deperspectivas de compreensão domundo.

PEREIRA, A. L. 2005 Compreender ossentidos atribuídos aoalpinismo e asrepresentações docorpo de seuspraticantes.

Pesquisaexploratória comanálise qualitativaatravés da análise deconteúdo deentrevistas semi-estruturada com 20alpinistas entre 25 e43 anos.

Concluiu-se que as categorias criadasdemonstraram alguns dos sentidosatribuídos ao alpinismo, por exemplo,na categoria ‘corpo, um lócus deexperiência’, ficou aparente umsentido da atividade centrado no valorda estética, sendo este valor realçadopela importância conferida à vivênciana montanha e pelas sensaçõesobtidas por todos os elementos queconstituem a sua paisagem.

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ROBLE, O. J.,NUNOMURA.M. &OLIVEIRA, M.S.

2013 Discutir as premissasdo cruzamento entreo fenômeno esportivoe a arte, colocandoem pauta conceitosdo campo da estéticae constataçõesobservadas nocontexto

atual desse esporte

Sem descriçãometodológica(Artigo ensaísticocom reflexãoteórico-crítica).

Concluiu-se que a expressão estética éuma dimensão muito

evidente do esporte, contudo via

de regra, não é usual assumir essa

dimensão como objeto de estudo.Neste sentido, destaca-se a GinásticaArtística enquanto modalidadealtamente técnica, mas, também,fundamentalmente expressiva eartística. Um esporte belo, no sentidoprofundo que a Estética confere aotermo.

SILVA, P. R. P.,TRINDADE, R.S. & DE ROSE,E. H.

2003

Descrever acomposição corporal,o somatotipo e aproporcionalidade deculturistas de elite doBrasil, que buscam,através dacombinação de dietae treinamento, omelhor desempenhoestético.

Pesquisa descritivacom análisequantitativa, atravésde medidasantropométricascom 23 atletasculturistas do sexomasculino.

Concluiu-se que os culturistasbrasileiros de elite estudadosapresentam baixo percentual degordura e grande peso muscular,evidenciados pela análise dosdiferentes métodoscineantropométricos utilizados noestudo. Nota-se uniformidade entre ascaracterísticas cineantropométricasdas categorias, quando comparadasem relação à idade e à classificação nocampeonato e ainda que, osculturistas brasileiros de elite do ano2000 apresentam grande semelhançaem relação aos culturistas da eliteinternacional, demonstrando assim onível de excelência do culturismo noBrasil.

TOLEDO, L. H. 2008 Analisar as regras dofutebol, como planode fundo para oestudo de teoriassociais que abordam ofenômeno esportivo,em busca daconsolidação de uma

Sem metodologiaaparente (Ensaiocom análisedocumental ereflexão teórico-crítica).

Concluiu-se que as regras do futebolcomo uma instância constitutiva queestá no epicentro dessa complexidadecondensaria historicidades, processose simbolizações e uma aproximaçãodesses preceitos ao mundo das açõessociais, do vivido e das classificaçõessimbólicas dentro do campo esportivo

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proposta deantropologia doesporte.

as tornaria menos suscetíveis àsfreqüentes reedificações a que sãosubmetidas.

VOGT, S. &MAGNUSSEN,S.

2005 Avaliar a memória dereconhecimento eespecializaçãohemisférica depintores, paraquadros abstratoscolorido/preto, emquadros brancos desituações esportivas eem assuntosvisualmenteingênuos, através daescolha forçada desim ou não, emprocedimento comtaquistoscópio.

Pesquisaexperimentalutilizando otaquistoscópio, comdos grupos, oprimeiro compostopor 16 artistasdestros (9 mulherese 7 homens), comidades entre 23 e 66anos, e o segundogrupo formado por16 indivíduosdestros visualmentedestreinados,composto por 8mulheres e 8homens, com idadesentre 24 e 53 anos.

Concluiu-se que os pintoresprocessam as pinturas abstratas nohemisfério direito e as imagensesportivas mais à esquerda emrelação aos novatos. Já os novatoslevaram vantagem nos valores totaisde LVF/RH mais fortes em quadrosesportivas. Os resultados indicam queos gradientes opostos nas pinturasdemonstram uma preferência peloprocessamento de sistemasdescritivos em relação aos figurativos,mas não em imagens abstratas. Emfim, o estudo do processamentoperceptivo é um recurso que podefornecer informações valiosas sobre adinâmica normal do sistema visual,complementando trabalhos emneuropsicologia cognitiva.

3.3 Características da metodologia dos estudos

Em relação aos aspectos metodológicos, dos 20 artigos selecionados, 50,0% (10) se caracterizaram comoestudo ensaístico com reflexão teórico-crítica. 20,0% (04) foram estudos de cunho qualitativo. 05,0% (01)metodologia historiográfica de perspectiva fenomenológica. 05,0% (01) método fenomenológico (Merleau-Ponty, 1976). 05,0% (01) se caracterizou como pesquisa experimental. 05,0% (01) estudo quantitativolongitudinal. 05,0% (01) como estudo quantitativo descritivo e 05,0% (01) método estético proposto porMelo (2009).

Quanto aos instrumentos utilizados para o desenvolvimento das pesquisas, roteiros de entrevista foramutilizados em 15,0% (03), testes físicos atingiram 15,0% (03), recurso imagético por 15,0 % (03), formulárioutilizado em 05,0 % (01), e 50.0% (10), não utilizaram instrumento específico, apenas fontes documentais ebibliográficas.

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Referente às análises estatísticas dos artigos selecionados, a estatística descritiva foi a mais utilizada por15,0% (03), seguida do teste para a análise de variância (ANOVA) 05,0% (01), bem como o teste de média t-student por 05,0% (01), os demais 75,0% (15) não utilizaram análise estatística.

3.4 Características gerais das amostras

A amostra de todos os estudos selecionados atinge um total de 134 atores sociais participantesidentificados, um dos estudos não distinguiu o gênero dos 15 indivíduos participantes, e nos demais 19estudos (que contaram com 119 indivíduos) a predominância foi do sexo masculino com 69,75% (83) dosindivíduos, enquanto que 30,25% (36) foram do sexo feminino. A idade dos participantes variou entre 16 e66 anos.

4. Discussão

Lovisolo (1997) trata sobre questões relativas à estética corporal e ao movimento pela saúde, afirmandoque os valores estéticos e morais se sobressaem aos técnicos, quando da construção dos “eus” em relaçãoa suas próprias imagens corporais, influenciados pela cultura, que prega corpos com baixo percentual degordura, entre outros requisitos, retirados do modelo de corpo atlético. Confirmando isso o autor mostraque os argumentos técnicos e recomendações de controle da obesidade não avançaram significativamentenos últimos séculos, mas os apelos estéticos, pelo contrário, se mostraram poderosos.

O corpo “construído” em busca de um modelo de beleza “da moda”, por meio do cuidar de si, assemelha-se a um ato de criação artística, pois em ambos, algo é trabalhado em busca de produção do belo. Nosatletas profissionais, este não é o objetivo primeiro, mas acaba sendo consequência, devido a uma rotinade alimentação adequada e treinos físicos constantes, refletindo uma construção corporal de caráterartístico, mas quando este corpo, arte viva, se coloca em movimento através do esporte, produz gestosmuitas vezes coreografados, a exemplo de um balé, mas que não se apresenta a princípio, como artesegundo os moldes paradigmáticos tradicionais.

Outro motivo que reforça esta visão, é o preço muitas vezes pago pelos atletas, que em seu treino de altorendimento, acabam atingindo a ótima performance, mas algumas vezes em detrimento da saúde, vivendocom dores e lesões crônicas, que em um futuro próximo acaba por encerrar suas carreiras. Na busca domovimento perfeito, seja esteticamente ou de forma utilitária, muitos atletas acabam por prejudicar seucorpo, consumindo esteróides anabolizantes, ou simplesmente pelo treino excessivo, motivo pelo qual,alguns passam a defender que o esporte não possa se enquadrar à arte, mas o que dizer dos artistas que seconsomem em sua criação, por exemplo, os inúmeros pintores que morreram devido à intoxicação de suastintas? Portanto, a aproximação entre esporte e arte depende do ponto de vista, do olhar paradigmáticotomado como referência.

Para Welsch (2001), como os paradigmas que envolvem os conceitos de Arte e Esporte, demonstraramatravés do tempo, serem estruturas variáveis, o deslocamento do gesto esportivo para o artístico não setorna impossível. Arte e Esporte a princípio não poderiam ser aproximados, pois o primeiro seria um ente

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estético e o segundo ético, o que os coloca em lados opostos. Mas, o Esporte começou a se deslocar docampo ético para o estético, pois se antes ele era reconhecido como meio de domínio corporal pelaconsciência, numa espécie de “triunfo profano da concepção metafísica” (Welsch, 2001, p. 143), agora éreconhecido com algo afinado a estética, o que se reflete na moda fitness, de origem nas academias deginástica e nos esporte de alto rendimento, e pelo prazer estético que os espectadores sentem ao assistirao espetáculo esportivo.

A espetacularização midiática do esporte, é notável no futebol americano (conhecido por Super Bowl), noboxe internacional, no basquete da Liga Nacional Americana - NBA e no futebol. Por fazer parte daconstituição cultural brasileira, destaca-se neste estudo o futebol, esporte de massas apaixonadas, queoriginou bordões estéticos como “futebol arte”, “este gol foi uma pintura”, em que para o senso comumdos torcedores, há partidas e lances que são uma verdadeira obra de arte. Seja num drible desconcertantedo centroavante do futebol, seja num “gol de placa” ou simplesmente numa “defesa milagrosa” do goleiro,a estética está fortemente presente na apreciação dos torcedores/espectadores e no entendimentocomum de que aquilo foi uma “obra arte”.

Confirmando esta visão estética e espetacularizada do futebol, Damo (2001, p. 86), traz que um dossignificados apontados pelos futebolistas é o caráter mimético, da guerra simulada, do faz-de-conta, o quetorna o futebol, em certa medida, semelhante ao teatro, embora ele não se apresentar como umamontagem encenada, pois “o suspense deve produzir-se ao longo do próprio espetáculo, sendo, portanto,um acontecimento. A compreensão do esporte na sua especificidade passa pelo reconhecimento desseparadoxo”. E reforçando o poder do futebol, tem-se dentre todos os eventos esportivos, juntamente aosJogos Olímpicos, a Copa do Mundo de Futebol, como os eventos que mais influenciam as sociedades, sejapelo gosto, pela emoção, ou pelo apelo estético fortalecido pelo espetáculo produzido pela mídia,principalmente a televisiva.

Outra forma de espetacularização do esporte que o faz se aproximar mais ainda da arte é a da indústria docinema, na qual se tem um marco cinematográfico relacionado ao esporte, é a série de filmes “Rocky”,iniciada em 1976 e estrelada por Sylvester Stallone, que interpreta um atleta de Boxe, de forma tãosensível, que fez o personagem Rocky Balboa ser lembrado para sempre na consciência coletiva mundial,como a verdadeira personificação do corpo atlético, “treinado e disciplinado para resistir e sobreviver, qualmetáfora da inexorável condição humana” (Lacerda, 2007, p. 395) seria mais expressiva. Seguindo oexemplo do Boxe, o que dizer de Muhammad Ali (Cassius Clay), considerado por muitos especialistas comoo melhor boxeador dos pesos-pesados da história, que transformava suas lutas num verdadeiro espetáculo,muitas vezes adiando a vitória, e fazendo performances puramente estéticas, como quando girava o braçoantes de golpear o adversário?

Sendo o esporte algo carregado de simbologias estéticas, e seguindo o pensamento de Welsch (2001), oqual considera tudo que é enfaticamente estético, como algo que apresenta grande chance de se tornararte, pode-se concluir que “o esporte, sendo uma nova e óbvia instância do estético, pode muito bementrar na espera predicativa da arte” (Welsch, 2001, p. 148). No esporte o corpo fala, seus gestos traduzema alma humana, são, portanto edificações que beiram até mesmo arte, seja numa própria construçãoartística como o cinema, seja num jogo esportivo que arranca aplausos e lágrimas dos espectadores.

Lovisolo também relaciona o esporte à arte, ao afirmar que os “esportes deveriam ser uma matéria primapara a discussão estética, para o entendimento de nossa necessidade cultural de beleza e para despertaratitudes de respeito e admiração diante das diversas expressões do belo” (Lovisolo, 1997 p. 49). Outroautor que defende esta estreita correlação é Jeu (1992), para ele o “desporto é uma forma sensível de

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expressão e percepção e, portando, uma comunicação estética, comparável à arte”, embora a vitória seja oobjetivo primordial do esporte, para Welsch (2001) ela só é alcançável pela superioridade da performance,que seria a própria obra atlética no esporte, uma obra que por sua vez, pode tornar-se arte do esporte.

5. Conclusões

Os estudos revisados apontam à necessidade de se verificar o papel da espetacularização midiática dosesportes na criação de uma aparente concepção artística dos mesmos ante ao senso comum, investigar aimportância do apelo estético nas práticas corporais que objetivam determinantemente a produção doscorpos, bem como, apontar o preço que o corpo do atleta paga para sua construção e para a reprodução dedeterminados movimentos esportivos, sejam estes estéticos ou utilitários, pois o entendimento do Esportecomo ente da Arte passa por tais discussões.

Pôde se constatar que no sentido das formas do corpo atlético, a aproximação com a Arte é evidente,principalmente por sua busca de beleza, mas quando se transfere a mesma questão à prática do esporteem si, aos gestos esportivos, a problemática aumenta, visto que, embora o esporte seja visto como algoestético, parcela significativa dos teóricos da estética não o avalia como arte. Contudo, pode-se concluircom base no levantamento realizado, que o Esporte ao se tornar algo estético, e mesmo contra algunsconceitos tradicionais, mostra-se como um tipo de Arte, numa concepção de que a busca da performanceideal do atleta, não só nos treinos, bem como, na própria disputa esportiva, seria um verdadeiro ato decriação artística.

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CULTURE DU CIRQUE: LA SCÈNE EN MOUVEMENTCULTURA DO CIRCO: O PICADEIRO EM MOVIMENTO

Carlos Eduardo Lopes da SILVA1 Maria Lúcia SEBASTIÃO2

Maria Isabel Brandão de Souza MENDES3

Rosie Marie Nascimento de MEDEIROS4

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

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3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil 4 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email: [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]

Résumé

Le présent travail a été préparé pendant le cours Corps et Culture du Mouvement, offert parl'Universidade Federal do Rio Grande do Norte, et visait a analyser la Culture du Mouvement d’unemanifestion. Pour ce faire, nous avons choisi le cirque comme objet d’analyse et en particulier lespectacle Alegria, présenté par le Cirque du Soleil. L’analyse a été realisée à partir du film duspectacle et des recherches sur l’origine des cirques, ses artistes et du Cirque du Soleil, cherchant àréfléchir sur la configuration actuelle et comment il se réinvente, à partir des exigences de la société,et comment il s’exprime corporalment à partir de l’histoire de la vie de chaque composant. Penser lecirque, ainsi comme d’autres segments de l’art, c’est parfois penser a l’expression corporelle commeune source de langage. Les cirques modernes, en particulier le Cirque du Soleil, ont utilisé la langagedu corps comme outil d’expression, révélant, ainsi, modes de relation avec son propre corps et avecle d’autre, valeurs, gestes et, surtout, conaissences et des histoires individuelles et collectives. Nousavons observé quelques relations que ont construit le cirque et, avec il, ses artistes, que disposentd’une langage corporelle uniquee, pleine des codes culturels liés à l’expérience de chaque corps etpleine des gestes que s’expresse et se communique avec le public. Nous croyons que le cirque est unvaste champ d’étude de la Culture du Mouvement. N’est pas soulement par présentér differentsartistes et, dans le cas du Cirque du Soleil, ces artistes sont des toutes les partes du monde, maisaussi, par être une manifestation culturelle ancienne que a passé par differéntes sociétés, prenantun vaste patrimoine culturel et social.

Mots-clés : Cirque; Corps ; Langage; Culture du Mouvement.

Resumo

O presente trabalho foi elaborado durante a disciplina Corpo e Cultura de Movimento, oferecida pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, e teve como objetivo analisar a Cultura deMovimento de uma dada manifestação. Para tanto, escolhemos o ambiente do circo como objeto deanálise e em especial o espetáculo Alegria, apresentado pelo Cirque du Soleil. A análise foi realizadaa partir do vídeo do espetáculo e de pesquisas sobre a origem dos circos, seus artistas e do próprioCirque du Soleil, procurando refletir sobre a atual configuração deste Circo e como ele se reinventa,a partir das exigências da sociedade, e como se expressa corporalmente a partir da história de vidade cada componente. Pensar no circo, assim como em diversos outros segmentos da arte, é pensar,por vezes, na expressão corporal como fonte de linguagem. Os circos modernos, em especial oCirque du Soleil, têm utilizado esta linguagem corporal como ferramenta de expressão, revelando,assim, formas de relação com o próprio corpo e com o do outro, valores, gestos e, sobretudo,conhecimentos e histórias individuais e coletivas. Pudemos visualizar algumas relações queconstruíram o ambiente do circo e, com ele, os seus artistas, os quais apresentam uma linguagemcorporal singular, cheia de códigos culturais relacionados à experiência vivida de cada corpo erepleta de gestos que se expressam e se comunicam com o público. Acreditamos que o ambiente docirco é um vasto campo para o estudo da cultura do movimento. Não somente por apresentardiferentes artistas e, no caso do Cirque du Soleil, artistas esses provenientes de todos os “cantos” domundo, mas por ser, também, uma manifestação cultural antiga que passou por diferentessociedades, carregando consigo, dessa forma, um imenso legado cultural e social.

Palavras-chave: Circo; Corpo; Linguagem; Cultura de Movimento.

1. Introdução

Pensar no circo, assim como em diversos outros segmentos da arte, é pensar em dramatização e napresença de artistas, os quais irão compor personagens que possam entreter o público. Isso pode ser vistonas novelas, filmes e no próprio teatro. No entanto, cada um possui sua especificidade e sua maior (oumenor) dramatização, visando alcançar os seus objetivos. Na ocasião iremos nos deter, exclusivamente, naarte circense e nos seus artistas.

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Acredita-se que o circo tenha surgido com as primeiras civilizações da antiguidade, tendo vestígios de suaexistência na Grécia, na Índia, na China e no Egito, países estes onde foram encontrados pinturas decontorcionistas, malabaristas e outros artistas nas construções antigas (Borges, 2009).

Provavelmente, em cada um desses países, o circo, ou a manifestação cultural que se assemelhava a ele,tinha uma finalidade exclusiva para aquela sociedade. Se pensarmos no Império Romano, por exemplo,onde acredita-se que o circo tenha surgido de fato, a sociedade era “entretida” com o que conhecemos dea Política do Pão e Circo. Dessa forma, enquanto aconteciam lutas de gladiadores, combates com animaisferozes (daí tenha dado início à domação de animais) e espetáculos sangrentos, a insatisfação da populaçãocom o governo era contida ou aniquilada.

Com isso, ainda para Borges (2009), as pessoas começaram a se reunir, nas praças e em outros lugares acéu aberto, para demonstrar habilidades incomuns, números de ilusionismo, acrobacia, dentre outros,dando início ao modelo de circo que presenciamos ainda nos dias atuais. Entretanto, para instigar e seguraro público percebeu-se que era necessário algo mais cômico, surgindo, assim, os primeiros palhaços.

Já no Brasil, o circo foi trazido pelas famílias europeias e, principalmente, pelos ciganos, razão pela qual,talvez, seja tão forte a questão da mudança de lugar, dos números de ilusionismo e da improvisação, umavez que, ao realizarem uma apresentação e ela não ser bem avaliada, o número era retirado daapresentação seguinte.

Todavia, os circos modernos, apesar de, ainda, apresentarem muitos desses profissionais, passaram poruma reformulação, possivelmente, para atender às exigências da sociedade. Um exemplo disso é o Cirquedu Soleil. Inaugurado na década de 80, conta hoje com mais de 5.000 artistas, de diversas nacionalidades,espalhados em 30 espetáculos criados.

Após ver os números citados acima pode ser confuso tentar fazer uma relação do circo antigo com o circomoderno. O circo contemporâneo ganhou status. É bem verdade que ainda há inúmeros circos, espalhadospelo mundo, que conservam suas características e dimensões, mas as exigências da sociedade vem fazendoessa realidade mudar e circos, como o du Soleil, têm se especializado para isso. Desta feita, o público-alvotambém muda, deixando de ser exclusivamente as crianças, como em algumas décadas atrás, passando aatingir jovens, adultos e idosos, que são levados ao circo para presenciarem verdadeiros showsdirecionados a eles.

Dessa maneira, envolvidos pelas transformações ocorridas no ambiente do circo e pela oportunidade deinvestigar diferentes linguagens expressas nos espetáculos e de discorrer sobre a cultura de movimentodecorrente dessa arte, a arte circense, é que desenvolvemos nosso trabalho. A ideia original partiu dadisciplina Corpo e Cultura de Movimento, oferecida no segundo semestre de 2012, pelo Departamento deEducação Física, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e ministrada pela professora Maria Isabelde Souza Mendes Brandão. Naquela ocasião, fomos solicitados a escolher uma prática e refletir sobre aCultura de Movimento inerente a ela. Para tanto, deveríamos ter como base para nossas reflexões um

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vídeo, também escolhido por nós, e os textos lidos e discutidos durante a disciplina. No entanto, para essesegundo momento, o qual se caracteriza como sendo a confecção do artigo, selecionamos mais dois vídeosdo mesmo espetáculo para que, assim, pudéssemos descrever o espetáculo e refletir sobre as diversasmaneiras que o corpo dispõe para se expressar, se criar e recriar o movimento.

2. O movimento do Cirque du Soleil

Além das características históricas, já citadas anteriormente, as quais demonstram o movimento vivenciadopelos circos, outra característica marcante que sofreu grandes mudanças foi a linguagem. Enquanto noscircos, das décadas passadas, havia inúmeros palhaços, fazendo piadas a todo tempo e se comunicandooralmente com o público, nos dias atuais quase não vemos palhaços, quem dirá suas falas e piadas. O circomoderno se expressa muito mais pelo corpo e pelos códigos culturais, como propõe Nóbrega (2003), doque pela linguagem falada.

O Cirque du Soleil faz isso muito bem. Talvez o grande número de artistas de diferentes nacionalidadestenha exigido isso, e foi uma fórmula que certamente deu certo. Influenciados pelo teatro mambembe, dopróprio mundo circense, da ópera, do balé e até mesmo do rock, contorcionistas, malabaristas, palhaços etrapezistas se dividem no picadeiro ao som de música ao vivo e da língua “Cirquish”, um dialeto imagináriocriado pela própria companhia. Assim sendo, pouco vemos essa interação falada entre os artistas, a qualacontece principalmente por meio da linguagem corporal, corroborando com Nóbrega (2003), que diz queo corpo é lugar de inscrição da linguagem.

Além disso, através da linguagem corporal mantida pelos artistas do circo, é possível observar umaconstrução de conhecimento e um reconhecimento do outro. Para Merleau-Ponty (2004, p. 73), alinguagem significa quando, em vez de copiar o pensamento, deixar-se desfazer e refazer por ele. Destarte,as relações alcançadas pela linguagem corporal expressa neste espaço do circo, promovem mais do queuma simples repetição de movimentos e/ou sons, mas são capazes de promover uma descoberta de si e dooutro.

Ainda tratando dessa linguagem corporal, ao fazermos uma busca rápida no site de compartilhamento devídeos e vendo a descrição de todos os espetáculos criados, notaremos a diversidade presente no Cirquedu Soleil. O grupo já desenvolveu espetáculos sobre a história de Michael Jackson, Elvis Presley, históriasfictícias criadas, exclusivamente, para o Oriente, histórias de crianças americanas, espetáculos para adultos.Enfim, espetáculos em que os criadores e artistas devem fazer verdadeiras incursões às realidades culturaispossivelmente distantes, até então, das deles.

A partir desse pensamento, podemos observar, que assim como no texto Corpos do Tango (Nóbrega, 2003),em que os bailarinos do Bandaneon, de Pina Bausch, são convidados a expressarem sua consciência(compreensão) do tango argentino que presenciaram, os artistas do Cirque du Soleil também devem estar,a todo instante, sendo solicitados a fazerem esta leitura e demonstrando os seus conhecimentos ecompreensão da cultura da qual eles irão dramatizar. Portanto, ainda como sugere Nóbrega (2003), eles

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estão sempre revelando formas de se relacionar com o corpo, valores implicados, gestos que revelam eescondem a história social, individual e coletiva da sociedade em estudo.

Virando os holofotes, mais uma vez, para os artistas que ali se apresentam, veremos, ainda mais claro, oque propõem Mendes e Nóbrega (2009). As diferentes atividades desenvolvidas pelos artistas promovem adiferenciação dos seus corpos. Logo, como expressam as autoras: “o corpo possui história. A historicidadedo corpo faz com que se modifique constantemente e que os gestos adquiram significados novos. E pormeio dos gestos somos capazes de expressar símbolos” (Mendes e Nóbrega, 2009, p. 4).

Dessa forma, podemos notar não somente que um corpo de uma contorcionista é mais esguio e longilíneodo que o corpo de um trapezista, que por sua vez mostra-se definido e com músculos aparentes, mas queos gestos realizados por cada um, são resultados da vivência que eles tiveram e, provavelmente, irão mudarcom as experiências futuras.

Iniciando mais uma apresentação de Alegria nos deparamos com um espetáculo que teve sua estreia emabril de 1994, ano em que a companhia completou 10 anos de existência. O espetáculo é uma dasproduções mais populares do Cirque du Soleil e teve sua última apresentação no ano de 2013, na Bélgica.Entretanto, antes disso, passou por importantes centros urbanos como Nova Iorque, Londres, Paris, Sidney,São Paulo e Rio de Janeiro. No seu enredo, algo diferente das apresentações dos circos comuns. Enquantonos circos mais comuns e sem tanto status quanto o Soleil, as apresentações parecem ser um conjunto deprofissionais demonstrando determinadas habilidades, o espetáculo Alegria tem como tema principal omau uso do poder político, passando uma mensagem de esperança e perseverança para inspirar o trabalhoem conjunto, tudo ambientando em um reino distante, decadente, sem um monarca para conduzir a vida.Assim, em meio a lutas, perseguições e seduções, a história se desenvolve. O espetáculo traz aindamelodias envolventes, fortes, conduzidas por batidas que, por vezes, parecem sincronizadas aosmovimentos realizados pelos bailarinos. A música tema, também nomeada de Alegria, ao ser traduzida, nosoferece trechos como os seguintes “Alegria/Como um raio de vida/Alegria/Como um louco agritar/Alegria/.../Como uma fúria de amar/Alegria/Como um assalto de felicidade/Alegria/Eu vi uma faíscade vida brilhando/Alegria/.../O grito bonito/Um rugir de sofrimento e de felicidade/Tão extremo/Um amorfurioso em mim/Alegria/Um feliz e mágico sentimentos/...”.

A tradução nos mostra que o entretenimento está relacionado ao espetáculo. Entretanto, assim como jáexplicitado, faz com que a plateia reflita sobre o que o espetáculo se propõe, que é a esperança e afelicidade da vida e do trabalho em conjunto. O entretenimento pelo entretenimento, tão ligado aos circosantigos, em que os artistas se apresentavam de em tempos distintos, parece se diluir nos espetáculosmodernos, inclusive os propostos pelo Cirque du Soleil. No espetáculo Alegria podemos visualizar umpouco disso, em que o espetáculo tem uma continuidade, os artistas se apresentam dividindo espaços etempos, parecendo construir a história para os espectadores, o que, juntamente com a música que embalaos diferentes momentos, poderiam nos remeter aos musicais.

A construção do enredo e, consequentemente, das cenas que poderiam compor o que nos remeteu aosmusicais, podem ser favorecidas por esta partilha de espaços e tempos entre diferentes artistas, os quais,

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nos circos modernos, parecem também compartilhar funções. Dessa maneira, em alguns momentos dosvídeos apreciados, pudemos perceber palhaços sendo bailarinos, cantores sendo saltadores, saltadoressendo equilibristas.

Passadas as reflexões acerca dos sons e enredo, o espetáculo toma início com um bailarino adentrando opalco em passos lentos e tomando conta de todo espaço. Em questão de segundos todo aquele ambiente éocupado por vários bailarinos em movimento, com um figurino espetacular, expressões que cabe a cadaespectador interpretar seus significados; rostos maquiados que transformam fisionomias e gestos que sãodemonstrados através das expressões.

A expressão, como dito, é aqui também contemplada pelos movimentos. Movimentos esses que nos fazempensar que corpos são esses que são capazes de pular tão alto, de se contorcer, dar cambalhotas, girar noar, e nos dando como repostas que são movimentos tão presentes no ambiente do circo. Assim sendo,apesar das aproximações com outros cenários de dramatização e movimento, somos rememorizados doambiente do circo logo nos primeiros instantes. Portanto, o tempo do espetáculo, trata-se de um conjuntocom inúmeras coisas para observar, como por exemplo, os corpos dançantes, a expressão e a gestualidadede cada bailarino, a maneira como cada corpo se expressa em cena, e, sobretudo a estética do espetáculo.

O corpo nesse espetáculo é dotado de técnica e para isso nos apoiamos em Mauss (2003, p. 401) quandoeste afirma que técnicas corporais são “as maneiras pelas quais os homens de sociedade em sociedade, deuma forma tradicional, sabem servir-se de seus corpos”. Partir de tal afirmação pode ser redundante, aindamais no ambiente do circo, em que famílias são constituídas dentro daquele espaço e, como vimosanteriormente, passam seus costumes, suas habilidades e suas formas de viver, de um indivíduo para ooutro ao longo do tempo. Assim sendo, parece inevitável que os movimentos ali desenvolvidos não seperpetuem através das técnicas corporais. Todavia, ao nos referirmos aos corpos vistos nos vídeos doespetáculo, os vemos para além de uma demonstração de técnica, os vemos tomados por delicadeza, pormovimentos combinados com alegria, dança, expressão, interpretação, canto, enfim, corpos flutuantes,que vão e vem no alto, apenas segurados por cordas e elásticos, corpos capazes de manusear algunsobjetos, tais como: bastões com fogo, bambolês, cordas e outros inúmeros elementos que compõem oespetáculo.

Ao refletir sobre o corpo desta maneira indicamos uma possibilidade de entendimento da técnica corporalcomo sendo algo distinto de uma mera repetição de movimentos. Ao incluirmos no corpo seussentimentos, seus desejos, suas percepções, suas interações com o outro e com objetos, seu deslocamentono tempo/espaço, aceitamos-o como sendo movimento, sensibilidade e expressão criadora (NÓBREGA,2000, p. 100). Portanto, capaz de criar e recriar movimentos e, assim, técnicas corporais.

Ainda em Alegria, os movimentos dos bailarinos, de certa forma, respondem à música, ao ritmo e àsonoridade, o que faz com que pareçam, por vezes, eclodir a uma batida mais forte, o que é aindamaximizado nos vídeos, cujas filmagens nos oportunizam imagens em que os bailarinos parecem invadir a

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tela. A partir disso, apontamos para a necessidade de focar nosso olhar para os movimentos que sãorealizados de forma acentuada, as partes do corpo que estão sendo movidas, a resistência em cadamovimento, em suma, os muitos gestos que são realizados em varias direções do palco.

Ao propor esse olhar para os movimentos realizados, apontamos mais uma vez para a expressãodemonstrada na realização de cada ato, uma vez que o corpo nos fala e fala de nós a partir de cadaexpressão e cada gesto demonstrado. Destarte, é através dos gestos e das expressões que as falas, porinúmeras vezes não anunciadas no ambiente circense, se transformam em outras formas de linguagensnecessárias para que a intenção comunicativa seja passada dos artistas para os espectadores. Assim, aexpressão corporal tão imbricada nesse contexto do circo, nos contempla com inúmeros sentidos esignificados, cujas possibilidades estão presentes nos corpos ativos deste espetáculo assistido. Sobre isso,as palavras de Merleau-Ponty, transcritas em Dupond (2010), nos expõe que

A expressão designa uma estrutura ontológica encontrada na fala, mas também no corpo vivo, naobra de arte, na coisa percebida, e que consiste na passagem mútua de um interior para o exterior ede um exterior para o interior ou no movimento mútuo de sair de se e de entrar em si (Dupond, 2010,p. 29).

Com isso, ao vermos os corpos que falam sem ser pela voz, os corpos que se relacionam com o espaço, como outro e consigo, os corpos que se revestem de adereços e maquiagens, os corpos que trazem na pele e namusculatura algo de suas experiências, passamos a compreender um pouco mais da história e da vida quese movimenta nos palcos do circo.

3. O circo para a Educação Física

A partir das observações e reflexões realizadas podemos observar que o ambiente do circo é um vastocampo para o estudo da cultura do movimento. Não somente por apresentar diferentes artistas e, no casodo Cirque du Soleil, artistas esses provenientes de todos os “cantos” do mundo, mas por ser, também, umamanifestação cultural antiga que passou por diferentes sociedades, carregando consigo, dessa forma, umimenso legado cultural e social.

Além disso, o espaço circense e a maneira como ele se coloca hoje através de seus espetáculos, possibilitauma maior reflexão sobre a expressão do/pelo movimento. Somos, por vezes, levados a uma realizaçãomecânica dos movimentos, em que não há percepção do próprio corpo, do corpo com quem nosrelacionamos e das expressões manifestadas nas diferentes ocasiões. Posto isto, sendo o movimento umdos focos da educação física, refletir sobre a realidade circense e trabalhá-la em diferentes contextos,podendo ser, por exemplo, em espaços educacionais e de academias de ginástica, poderá ampliar asconcepções existentes sobre o movimento e favorecer uma maior consciência corporal por parte dosenvolvidos.

Referências

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BORGES, M. (2012). História do Circo. Recuperado em 01 setembro, 2012, dehttp://www.infoescola.com/artes-cenicas/historia-do-circo/.

MENDES, M. I. B. S., & NÓBREGA, T. P. (2009). Cultura do Movimento: reflexões e partir da relaçãoentre corpo, natureza e cultura. Pensar a Prática, v. 12, n. 2, p. 1-10.

NÓBREGA, T. P. (2000). Merleau-Ponty: o corpo como obra de arte. Princípios (UFRN), NATAL, v. 7,n.8, p. 95-108.

NÓBREGA, T. P. (2003). Corpos de tango: reflexões sobre gestos e cultura de movimento. In: LUCENA,Ricardo; SOUZA, Edílson (Org.). Educação Física, esporte e sociedade. João Pessoa: UFPB.

MAUSS, M. (2003). Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify.

MERLEAU-PONTY, M. (2004). O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify.

DUPOND, P. (2010). Vocabulário de Merleau-Ponty. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

YouTube. (2011, Junho 17). Original: Musica Alegria [Video file]. Encontrado emhttps://www.youtube.com/watch?v=GGXfiyh17uY.

YouTube. (2013, Abril 01). Le cirque du soleil Alegria [Video file]. Encontrado emhttp://www.youtube.com/watch?v=xHtcAm4CJMY.

YouTube. (2013, Setembro 29). Cirque du soleil, Alegria in Minsk [Video file]. Encontrado emhttp://www.youtube.com/watch?v=AKcdIMmdjBw.

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LE CORPS, LE MOUVEMENT, L´ENFANT ET L´APPRENTISSAGE: DIALOGUE ENTRE LA PSYCHOCINETIQUE DE JEAN LE BOULCH ET LA

PHENOMENOLOGIE DE MERLEAU-PONTYCORPO, MOVIMENTO, CRIANÇA E APRENDIZAGEM:

DIÁLOGO ENTRE A PSICOCINÉTICA DE JEAN LE BOULCH E AFENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY

Christyan Giullianno de Lara Souza SILVA1

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, BrasilEmail: [email protected] ; [email protected]

Résumé

Dans cette recherche, nous visons à identifier les compréhensions du corps, du mouvement, de l´enfant et l’ apprentissage dans les oeuvres de Jean Le Boulch et Maurice Merleau-Ponty, evoquantles rapprochements et les éloignements entre les deux et identifient les éléments épistémologiquessur la Psychocinetique, les travaux de Merleau-Ponty, l’Éducacion Physique et son actualité dans cedomaine des savoirs, en croyant que ce rapprochement et dialogue permettront de contribuer à l´Éducation Physique. De cette façon, nous optons pour une approche théorique et adopterons laPhénoménologie de Merleau-Ponty (1994) comme référence méthodologique, cette attitude, outrele modèle herméneutique présenté par Paul Ricouer (1979) en se concentrant sur la validation etl'interprétation des textes. Nos réflexions sont basées sur des concepts presentés dans lesréférences bibliographiques de Le Boulch au Brésil, outre les travaux développés par lui dans cepays, les symposiums, les séminaires et les conférences, des travaux qui peuvent contribuer pour samise à jour, outre l'entretien et les textes de Le Boulch. En ce qui concerne la connaissance apportéede Merleau-Ponty, nous utiliserons les oeuvres Phénoménologie de la perception (1994) etPsychologie et Pédagogie de l’enfant: Cours de Sorbonne 1949-1952 (2006).

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Mots-clés: Corps – Enfant – Mouvement – Psychocinetique - Phenomenologie

Resumo

Nesta pesquisa, objetivamos identificar as compreensões de corpo, movimento, criança eaprendizagem nas obras de Jean Le Boulch e Maurice Merleau-Ponty, discutindo aproximações edistanciamentos entre ambos e apontar elementos epistemológicos sobre a Psicocinética, ostrabalhos de Merleau-Ponty, a Educação Física e sua atualidade nesse campo de conhecimento,acreditando que essa aproximação e diálogo venham contribuir com a Educação Física. Dessa forma,optamos por uma abordagem teórica e adotaremos a Fenomenologia de Merleau-Ponty (1994)como referência metodológica, além do modelo hermenêutico apresentado por Paul Ricouer (1979)focalizando a interpretação e validação dos significados dos textos. Nossas reflexões serão baseadasnos conceitos apresentados nas referências bibliográficas de Le Boulch no Brasil, além de outrostrabalhos desenvolvidos por ele neste país, conferências, palestras e seminários, trabalhos quepossam contribuir para sua atualização, além de entrevista e textos de Le Boulch. No que tange aosconhecimentos trazidos de Merleau-Ponty, utilizaremos as obras Fenomenologia da percepção(1994) e Psicologia e Pedagogia da criança: Curso da Sorbonne 1949-1952 (2006).

Palavras-chave: Corpo – Criança – Movimento – Psicocinética - Fenomenologia

1. Introdução

Pensar nas questões referentes ao corpo, ao ensino, à criança e à Educação Física escolar faz parte deminha vida acadêmica e profissional já há alguns anos. Desde o período da graduação em Educação Física,nos estudos do Grupo de pesquisa1, nos trabalhos como monitor de disciplinas2, na Especialização3 e,posteriormente, como professor de Educação Física em escolas da Rede Municipal do Natal, atuando comcrianças dos anos iniciais do ensino fundamental.

Refletir e discutir sobre as teorias e estudos que versam sobre o corpo em movimento, a criança e oaprender para o ser humano são para a Educação Física e para o professor, tarefa primordial. Buscandoessas reflexões sobre corpo e a Educação Física, tive contato com a última obra de Jean Le Boulch traduzidapara o português e publicada no Brasil, O corpo na escola no século XXI: Práticas corporais (2008), obraextensa e que apresenta 40 anos de seus estudos, uma vasta construção teórica, que intenciona apontarcaminhos para a educação escolar, para isso, prioriza o corpo e as práticas motoras apontando-as comoelemento central da educação.

Le Boulch teve grande influência nos trabalhos da Educação Física, por considerar a importância domovimento no desenvolvimento do ser humano, surgiu, em certo período, como referência e com suasideias guiou a atuação educativa de professores e diversas obras na área de Educação Física. Dentre elas,destacamos a obra Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física (1989) de João Batista

1 Participei do Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento no período de sua criação. Grupo de pesquisadores interessadosem investigar as relações entre o corpo movimento, reunindo experiências diversas na formação acadêmica, profissional einstitucional. Realizada ações de ensino, pesquisa e extensão em áreas como arte, educação física e educação(http://www.paideia.sedis.ufrn.br/gepec).2 Exerci a função de monitor no Projeto “Habilidades Motoras na Infância: Bases Teóricas e Metodológicas”, coordenado peloProfessor Doutor José Pereira de Melo, atuando nas disciplinas Aprendizagem motora e Desenvolvimento motor, no período daGraduação entre os anos de 2000 e 2002.3 Curso de Especialização em Ensino de Educação Física na Escola, realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte nosanos de 2006/2007.

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Freire, por exemplo, importante para a disseminação da Psicomotricidade4 e da Psicocinética5 na EducaçãoFísica.

O contexto histórico de aproximação no qual os trabalhos de Le Boulch passam a fazer parte das reflexõesna área de Educação Física no Brasil, remete aos anos 70 e 80 do século passado, quando o GovernoFederal investia na Educação Física com diretrizes baseadas no nacionalismo, na segurança nacional, natentativa de formação de uma juventude forte e saudável. A legislação brasileira fundava a obrigatoriedadeda prática de Educação Física em todos os níveis de ensino, pautando-se no esporte e na melhoria daaptidão física (SOUZA JÚNIOR, 2005; BRASIL, 2001).

Sendo assim, a Educação Física, a qual historicamente fora institucionalizada prioritariamente por médicose militares, verificados nos métodos ginástico-militares e no esporte competitivo, vislumbrava o corpocomo objeto a ser disciplinado, visando ao aprimoramento físico e moral das pessoas, a eficiência e aprodutividade da sociedade industrial (NÓBREGA, 2001: 41).

É nessa conjuntura que aparecem os movimentos renovadores e alternativos na Educação Física no Brasil,destacando-se entre eles a Psicomotricidade com variantes como a Psicocinética de Jean Le Boulch, comuma perspectiva para vislumbrar outros significados ao corpo e à educação, apresentando-se comocontestação à Educação Física ligada, por exemplo, ao esporte rendimento e a uma concepção dualista dehomem (Coletivo de Autores, 1992; Souza Júnior, 2005).

A psicomotricidade no âmbito da Educação Física ganha impulso tanto pela ida de professores brasileirosao exterior como pela vinda ao Brasil do Dr. Jean Le Boulch, em dezembro de 1978, para ministrar um cursode Psicomotricidade, sob a coordenação da SEED/MEC e dirigido especialmente para professores deEducação Física das Universidades Brasileiras (SOARES, 1996: 12).

Neste período, há também um crescimento de várias publicações sobre a Psicomotricidade e aPsicocinética, assim como acontecem traduções para o português de autores como o próprio Le Boulch,além de J. Chazaud, Pierre Vayer, André Lapierre e Bernard Aucouturier, entre outros (Ibidem).

Destaca-se, dentre vários estudiosos estrangeiros que apresentavam seus trabalhos sobre psicomotricidadeno Brasil, a contribuição de Le Boulch. É reconhecida em alguns texto e eventos das décadas de 80 e 90.Manoel Sérgio (1992), tecendo uma reflexão sobre a Ciência da Motricidade Humana e propondoperspectivas futuras para Educação Física, assinala a importância e influência dos trabalhos de Le Boulch navisão ampliada do corpo, ponto que consideramos primordial.

A importância e influência das ideias de Le Boulch na Educação Física do Brasil podem ser notadas, porexemplo, em sua participação no I Congresso Brasileiro de Educação Motora em 1994, onde proferiu aconferência de abertura. Evento importante para as reflexões que estimulavam os debates da área naquelaépoca e que foi divulgado no livro Pensando a Educação Motora (De Marco, 1994).

É importante abrir um espaço para frisar que as obras de Le Boulch influenciaram a intervenção pedagógicae as pesquisas na área de Educação Física, entretanto, após a década de 90 houve uma lacuna na traduçãoe publicação de seus trabalhos no Brasil, um “esquecimento” das suas ideias, talvez seu trabalho não tenha

4 Segundo a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade é a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpoem movimento e em relação ao seu mundo interno e externo. O termo Psicomotricidade é empregado para uma concepção demovimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade,sua linguagem e sua socialização. Ela está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisiçõescognitivas, afetivas e orgânicas. Apresenta-se sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto(http://www.psicomotricidade.com.br).5 Ciência do movimento humano aplicada ao desenvolvimento da pessoa (Le Boulch, 2008, p.99).

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se consolidado por ser confundido com outras áreas, haja vista, ser usada pela pedagogia, psicologia,psicopedagogia e a formação de psicomotricistas, fazendo com que seus estudos fossem preteridos pornovas abordagens, essas em consonância com as mudanças e uma nova ordem da Educação Física no Brasildaquele momento, apresentando outros direcionamentos e discussões para a área (Daolio, 1998).

Destacamos também que as ideias apresentadas pela Psicomotricidade, apesar da sua influência naEducação Física, foram concebidas fora do Brasil numa perspectiva de reabilitação e no auxílio à saúde decrianças que apresentavam atrasos, dificuldades e transtornos em seu desenvolvimento motor. APsicomotricidade como área de conhecimento, separada da Educação Física, continuou a desenvolver-seutilizando seus próprios conhecimentos. Como exemplo, podemos citar a SBP6 – Sociedade Brasileira dePsicomotricidade e o ISPE-GAE7 – Instituto Superior de Psicomotricidade e Educação, os quais tem em seustrabalhos a atuação clínica da Psicomotricidade e organizam a profissão de psicomotricista desde a décadade 80.

Como havíamos discorrido anteriormente, as obras de Le Boulch serviram como um movimento de ideiaspara a Educação Física em certo momento histórico. Acreditamos que sua revisão possa servir nasdiscussões dessa pesquisa, por considerarmos que ensejam reflexões, fundamentadas nas proposiçõesapresentadas por ele e no desdobramento que as seus conceitos, como a que encontramos nas áreasreabilitação e clínica ainda hoje, possam contribuir também com área da Educação Física no Brasil.

Como posto anteriormente, em 2008, foi lançada no Brasil a última obra de Le Boulch traduzida para oportuguês, lançada em 1998 na França, e dez anos depois no Brasil, O corpo na escola no século XXI:Práticas corporais (2008), consequência de 40 anos das suas pesquisas. Além dessa obra, outras cincoforam traduzidas e lançadas no Brasil: Introdução a Psicocinética (1977); O desenvolvimento psicomotor: donascimento até 6 anos (1982); A educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar (1983);Psicomotricidade (1993)8; Rumo a uma ciência do Movimento Humano (1987); Educação psicomotora: apsicocinética na idade escolar (1987).

Le Boulch era professor de Educação Física e especialista em Psicomotricidade, formou-se também emMedicina e Psicologia, faleceu em 2001. Em suas pesquisas, abordou a compreensão da motricidadehumana e a sua complexidade, defendeu o desenvolvimento e a aprendizagem da pessoa através domovimento, historiou a Educação Física na França, mas, sobretudo, seus estudos sempre se constituíramenvoltos ao interesse pela educação, Psicologia e na confiança inabalável da experiência do movimentocorporal no desenvolvimento das pessoas de modo geral e nas crianças. Le Boulch criou a Psicocinética,ciência do movimento humano aplicada ao desenvolvimento da pessoa (Le Boulch, 2008).

Em suas proposições, apresenta concepções e terminologias baseadas sobretudo em áreas de suaformação como Medicina e Psicologia, mas também em Antropologia, Sociologia, Fisiologia, Filosofia,dentre outros que embasaram seu extenso trabalho sobre o movimento humano.

Nos seus pressupostos teóricos sobre corpo, movimento e aprendizagem que são nosso foco de estudo,apresenta os conhecimentos de corpo baseada numa orientação fenomenológica “emprestada” deMerleau-Ponty, o corpo próprio (Le Boulch, 2008: 103). Esse aspecto dos textos de Le Boulch (1995, 2008)6 Entidade de caráter científico-cultural, sem fins lucrativos e foi fundada com o objetivo de agregar os profissionais que vinham seformando e trabalhando na área. Atualmente, busca a regulamentação da profissão através de projetos de lei(http://www.psicomotricidade.com.br).7 A OIPR Organisation Internationale de psychomotricité et Relaxation (Paris - France) é a instituição responsável por organizar aprofissão de psicomotricista no mundo. No Brasil é representada pelo ISPE-GAE (Instituto Superior de Psicomotricidade eEducação). Instituto especializado no ensino da Psicomotricidade para profissionais das áreas de educação e saúde.8 Livro publicado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFB), 1983.

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ultrapassa o simples uso da nomenclatura, instaura e afirma uma orientação fenomenológica do corpo nodesenvolvimento de sua teoria Psicocinética, rompe com a restrição dualista, considera sua relação commeio ambiente, a expressão das emoções e como instrumento eficaz de adaptação, considerando em seustrabalhos o corpo o movimento com possibilidades na educação do ser.

No que tange os conhecimentos sobre o movimento, seu trabalho parte dos gestos do corpo como. Omovimento em psicocinética tem uma importância fundamental para o ser humano, ele é muito mais quemanifestação exterior da vontade humana de se movimentar, é “[...] manifestação da presença nomundo[...]”.(LE BOULCH, 1987, p.14).

Em relação aos conhecimentos sobre aprendizagem, segue um caminho também trilhado nas suasconcepções de corpo e movimento, como componente da conduta e considerando ainda o aspectointerativo com o meio, busca-se então uma situação de união, a pessoa em determinada circunstância, oscomponentes da conduta, as emoções e a cognição, promovendo dessa forma um ajuste em detrimento dasituação.

Nesta pesquisa, objetivamos identificar as compreensões das concepções de corpo, movimento, eaprendizagem nas obras de Jean Le Boulch apontar elementos epistemológicos sobre a Psicocinética, aEducação Física e sua atualidade nesse campo de conhecimento, acreditando que esse olhar venhacontribuir com a Educação Física.

Com esses objetivos, fizemos um levantamento das bibliografias de Le Boulch no Brasil, além de outrostrabalhos desenvolvidos por ele neste país, tais como conferências, palestras e seminários, trabalhos quepossam contribuir para sua atualização.

Utilizaremos também uma entrevista de Le Boulch concedida à revista francesa Éducation Physique etSport8 – EPS (1983); o artigo Tissié, Le Boulch: deux concepcions de L´Éducation Physique, deux periodes,deux doctrines9 (1999), fragmento da tese de Cécile Collinet, estudiosa do tema, que faz uma reflexãobaseada nas concepções de Le Boulch e outros pesquisadores franceses e analisa as diferentes correntesque marcaram a história da Educação Física na França no século XX, cuja intenção é a possibilidade determos uma visão mais aprofundada de seus trabalhos.

Utilizaremos na construção dessa pesquisa uma abordagem fenomenológica, que permitir-nos-á pensar apartir da proximidade encontrada entre nós e o fenômeno, considerando nossa vivência com ele,construída há certo tempo. Educação Física, corpo, movimento, aprendizagem compõem o ambiente dasexperiências com as quais buscamos novos significados não apenas como professor e pesquisador, mascomo ser que vive também com ele.

O método fenomenológico é, antes de tudo, a atitude de envolvimento com o mundo da experiênciavivida, com o intuito de compreendê-la. Essa posição não é uma representação do mundo, masenvolvimento que permite a experiência, a reflexão, a interpretação, a imputação e a compreensãodos sentidos. (NÓBREGA, 2008, p.38).

9 Educação Física e Esporte (Cleuziou, 1983); Tissié, Le Boulch: duas concepções da Educação Física, dois períodos, duas doutrinas(Collinet, 1999).

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É importante buscar, na experiência vivida, novos sentidos para vislumbramos novos conhecimentos, afinal“tudo o que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiênciado mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada” (MERLEAU-PONTY, 1994, p.6).

Para tomarmos a fenomenologia como uma referência metodológica, nas palavras de Nóbrega (2010), “faz-se necessário incorporar a atitude ancorada na experiência vivida e aberta às aventuras da reflexão” (p.38).

À experiência e às aventuras aqui trazidas a pensar, unem-se também os textos de ambos os teóricos, ondebuscaremos compreendê-los e interpretá-los, com a intenção de encontrarmos o caminho que nos levaráaos elementos epistemológicos que constituirão este diálogo teórico. A busca empreendida por meio darelação com o fenômeno, com o conhecimento como resultado da experiência do mundo vivido e com aatitude intencional das leituras dos textos constitui-se na redução necessária para que sobressaiam novascompreensões e significados por nós pretendidos.

Nesse sentido, considerando a leitura e interpretação dos textos, utilizaremos a teoria da interpretação dePaul Ricoeur, entendendo que a “hermenêutica é interpretação orientada para textos e na medida em queos textos são, entre outras coisas exemplos da linguagem escrita, nenhuma teoria da interpretação épossível que não se prenda com o problema da escrita” (RICOEUR, 1999, p.37).

Sendo assim, essa orientação metodológica destaca-se em nosso caso, por buscarmos um diálogo atravésdos textos, na medida em que se busca o discurso originado pela escrita, que é o pensamento humanotrazido ao texto escrito sem o intermediário oral, que, como um discurso escrito, transcende a intenção doautor dando-lhe um significado decisivo. Passe-se a significar ainda mais que o autor quis dizer,possibilitando a partir deste diálogo, compreendermos novos sentidos advindos dele (Ricoeur, 1999).

Compreensão e interpretação constroem esses novos sentidos, na compreensão compreendemos ouapreendemos como um todo a cadeia dos sentidos parciais num único ato de síntese [...], ainterpretação é um caso particular de compreensão. É a compreensão aplicada às expressões escritasda vida [...] o termo interpretação deve, pois, aplicar-se não como um caso particular decompreensão, a das expressões escritas na vida, mas a todo processo que abarca a explicação e acompreensão (RICOEUR, 1999, p. 84, 85, 86).

Dessa forma, a interpretação acontecerá do movimento entre compreensão e explicação, seguindo daexplicação à compreensão, um movimento circular, no qual a interpretação dar-se-á a partir dessadialética, onde esse processo será no primeiro momento uma compreensão mais simples do texto e, nosegundo, será de uma forma mais elaborada de compreensão que se apoia em procedimentos explicativosde validação (Ricoeur, 1999).

Os procedimentos contidos no círculo hermenêutico validam as conjeturas que pretendemos em nossapesquisa. Apresentados em Ricoeur (1999) e Nóbrega (2008), esses procedimentos apresentam-se deforma divergente das verificações empíricas, haja vista que se baseiam em um nexo de construçãodiferente, dentre elas: métodos dos índices de convergência (probabilidade subjetiva); critérios defalseabilidade entre interpretações rivais; construção gramatical do texto (sentido gramatical do texto),exegese, entre outros.

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A Psicocinética de Jean Boulch, identificaremos em seus textos (publicados no Brasil), nos textos de seusdebatedores e em uma entrevista, os conceitos de corpo, criança, movimento e aprendizagem, buscandocompreendê-los, possibilitando a apropriação dos conhecimentos contidos em sua teoria.

2. A Psicocinética de Jean Le Boulch

Iniciando nosso percurso sobre os conceitos que discutiremos na Psicocinética de Jean Le Boulch,necessitaremos fazer uma breve explanação sobre esse estudioso e o que consiste sua Teoria.

Assim, destacamos alguns aspectos sobre o trabalho e atuação de Jean Le Boulch. Foi professor deEducação Física e Médico, inspetor nas Escolas da Câmara de Comércio em Paris, desenvolveu trabalhos emescolas e universidades em vários países, Canadá, Argentina, México, Peru, Espanha, Itália e Brasil, foidiretor científico da Escola do Movimento de Florença, na Itália, país onde, até hoje, são ministrados cursosbaseados em sua Teoria Psicocinética.

Formado em Educação Física, Psicologia e Medicina, iniciou sua carreira como Professor em 1947, no CREPS(Centre Regional d’Education Physique et Sportive) de Dinard, local onde lecionou até 1969 e ondeiniciaram também suas críticas à educação francesa daquela época, que se encontrava enfrentandodiversos conflitos, interesses políticos partidários, do governo, de doutrinas políticas, debates sobre oprograma nacional de educação. No que se refere à Educação física, encontrava-se envolto às novasorientações políticas conflitantes sobre os métodos, acompanhadas da “libertação” da França após aguerra10 (Cleuziou, 1983; Le Boulch, 1983, 2008).

Neste período, Le Boulch dedicou-se à formação e publicação de trabalhos para futuros professores de EPS(Éducation physique et Sport), contribuindo na área de Educação Física da escola primária e do ensinofundamental e apresentou seu primeiro livro “A Educação pelo movimento”, editado em 1966 (Ibdem).

No livro, Le Boulch dirige-se não apenas aos professores primários e da educação fundamental, mastambém aos que trabalham com a educação e reeducação de crianças. Nele são postos os princípiosfundamentais da Teoria Psicocinética, apresentando-a não como um novo método de Educação Física, mascomo uma teoria geral do movimento (Le Boulch, 1983).

Le Boulch estudou em Rennes e especializou-se em reabilitação funcional, onde também trabalhou noHospital Universitário com reabilitação psicomotora, aprofundando, assim, seus estudos em biologia,fisiologia e psicologia, mas sempre interessado na formação de professores, no campo educativo e nasquestões do ensino em Educação Física, sua primeira formação (Cleuziou, 1983).

Dos seus estudos, Le Boulch trouxe os conhecimentos da psicomotricidade para a Educação Física, que semostraram incompatíveis com as instruções francesas, haja vista que a psicomotricidade nasceu sob aforma de reeducação psicomotora em clínicas de neuropsiquiatria infantil, baseada nos discursos médicose, mais especificamente, neurológicos.

Durante todo esse período, em meio às mudanças políticas e instauração de novas instruções oficiais e ofim da 2a Guerra Mundial, valendo-se dos seus vários anos de estudos e debates sobre a Educação Física naFrança e buscando promovê-la sob uma ótica psicomotora, Le Boulch viajou a várias regiões da França,promovendo seminários, tentando informar os professores de Educação Física sobre essa novapossibilidade de atuação, mas não obteve êxito, haja vista a grande resistência dos professores, que

10 No período após a Segunda Guerra Mundial, a Educação Física na França encontrava-se marcada por conflitos entre os métodosque orientavam essas práticas: método natural de Georges Hébert, o método higienista sueco e o método esportivo, estimuladopela obra de Pierre de Coubertin, criada pelos Jogos Olímpicos (Le Boulch, 2008).

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estavam de acordo com as orientações oficiais. Buscou também atuar junto às instituições oficiais daAdministração, mas também não conseguiu bons resultados, pois, segundo os inspetores, suas ideiasencontravam-se em contradição com as instruções oficiais (Cleuziou, 1983).

A partir desse momento, Le Boulch optou definitivamente por abandonar a educação física na forma comoera instruída na França naquele período, pois obediente às considerações ideológicas e políticas, podendovariar segundo as condições socioculturais e as vontades dos ministros. Seu entendimento não permitiaque ele pudesse empreender o que aprendera com seus estudos.

Segundo Le Boulch, [...] cada sociedade, de acordo com a educação que ela define ao indivíduo,impõe um uso determinado de seu corpo. A impregnação cultural que influencia seus gostos, suasmotivações, mesmo contra a vontade do indivíduo, faz com que se destaquem certas tendências, atémesmo sobre alguns mitos. O valor educativo fundamental da competição, enaltecido pela grandemaioria das sociedades contemporâneas, representa um destes mitos. P. Mazeaud queria até mesmofazer da prática esportiva, um dever para o cidadão (CLEUZIOU, 1983, p.42).

A partir destas contestações definitivas sobre a incompatibilidade com as instruções legais e convicto dassuas concepções, Le Boulch colocou seu posto de professor no CREPS de Dinart à disposição (aposentadoriaantecipada), quando passou a dedicar-se também a outras formações acadêmicas, sem perder suas açõesna área de formação de professores, em seus trabalhos experimentais e principalmente noaprofundamento do campo vasto e disperso que é o movimento humano.

Nessa busca por conhecimento em “ciência do movimento”, como o próprio Le Boulch chama, desejandounir conhecimentos sobre o assunto, ele dedicou-se a formações em áreas que também pesquisavam einteressavam-se pelo tema. Formado em Educação Física (formação essa criticada por ele por serenciclopédica e superficial sob muitos aspectos) e com ideias divergentes das encontradas naquelemomento na França, empreendeu estudos na área da medicina, aprofundando-se na biologia,imprescindível para as ciências do movimento. Sendo ainda insuficiente para uma abordagem mais ampla,graduou-se também em Psicologia. Somente depois de ter obtido o seu terceiro diploma, percebeu que secontinuasse nessa dinâmica, teria que se graduar em sociologia e ainda assim não conseguiria ser suficiente(Le Boulch, 1987, 1995).

Minha formação inicial é a de professor de educação física. Esta formação era, na época, e continuasendo cada vez mais essencialmente técnica, fundada sobre a aprendizagem de um certo número degestos codificados – técnicas esportivas. Superposta a essa enumeração gestual, um ensino deanatomia, de fisiologia, de psicologia, de sociologia, interessante em si mas, na maior parte dotempo, inaplicável ao terreno considerado como movimento, pois tratado por fundamentalistas quefrequentemente ignoram os problemas concretos a que estarão confrontados aos professores deeducação física. Insatisfeitos por essa formação enciclopédica e, contudo, superficial sob muitosaspectos, alguns deles demandam estudos em medicina; outros de psicologia ou de filosofia.Pessoalmente comecei pela medicina; esta formação de 6 anos permite aprofundar certas áreas dabiologia, fundamentais em ciências do movimento; porém ao tempo de quanto tempo perdido noestudo e na prática de técnicas sem o interesse direto para o assunto que me atraía. Sendo essa

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formação insuficiente para abordar cientificamente o estudo do movimento, empreendi umaformação em psicologia, que me parecia indispensável (LE BOULCH, 1987, p 9, 10).

Dessa forma, baseado no caminho percorrido e em seus experimentos, decidiu desenvolver uma teoriacujo aspecto central situa-se na construção da abordagem que prioriza o movimento, buscando umaeducação global da pessoa, uma educação baseada no movimento, o qual considera o como suporte básicodo desenvolvimento da pessoa, nomeando-lhe como Psicocinética, permitindo diferenciar-se da EducaçãoFísica.

Não foi a partir dos meus estudos científicos que eu concebi a metodologia da psicocinética. Ocaminho é inverso. Levando-se em conta minha formação de professor do ensino fundamental e daminha formação mais filosófica que científica, a pedagogia me atraiu muito cedo. [...] Escolhi a via daprática educativa, ao mesmo tempo em que continuava a aprofundar-me em neurofisiologia epsicologia. (CLEZIOU, 1983, p.48, 49).

Nasceu então dessas necessidades e da reflexão educativa característica dos seus experimentos eindagações, acrescentando gradualmente os conhecimentos adquiridos durante o tempo e tendo apsicomotricidade um dos pontos centrais do seu trabalho. O enfoque da educação centrada na produçãomotora (“doutrina esportiva”) foi alterado para, agora, focar-se a educação perceptiva e no conhecimentodo corpo, buscando assim, definições mais precisas sobre a necessidade e importância do movimento nodesenvolvimento do ser humano, premissas que a Educação Física negligenciava, além de valer-se desuporte científico não apenas para a Educação Física, mas também para outras áreas do conhecimento queusavam o movimento humano como meio para o desenvolvimento (Cleuziou, 1983, Le Boulch, 1983, 2008).

A psicocinética é uma teoria geral do movimento que conduz ao enunciado de princípiosmetodológicos que permitem encarar sua utilização como meio de formação [...] utiliza o movimentohumano para educar. Várias ciências [...], interessam-se [...] por esse objeto de pesquisa. Mas paranenhuma [...] o estudo do movimento representa um aspecto central (LE BOULCH, 1983, p.7; 1987,p.11).

Le Boulch (1983) já em seu primeiro livro apresenta os princípios fundamentais da Psicocinética:

1) Está ligada a uma filosofia da educação: quando se fala em educação, supõe-se ter um objetivo paraa finalidade da ação educativa. Na Psicocinética. o objetivo educacional é favorecer odesenvolvimento humano, permitindo o homem situar e agir no mundo por meio do conhecimentoe aceitação de si; um melhor ajustamento da conduta, desenvolvendo autonomia eresponsabilidade no âmbito social.

2) Apoia-se numa concepção unitária de pessoa: para que haja o desenvolvimento significativo dascapacidades e torná-las utilizáveis na vida, é preciso considerar a pessoa em sua totalidade. Épreciso provocar a ação do aluno, a partir de suas necessidades.

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3) Apoia-se na noção de “estruturação recíproca”: esse princípio baseia-se nos trabalhos deMucchielli13, Wallon13 e Merleau-Ponty11, em nosso entendimento essa “estruturação recíproca”,refere-se à relação vivida entre o homem e o mundo, o homem percebendo ele mesmo e homempercebendo o mundo. Não constitui relações isoladas, mas sim uma relação recíproca.

4) Privilegia a experiência vivida pela criança: esse princípio tem bases em trabalhos de John Dewey 12,Freinet e Mucchielli14, a experiência e a didática do professor não substituem a experiênciavivenciada pela criança (aluno). Será através de sua experiência pessoal que a criança compreenderáe dominará uma nova situação. O professor proporcionará as condições para a experiência dascrianças.

5) Acentua a importância do fator humano e dos fenômenos sociais na formação: nesse princípio, cita-se o trabalho de Debesse, indicando a importância da presença humana no meio onde cresce umacriança e seu desenvolvimento, não dependendo apenas das especificidades biológicas, mas domeio social e humano em que vive. Destaca-se o valor do papel do educador, estabelecendo umarelação adequada e empreendendo o trabalho em grupo com propósito de socialização.

6) Conduz à possibilidade de “aprendizagem rápida” respeitando o desenvolvimento da criança:valendo-se da prática de jogos e atividades de livre expressão (jogos dramáticos, jogos deimaginação, jogos a partir de temas musicais), e rejeitando a aprendizagem técnica, as criançasterão vivências com objetos de forma global, através de atividades espontâneas, possibilitandovariar e ajustar as vivências, possibilitando refiná-las posteriormente, tanto para utilização no lazer,como no plano profissional.

Parece-nos claro afirmar que a Psicocinética, considerando a época na qual foi pensada, já apresentavaposições que ensejam reflexões ainda hoje. Partindo desse pressuposto, buscaremos nos textos de LeBoulch conceitos específicos para que possamos fazer uma observação mais aprofundada a respeito daspossibilidades de contribuição na construção de nossa pesquisa e, consequentemente, para a EducaçãoFísica na atualidade.

3. O conceito de corpo na Psicocinética

“A ciência do movimento humano deve partir da existência corporal como totalidade e como unidade” (LEBOULCH, 1987, p.14). Iniciamos apresentando uma citação em que se utiliza o termo ciência do movimentohumano, para observarmos que a terminologia também é usada por Le Boulch em seus textos, comoexpressão sinônima da Psicocinética.

Retirada do livro Rumo à ciência do movimento humano (1987), o texto traz um estudo aprofundado quereúne vários anos de pesquisas em Educação Física, Medicina e Psicologia, num esforço em apresentar asbases da ciência do movimento humano/Psicocinética que seria, em seu entendimento, uma área doconhecimento que abrangeria todos os fundamentos científicos para o estudo do movimento humano,quais sejam, fisiologia, anatomia, sociologia, dentre outras, ciências humanas e biológicas.

11 “O mundo e o eu se constituem correlativamente e se estruturam reciprocamente” (Mucchielli apud Le Boulch, 1983, p.18); “Umgesto, ao mesmo tempo em que modifica o meio, modifica aquele que o executa” (Wallon apud Le Boulch 1983, p.18); “A hipótesede uma consciência fechada em sua interioridade e gerando o comportamento como um navegante com seu navio deve sereliminada” (Merleau-Ponty apud Le Boulch, 1983, p.18).12 “Não podemos adquirir ideias, sentimentos, técnicas, senão vivendo-os” (John Dewey apud Le Boulch 1983, p.19); referindo-se apratica pessoal “tatear experimental” (Freinet apud Le Boulch, 1983, p.19); “Na situação real, as variáveis e seus efeitos estãomergulhados na massa das variáveis ou das influências parasitas e, em função disso, são muitas vezes pouco aparentes” (Mucchielliapud Le Boulch, 1983, p.19).

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Essa busca por reunir em uma ciência os fundamentos do movimento humano foi a forma encontrada parasuprir a dicotomia presente nos estudos de outras ciências que abordam o movimento, mas principalmentepara apontar a importância do movimento para o ser humano, com um destaque na criança e no campo daeducação.

Nos fundamentos ou princípios metodológicos da Psicocinética, Le Boulch apresenta a sua rejeição aodualismo filosófico de Platão que, desde o período clássico da Grécia, influenciou as sociedades ocidentais.Do mesmo modo, Descartes e a lógica cartesiana com uma concepção dualista do homem, apresentandoum antagonismo entre corpo e espírito, como duas entidades distintas. Esta concepção influenciou aeducação de um modo geral e a Educação Física, apresentando mudanças na forma como se apresentava,como no materialismo mecanicista do século XIX; na valorização da técnica e dos avanços científicos eindustriais do final do século XIX e início do século X; no automatismo gestual; na ciência “transformando”a visão sobre o homem, agora visto como uma máquina, caracterizando também o corpo do homem norendimento esportivo (Le Boulch, 1986, 1987, 2008).

A divergência de Le Boulch, ante ao dualismo do corpo, não reside apenas no fato histórico, originando-setambém em decorrência de suas reflexões, que “partir da Educação Física para iniciar uma reflexão sobre ocorpo significa estar preso a um certo modelo de corpo”. Esse modelo encontra-se atado a um discursofilosófico, o qual, em meados século XX, era regido por uma visão médica/biológica, preocupado com aeficiência e a saúde, apta ao trabalho e seguidor das normas sociais (LE BOULCH, 2008, p. 85).

Ao contrário do discurso que representava esse modelo de corpo seguido pela Educação Física, Le Boulchnão acreditava que o corpo compreendido sob a ótica da eficiência imposta pelo modelo político-socialvigente na época, orientador da doutrina esportiva na escola, não poderiam ser aplicada as crianças maisnovas. “Enquanto os interesses da Educação Física oficial eram o suporte utilizado, a atividade esportiva esua eficácia, minha preocupação era o corpo do aluno” (LE BOULCH, 2008, p.99).

Em razão desse fato, buscou conhecimentos advindos da Psicomotricidade, Psicologia, Antropologia, parasuperar a visão reducionista das possibilidades que a Educação Física poderia suscitar no campo do ensino(Le Boulch, 2008).

Ao colocar a psicomotricidade [...], a educação pelo movimento não estava mais exclusivamentecentrada na produção motora, mas tinha um lugar fundamental na educação perceptiva e noconhecimento do próprio corpo (Le Boulch, 2008, p. 86).

A partir disso, outros aspectos referentes ao corpo são apresentados como perspectivas para a açãoeducativa e, consequentemente, para o desenvolvimento geral da criança, tais como a importância daobservação nas questões relacionais e afetivas, o interesse em favorecer o desenvolvimento de funçõesperceptivas e motoras relacionando-os aos aspectos mentais, além de transpor uma dicotomiacaracterística da Educação Física, a de apoiar-se apenas nas ciências biológicas, o que também, segundo LeBoulch, era fonte de dualismo. Ao colocarem-se conhecimentos da psicomotricidade na Educação Física,passa-se a apoiar-se também nas ciências humanas, Psicologia, Sociologia, Antropologia etc (Le Boulch,1983, 1987a. 2008).

Nesse sentido, Le Boulch ampara-se numa perspectiva fenomenológica aplicada na Antropologia e naPsicologia para balizar sua teoria, definindo sua visão de corpo como unidade e consequentemente de

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movimento humano (aspecto central da teoria Psicocinética), como “manifestação da presença no mundo”(LE BOULCH, 1987, p.14).

O conceito de corpo que sustenta a Psicocinética de Le Boulch é o conceito de corpo-próprio pensado porMaurice Merleau-Ponty.

Essa terminologia, corpo próprio, ‘emprestada’ de Maurice Merleau-Ponty, apresenta a duplavantagem de afirmar nossa orientação fenomenológica e evitar a restrição dualista de ter deescolher entre o corpo objeto ou corpo sujeito. Assim, conforme a relação com o meio ambiente, ocorpo da pessoa expressará suas emoções ou será instrumento eficaz de adaptação. A autonomiamotora pressupõe que esse jogo duplo possa ser considerado intencionalmente, e que a própriapessoa tenha consciência dele (LE BOULCH, 2008, P.103, 104).

A terminologia ‘corpo próprio’ e sua fenomenologia, retirada do livro Fenomenologia da Percepção (1994) éestudada há algum tempo na Educação Física contemporânea, apresentando novos olhares sobre aconcepção de corpo, as relações entre percepção e motricidade, a crítica às visões do corpo como objetoou máquina, característicos das ciências mecânicas, médicas ou numa perspectiva da moral religiosa, comoabordado em Nóbrega (2000).

Destacamos que não abordaremos de modo específico os estudos de Merleau-Ponty neste capítulo dapesquisa, em razão dessa abordagem ser parte integrante do próximo capítulo.

Sendo assim, perspectiva fenomenológica buscada por Le Boulch, sustentada nas concepções de Merleau-Ponty também é revelada quando cita os trabalhos de Buytendijk e Mucchielli, destacando a crítica aosmodelos explicativos do corpo pela fisiologia, como um conjunto de aparelhos isoláveis, ou como centroregulador ou coordenador de funções internas em relação às excitações exteriores ao corpo (Le Boulch1983, 1987).

Essa intenção, encontrada nos trabalhos de Le Boulch, em afirmar uma visão fenomenológica do corpoproposta por Merleau-Ponty e que fundamenta a Psicocinética, contrária às perspectivas dualista oumecanicista, são encontradas também em outras pesquisas.

Santos (2012), em sua tese de doutorado, tecendo reflexões sobre o corpo próprio como princípioeducativo a partir da perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty, dedica uma parte de sua tesetratando do corpo fenomenológico na Psicocinética de Le Boulch. Ele destaca a importância desse conceitoem sua teoria superando a visão de corpo instrumento, já mostrada por nós, e a visão de homem emrelação ao mundo, uma nova redefinição do movimento, em contrapartida a encontrada na EducaçãoFísica.

Outra pesquisa, de Cécile Collinet, com título: Tissié, Le Boulch: duas concepções da Educação Física, doisperíodos, duas doutrinas (1999), aborda o trabalho de Le Boulch sob vários aspectos, incluindo a concepçãofenomenológica de corpo utilizada por ele. Para ela, esses aspectos na Psicocinética “servem de justificativaà prática psicomotora e permitem a concepção de diferentes relações do individuo e do seu corpo” (p. 44);concebem uma relação estreita entre o indivíduo e o meio; “postulando a existência de idas e vindas, jáque o sujeito e o mundo são duas entidades indissociáveis” (p. 44); mostra que a “ligação entre o corpo e oespírito traduz-se também pela noção de intencionalidade, frequentemente apresentada como adescoberta principal da fenomenologia” (p. 44).

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A pesquisadora apresenta também o uso dos trabalhos de Mucchielli e Buytendjik, juntamente com aterminologia e concepções de Merleau-Ponty, contribuindo no sentido da construção da fundamentaçãoda fenomenologia na Psicocinética.

É importante destacar que no trabalho de Cécile Collinet (1999), são tratadas algumas divergências sobre otrabalho de Le Boulch, inclusive no aspecto da posição fenomenológica por ele utilizada. Entretanto, essasdivergências serão discutidas mais à frente, visto que, no próximo capítulo da pesquisa, abordaremos osconceitos referentes à Fenomenologia de Merleau-Ponty, possibilitando dessa forma uma maiorapropriação para podermos debater sobre o questionamento feito por ela, que versa sobre a orientaçãofilosófica da fenomenologia não ser aprofundada por Le Boulch em seu trabalho.

Retomando a orientação fenomenológica que conceitua o corpo na Psicocinética dada pela terminologia docorpo próprio, implica dizer que, se o corpo próprio é a concepção de corpo usada na psicocinética, espera-se, consequentemente, que esta influência possa ser observada na maneira que este interfere nasconcepções de movimento (tema central da Psicocinética), de aprendizagem e na abordagem dada àcriança.

Sendo assim, o organismo visto sob a mesma orientação supera e amplia a visão dualista, “consideramos,portanto, o organismo como uma estrutura indecomponível de comportamento cujas reações sãounificadas e ordenadas” (LE BOULCH, 1987, p.18).

O organismo que nos dão a conhecer ao mesmo tempo a fisiologia e a psicologia, não é o corpo-objeto estudado pela fisiologia clássica, mas o corpo de um ‘ser-situado-corporalmente-no-mundo’,isto é, um ‘corpo-próprio. (LE BOULCH, 1987, p.20).

Nesse caso, após nossa explanação sobre o uso da concepção de corpo próprio e retomando a citaçãoexpressa no início deste tópico, confirmando que o estudo do movimento humano parte da existência docorpo como unidade e totalidade, o movimento aqui estudado é essencial ao corpo, sendo assim, “oorganismo nunca é um sistema em repouso, mas é sempre a sede de uma atividade: a necessidade de açãoé a própria necessidade de viver” (LE BOULCH, 1987, p.21).

4. O conceito de movimento na Psicocinética

Os estudos do movimento humano são geralmente sujeitos a uma visão conforme as leis da mecânica,tanto os movimentos que requerem uma grande quantidade de músculos e articulações, grandes cadeiasmusculares, como os formados por poucas articulações e grupamentos musculares menores, ou pelodeslocamento e movimentos advindos de ossos e articulações que podem ser vistos “fora do corpo”, comono esporte ou na realização de uma tarefa profissional, são sempre mencionados quando tratamos demovimentos humanos numa visão mais tradicional.

No extenso estudo do movimento apresentado por Le Boulch, nota-se sua importância ao ser humano, quepartiu da concepção apresentada anteriormente, o corpo e o movimento seguem numa mesmaperspectiva, sendo assim, não podem mais ser explicados ou entendidos apenas numa concepçãofisiológica, ou mecânica. O ato motor, o movimento, deve ser visto de uma ótica diferente:

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Não seguiremos, portanto, o processo clássico, que consiste em estudar de modo fragmentário omovimento colocando-nos sucessivamente em ponto de vista anatômico, fisiológico, psicológico,sociológico. Partiremos dos gestos do corpo, manifestação da presença no mundo, para logoencontrar sob esta simplicidade aparente, entregue pela experiência imediata, toda a complexidadereal dos fenômenos (LE BOULCH, 1987, p.14).

O ato motor não é, portanto, um processo isolado, mas se situa no âmbito geral de um procedimentoque se traduzirá por: reações fisiológicas; comportamento exterior (palavras, movimentos); respostasmentais (intelectuais, emocionais); produtos da conduta (obras utilitárias ou estéticas) (LE BOULCH,2008, p.87).

Como vimos, o movimento em psicocinética tem uma importância fundamental para o ser humano, ele émuito mais que manifestação exterior da vontade humana de se movimentar. “Ele se reveste, portanto, designificação para a pessoa em situação real, que o seu suporte para seu engajamento na ação, para suamotivação” (LE BOULCH, 2008, p.87, 88).

Em outras palavras, quando se realiza um movimento, ele sempre possui um significado, é uma forma deestar no mundo. Quando nos colocamos em uma ocasião de movimento, devemos entender que nesteexato momento encontra-se um organismo em uma situação específica que está sendo vivida por ele, e emfunção desta situação, o movimento passa a ter um significado para o organismo.

Para Le Boulch (1987) o movimento é um aspecto da manifestação exterior da conduta. A conduta de umhomem, para um observador, aparece quando este homem realiza algo, a fala, quando se movimenta,quando produz algo, quanto, dança, canta ou escreve. Mas essa unidade que representa esse conjunto deações só tem sentido, como dissemos anteriormente, quando estão contidas em um processo mais amplo.Sendo assim, a Psicocinética para atender seu objetivo e estudar a ação motora contida na conduta, deveráconsiderá-la em sua totalidade.

Os estudos apresentados por Le Boulch, na busca por compreender a conduta 13, operam na observação dohomem em movimento de modo dialético como o meio onde se encontra. Assim, partiram das concepçõesde várias pesquisas14, estudos da Psicologia behaviorista, como a de Watson, evoluindo com os trabalhosde Skiner, Mac Dougall, introduzindo na descrição do comportamento a noção de estrutura, de significado,intencionalidade, por fim o comportamento a ser visto como uma manifestação de esforço em direção aum objetivo a ser alcançado (Le Boulch, 1987).

O esforço em buscar compreender o movimento como uma manifestação do comportamento ligado aomeio onde se situa o indivíduo da ação, expõe a necessidade de refutar uma explicação simplista domovimento como uma mera reação orgânica, ou uma reação instintiva à excitação de um fator externo. Poresse motivo, Le Boulch afirma que essa reação deve ser um modo intencional de agir do corpo situado nomundo e que possui uma motivação como fase inicial da conduta. “[...] a motivação serve como ponto departida a uma atividade própria para satisfazê-la. Esta atividade representa a fase intermediária da condutadurante a qual os movimentos assumem uma importância muito grande” (Le Boulch, 1987, p.36).

Buscando aprofundar a compreensão de movimento e conferindo ao movimento um caráter adaptativo,tendendo a manter um certo equilíbrio ao meio, buscou uma classificação dos movimentos que se

13 Nesse caso, os trabalhos mencionados para explicar a evolução dos estudos referentes a conduta, utilizam o termocomportamento, mas Le Boulch opta por usar o termo conduta.14 Trecho de Rumo a ciência do movimento humano (1987, p. 15, 16).

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apresentam da seguinte maneira: 1)Reações motoras de tipo defensivo: divididas em primárias defensivas,relacionadas a reações de dor e de sobressalto relacionadas a ações inesperadas e violentas à distância;além das reações secundárias de distanciamento para exame da situação; 2)Reações motoras do tipoapropriativo: reação visando a provocar uma redução da necessidade (alimento, parceiro sexual). As dosegundo caso caracterizam-se pelo interesse do agente (Le Boulch, 1987).

Essa classificação diferencia os movimentos e afirma que a motricidade humana realiza, para além dasreações instintivas, muitas quando somos crianças muito pequenas, reações baseadas na função simbólica,na linguagem, ou ligadas às influência socioculturais, que são chamadas por Le Boulch de praxias. “Aspraxias não são, portanto, movimentos quaisquer, mas sistemas de movimentos coordenadas em funçãode um resultado ou de uma intenção” (LE BOULCH, 1987, p.37).

Assim, ao nível das reações motoras específicas que caracterizam a fase final da conduta defensivaou apropriativa, distinguiremos os movimentos instintivos e a atividade coordenadas eupraxiamente,elaboradas durante a ontogênese a partir do desenvolvimento da função simbólica. É por essasatividades motoras que nos interessamos mais particularmente; são elas que propiciarãopossibilidades de aprendizagem, tornando-as cada vez melhor ajustadas aos sinais do meio (LEBOULCH, 1987, p.38).

Entretanto, existem movimentos que não se encontram entre as observadas e que não são abordadas comprofundidade nos trabalhos de Le Boulch. “Tiques”, batidas de dedos sobre a mesa, movimentos parasitas,franzir a testa, bater os pés sem nenhuma sem ligação com uma situação momentânea, aparentementenão possuem nenhum significado objetivo aparente, podem expressar uma maneira de ser dapersonalidade, revelar emoções. Esses movimentos não deixam de possuir um significado, pois “asignificação dos movimentos expressivos remete à personalidade e não a um objetivo externo que deva seralcançado” (LE BOULCH, 1987, p.41).

Le Boulch propõe que os movimentos sejam observados segundo sua significação em função de doiscritérios: 1) em função dos seus objetivos externos: atividade de orientação, investigação ou uma açãotransitiva voltada para o objeto; 2) em função de seu caráter expressivo, que traduz as sensações eemoções experimentadas pelas pessoas. Dessa forma, se falarmos de ação motora mais objetiva voluntáriaou se observarmos apenas uma parte do corpo e não de um todo, falaremos de movimento. Por outrolado, se o que estivermos observando voltar-se, para além de uma função psicofisiológica, ou uma simplesrealidade social, mas uma expressão que exprima uma realidade humana, então, estaremos falando degesto (Le Boulch, 1987, 1995).

O caráter expressivo da motricidade será ainda mais manifesto quando considerarmos não apenas odeslocamento do corpo ou de seus segmentos, mas também o conjunto das expressões fisionômicase das reações tônicas não traduzidas por deslocamento (LE BOULCH, 1987, p.41).

Além de todo esse entendimento proposto para a compreensão do movimento, destacamos ainda aquestão referente à atitude, que de forma geral se apresenta como um modo de se manter do corpo,

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usando um termo mais comum, seria a postura, mas Le Boulch prefere não utilizar por considerá-lo comouma descrição muito mecânica, diferente da proposta da Psicocinética.

A atitude corporal é para nós mais que um equilíbrio segmentar analisável mecanicamente: é umamanifestação externamente observável que, na ausência de um deslocamento ou de um movimento,trai as disposições ou as intenções do sujeito para com o seu meio (meio dos objetos e meio social) etraduz um certo nível de vigilância favorável a ação eventual (LE BOULCH, 1987, p.42).

A atitude pode se apresentar tanto numa situação de espera ou repouso, onde o que predomina éatividade e o seu aspecto expressivo, tomada de caráter pessoal e típico. Essa constatação se baseia nostrabalhos de Buytendjik, que afirma que a capacidade da atitude em engajar o corpo inteiro, a atituderepresenta então “uma forma de ajustamento motor” (idem).

Em nossa análise de movimento enquanto modo de expressão, resaltamos que o tônus, base doajustamento postural, é também o tronco comum das emoções e das atitudes mentais. É o que nospermite compreender melhor esta incessante reciprocidade entre a atitude e a sensibilidade a elavinculada, conferindo-lhe um valor de expressão.

Desse modo, observamos a importância das emoções e das estruturas cognitivas para a execução dosmovimentos e esse, por sua vez, assume o papel da presença do corpo no mundo, carregando toda asubjetividade humana, expressando sua vontade através de sua motricidade.

Dada à importância do movimento humano expressivo e carregado de significado, Le Boulch frisa adiferença entre o homem e os outros animais nesse aspecto, discute o nível de desenvolvimento dasestruturas neurológicas no ser humano indicando como motivo para essa capacidade que o movimentotomou no ser humano, muito além das explicações no determinismo genético.

A partir disso, o movimento humano como praxia (expressão neurológica que designa movimentoscoordenados em função de um resultado ou de uma intenção), que são adquiridas e assumem funçãosimbólica, concebidas na linguagem e no pensamento característicos do humano. Será a partir dele que apessoa se desenvolverá por completo, sendo que, partindo desse desenvolvimento estará apta a enfrentaras variadas situações na vida, interagindo e modificando o meio, de acordo com objetivo da Psicocinéticacriada por Le Boulch.

As praxias também foram classificadas de acordo com sua intenção: 1) praxias com finalidade transitiva:implicam uma ação direta sobre o objeto, com intenção de modificá-lo; 2) praxias de caráter simbólico:estão relacionadas com o desejo de comunicar-se, transmitir um gesto a outrem; 3) praxias com objetivosestéticos: também tem por objetivo transmitir uma mensagem, mas estas estão mais centradas naqualidade formal que na precisão. Destaca-se que as praxias simbólicas e estéticas possuem grandecapacidade de socializar (Le Boulch, 1987).

Esse olhar do movimento como praxia mostra-se interessante, pois, sendo ação no mundo, uma ação deexploração, pode ser ensinada, e aprendida, a noção de movimento passa a possuir um significado maiscomplexo, dada a importância que possui para a vida do ser humano.

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Mas os movimentos vão além, [...] embora possam ser compreendidos em conformidade a um modode relação com o meio, eles traduzem, no entanto, uma certa maneira de ser na personalidade “emsituação” e são reveladores das emoções e dos sentimentos que ela experimenta. O caráterexpressivo do movimento remete a pessoa e não a um objetivo externo a ser alcançado. Nestaperspectiva, ele não é considerado sob um aspecto transitivo, isto é, em função de sua eficáciarelativamente ao controle do objeto, mas como signo através do qual transparece sua subjetividade.Expressando-se por seus movimentos, os seres vivos se manifestam como sujeitos em relação com omundo de objetos e de pessoas sem que, inicialmente, haja nenhuma intenção ou mira consciente. Oprimeiro modo de expressão é uma expressão espontânea, tradução do dinamismo do organismoque vive sua presença no mundo (LE BOULCH, 1987, p.61, 62).

Em função de sua importância capital ao ser humano, a psicocinética de Le Boulch tem o intuito de utilizaro movimento para educar, nesse sentido, baseando-se nas suas concepções de corpo como unidade emovimento como uma manifestação do comportamento, unindo motricidade, emoções e cognição, aapreensão do movimento não se dá “como um fragmento do comportamento, mas como um doscomponentes da conduta de uma pessoa em cada situação” (LE BOULCH, p. 89).

5. O conceito de aprendizagem na Psicocinética

Para se desenvolver, é preciso aprender e, para aprender, é necessário aprender qualquer coisa.Nessa perspectiva, o que aprendemos, apesar de sua importância prática ou social, não é mais oessencial, mas o mediador do desenvolvimento (LE BOULCH, 2008, p.99).

Como já colocamos, o objetivo concebido por meio da Psicocinética em relação a aprendizagem écontribuir ao desenvolvimento da pessoa. Ela coloca-se também como um método geral de educação.

Em psicocinética, tentaremos seguir fielmente o desenvolvimento psicomotor da criança a fim deajudá-la a construir a aresta central da sua personalidade, constituída pelo ‘esquema corporal’. Defato, ela reveste a forma de educação psicomotora quando é aplicada em crianças de menos de 12anos e visa ser um meio de educação fundamental nessa idade (LE BOULCH, 1983, p.17).

Le Boulch partiu seus estudos sobre a aprendizagem na crítica feita à Educação Física que conduzia aoaprendizado dos movimentos naturais, ou baseados no aprendizado dos gestos esportivos, como eracomum na França naquele período. Outra abordagem era ensinar os movimentos de forma ‘global’ ou‘analítica’, desenvolvendo a habilidade através da execução completa do movimento ou separando-o porpartes.

Mas em psicocinética, pensando o corpo fenomenológico e pensando o movimento não como de umfragmento do comportamento, contudo como componente da conduta e considerando ainda o aspectointerativo com o meio, busca-se então uma situação de união, a pessoa em determinada circunstância, oscomponentes da conduta, as emoções e a cognição, promovendo dessa forma um ajuste em detrimento dasituação.

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Essa interação constitui-se através da exploração e investigação da conduta e da ação motora e mobilizadaem direção à descoberta do meio ou em fatores de segurança (autopreservação). Esse ajustamento queparte da experiência vivida, da exploração e da criatividade individual, permitindo que as reações motoras,atitude (postura) se adéquem ao meio. “É o esforço de ajuste da pessoa na situação que une, de maneiraaleatória, os elementos sensoriais presentes nas respostas correspondentes” (Le Boulch, 1982; 2008, p.90).

Do ponto de vista humano, a partir das estruturas programadas geneticamente, é da experiênciaindividual que depende a organização e consolidação das ligações sinápticas correspondentes aosautomatismos. A função de ajustamento associa, nos conjuntos mutáveis e no nível inconsciente, arecepção da informação à resposta postural e motora correspondente à situação vivida (LE BOULCH,2008, p.90).

Baseados em estudos da neurociências, esse processo ocorre em função da plasticidade do sistemanervoso central, que intermédia os órgãos sensoriais e as funções motoras. São fundamentais no processode aprendizagem, controlam os reflexos e modulam o comando motor de acordo com as informações, quefunciona como uma memória psicomotora, que arquiva as experiências motoras vivenciadas permitindosua utilização em outras experiências (Le Boulch, 2008).

Essa estrutura que compõe o sistema nervoso central ou estruturas nervosas, é o que baseia o conceitoneurológico de esquema corporal, estrutura responsável por perceber o meio, por modular e controlar aação motora e apreender as experiências.

O esquema corporal ou imagem do corpo pode ser considerado como uma imagem de conjunto ouum conhecimento imediato que temos de nosso corpo em posição estática ou em movimento, narelação da diferentes partes entre si e, sobretudo nas relações com o espaço e os objetos que oscircundam. Esta noção é à base do sentimento de disponibilidade que temos em relação a nossocorpo e da relação vivida universo-sujeito (LE BOULCH, 1983, p.37).

Essa noção é o centro do sentimento de maior ou menor disponibilidade que temos em relação aonosso corpo e da relação vivida entre o universo-sujeito, associada à experiência afetiva inscrita nonosso próprio corpo (LE BOULCH, 2008, p.92).

O esquema corporal ou imagem do corpo como aprendizagem pode-se dizer que é o conhecimento quetemos do nosso próprio corpo, uma imagem instintiva dele, que pode ser em movimento ou imóvel, apercepção que temos do conjunto do corpo, em relação ao espaço e ao meio ao qual estamos inseridos.Para a teoria Psicocinética a análise do conceito de esquema corporal é fundamento teórico primordial nametodologia de aprendizado motor, de onde provêm suas ideias para o seu programa educativo. Eleestrutura-se em 3 planos: da percepção, estruturação espaço temporal; da motricidade, ajustamento ecoordenação e da relação com outrem, relacionado às questões afetivas e relacionais (Le Boulch, 1983,2008).

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Esse fundamento usado na metodologia de aprendizagem motora na Psicocinética tem bases nos estudosde Wallon, Ajuriaguerra, Mucchielli e Merleau-Ponty como referencial no plano perceptivo (Le Boulch,1983, 2008).

O esquema corporal encontra-se organizado em quatro grandes etapas15: corpo submetido, corpo vivido,corpo percebido e corpo representado. Essas etapas são importantes para a teoria, no sentido de organizarcada evolução da aprendizagem, respeitando momento de cada estágio para o melhor desenvolvimento dapessoa e sugerir as práticas corporais (exercícios/ atividades) adequadas a cada fase do desenvolvimento(Le Boulch, 2008).

Outro aspecto a ser considerado na aprendizagem é a postura. A postura como um aspecto global daconduta, combina componentes corporais e mentais, sua regulação se dá em grande parteinvoluntariamente, reflexos de equilíbrio se organizam, quando, em nossa atividade cotidiana, adquirem-seas praxias de forma específica em cada um de nós. Essas individualidades também são dependentes defatores sociais, das tensões musculares particulares, da relação que cada um encontra no meio em que vive(Le Boulch, 1987, 2008).

Conforme avançamos na compreensão dos aspectos da aprendizagem, notamos que percorremos umcaminho que se inicia na concepção de corpo como unidade, no movimento como forma de estar nomundo, expressa na ação humana voluntária produto de sua conduta, mas essa ação para proporcionar aautonomia, ajustamento no mundo deve ser aprendida, através de experiências vividas, que cria em nósimagem de corpo, baseada na percepção do espaço em que nos encontramos, na relação com os outros,nas ações motoras e na postura.

A aprendizagem se dá quando a partir desse caminho percorrido, passamos a perceber as sensações donosso corpo, a sensações do nosso meio e passar a internalizá-las, tomar consciência delas e a partir desseaprendizado na perspectiva da Psicocinética se auto-gerenciar proteger a saúde, reforçar o próprioequilíbrio e seu desenvolvimento pessoal através da motricidade (Le Boulch, 2008).

Percebemos assim, que Psicocinética proposta por Le Boulch ainda apresenta caminhos a seremexplorados, mesmo sendo preterida em determinado momento no Brasil podemos fazer deste estudo domovimento humano um aporte para pensar a Educação Física como área que vislumbra novaspossibilidades para o movimento do corpo humano.

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15Nos livros A educação pelo movimento (Le Boulch, 1983, p. 40-41); Rumo a ciência da motricidade humana (Le Boulch, 1987, p.196-226), o esquema corporal aparece estruturado em 3 etapas de evolução: a etapa do “corpo vivido”, a etapa da “discriminaçãoperceptiva” e a etapa do “corpo representado”.

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LA PERFORMANCE DU CORPS QUI DANSE: UNE ANALYSE ESTHETIQUEDU GROUPE ARARUNA

A PERFORMANCE DO CORPO QUE DANÇA: UMA ANÁLISE ESTÉTICA DOGRUPO ARARUNA

Emanuelle Justino dos SANTOS1

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email: [email protected]

Résumé

La perfomance implique l’ouverture vibrante du corps sur la dimension esthétique de la danse etpermet ainsi de recréer la culture continuellement, en modifiant aussi bien l’existence humaine etson sentiment communautaire, qu’en matérialisant ce que je suis et “ce qui m’appartient, c’est àdire une réalité vécue et déterminante vis à vis de ma relation avec le monde” (Zumthor, 2007,p.23). Nous corroborons avec Nobrega (2010, p.19), qui définit le corps comme la “condition de vie”de l’être humain, relié au monde à travers une logique récursive qui mélange prose et poésie. “Cen’est pas à l’objet physique que le corps peut être comparé, mais plutôt à l’oeuvre d’art” (Merleau-Ponty, 1999, p.208). Pour les participants de l' Araruna, danser c’est stimuler la vie en soi, endémontrant la comparé, mais plutôt à l’oeuvre d’art (Merleau- Ponty, 1999, p.208). Pour lesparticipants de l' Araruna, danser c’est stimuler la vie en soi, en démontrant la relation magiqueexistante entre les symbologies du sacré et du prophane, entre l’univers culturel et notre proprenature humaine, ainsi que les transformations diverses de l’existence humaine. Notre recherches’initie à partir de la question suivante: dans quelle mesure l’analyse réfléchie des chansons et ducorps qui reproduit les chorégraphies de l' Araruna dévoile une esthétique dans sa performance?Sachant que c’est par le biais de l’ésthétique que nous avons analysé la façon dont le groupeAraruna, lors de ses représentations chorégraphiques, réalise le phénomène de la performance ducorps qui danse. Nous avons choisi la méthode phénoménologique de Merleau-Ponty commeattitude d’engagement de l’expérience vécue avec le monde, afin de comprendre cette attitude àtravers l’interprétation et l’imputation des sens (Nobrega, 2010) contenus dans les vidéos desdanses et les paroles des chansons du Araruna. L’exercice se fera par la distension des filsintentionnels, tel le tissage d’une broderie, qui, est constamment faite et défaite, dans unmouvement de jonction et séparation des lignes de sens de l’objet étudié. Cet exercice de réflexiona pour objectif de construire d’autres itinéraires du sensible pour l’Education Physique.

Mots-clés: performance, esthétique, corps, danse.

Resumo

A performance implica a abertura vibrante do corpo na dimensão estética da dança, permitindo arecriação incessante da cultura, tanto modificando a existência humana e seu sentimento decomunidade, quanto materializando aquilo que sou e “que me é próprio, realidade vivida e quedetermina minha relação com o mundo” (Zumthor, 2007, p.23). Corroboramos com Nóbrega (2010,p.19), que entende o corpo como “condição de vida” do ser humano, que está atando ao mundo,através de uma lógica recursiva, que mistura a prosa à poesia. “Não é ao objeto físico que o corpopode ser comparado, mas antes à obra de arte” (Merleau-Ponty, 1999, p. 208). Para os brincantesdo Araruna, o ato de dançar para si é dar força a própria vida, expressando a relação mágica dassimbologias do sagrado e profano, do universo da cultura e da própria natureza em nós, dastransformações da existência humana. A pesquisa parte da questão: em que medida a análise dascanções e do corpo que dança as coreografias do Araruna desvela uma estética em suaperformance? Tendo o intuito de analisar, pelo viés da estética, o modo como o grupo Araruna, em

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situações de apresentação de suas coreografias, realiza o fenômeno da performance do corpo quedança. Adotamos o método fenomenológico de Merleau-Ponty como atitude de envolvimento como mundo da experiência vivida, com o intuito de compreendê-la através da interpretação eimputação de sentidos (Nóbrega, 2010) contidos nos vídeos das danças e nas letras das canções doAraruna. O exercício se dará pela distensão dos fios intencionais, na tecitura de um bordado, que, atodo tempo, é feito e desfeito, num movimento de junção e separação das linhas de sentidos doobjeto investigado. Esse exercício reflexivo tem a intenção de construir outros itinerários do sensívelpara a Educação Física. Palavras-chave: corpo; gênero; cinema.

Palavras-chave: performance, estética, corpo, dança

1. Introdução

Esse artigo se constitui numa síntese, em fase inicial, dos atuais investimentos reflexivos da dissertação emEducação Física. O texto realiza uma análise reflexiva em torno dos temas da performance e da estética docorpo dançante, partindo da seguinte questão: em que medida a análise das canções e do corpo que dançaas coreografias do Araruna desvela uma estética em sua performance? Imersos nessa inquietação,apresentamos como objetivo analisar a maneira como o fenômeno da performance do corpo que dança ascoreografias do Araruna, bem como canta suas respectivas músicas, revela uma estética para a EducaçãoFísica. Essa lacuna vem da identificação de que existem poucos estudos que tematizam o grupo Araruna, oumesmo relacionam a performance à estética do corpo16.

A performance nesse escrito nega a ideia de movimento do corpo como algo já determinado, com intuito dealcançar algum fim, muito comum em práticas específicas de alto nível técnico e de desempenho físico, oqual se propõe a alcançar uma meta estabelecida pelos padrões do rendimento esportivo. Isso é maisevidente no campo de pesquisas quantitativas da Educação Física, que são fundamentadas pelas ciênciasbiológicas e naturais, não havendo a preocupação de seu aprofundamento reflexivo, nem mesmo diálogocom as ciências humanas, ou, simplesmente, sua definição fica atrelada a quaisquer situações da vidacotidiana17.

Por esse motivo, optamos por pensar a performance através de um diálogo com os pensamentos deMerleau-Ponty (1999) e Paul Zumthor (2007). Esses autores nos permitem entender que a performance éuma situação comunicativa, que revela uma historicidade de movimentos humanos, uma cultura expressana presença viva e atual do corpo que dança, canta e encanta, afetando as emoções e os ritmos sanguíneostanto de quem aprecia quanto de quem realiza a interpretação das coreografias do grupo Araruna. Aintenção de alargar o horizonte de percepção do fenômeno em estudo consiste em se atentar asensibilidade, a gestualidade e a sonoridade do corpo que, ao dançar uma música desnuda a belezaexpressiva da tradição norte-rio-grandense compondo uma orquestra de excitações, vibrações e sensaçõesregidas pelos versos, que fluem na melodia das palavras movidas pelo corpo no instante em que dança.

Dançar é um ato natural e, ao mesmo tempo, social, que não existe fora de um corpo humano, pois essaação transcreve marcas da cultura e da história, aguçando a memória e a imaginação humana por meio de

16 Os trabalhos que mais se aproximam dessa reflexão são o de Monteiro (2007), Martins (2013) e Ferreira (2011).Respectivamente, o primeiro estudo faz uma análise da conformação estética, em Educação Física, voltada à estruturação didáticadas danças; já o segundo investiga, pelos conhecimentos da geografia, o espaço das práticas culturais construídas e vividas pelogrupo Araruna; enquanto que o último autor reflete sobre a performance no ato da declamação da poesia e a comunicaçãocorporal e existencial, entre o poeta e o ouvinte, fundamentada na experiência estético-educativa. Cada uma dessas pesquisas,dentro de suas especificidades, tem sua relevância, entretanto, ainda não foi realizado um estudo que pretenda analisar a estéticada performance do corpo que dança as coreografias do Araruna.17 O livro de Schechner (2006) aborda o tema da performance relacionando-o a quaisquer situações cotidianas ou espetaculares do convíviohumano, seja numa exibição teatral, nos negócios, nos esportes, no ato sexual, etc.

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seus códigos próprios, sua textualidade narrativa e de sua estética singular, que traduzem também umintenso amor à dança (Nóbrega, 2008). Inflamados por esse entendimento, refletir sobre a manifestaçãoexistencial da performance do corpo é se desvencilhar do virtuosismo e da espetacularização da dança,que, por vezes, reforça a problemática de um certo empobrecendo ideias e uma visão nostálgica no tratocom o humano, alargando fraturas ideológicas e epistemológicas entre corpo e mente, danças eruditas epopulares.

A pesquisa se caracteriza pela sua natureza qualitativa, tendo como metodologia a fenomenologia deMaurice Merleau-Ponty para a feitura de uma descrição minuciosa dos dados do nosso objeto. Essametodologia, segundo Nóbrega (2010, p.36), nos leva aos “caminhos da reflexão epistemológica dacorporeidade em diálogo com outros desdobramentos das ciências”, no nosso caso, a Arte e a Filosofiapara pensar a Educação Física.

O método fenomenológico é, antes de tudo, a atitude de envolvimento com o mundo da experiênciavivida, com o intuito de compreendê-la. Essa posição não é uma representação mental do mundo,mas envolvimento que permite a experiência, a reflexão, a interpretação, a imputação e acompreensão de sentidos (Nóbrega, 2010, p.38).

Antes da teorização, a tarefa consiste em buscar por palavras, gestos e imagens do Araruna, reconhecendoseu mundo vivido por meio do material do SESC/RN (Costa & Cavalcante, 2008) 18, estudando a maneiracomo o grupo se singulariza na condição de partícipe da tradição norte-rio-grandense pelo diálogo comalguns autores como Chevalier, Eliade, Merleau-Ponty e Zumthor. Essa reflexão está ancorada nodetalhamento de alguns sentidos e simbologias expressas nas canções, nos figurinos, nos gestos e nascoreografias de três danças: Araruna, Camaleão e Mazurca. O contato com esse universo permitirá umentrelaçamento entre o universo da tradição, da dança, da estética, do corpo e da performance.

Após o exercício de circunscrever nosso campo fenomenal, faremos uma breve contextualização dasnuances que caracterizam o grupo Araruna, bem como a estética e as peculiaridades performanciais docorpo que dança as referidas coreografias, criando novas interrogações das entrelinhas, encontrando osfios de significações e intencionalidade, através do encontro e das mesclas intersubjetivas, que arquitetamos sentidos existentes na performance do corpo, potencializando as reflexões da Educação Física e dadança, nos levando ao caminho de uma lógica interpretativa mais sensível do objeto.

Feito isso, a redução fenomenológica do fenômeno estudado se atentará na organização, sintetização einterpretação do objeto através da atitude de ler e ouvir as canções, apreciando a performance de suasrespectivas coreografias registradas no referido material do SESC/RN. Cabe destacar uma limitação19 doestudo que consiste no problema de, parafraseando o pensamento de Zumthor (2007), os meios

18 A obra é composta por um livro, com 151 páginas, e um vídeo, de duração de 10 minutos e 55 segundos, da qual tematizapeculiaridades do grupo “Araruna: sociedade de danças antigas e semi-desaparecidas”, tendo o interesse de homenagear mestreCornélio, criador do grupo, reunindo registros valiosos sobre suas danças e respectivas canções. 19 Essa limitação se dá pelo difícil acesso ao grupo, pois registros de reportagens antigas no livro de Costa e Cavalcante (2008), bemcomo algumas reportagens recentes, a exemplo de Silva (2014), revelam que o grupo vem enfrentando muitos desafios que vãodesde um prédio com estrutura física totalmente precária, precisando urgentemente de uma restauração devido à sua nítidafragilidade, até uma enorme dívida com impostos municipais, expressando uma alarmante decadência, falta de incentivo político-cultural, desvalorização social e falta de convites para apresentações públicas de sua arte, que resultou na desmotivação de seusparticipantes em dar continuidade aos ensaios semanais do Araruna. Esse fato vem se agravando de modo gradual após a morte domestre Cornélio Campina, em 2008, bem como com os recentes problemas de saúde dos brincantes mais velhos.

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eletrônicos abolem a presença de quem traz o movimento, mas também saem do puro presentecronológico, abolem o caráter efêmero da “tatilidade”, da corporeidade, do peso, do calor, do volume realdo corpo e tendem a apagar as referências espaciais do corpo vivo. O que é percebido pelo olho e peloouvido é decifrado visualmente como um conjunto de signos codificados da linguagem dessas dançastradicionais.

Essa delimitação e análise reflexiva desse material consistirão numa terceira etapa investigativa: a reduçãofenomenológica. Essa atitude revela-se como ato de admiração diante do mundo da tradição, pelanecessidade de se misturar, se engajar na experiência vivida do corpo que dança as coreografias doAraruna, buscando compreender esse fenômeno na contemporaneidade (Nóbrega, 2010). Talcompreensão é uma atitude de se distanciar e dar um novo significado ao Araruna.

Aliada a essa ideia, Medeiros (2010, p.22) explicita que a redução fenomenológica se configura no exercíciode interpretar e reinterpretar o fenômeno estudado, de maneira a traçar “um caminho para a busca denovos sentidos e significados relativos ao corpo, à dança, à educação e à cultura”. Isso tudo de modo que éimpossível tê-lo por completo, sempre algo escapará a nossa compreensão. Por isso, é fundamentalinterrogar, suspender, criar e descobrir infinitos sentidos, delimitando-o ao que é visto, percebido einterpretado por quem pesquisa.

A redução é uma análise intencional, perceptiva, sensível, na qual sempre haverá abertura para o inédito einstigante ofício de dar sentido, arrumar ideias, questionar o escrito, ponderar, arriscar e articular algumaspartes para tracejar percursos interpretativos, migrando para outros mundos. Ou mesmo, como umabordadeira, engajada na elaboração de sua peça artesanal, dispõe de todo o seu tempo no esforço deentrelaçar fios, desfazê-los e refazê-los, construindo uma bela obra de arte.

Essa imagem se aproxima do processo de reflexão na fenomenologia, pois Merleau-Ponty (1999, p.10)afirma que:

A reflexão não se retira do mundo em direção à unidade da consciência enquanto fundamento domundo; ela toma distância para ver brotar as transcendências, ela distende os fios intencionais quenos ligam ao mundo para fazê-los aparecer, ela só é consciência do mundo porque o revela comoestranho e paradoxal.

Distender os fios intencionais, retomar os sentidos originais das danças do Araruna, permite a tecitura deum bordado, que, a todo tempo, é feito e desfeito, num movimento de junção e separação das linhas desentidos constitutivos do objeto investigado. Esse exercício se dará pela suspensão de ideias, espanto comas novidades de interpretação do fenômeno Araruna, bem como fazer os registros, descrições einterpretações sobre atmosfera estética do corpo que dança as coreografias do grupo e para construiroutros itinerários do sensível, e, também, ampliar os saberes, as significações e as reflexões sobreperformance e tradição relacionada à Educação Física.

2. A performance do corpo que dança

A performance vem da palavra “parformance”, do francês antigo, tendo o sentido de fazer, cumprir,conseguir, concluir alguma ação humana. Seu prefixo latino “per” pode assumir o sentido de: movimento,através, proximidade, intensidade ou totalidade; concatenado a ele temos o substantivo “forma”, que sedestaca nos limites exteriores da matéria de que é constituído um corpo, e que confere a este um feitio ou

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configuração particular20. Segundo Conte (2013), desde a antiguidade grega, a performance é entendidacomo uma expressão corporal dramática, que é compartilhada aos outros em cada cena de modo dinâmicoe atual. Essa autora afirma que, com base na teoria de Aristóteles, a performance se refere à práxis, àimitação, à intuição, estando relacionada com o caráter e direcionada pela racionalidade, pois é através dodesempenho excelente que se chega à virtude. Desde já, sua expressão sempre esteve ligada a dimensãoestética do corpo que vivencia uma situação artística.

É nítido que o campo da Arte se constitui num lócus privilegiado para as discussões da performance comolinguagem artística; entretanto, investiga-la atrelada ao campo de estudos da Educação Física podesignificar a elaboração de outras possibilidades de reflexão para além do desempenho esportivo e técnicacorporal, construindo outras tensões epistemológicas, mais flexíveis, múltiplas e abrangentes, graças etambém para além do mundo artístico. Ancorados a essa visão, identificamos que Zumthor (2007, p.30)também nos chama atenção para a etimologia da performance, especialmente quando afirma que partedessa palavra também tem vestígios da cultura inglesa e, desde o “início de 1950”, vem sendo consideradaum valioso objeto científico para os etnólogos, “especialmente nos Estados Unidos”.

Em poucas palavras, a performance é uma manifestação real de diálogo intersubjetivo entre o interlocutore seu público num dado espaço social em determinado tempo cultural. Para Zumthor (2007 , p.31), aperformance é o único maneira viva de comunicação poética, pois suas regras e sua forma não se reduzema um “saber-fazer”, mas também um “saber-ser”, que “comanda uma presença e uma conduta, um Daseincomportando coordenadas espaço-temporais e fisiopsíquicas concretas, uma ordem de valores encarnadaum corpo vivo”. Ao dançar, os ritmos sanguíneos do corpo humano são afetados pela audição poética deuma canção. Por esse exemplo, a performance implica a abertura vibrante do corpo na dimensão estética,comunicando e materializando aquilo que sou e “que me é próprio, realidade vivida e que determina minharelação com o mundo” (Zumthor, 2007, p.23).

A performance transforma os signos e as linguagens do corpo, aguçando seus sentidos tácteis, olfativos,motores, sinestésicos, entre outros, atribuindo novos significados culturais, sociais e estéticos. Por essemotivo, a performance do corpo desenvolve uma dialética entre movimento, processo artístico ecomportamento comunicativo com o público. Para Zumthor (2007, p.35), a performance é a expressão dapresença viva do corpo de uma maneira singular de existir no espaço e no tempo, de “abraçar-se aosperfumes” dos outros, em contato com o outro e com o mundo. O corpo que dança, executa um jogolúdico com as circunstâncias, o ambiente social e sua cultura, estabelecendo inéditas relaçõesintersubjetivas, numa atmosfera dramática e poética do existir com e no mundo humano.

Nesse ínterim, o corpo é sinônimo do próprio ser humano, pois, segundo Nóbrega (2010, p.19), ele é nossaprópria “condição de vida, de experiência, de conhecimento”, atando-se ao mundo através de uma lógicarecursiva, que mistura a dimensão natural à dimensão cultural, a universal à particular, prosa à poesia. Ocorpo vive, sente, existe e se expressa em seus movimentos e gestualidades, provocando sentidos múltiplose inúmeras significações da cultura e da arte da existência. Sendo atado à cultura, à arte, à vida humana e,ao mesmo tempo, configurando um “horizonte aberto da percepção” desse mundo. Desse modo, nãopodendo ser mais simplesmente comparado a uma máquina ou um simples objeto a-histórico ou mesmocomo um amontoado de músculos, ossos, tendões, entre outros órgãos separados das subjetividades e dasinteligências. “Não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas antes à obra de arte” (Merleau-Ponty, 1999, p. 208).

20 Consultar: Dicionário escolar da língua portuguesa (Santos, 2008).

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O corpo fenomenal age no mundo da cultura, existe no mundo, se movimenta, se comunica, buscando umaaproximação direta com a humanidade, ultrapassando, influenciando e, ao mesmo tempo, indo além desua condição natural de vida. Sua presença é real, pois amplia seus próprios horizontes de ação, atribuindouma nova gama de sentidos, conflitando os signos e as convenções usuais a partir da sua linguagem. Logo,o movimento do corpo é, segundo Merleau-Ponty (1999, p.172), “habitado por uma potência deobjetivação, por uma função simbólica, uma função representativa, uma potência de projeção” que ordenaa matéria e a memória da experiência e também fornece brechas para conexões e feitura de novassignificações das práticas coletivas e seus modos específicos de ser, dançar e existir.

Atrelada a essa visão, temos a ideia do corpo transmitindo, em ato de performance, um conhecimentocultural a outros corpos humanos, dando razões ao viver, alargando o sentido estético e ético daconvivência. A cultura é o fundamento que constitui a vida em sociedade. Por isso, o humano existe porquefaz cultura através de seus modos de ser e (con)viver; seus hábitos, expressões e crenças são peculiares emcada situação vivida. Na visão Zumthor (2007), a manifestação da cultura se sobressai aos costumes, àstécnicas de movimento, às atividades artísticas, porque postulam uma ordem social que lhes garante aduração da existência humana. Como exemplo emblemático dessa noção, temos os brincantes quematerializam as danças do Araruna.

Os brincantes, no instante em que dançam, se inserem no contexto da tradição norte-rio-grandense,expressando e (re)significando determinados sentidos estéticos, educativos e lúdicos da cultura. SegundoMedeiros (2010, p.19-20), esse dançar constitui a “memória” de gerações, eterniza “acontecimentos davida”, envolve a “existência, mantendo-se viva e presente”, sendo uma “fonte de saber”. Há nessas dançasa possibilidade de acessarmos a uma parte do rico e dinâmico universo da tradição brasileira, nospermitindo compreender a cultura, a arte e a educação estética como fenômenos “tecidos no corpo”(Medeiros, 2010, p.20).

Dessa maneira, o ato de dançar aumenta nossa sensibilidade, afetando nosso ser, intensificando osentimento de comunhão com o outro, dando mais motivação às pessoas e mais energia à nossa existênciacorporal, pois através dessa experiência sinestésica, que permite a incorporação fluente, movente edinâmica de símbolos, emoções, saberes, entre outras peculiaridades da cultura. Para Zumthor (2007), aperformance é a realização de um material tradicional, de seu reconhecimento histórico, que entrelaça ovelho e novo a cada instante, permitindo o reconhecimento de algo num processo que vai da virtualidade àrealidade, revelando hábitos e comportamentos restaurados, construindo uma conduta relativa às normassocioculturais aprendidas, que se modificam com a (con)vivência, o tempo, a cultura e o espaço coletivo.

Essa noção revela que dançar é um ato fenomenal que o corpo experimenta se misturando a umadeterminada contextualização histórico-social. Cada gesto, cada passo, cada batida de pé e/ou de mão,cada giro e cada entrelaçamento de braços entre os corpos, dos casais do grupo Araruna, relevam sereshumanos imersos no universo de uma tradição específica. Essa experiência amplia a própria existência decada brincante que dança, porque tais ações se elaboram na beleza da tradição compartilhada com aspessoas que a apreciam. Por essa lógica, é coerente o entendimento de que a performance apresenta o serbrincante, “mostrando, através de suas expressões corporais, um mundo sensível que ontologicamenteafeta os sentidos numa metafísica dos gestos e das palavras” (Ferreira, 2011, p.137).

Dançar e cantar são exemplos de técnicas corporais, que expressam “maneiras pelas quais os humanos, desociedade em sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo” através de “habitus”adquiridos com as modas, as conveniências, as convivências e as educações (Mauss, 2003, p.401). Essaspráticas do corpo são construídas e modificadas ao logo de suas experimentações, aprendizagens e, em

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especial, de hábitos oriundos de processos sociais e históricos, sendo específicas, por vezes, em cadacultura. Os movimentos coreográficos e musicais do Araruna foram aprendidos ao logo do tempo,ensinados por meio da imitação dos gestos e vocalizações, por vezes, sendo quase esquecidos, por outrasocasiões, sendo lembrados e divulgados especialmente por Cornélio e também, agora, pelas memóriasgestuais dos brincantes do grupo Araruna.

Paul Valéry (2011) entende a dança como uma poesia da ação de estar vivo, pois ela transforma epotencializa o corpo em sua ação. Esse corpo dança, saltita, sai do solo, faz piruetas e tantos outros gestosnos modificam e nos transportam a outro lugar e outro tempo, diferente da lógica comum, pois propiciauma condição excepcional e única, uma situação instável, que abusa do improvável e nega o estado práticodas coisas. A dança imprime um grande potencial expressivo ao corpo, pois a beleza de suas ações mobilizaos códigos gestuais, capacitando a comunicação e percepção humana.

Na apreciação do vídeo do SESC/RN, somos envolvidos pela expressividade dos brincantes, ritmicidadecorporal e musicalidade das performances executadas nesse espaço, virtualizado por essas imagens. Nessaapresentação, é notável que os corpos masculinos femininos, ambos, interagem numa mesma sinergia deum único estado de beleza esplêndida do dançar, sem distinções ou hierarquias, porém, também evidenciadeterminada forma de sexualidade que é bem aceita socialmente. A gestualidade alegre dos rostos, abatida rítmica dos pés e das mãos, o balanço dos duetos envoltos pelos braços, a suavidade dos corpos emmovimento, o ritmo calmo e contagiante da musicalidade, os giros dos brincantes, o modo como semovimentam no espaço de apresentação animam o olhar e os gestos repletos de sensibilidade. Talperformance do corpo anuncia uma gama de memórias potiguares e, ao mesmo tempo, presentificam anostalgia da contemplação e da vibração dos movimentos e códigos dessa arte.

Imagem 1 – Apresentação do Araruna

Fonte: Costa & Cavalcante (2008).

Essas danças de salão apresentam uma estética tradicional, que nos transporta a um tempo que não voltamais. O grupo nos permite viajar por salões de uma elite aristocrática européia e também de monumentaisfestividades relacionadas a grandes comemorações de colheitas, casamentos de família e festas de tradiçãoreligiosa (Costa & Cavalcante, 2008). Os casais se projetam de frente um para o outro, trocam sorrisos eolhares, formando dois círculos concêntricos com as mulheres por fora e os homens por dentro. Elas

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seguram suas saias, enquanto eles colocam os dois braços por trás do tronco à altura da cintura. Semprecom a postura da coluna vertebral ereta, os brincantes se deslocam, pelo palco através de passos curtos elentos, de um lado para o outro, e, por vezes, efetuando suavemente pequenos giros e meio-giros. Ora, seafastam e não entrelaçam seus corpos. Ora se aproximam, com os homens segurando, com uma de suasmãos, na cintura das mulheres e estas apoiando um braço no ombro de seu par. Eles dançam!

Assim como a poesia descrita por Ferreira (2011, p.138), a canção, “aos poucos, vai se apossando dadimensão corpórea, penetrando na carne, no tecido da existência, mergulhando na região oculta dossentidos e nos labirintos do ser, acendendo as tochas da afetação”. Nesse momento, os gestos do corpoganham amplitude, a musculatura se estende, o volume sanguíneo nas veias e artérias aumenta, atemperatura sobe e o corpo revela um conjunto de signos da tradição no seu estado vivo, contagiante eexpressivo.

Habitar essas danças é povoar as significações tradicionais da cultura norte-rio-grandense, fazendo todonosso corpo se envolver e constituir num fenômeno efêmero, íntimo e mais físico do humano. ParaNóbrega (2008), o ato de dançar anima, afeta e mobiliza a vida pessoal, operando as primordiais situaçõesde significação afetiva, historicidade corporal e comunicação humana, que organiza e engrandece acompreensão do corpo e da estética existencial para além da praticidade cotidiana, porque condensaemoção e razão, popular e erudito, sagrado e profano, ciência e arte, ampliando a vida das pessoas.

Valéry (2011) reconhece que o ato de dançar tem uma utilidade existencial para cada humano, haja vistaque permite habitarmos nossos movimentos no instante presente em que dançamos. Dançar é estarnoutro tempo-espaço, criado por nós mesmos. Dançar é potencializar o corpo no processo de elaboraçãopoética e estética da prosa do movimento humano, reunindo recursos simbólicos para alçar outros voos doviver. Assim, percebemos que a performance do corpo que dança sugere uma ação que alarga e modificanossa condição humana, visto que incorpora diferentes funções expressivas e estéticas que trazem umahistórica, uma cultura, uma memória, uma identidade, uma maneira de ser, estar, sentir, agir, dançar e(con)viver no mundo.

3. A estética das danças do araruna

A estética vem da palavra “aisthésis”, oriunda da Grécia Antiga, tendo sua significação permeadaintensamente ao universo da Arte, solicita um convite à contemplação do belo, cuja experiência perceptivada obra artística aguça a sensibilidade humana, provocando movimento, prazer e um arrebatamentocorporal, no qual gera uma dinâmica interpretativa das expressões, simbologias e usos do corpo nasmanifestações de danças (Nóbrega, 2010; Porpino, 2009). Por essa razão, a dimensão estética, dentre seusmúltiplos sentidos, se alinha à cultura, à história, à performance, ao movimento corporal, à motricidade, àsfunções simbólicas e ao mundo sensível do corpo que cria, se comunica com os outros e existe no mundosocial.

Nesse viés, concordamos com Porpino (2009) quando apresenta a dança como uma manifestação dacultura, configurando-se como um fenômeno educativo muito importante para a constituição de humanosmais sensíveis, pois dançar pode ser uma vivência estética na qual permite o acontecimento do abraçoafetivo, que rejunta fragmentos e abre novos horizontes para uma vida mais significativa, que não negue aprópria realidade contraditória da condição humana em suas diversas formas de expressão. Dentre asinúmeras possibilidades apontadas por essa autora, nos reportamos às características singulares das dançasda tradição.

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As coreografias que expressam a ideia de tradição se relacionam a uma prática regional, popular efolclórica, que se referem ao ato de mobilizar o espírito ao cultivo de uma determinada verdade, ancoradaàs formas simbólicas, à dedicação à beleza imbricada à natureza e ao sagrado (Chauí, 1994). Essa noçãoestá alinhada a estética da dança e de seus movimentos corporais balizados numa racionalidade queconsidera a sensibilidade do sujeito que dança. Em linhas gerais, Chauí (1994, p.24-25) esclarece que a“cultura popular” se constitui num conjunto disperso de “práticas, representações e formas de consciênciaque possui uma lógica própria” de viver no mundo, atuando num jogo de conformismo, reprodução, recusae resistência ao erudito.

Nesse sentido, as danças do Araruna apresentam, por um lado, sentimentos de coletividade, identidade,memória e comunhão, mas, por outro lado, segundo Sarlo (2004, p.121) elementos substaciais que “podemexpressar facetas terríveis do fundamentalismo, do nacionalismo, do racismo e do sexismo”. Em certamedida, essas danças e seus figurinos trazem algumas características ligadas ao mundo patriarcal, aopuritanismo e ao amor heterossexual, remetendo a tempos remotos de uma cultura aristocrática eeuropéia. Porém, numa análise mais minunciosa de seus outros indicadores corporais, especialmente desuas músicas e algumas gestualidades, identificamos a existência de um hibridismo, de uma mistura entre osagrado e o profano, o potiguar e o europeu, que dá outra tonalidade a essa manifestação.

Por isso, essas danças jamais podem ser vistas como fenômenos genuinamente puros ou alheios àsinfluências de outra cultura para além da brasileira ou mesmo distante de nossa contemporaneidadeexistencial. Segundo Sarlo (2004), há uma utopia etnográfica quando se tem a crença da existência de umacultura descontaminada, pois todas as culturas passam por momentos de mesclas ou se constituem demodo híbrido desde sua origem. Essa última situação é nítida ao estudarmos sobre o surgimento e aprópria permanência do grupo folclórico “Araruna: Sociedade de Danças Antigas e Semi-desaparecidas”.Para o momento, vamos considerar alguns indicadores corporais fundamentais do grupo: o mestre, ascanções e o figurino dos brincantes.

Imagem 2 – Mestre Cornélio

Fonte: Monteiro (2007).

Como grande parte dos artistas brasileiros, o mestre Cornélio Campina da Silva (1908-2008) também teveuma vida simples, que se confundiu com a criação e permanência do próprio grupo. Sua trajetória foipermeada por muitas dificuldades financeiras, entretanto, tais desafios não o impediram de dançar, cantare mobilizar outras pessoas a integrarem o grupo, compondo sua obra artística. Para Merleau-Ponty (2004,

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p.136), “É certo que a vida não explica a obra, mas é certo que elas se comunicam. A verdade é que essaobra por se fazer exigia essa vida”. Vida que nos chama atenção pela riqueza de sua arte e influência social,pois ele fez laços de amizade tanto com pessoas, em sua grande maioria, residentes do bairro das Rocas, nomunicípio de Natal/RN, bem como interagiu com autoridades políticas pertencentes à elite potiguar,criando alianças e dialogando, fundindo conhecimentos, enfim, beneficiando e dando visibilidade aoAraruna. Até hoje, sua memória anima a existência do grupo.

Segundo o estudo de Monteiro (2007), o mestre Cornélio veio do município de Portalegre/RN, lugar de seunascimento, acompanhado de seus familiares para morar no bairro das Rocas em 1925. A partir desseperíodo, especialmente durante festejos juninos, ele aproveitava para exibir suas habilidades corporais nascoreografias, mobilizando as pessoas da Rua Lucas Bicalho e, com isso, promovendo oficialmente, em 1949,seu São João na Roça. Em seguida, ele foi reunindo as lembranças de sua infância, especialmente,resgatando as danças que aprendeu com os avós e bisavós.

Rememorar danças executadas pelos seus ancestrais foi uma atitude de buscar na sua memória corporal osconhecimentos do passado, as heranças, as reminiscências e os valores da tradição norte-rio-grandense. Osestudos de Costa e Cavalcante (2008) e Monteiro (2007) apontam que essa atitude do mestre sensibilizou oatual prefeito de Natal daquele período: Djalma Maranhão. Esse político doou o terreno para a construçãoda sede do Araruna, localizada na Rua Miramar. Com esse fato, a fundação oficial do grupo aconteceu em24 de julho de 1956. Antes da construção da sede, o grupo ensaiava no quintal da casa do mestre Cornélio.O grupo recebeu muitos incentivos do folclorista Câmara Cascudo. Esse importante intelectual foi quemsugeriu ao mestre o nome de Araruna para o grupo, nome que faz alusão a um pássaro preto, Graúna,muito comum em nossa região potiguar. Araruna é também a primeira das quinze danças do grupo.

As danças, em seus passos e figurinos, que remetem a cultura européia, ao mundo português,especificamente de danças aristocráticas de salão do século XVIII, trazendo inspirações poéticas sobre oamor puritano. Especialmente, os números coreográficos denominados: Valsa, Polca, Xote, Mazurca eQuadrilha. Já as canções, especialmente, as que trazem o título de Pau Pereiro, Caranguejo, Camaleão,Jararaca, Bode, Besouro e Araruna, revelam parte da geografia do nordeste, o agreste, o semiárido, osertão e o litoral potiguar (Monteiro, 2007; Martins, 2013).

Diante do rico universo de simbologias e símbolos do Araruna, optamos pela reflexão de três canções:Araruna, Camaleão e Mazurca (Costa & Cavalcante, 2008). Cabe salientar que nosso exercício reflexivo nãoé estorvar o símbolo, mas sim ilustrar uma parte dele, que revele alguns aspectos mais profundos dessasreferidas danças, das quais ainda não foram discutidos ou mesmo divulgados num texto dessa natureza. Háo interesse de que os símbolos possam trazer cenas, recordações e marcas estéticas que nos conduzam auma viagem em direção ao mundo da tradição norte-rio-grandense.

Para Eliade (1991), os símbolos organizam a existência humana. Sonhos, desejos, nostalgias e devaneiosdão forças à vida, nos projetando a um mundo para além da realidade habitual, haja vista que estruturamimagens das quais não poderiam ser expressas por conceitos, por abarcarem inúmeros planos dereferências e um rico conjunto de significações. Assim como ocorre em rituais religiosos, nas dançaspopulares também aparecem imagens que invocam a nostalgia de um passado mitificado, além da saudadede um tempo que acabou e o pesar de não viver no tempo evocado pela música; enfim, “o desejo de algocompletamente diferente do momento presente, definitivamente inacessível e irremediavelmenteperdido” (Eliade, 1991, p.13).

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A palavra Araruna simboliza a morte e ressureição de uma ave. Segundo Chevalier e Cheerbrant (1982,p.687) o pássaro remete ao “canto de criação”, também representa as “relações entre o céu e a terra”,significando os estados superiores, divinos e lúdicos do ser. Além de ter o sentido simbólico “da amizadedos deuses com os homens”. Talvez essa última significação da palavra pássaro, nome do grupo Araruna,de Cornélio, que foi sugerido por Câmara Cascudo, tenha um sentido para além da dança em si. Issoporque, entre esses intelectuais e Djalma Maranhão, sempre foi mantido profundos laços de amizade emprol do incentivo à cultura em Natal/RN21.

O pássaro preto simboliza a inteligência, a personalidade do sonhador, de um artista como o mestreCornélio foi. Sua simplicidade, espontaneidade e suavidade dos gestos encantou muita gente. Assim comoum pássaro, ele esvoaçava seus pés de lá pra cá, dançando melhor do que quaisquer outros homens. Porisso, se tornou mestre, ensinando as danças e canções que incorporaram sua existência. Nesse contexto, amúsica denominada Araruna traz em sua letra a imagem de um pássaro que vem de outro estadobrasileiro, viajando, estando em movimento de voo e fuga, num exercício de liberdade, própria da condiçãonatural dos seres pertencentes a essa espécie. Eis abaixo a letra integral da canção:

Tenho um pássaro preto, Araruna

Que veio lá do Pará, Araruna,

Xô, xô, xô, Araruna

Não deixe ninguém lhe pegar, Araruna

Por sua vez, o sentido do Camaleão também está vinculado à geografia da região potiguar, pois esse animalé um lagarto muito comum de arvoredos do sertão nordestino. Devido a sua camuflagem, enganafacilmente seus predadores, confundindo-se com a cor da paisagem do seu entorno (Costa & Cavalcante,2008, p.88). Esse estudo mostra que essa versão da referida canção também é atribuída a poetas anônimosda cultura popular do estado do Rio Grande do Norte/RN, sendo referenciada como por outros estudos“como dança rural, de vários pares, miudinha como uma chula”, como afirmou Aluízio Alves.

Chevalier e Cheerbrant (1982, p.170) afirmam que a palavra Camaleão também simboliza o caminho do céue da terra, tendo, inclusive, a representação de uma divindade superior, que permite ao Sol entrar emcomunhão com os homens. Uma característica que o diferencia é sua “impressionante bipolaridade”,“diurna e noturna”, que reúne os poderes e os fracassos humanos, porque ele é “um ser sociável, capaz deestabelecer uma relação agradável seja com quem for e, ao mesmo tempo, pode ser hipócrita, não tendopersonalidade” confiável. A segunda música traz o Camaleão como um personagem que é adaptável aoambiente humano, sendo capaz de expressar uma linguagem articulada, de falar com um político, umrepresentante do povo. Por tal proeza, tão poderosa, ele é adjetivado de “nobre”.

Camaleão foi ao Palácio

Falar com o presidente (bis)

Foi coisa que eu nunca vi

21 Consultar: Costa e Cavalcante (2008).

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Camaleão falar com gente (bis)

Ó gente! Ó gente venham ver

O nosso nobre Camaleão (bis)

Tanto a canção Araruna quanto a canção Camaleão estão ligadas a representação da natureza, do instinto,do conjunto de forças profundas que nos animam, desabrochando outro olhar para essas obras da artepopular. Para Chevalier e Cheerbrant (1982), os animais formam identificações parciais dos homens,porque trazem aspectos, personificações e imagens de pulsões profundas e selvagens, de uma naturezacomplexa que corresponde a uma parte de nós mesmos, integrada a nossa própria condição humana. Essesautores retomam o pensamento de Leví-Strauss quando citam:

[...] é porque o homem constata ser primitivamente idêntico a todos os seus semelhantes (entre osquais é preciso incluir os animais) que adquirirá a capacidade de distinguir-se tal como os distinguede adotar a diversidade das espécies como apoio conceitual da diversidade social (Chevalier &Cheerbrant, 1982, p.57).

A terceira canção é interpretada com passos da Mazurca, que lembram uma mistura de Polca e Valsa.Segundo Costa e Cavalcante (2008, p.90), a letra se refere ao apelido dado a uma velha escrava, de nomeJoana, que foi adaptada pelo mestre Cornélio, e quanto a sua coreografia: “o dançarino que dançasse comela, poderia vendê-la, e com o produto de venda, adquirir o que necessitasse em sua residência”.

Eu sou de Joana

Porque Joana é minha,

Vou vender Joana,

Pra comprar farinha.

De ladeira acima,

Ou ladeira abaixo,

Só vai com Joana,

Se for cabra macho.

Essa canção é um exemplo nítido de uma obra artística que reforça a assimetria de gênero, pois há umadominação severa do masculino sobre o feminino, havendo uma visão estereotipada e preconceituosa damulher. Nessa cena, ela se encontra na condição de um objeto disponível à comercialização, nos motivandoa pensar sobre essa lógica popular a luz da contemporaneidade. O conhecimento dessas significações,contidas nas letras de todas as músicas, apenas foi possível de ser acessado pela leitura de Costa &Cavalcante (2008), que as registrou pelo consentimento do grupo Araruna. Faz algum tempo que o grupo

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optou em não mais cantar as letras das canções, que são de autoria anônima, sonorizadas de maneiraencantadora e envolvente, por meio dos seguintes instrumentos musicais: rabeca, sanfona, pandeiro,triângulo e zabumba.

Abrilhantando a cena, as vestes dos brincantes fazem referência a um determinado rigor social em festas ebailes do século XIX, pois, segundo Costa & Cavalcante (2008, p.29), Cascudo escreveu: “Quem casaca nãotiver/em bailes não vá dançar,/Deixe-se em casa ficar/ Um bobo não queira ser [...]”. É visível que essasituação festiva era muito elegante e reservada para determinadas pessoas, apenas nobres e aristocratas,ou seja, aquelas que tinham condições materiais de participar.

De acordo com a descrição de Monteiro (2007, p.33), “as roupas imitam as antigas casacas e trajesfemininos das sinhás dos engenhos, usados para grandes festas de gala do século passado”. As saiam sãolongas e rodadas com casaca, parecendo vestidos. O decote em forma de U, manga três quartos comgrandes babados enfeitados de fitas prateadas, colares, brincos e cabelos geralmente presos num coque aoalto da cabeça. Os homens se apresentam com calças pretas, listras nas laterais da calça, camisa branca,colete preto, gravata borboleta, casaca preta, luvas brancas e cartola preta. Essa autora, ao entrevistar ofundador do grupo, descobre que a escolha da indumentária oficial do Araruna foi realizada por JoãoFrancisco Gregório, o primeiro presidente do grupo, ao folhear uma revista antiga sugeriu estas roupaselegantes:

Imagem 3 – Um casal de brincantes

Fonte: Monteiro (2007).

Chevalier e Cheerbrant (1982, p.275) entendem que as cores fundamentam o pensamento simbólico.“Branco e preto simbolizam o dualismo intrínseco do ser”, porque traduzem conflitos de forças opostas quese manifestam em todos os níveis da existência. “O preto representa as forças noturnas, negativas einvolutivas, e o branco, as forças diurnas, positivas e evolutivas”. Assim, como o feminino, a roupa de corbranca significa pureza, submissão, disponibilidade e virgindade cristã. O branco é a soma de todas ascores, sendo considerada a cor da graça, da transfiguração que desperta o entendimento, a inteligência. Jáo preto é a ausência de cores, estando associado à fecundidade, ao divino, aos caos e a obscuridade dasorigens. Em suma, tanto branco e preto quanto os elementos feminino e masculino representam a forçados contrários, a bipolaridade que, em maior ou menor grau, dependendo da interpretação de umadeterminada cultura, coexistem uma na outra, se complementando.

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Essas imagens apresentam significações simbólicas as quais mesclam elementos sagrado e profano,traduzindo uma sabedoria da tradição que fecunda nossa imaginação, bem como alarga nossos horizontes,potencializando a própria existência sensível. “Os conteúdos visuais são retomados, utilizados, sublimadosno plano de pensamento por uma potência simbólica que os ultrapassa, mas é sobre a base da visão queessa potência pode constituir-se” (Merleau-Ponty, 1999, p.178). Essas cenas e simbologias da dança dãopoder ao corpo de dançar para si, para que o brincante sinta a força da sua própria vida. Vida que expressatransformações culturais e a própria natureza impregnada em nossa carne, necessitando de outrosreferenciais poéticos que deem abertura para outra reflexão sobre a beleza, o gesto, o corpo e a própriaexistência do grupo Araruna no mundo da tradição contemporânea.

A atitude de dançar dá vida ao corpo e o corpo dá vida e existência à dança, numa indivisão de sentidos(Nóbrega, 2008). Assim, essa estética da dança se refere aos estados do corpo, suas sensações e afetos,num exercício criativo de um tempo vivido, no qual somos levados a uma situação subjetiva e maishumana, de comunhão conosco e com os outros que participam do mundo da tradição. Nóbrega (2010,p.93) afirma que é a partir da experiência sensível com a arte da linguagem que o humano se constitui emseus movimentos e paradoxos do viver. A “sensibilidade estética” amplia e, ao mesmo tempo, sintetiza omodo original de ser, estar e existir no mundo. Desse modo, é necessário considerarmos a “reversibilidadedos sentidos”, apontando para outras formas de sensibilidade para além do olhar, como o tato, a audição eoutros que possibilitam a expressividade dos gestos em outras artes para além da dança, considerando nãoapenas a objetividade, mas a “dimensão poética da comunicação”.

4. Considerações finais

Esse artigo possibilitou uma análise reflexiva sobre o fenômeno da performance do corpo e as simbologiasdas canções, vestimentas e cores das danças do grupo Araruna. Fundamentada na fenomenologia, essareflexão trouxe para a Educação Física a compreensão de que investigar a performance é uma tarefa degrande valia, haja vista que ela movimenta os conceitos do corpo, da dança, dos símbolos e da própriatradição, configurando uma estética singular da qual amplia os horizontes de percepção dos elementosartísticos do Araruna e da nossa cultura norte-rio-grandense.

Reconhecemos que nossa leitura se deteve a uma análise documental de uma parte do rico universoestético do Araruna, não havendo, assim, espaço para estudar a recepção, ou seja, o modo como o públicoaprecia essas danças. Por tal razão, identificamos que se faz necessário, para outras situações deinvestigação, acompanhar as apresentações do grupo para que seja pesquisado esse elemento, no qual dátatilidade e volume ao corpo, compondo uma das características de estruturação da performance.

As palavras das canções deram abertura de interpretação dos gestos, dos figurinos dos brincantes e partedos símbolos de algumas danças revelaram uma tradição que reforça assimetrias e contradições entreopostos: masculino e feminino, branco e preto, sagrado e profano, popular e erudito. Cabendo a EducaçãoFísica, ao estudar a historicidade e as simbologias dessa manifestação cultural, elaborar argumentos,através da reversibilidade dos sentidos de Merleau-Ponty, os quais permitam fios de sentidos quecolaborem na superação de fraturas epistemológicas, que reduzem o entendimento estético e fenomenaldo corpo que dança, vibra e encanta o mundo da tradição potiguar.

Perspectivamos que essa exposição mobilizem outras reflexões que se ancorem na beleza das imagens, nariqueza das narrativas e no movimento do corpo que olha, ouve, canta e dança os signos e códigos dasdanças tradicionais do Araruna. Essas cenas nos permitem a realização de uma viagem ao passado e amemória do corpo que é, ao mesmo tempo, criticada, retomada e levada ao caminho de (re)significação do

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fenômeno performático da dança. Por fim, a revelação dessa estética peculiar é também uma motivaçãopara e feitura de um novo olhar da origem e subjetividade dessa obra de arte em sintonia com acontemporaneidade.

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CARACTERISATION DE L’ENSEIGNANT QUI MARQUE POSITIVEMENT SESELEVES: L’ASSERTIVITE SOCIOCONATIVE COMME SUPPORT A SON

INTERPRETATION

Jean Michael MEYRE1

1 Université d’Artois

Email: [email protected]

Résumé

Le corps, réceptacle émotionnel, culturel et social est le médiateur des relations humaines au seindu groupe classe. Il est le vecteur grâce auquel une relation d’intercommunications s’établit entreles différents acteurs. Ainsi, étudier le comportement d’un enseignant lorsqu’il est en classe, c’estessayer de cerner les raisons qui le poussent à agir ainsi, les valeurs qu’il a incorporées et quicontribuent à façonner sa relation à l’Autre. C’est analyser cette relation duelle existant au sein detoute relation pédagogique, médiée par le corps des différents protagonistes, à savoir le professeur,l’élève et les élèves entre eux. Au cours d’échanges et d’enquêtes faites auprès des élèves, il s’avèreque l’enseignant qui a laissé un souvenir positif faisait preuve d’empathie, de respect, d’écoute, dejustice, d’honnêteté. Dès lors au cours de l’acte professionnel d’enseignement, tenir une positiond’assertivité socio conative c’est favoriser l’émergence d’une représentation positive de celui-ci parles élèves. Afin d’illustrer notre propos, nous nous appuierons sur le modèle de Gilles Bui –Xûan quiconsidère que le principe directeur des conduites d’un individu (défini par ses conations) est leproduit d’une mobilisation singulière de trois axes spécifiques (structural, technique et fonctionnel)permettant ainsi une caractérisation en cinq étapes (structurel, fonctionnel, technique, contextuelet expertise) selon une grille d’analyse établie à partir de sept critères spécifiques.

Mots clés : assertivité socio-conative, empathie, représentation positive socialconativeassertiveness, empathy, positive representation.

Abstract

The body, as emotionnal, cultural and social container, is the mediator of human relations inside theclass as a group. It is the go-between thanks to which a multilateral relation settles itself betweenthe different ellements of the group. To study a teacher's behaviours in class is therefore synonymof trying to define the reasons that make him act in such a way and the values he has chosen togovern his own relation with others. It is also synonym of analysing this dual relation that is inherentin any educational relation. It will be done through a medium represented by the body of each andevery protagonist of this relation, including the teacher, the student and students to each others.Exchanges and inquiries led among students emphasize the fact that any teacher who left a positiveimage showed empathy, respect, a capacity to listen, fairness and honesty. Thus, when teachingconsidered as a professional act, to show socialconative assertiveness is to enhance a positiverepresentation of the teacher among students. As a support to illustrate this purpose, we will usethe model defined by Gilles Bui-Xuân, which considers that the leading principle conducting anindividual's behaviours (defined by his / her conations) is the product of a singular mobilization ofthree specific main lines (structural, technical and functional), consequently allowing acaracterisation in five steps (structural, functional, technical, contextual and expertise) according toa model of analysis based on seven specific criteria (Listening, feelings, assertiveness, equity,organization, management, respect).

Keywords: socialconative assertiveness, empathy, positive representation.

Mesdames, messieurs bonjour.

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En préambule je souhaite remercier les organisateurs de ce 1° symposium franco-brésilien permettant ainsid’offrir aux jeunes chercheurs une tribune contribuant d’une part à faire connaître leurs travaux et d’autrepart à développer des échanges et des relations internationales autour de ce thème Corps, Education etCulture du Mouvement.

L’intervention que je vais vous présenter portera sur l’importance qu’a l’enseignant dans toute démarched’apprentissage et sur les caractéristiques intrinsèques que possèdent tous ceux qui ont marquépositivement leurs élèves, ces traits de caractère ou plutôt ces éléments constitutifs de la personnalitécontribuant à établir une relation favorable à la transmission du savoir. Toutefois, ce dernier point ne serapas développer aujourd’hui, même si le sujet reste une problématique pour quiconque souhaitetransmettre de façon efficace.

« On n'enseigne pas ce que l'on sait ou ce que l'on croit savoir: on n'enseigne et on ne peut enseignerque ce que l'on est » a écrit Jean Jaurès dans l’Esprit du socialisme en 1964.

C’est à partir de ce propos que je vous propose une approche et une réflexion qui, loin de traiter descontenus ou des élèves, se centre sur le vecteur qui a la charge de transmettre, d’enseigner, d’éduquer, jeveux parler du professeur.

1. Le concept d’assertivité socio-conative

Depuis plusieurs années, les recherches en pédagogie ont cherché à étudier le comportement del’enseignant afin de comprendre son mode de fonctionnement, les méthodes de transmission les plusefficaces dans l’optique d’améliorer la transmission des savoirs de l’érudit au novice, du maître vers l’élève.

Behavioristes, (Domas & Tiedeman, 1950 ; Piéron, 1993 ; Siedentop, 1994 ; O’Donohue & Ferguson, 2001)elles ont permis la mise en évidence des comportements efficaces ; cognitives, (Shavelson & Stern, 1981 ;Durand, 1996 ; Gentaz &Dessus, 2004 ; Tinning, 2007) elles ont fait état du processus intellectuel quiprésidait à toute construction pédagogique et didactique. Enfin, situées, (Suchman, 1987; Gal-Petitfaux &Durand, 2001 ; Ria et al., 2003 ; Theureau, 2006) elles ont contribué à mettre en relation les émotionsvécues et le comportement, la prestance adoptée avec le ressenti.

Toutefois, parler d’un enseignant, c’est certes, parler de ce qui est efficace, c’est certes comprendre lesraisons et les choix qui guident son action, analyser certaines causes structurales qui induisent et oriententses réactions, mais parler d’un enseignant, c’est avant toute chose parler d’un homme ou d’une femme quia des affects, un vécu, une histoire, des valeurs et qui les confronte dans un cadre déterminé à celui de sesélèves.

C’est en ce sens que le concept de conation prend tout son sens. Inspiré de l’approche philosophiquespinozienne (Spinoza, 1677) et développé par Gilles Bui Xuân (1993) dans une modélisation permettantl’analyse des conduites, la conation est la puissance propre et singulière de tout ce qui est, à persévérerdans son être pour conserver et même augmenter sa puissance. A l’heure actuelle, la conation se traduiraitpar la force qui pousse à agir, celle-ci étant liée aux valeurs intégrées. Contrairement à la cognition qui faitdavantage référence à l’acquisition de connaissances, à leur conservation et à leur utilisation, la conationest le moteur qui pousse de façon consciente ou inconsciente à agir ; elle est une notion englobante et nonexcluante de la cognition.

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Le modèle conatif met en évidence le poids des valeurs, du capital humain et de l’être, propres à chaqueenseignant. C’est ce modèle qui sert de support d’analyse à notre réflexion.

Au cours de la scolarité, les traits de caractère des enseignants sont vécus, subis et ressentis par les élèves.C’est ce qui marque l’individu scolaire, lui laisse des souvenirs au cours de toute son existence. C’estégalement à travers ceux-ci qu’il continue de se former, de se modeler, d’évoluer, de se construire. Ils sont,au même titre que les savoirs enseignés, constitutifs de son futur, de sa personne et de sa personnalité.Chaque enseignant possède en lui ce capital transmissible et transmis, tant volontairement qu’à son insu aucours de sa relation avec l’élève.

Si la conation est la force « qui pousse à agir, dirigé par un système de valeurs incorporées » (Mikulovic,Vanlerberghe, Bui-Xuân, 2010, 137), il est évident que la relation enseignant-enseigné est la confrontationde ces deux forces, chacune tentant à persévérer et à croitre dans leur être. Certes la conation s’exprimedéjà dans la relation avec les autres êtres vivants. Mais au cours de l’acte d’enseignement, les échangesvolontaires ou contraints, la proximité imposée, le lien relationnel créé renforcent cette dimension sociale.L’émotion émanant de toute relation duelle structure les échanges en « présidant à la prise de décision »(Bénédicte Gendron, 2007). La classe devient un système qui partage des mœurs, des coutumes, uneorganisation et des normes spécifiques (Goleman, 1997). Elle est à la fois interrelationnelle, interactionnelleet organisationnelle. Par conséquent, les forces qui poussent à agir sont mutualisées, interpénétrées, interassociées ; c’est pourquoi nous avons choisi de les qualifier de socio-conatives dans la mesure où ellesprennent tout leur sens au sein de chaque acte d’enseignement.

Enfin, comme je le disais en préambule, « on n'enseigne et on ne peut enseigner que ce que l'on est ». Unquestionnaire diffusé auprès de plus de 150 personnes de tous âges, et de toute classe socioprofessionnelle a permis de mettre en évidence 4 valeurs récurrentes chez des enseignants ayant marquépositivement leurs élèves : la passion pour ce qu’il fait, la compréhension, l’intérêt pour ses élèves etl’honnêteté.

Si le système scolaire en général, les instances politiques et les parents espèrent et attendent des souvenirset des connaissances liés à la discipline scolaire, force est de constater que les valeurs humaines ethumanistes semblent primer.

L’enseignant positivement marquant porte un intérêt pour ses élèves et pas uniquement en termes detransmission de connaissances et de savoirs. Il se préoccupe de ce qu’ils sont. Ainsi, au regard desdifférents éléments dont nous venons de parler, il semble que la notion d’empathie au sein du systèmescolaire dans le cadre de la relation enseignant/enseigné prenne toute son importance (Rogers, 1959, 1978,1984). Mais plus que l’empathie qui se définit selon le Larousse par la « faculté intuitive de se mettre à laplace d'autrui, de percevoir ce qu'il ressent », nous préfèrerons parler d’assertivité, notion introduite par lepsychologue Andrew Salter lors de la première moitié du XX° siècle. Elle se caractérise par « la capacité às’exprimer et à défendre ses droits sans empiéter sur ceux des autres » (Salter, 1949, 117). Joseph Wolpe(1975, 78) la définira comme « l’expression convenante de toute émotion autre que l’anxiété à l’égardd’une autre personne ». En s’appuyant sur cette définition, il devient patent que l’assertivité ne peut êtredans un premier temps que conative. Elle est un trait de caractère permettant d’exprimer sa proprepersonnalité, donc de s’appuyer sur des valeurs intégrées, personnelles, propres à chaque individu et quicontribuent à le faire agir, parler, se comporter tel qu’il le fait.

Utilisée dans le contexte classe, cette assertivité est socio-conative (Meyre, 2013).

2. Les étapes conatives de l’enseignant

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C’est sur cette base théorique en relation avec le modèle établi par Gilles Bui Xuân que nous avons cherchéà établir 5 étapes conatives caractéristiques de l’activité de l’enseignant lors de son acte d’enseignement.Ce modèle structure le principe directeur des conduites d’un individu (défini par ses conations) commeétant la conséquence d’une mobilisation singulière par le sujet des trois axes suivants : l’axe structuralrelatif au développement et en référence au fort ; l’axe technique relatif aux savoir‐faire et en référence aubeau ; l’axe fonctionnel relatif à l’exploitation (la gestion) et en référence au vrai et au juste.

Etape 1 : étape émotionnelle

L’axe structural est mobilisé de façon dominante. A cette étape, deux types majeurs de comportementsexistent. Dans le premier cas, l’enseignant, guidé par ses affects, recherche une forme de sécurité par laforce. Celle-ci peut s’exprimer sous deux formes :

-son autorité se transforme en autoritarisme. Les sanctions verbales (cris) ou écrites (punitions,avertissements, écrits, rapports..) sont utilisées de façon privilégiées ; il se déplace peu et intervient enréaction aux agissements des élèves, tels qu’il les perçoit.

-une autre stratégie de force peut emmener le professeur à faire un cours magistral, à s’appuyeruniquement sur le savoir. Il donne des explications peu adaptées, prend appui sur les bons élèves, référentsrassurants.

La seconde forme de comportement est l’évitement de toute forme de conflit, de toute formed’affrontement. La hiérarchie enseignant-élève est reniée, les sanctions sont absentes donnant lesentiment d’une attitude de fuite.

Dans ces deux cas, les savoir-faire pédagogiques sont encore ignorés.

Etape 2 : Etape fonctionnelle

L’axe émotionnel reste très important (majoritaire), mais il commence à être masqué, géré, contenu. Acette étape, l’enseignant cherche à apporter un contenu, des connaissances à ses élèves. Il commence às’interroger sur ses propres processus et procédures, aux techniques lui permettant de résoudre sesdifférents conflits. Il s’informe seul et essaie des solutions. Il expérimente au cas par cas certainesstratégies, mais privilégie un type de relation « efficace » quel que soit la nature de la relation à l’autre.Toutefois, les résultats sont encore difficiles, sa perception de la causalité étant altérée par ses propresaffects et par les jugements et raccourcis qu’il attribue à chaque élève (Rosenthal, Jacobson, 1971).

Etape 3 : Etape technique

Il commence à chercher chez les autres ce qui fonctionne. Il teste et trouve des routines, utilise desméthodes données par ses collègues, transpose des solutions lues ou entendues. Le climat de classe s’estapaisé, la gestion des conflits n’est plus sa seule optique. Son contenu pédagogique est plus approfondi, ilcommence à apporter une touche personnelle, à varier ses interventions, ses retours, mais sans adapterceux-ci aux caractéristiques spécifiques des apprenants. Il est alors vite déstabilisé face à des élèves qui ontun comportement, des attentes ou des interrogations qui sortent de l’ordinaire.

Etape 4 : Etape contextuelle

Les structures fonctionnelles et techniques sont utilisées. L’enseignant réussi à se détacher de lareproduction de routines et s’intéresse à l’autre en tant qu’individu spécifique, unique, particulier. Il adapteson comportement et son contenu, il complexifie ses actions, fait preuve d’originalité, essaie de nouvelles

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procédures relationnelles ou pédagogiques même si son discours ou son comportement ne sont pastoujours adaptées au public ou à l’interaction établie.

Etape 5 : Etape d’expertise

A ce niveau, le sujet exploite les 3 axes de façon optimale et crée alors une relation unique, spécifique etsingulière avec le groupe classe et chaque élève en particulier. Il est innovant, socialement proche de sesélèves, et contribue à la réussite propre de tous.

La caractérisation de ces 5 étapes passe par l’élaboration d’une grille d’observation reposant sur 7 critèrespermettant de juger in situ, du niveau d’expertise de chaque enseignant :

- l’écoute

- les émotions (apparition, gestion de celles-ci, contrôle)

- l’affirmation de soi

- l’équité

- l’organisation

- la gestion

- le respect

Ces critères, choisis comme indicateurs, permettent de juger de l’activité de chaque enseignant etconcourent à la mise en évidence des caractéristiques de fonctionnement contribuant dés lors àl’élaboration des étapes citées précédemment.

Plus concrètement, à la lecture des résultats, il apparait qu’à chaque étape conative, la fréquenced’apparition des critères observés et les modalités d’apparition varient. Ainsi, si au niveau émotionnel,l’affirmation de soi de l’enseignant peut passer, par exemple, par une grande fermeté, la recherche d’uneraideur disciplinaire et une rigueur dans l’organisation de son cours (déplacements, structures du cours,suivi du cahier …), au niveau d’expertise, nous constatons une affirmation de soi basée sur l’écoute etl’intérêt porté au cours, une structure d’organisation ferme mais pas fermée, comprise et respectée par lesélèves.

De plus, à même niveau d’étape peuvent correspondre plusieurs comportements. Le niveau émotionnel enest encore une fois un bon exemple.

Dans le premier cas, l’enseignant cherche à surmonter son angoisse, son émotion par une stratégieaffinitaire. Dès lors, il construit une stratégie d’évitement basée sur la proximité relationnelle. Ainsi copainavec ses élèves, il pense être préservé de toute agression mais renonce à toute forme d’autorité.

Dans le second cas, l’enseignant prodigue son enseignement de façon doctorale. Il est le maître quicontrôle le savoir, ne prenant en compte, à aucun moment, la particularité de ses élèves.

Enfin, dans le troisième cas, il use et abuse de son statut, de son autorité. Cet espace de pouvoir lui confèreune forme d’assurance. Il construit sa relation autour de la sanction, protégeant ainsi son espace.

Ainsi, à étape identique, le comportement peut différer, mais la structuration globale de l’activité del’enseignant, ce qui l’organise reste semblable.

D’autre part, l’analyse du recueil des observables nécessite une seconde précaution méthodologique. Eneffet, il serait faux de penser que les fréquences d’apparition des items ainsi que leurs diversités seraient

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un signe évident de mise en avant des différents niveaux conatifs possédés par les enseignants. Lafréquence d’apparition des certains voyants, peut être identique à deux étapes différentes, ladifférenciation s’effectuant dans les modalités d’organisation, de gestion, dans le non verbal, dansl’expertise diraient certains.

3. Des éléments de conclusion

•Pour la compréhension du concept d’assertivité socio-conative

Cette modélisation prend appui sur un support théorique rendant compte de ce qu’est l’individu en termede valeurs humaines incorporées. Il est donc aisé de la qualifier d’englobante en regard d’autres études etd’autres modèles théoriques d’analyse. Sa compréhension et son utilisation nécessitent de travailler surl’individu en tant que tel, c’est-à-dire en tenant compte du passé, des goûts, des passions, des valeursvéhiculées par chacun, tous ces aspects qui font la spécificité de chaque personne et qui font son unicité.

Pour autant, les résultats de cette recherche montrent que les enseignants qui ont marqué positivementleurs élèves disposaient tous d’un haut degré d’assertivité socio-conative.

Dés lors, dans le cadre de la formation initiale et continue, il s’agirait alors, d’insister et de promouvoir uneapproche centrée sur l’individu et son fonctionnement humaniste.

•Pour une formation différente et adaptée à chacun

Pour aller plus loin, si on s’accorde sur le fait que parler de relation pédagogique, c’est identifier à travers lanotion d’assertivité socio-conative, la situation de chaque enseignant au regard des 5 étapes conatives,alors il ne peut y avoir de formation professionnelle réellement efficace (je dirais même efficiente) sanscomprendre les modalités d’organisation, les motivations et les aspirations de chaque professeur. Ajusterles contenus de formation au niveau d’expertise des intervenants permettrait une réelle acquisition decompétences nouvelles, adaptées à leurs besoins ainsi qu’à leur capacité évolutive les rendant alorsdirectement utilisables et réinvestisables au profit de la relation pédagogique avec les élèves.

Je vous remercie.

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L'APPRENTISSAGE EN ÉDUCATION PHYSIQUE DANS L'ENSEIGNEMENTSECONDAIRE

INTERVENÇÃO PARTICIPATIVA E APRENDIZAGEM CONSCIENTE NAEDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO

João Maria da CRUZ1

Lígia de Souza Santana PEREIRA2

José Pereira de MELO3

1 Escola Agrícula de Jundiaí, Brasil2 Escola Agrícula de Jundiaí, Brasil

3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email: [email protected] ; [email protected] ; [email protected]

Résumé

Le travail est développé dans un poste d'enseignant à l'école d'agriculture de Jundiaí (AEM) ,Academic Unité spécialisée en sciences agricoles / UFRN (Brésil) pour montrer que l'éducationphysique peut offrir une éducation de qualité, en favorisant une apprentissage contextualiséguidées par des expériences des étudiants. Ils cherchent à poursuivre, discuter et présenter leursconnaissances, étant les agents de ces actions qui travaillent toujours dans la culture demouvement et de ses enchevêtrements avec l'environnement. L’éducation physique peut exprimer

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une contribution significative à la formation des jeunes inscrits dans l'AEM , à « introduire etintégrer l'étudiant dans le domaine de mouvement de la culture , la formation du citoyen qui vaproduire , reproduire , traiter et transformer cette culture " (Brésil, 2002 , p.139 ) . Pour répondreaux objectifs de cet apprentissage nous devons observer une connaissance préalable, le contexte etles significations que l'élève attribue à la pratique de la culture dans laquelle elle est insérée , lesobligeant à tenir compte de ce qu'ils vivent selon Maturana et Varela (2001 , p.32). Ainsi la réflexionest un faire humain, créé par une personne en particulier dans un endroit particulier”.Parconséquent nous visons à rendre l'expérience de l'enseignement en éducation physique planifiée etexécutée de manière à créer des conditions pour l'étudiant d'écouter , de rechercher , d'analyser, dedialoguer, de créer et effectuer des activités dans le domaine de la culture de mouvement .

Mots-clés: l'éducation physique; Apprentissage conscient; Intervention pédagogique; Dialogue

Resumo

Está sendo desenvolvido um trabalho pedagógico na Escola Agrícola de Jundiaí (EAJ), UnidadeAcadêmica Especializada em Ciências Agrárias/UFRN (BRASIL), no sentido de mostrar que aEducação Física escolar tem condições de oferecer um ensino de qualidade, promovendo umaaprendizagem contextualizada, pautada nas vivências dos alunos, em que os mesmos procurambuscar, discutir e apresentar os seus conhecimentos, sendo, no caso, agentes dessas ações, sempretrabalhando no âmbito da cultura de movimento e seus entrelaçamentos com o meio ambiente,com os objetos e os seus pares, pois acreditamos que a Educação Física pode expressar significativacontribuição no processo de formação dos jovens matriculados na EAJ, no sentido de “introduzir eintegrar o aluno na esfera da cultura de movimento, formando o cidadão que vai produzir,reproduzir e também transformar essa cultura” (BRASIL, 2002, p.139). Para atender aos propósitosdessa aprendizagem, precisamos observar os conhecimentos prévios, o contexto e os significadosque o aluno tem daquela prática e da cultura na qual está inserido, levando-os a uma reflexão doque estão vivenciando, pois em consonância com Maturana e Varela, (2001, p.32), acreditamos que“toda reflexão faz surgir um mundo. Assim, a reflexão é um fazer humano, realizado por alguém emparticular num determinado lugar”. Nesse sentido, temos o objetivo de relatar experiênciaspedagógicas na Educação Física, pautadas numa visão de educação, na qual as aulas de educaçãofísica, são planejadas e executadas no sentido de criar condições para que o aluno escute, pesquise,analise, dialogue, crie, recrie e execute atividades que lhe propiciem uma permanente apropriação erenovação do acervo da cultura de movimento.

Palavras-chave: Educação física escolar; Aprendizagem consciente; Intervenção pedagógica; Diálogo

Durante minha trajetória profissional, participei de um concurso para professor de Educação Física noCentro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) na cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte-Brasil, atualmente conhecido por Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (IFRN),ao qual me submeti por influência de um grupo de amigos e fui aprovado em 4º lugar na classificação final.

Na época de ser chamado para assumir meu cargo, surgiu a vaga para a Escola Agrícola de Jundiaí e aUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, a qual a escola é vinculada, pediu-me para escolher entre asduas instituições, preferi ficar na EAJ, na época, chamava-se Colégio Agrícola de Jundiaí, pois ficava maispróximo da família e dos amigos. Assim, adentramos no mundo da Escola Agrícola de Jundiaí (EAJ)/UnidadeAcadêmica Especializada em Ciências Agrárias (UECIA), que oferece o ensino médio integrado a formaçãotécnica em: Informática, Agroindústria, Agropecuária e Aquicultura, na qual ministro aula de EducaçãoFísica Escolar desde o ano de 1996.

A referida disciplina está situada entre as diferentes disciplinas da formação geral, que compõem a gradecurricular dos cursos, acontecendo de forma articulada, dentro do turno escolar, em que cada turma cursaas disciplinas correspondentes ao ensino médio. Vale explicar que as disciplinas correspondentes ao cursotécnico são oferecidas no turno oposto.

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A princípio, a Educação Física Escolar, ministrada na Escola Agrícola de Jundiaí/UECIA, tem comomissão/meta a execução das práticas pedagógicas nas suas mais diversas formas, e a relação dessaspráticas com a concepção de corpo, cultura de movimento e aprendizagem.

Diante do exposto, o desafio maior foi sensibilizar toda a comunidade educativa da Escola, no sentido deque a Educação Física tem condições de oferecer um ensino de qualidade, promovendo uma aprendizagemcontextualizada, pautada nas vivências dos alunos, em que os mesmos procurem buscar e discutir os seusconhecimentos, sendo, no caso, agentes dessas ações, sempre trabalhando no âmbito da cultura demovimento e seus entrelaçamentos com o meio ambiente, com os objetos e os seus pares.

Isso porque acreditamos que a Educação Física pode expressar significativa contribuição no processo deformação geral dos jovens matriculados na EAJ, no sentido de “introduzir e integrar o aluno na esfera dacultura de movimento, formando o cidadão que vai produzir, reproduzir e também transformar essacultura” (Brasil, 2002, p.139).

Para atender esse propósito, temos o objetivo de relatar experiências pedagógicas na Educação Física,pautadas numa visão de educação, na qual as aulas são planejadas e executadas no sentido de criarcondições para que o aluno escute, pesquise, analise, dialogue, crie, recrie e execute atividades que lhepropiciem uma permanente apropriação e renovação do acervo da cultura de movimento.

Para tanto, o profissional que orienta precisa observar os conhecimentos prévios, o contexto e ossignificados que o aluno tem daquela prática e da cultura na qual está inserido, levando-os a uma reflexãodo que estão vivenciando, pois em consonância com Maturana e Varela (2001, p.32): “toda reflexão fazsurgir um mundo. Assim, a reflexão é um fazer humano, realizado por alguém em particular numdeterminado lugar”.

Nesse sentido, faz-se necessário a adoção de uma metodologia de trabalho, na qual seja dada aoportunidade aos alunos, de construção do próprio conhecimento através das mediações feitas peloprofessor, numa inter-relação dos conteúdos apresentados, com atividades que lhe propiciem “oinstrumental necessário para usufruir de jogos, esportes, danças, lutas e ginásticas em benefício doexercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida” (Brasil, 2002, p.139), além dos temastransversais e atividades de sensibilização.

Acreditamos que, a partir desse entendimento, que todo conhecimento advém de reflexões que fazemos arespeito daquilo que vivenciamos no cotidiano, e que todo ele – o conhecimento – perpassa pelo corpo enele fica inscrito. Essa inscrição seria resultado de uma contínua relação, entre o sujeito (ser vivo) e o meio(entorno) que resultaria numa aprendizagem. Essa aprendizagem ocorre de uma tomada de consciência, apartir do momento em que o próprio sujeito se mobilizou em busca de determinado conhecimento.

Compactuamos com Assmann (2007, p.39), quando fala que “o conhecimento emerge, como umapropriedade, auto-organizativa, do sistema nervoso, precisamente enquanto acoplado a seu meioambiente”.

No entanto, a Educação Física, que deveria atender as aspirações da clientela de forma significativa econtextualizada, ainda acontecia na Escola Agrícola de Jundiaí, seguindo de forma emblemática, a teoria docomando (estilo diretivo), ou seja, um estilo de ensino centrado na figura do professor, e não nasnecessidades do aluno.

Portanto, essas aulas não atendiam ao contexto dos sujeitos envolvidos, por não apresentarem interfacescom outros conhecimentos que compõem a grade curricular da escola, nem com as experiências vividas da

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população em questão, jovens que, na sua maioria, têm uma carga de disciplinas muito extensa,principalmente os que fazem o curso técnico (agroindústria, agropecuária, aquicultura e informática)integrado com o ensino médio.

Observa-se que também era amplamente utilizado o estilo recreacionista (Darido & Rangel, 2008), quandofica facultado ao aluno o que ele quer fazer na aula, basta apenas entregar o material, na maioria das vezes,uma ou algumas bolas e deixar o tempo da aula passar. O professor que deveria mediar às atividades, nosentido de instigar os alunos a descobrirem conhecimentos diversos, propondo mudanças nas ações,muitas vezes fica sentado, apenas observando. Nesse cenário, concordamos com Darido e Souza Jr (2007,p.14) quando afirmam que,

É preciso deixar claro que esse modelo não foi defendido por, professores, estudiosos ou acadêmicos.Infelizmente ele é bastante representativo no contexto escolar, mas provavelmente tenha nascido deinterpretações inadequadas e das condições de formação e trabalho do professor.

Em contrapartida existe outro aspecto que precisa ser explicitado neste novo cenário pedagógico. Aoingressar na Escola Agrícola de Jundiaí/Unidade Acadêmica Especializada em Ciências Agrárias, no ano de1996, deparei-me com uma realidade totalmente desconhecida e diferente de tudo que eu tinhavivenciado até então. O nome da escola chamou-me a atenção pela palavra Jundiaí, por não ser umapalavra comum, que segundo o professor e pesquisador D’Oliveira (2009, p.18),

Jundiaí é um topônimo de origem indígena, deriva-se de iu-ndi-á-i, que significa rio dos jundiás, énome do rio que banha a cidade de Macaíba e a Escola Agrícola de Jundiaí, sendo afluente do rioPotengi desaguando no oceano atlântico em Natal. Jundiá é um peixe de água doce, classificadocientificamente como Rhamdia, originário da Amazônia, conhecido também como bagre, aqui nonordeste e mandi, na região sudeste.

Assim, a natureza viva e o espaço físico da referida instituição apresentaram-se em uma amplitude eexuberância que até então eu jamais imaginara existir em um ambiente escolar, o que muito contribui parao desenvolvimento de atividades físicas em sintonia com a beleza da natureza. Apresenta construçõesantigas espalhadas no espaço físico com distâncias consideráveis entre uma e outra, precisando decaminhadas relativamente longas, para nos deslocar entre elas.

Dentro desse cenário de belezas naturais e construídas, o que mais me chamou atenção foi um casarãoconstruído próximo a uma das entradas da escola, onde funciona o setor administrativo da referidainstituição, e se apresenta com as seguintes características:

O sobrado é em estilo florentino clássico, coberto com telhas de ardósia, paredes rebocadas comuma massa especial, portais e portas de pinho de riga. É um prédio antigo, que serviu comoresidência e sede da Diretoria de vários órgãos estaduais e federais. Atualmente, acha-se instaladaa administração central da escola (D’Oliveira 2009, p.29-30).

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Além das construções que acolhem os diversos setores, o verde está em toda parte, proporcionando-nosuma paz de espírito que nos impele a sonhar com uma educação que transmita ao nosso aluno umasensação de bem estar e uma certeza de que ele é capaz de criar e recriar, construir e reconstruir o seupróprio conhecimento, a partir da relação reflexiva com este entorno.

1. Desvelando as Belezas

Seguindo por um caminho de terra batida, nos deparamos com um açude que a comunidade de Jundiaídenominou de açude do bêbado, andando um pouco mais por entre resquícios da mata atlânticaencontramos outro reservatório, o qual D’Oliveira (2009, p. 20) descreve:

Um reservatório de água, conhecido como o açude do bêbado, construído em 1915, com capacidadepara 108.000m3, é utilizado como lazer por toda a comunidade e fonte de irrigação para as culturasagrícolas. Um outro reservatório, conhecido como a Vertente, é o manancial responsável peloabastecimento de água potável.

Esses reservatórios nos oferecem uma paisagem encantadora, com muito verde em suas margens e umacachoeira no lado oposto ao açude do bêbado, pois quando chove e o açude enche, forma-se uma cascataque oferece condições para mergulharmos em lembranças longínquas que ficaram no passado, na infância,fase da vida caracterizada pela busca de aventuras.

Além das lembranças, a cachoeira também nos instiga à criatividade, no sentido de se ter experiênciaspedagógicas significativas, por exemplo: estimular caminhadas e banhos, tanto no açude como na própriacachoeira, permitindo desenvolver entre os alunos os sentidos de cooperação, amizade, respeito eprincipalmente a interação com a natureza. Concordamos com o pensamento de Zabala (1998, p.46)quando afirma que:

As atitudes são tendências ou predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar decerta maneira. São as formas como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com valoresdeterminados. Assim, são exemplos de atitudes: cooperar com o grupo, ajudar os colegas, respeitaro meio ambiente, participar das tarefas escolares.

Nesse sentido, estaríamos estimulando o desenvolvimento da dimensão atitudinal dentro do conteúdo quepropomos trabalhar nas aulas de Educação Física.

2. Caminhos Metodológicos

Levando em consideração esse cenário instigante e a nossa experiência com trabalhos de natação, sentimo-nos inspirados em desenvolver uma ação, com o objetivo de propiciar o prazer da interação dosmovimentos corporais dos alunos com a água, através de brincadeiras aquáticas (jogos), o que não serianecessariamente exigir técnicas específicas da natação competitiva, aplicadas de forma linear, sem levarem consideração a individualidade de cada aluno e sim uma prática pedagógica no âmbito da EducaçãoFísica Escolar, a ser desenvolvida no açude, aproveitando o ambiente de paz que o mesmo proporciona anós, enquanto elementos integrantes dessa natureza.

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Nessa visão, o professor promove uma educação inclusiva e, para isto, ele “apoia, estimula, incentiva,valoriza, promove e acolhe o estudante” (Darido & Souza Jr., 2007, p.18), como também incentiva a açãode busca dos diversos conhecimentos e para isto é preciso “generalizar a contextualização como recursopara tornar a aprendizagem significativa ao associá-la a experiências de vida cotidiana ou a conhecimentosadquiridos espontaneamente” (Darido & Souza Jr., 2007, p. 19).

Nessa perspectiva, em que o professor incentiva a procura, a reflexão e a criação, ele mesmo se inserenesse contexto e também adquire outros conhecimentos. Portanto, esse educador,

[...] já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com oeducando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo emque crescem juntos e em que “os argumentos de autoridade” já não valem (Freire, 2005, p.79).

Nossa pretensão seria mediar os mais diversos tipos de movimentos, buscando estimular a criatividade decada aluno de acordo com seus conhecimentos prévios, “ampliando seu repertório motor econsequentemente, organizando sua consciência corporal com base no vivido” (Melo, 1997, p.22).

Com essas observações, verificamos que a grande maioria, apesar de residir em cidades do interior, comoMacaíba, e em distritos próximos, Cana Brava, Peri-Peri e a própria comunidade de Jundiaí, nãoapresentava conhecimentos técnicos da natação competitiva, o que foi muito bom, pois o trabalho nãotinha como objetivo o desempenho atlético, e sim o prazer da relação dos movimentos corporais com aágua, proporcionando uma aprendizagem de movimentos rudimentares da natação, de forma maisconsciente e contextualizada. O prazer seria o pilar fundamental para a aprendizagem. Concordamos que:

Quando a dimensão do prazer está ausente, a aprendizagem vira um processo instrucional, quepode até chegar a ser maquinicamente eficiente e criar um montão de automatismos eficientistas.Mas o que não cria é a celebração do conhecimento na aprendizagem (Assmann, 1996, p.152).

Colaborando e juntando forças, no sentido de minimizar o paradigma tecnicista/esportivista no interior daEscola Agrícola de Jundiaí / Unidade Acadêmica Especializada em Ciências Agrárias-UFRN, insere-se nestetrabalho as repercussões da proposta metodológicas evidenciada na pesquisa desenvolvida por Pereira(2011), no qual, aposta-se na vivência do lazer, como forma de expandir o repertório dessa prática, bemcomo meio para o desenvolvimento integral dos estudantes.

Paralelo ao trabalho de atividades aquáticas no açude do bêbado, nós continuávamos com as intervençõespedagógicas diferenciadas, que acontecem desde a nossa entrada na Escola Agrícola de Jundiaí/UnidadeAcadêmica Especializada em Ciências Agrárias, no ano de 1996 e 1997, e se estendem até acontemporaneidade, procurando buscar no próprio aluno a inspiração para um trabalho dentro do seucontexto. Para deixar claro essas intervenções, passamos a narrar e descrever algumas delas.

O primeiro contato, no início de cada ano com as turmas, acontece de uma maneira bem informal, quepode ser na sala de aula onde acontecem as outras disciplinas, ou na sala onde acontecem as aulas deeducação física, ou na quadra coberta, embaixo de uma árvore, na margem do açude, na cachoeira, nãoimporta, o importante mesmo é que seja um encontro bem descontraído, no qual todos apresentam-se

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narrando um pouco das suas experiências motoras praticadas nas aulas de educação física, inclusive oprofessor/pesquisador, e falam dos seus anseios, de suas dúvidas e o que esperam do curso escolhido e daescola.

A partir do segundo momento nos encontramos principalmente na sala de Educação Física. Com os 1º anosdiscutimos sobre a visão geral que eles têm da Educação Física inclusive, aplicando uma avaliaçãodiagnóstica no sentido de conhecer melhor os alunos e o que pensam sobre a educação física enquantodisciplina curricular. Dentre as questões destacam-se:

1. O que vocês entendem por Educação Física?

2. O que vocês faziam na aula nas escolas anteriores?

3. O que é corpo?

4. O que vocês gostariam de vivenciar nas nossas aulas?

Após analisar as respostas emitidas pelos alunos no instrumento avaliativo o professor/pesquisadorapresenta sua versão sobre a disciplina, e junto com os alunos, traçam estratégias para seremdesenvolvidas durante todo o ano. Nos 2º e 3º anos do ensino médio integrado, as aulas de educação físicajá se apresentam com um novo enfoque metodológico, ampliando os conteúdos desenvolvidos na sérieanterior, abordando novos conteúdos teóricos/práticos e temas e, planejando estratégias para umaprofundamento nesse trabalho.

Invariavelmente, as respostas recaem na esportivização e na questão da saúde, como demonstrada abaixo:

1. A Educação Física é uma matéria que ensina a jogar, fazer exercício e que é boa para a saúde;

2. Que eles jogavam futebol, voleibol e queimada, faziam alongamentos, corriam, ou não faziamnada;

3. O corpo é um conjunto de órgãos e músculos e ocupa lugar no espaço;

4. Que querem aprender a jogar, de preferência futebol e voleibol, as outras modalidades esportivasaparecem com pouca expressividade.

Procurando levar em consideração a visão que os alunos demonstram ter da Educação Física,através das respostas apresentadas, começamos o trabalho, com pelo menos, metade do primeirobimestre de cada ano, discutindo e tentando sensibilizar os alunos para uma Educação Física mais reflexivae a noção de corpo sujeito, capaz de atuar no mundo mais ativamente, fazendo uma relação com anatureza e a cultura e mostrando que a Educação Física não é tão simplista ao ponto de ensinar apenas atécnica de movimentos.

Nesse período, discutimos o conceito de diversos conteúdos que são apresentados como específicos daEducação Física e outros que se relacionam a ela. A dinâmica apresentada consiste em dividir as turmas emgrupos e cada grupo escolhe um assunto o qual tenha mais afinidade, tendo-se o cuidado de não repetir oassunto dentro de uma mesma turma, e os grupos vão pesquisar para se apropriar do(s) conceito(s)daquele assunto/conteúdo escolhido.

Sabe-se que historicamente, na Educação Física escolar o que se tornou importante e fundamental foi àexecução correta dos movimentos, ou seja, o que se deve saber fazer, que corresponde a DimensãoProcedimental dos conteúdos, mas entendemos que, ligada a esta dimensão, torna-se de grande relevânciaa junção de outras duas dimensões que, na prática, não podem acontecer separadas da primeira, mas na

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maioria das vezes não são explicitadas no trabalho, que é o que se deve saber (Dimensão Conceitual) ecomo se deve ser (Dimensão Atitudinal). Assim, entendemos que:

O papel da educação física ultrapassa o ensinar esporte, ginástica, dança, jogos, atividades rítmicasexpressivas, e o passar conhecimentos sobre o próprio corpo para todos, em seus fundamentos etécnicas (dimensão procedimental), mas inclui também os seus valores subjacentes, ou seja, quaisatitudes os alunos devem ter nas e para as atividades corporais (dimensão atitudinal). E, finalmente,busca garantir o direito do aluno de saber por que ele está realizando este ou aquele movimento, istoé, quais conceitos estão ligados àqueles procedimentos (dimensão conceitual) (Darido & Souza Jr.,2007, p.17).

Para o primeiro bimestre, de uma forma geral, o trabalho se desenvolve com os alunos pesquisando juntocom seu grupo o conteúdo escolhido, elaborando um trabalho escrito para ser entregue organizado eencadernado. Junto com este trabalho pesquisado, organizamos um instrumento avaliativo composto decinco questionamentos, baseado nas conversas e discussões ocorridas nas aulas.

Todas as discussões são de assuntos diversos, principalmente dentro da cultura de movimento e conteúdosafins; os trabalhos são escolhidos pelos alunos (grupos), dentro de esportes, danças, jogos, lutas e ginástica,como também temas transversais e atividades de sensibilização, que são pesquisados e apresentados emSeminários que fazem parte da avaliação do 2º bimestre letivo. No momento das apresentações, o assuntoé rediscutido com o objetivo de observar se houve consolidação da aprendizagem, a qual é observada nomomento que o grupo expõe o que foi pesquisado. Percebemos que, além das dinâmicas apresentadas,

(...) outro aspecto que determina a aprendizagem é o ato de poder explicitar para si, para oscolegas e professores seus pensamentos, o quê e como sabem. Quando expressam seusconhecimentos, os alunos podem tomar consciência deles, elaborando, conectando, situando eretendo novos conhecimentos em estruturas de significados mais amplas, encontrando umelemento comum entre os diversos aspectos levantados durante a aula (Toledo, Velardi, Nista-Piccolo, 2009, p. 71).

No 3º Bimestre letivo, dependendo das condições desse conteúdo que é apresentado, ele é trabalhado emaulas práticas dadas pelo grupo de alunos que pesquisou. Essas aulas práticas, consideradas o terceiromomento do processo metodológico, são combinadas para fazerem parte da avaliação, em que o professoré o mediador, corrigindo e dando suporte para que os alunos não executem movimentos errados.

No 4º bimestre letivo, toda a turma escolhe um assunto/conteúdo, para pesquisar, montar e apresentarum trabalho prático, sendo o aspecto mais importante, a participação de toda turma na pesquisa emontagem do trabalho que vai ser apresentado para o professor e para as outras turmas, no final dobimestre. Neste caso, a avaliação é composta por todo esse processo executado pela turma.

Durante este período em que as aulas versam sobre os assuntos que estão sendo pesquisados pelos grupose que se inserem dentro da cultura de movimento, oferecemos também aulas diversificadas, com oobjetivo de dinamizar e oferecer aos alunos oportunidade de vivenciar algumas atividades alternativas, que

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geralmente não fazem parte do cotidiano, e oferecem ao aluno a possibilidade de aumentar o acervoperceptivo-motor, tais como: aula de contemplação, relaxamento induzido e aula livre.

3. Considerações finais

Caminhar na vida significa traçar metas e buscar estratégias que possam consolidar o que você objetivouatravés de investimentos contínuos e incessantes, alguns árduos e cansativos, outros nem tanto, mas todoslevando a resultados que podem ser positivos, reforçando a vontade de seguir em frente, outros levando aresultados que precisam ser repensados, readaptados e, muitas vezes, precisando inclusive de recuossignificativos, mostrando para nós, simples indivíduos, que a grande sabedoria está em conseguirmosdistinguir ações que não levam ao ponto que planejamos e precisamos desconstruir ou adaptar aquilo queestá posto e não serve a nossos propósitos.

Desse modo, (re) planejar e nos lançar novamente com entusiasmo renovado e fortalecido em busca denovos caminhos, mostrando que na vida nem sempre as estradas são tranquilas e planas, existindo veredasturbulentas e sinuosas que muitas vezes precisamos trilhar para descobrir o valor real de uma estradavirtuosa.

A estrutura organizacional e pedagógica da Escola Agrícola de Jundiaí / Unidade Acadêmica Especializadaem Ciências Agrárias, instituição vinculada a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nos possibilitoudesenvolver um trabalho a partir das aulas de Educação Física vindo de uma realidade onde os própriosalunos fossem agentes ativos na criação de estratégias metodológicas, juntamente com a mediação doprofessor preocupado em refletir sobre as intervenções no sentido de não realizar as atividades comoacúmulo de fazeres, mas como metamorfoses de saberes e, portanto, geradoras de aprendizagens para osalunos.

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RÉFLEXIONS SUR UNE PÉDAGOGIE DE CORPS DANS L’ÉDUCATIONPHYSIQUE SCOLAIRE AU BRÉSIL

REFLEXÕES SOBRE UMA PEDAGOGIA DO CORPO NA

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EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR BRASILEIRA

José Pereira de MELO1 Terezinha Petrucia da NOBREGA2

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email: [email protected] ; [email protected]

Résumé

En analysant le passé de l'éducation physique scolaire au Brésil ont le sentiment que son histoiresemble être écrite sans le corps, bien que l'expression de langage du corps et les jeux étaientprésents les réflexions sur le corps a partir de les annés 1980 semble avoir créé un abîme entre lapensée et l'action. On afirme la connaissance comme um texte corporel. Cette proposition nous faitréaliser que l'éducation physique brésilienne a encore beaucoup des demarches a faire pouratteindre ce objectif de la connaissance de corps, sourtou si on prends en considérationl'apprentissage significatif des étudiants. Ces considérations soulignent la nécessité de connaître lesthéories qui ont émergé sur le corps, l'apprentissage et la cognition ainsi que la nécessité derechercher des activités éducatives dans lequel le corps et l'esprit sont considérés comme l'unité, enparticulier dans l'apprentissage des élèves dans les cours l'éducation physique. En ce sens, nousvisons à réfléchir sur la l'éducation physique dans la pédagogie scolaire centrée sur le corps qui peutcontribuer à un apprentissage significatif pour les étudiants. L'interprétation des études peutcontribuer à une nouvelle compréhension de l'apprentissage dans les cours d'éducation physique.Par conséquent, la language sensible, la capacité de la perception et l'émergence de la motricitésont considérés comme des éléments capables de re-signifier la compréhension de l'intelligence, del'apprentissage et la réflexion sur les connaissances produites sur le corps qui nous guide dans larecherche de nouvelles formes d'organisation des discours et des pratiques de l'éducation physique.Cette réflexion épistémologique considére la lecture du corps en mouvement dans les domaineséthiques, ontologiques, méthodologiques et esthétiques, un fait qui exige que les professionnelspuissent construire d'autres pédagogies de corps chez l'éducation physique.

Mots clés: Éducation Physique; Pédagogie du corps; Apprentissage significatif; Cognition.

Resumo

Ao analisarmos o passado da Educação Física brasileira temos a sensação que sua história parece sercontada sem corpo, embora a expressão corporal como linguagem a configure como uma áreapredominantemente prática, mas que as reflexões sobre corpo, a partir dos anos 1980, parecem tercriado um abismo entre o pensar e o agir. Afirma-se o conhecimento como um texto corporal. Essaproposição nos faz perceber o quanto a Educação Física brasileira ainda tem que caminhar pararealizar tal máxima, principalmente em considerar a inscrição nos corpos dos estudantes asaprendizagens significativas que partam de uma constante reflexão sobre o corpo. Taisconsiderações enfatizam a necessidade de conhecermos as teorias que têm surgido sobre corpo,aprendizagem e cognição, bem como a necessidade de buscarmos ações pedagógicas nas quais ocorpo e a mente sejam considerados uno na construção do conhecimento, em particular nasaprendizagens dos alunos nas aulas de Educação Física. Neste sentido, temos o objetivo de refletirsobre a prática pedagógica da Educação Física na escola centrada numa pedagogia do corpo quepossa contribuir em aprendizagens significativas para os alunos. Dessa forma, a interpretação dosestudos da corporeidade e da cognição poderá contribuir para novas compreensões do aprendernas aulas de Educação Física. Para tanto, a linguagem sensível, a capacidade de percepção e aemergência da motricidade são considerados como elementos capazes de re-significar ascompreensões de inteligência e aprendizagem, pois a reflexão sobre os saberes produzidos sobre ocorpo nos orienta em busca de novas formas de organização dos discursos e práticas da EducaçãoFísica. Esta reflexão, de natureza epistemológica, abrange a leitura do corpo em movimento a partirdos campos ontológico, ético, lógico, metodológico e estético, fato que exige de todos osprofissionais da área encontrar outras pedagogias do corpo para a Educação Física brasileira.

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Palavras-Chaves: Educação física; Pedagogia do corpo; Aprendizagem significativa; Cognição.

O histórico pedagógico da Educação Física escolar no Brasil mostra-nos diferentes abordagens pedagógicassobre o corpo dos alunos desde o momento da sua inserção na educação escolarizada. Evidenciam-semomentos em que se observam práticas pedagógicas voltadas mais para o disciplinamento dos corpos doque aquelas que consideram o corpo como expressão viva do existir humano, cujas atitudes e relações como mundo, as pessoas e os fatos refletem as características da nossa corporeidade e devem servir de vetorpedagógico dos professores de Educação Física na escola, desde que considerem a corporeidade como umfenômeno da nossa existência neste mundo. Compreendemos a corporeidade como um dos paradigmaspossíveis para programarmos situações de ensino que resultem para os alunos em saberes capazes deampliar a compreensão sobre corpo e em menos potencializá-lo para as performances.

Não podemos esquecer que o paradigma da corporeidade pauta-se, dentre outros aspectos, naperspectiva de compreendermos os elementos subjetivos do corpo, dos quais a sensibilidade, aautoimagem, a autoestima, o respeito por si e pelos outros, a cooperação, a solidariedade, entre outrosvalores humanos, emergem para contrapor-se às visões mecanicistas e materialistas sobre corpo,orientadas por uma visão linear de movimento e uma abordagem pedagógica que prioriza o fazer emdetrimento do compreender a própria ação e o conteúdo que dela emerge.

Não podemos, contudo, pensar apenas na atuação dos professores de Educação Física, em diferentescenários pedagógicos, como uma ação isolada, mas também como reflexo dos saberes incorporados nasagências formadoras de professores, muitas delas pautadas num paradigma mecanicista de corpo.

As discussões relativas aos estudos do corpo e da corporeidade têm absorvido, ao longo dos tempos, umaamplitude na sua compreensão, bem como proporcionado mudanças significativas no modo de pensar eagir de diferentes profissionais. Essas mudanças nos remetem a uma redefinição de conceitos ereconstruções de atitudes colocadas muitas vezes como imutáveis e, embora tenham sido eficazes outrora,não convergem com o pensamento contemporâneo e carecem de uma revisão conceitual e paradigmática,principalmente em relação ao envolvimento corporal no processo de aprendizagem. Considera-se, paratanto, a necessidade de se pensar sobre o corpo na Educação Física escolar, principalmente considerando-se o histórico desse componente curricular em não investir, em linhas gerais, numa compreensão maisampla de corpo que favoreça uma prática pedagógica mais pautada na realidade corporal dos alunos.

Ao analisarmos o passado da Educação Física brasileira, temos a sensação de que sua história parece sercontada sem corpo, embora a expressão corporal como linguagem a configure como uma áreapredominantemente prática. No entanto, a falta de reflexões sobre corpo na nossa área, em especial nadécada de 1980, parece ter criado um abismo entre o pensar e o agir. Essa proposição nos faz perceber oquanto a Educação Física brasileira ainda tem que caminhar para realizar tal máxima, principalmente emconsiderar a inscrição nos corpos dos estudantes as aprendizagens significativas que partam de umaconstante reflexão sobre o corpo. Nesse sentido, temos o objetivo de refletir sobre a prática pedagógica daEducação Física na escola centrada numa pedagogia do corpo que possa contribuir em aprendizagenssignificativas para os alunos. Essa reflexão de natureza epistemológica abrange a leitura do corpo emmovimento a partir dos campos ontológico, ético, lógico, metodológico e estético, fato que exige de todosos profissionais da área encontrar outras pedagogias do corpo para a Educação Física brasileira.

1. A corporeidade como paradigma para a Educação Física escolar

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“A corporeidade não é fonte complementar de critérios educacionais,mas seu foco irradiante primeiro e principal” (Assmann, 2001, p. 37).

Partimos do princípio de que a corporeidade é a expressão do corpo material, cuja assimilação ouvisibilidade da sua subjetividade só será possível através de mudanças substanciais na sensibilidade dosobservadores. Isso nos induz a crer que, para escutar as vozes do silêncio da nossa corporeidade, éfundamental desenvolvermos e aperfeiçoarmos nossas funções sensitivas e abstratas. Exercer tal função,por meio dos diferentes canais de formação (inicial e continuada), possibilitará aos professores e futurosprofessores de educação física uma reflexão sobre seu próprio corpo e, a partir dele, compreender acorporeidade dos seus alunos.

Refletir sobre a corporeidade como paradigma para a educação física escolar é ter em mente a necessidadede pensar no aluno que vivencia momentos de aprendizagem de forma a emancipar seu corpo, e nãoaprisioná-lo aos ditames de processos de aprendizagens que não remetem o indivíduo para a compreensãodos fatos e do seu próprio corpo. Acreditamos na compreensão da aprendizagem como processo corporalque deixa suas marcas no corpo, pois deve dar vazão às múltiplas inteligências e aos significados que todaaprendizagem comporta, e os programas de formação continuada para professores de Educação Física nãopodem distanciar-se desse preceito fundamental.

Nesse sentido, Hugo Assmann, ao discutir Sete colocações sobre corporeidade e movimento, no livroReencantar a educação: epistemologia e didática, esclarece-nos na sexta colocação que

É preciso elaborar toda uma visão nova da corporeidade para que se chegue a abandonar deveras aracionalidade produtivista aplicada ao corpo humano. Essa questão tem tudo a ver com umareformulação do lugar originante de ético-politico. Para ser mais explícito: a corporeidade viva é areferência mais radical para discutir assuntos aparentemente tão diferentes como exclusão, atransformação do conceito de trabalho, o surgimento da sociedade do lazer, o papel daprazerosidade na cognição e nas atividades corporais, etc (ASSMANN, 2001, p. 46).

Dessa forma, podemos afirmar que a Educação Física escolar no Brasil ainda tem muito a caminhar, poissuas práticas, na maioria das escolas, ainda são sustentadas pela ideia de corpo como produtor e repetidorde movimento, e não como expressão viva de sentidos e significados inscritos pelas vivências advindas dosdiferentes contextos de relação. Temos uma história na qual corpo e movimento são entendidos de formalinear, e que de todos é exigida a mesma referência de expressão.

O movimento humano é uma totalidade dinâmica, que se reestrutura, a cada instante, em função dedois pólos: homem e mundo. Um constitui a negação do outro, formando uma polaridade emconstante tensão. Ao mesmo tempo, um não pode ser compreendido sem o outro. Em todomovimento humano está presente o encontro de uma intenção de um sujeito com o mundo. Osentido do movimento é assim, ao mesmo tempo, subjetivo e objetivo (GONÇALVES, 1994, p. 147).

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Tal perspectiva sobre o movimento humano abre canais interessantes para pensarmos uma pedagogia docorpo na educação física escolar brasileira, na qual o corpo não seja visto como um estorvo, mas como ovetor semântico das intervenções pedagógicas. É assim que Maria Augusta Salim Gonçalves, na suainstigante obra sentir, pensar e agir – corporeidade e educação, convida-nos a refletir sobre a prática daeducação física, tendo como mote a relação experiência corporal e o movimento, enfatizando que acompreensão de tal relação é fundamental para a educação física. Esclarece a autora que a experiênciacorporal designa “o que é dado anteriormente a qualquer reflexão ou predicação” (GONÇALVES, 1994, p.145). Mais adiante, citando Vet, tendo como referência o seu ensaio sobre O conceito de experiência emHegel, a autora esclarece-nos que a “experiência é um fenômeno primitivo e a tal ponto que é difícil defini-la. Ela é no mínimo um fato de consciência no qual uma presença se anuncia. A experiência corporal seria,assim, a experiência originária de nossa corporalidade e de nosso ser motriz” Idem).

No intuito de ampliar nossa visão sobre o assunto, esclarece-nos que

A experiência corporal e do movimento inclui a percepção, anterior a qualquer formação deconceitos, das possibilidades e dos limites do corpo físico – “conhecimento” esse fundado emexperiências anteriores e nas características da situação presente – e, ao mesmo tempo, a percepçãodo mundo circundante, em relação com ele. A experiência corporal está no cerne da transformaçãodo “corpo próprio” no decorrer de nossa vida e na realização de cada movimento” (IDEM, p. 146).

As reflexões da autora são reforçadas por Hugo Assmann na sétima colocação sobre movimento ecorporeidade, ao estabelecer uma relação entre motricidade e educação, explicitando a ponte fundamentalque existe entre ambas, tendo-se a participação corporal nos processos de aprendizagem. Alerta-nos para ofato de que “todo conhecimento se instaura como um aprender mediado por movimentos internos eexternos da corporeidade viva. Toda aprendizagem tem uma inscrição corporal. Não existe mentalizaçãosem corporalização (ASSMANN, 2001, p. 47).

Nesse princípio, o entendimento da corporeidade está centrado na nossa experiência corporal e na suarealidade frente às inúmeras relações que se estabelecem com o meio. Cada corpo é subjetivo, retrata ahistória de cada um. Tem significados e não sabemos lê-los, pois a leitura pertinente à compreensão dacorporeidade deve partir do nosso íntimo e das nossas atitudes frente ao mundo em que vivemos, sendo acorporeidade a uma “condição humana, ou seja, o modo de ser do homem” (Santin, 1994, p. 96).

Torna-se premente para o entendimento do que seja corporeidade, que passemos a entender o nossocorpo como conjunto complexo e indivisível, cujas experiências vividas vão construindo um sabercorporal que transcende toda e qualquer iniciativa de compreender a corporeidade por intermédio deconceitos e definições, uma vez que o viver corporal pressupõe experiências, tomadas de decisões econstrução de conhecimentos que se edificam nos momentos vividos e existenciais, os quaisimpregnam nossos corpos de valores e de significados para que sejam interpretados e re-organizadosno convívio social. Nesse complexo, não podemos analisar a corporeidade unicamente como arelação do corpo físico com o meio ou com as pessoas. A nossa corporeidade é evidenciada nasexpressões de sentimentos, sensibilidade, ludicidade e, principalmente, motricidade. Somos serescorpóreos, cuja motricidade nos permite construir e reconstruir mundos (MELO, 2006, P. 110).

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Somos seres dotados de representações e simbolismos, patrimônio este que a educação física escolarprecisa incorporar nas suas intervenções pedagógicas, pois, como nos adverte Nóbrega (2005, p. 101), “ocorpo como material biológico e cultural não se separa da natureza e da história, em sua espacialidadeprópria e descontínua, disponibiliza, de modo indissociável, componentes físico-quimícos, signos eestruturas simbólicas como se fosse para recusar o dualismo objeto e sujeito, a partir do qual foi fraturadoa condição humana”.

Podemos exemplificar tal fratura na condição humana nas aulas de educação física ao constatar o que sepassa em alguns espaços de intervenção. Recorrendo ao estudo de Moreira (1993, p. 17), em que seobjetivou compreender a ação do professor de educação física na escola, tendo identificado “um quadropreocupante da Educação Física Escolar, na qual a ação dos professores converge para modelo único,dando a impressão de que sua formação é realizada em série, como por exemplo, uma eficiente montadorade automóveis, onde no final da linha de produção temos um produto acabado, pronto para ser lançado nomercado e com um padrão de comportamento único”. Identificou, ainda, que o professor “explicita a aulacomo sinônimo de cumprimento mecânico e rigoroso dos exercícios; transmite o conteúdo da EducaçãoFísica como um produto acabado. As ações resultantes dessa forma de desempenho profissional emnenhum momento se preocupam em legitimar o espaço da Educação Física na escola” (IDEM).

O autor verificou que essa prática reafirma a visão de corpo-objeto, em que “o corpo do aluno é visto comoum objeto a ser manipulado e melhorado em seu rendimento; as atividades físicas não são adequadas aoscorpos dos alunos e o corpo não atlético é ridicularizado ou desprezado” (IDEM). Defende, então, que otrabalho de educação física seja voltado para levar o aluno “a refletir sobre o seu corpo”, tendo-se aconsciência corporal como o objetivo a ser alcançado. Assim, vincula-se o processo ensino-aprendizagemvivenciado nas aulas de educação física a uma relação mais ampla do aluno com o contexto pedagógico ecom sua própria corporeidade.

Tal realidade enfatiza a necessidade de conhecermos as teorias que têm surgido sobre corpo,aprendizagem e cognição, com o propósito de situarmos nos novos paradigmas e buscarmos açõespedagógicas nas quais corpo e mente sejam considerados unos na construção do conhecimento emdiferentes situações de aprendizagem vivenciadas pelos alunos na escola. Como enfatiza Assmann (2001,p. 143): “A afirmação básica é, portanto, a de que toda morfogênese do conhecimento – sobretudo nacriança, mas também no adulto – se instaura como cognição corporal. Todo conhecimento é um textocorporal, tem uma textura corporal. É a partir da compreensão desse aspecto básico que se multifurcam,depois, diversas e diferenciadas ênfases teóricas”.

Assim, as intervenções pedagógicas da educação física devem partir de uma organização didática queprivilegie a corporeidade viva dos alunos, nos quais se estimula uma ação-reflexão-ação, e que o corpo e omovimento unem-se na perspectiva de organizar os saberes necessários para o seu próprio existir. Nessesentido, temos recebido relatos exitosos sobre a educação física escolar, publicados na Coleção CotidianoEscolar22 e em outras formas de divulgação científica, que indicam novos horizontes para a Educação FísicaEscolar, principalmente pelo fato de terem sido produzidos na realidade de cada professor a partir de

22 Esta coleção busca socializar experiências pedagógicas no ensino de Arte e Educação Física na escola. A Coleção Cotidiano Escolarconstitui-se como um dos materiais didáticos organizados e produzidos pelo Núcleo de Formação Continuada para Professores deArte e Educação Física – PAIDÉIA, integrante da Rede Nacional de Formação Continuada para professores de Artes e EducaçãoFísica, conveniado ao Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica e da Universidade Federal do Rio Grandedo Norte.

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novos olhares sobre o corpo dos alunos. Dessa forma, aos poucos materializa-se na educação física escolarbrasileira a ideia de Hugo Assmann ao afirmar que “toda educação, para que corresponda às característicasbiofísicas do ser humano, tem que ser visceralmente Educação Corporalizada” (ASSMANN, 2001, p. 47).Assim, para implantarmos uma verdadeira pedagogia do corpo na educação física escolar brasileira, torna-se necessário admitir tal paradigma, pois ele sustenta a ideia de que “o corpo é, do ponto de vistacientífico, a instancia fundamental e básica para articular conceitos centrais para uma teoria pedagógica.Em outras palavras: somente uma teoria da corporeidade pode fornecer as bases para uma teoriapedagógica” (IDEM), e a educação física não pode ficar alheia a tal pensamento se, realmente, desejaefetivar teorias pedagógicas capazes de consolidá-la como componente curricular na Educação Básica.

2. Considerações finais

As reflexões contidas no presente texto enfatizam a necessidade de conhecermos as teorias que têmsurgido sobre corpo, aprendizagem e cognição, bem como a necessidade de buscarmos ações pedagógicasnas quais o corpo e a mente sejam considerados uno na construção do conhecimento, em particular nasaprendizagens dos alunos nas aulas de Educação Física nas escolas.

Dessa forma, a interpretação dos estudos da corporeidade e da cognição poderá contribuir para novas compreensões do aprender nas aulas de Educação Física. Para tanto, a linguagem sensível, a capacidade de percepção e a emergência da motricidade são consideradas elementos capazes de ampliar as compreensões de inteligência e aprendizagem, pois a reflexão sobre os saberes produzidos sobre o corpo nos orienta em busca de novas formas de organização dos discursos e práticas da Educação Física.

Referências

ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: UNIMEP, 2001.

GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar e agir – corporeidade e educação. Campinas: Papirus, 1994.

MELO, J. P. Educação física e critérios de organização do conhecimento. In: NÓBREGA, T. P. Epistemologia, saberes e práticas da educação física. João Pessoa/PB: Editora UFPB, 2006.

MOREIRA, W. W. Educação física escolar: a busca da relevância. In: PICCOLO, V. L. N. (Org.) Educação física escolar: ser... ou não ter? Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.

NÓBREGA, T. P. Corporeidade e Educação Física: do corpo-objeto ao corpo-sujeito. Natal: EDUFRN, 2005.

SANTIN, S. Educação física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento. Porto Alegre: Edições EST/ESEF-UFRGS, 1994.

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PARTY AT SCHOOL AND LEISURE AUTOPOIESISFESTA NA ESCOLA E A AUTOPOIESE DO LAZER

Lígia de Souza Santana PEREIRA1

João Maria da CRUZ2

Kátia Brandão CAVALCANTI3

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil2 Escola Agrícula de Jundiaí, Brasil

Email: [email protected] ; [email protected]

Abstract

This study shows the problem of school party and its relations with the perspective of leisureautopoiesis in the lives of students living in student housing. It has aimed to describe and interpretthe most meaningful leisure experiences in daily life of a student housing and the ludopoieticprocesses for the humanescent self-education. From the theoretical assumptions supporting thedevelopment of this research have highlighted: Education by Freire (1996); Embodiment byPierrakos (1990); Leisure by Dumazedier (1999); Party by Duvignaud (1983), Playful by Schiller(2002), Autopoiesis by Maturana and Varela (2001), belonging to each day by Certeau (1994). Aqualitative study adopts the principles of existential action research, in an ethnofenomenologicalperspective. As a methodology, we use the metaphor of sowing covering the planting, flowering,harvest and new planting. The scenario was to sow the Escola Agrícola de Jundiaí - RN. Twenty-fivestudents residing in the school participated in research from 2007 to 2008, which involved more

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actively in the development of an extension project for the implementation of recreational andleisure experiences in that institution. The main instruments used for the construction of datacollection were: participant observation, questionnaire, interview, game sand and photographs. Theprocess of data analysis with the ethnofenomenological principles emphasized the following points:experientiality, indexicality, reflexivity, self-organizability, adoptability, archetypal andhumanescenciality. New meanings of ludopoietic flowering of seed "party school" were revealed,and you can see the emergence of autopoietic leisure as a big green tree, able to sprout in soilproperly fertilized to produce wonderful fruit of joie de vivre.

Key-words: Education; Embodiment; Party School; Autopoiesis of Leisure.

Resumo

Este estudo apresenta a problemática da festa na escola e as suas relações com a perspectiva daautopoiese do lazer na vida de estudantes que residem em moradia estudantil. Teve como objetivodescrever e interpretar as vivências de lazer mais significativas no cotidiano de uma moradiaestudantil e os processos ludopoiéticos para a autoformação humanescente. Dos pressupostosteóricos que subsidiaram o desenvolvimento desta pesquisa, destacamos: Educação com Freire(1996); Corporeidade com Pierrakos (1990); Lazer com Dumazedier (1999); Festa com Duvignaud(1983); Lúdico com Schiller (2002); Autopoiese com Maturana e Varela (2001); Cotidiano comCerteau (1994). Como recurso metodológico, utilizamos a Metáfora do Semear que abrange oplantio, o florescer, a colheita e a nova semeadura. O cenário do semear foi a Escola Agrícola deJundiaí - RN. Participaram da investigação 25 estudantes residentes na escola nos anos de 2007 a2008, que se envolveram mais ativamente no desenvolvimento de um projeto de extensão paraimplantação de vivências lúdicas e de lazer na referida instituição. Os principais instrumentosutilizados para a construção dos dados foram: observação participante, questionário, entrevista, ojogo de areia e o registro fotográfico. O processo de análise dos dados com os princípiosetnofenomenológicos destacou os seguintes aspectos: experiencialidade, indicialidade,reflexividade, auto-organizabilidade, filiabilidade, arquetipalidade e humanescencialidade. Novossentidos e significados da florescência ludopoiética da semente “festa na escola” foram revelados,sendo possível constatar a emergência do lazer autopoiético como uma grande árvore frondosa,capaz de brotar em solos adequadamente fertilizados para produzir frutos maravilhosos da alegriade viver.

Palavras-chave: Educação, Corporeidade; Festa na Escola; Autopoiese do Lazer.

1. Introdução

O processo educacional tem sido discutido de forma complexa no cenário mundial, isso porque ao longodos anos percebeu-se a necessidade de ampliá-lo e modificá-lo, não mais restringindo-o a transmissão deconteúdo, a fragmentação dos saberes e obrigatoriedade de deveres. Atualmente, as novas diretrizeseducacionais recomendam que se articule a construção do conhecimento com a vida, congregando osaspectos que envolvem a saúde, atividades físicas e o lazer de maneira significativa e prazerosa (Freire,1996).

Sendo assim, no sentido de criar um espaço no qual se possa desenvolver a educação, a alegria e osprocessos de autocriação, o ambiente escolar pode se apresentar como um lugar propício para que essarealidade seja construída, mesmo que esses dois últimos aspectos sejam pouco vivenciados de maneirasignificativa.

Sabe-se que a escola se reserva a transmissão de conteúdos e momentos lúdicos de maneira pontual; emoutras palavras, quando existem, os momentos de alegria, de livre escolha de atividades lúdicas e deautocriação ficam restritos a algumas datas comemorativas e a festejos escolares (Batista & Martins, 2008).Além disso, grande parte das instituições escolares e não escolares continua não concebendo o lazer comodireito do homem e fundamento de sua própria existência, observando-se, então, que passa a ser umamanifestação desvinculada da vida escolar.

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Apesar disso, entendemos que a atividade lúdica não pode permanecer fazendo parte apenas do mundoinfantil, pois ela apresenta-se como um importante fenômeno que acontece também na vida do adulto,como entende Schiller (2002): “o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra, esomente é homem pleno quando joga” (p. 80). Assim, concebemos que esse ser só se torna completoquando brinca. Essa ideia de brincar, jogar, faz parte de uma compreensão de totalidade do ser humano,seja adulto ou criança, que envolve a alegria nas atividades que realiza.

Destaca-se no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Brasil, 2000), no artigo 4º, que assegura àcriança e ao jovem o direito ao lazer, assim como à educação, ao esporte e à saúde, no mesmo patamar deabsoluta prioridade, dentro e fora do espaço escolar.

Diante disso, é necessário que nos inquietemos com o destino que se tem dado à prática do lazer nocotidiano das pessoas, pois deve ser considerado fundamental na vida do ser humano, assim como criarespaços para o desenvolvimento da criatividade e da sensibilidade, não só no âmbito escolar, mas nasociedade e na vida do indivíduo de uma forma geral. É preciso despertar para a relação existente entre olazer, a autoformação e a alegria de viver, compreendendo o lazer criativo, autopoiético.

Sobre o lazer, o sociólogo Parker (1978) defende que sua experiência é alicerçada por valores, significadosindividuais e sentidos sociais, ocorrendo de três maneiras as relações entre ele e a educação: educaçãopara o lazer, educação como lazer e educação permanente.

O autor defende que a preparação para o lazer deve ser iniciada nas escolas, considerando, principalmente,a composição dos objetivos da educação e a influência do tipo de ensino que é dado e que interfere naforma de melhor aproveitar o lazer. Ele argumenta e nós concordamos com ele, que parte da educaçãopara o lazer seja estimulada no sentido de se instigar nas crianças, nos adolescentes e nos adultos ideiassobre como escolher as maneiras valorosas de lazer. Portanto, atividades culturais como teatro, arte,música e outras manifestações devem ser estimuladas, “em razão do valor que têm como matérias deensino, sem levar em conta o modo como as pessoas as utilizam ou o que possam realmente desejar”(Parker, 1978, p. 113).

Nos anos oitenta, em pesquisa realizada na Europa pelo sociólogo Joffre Dumazedier (1999), sobre o nívelde satisfação dos adolescentes em atividades cotidianas escolares e extra-escolares, foi revelado que é notempo extra-escolar que os jovens, em sua imensa maioria (90,4%), se declaram felizes.

As ideias do sociólogo Joffre Dumazedier são fundamentais, pois enfatizam como é imprescindível às vidasdas pessoas em geral, o lazer como um direito a ser desfrutado, e não como uma atividade que venhacompensar um dia de estudo, de trabalho ou de todo um tempo de atividade profissional.

Mediante esse contexto, à convivência diária e o conhecimento mais aprofundado das situaçõesvivenciadas no cotidiano dos estudantes que residem em moradia estudantil, me senti motivada a dar aosmesmos uma atenção diferenciada daquela normalmente cultivada nas escolas, afinal eles são jovens que,afastados da família, assumem uma intensa jornada de aulas práticas e teóricas no currículo integrado,enfrentam conflitos pessoais e de relacionamento.

Destarte, compreendi a necessidade de desenvolver, não só nas aulas de Educação Física, mas também emoutros momentos do cotidiano desses adolescentes, vivências lúdicas e criativas que lhes possibilitassemuma educação para o lazer.

A partir dessa problemática, procurei responder por meio desta investigação a seguinte pergunta: qual osignificado das vivências do lazer para estudantes-residentes, no cotidiano de uma moradia estudantil para

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a autoformação ludopoiética? Delimitando como objetivo geral da pesquisa: descrever e interpretar asvivências de lazer mais significativas no cotidiano de uma moradia estudantil, assim como os respectivosprocessos ludopoiéticos, buscando estabelecer relações com a autopoiese do lazer fora do ambienteinstitucional.

Esse questionamento norteou o presente estudo na busca de respostas que venham contribuir para umaformação do estudante residente para que ele mesmo possa criar seu lazer na vida cotidiana de umamoradia estudantil e no seu tempo livre de final de semana ou período de férias fora do ambienteinstitucional. Emerge aqui o que metaforicamente chamo de campos do lazer, um processo de cultivo emanejo de solos e sementes que buscam a florescência.

1.1 A Semente da Festa

A palavra “festa” traz do latim o significado de dia santificado, de descanso, de regozijo, de comemoração,solenidade religiosa ou civil, festejo, romaria, festividade, espetáculo, divertimento. É a expressão daludicidade diante da capacidade que têm todos os grupos humanos de se libertarem de si mesmos,rompendo com o cotidiano e de enfrentarem uma diferença radical no encontro com o universo sem leisnem forma que é a natureza em sua inocente simplicidade (Duvignaud, 1983).

Nas diferentes culturas e religiões, a festa apresenta em sua essência um caráter religioso. Para Da Mata(1990), os ritos religiosos como “festas de Igreja ou festa de santo”, comumente se iniciam com uma missa,em seguida há a procissão e terminam com uma festa no pátio da Igreja, onde é depositada a imagem dosanto homenageado.

Sobre a influência das festas na vida humana Da Matta (1990) esclarece, “(...) a vida ritual de uma dadasociedade não precisa ser necessariamente coerente ou funcional, podendo conter elementos competitivosou concorrentes, expressivos de modos diversos de perceber, interpretar e atualizar a estrutura social”(p.55).

Importante destacar que a festa é inventada, planejada e esperada no chamado tempo extra-ordinário. Oextra-ordinário tem uma funcionalidade: serve como elemento para construção da memória da sociedade,possibilitando ao indivíduo criar e recriar sua identidade social e suas tradições.

Nos estudos sobre as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Weber (2002) destaca que “na festa o serhumano transcende a fadiga e a monotonia de sua vida e se abre à transcendência, ‘ao outro’ e ao ‘divino’”(p.143). Essa transcendência se traduz na capacidade singular do homem de se expressar diante de um Sersupremo e na realização de rituais e ações simbólicas que brotam da força humana interior. Assim, o autordefende a realização de festa:

Outra visão de festa é apresentada em uma pesquisa intitulada As festas em âmbito escolar como lugar desensibilidades e subjetividade, que ressalta o entendimento das festas como representação, sobretudopelas imagens visuais que permitem ver o mundo com a força da imaginação. A partir da dimensão dasensibilidade imanente e transcendente, que as festas carregam, pode-se recuperar uma história da culturaescolar, enfatizando-se a importância de se ressaltarem os desafios de lidar com sensibilidades, sobretudoas do passado (Gaeta, 2008).

Compreendendo-se a festa como um fenômeno cultural presente na história da humanidade, percebe-seque esta traz, em suas diferentes manifestações, rituais que marcam a vida das pessoas com lembranças erecordações, desestrutura o tempo individual e o coletivo, provoca mudanças no estilo e no ritmo de vida,ativa o imaginário e as emoções de maneira singular em cada sujeito.

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A festa pode, ainda, ser entendida como fenômeno que perpassa todas as culturas em sentidos diversos,daí se justifica a dificuldade de conceituá-la. Nos seus estudos Perez (2002) questiona por que não seconsegue constituir uma teoria de festa? Para esta autora, torna-se difícil conceituar festa porque, narealização dela, não existe apenas uma, e sim várias festas, pois cada pessoa participa a sua maneira,apresentando-se o grupo de maneiras diversas, assumindo diferentes papéis.

Pensamos que essa dificuldade de conceituação se deva à representação subjetiva da festa na vida de cadapessoa, pois, de acordo com as experiencialidades vivenciadas por cada um nas distintas fases da festacomo preparação, realização e repercussão, esta pode fazer aflorar diferentes emoções e sentimentos.

Duvignaud (1983) visualiza a festa como uma ruptura com o cotidiano, uma transgressão às regras sociais,remetendo a valores de oposição entre trabalho, obrigação e ludicidade. Neste estudo, a festa apresenta-sea partir dessa mesma abordagem, porém numa dimensão mais ampla, em que o lúdico e o trabalho comouma ação produtiva, não são entendidos como ações contrárias, mas numa dimensão decomplementaridade. Assim, podemos falar como Freinet (1998) em trabalho-jogo e em jogo-trabalho.

A festa é entendida como momento de mudança de ritmo de vida, momento em que quebra regrasestabelecidas, que estimula a participação individual e a coletiva, que mexe com sentimentos e emoções,que aguça a curiosidade, que fortalece as relações, que ressignifica a corporeidade dos adolescentes,configurando um campo para semear a alegria.

Na festa, ocorre a formação de grupos, a revelação de talentos, a criação de gírias, e o lançamento demodas apresentam-se novos visuais e “tipos”, como denomina Ghiraldelli Jr. (2007). Os adolescenteslibertam-se dos tradicionais uniformes usados diariamente na sala de aula e apresentam-se com um novoestilo estético e corporal.

Envolvidos nesse movimento de reiventar-se e fazer-se, os adolescentes ao vivencirem as festas movem-seem meio aos princípios etnofenomenológicos que viabilizam a corporalização da ludopoiese.

1.2 Princípios da florescência ludopoiética

O primeiro princípio denomina-se de Experiencialidade. Diz respeito as ações vivenciadas na vida cotidianadas pessoas a partir das interações sociais praticadas no dia-a-dia dos indivíduos. No sentido geral esseprincípio aborda as atividades práticas desenvolvidas cotidianamente pelas pessoas nas diferentesinterações e contextos sociais.

Ele envolve as atividades práticas, as circunstâncias concretas que dinamizam os nossos dias, como o ato decomunicar-se, tomar decisões, raciocinar. Para Coulon (1995), “as atividades práticas dos membros, emsuas atividades concretas, revelam as regras e os modos de proceder” (p.32), estando envolvidas com aforma que o ser humano se coloca diante das situações cotidianas.

Um outro princípio a indicialidade, demostrada por Coulon (1995) como um dos conceitos-chave daetnometodologia, preocupa-se com a comunicação entre as pessoas na vida social, uma vez que a esta éconstruída através da linguagem. Nesse sentido, ela revela de forma espontânea a maneira de secomunicar, pensar e organizar-se da sociedade, trabalhando com a subjetividade e a singularidade dacomunicação.

De acordo com Coulon (1995), indicialidade é um termo técnico, que foi adaptado da linguística. Para ele,esse princípio repercute a especificidade da palavra, que embora tenha uma significação trans-situacional,tem um significado distinto de acordo com o contexto no qual é empregada.

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O terceiro princípio da teia etnofenomenológica diz respeito às práticas que ao mesmo tempo descrevem econstituem o quadro social. A reflexividade envolve o florescer da consciência, ou seja, o sujeito nãoapenas desenvolve ações, mas, sobretudo, torna-se capaz de descrever e compreender as repercussõesdestas.

O quarto princípio, auto-organizabilidade, revela a capacidade do indivíduo em se autoproduzir e criarnovas respostas, levando em consideração suas estruturas internas, um sistema que é favorável a suarecriação. Em nossa pesquisa, o emprego desse princípio permite que visualizemos a capacidade dos jovensauto-organizarem seu próprio lazer.

A noção de membro, tratada no quinto princípio da etnometodologia significa para Coulon (1995) “filiar-sea um grupo, a uma instituição, o que exige o progressivo domínio da linguagem constitucional comum”(p.48), ou a Filiabilidade (Cavalcanti, 2010) que traz um significado de pertencimento a um determinadogrupo social. No caso especial do estudo em pauta, trata-se da obediência necessária na convivência diáriados estudantes residentes na moradia estudantil. Assim, a filiabilidade é compreendida como a inclusão ouinserção social agregando valores ao grupo social ou a instituição a qual o membro faz parte

Outro princípio, a Arquetipalidade é tratada no campo teórico e de pesquisa sendo desenvolvida pelaBACOR/UFRN, que aliada aos outros princípios da etnofenomenologia possibilita evidenciar o estudo dasvivências ludopoiéticas por meio de símbolos e imagens do lazer no cotidiano de indivíduos, em umdeterminado contexto vivido, neste caso, no contexto vivencial de estudantes residentes em moradiaestudantil.

Salienta-se que este princípio pauta-se na Teoria dos Arquétipos defendida por Jung (1964), e se respaldanos estudos do psicólogo Hilmann (1981). Jung procurou estabelecer uma relação do homem com seuinconsciente e a comunicação por meio de símbolos que ele denominou de arquétipo. Esta teoria traz umasignificativa contribuição para o autoconhecimento do indivíduo fundamental na vida contemporânea daspessoas.

O último princípio defendido e observado no nosso estudo é a Humanescencialidade. Este princípio quevem sendo desenvolvido na Base de pesquisa Corporeidade e Educação da UFRN se fundamenta noflorescer do ser humano em um contínuo processo interno, que vai se revelando ao mundo por meio dasinterações, consigo mesmo, com o outro e com o cosmo, de maneira própria e particular (Cavalcanti, 2010).Essa manifestação de sentimentos e atitudes se mostra de acordo com a organização autopoiética do Ser.

Destaca-se que além de serem vivenciados na experienciação do lazer, esses princípios tornaram-se aolongo do processo categorias de análise, com as quais pudemos apreciar e revelar as repercussões davivencia da festa no processo formativo dos estudantes residentes.

2. O percurso metodológico

O processo de sistematização do estudo se iniciou com a escolha do lócus da pesquisa, tendo sidoselecionada a Escola Agrícola de Jundiaí - EAJ. Para isso, duas razões foram fundamentais na suadelimitação: primeiro, o fato de a escola ser a única instituição pública do Rio Grande do Norte (RN) queoferece o ensino técnico agrícola, com moradia estudantil em regime de internato, para estudantesoriundos de diferentes localidades do interior do estado; segundo, a implicação pessoal e profissional dapesquisadora com o contexto, uma vez que atua como professora dessa instituição de ensino, fato que veiofacilitar o acesso aos dados e ao contexto do estudo.

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No que diz respeito a escolha da abordagem de pesquisa, trata-se de um estudo de natureza qualitativaque se caracteriza como descritiva e intervencionista do tipo pesquisa-ação (Gil, 1999; Thiolent, 1997;Barbier 2002). No processo de indagação e de descoberta da realidade, a reflexão, a subjetividade, aflexibilidade, a interação e a interpretação mediaram a relação entre o pesquisador e o objeto de estudo.

Adota-se ainda a etnofenomenologia como uma abordagem metodológica singular e inovadora que, dentrode uma dimensão transdisciplinar e transversal integra os princípios utilizados na pesquisa – princípioetnofenomenológico da experiencialidade, indicialidade, reflexividade, autoorganizalidade, fiabilidade,arquetipalidade e humanescencialidade.

Salienta-se que na organização e estruturação desses princípios, que estando reunidos fundamentam a TeiaEtnofenomenológica (Cavalcanti, 2010), foram utilizados os estudos de Schutz (1979), Hillmann (1981),Coulon (1995), entre outros.

Sobre o campo de pesquisa, no qual o estudo foi realizado, pode-se afirmar que o mesmo é reconhecidopor sua beleza e produtividade. Este se constitui em uma escola agrícola, situada em uma extensa área,delineada pelo verde da mata, que possuindo uma proposta formativa técnica foi denominada inicialmentede Colégio Agrícola de Jundiaí (D’Oliveira, 1999).

Ao longo de 65 anos de existência, a escola vem atendendo a uma parcela da comunidade estudantil,preferencialmente estudantes do curso técnico em Agropecuária, e atualmente também dos cursostécnicos em Agroindústria, Aquicultura e Informática, oferecendo regime de internato23.

Sobre os participantes, estes englobam a população de estudantes residentes da EAJ. São cidadãosadvindos de diferentes municípios do estado do Rio Grande do Norte, que, após um processo de seleção,passam a viver o cotidiano da moradia estudantil.

Quanto à faixa etária, os adolescentes têm entre 13 e 23 anos de idade. De acordo com a classificação doCenso do IBGE (2004), em sua maioria esses sujeitos são considerados de classe médio-baixa queapresentam vocabulário simples e percebem a escola como o lugar que lhes pode garantir um futurodiferente daquele que seus pais tiveram.

Dentre uma população de aproximadamente 650 alunos, trabalhamos de maneira mais próxima com 25estudantes. Estes jovens que participaram da pesquisa ingressaram na escola, no início dos anos letivos de2006 e 2007, estando matriculados, na modalidade concomitante ou subsequente, em Agropecuária eensino médio ou apenas no curso técnico em Agropecuária, desenvolvido nos dois turnos diurnos.

Sobre os instrumentos de coleta de dados usados estão: a observação participante, diário vivencial,fotografias, questionário, o jogo de areia e as próprias vivências do lazer. A observação participante (OP) foiadotada em todos os momentos, mas principalmente durante as vivências de lazer. As observações feitasforam sendo registradas por meio de escritos em diário vivencial da pesquisadora e de fotografias.

Na fase inicial, optou-se pela utilização de um questionário misto, estruturado com questões abertas,fechadas e de múltiplas escolhas, aplicado com os estudantes residentes, durante o primeiro trimestre doano de 2007. Essa opção deu-se pelo fato de poder se atingir, em pouco tempo, um maior número departicipantes, o que ampliou, significativamente, o conhecimento sobre o pensamento e as necessidadesdo grupo em relação às atividades desenvolvidas no cotidiano da moradia estudantil bem como os hábitosde lazer na vida dos residentes fora da escola.

23 Entende-se por internato: escola onde os alunos têm alimentação e residência. (Enciclopédia e dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Seifer, 1999).

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Explorados os dados obtidos iniciou-se o levantamento e a análise das respostas obtidas e, a partir delas,foi elaborado um projeto de extensão, que teve como objetivo central ampliar o repertório das vivências delazer dos estudantes residentes em seu cotidiano, durante o período de permanência na moradiaestudantil.

Por fim, um outro instrumento foi utilizado: o jogo de areia. Esse jogo consiste na utilização de uma caixaretangular, medindo aproximadamente 57x 72 cm de área e 7 cm de profundidade, preenchida com areia,e uma ampla e diversificada coleção de miniaturas, representativas de todo o universo (animais, plantas,pessoas, moradias, meios de transportes). O participante do jogo é convidado a construir um cenário com ouso das miniaturas de sua preferência (Ammann, 2002).

Na caixa de areia, o participante tem a oportunidade de expressar seus sentimentos, sua criatividade, seuimaginário e também sua realidade. A escolha dessa técnica, como recurso metodológico para a produçãode dados ofereceu uma rica oportunidade de os sujeitos reviverem e revelarem fragmentos ou narrativasde suas histórias de vida, resgatando, de maneira lúdica e prazerosa, os momentos mais significativos jávivenciados em sua fase escolar, em especial durante o período de permanência em moradia estudantil.

Por fim, experienciamos as vivências de lazer e estas foram as que melhor responderam as indagações dapesquisa. Elas foram realizadas no período de dois anos, 2007 e 2008, na sua maioria, planejadas emcomum acordo entre os participantes deste estudo e a pesquisadora e, definidas de acordo com osinteresses culturais específicos do lazer, apontados por Dumazedier (1975).

Desta maneira, foram selecionadas oito sementes e lançadas nos canteiros do lazer que possibilitaramexperiencialidades no cotidiano dos estudantes durante sua permanência na moradia estudantil na escolaagrícola – cinema, arte-cultura, culinária, ecoturismo, jogos esportivos, jogos de salão, lazer virtual, festaludopoiética, sendo esta última a que ganhou destaque na pesquisa em virtude de suas repercussões navida dos estudantes.

Neste artigo, vamos nos limitar a tratar especificamente sobre a semente da festa ludopoiética. Estasemente foi lançada uma vez por mês, sendo cuidadosamente planejada e tematizada por um grupo deestudantes residentes, os quais na sua maioria encontravam-se próximo a conclusão do curso.

As festas seguiam um ritual de acordo com as pessoas que a organizavam. Cada grupo organizador, emconcordância com a coordenadora do projeto de lazer, planejava todos os passos a serem cumpridos,desde a escolha do local, da temática e decoração do ambiente da festa - açude, piscina, quadra - até aelaboração do cardápio e valor das porções a serem vendidas.

Foram organizadas dez festas temáticas envolvendo estudantes que residem na escola, os que nãoresidem, assim como professores, funcionários e pessoas da comunidade circunvizinha.

3. Discussão dos resultados e considerações finais

Muitas foram as sementes lançadas nos campos do lazer na Escola Agrícola de Jundiaí. No entanto, apesarda fartura visualizada no processo da colheita, foi com a semente da festa que pudemos vivenciar commaior intensidade e beleza a florescência ludopoiética do lazer. Acredita-se que isso tenha ocorrido porqueas festas já faziam parte dos sonhos dessas pessoas, quando eram vivenciadas junto aos familiares ou aosamigos, como uma prática de interação/integração, descontração e celebração.

Em nosso campo investigativo, a festa foi abordada a partir dos valores culturais do lazer, despertados nosestudantes residentes no sentido de vivenciarem momentos sociais lúdicos, livres de tensões Dumazedier

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(1999). Como afirma Barros (2002), “a festa é uma espécie de parada na vida cotidiana, como um momentocontemplativo no meio da ação diária” (p.67).

A festa emergiu como uma vivência do lazer ludopoiético. Salienta-se que durante o seu processo deconsolidação, a festa passou por transformações e evolução em suas diferentes fases: na preparação, nacelebração e na repercussão.

Nesse interim de experienciação e evolução da festa, os estudantes se comprometeram com o cenárioescolar, implicaram-se nas atividades propostas, zelaram pelos afetos e entregaram-se às vivências,consolidando o sentimento de pertencimento à escola. Além deles, professores e funcionários também semobilizaram, sendo que cada segmento contribuiu de uma maneira específica, de acordo com as atividadesque desempenhava na instituição.

Pela participação dos sujeitos inferimos que a festa oportuniza o reconhecimento das pessoas, pois namedida em que os sujeitos entregavam-se à atividade, demonstravam suas habilidades, refletindo umpouco de sua essência, de sua forma de ser e de colocar-se no mundo.

Dentre essas festas, que proporcionaram transformação espacial e humana, destacaram-se os luais,realizados, mensalmente, a partir da criação de temas. Estes entrelaçavam fortemente os fios dacorporeidade: criatividade, ludicidade, sensibilidade, reflexividade autobiográfica, reflexividade vivencial,humanescência (Cavalcanti, 2008), que no estudo apresentam-se como aspectos integradores do ser, quepossibilitam o viver de forma integrada, reflexiva, autoprodutiva e feliz.

A ideia de desenvolver a Festa do Lual partiu do desejo dos próprios residentes, que sentiam necessidadede vivenciar algo diferente, momentos que os fizessem reviver um pouco suas tradições e lhesoportunizassem o encontro consigo mesmo, com o outro e com o ambiente. Sobre este desejo, Solo G.L.F.(2008) destaca que “as festas dos luais feitas aqui na escola são muito interessantes”. Interessantes porfugirem da rotina, movimentarem o imaginário e reacenderem o prazer, propiciando o exercício dacriatividade dos residentes.

Tais vivências instigavam o potencial criativo dos residentes em diferentes momentos. Nesse contexto, acriatividade apresentava-se como um processo de autorrealização pessoal, constituindo-se um fim em simesmo, à medida que contribuía para o desenvolvimento de habilidades sociais e afetivas nos residentes,estimulando-os na participação e no envolvimento, de maneira significativa para a sua existência.

Em nossa realidade escolar, a festa que homenageia a lua cheia tornou-se uma mediadora das relações, amotivação necessária para a criação e a expressão daqueles que há muito tempo não vivenciavammomentos com tanta liberdade e plenitude.

Para escolher o tema de cada festa, os residentes se organizavam em pequenos grupos, propiciando aampliação da cultura daquela comunidade e motivando a participação dos demais alunos. As festasaconteceram em dez meses, estendendo-se de 2007 até o final das atividades letivas de 2008, cominterrupção nos períodos de férias escolares.

O espaço do açude, existente no interior da escola, foi palco de cinco festas tematizadas, pois, apesar deser uma área mais distante dos alojamentos e do espaço de circulação diária de todos, tinha uma magiaque aproximava mais as pessoas, tornando-se um cenário propício ao deleite da festa.

As sensações e emoções expressas pelos participantes nas festas iam alimentando o processo de formaçãodo pensamento reflexivo dos estudantes, passando a fazer parte de suas histórias de vida, como foi

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revelado na seguinte fala: “Nas festas eu vi que nossa turma tem uma forte ligação entre uns e outros eque a distância que irá nos afastar ano que vem não acabará com nosso sentimento” (Solo A.C.M., 2008).

As festas são momentos marcados pelo fio da ludicidade que se fortalece a cada trama que se forma,entrelaçando-se com o fio da reflexividade histórica e vivencial na vida dos residentes. Ainda no açude daescola, foi celebrada a festa denominada “Lual Acústico”, realizada antes do recesso escolar do meio doano. Essa festa apresentou uma beleza singular por envolver a cultura popular, com brincadeirastradicionais, como o pombo-correio, caracterizada pela troca de bilhetes entre as pessoas da festa.

A festa do lual organizado pela minha turma foi o lual acústico e essa casinha representa o “cantinhodo amor”. Nele o casal fica mais próximo para se conhecer melhor! O pessoal chegando, todo mundomuito animado, e por fim, o pessoal da organização comemorando o sucesso que foi a festa (SoloG.C.R., 2008).

Pode-se perceber, nessa declaração, o prazer do estudante em ter proporcionado momentos tão alegres aoutras pessoas, especialmente por isso ter exigido dele e dos colegas bastante dedicação na preparação doambiente, visando possibilitar momentos de fruição e maior aproximação entre os residentes.

Para os organizadores da festa, o trabalho de preparação da festa propiciou momentos de fluição. Comoargumenta Csikszentmihalyi (1999), é possível a pessoa atingir o fluxo quando experimenta desafios,mesmo que em situação de trabalho, pois podem se sentir ativa, criativa, concentrada e motivada.

Em decorrência do período chuvoso no Nordeste brasileiro, a partir do mês de junho, a realização dasfestas no açude ficou comprometida, necessitando-se lançar mão de outros espaços cobertos da escola,como a quadra poliesportiva, o grêmio escolar e salas de aulas para a florescência das festas.

Em uma semana que antecedeu uma noite de lua cheia, e em meio às atribuições escolares um grupo deestudantes de diferentes turmas organizou na quadra da escola, mais uma festa, denominada “LualCasual”, título que se justifica pela maneira improvisada e bem descontraída como essa festa foi realizada.

Além dela os estudantes concluintes do curso em Agropecuária, 2008.2, programaram um baile demáscaras no mês de outubro que foi intitulado “Festa do Halloween”. Essa festa aconteceu no espaço doGrêmio Escolar Rivaldo D’Oliveira, de acordo com um planejamento cuidadoso, organizado com bastanteantecedência.

Para os estudantes que participaram como organizadores ou mesmo como integrantes, essa festa teve umsignificado especial, pois eles tiveram que quebrar sua rotina resolvendo situações complexas durante asetapas de preparação da festa, o que foi traduzido pelos estudantes como momentos gratificantes detrabalho.

Ao construir um cenário no jogo de areia, após o final do semestre letivo e /ou após várias festas, um dosparticipantes, que foi um dos organizadores do Halloween, assim descreveu:

(...) Em relação a esses momentos, significa para mim, sair totalmente da nossa rotina diária, quegeralmente é estudar nos horários matutino e vespertino e à noite revisar os assuntos e estudar paraas diferentes provas. Dessa forma, a festa na escola significa um momento de lazer e diversão, assimcomo também o trabalho (...) (Solo P.M.M., 2008).

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Percebe-se que as festas na moradia estudantil passaram a fazer parte da programação cultural mensal,deixando de serem entendidas como algo distante da realidade escolar. Apesar de continuarem sendoações extraordinárias ou uma quebra da rotina diária (Duvignaud, 1983), terminaram sendo compreendidascomo um espaço cultural conquistado, pois nela os estudantes sentiam-se felizes e mais próximos um dosoutros, diminuindo a solidão e fortalecendo os laços de afetividade entre todos.

Como destacado por Durkheim (1996), toda festa tem seu lado lúdico que corresponde à funçãoexpressiva, recreativa e estética. Para o autor, a festa como reunião de pessoas que gera exaltação é aquelemomento no qual as “energias passionais” da coletividade estão numa “exaltação geral” e as interaçõessociais ocorridas tornam-se mais frequentes e ativas.

Enfim, ao vivenciar a ludopoiese por meio das vivências do lazer, especialmente as festas, os participantesda pesquisa revelam a expansão da sua humanescência, irradiando sua luminosidade. Dessa forma, noprocesso autoformativo, foi possível não apenas contemplar, apreciar, organizar, mas, sobretudo,experienciar, refletir de forma consciente, auto-organizar-se, sentir-se pertencente na vida e por fimhumanescer. Ao vivenciá-las pode-se, construir um novo modo de agir, agora mais pleno, prazeroso esignificativo.

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BEAUTE ET POUVOIR DANS LA GYMNASTIQUE RYTHMIQUE:REFLEXIONS POUR L'ÉDUCATION PHYSIQUEBELEZA E PODER NA GINASTICA RITMICA:

REFLEXÕES PARA A EDUCAÇÃO FISICA

Loreta Melo Bezerra CAVALCANTI

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email: [email protected]

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Résumé

La beauté dans la Gymnastique Rythmique (GR) s’est esquissée comme condition de son existence.Pour son analyse, nous avons eu recourt au discours sur le pouvoir de Foucault (1987, 1979) et à sarelation avec la production de savoirs. Nous avons réfléchi sur les relations de pouvoir dans la GR quise sont établies grâce à la réglementation de sa pratique, dans lequel le Code de Pointage a un rôleprépondérant. La GR a construit sa beauté à travers les temps au moyen de jeux de force où lagestualité de corps performatiques, à travers la discipline, a été prépondérant. Cette dernière aconfiguré des sens attelés à la coercition-résistence des corps: la production de discours. C’est enpensant à une beauté comme ume trame de discours construits par ces relations de pouvoir-savoirdes investissements du corps dans la Gymanstique Rythmique que nous nous posons les questions :Comment le Code de Pointage réglemente la gymanstique rythmique et sportive au sujet de laconstruction de la beauté ? Quelle est la relation entre les pouvoirs et les savoirs impliqués danscette réglementation ? Objectifs : rechercher la beauté dans la Gymnastique Rythmique commesavoir produit à partir des relations du pouvoir circonscrites dans les règles de la modalité et dediscuter la beauté à partir de la relation pouvoir/savoir comme réflexion pour le milieu del’éducation physique. Nous avons ainsi constaté que la beauté de la Gymnastique Rythmiquecontemporaine est entourée par sa réglementation, mais a été et continue à être dessinée par desmécanismes de pouvoir-savoir tout au long de sa trajectoire historique. Malgré l’existence deconditions pour la beauté dans le Code de Pointage de la GR, il existe la possibilité de la création dupropre style par la gymnaste, par la possibilité de vivre l’improvisé et l’imprévu, de sensibiliser lepublic, parce que le pouvoir crée des savoirs et le corps, qui se dépasse, créera toujours de nouvellesformes d’être beau.

Mots-clés : la Gymnastique Rythmique ; la beauté ; le pouvoir ; l’Éducation Physique.

Resumo

A beleza na Ginástica Rítmica (GR) se esboçou como condição de sua existência. Para indagá-la,tomamos o discurso sobre poder de Foucault (1987, 1979) e sua relação com a produção de saberes.Refletimos sobre as relações de poder na GR que se mediaram pela regulamentação de sua prática,cujo Código de Pontuação teve papel preponderante. A GR construiu sua beleza através dos tempospor meio de jogos de forças em que preponderaram a gestualidade de corpos performáticos,através da disciplina. Esta configurou sentidos atrelados à coerção-resistência dos corpos: aprodução de discursos. Por isso, pensando a beleza como uma trama de discursos construídos poressas relações de poder-saber dos investimentos do corpo na Ginástica Rítmica questionamos:Como o Código de Pontuação regulamenta a Ginástica Rítmica para a construção da beleza? Qual arelação entre poderes e saberes implicados nessa regulamentação? Objetivos: Investigar a beleza naGinástica Rítmica como saber produzido a partir das relações de poder circunscritas nas regras damodalidade; e, Discutir a beleza a partir da relação poder/saber como reflexão para o âmbito daEducação Física. Constatamos assim, que a beleza da Ginástica Rítmica contemporânea é permeadapelas suas regulamentações, mas foi e continua sendo desenhada por mecanismos de poder-saberao longo de sua trajetória histórica. Mesmo o Código de Pontuação ditando condições para a belezana GR, esta se dá na possibilidade da criação do estilo próprio pela ginasta, na possibilidade de vivero improviso e o imprevisto, de sensibilizar o público – porque o poder cria saberes e o corpo comosuplantador, sempre criará novas formas de ser belo.

Palavras-chave: Ginástica Rítmica; beleza; poder; disciplina; Educação Física.

O presente texto configurou-se a partir de algumas reflexões desenvolvidas e apresentadas no curso demestrado pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,em Natal-RN-Brasil (Cavalcanti, 2008).

O referido trabalho analisou as relações de poder na Ginástica Rítmica (GR) que se mediaram pelaregulamentação de sua prática, cujo Código de Pontuação tem papel preponderante. Nesse sentido,considerou-se que a GR construiu sua beleza através dos tempos por meio de jogos de forças em que sedestacou a gestualidade de corpos performáticos.

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Como resultado dessa análise, obtivemos três reflexões: Poderes e Saberes, A Técnica e o Estilo e Beleza eEducação, as quais apresentaremos a seguir.

Reflexão 1: poderes e saberes

Transcender é ultrapassar a capacidade de conhecer, extrapolar a norma, exceder, ir além. Astranscendências alcançadas pelas ginastas instituíram novos conhecimentos sobre o corpo na GR.

A rede de relações que perpetua os conhecimentos do corpo não dimensiona um sistema desencadeantelinear entre saberes e poderes, mas sim um inacabamento caótico de arrolamentos passíveis de seremlidos – leitura multidimensional - por meio das escrituras do corpo e dos saberes produzidos por este. Umcaos ordenado, uma totalidade corporal capaz de expressar, transcender, mascarar, simular e maquiarsentidos que se revelam em saberes. Sentidos que se constroem e se reconstroem, pois aliam-seconstantemente a outros sentidos. Uns perduram, uns resistem, estes para (re) significar os queperduraram e para transcrever modestamente - não invisivelmente – suas pequenas, mas legíveis marcassempre consideradas nos textos da construção do conhecimento.

Os conhecimentos da ginástica configuram claramente as relações de poder focadas nos próprios corpos. Adenominação “corpos dóceis” de Foucault (1987) é adequada para expressar essa condição do corpo daginasta. Conforme tal autor, durante a época clássica, a partir da segunda metade do século XVIII, o corpofoi descoberto como alvo do poder, dos regulamentos, treinamentos e inúmeros tipos de amoldamentosexpressos pelos preceitos escolares, hospitalares, militares e outros procedimentos que cuidavam decontrolar e corrigir as operações corporais. Não seria a primeira vez que o corpo era alvo de investimentos,no entanto, em tal oportunidade, o corpo foi controlado por um poder invisível, detalhado, sem folga, nasminúcias, como uma máquina: exímia economia e máxima eficácia.

Nesse período do século XVIII houve uma inversão das técnicas de intervenção corporal, já que osinstrumentos ortopédicos externos, tais como espartilhos, tutores etc., submeteram-se à utilização dopróprio arcabouço muscular como instrumento da correção do corpo (Vigarello apud Fraga, 1999). É apartir dessa pedagogia que ocorre a estruturação da ginástica, racionalizando os movimentos ecompreendendo uma regulação moral dos mesmos em virtude de “benefícios e malefícios” ao organismo(Fraga, 1999).

A regulação, por sua vez, não era idêntica aos sexos. Para os meninos era preciso preservar a virilidade e oscorpos robustos. “Às meninas, o vigor necessário para superar os obstáculos impostos pela maternidade,mas sem perder o ‘encanto’ feminino: ser forte em sua ‘missão’, mas, ao mesmo tempo, graciosa em seusgestos” (Fraga, 1999, p. 215).

A atenção dispensada à educação física feminina não representava nenhum tipo de privilégio socialpara as mulheres daquele tempo; pelo contrário, esses cuidados se justificavam em razão dosalegados benefícios sanitários transmitidos à prole masculina. De certa forma, defender os exercícioscomo meio de fortalecer os corpos femininos significava muito mais um aprofundamento dasubordinação das mulheres a um modo masculino de se movimentar que qualquer tipo deemancipação social (Soares, 2003, p. 83).

A Ginástica Moderna, herdeira dessa forma de pensar o corpo e a mulher, nasceu no início do século vinte,envolvida tanto pelos alinhamentos corporais, quanto pelas particularidades da representação do sexo

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feminino na sociedade (Llobet, 1996). Talvez a GR seja ainda uma das maiores expressões caricaturadas darepresentação da mulher: o sexo belo, e isso é evidente nos regulamentos que se referem sempre a umaginasta, nunca a um ginasta, a GR prevalece até hoje como um esporte que não admite a prática masculina.

A beleza, segundo esses preceitos, torna-se imprescindível à educação da mulher, resultando de esforços,de uma pré-disposição a torturas (Soares, 2003).

Compreendemos o poder na ginástica, com fins de definição de conformações, inerentes ao“desenvolvimento” da própria manifestação, com isso, Foucault (1987) nos esclarece que as estruturas depoder balizaram toda a formação do conhecimento e que a disciplina, na medida em que aumenta as forçasdos corpos, em sua utilidade e economia, diminui em termos políticos de obediência. Esse brilhantepensamento nos faz avançar e refletir que as transformações do Código de Pontuação que desembocaramem sua versão atual alavancaram exercícios ginásticos muito mais complexos e milimetrados, iniciando umprocesso de laqueadura de técnicas que canalizaram as variantes criativas de movimento, o que força arecriação constante de movimentos e de formas de pensar os aspectos que definem a beleza da GR, comovisto no capítulo anterior. Desse modo, os corpos das ginastas revelam sentidos da estética da GR,incorporando através do código, mecanismos de poder que se propagaram nessa constituição através dostempos.

Pensar sempre em sujeitos como pólos excludentes constituintes da trama histórica torna-se um equívocoquando falamos da produção de discursos, é preciso, de acordo com Foucault (1997), livrar-nos destacrença, porque o sujeito seria constituído pela trama histórica. Ou seja, é preciso focar uma análisehistórica que possa, sem ter sempre de se referir a um sujeito, dar conta das constituições dos saberes, dosdiscursos e dos domínios de objeto, o que dimensiona o conceito de genealogia dado por este autor.

As práticas discursivas caracterizam-se pelo recorte de um campo de projetos, pela definição de umaperspectiva legítima para o sujeito de conhecimento, pela fixação de normas para a elaboração deconceitos e teorias, cada uma delas supõe, então, um jogo de prescrições que determinam exclusõese escolhas (Foucault, 1997a, p.11).

É preciso compreender o corpo como construção discursiva, que vem sendo vivido através deinvestimentos vários: tecnologias, meios de controle, produção e consumo, prazer e dor (Gallagher eLaquer apud Fraga, 2000). O corpo no esporte de rendimento, inclusive na GR, é produto dessasintervenções, que no nosso caso, dimensionam a compreensão de beleza que faz ganhar títulos.

Sendo um desporto que objetiva alcançar, dia a dia, a perfeição técnica, horas de treinamento sãoutilizadas para a formação de uma ginasta. E todos os esforços despendidos dentro de uma estruturade treinamento são dirigidos praticamente para um único fim: a vitória em competições, a formaçãode ginastas capazes de performances até então consideradas inatingíveis (Laffranchi, 2001, p.3).

A ginástica perpassou e perpassa discursos vários (médicos, pedagógicos, artísticos), e produz atravésdestes, os seus. O Treinamento Esportivo, ciência comum a todas as práticas competitivas, principalmenteolímpicas, se afina às particularidades da Ginástica Rítmica, que o toma como referência produzindo

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especialidades que procuram reduzir as possibilidades de imprevisão ocasionada pela técnica que é frutoda criação subjetiva. Dessa forma, o mesmo leque aberto que sucumbe a GR à arte filtra saberesnecessários e determina outros, direciona as imensas possibilidades artísticas à medição matemática dasperformances dos corpos, assim como percebemos na nossa análise das especificidades da GR e daconfiguração do gesto técnico.

Conforme o desenvolvimento da nossa análise, conjecturamos que os discursos dos corpos das ginastas sãopermeados por relações de poder. Essas relações de poder foram constituindo saberes do corpo através daginástica, da exaltação do corpo belo, que conduziram ao desejo do próprio corpo por uma cautelaobstinada, insistente e meticulosa (Foucault, 1979).

O poder, longe de impedir o saber, o produz. Se foi possível constituir um saber sobre o corpo, foiatravés de um conjunto de disciplinas militares e escolares. É a partir de um poder sobre o corpo quefoi possível um saber fisiológico, orgânico. O enraizamento do poder, as dificuldades que se enfrentapara se desprender dele vem de todos esses vínculos. É por isso que a noção de repressão, à qualgeralmente se reduzem os mecanismos do poder, me parece muito insuficiente, e talvez até perigosa(Foucault, 1979, p. 148-149).

Constatamos ainda que a resistência é uma condição essencial para que o poder possa existir e,principalmente para que, em contrapartida, haja a construção de conhecimento. Na GR, por exemplo, osmovimentos extremamente difíceis requeridos pelas mudanças do Código encontram resistências corporaispor parte das ginastas, resistências que por vezes são vencidas pelos corpos, e por vezes são resignificadas,instituindo novas formas de saber.

Vale ressaltar, tal como reflete Foucault (1979), que a resistência não resulta da repressão, pois o podernão é absolutamente repressivo, pois seria impossível aceitar somente a negação. O que faz com que opoder seja aceito é sua permissividade, sua produção de discursos, sua indução ao prazer. “Deve-seconsiderá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instâncianegativa que tem por função reprimir” (Foucault, 1979, p.8). Por isso que compreendemos o Código dePontuação da GR como um documento que não só reprime, mas que produz o corpo belo da ginasta,possibilita a construção de uma gestualidade bela.

Até se considerarmos a concretização mais contemporânea das relações de poder na Ginástica Rítmica, queé o esporte performance, existem muitas justificativas prazerosas que fazem com que adolescentesdestinem grande parte de suas vidas à prática dessa atividade. Não nos referimos necessariamente àascendência da vida profissional, mas a um aspecto maior que faz com que até um atleta amador se doecompletamente àquela causa: o esporte, o desafio. Sobre essa relação prazer-poder Foucault (1988, p. 48)reflete: “Prazer e poder não se anulam; não se voltam um contra o outro; seguem-se entrelaçam erelançam. Encadeia-se através de mecanismos complexos e positivos de excitação e incitação”.

A plasticidade do corpo o faz, em razão da resistência, produzir mais. Ao folhear o Código de Pontuação deGinástica Rítmica, encontramos inumeráveis transcendências das ginastas desde a versão publicada noBrasil em 1978 pela Confederação Brasileira de Desportos. A começar pelos níveis de dificuldades dosexercícios que na década de 70 recebiam duas graduações: nível médio e superior, e que atualmente têmdez graduações: dificuldades de A a J. Em vários pontos da trajetória de revisão do código este se tornouobsoleto pela produção do corpo através da adequação nele mesmo. É assim que as vias do poder brotam

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materializadas aos nossos olhos: o código constrói e reconstrói a ginasta e a ginasta constrói e reconstrói ocódigo.

Segundo Foucault (1997), o sistema de comunicação, registro, acumulação e deslocamento, que são formasde poder, são essenciais para a formação saberes. Nessa perspectiva, nenhum poder se pratica sem oacúmulo, apropriação e distribuição de um saber. Existindo dessa maneira formas do poder-saber. Dessaforma, compreendemos que da versão de 1978 à versão de 2005 – 2008 dos Códigos de Pontuação, muitosregistros, acumulações e formações de saberes foram compartilhados. Basta expor que o número depáginas na primeira versão não passava de 53 e que na última passa das 132 sem contar os anexos eerratas explicativas, documentos rotineiros que esclarecem o texto do código.

A constante superação das linhas escritas do Código de GR compõe sua trajetória estética de acordo com anecessidade de reafirmação desta prática. A vontade de saber surge de acordo com as necessidades deverdade de cada época (Foucault, 1971), e os discursos são originários dessa vontade. Vontade de reaverou romper, os discursos surgem de forma a contestar ou complementar o conhecimento preexistente.

Foucault (1971), no texto supracitado, “A ordem do discurso” supõe que a produção do discurso em todasociedade é construída por diversos procedimentos que têm o papel de amenizar perigos e poderes edisfarçar sua materialidade, refreando o acontecimento aleatório.

Os discursos são produzidos por mecanismos de controle, que fixam-lhe limites pelo jogo de umaidentidade que reatualiza permanentemente as regras (Foucault, 1971). Esses mecanismos, intitulados porFoucault (2003) como poder, estão imbricados a todo o processo de construção do conhecimento: dosdiscursos à verdade.

Produz-se verdade. Essas produções de verdades não podem ser dissociadas do poder e dosmecanismos de poder, ao mesmo tempo porque esses mecanismos de poder tornam possíveis,induzem essas produções de verdades, e porque essas produções de verdades têm, elas próprias,efeitos de poder que nos unem, nos atam” (Foucault, 2003), p. 229).

As concepções estéticas da GR foram sendo constituídas por diversos discursos ao longo dos tempos, dosquais, elegemos os que consideramos os mais emblemáticos no Código de Pontuação, considerado por nóscomo um dos mais influentes discursos do corpo da Ginástica Rítmica contemporânea, para explicitar asrelações poderes saberes existentes nesse contexto.

Reflexão 2: a técnica e o estilo

Compreendemos que a constituição da beleza na GR ocorreu através da superação dos corpos das ginastas,mas também pelas concepções de estudiosos, professores etc. que foram entalhando um mundo de ideiasaplicadas nesses corpos para conceber elementos dessa manifestação fadada à beleza. Ressalvando que asideias remanescentes permaneceram a partir de relações de poder-saber que as deram suporte.

Reconhecemos o legado das técnicas corporais, compreendidas por Mauss (2003) pelos usos do corpo dassociedades. A leitura dessas técnicas torna possível uma análise estética a partir da historicidade, pois sãoadequadas aos contextos das sociedades e as épocas em que se expressam. Portanto, enxergamos umarelação de análise permissiva pela via da historicidade que remete as técnicas, e pelas técnicas que evocama historicidade.

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Sendo assim, a leitura dos gestos, tidos como impreteríveis na história da humanidade (2003) nos coligam àessencialidade de se compreender a ginástica. Pois, os hábitos, movimentos e posições variam nãosomente com os indivíduos e imitações, mas com “as sociedades, as educações, as conveniências, asmodas, os prestígios” (Mauss, 2003, p. 404). Ler os gestos na ginástica, assim como o texto do código queos determinam, é mais que fazer análise de movimento ou da gramática textual, é compreender suaconstrução, sobretudo estética. Pois, “gestos aparentemente insignificantes, transmitidos de geração emgeração, e protegidos por sua insignificância mesma são testemunhos geralmente melhores que jazidasarqueológicas ou monumentos figurados” (Mauss, 2003, p. 15).

O termo técnica é compulsivamente utilizado no universo das práticas corporais, sobretudo dos esportesinstitucionalizados, pois engloba todos os movimentos, suas formas específicas e todo o processo deobtenção do gesto de uma determinada manifestação. Esses modos acabam por se universalizarem eaperfeiçoarem, conforme se dá a disseminação da prática.

Embora, segundo os argumentos de Mauss (2003), no mundo, sempre há contribuições originais de seempreender possibilidades e métodos de construção de técnicas corporais, compreendidos por nós comoos enriquecimentos dados pelas peculiaridades das culturas. A análise dos gestos poderia, então, ser umpatrimônio comum e acessível à humanidade.

A técnica, em Ginástica Rítmica, também recebe conceituação própria, agregada à realização domovimento ginástico com o máximo de economia e eficiência, e o mínimo de esforço, expressos pelovirtuosismo corporal na execução das séries (Laffranchi, 2001). Nas entrelinhas do texto do Código dePontuação esta compreensão se apresenta.

Para se alcançar a perfeição do gesto desportivo e o automatismo correto da execução dosmovimentos, a ginasta tem que passar por um caminho de infindáveis repetições durante suapreparação e suportar extenuantes e exigentes correções detalhadas de cada movimento”(Laffranchi, 2001, p. 85).

O conceito do termo técnica na GR, como visto anteriormente, ainda permeia-se pelos preceitospositivistas da disciplina pautados na utilidade e economia dos gestos, como nos mostrou Foucault (1979).

Compuseram a emancipação e universalização das técnicas corporais de Ginástica Rítmica, diversoscontextos de países, situados, em sua maioria, na Europa. Tal fato forneceu à região propriedades pioneirasdos gestos mais significativos dessa modalidade ginástica. Duas nações, todavia, sobrepuseram-se: a Rússiae a Bulgária, constituindo duas vertentes com características bem definidas da GR.

A escola russa exibia uma forma de trabalho toda fundamentada pelo Ballet Clássico, familiar às suastradições, o que imprimia aos movimentos uma grande amplitude no espaço e expressividade. Já a escolabúlgara caracterizou-se por uma forma de trabalho que explorava a originalidade, a variedade deelementos, o dinamismo e a estonteante expressividade de suas ginastas. Embora divergentes naquilo quechamamos de estilo, os pódios das décadas de 1970 e 1980 de competições de Ginástica Rítmica foramcompartilhados por esses países. Um terceiro estilo se mostrou (década de 1960, primeiras competiçõesinternacionais), dotado de acrobacias, a Coréia foi vetada por esboçar uma ginástica mais acrobática(Llobet, 1996).

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As escolas búlgara e russa estruturaram-se por caminhos divergentes, mas que culminaram numamanifestação única, consideradas irretocáveis e imprescindíveis na escultura da GR. Esses dois estilos nosinterligam ao pensamento de Merleau-Ponty, na Prosa do Mundo, sobre a arte clássica e moderna, poisestamos compreendendo estes dois movimentos como íntimos às expressões da GR. Nas palavras dofilósofo: “Enquanto os clássicos eram eles próprios sem que o soubessem, os pintores modernos procuramprimeiro ser originais, e seu poder de expressão confunde-se com sua diferença individual” (Merleau-ponty, 2002, p.80). Esse brilhante filósofo da fenomenologia, embora exemplificasse na obra citada suaanálise através das pinturas, referia-se às diferenciações das artes clássica e moderna como dois mundospercebidos em que constavam pintores, escritores, filósofos e pesquisadores (Merleau-Ponty, 2004), ouseja, os personagens que pronunciam uma época.

Constatamos as aproximações da escola russa com a arte clássica, dotada de segurança e dogmatismo(Merleau-Ponty, 2004), pautada pela proporcionalidade, harmonia de formas, perfeição técnica,predizendo uma utilização do corpo voltada à repetição extenuante de gestos, comum ao Ballet clássico, afim de se chegar a um objetivo pré-determinado. A escola búlgara, todavia, caminhou por outros rumos, daoriginalidade, criatividade, desbravando riscos e desafios, explorando as qualidades individuais do sujeito,características que se coligam às ambigüidades e incompletudes da arte moderna.

Considerando que a GR é uma manifestação que se originou por cunhos pedagógicos e artísticos nosmovimentos ginásticos europeus, e reconhecida como Ginástica Moderna, compactuaremos, pelaaproximação de raízes, aos movimentos artísticos suscitados pelo filósofo Merleau-Ponty (2002), que tãobem conceitua o termo anteriormente referendado: estilo.

O estilo é o que torna possível toda a significação. Antes do momento em que os signos ou emblemasserão em cada um e no artista mesmo o simples índice de significações que ali já estão, é preciso quehaja este momento fecundo em que eles deram forma à experiência, em que um sentido que eraapenas operante ou latente encontrou os emblemas que haveriam de liberá-lo e torná-lo manejávelpara o artista e acessível aos outros. Se quisermos realmente compreender a origem da significação -e se não o fizermos, não compreenderemos nenhuma criação, nenhuma cultura, voltaremos àsuposição de um mundo inteligível onde tudo está significado de antemão -, precisamos aqui nosprivar de toda significação já instituída e voltar à situação de partida de um mundo não significanteque é sempre o do criador, pelo menos no que toca àquilo justamente que ele vai dizer (Merleau-ponty, 2002, p. 84-85).

A obra artística referendada pelo presente estudo é o próprio corpo em movimento, que constitui suaatmosfera pelas suas formas, aparências, oscilações no espaço e implementos. A ginasta em seu exercício éobjeto estético, fundada pela concepção de sua coreografia entremeada a sua expressão. Porém, valeconsiderar que a ginasta pendula entre dois extremos, o da expressão pessoal e o da técnica inerente à GR,ao mesmo tempo em que não pode se desviar da técnica pode criar e se expressar dentro desta. Os estilosconstituídos pelos países, técnicas e ginastas, se expressam como os modos com que os moldes da GRforam transgredidos e transformados, o que por sua vez caracterizaram a constituição da própria GR. Essefenômeno é comum a outras práticas corporais sistematizadas, como os esportes, e se constitui como desuma importância para o enriquecimento da Cultura de Movimentos e produção saberes na área daEducação Física.

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A ex-técnica da seleção campeã mundial búlgara das décadas de 1980 e 1990, e fundadora de um estiloinventivo e inédito que fez história, Róbeva (1981), nos esclarece que cada ginasta tem seu estilo próprio, eque as músicas, as coreografias, as aparências (roupas e adornos) devem necessariamente respeitar essalinguagem, pois são capazes de potencializar o seu talento. As ginastas da Bulgária apareciam como“caixinhas de surpresa” aos campeonatos mundiais, chegavam às competições com novidades quegarantiam as primeiras colocações e mobilizavam o público, considerado por Róbeva como o árbitronúmero um.

Rússia e Bulgária carimbaram suas marcas nos anos 80 e 90, mas após a aposentadoria de Róbeva e dapresença ordinária das ginastas russas nos pódios europeus, mundiais e olímpicos, o estilo búlgaro perdeuforças e o estilo russo se redesenhou.

Nossa apreciação nos permite identificar outros estilos de GR que se conformam atualmente: os estilosalegres e plásticos grego e bielo-russo, o estilo clássico ucraniano, o estilo circense russo etc. Tomaremos osdois últimos para descrevê-los pelo exame de duas ginastas.

A ginasta ucraniana Anna Bessonova, apresenta movimentos virtuosíssimos, sem falhas, sem sobressaltos,saltos de amplitudes inacreditáveis, movimentos e manejos com aparelhos milimetrados, execução eximiados exercícios, interpretação e ritmo marcado conforme a música. Bessonova parece ter saído dos palcosdos grandes balés de repertório, é uma ginasta bailarina que impressiona pela sua precisão e pela belahistória que conta durante a série pelos movimentos do seu corpo.

A série de exercícios com arco com a música do espetáculo Lago dos Cisnes apresentada no campeonatomundial de Budapeste em 2003 transcende o tempo e espaço quando lentamente a ginasta executa umaseqüência de movimentos de braços sem se deslocar para ilustrar o tema da coreografia, conforme o cisneinterpretado pela personagem principal desse Ballet de repertório, Odete. Esse exercício exprime o teorclássico dessa ginasta.

Outra ginasta que destacamos é a russa Alina Kabaeva. Seus movimentos são marcos para a GinásticaRítmica contemporânea. É uma ginasta de tamanha ousadia corporal, que isso lhe rendeu um mundo decríticas ao estilo considerado circense, mas simultaneamente, lhe garantiu as primeiras colocações noscampeonatos em que participou. Kabaeva realiza proezas com os aparelhos e contorcionismos com o corpoexibindo um largo sorriso de facilidade. Seu corpo hiperflexível parece incontrolável. Não bastasse aamplitude absurda dos movimentos de pernas e tronco, sua potência para saltos a eleva a alturas e ângulosespetaculares. Destacamos as performances de Kabaeva como rupturas nos movimentos da GR, sobretudodo ponto de vista estético.

Ilustramos a série do aparelho arco do Campeonato mundial de Budapeste em 2003, interpretação de umamúsica espanhola, trazendo movimentos impressionantes de plasticidade e vigor.

As atletas de Ginástica Rítmica de cada país imprimem estilos peculiares às suas coreografias. Esses estilosresultam de maneiras próprias de usos do corpo, as pedagogias de movimento, inerentes à manifestação econtornadas por cada cultura.

Os limiares de excitabilidade, os limites de resistência são diferentes em cada cultura. O esforço‘irrealizável’, a dor ‘intolerável’, o prazer ‘extraordinário’ são menos função de particularidadesindividuais que de critérios sancionados pela aprovação ou desaprovação coletiva do que função departicularidades individuais. Cada técnica, cada conduta, tradicionalmente aprendida e transmitida,

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funda-se em certas sinergias nervosas e musculares que constituem verdadeiros sistemas, solidárioscom todo um contexto sociológico (Lévi-Strauss, 2003, p. 14).

Os dizeres de Lévi-Strauss, na introdução da obra de Mauss, reforçam a ideias de que a beleza na GR, ouseja, as concepções estéticas predominantes são balizadas por mecanismos sociais construídosculturalmente. Isso não impede, ao nosso ver, ocasiões de transcendência, do despertar para categoriasestéticas como o feio ou o grotesco durante a apreciação de uma série por um espectador, provocado pelabusca de movimentos que desafiam a normalidade instituída pelas formas dos corpos. Ao mesmo tempo,tem-se a impressão de que a GR se reaproxima dos espetáculos circenses, desde o rompimento nas origensdo século XIX, quando necessita do elemento surpresa, além dos prescritos pelo código, para transcender anormatização, para despertar no público novas sensações.

Reflexão 3: beleza e educação

Ao avaliar o traçado estético da GR percebemos alguns discursos fundantes, outros que sofreram rupturas.Discursos provenientes da arte, desde suas origens, que tratavam de estabelecer a estética da beleza, e,concomitantemente, uma padronização disciplinar, semente da criação da ginástica, mas que tambémobjetivava o belo, pelo corte dos excessos, pela medida. Discursos provenientes da pedagogia que imitava aciência, pela nova forma de se pensar o homem, naturalizado, biologizado, do qual se extrairia o máximode produção com o mínimo de esforço: a economia (Soares, 1998). Discursos da nova medicina, empírica,que se preocupava com a visibilidade das doenças, “ver para crer” (Foucault, 2001), dissociando-se dasanalogias criativas para centrar-se num estudo aprofundado sobre o corpo, para conhecer mais esse corpo.Discursos sobre a condição natural da mulher: a reprodução. Discursos do treinamento esportivo,preocupado em espetacularizar esse corpo e dele arrancar as melhores performances. Enfim, asconformações estéticas das especificidades, do tempo e espaços e dos gestos da Ginástica Rítmica foramconstruídas sob uma trama complexa de relações de poderes entre os discursos durante toda a suahistória.

Fica aqui o desafio da transcendência do gesto controlado, do tempo e espaço regulado e de umacaracterística fechada. O corpo sempre nos diz algo, desafio mesmo é dizer mais do que a beleza de umexercício dentro de padrões, comunicar mais que o movimento virtuoso. Feito possível para ginastas ecoreografias campeãs do mundo, corpos que tudo podem, mas também possível para corpos menosagraciados pelas qualidades de movimento requeridas pelo alto rendimento da GR, pois a transcendênciapassa a ser uma condição da prática dessa modalidade, é preciso transcender para se apropriar de algunselementos e dar identidade a eles em outros contextos.

Vimos então que a amplitude estética da GR, formada pelas transcendências dos corpos e imposições docódigo, é demasiadamente grande. A Ginástica Rítmica é uma modalidade que propõe diversas facetas queextrapolam as fechadas formas de movimento requeridas pelas regulamentações, capaz de estar sempre setransformando, seja pela transcendência, seja pela retomada das idéias que a constituíram.

Por isso, consideramos que a abordagem de nuances educacionais nessa modalidade seja possível,reconhecendo a prioritária fixação da GR ao Código de Pontuação, mas enxergando sempre a possibilidadede fazer diferente nos pequenos espaços da originalidade dos gestos, inovações e transformações.

A experiência da beleza ou experiência estética configura-se como uma porta aberta à possibilidade deampliação do olhar estético, para um transcender do corpo na GR, isso considerando que essamanifestação ginástica fundou-se à luz da estética, à luz da beleza.

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Durante os primeiros encaminhamentos, no final do século XIX, início do século XX, as orientações daquiloque chamamos hoje de Ginástica Rítmica engatinhavam à procura de uma identidade estética frente àsdemais manifestações surgidas em movimentos e momentos cronológicos próximos (dança moderna, porexemplo), desse modo, pensamos sobre o que fez com que esta viesse a tomar o rumo do objetivismoestético e da performance em detrimento das suas características subjetivamente rítmicas, artísticas epedagógicas de origem. Quando denunciamos o objetivismo estético, nos referimos ao enquadramento daGR ao ideal clássico de beleza que foi evidenciado pelas performances dos corpos e, principalmente,durante a nossa análise, quando observamos que o belo na Ginástica Rítmica tem seus padrões ditadospelo Código de Pontuação da modalidade.

A concepção clássica do belo, pautada na proporcionalidade, na medida, na simetria e na harmoniade formas, está relacionada a um modelo de beleza preconcebido ou a um princípio supremo. Abeleza está nos objetos belos, e para serem considerados belos, estes devem se enquadrar empredefinições (Porpino, 2003, P. 148-149).

Porpino (2003), aliada às idéias de Nietzsche, aprovisiona ao deus grego Apolo a representação da belezaclássica, da medida, da ordem, da proporção, da simetria, do equilíbrio e da harmonia de formas tãopreponderantes na maneira de se perceber o corpo e a beleza na Educação Física.

O ideal apolíneo encontra-se no cerne das preocupações com o corpo na Educação Física, que,imbuída deste pensamento, procura beleza nas simetrias, nas proporcionalidades e nas medidasatribuídas a modelos de performance e a modelos corporais, ambos articulados, gerando novosApolos. (...) A beleza, em sua concepção clássica, propicia-nos a experiências estéticas significativas.Basta que lembremos dos muitos corpos "esculpidos" pelo fitness ou pelas práticas esportivas àincrível semelhança de Apolo (...) Também poderíamos lembrar uma série de Ginástica RítmicaDesportiva cujos gestos nos propiciam uma experiência indescritível em que o movimento realizadopode ser apreciado em sua mais exuberante harmonia, amplitude e graça, em sua meticulosa eminuciosa capacidade de desafiar a lei da gravidade com sua leveza, deixando-nos ciente de que sóum corpo metodicamente treinado é capaz de tal realização (Porpino, 2003, p. 149 /151-152).

Entretanto a autora contrapõe, na percepção da beleza as verdades apolíneas não reinam sozinhas,opostas e complementares a elas há as dionisíacas: Dionísio, deus do vinho, que desafia o belo posto pelarepresentação de Apolo através das emoções, da embriaguez dos sentidos. Dionísio é suscitado por IsadoraDuncan, personagem influente no movimento da Ginástica Moderna em suas danças, em seu rompimentocom as “rígidas convenções de uma época em que a dança teatral era apreciada pelo seu virtuosismotécnico (...) Fez da dança o êxtase dionisíaco, dissipado pelas verdades apolíneas do balé clássico” (Porpino,2002, p. 2).

Para além dessa concepção objetivista clássica, já desafiada pelo duplo caráter da arte retomado porPorpino (2003), temos a concepção genuinamente subjetivista. Nesta perspectiva, o olhar é voltado para osujeito, exclusivamente para o seu gosto próprio. Porém, alicerçamos nossos pensamentos acreditando quebeleza nem está situada no objeto, nem no sujeito, mas é gerada a partir da reciprocidade entre os dois,

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pela mobilização dos sentidos, na instrumentalização, através do conhecimento de outros códigos e,principalmente, no caráter de inacabamento da leitura estética (Porpino, 2006).

De acordo com Dufrenne (2004), o belo não pode ser considerado somente como uma ideia ou um modelo,é a singularidade de certos objetos que nos são dados à percepção, traduz-se em plenitude, mesmo quepara perceber o objeto estético se necessite de longa aprendizagem e familiaridade. Qualquer ideia deretoque é desencorajada, pois a perfeição do sensível é uma necessidade.

O objeto belo me fala e ele só é belo se for verdadeiro. Mas o que me diz? Ele não se dirige àinteligência, como objeto conceitual – algoritmo lógico ou raciocínio -, nem à vontade prática comoobjeto de uso – sinal ou ferramenta -, nem à afetividade como objeto prático ou amável:primeiramente ele solicita a sensibilidade para arrebatá-la. E o sentido que ele propõe também nãopode ser justificado nem por uma verificação lógica nem por uma verificação prática; é suficiente queele seja experimentado, como presente e urgente, pelo sentimento. Esse sentido é a sugestão de ummundo. Um mundo que não pode ser definido nem em termos de coisa, nem em termos de promessade alma, mas promessa de ambos; e que só pode ser nomeado pelo mundo de seu autor: o mundo deMaczart ou de Cézanne (Dufrenne, 2004, p. 45 – 46).

Dufrenne (2004) pauta sua compreensão do belo, a partir da estética fenomenológica, considerada, naintrodução da edição brasileira de sua obra, como uma das correntes de maior consistência no âmbito daestética. É a partir dessa fundamentação que nos congregamos aos pensamentos de Porpino (2003; 2004;2006) e Nóbrega (2003), autoras em que nos fundamentamos para pensar a experiência estética naEducação Física.

Algumas práticas corporais, a exemplo da Ginástica Rítmica, cravaram suas concepções de beleza emmodelos pré-concebidos. A leitura do Código de Pontuação nos traz essa compreensão. Porém, refletimosque a beleza pode ser pensada também como experiência do ser no mundo, a partir desta o indivíduo écapaz de transfigurar o código, (re) significá-lo, fazendo fluir conhecimentos e repensar arquétipos,sobretudo no âmbito da Educação.

Compactuamos com Porpino (2004) quando se refere ao enquadramento da GR a técnicas e padrões comoaspecto que contribui para o ajuste da Ginástica Rítmica ao protótipo de estética objetivista já mencionado,que veio e continua sendo edificado, isso se comprovou nos resultados da nossa análise, quando vimos queo texto do Código de Pontuação delimita claramente a GR enquanto prática que possui uma sistematizaçãoprópria que permite um julgamento quantificável e qualificável. Pensamos que a GR tomada desta forma,além de canalizar por demais nosso modo de percebê-la, faz com que tenhamos um deslumbre de práticafantástica, inatingível, predestinada a seres privilegiados com dotes corporais especiais, e com o acessorestrito a um tipo privativo e “alucinado” de treinamento. O que por sua vez, não se traduz como uma visãodistorcida, considerando os exemplos mais recentes, os de índice olímpico da GR. Distorção seria crer naimobilidade desses padrões quando a tomamos para outros contextos, quando não admitimos suasreconfigurações, adequações que não descaracterizem suas particularidades estéticas, ou mesmoapropriação de alguns de seus elementos.

Pensamos que a GR é pautada por concepções estéticas constituídas por mecanismos de poder-saberpreponderantes em toda sua historicidade, que definiram e, principalmente, transformaram seusdevaneios artísticos em podas. Ao mesmo tempo em que foi possível criar, as originalidades mais

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emblemáticas se transmutaram em restrições. Um movimento idealizado por uma ginasta, por exemplo,deixa de ser criação e passa a ter normatizações próprias para que possa se adequar a essa modalidadeginástica.

Cada vez que se atingem índices extraordinários, estes são tomados como parâmetro para o altorendimento, e posteriormente, para o âmbito da escola e de qualquer outro. O fenômeno ocorre daseguinte forma: se uma ginasta realiza as mais formidáveis proezas em uma olimpíada, dali a quatro anostodas as outras também o farão, e assim, as tendências temporárias ou permanentes de movimentos,figurinos, acompanhamentos musicais vão preponderando até rechear os mais diferentes níveis econtextos de prática da Ginástica Rítmica.

No entanto, de acordo com Campelo (1996), o ser humano possui uma comunicação gestual própria, queesculpe sua identidade através dos textos dos seus movimentos. Esse esculpir é aquilo que jádenominamos nesse texto de estilo e que a autora ressalta como “todo quadro de referência corporal quecompõe determinada pessoa” (Campelo, 1996, p. 78). A ginasta, quando se apresenta, comunica aosespectadores, aos árbitros e às outras ginastas através de seu corpo, movimentos, adereços e música, umamensagem estética única imbuída de relações de poder, configurações próprias das especificidades daginástica, dos usos do tempo e do espaço, e dos gestos técnicos. A ginasta transcende o código, que emhipótese nenhuma é capaz de regular seu estilo pessoal.

Embora a GR, como visto no decorrer das análises, exiba seus contornos estéticos com propriedade, épreciso também ponderar suas concepções em outros contextos, levando em conta que quando nosreferimos a esta modalidade pensamos no seu patamar mais expressivo: o esporte de alto rendimento. Épreciso lembrar que essa maneira de pensar a estética, a concepção de beleza preconcebida, é particular àGR, se constitui como a possibilidade mais forte de idealizá-la, mas que não é a única. Pensar a beleza emsua perspectiva objetivista no âmbito da Educação pode significar uma atitude não inclusiva que define evaloriza padrões de gosto e de gesto em detrimento de outros (Porpino, 2003).

Portanto, ao pensarmos a GR no contexto educacional é preciso redimensionar as concepções estáticasretratadas pelos modelos olímpicos e considerar que mesmo a mais prodigiosa ginasta é capaz de vivenciara experiência da beleza como uma vivência sensível em que todo o indivíduo encontra-se engajado com suahistória, seu contexto social e suas predileções pessoais (Porpino, 2006).

Cabe assim discutirmos as configurações da beleza universalizada pela vertente olímpica da GR para pensá-la como experiência do vivido. Ao apreciarmos uma ginasta olímpica somos tomados pelo seudeslumbramento porque essa experiência para nós transcende a ditadura do modelo da ginasta perfeitapara se ancorar no nosso mundo sensível. Retomamos aqui uma concepção fenomenológica do belo, jáexplicitada anteriormente nesse texto.

O belo, não sendo idéia ou modelo, precisa ser experimentado, vivido, solicitando assim, asensibilidade, como convite à contemplação. Na descrição fenomenológica, o belo não é uma formaidealizada ou uma redução ao gosto exclusivo do sujeito, mas uma articulação que acontece napercepção como interpretação dos sentidos proporcionados pelos jogos expressivos do corpo.Realiza-se, pelo logos estético, a leitura da dimensão poética e plástica do gesto (Nóbrega, 2003, p.139-140).

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Considerações finais

Consideramos, antes de tudo, que os conteúdos da cultura de movimento devem passar portransformações, críticas e reflexões antes e durante sua permanência no contexto educacional “O estéticoé útil enquanto, na relação sujeito-objeto, corresponde, satisfaz necessidades profundamente humanas”(Vásquez, 1999, p.165).

As titulações exacerbadas imprimidas à técnica e à padronização dos gestos ainda não foram capazes deextrair o brilho do olhar de quem experiencia, ou até mesmo aprecia a GR na contemporaneidade, pois abeleza, reproduzida, arquitetada ou não, construiu-se como fundamento dessa manifestação. Porque aexperiência estética, experiência que se dá exclusivamente no corpo, ocorre “a partir de uma relação deimanência entre sujeito e objeto” (Porpino, 2003 p. 145). Dessa forma, o olhar do sujeito é fruto de suaexistência, que, tatuada de significações de sua historicidade, cultura e vivências sensíveis, estabelece suaspróprias relações estéticas.

Ao identificarmos na GR um cunho estético pautado no objetivismo do ideal clássico de beleza, mesmoacreditando que a experiência estética, a experiência da beleza ocorre de forma muito mais ampla, e,considerando concomitantemente sua inserção em nosso país, onde a cultura do povo é extremamentepolissêmica, mesmo que nem sempre compartilhe de uma semelhança com os caracteres fechados queacompanharam o desenvolvimento da ginástica, pensaremos em inumeráveis possibilidades deproblematizar e questionar os padrões estéticos da Ginástica Rítmica no contexto educacional, além deenriquecê-la com elementos da nossa cultura. Desta forma, a GR poderia contribuir para viabilizar umaeducação estética, para alargar compreensões, olhares e vivências nesta manifestação.

Também foi possível perceber, através de nossas análises, que as concepções estéticas construídas a partirda historicidade de uma prática corporal consideram as incidências culturais. Nos utilizamos do conceito detécnicas corporais de Mauss (2003, p.401) para reafirmar essa idéia: “maneiras pelas quais os homens, desociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo”. Sendo as técnicasreluzidas pelas culturas, como definir padrões iguais para sociedades diferentes? Não estamos aqui paradiscutir a universalização do fenômeno esportivo, mas para problematizar a criação desses padrões, parapensar em como é que essa racionalização do sensível ocorre. Pois, sendo a GR um esporte-performancedominado pelas européias, é recriado pelo resto do mundo com identidades variadas e mais resistênciassão reinventadas para que essa universalização ocorra, porque é preciso transcender e transformar orepertório gestual de cada cultura para adequar-se à GR estereotipada e emancipada.

Acreditamos que refletir sobre a beleza da GR possa contribuir para aprofundar nossos pensamentos,ansiar significações e repensar e/ou retomar objetivos na Educação Física. O pensamento de questionar asconcepções estéticas de uma manifestação que, de forma generalizada, possui delimitações firmementetorneadas, mas pouco protestadas, é, a priori, um desafio. Porém, esse diálogo crítico, torna-se urgente aosquestionamentos e reflexão sobre as transposições de experiências do esporte de alto rendimento para ocontexto educacional.

Nós compreendemos o Código de Pontuação de Ginástica Rítmica como a materialização mais concreta dasrelações de poder que adequam o corpo, mas que foram produzidos por este. E mais, responsabilizamosessa produção pela busca incessante do belo claramente embasado pelas performances desse corpo. Épossível perceber também que essa beleza é conquistada cada vez mais a partir da técnica criada atravésdos tempos que é pormenorizada pela capacidade das próprias ginastas.

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Mais uma vez citamos Foucault (2003, p. 25), quando este parece nos dizer da necessidade de seexperimentar o novo, as novas experiências estéticas para além das previsões da metrificação da beleza.

“Devemos nos liberar desse conservantismo cultural, tal como devemos nos liberar do conservantismopolítico. Devemos desmascarar nossos rituais e fazê-los aparecer como são: coisas puramente arbitrárias,ligadas ao nosso modo de vida burguês. É bom – e isso é o verdadeiro teatro – transcendê-los através domodo do jogo, através de um modo lúdico e irônico; é bom ser sujo e barbudo, ter cabelos compridos,parecer uma moça quando se é um rapaz (e vice-versa). É preciso pôr “em cena”, exibir, transformar ederrubar os sistemas que nos ordenam pacificamente”.

Mas como lançar um olhar crítico ao padrão a partir do próprio padrão? Para desmistificar padrões épreciso desencarná-los. Foucault (1987) coloca que quanto menos perceptível for a incidência do podermais encarnado ele estará. Educar o olhar é enxergar onde não se explicita evidências. Para que nãotomemos uma escolha desconhecendo as demais possibilidades. Talvez apenas conhecer não basta, épreciso apaixonar-se, desapaixonar-se, aprofundar-se nos sentidos, corporificar de uma vez por todas aaprendizagem. A vivência é a chave.

O exemplo das produções de performances em larga escala criadas no esporte de rendimento é que fazemcom que a GR seja recriada a partir dos padrões, e são um nítido exemplo do contra-poder apresentado porFoucault. A Educação Física precisa seguir esse exemplo e não tomar a Ginástica Rítmica enquantoperformance como única referência sem reconstituí-la, deve sim criar sentidos próprios adequados a cadacontexto. No entanto, não estamos expressando que essa “cópia” do esporte de rendimento no âmbitoeducacional ocorre de forma generalizada, pois, naturalmente, nos parece impossível reproduzir tais equais todas as intervenções corporais do alto rendimento na escola. É certo que já existe uma adequação,porém esta não tem sido eficiente na GR brasileira, basta observar o grande número de equipes escolaresescritas em campeonatos brasileiros, eventos que guardam os maiores desempenhos ginásticos do nossopaís.

As vivências dos movimentos específicos da GR podem significar alternativas de reluzir sua transcendência,tanto nas especificidades, quanto nos gestos.

As formas de movimentos específicos da GR constituem duas terminações: os grupos fundamentais que sãoos saltos, equilíbrios, pivots, flexibilidades e ondas, e os outros grupos que servem de ligação para essesmovimentos: os deslocamentos, corridas, caminhadas, saltitos, passos rítmicos e giros (FIG, 2007).

Apesar de alguns desses movimentos coincidirem com os das habilidades motoras básicas, na GR elespredizem formas próprias que supõem maneiras codificadas de se executarem, Destacamos aqui, acompreensão das dinâmicas de movimento que sustentam as ações motoras, pois antes de caminhar ouequilibrar de tal forma é preciso entender o que fundamenta esses gestos.

Dessa forma, acreditamos que a compreensão do movimento pela descoberta deve preceder aaprendizagem da forma, através de pequenos desafios. Pois a exigência da forma a qualquer custo implicaem adestramento, ocasionando uma aprendizagem mais pobre.

Pois, assim como na dança, campo pesquisado por Porpino (2006), a apreensão da GR implica na aquisiçãode técnicas, de formas de movimentos, através de repetições e do treinamento, para que os movimentospossam se mostrar como expressão do estético, que não descaracterizem a ginástica e nem neguem ocódigo.

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Porpino (2006) também afirma que a dicotomia entre forma e sentimento é inexistente, pois mesmo queuma dança seja extremamente codificada, numa situação de um Ballet de repertório, por exemplo, ainterpretação e a forma da bailarina é que expressarão o sentido coreográfico adequado. “A dança é um ire vir de formas impregnadas de sentidos e sentidos impregnados de formas que são recriados a cadamomento de sua realização” (Porpino, 2006, p. 106).

É dessa maneira que somos capazes de enxergar beleza e reconhecer outras manifestações e outraslinguagens como o maracatu, forró e frevo numa série de GR, a exemplo da série de maças apresentadapela seleção brasileira de conjunto nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000.

Porque além de compreender elementos de manifestações culturais populares pelas quais as ginastascoligam muito bem os sentidos requeridos à série ginástica, esta é bem delimitada no que concerne àsformas exigidas pelo código.

Contudo, exprimimos que a busca das formas de movimento em si não anulam a condição de Educação daGR, porém, a negação destas a descaracterizam. Portanto torna-se necessário dosar as vertentes forma eexpressão concomitantemente, aprovisionando à prática pedagógica outras linguagens de movimento quepossam dialogar com a GR, fazendo com que a aprendizagem seja mais envolvente e prazerosa.

Já a transcendência do olhar sob modelo pré-concebido na Educação Física pode ser alcançado através daapreciação de vídeos e fotografias da Ginástica Rítmica

O olhar em si, imbuído de concepções já nos diz muito. Há de se precaver que não há educandos tipo“páginas vazias”. Os vídeos de alto rendimento da GR causam diversas sensações que atravessam aestranheza, a experiência da beleza, o incômodo ou até mesmo o desinteresse. As intervenções podempartir das sensações e do debate destas, que compreensões estaremos assumindo?

A observação direcionada ao contexto espacial, gestos, cores, sons e formas nos fazem conhecer um poucomais sobre as linguagens pelas quais a GR opera. Já decodificação dos movimentos tanto pode abrirmargem para a mais sutil leitura dos gestos quanto para a análise do julgamento da modalidade.

De qualquer forma, a apreciação com enfoque na aprendizagem, na Educação, necessita de suportesdiretivos. Precisamos de um vislumbre que busque extrair algo mais do espetáculo, um olhar de criticidadeque pode variar e se aproximar segundo um contexto determinado. Pois, a maneira com que uma turma deeducação física escolar, ou uma equipe de GR, ou escolinha de GR, ou até mesmo uma turma da graduaçãoem Educação Física da universidade enxergam o mesmo vídeo será muito divergente, e essa diversidade seramificará ainda mais entre os componentes de cada grupo.

A educação estética na realidade da Educação Física escolar é de tamanha significância, que deve pretenderafrouxar uma Educação que desconsidera o corpo, que ao mesmo tempo em que busca consolidar oscuidados com um corpo físico, biológico, natural, higiênico e disciplinado, abandona-o nas práticas ditascomo exclusivamente cognitivas. A tarefa é árdua e o desafio gigante, porém, a partir do momento em queas práticas corporais puderem ser tomadas pelas suas nuances mais ricas, como a vivência crítica dos seusmais diversificados conteúdos, as relações estéticas se efetivarão de forma mais ampla e as amarrasdissipar-se-ão.

Nóbrega (2000) nos aponta a ação motora do ser humano como linguagem que se apreendeinvariavelmente por ordem perceptiva cuja matriz é corporal, independente da predominância sensível oulógica. E justifica que “essa percepção revela-se na contemplação estética, onde o todo é apreendido deforma una, não havendo cisão na apreensão da linguagem racional ou sensível” (Nóbrega, 2000, p. 76). A

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abordagem do sentido estético dessa autora nos reporta a algo mais aprofundado que a contemplação deum objeto estético, revelando o envolvimento mais perceptivo, uma ação corporal que solicita os sentidose que diz respeito à ação motora.

Do mesmo modo, a solicitação dos sentidos permeia a criação e transgride as imposições de tempos eespaços e as imposições gestuais do Código de Pontuação.

Róbeva (1981), em sua obra Escola de Campeãs, destina um capítulo para a criação do novo na GR quedeveria ser buscado pelas próprias ginastas, pois para garantir uma composição que fosse original e queconseguisse chamar a atenção do público, as ginastas deveriam realizar façanhas singulares com seuscorpos e aparelhos. Naquela época, década de 80, isso ainda seria válido porque a coreografia não era todaquantificada como atualmente. Mesmo no rendimento esportivo havia a possibilidade das ginastasintervirem nas suas séries.

A composição de séries prevista pelo código segue agora uma normatização tão rígida que impossibilitaque as ginastas participem da composição de seus exercícios - a não ser que estas busquem umconhecimento aprofundado de arbitragem - fazendo com que a tarefa das técnicas seja muito além dasnuances estratégicas da beleza, ou seja, estas não podem escolher os movimentos simplesmente porquesão os mais belos executados pela ginasta, é necessário que esses movimentos sejam validados e somempontos, numa complicada operação matemática.

Pensamos na validade deste processo no meio educacional, que consegue ser ainda mais difícil. Se elegeros melhores, mais belos e mais valiosos movimentos de uma ginasta com possibilidades corporais múltiplasjá se mostra como uma tarefa árdua, imaginem ter que arrancar movimentos que somem pontossuficientes para uma série competitiva de meninas que vivenciam a GR despretensiosamente no ambienteescolar?

No entanto, cair no espontaneísmo também seria um erro, seria como fornecer brinquedos para crianças epedi-las para fazer qualquer coisa... Acreditamos que para garantir a apropriação de característicasestéticas da GR o processo de composição de séries precisa de direcionamento.

Sendo assim, pensamos que para serem significativas para os alunos, as vivências e composições da GR naEducação devem adequar-se às suas possibilidades corporais, garantirem íntima identificação ecompreenderem teores de desafio. Entretanto, a possibilidade de efetivação desse processo é mais viávelnas composições não competitivas.

Um tipo de evento em que a GR possa ser abordada através da participação de todos e que o público possaapreciar outras possibilidades de movimento e de composição, nós destacamos como extremamente ricospara a perspectiva da criação.

Acreditamos que é preciso reconhecer a manifestação no alto nível sim, pois é lá onde se guarda a maispura caracterização estética da modalidade, é lá onde se definem os padrões de beleza. Mas problematizá-la é elaborar maneiras de ampliar o leque de possibilidades de vivências estéticas na Educação Física, éreconhecer o corpo como território crítico capaz de transcender as amarras de uma Educação que odesconsidera.

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GRAPHISME DU GESTE EN DANSEGRAFIAS DO GESTO NA DANÇA

Marcílio de Souza VIEIRA1

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email: [email protected]

Résumé

La nécessité de créer un écrit pour la danse se référer à la fonction d'enregistrement et deconservation des œuvres du répertoire de la danse et de préciser les éléments d'une créationchorégraphique, sans présenter des interprétations personnelles de chaque danseur, comme cela seproduit lors de l'apprentissage des chorégraphies à la recherche quelqu'un danser. Dans l'histoire dela danse, diverses notations existent et ont succombé. Mais certains resté pendant un certain temps

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et a son histoire de la pertinence. Se distingue par écrit Beauchamp-Feuillet, qui a été écritdéveloppé en coupe de ballet français. Il doit encore être écrit aujourd'hui Stepanov qui sert enquelque sorte de mettre en évidence des Ballets Russes. Notez également la Beneshnotation, SuttonMouvement écriture et de sténographie et Labanotation (terme utilisé aux États-Unis) ouKinetographie (terme utilisé en Europe) qui s'est ouverte sans aucun doute une autre histoire dansl'orthographe du mouvement. Ce document vise à présenter et décrire l'orthographe du geste dansla notation de la danse. Il est basé sur la phénoménologie comme une approche méthodologique;pour produire des données de recherche description technique des phénomènes sera utilisé. Ladescription recherche de "propre chose", et bien enracinée, est pleine de significations vécu au jourle jour, "sans que cela soit mis au courant ou verbalisé."

Mots-clés : danse ; geste ; notation chorégraphique.

Resumo

A necessidade de criação de uma escrita para a dança se referem à função de registro e conservaçãodas obras do repertório da dança e a grafar o essencial de uma criação coreográfica, sem apresentaras interpretações pessoais de cada bailarino, como ocorre quando se aprende uma coreografiaolhando alguém dançando. Na história da dança, várias notações existiram e sucumbiram. Masalgumas permaneceram por algum tempo e tem sua relevância história. Destaca-se a escrita deBeauchamp-Feuillet, que foi a escrita desenvolvida para o ballet francês de corte. Há ainda que sedestacar a escrita de Stepanov que até hoje de algum modo serve ao Ballet Russo. Destaca-se aindaa Beneshnotation, a Sutton Movement Writing & Shorthand e a Labanotation (termo usado nosEstados Unidos) ou Kinetografia (termo usado na Europa) que sem sombra de dúvida inaugurououtra história nas grafias do movimento. O presente trabalho tem como objetivo apresentar edescrever as grafias de notação do gesto na dança. Fundamenta-se na fenomenologia comoabordagem metodológica; para a produção de dados de pesquisa será utilizada a técnica dadescrição dos fenômenos. A descrição busca a "própria coisa", e, embora enraizada, encontra-serepleta de significados vividos dia a dia, “sem que isso seja conscientizado ou verbalizado”.

Palavras-chave: dança; gesto; notação coreográfica.

Les gestes font partie des moyens pour l'homme de communiquer; contribuer à façonner et à consoliderles relations sociales entre les individus et entre les groupes. Schmitt (2006) dit que sont les actesconstitutifs d'une réalité sociale et que sont dépendent de l'histoire sociale. Sont les moyens par lesquels lecorps établit des relations symboliques comme appréhension individuel, interpersonnel et le mouvement.

L'historicité de l'organisme provoque des changements là, et nos gestes acquérir de nouvelles significationsà travers des expériences qui se produisent. C'est grâce à ces mesures que nous sommes capablesd'exprimer beaucoup de ces symboles et cachons autres, formant ainsi le langage du corps qui est toujoursréorganisé. Et en possédant la spatialité et la temporalité propre, qui chaque corps acquiert perceptionsselon un monde spécifique.

Gestes soulignent, décrivent, completent; parfois trahissent le contenu d'un discours oral sont toujoursprésents dans la performance de danseur-interprète. Dans la danse, où les interprètes danseurs-danse,communiquer, utiliser le geste comme langage, ils montrent des comportements fabriqués à partir deséquences de mouvements et de gestes. Ainsi, captiver, prendre, les gens de capture et de communiquerpar le geste qui se produit de façon linéaire qu'à la partie, parce que le sens du geste n'est pas donné, il estentendu et constituée par une loi du spectateur, comme conçoit Merleau-Ponty (1999).

Nous obtenions communication ou de compréhension des gestes par la réciprocité entre mes intentions etles gestes de l'autre de mes gestes et des intentions lisibles dans la conduite d'un autre. C'est comme si

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l'intention de l'autre habitée mon corps ou mes intentions, comme si votre séjour (Merleau-Ponty, 1999, p.251).

Le geste, la danse, est le commentateur du mot, est la révélation de la pensée de ces artistes danseurs-danse. Il est poétique, comme la danse avec vous, la danse avec les autres, faire votre danse intègregestualidades quotidiennes supplémentaires de leur monde vivaient gestualidades saisis par une techniquede danse particulier, et ceux-ci sont incorporés dans gestualidades leurs expériences lors de la danse.

Les gestes révèlent un pouvoir de persuasion, en mettant en jeu tous les sens, non seulement de qui dirige,mais de celui qui regarde. Merleau-Ponty (1999) indique que le corps est notre moyen général d'avoir unmonde. Pour le philosophe, ce corps quand il se déplace, se réorganise, nous vous informons del'environnement dans le même temps, nous vous informons sur vous-même, la création des périphériquessignifications transcendantes anatomiques. Ainsi, l'auteur cité fait valoir que: maintenant, il se limite à desactions nécessaires pour préserver la vie et met en correspondance autour de nous un monde biologique;maintenant, en jouant avec son premier et gestes de leur propre à un sens figuré, il se manifeste à traverslui une nouvelle signification fondamentale: le cas des habitudes automobiles comme la danse. Ainsi, lesens visant à ne peut pas être atteint par des moyens naturels du corps; il est nécessaire alors qu'ilconstruit un instrument, et il projette autour de lui un monde culturel (Merleau-Ponty, 1999, p. 203).

Dans la danse, le geste est unique à chaque danseur-interprète; ces gestes créent sens du sens, alors, àcréer des significations, ils admettent une vérité ou des vérités. "Une vérité qui ne ressemble pas auxchoses qui n'ont pas de modèle ou instruments expression prédestinés étrangère, et qui est pourtant vrai»(Merleau-Ponty, 1999, p. 59).

Saïd affirme que

C'est pour mon corps à comprendre l'autre, comme c'est par mon corps que je vois les choses. Ainsicompris, le sens du geste n'est pas derrière lui, il se confond avec la structure du monde que le gestedessine moi-même et je reprends, il expose le geste lui-même (Merleau-Ponty, 1999, p. 253).

Dans la danse, l'amplitude, le rythme, la vitesse de ces mouvements et les gestes de ces actions ont la plusgrande importance: un geste peut être précipité, mais il peut aussi être, selon les circonstances, secondensent lente, modérée, voire exacerbée dans la réalité en fonction de votre danseur-interprète. Dansla danse, chaque geste est un élément de grand impact sur la transmission et la réception de laperformance danseur-interprète. En cela, les mouvements accompagnent la narration de la scène et,comme justifié Zumthor (2010, p.207), « [...] il est pour le discours de corps modalizing, expliquant sonintention. Le geste génère dans la forme extérieure du poème. Il fonde la scansion des vers par unité detemps de récurrence ».

Ce document vise à présenter et décrire l'orthographe du geste dans la notation de la danse. Il est basé surla phénoménologie comme une approche méthodologique; pour produire des données de recherchedescription technique des phénomènes sera utilisé.

La description de la recherche est la «chose même» ; est enracinée et plein de significations que le jourvécu à jour », "sans que cela soit mis au courant ou verbalisé."

1. Notations de danse

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La danse est tracejar, jeu, dessiner des lignes et des sommets du cube, l'octaèdre et l'icosaèdre. Maisd'autre part, en particulier dans l'étude des efforts, Laban semble comprendre que les efforts sont trapusdroit grâce à l'expérience de tous les jours et découvrir l'histoire et la culture de ce corps, nous ici unevision métaphysique de l'existence sociale, historique et culturelle de corps et le geste, et pourtantimmanente.

La nécessité de créer une danse pour l'écriture fait référence à la fonction d'enregistrement et deconservation des œuvres du répertoire de la danse et de préciser les éléments d'une créationchorégraphique, sans présenter des interprétations personnelles de chaque danseur, comme cela seproduit lors de l'apprentissage d'une chorégraphie regarder quelqu'un danser (PRESTON-DUNLOP 1969;GUEST, 1998).

Dans l'histoire de la danse, plusieurs notations existent et ont succombé. Mais certains resté pendant uncertain temps et a son histoire de la pertinence. Se distingue par écrit Beauchamp-Feuillet, qui a été écritdéveloppé en coupe de ballet français. Il doit encore être écrit aujourd'hui Stepanov qui sert en quelquesorte de mettre en évidence des Ballets Rousses. Notez également la Beneshnotation, Sutton Mouvementécriture et de sténographie et Labanotation (terme utilisé aux États-Unis) ou Kinetografia (terme utilisé enEurope) qui incontestablement inauguré une autre histoire dans l'orthographe du mouvement. Dans detrès nombreux Beauchamp-Feuillet, dessins géométriques sur le terrain sont très visibles. Il est égalementconnu que le ballet est une danse de surestimer la dextérité des membres inférieurs, puis la mise au pointd'orthographe sur plusieurs détails des membres inférieurs. Seulement quand il est nécessaire de ponctuercertains bras d'entraînement, pas organisé par la syntaxe du ballet, c'est que les armes sont écrits.

Feuillet enregistré les positions initiales des pieds, son dessin dans le sol et les signes de montrer des sautset des étapes enregistrées les jambes, le tronc et les bras en soulignant le déplacement dans l'espacescénique. Dans cette forme de danse sort du corps distingué quatre perpendiculaire à l'axe dedéplacement, à savoir: avant, arrière, de côté et en rotation.

Rédaction méthode Danse Stepanov a été basé sur des notes anatomiques que le corps est complété pardes notes de musique. Cette méthode est un alphabet des mouvements du corps humain codées par lesmouvements de la danse avec des notes de musique et pas avec des symboles abstraits. Ces mouvementsont été enregistrés en tant que signaux musicaux. Il est à noté que ces deux façons d'orthographier lemouvement et les gestes humains ont été proposées et mises en œuvre dans les XVIIe et XVIIIe siècles.

Dans la première moitié du XXe siècle, d'autres formes d'écriture comme la danse Beneshnotation ont étécréés, Sutton Mouvement écriture et de sténographie et Labanotation.

En Benesh et Sutton, la logique du cadre est claire. On a vu que la logique du ballet est la logique dumoment privilégié. Donc, il n'est pas mis en évidence le flux de la circulation, mais les poses sont considéréscomme des moments d'une extrême importance pour le ballet technique et poétique. Par conséquent, lesdeux notations sont les positions d'orthographe mettant en évidence les mouvements. Les deux méthodessont utilisées comme base de la notation pentagramme de la chorégraphie, comme s'il s'agissait d'undanseur d'instruments de musique.

Le Beneshnotation représente graphiquement le corps de la danseuse dans une équipe de cinq lignespassant par le sommet de la tête, les épaules, les hanches, les genoux et le niveau du sol. Ce programmeest noté avec des signes et des traces de la position et le mouvement de la tête, les bras, les mains, lesjambes et les pieds de la danseuse. Les trois signaux se pose de toute la méthode: horizontale, verticale etune balle (GUEST, 1998).

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Il est à noter que la notation est écrit dans une forme de cinq lignes qui se lit de gauche à droite et de hauten bas de la page (GUEST, 1998).

Le Sutton Mouvement écriture et la sténographie est une forme d'épeler le ballet appliqué au mouvement.Le système comprend cinq sections de danse à la rédaction, le signe d'écriture, l'écriture du Mime, le SportsScience écriture et écriture respectivement pour l'orthographe de l'enregistrement de mouvementchorégraphié, enregistrement langue des signes, l'enregistrement du mime et de la pantomime classique,l'enregistrement de la mouvement sportif et l'enregistrement des mouvements des animaux, le langage ducorps, entre autres (SUTTON, 2004).

Le Labanotation, à la suite du classement général de Ann Hutchinson Guest (1998) est une orthographe prispar des symboles abstraits et ne sont pas des positions qui sont évidents dans plutôt une imbrication desmouvements des différents segments du corps dans différentes temporalités propres, une sorte de corpsde contrepoint, avoir beaucoup plus à voir avec le flux de la logique de cadres.

Le Labanotation a commencée au cours du XXe siècle et est aujourd'hui l'une des orthographes demouvement les plus connus. En créant Labanotation, Laban a créé un système philosophique, dans lequelle geste humain est l'élément constitutif de l'homme lui-même. Incarnant un concept Merleau-Ponty dusens. Le Labanotation n'est pas seulement une orthographe rigide et des mouvements précis, maisl'orthographe des forces, des unités de l'orthographe de l'énergie et des gestes, c'est la condition depossibilité de labaniane monadologique et la pensée philosophique (ALMEIDA, 2013).

Le Labanotation est semblable à une notation musicale qui utilise un bâton. Il se compose de trois lignesdisposées verticalement et le compteur est lu de bas en haut. Laban crée pour son score un trigramme(trois lignes parallèles à écrire vers le bas). Le trigramme est extrêmement simplifiée aperçu du corpshumain (LABAN 1992, 2001).

Le trigramme Laban a une ligne axiale centrale indique l'axe du corps, les deux espaces internes définis parles deux autres lignes parallèles indiquent l'élément inférieur, en dehors de ces lignes sont les membressupérieurs, le tronc, la tête. Remarquez que Laban (2011) pour atteindre votre trigramme estprobablement venu de la figure du corps humain contenue dans le Pentagone soumis par lui de présenterKinesfera.

Dans les symboles de trigrammes ( , , , , ) sont écrits pour indiquer dans quel sens la partiespécifique du corps doit se déplacer. La longueur du symbole représente le temps nécessaire pour ledéplacement à partir de son début jusqu'à sa fin. Pour indiquer que la direction du mouvement est dessymboles de base tels que indiquent la direction du mouvement et ces signaux sont modifiés par trois types

de shading ( , , ) qui indiquent la dimension dans le trigramme verticale (GUEST, 1998) sont utilisés.

Pour Laban geste consiste en des unités de pré-gestuelles. La nature du geste serait donc une sorte depuissance, la puissance pure. Si les moyens en quelque sorte une ontologie, Laban concerne la genèse dugeste à des facteurs sociaux, culturels et historiques, on ne peut manquer de proclamer que à diversmoments de la genèse du geste. Laban est clairement métaphysique, c'est le geste donne une visibilité auxstructures, les formes, les forces universelles, portées à la terre par le corps de la danseuse en mouvement.Le geste ne doit pas être extraordinaire, et la routine acrobatique supplémentaire comme dans le ballet,mais dans la simplicité de la vie quotidienne, il est geste poétique intense. Par conséquent, l'intensité dugeste n'est pas dans sa monumentalité, mais dans le sens existentiel qu'il porte dans sa force poétiqueexpressive (ALMEIDA, 2013).

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En Laban, le gestologie construit en silence sur les histoires importantes d'expériences corporelles quiproduisent des gestes différents avec leur dynamique (efforts) et spatialité. Il semble que pour étudier lecorps, Laban a choisi d'observer la complexité du mouvement humain dans leurs actions quotidiennes, iladmirait le mouvement des hommes au travail, dans les rues et les industries dans de nombreux pays, lessalles de théâtre et de danse, il a remarqué le comportement du moteur de la bourgeoise et le travailleuret il a été stupéfait de nouveau avec la capacité variationnelle du mouvement humain et les significationset les actions qu'il peut produire plusieurs.

Le Labanotation était la condition de possibilité de la création d'un autre ordre de la réflexion sur lemouvement. En cette direction Laban dit (cité Maletic, 1987) que le score était de lois immanentes degeste, qu’il serait une base pour un nouvel ordre de la composition de la danse.

Le Labanotation a été produit dans l'ensemble du travail de Laban et de l'artiste pour chaque enquête acherché des signes pour représenter leurs paramètres de mouvement. Sa structure et son évolution ont laparticipation de plusieurs collaborateurs à l’exemple de Ann Hutchinson Guest (1998). La logique est lalogique des forces Labanotation et suit la même direction pour leur extrême nécessité pour la synthèse etla réduction. Laban a déclaré (cité Maletic, 1987: 114) que «le champ d'application de la notation de ladanse devrait comprendre des représentants des lois immanentes de la motion ». Il ya un problèmetechnique important de penser à la notation, le signe de la possibilité infinie de l'organisme et Laban ontcherché à préciser chaque geste aurait besoin d'avoir un vocabulaire de signes qui empêcherait la mémoiremassive et l'utilisation rationnelle de Labanotation. Chaque trace dans Labanotation est un fragment d'unsymbole complexe, qui n'a plus qu'à sa forme définitive par une logique combinatoire. Un angle aigu ou unavantage dans Labanotation peuvent tourner à gauche ou à droite, le haut ou vers le bas, ce qui indique ladirection du mouvement. Mais cet angle ou de pointe peut être présent dans différents symboles.

A croire que les habitudes de déplacement humaines suivent spécifique et universelle, Rudolf Laban estvenu à croire qu'il était possible de créer une forme de notation que ce compte décrire avec précision lesmouvements du corps. Ses mouvements d'écriture plus connus sous le nom Labanotation, qui divise lecorps en morceaux et associe un symbole pour chacun.

En créant cette orthographe de mouvement Laban permet refléter une autre forme de la réflexion sur lemouvement, un nouvel ordre de la composition de la danse. La création d'un tel système de notationcomprend un riche matériel d'enseignement-apprentissage pour théoriser et d'explorer les possibilitésexpressives du mouvement humain (Eukinetic) et leurs organisations spatiales possibles (Coreutic). Pour épeler mouvement, Laban a créé un vaste symbologie mettre à l'intérieur ou à l'extérieur dutrigramme représentant les gestes que le corps est capable de se rendre à la danse.

La forme symbolique est utilisée, le rectangle placé sur l'ordre du jour du trigramme fournit quatreéléments de base qui reproduisent le mouvement. Ces éléments sont en fonction des Guest (2004)direction, le niveau, le temps / la durée et la partie du corps qui se déplace. La direction indique commentle mouvement se produit dans l'espace et est représenté par la forme géométrique triangulaire qui a surgiautre sens possible. Les symboles sont basées en direction dans trois solides spatiales, à savoir l'octaèdreavec un seul sens de circulation (axe), icosaèdre avec deux directions de mouvement (diamétrale) et lemoyeu avec trois directions de déplacement (diagonale).

Le niveau indique si la motion est adoptée à faible, moyen ou haut. Lorsque le symbole est coupé par destirets qu’indique un mouvement vers le haut quand il est surfilage (tout peint), il indique que lemouvement est effectué au niveau bas et quand il arrive à un point dans le centre du symbole, indique le

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mouvement dans le milieu. Le temps est métrique comme dans la musique ou toute les autres unités detemps. Labanotation de la taille du symbole indique que l'action du mouvement est sa plasticité iconiquequ’indique la durée du mouvement. L'autre élément - la partie du corps qui se déplace est indiqué dans lesigne qui est placé le symbole sur lequel la colonne du trigramme. Il est à noter que toute partie du corpspeut devenir support (lorsque le symbole touche la colonne vertébrale du trigramme), toute partie peuttourner geste (lorsque le symbole ne touche pas la colonne).

Compte tenu de l'importance des symboles dans Labanotation, il est besoin de souligner que chaquesymbole qui touche la ligne médiane du trigramme est appelée le support des membres inférieurs, qu'est-ce celui qui maintient le poids du corps et ne pas toucher cette ligne est appelé le geste. Il est à noter que letrigramme qui est utilisé dans Labanotation est un score (personnel), qui se lit de haut en bas. Le personnelest représenté par trois lignes principales et secondaires représentant d'autres gestes de jambes droite etgauche et supports, le tronc, les bras, les mains et la tête. Il représente le corps humain. Avec Labanotation,Laban a créé une monumentalité à la danse, créé de cette façon, un nouvel ordre de la pensée, une autrelogique chorégraphie et une nouvelle forme d'analyse de mouvement.

Almeida (2012) précise que dans Labanotation il ya un problème technique important de penser à lanotation, le signe de la possibilité infinie d'organisme et Laban a demandé d'épeler chaque geste auraitbesoin d'avoir un vocabulaire de signes qui empêcherait la mémoire gigantesque et l'utilisation rationnellede sa notation.

Pour minimiser ce exacerbation de symboles, Laban, du rectangle, donne la base pour la création d'autressymboles directeurs de leur Labanotation. La représentation graphique du triangle, par exemple, placé àdroite ou à gauche du trigramme indique un mouvement vers le milieu. Le rectangle sur la forme de «L»indique le mouvement en avant (lorsque la pointe de L est en place) et bas (lorsque la pointe de L est enpanne); ont trapèze irrégulier peut indiquer les mouvements vers à droite ou vers à gauche en haut à droiteet / ou inférieure et à gauche en fonction de sa position dans le trigramme.

Guest (2004) explique que pour avoir l'idée qu'une partie des corps se déplace, ces symboles doit être placéà l'intérieur (membres inférieurs) ou externes (membres supérieurs) du trigramme. « [...] Seulement en cequi concerne les symboles logiques est que le mouvement commence à prendre forme, symboles,symboles présents ou seulement des traces de forces, les pouvoirs du geste » (ALMEIDA, 2012, p.190).

Laban pour présenter son méthode propose attribué une requête écrite qui a permis à l'artiste-créateureffectuer un régime de travail chorégraphiques avec des mouvements précis comme créé par lechorégraphe pour de tels travaux. Ainsi que deux musiciens qui résident dans différents endroits de laplanète peuvent lire et interpréter une pièce musicale de lire le même score, deux interprètes-créateurspourraient effectuer la même basé sur la même feuille de travail de mouvement. En fait, Laban a créé uneméthode fournissant la motion écrite par des codes. Pour les deux, comme illustré dans les paragraphesprécédents créé un dictionnaire pour que l'interprète-créateur peut exécuter des mouvements sansintermédiaire ou l'encadrement d'un chorégraphe. Il a lutté pour construire une notation qui pourrait aiderbeaucoup de danse dans les créations chorégraphiques complexes.

2. Réflexions finales

Après réflexion sur la danse orthographe a été réalisé que la Labanotation semble être la plus utile à unepensée de la danse écrite. Bien que d'autres orthographes avaient eu son importance, Laban préparé uneorthographe réalisé que penser la danse comme écrit. Il a ainsi créé une orthographe pour la danse enOccident peut être visité par tout créateur interprète qui dominent cet écrit.

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Références

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Zumthor, P. Introdução à poesia oral. Tradução de Jerusa Pires Ferreira. São Paulo: Hucitec, 2010.

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THE RITE OF TORE: AN ANALYSIS OF DANCE IN INDIANSPEOPLES GAMES POTIGUARA OF PARAIBA

O RITO DO TORE: UMA ANALISE DA DANÇA NOS JOGOSDOS POVOS INDIGENAS POTIGUARA DA PARAIBA

Patricia de Jesus Costa dos SANTOS1

Priscila Pinto Costa da SILVA2

Emília Amélia Pinto Costa da SILVA3

Bertyza Carvalho Fernandes FALCÃO4

1 Universidade de Pernambuco/Universidade Federal da Paraíba, Brasil 2 Universidade de Pernambuco/Universidade Federal da Paraíba, Brasil

3 Universidade Federal do Paraná, Brasil4 Universidade de Pernambuco/Universidade Federal da Paraíba, Brasil

Email: [email protected]; [email protected] ; [email protected]

Abstract

The study is to analyze the ritual dance in the toré presented at the opening match of theindigenous peoples of Paraíba. This is a field study, where the Indians ethnicity Potiguara eventparticipants were observed. Data were assessed from the content analysis. The games of indigenouspeoples are gaining prominence among indigenous communities and attracting the interest of thenon-Indian community, through their traditional games, modern games, cultural performances andsacred rituals, adding a universe of meanings surrounding the cup, music and rites. The PotiguaraIndians inhabiting the north coast of the state of Paraíba, Brazil, for three years, annually promotingtheir games in order to unite the 32 villages and preserving culture through sports. Opening theevent, and indigenous community leaders gather at the village football field chosen and perform theceremony toré, an Indian ritual dance form where the Indian comes into contact with the spiritualworld and is represented through music, dance, body paintings and pipe with medicinal herbs.

Keywords: Potiguara; Indian games; Toré; Body; Rite.

Resumo

O objetivo do presente estudo é analisar a dança no ritual do toré, apresentado na abertura dosjogos dos povos indígenas da Paraíba. Trata-se de um estudo de campo, onde foram observados osíndios da etnia Potiguara participantes do evento. Os dados foram apreciados a partir da análise deconteúdo. Os jogos dos povos indígenas estão adquirindo destaque entre as comunidades indígenas,atraindo o interesse da comunidade não índia, através dos jogos tradicionais, jogos modernos,apresentações culturais e rituais sagrados, agregando um universo de significados que envolvem ocopo, a música e os ritos. Os índios Potiguara que habitam o litoral norte do Estado da Paraíba,

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Brasil, há três anos, promovem anualmente seus jogos com o objetivo de unir as 32 aldeias epreservar a cultura por meio do esporte. Na abertura do evento, lideranças e comunidade indígenase reuniram no campo de futebol da aldeia Jaraguá e realizaram a cerimônia do toré, um ritualindígena em forma de dança onde os índios entra em contato com o mundo espiritual e érepresentado através da música, da dança, das pinturas corporais e do cachimbo com ervasmedicinais.

Palavras-chave: Potiguara; Jogos indígenas; Toré; Corpo; Rito.

1. Introdução

Desde antes de o Brasil virar colônia, os índios já possuíam suas danças, seus jogos e suas crenças. Namedida em que os europeus invadiam o território brasileiro, muitos índios perdiam suas vidas ou sofriamum processo de aculturação. Entre os colonizadores, estavam os padres jesuítas que tinham a missão decatequisar os gentios, (Moonen, 1992), mas a medida que percebiam a intenção dos jesuítas em modificarseus costumes, os índios voltavam às suas práticas, uma vez que estes não abriam mão de sua cultura tãofacilmente (Amantino, 2011).

De acordo com estudos de Moonen (1992), no ano de 1500, cerca de 4 milhões de índios habitavam oterritório brasileiro, porém no período da invasão, os conflitos e doenças trazidas pelos europeus no qualos índios não eram imunes, fizeram com que dezenas de povos indígenas se extinguissem. A respeito dainvasão do Brasil, Ribeiro (2008), enfatiza que a história do Brasil foi relatada apenas por um dosprotagonistas, onde a documentação conta apenas a versão do dominador. Neste sentido, o outroprotagonista da história do Brasil aponta que a chegada do colonizador impôs para a comunidade indígenauma nova civilização, onde suas terras foram invadidas, seus lares destruídos e suas vozes silenciadas(Terena apud Coe & Ramos, 2014), porém, os ensinamentos dos seus antepassados perduram por mais decinco séculos, séculos da história do Brasil contada pelos índios e marcado por lutas perante os sistemasreligioso, capitalista, latifundiário e político (Tukano apud Coe & Ramos, 2014).

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Estatística) o último Censo Demográfico realizado em 2010,aponta que a população brasileira é composta por cerca de 817.963 índios que habitam todos os Estadosda Federação e estão distribuídos em 305 etnias. A Funai (Fundação Nacional do Índio, 2014) acredita queo número é maior quando somados os índios que ainda não foram contatados juntamente com os gruposque estão em processo de reconhecimento de condição indígena junto ao órgão federal indigenista. OIBGE (2010) revela que 208.621 indígenas vivem no nordeste brasileiro. Destes, 25.043 habitam o Estado daParaíba, sendo 20.554 índios da etnia Potiguara que ocupam uma área de 33.757 hectares, equivalente emextensão territorial aos países de Portugal e Reino Unido.

No século XVI, os índios que habitavam a área que compreende as cidades de João Pessoa, na Paraíba e SãoLuís, no Maranhão eram chamados de Potiguara que em tupi, significa comedores de camarão oucatadores de camarão (Moonen, 2008). De acordo com estudos de Cardoso et al. (2012), atualmente aetnia vive em 32 aldeias localizadas nos municípios de Baía da Traição, Rio Tinto e Marcação. A economialocal gira em torno da pesca, da agricultura de subsistência, assalariamento rural e urbano, funcionalismopúblico, aposentadorias (Palitot & Souza Júnior, 2005), auxílio do governo como bolsa escola e bolsafamília, além da cooperativa de produção de mel e venda de artesanatos.

Os índios Potiguara são conhecidos por ser um povo guerreiro, que mesmo possuindo hábitos comuns dacomunidade não índia, a exemplo da moradia, da utilização de veículos, de produtos tecnológicos, sedestacam na literatura, no esporte, em cursos universitários das mais diversas áreas e utilizam todo esseconhecimento e facilidades em prol do revitalização e preservação da sua cultura, uma vez que, o fato de

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terem hábitos comuns a qualquer brasileiro que habita a região, eles não deixam de ser índios ou perdem asua identidade (Moonen, 1992), uma vez que esta se encontra presente em sala de aula, em suareligiosidade, canto, artesanato, pintura corporal, dança e jogos que a cada ano ganha mais força entre ascomunidades indígenas. Além disso, o povo Potiguara considera o corpo como um veículo de saber comoórgão de criação de conhecimentos, o que permite lembrar os estudos de Merleau-Ponty (1999), a partir daconcretização da percepção do sujeito. Diante deste cenário, o objetivo do estudo é analisar a dança noritual do Toré, apresentado na abertura dos Jogos dos Povos Indígenas da Paraíba.

2. Metodologia

Trata-se de um estudo observacional, com abordagem qualitativa que tem como principal característica aoportunidade de poder atuar com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores eatitudes, correspondendo a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos quenão podem ser mensurados à operacionalização de variáveis (Flick, 2009). Nesta pesquisa, buscou-seanalisar as coreografias desenvolvidas na dança do ritual do Toré, apresentado nos Jogos dos PovosIndígenas da Paraíba, realizado no período de 24 à 27 de abril de 2014 na aldeia Jaraguá, município de RioTinto.

Durante a observação, foram analisados momentos específicos do ritual. No primeiro momento, foidescrito o fenômeno social e ritualístico, onde se percebeu características distintas do Toré Potiguara. Apartir desta análise foram observados os passos da dança e a formação dos círculos durante aapresentação. Para os índios, este tipo de pesquisa é importante para as diversas etnias, uma vez que apesquisa sobre os assuntos indígenas “é o caminho que liga à memória da criação do mundo, presente nasnarrativas tradicionais, no conhecimento antigo com o conhecimento sobre o novo, no trabalho docientista e do pesquisador” (Krenak apud Coe & Ramos, 2014). Além disso, uma análise feita por Barcellos(2012) apontou que a literatura sobre os índios Potiguara ainda não apresenta muitos estudos,especialmente quando se trata de questões religiosas e com o incentivo das práticas corporais, percebe-sea importância e necessidade de estudos acerca dos jogos e suas danças.

Para examinar as informações coletadas por meio da observação, utilizou-se a análise de conteúdo, a partirda técnica a análise categorial proposta por Bardin (2002, p. 38), que trata-se de “um conjunto de técnicasde análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdodas mensagens”. Para a análise de conteúdo, será utilizada a técnica de análise categorial, que caracterizapelo desmembramento do texto em unidade de palavras, e em seguida é reagrupada por meio de analogias(Bardin, 2002).

3. Resultados e Discussão

Após as análises dos dados observacionais, foram elaboradas três categorias de análise: a primeira JogosIndígenas Potiguara, que trata da dimensão dos jogos indígenas realizados no Estado da Paraíba; a segundaAo nosso Deus Tupã, nosso Deus Guerreiro: análises sobre o Toré, que consiste na apresentação do ritualdo Toré nas cerimônias indígenas; e a terceira categoria analíticas O importante não é ganhar, e simcelebrar: o Toré nos Jogos Potiguara, ressalta o ritual do Toré na realização dos dos Jogos IndígenasPotiguara da Paraíba. As categorias analíticas estão apresentadas e discutidas a seguir.

3.1 Jogos Indígenas Potiguara

Cada aldeia da etnia Potiguara possui seus eventos esportivos, grupos de dança e práticas religiosas, e noano de 2012, com o apoio de ações governamentais, foi idealizado os Jogos dos Povos Indígenas da Paraíba.

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Atualmente duas etnias são reconhecidas no Estado da Paraíba: os Potiguara e os Tabajara, porém, nas trêsedições já realizadas, se fizeram presente no evento, as 32 aldeias da etnia Potiguara. Acredita-se que aausência dos índios Tabajara seja decorrente de questões políticas, uma vez que os dois povos há temposvivem de maneira pacífica.

Nos Jogos de 2014 mais de 900 índios participaram em diferentes competições. Sobre as modalidades, oArt. 217 da Constituição Federal de 1988, aponta que o Estado tem o dever de estimular as manifestaçõesdesportivas formais ou não formais, através do incentivo e proteção das práticas esportivas de criaçãonacional. Neste sentido, os jogos tradicionais são apresentados através do arco e flecha, da canoagem, dacorrida do toro1 (conhecido por outros povos como corrida de tora), cabo de guerra e arremesso de lança,bem como os jogos de futebol de campo, futsal e a corrida. Para Vinha; Ferreira (2003), o fenômenoesportivo atingiu as sociedades humanas em quase sua totalidade.

Além das práticas esportivas, os Jogos Indígenas Potiguara são constituídos de um universo peculiar desímbolos e ritos responsáveis pela representação histórico-cultural do grupo. Dentre as manifestaçõessupracitadas, a cerimonia de abertura é realizada com elementos culturais e políticos, tradicionais econtemporâneos, no campo de futebol da aldeia escolhida, sendo divida em seis momentos distintos: 1) Odesfile de abertura dos atletas participantes vestidos com o uniforme utilizado nos jogos de futebol e futsale a placa de identificação de cada aldeia; 2) A entrada de índios com suas vestimentas tradicionais, adornose pintura corporal, conduzindo as bandeiras oficiais do país, Estado e municípios envolvidos, com execuçãodo hino nacional logo em seguida; 3) A cerimônia do fogo sagrado com a entrada de tochas de bambu e apira acesa por um cacique2 e um pajé3 sob o olhar do cacique geral. Sobre este momento, os estudos deFerreira (2010) ponta que o fogo simboliza a união entre os povos, sendo um costume dos antepassadosquando não estavam em período de guerra, por este motivo, este costume é utilizado até os dias atuais. 4)O juramento dos atletas é realizado em Tupi, língua materna dos Potiguara pouco usada pela etnia.Segundo Marculino (2014), com a invasão dos colonos, o povo Potiguara foi proibido de falar sua próprialíngua, mas atualmente, as escolas indígenas estão revitalizando o idioma. 5) As falas de autoridadespolíticas que se faziam presentes no evento, bem como o pronunciamento do Cacique geral Sandro Gomessobre a importância dos jogos no Estado. 6) A apresentação dos grupos indígenas contando sua histórias deluta e respeito à natureza através da dança. 7) O encerramento da solenidade de abertura é realizado coma dança do Toré, objeto de estudo do presente trabalho.

3.2 Ao nosso Deus Tupã, nosso Deus Guerreiro

O Toré é uma manifestação cultural e religiosa, símbolo maior de muitas comunidades indígenas no país.De acordo com os estudos de Palitot e Souza Junior (2005) o Toré é um ritual onde estão presentes amúsica, a dança, a ingestão de bebidas, normalmente produzidas a base de ervas, bem como o contatocom os ancestrais e seres espirituais, por meio do transe mediúnico. Sobre esta prática, o artigo 11 daOrganização das Nações Unidas em seu documento sobre os direitos dos povos indígenas enfatiza que:

Os povos indígenas tem direitos a praticar e revitalizar suas tradições e costumes culturais. Nele inclui odireito de manter, proteger e desenvolver as manifestações passadas, presentes e futuras de suas culturas,como lugares arqueológicos e históricos, utensílios, desenhos, cerimônias, tecnologias, artes visuais einterpretativas e literaturas.

Com a invasão portuguesa, o ritual do Toré passou por algumas mudanças, os jesuítas interferiamdiretamente no ritual, assimilando as letras e música específicas do catolicismo, proibindo a presença dajurema, uma vez que esta reportava as práticas da magia, também conhecida como catimbó (Sousa &

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Nascimento, 2011). Para a comunidade indígena, a Jurema e o Toré são elementos sagrados, são eles queindicam e determinam a presença espiritual indígena (Grünewald, 2008).

Barcellos (2012) aponta que por muito tempo o Toré foi desarticulado entre os Potiguara, sendo utilizadoapenas como brincadeira e apresentações folclóricas. Os escritos de Moonen (2008) relatam que um grupode índios da aldeia São Francisco, em 1969 se desentendeu devido a mudança do texto, do ritmo ecoreografia da dança, uma vez que a música no Toré, sofria cada vez mais a influência da música nãoindígena regional. Apenas na década de 1980, com a intervenção do CIMI (Conselho IndigenistaMissionário) é que a força do Toré retornou entre o povo, sendo transformado no símbolo maior deindianidade (Barcellos, 2012).

Segundo Palitot (2005), cada etnia possui sua maneira de dançar o Toré, sendo uma característica única decada povo, porém, mesmo com as diferenças, é possível haver diálogo e troca de experiências entre etniasdistintas. Os índios Potiguara, objeto de estudo desta pesquisa, inicia o Toré com a intervenção do caciquee dos pajés que convidam a comunidade para o centro da roda, anunciando a abertura do ritual. (Barcellos,2012). Barcellos (2012) destaca que todos os participantes “se prostram diante da terra e a venerampedindo a mãe natureza proteção e permissão para a grande louvação. Neste sentido, diante da riqueza demanifestações, buscou-se fazer uma análise da dança no ritual do Toré, durante a abertura dos Jogos dosPovos Indígenas Potiguara da Paraíba.

3.3 O importante não é ganhar, e sim celebrar

O lema dos Jogos dos Povos Indígenas no Brasil é a maior demonstração do espírito esportivo, uma vez quepara eles, mais importante que competir e ganhar, são a celebração e o congraçamento entre as mais de300 etnias brasileiras. Com o mesmo objetivo, a etnia Potiguara celebra seus jogos de forma lúdica,valorizando o que eles tem de melhor, o seu povo e a sua cultura.

Para Barcellos (2012), a espiritualidade se faz sempre presente entre os povos indígenas, uma vez que estase apresenta como infinita fonte de sabedoria que é passada de geração em geração, sendo retomadas pormeio das memórias coletivas e individuais. Neste sentido, o Toré, símbolo maior da cultura Potiguara éapresentado durante a abertura dos jogos indígenas, apresentado em forma de agradecimento, proteção ecelebração entre as 32 aldeias presentes.

Os estudos de Palitot (2005), conclui que os registros sobre os Potiguara, apresentam uma etniadiferenciada, que não possui um modelo ou conteúdo normatizado envolvendo o canto e a dança no Toré.Portanto, percebe-se através dos estudos de Turner (2005) que as experiências dos diferentes grupos,acabam se reproduzindo, sendo de alguma maneira, relembrados, remoldados e composto por diferentessignificações.

Durante o evento, o ritual do Toré foi realizado na abertura dos jogos, no campo de futebol da aldeiaJaraguá, município de Rio Tinto. Inicialmente os caciques, pajés e tocadores 5 se dirigiram a uma área docampo convidando a comunidade presente a participar. Neste momento, as lideranças indígenas formaramum pequeno círculo em torno do pajé e tanto as lideranças quanto a comunidade se ajoelham diante damãe terra, pedindo proteção aos antepassados e aos encantados, fazendo agradecimentos e reverenciandoa memória dos seus mortos.

A partir de então foi dado o início a pajelança, reza feita pelo pajé que muitas vezes é realizada em silêncio,momento em que foi aceso o cachimbo com as ervas medicinais que tem por função, afastar as energiasnegativas do espaço, ao mesmo tempo em que traz boas energias para os participantes do Toré, para osatletas e comunidade presentes (Cacique Alcides, 2014). Nesta direção, vale lembrar dos estudos de

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Merleau-Ponty (1999), quando o autor frisa que os seres humanos conhecem o mundo principalmente pormeio de seus sentidos corporais, e o Toré permite esse reconhecimento cultural indígena a partir dariqueza de elementos presente nesse ritual. O uso do corpo, por meio do ritual conduz a informaçõessensoriais que privilegia as fontes de informações culturais do povo Potiguara construir o conhecimento.

Neste cenário, ao terminar a pajelança, os tocadores deram início ao toque da flauta, de dois bombos e domaracá, momento em que todos ficaram de pé, se organizaram em círculo e deram início a dança. Para adança, a comunidade Potiguara se divide em dois círculos e os tocadores no centro. No círculo interno,próximo aos tocadores, ficam as lideranças indígenas e no círculo maior, as crianças, jovens e adultos dacomunidade que dançaram e cantam de forma sincrônica e harmoniosa. Assim como em toda celebração,os corpos demonstram poder de subjetividade e expressividade o que remete aos escritos de Merleau-Ponty apud Falcão (2011) em que o corpo apresenta-se como forma de expressão, repleto de poder deintencionalidade e significado em tudo o que faz, expressão essa que acontece fruto da percepção que opróprio corpo apresenta de tudo que o cerca.

Em relação a vestimenta, os pajés, caciques e tocadores estavam vestidos com as roupas tradicionais.Homens, mulheres e crianças estavam vestidos com saiotes confeccionados a partir da casca de uma árvorechamada jangada ou de uma planta muito parecida com capim, chamada junco. Algumas mulheresutilizavam camisetas pretas ou sutiãs feitos de quengas de coco ou folha de carnaúba.

Os penachos e sementes eram destaque nos adereços como cocares, pulseiras, braceletes, e colares, assimcomo a pintura corporal feita com a tinta vermelha extraída do urucum ou batom e da tinta preta derivadado jenipapo, carvão e lápis delineador. Cada índio tem a liberdade de escolher sua pintura, demonstrandoatravés dos desenhos, sua personalidade. Mas uma vez percebe-se que o corpo indígena, maisespecificamente, o que se revela na celebração do Toré, não pode ser reduzido a uma coisa extensa,desprovido de subjetividade, mas sim ao corpo próprio, pois qualquer ação corporal, toda a atitude, toda amovimentação feita pelo corpo só poderá tomar proporções maiores se estiverem coadunando com asnossas emoções, revelando os significados destas, sejam elas o simples ato de pintura pelos Potiguara até amanifestação propriamente dita de suas danças e celebrações (Falcão, 2011). E pensando nessa significaçãodo corpo próprio que dança o Toré, entende-se que:

Os movimentos do corpo próprio são naturalmente investidos de certa significação perceptiva, elesformam, com os fenômenos exteriores, um sistema tão bem ligado que a percepção externa "leva emconta" o deslocamento dos órgãos perceptivos, encontra neles, senão a explicação expressa, pelo menos omotivo das mudanças que intervieram no espetáculo, e assim pode compreendê-las imediatamente(Merleau-Ponty, 1999, p.78-79)

Deste modo, se observa a grande riqueza da intencionalidade do corpo vivido que se manifesta nestecenário. A dança no Toré é sempre realizada em forma de dois círculos sempre se movimentando emsentido anti-horário, onde todos dançaram descalços para que pudessem sentir a vibração da terra e assiminteragir com a natureza. O motivo da dança ser circular é para que as energias uns dos outros de enlaceme evite desta forma a entrada de energias negativas no momento da dança.

Durante a abertura dos jogos percebeu-se três coreografias distintas utilizadas entre os Potiguara, ondeeram ritmados em momentos ora lento, ora acelerado, indo de acordo com o som do maracá. O primeiromomento, sempre caminhando em sentido anti-horário, os participantes realizavam movimentos desemicírculo para dentro e para fora da grande roda em movimentos de sudação da pessoa que estava a suafrente e a pessoa que estava atrás. A segunda coreografia foi um pouco mais acelerada e de pisadas mais

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simples, onde os participantes seguiam uns atrás dos outros caminhando com o passo marcado, quasecomo em marcha. Na coreografia final, algumas crianças e adultos se juntaram às lideranças no círculomenor e as duas rodas entoaram um canto onde os participantes seguiam uns atrás dos outros com osbraços abertos, simulando um pássaro batendo suas asas.

3.4 Últimas palavras

Percebe-se que o Brasil é um país rico em diversidade natural, social, cultural e etnica, onde a culturaindígena está a cada dia ganhando mais força e reconhecimento, neste sentido, o presente estudo buscoufazer uma analise das coreografias desenvolvidas na dança do ritual do Toré, que foi apresentado nos Jogosdos Povos Indígenas da Paraíba. Percebeu-se que o povo Potiguara celebra suas manifestações com a alma,cantam e dançam reverenciando seus ancestrais e agradecendo a natureza, a Deus e aos encantados pelafartura e proteção. Os Potiguara dançam e praticam suas manifestações corporais celebrando a vida,portanto, diante dos achados e da carência de estudos acerca da temática, sugere-se estudar maisprofundamente outras esferas no âmbito dos jogos, da dança, e do corpo indígena Potiguara.

3.5 Notas

1 Toro ou tora – o mesmo que pedaço de madeira, entre os Potiguara é utilizado um pedaço do troco decoqueiro.

2 Cacique – Líder político, maior autoridade de uma comunidade indígena.

3 Pajé – Líder espiritual e curandeiro. Conhecedor das ervas medicinais e das rezas.

4 Encantados – Seres espirituais que podem ser antepassados, animais, espíritos iluminados que protegem anatureza.

5 Tocadores – Índios responsáveis pela música e canto no Toré.

6 Maracá - Instrumento que lembra um chocalho, feito com a cabaça (fruto seco de casca dura que vem dacabaceira, também conhecido na Amazônia como jamaru), com sementes, areia ou sal grosso em seuinterior e um pedaço de madeira na ponta.

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CORPS ET SEXUALITÉS DÉCONCERTANTS CHEZ ALMODÓVAR :DIALOGUES ENTRE LA THÉORIE QUEER ET LA PHÉNOMÉNOLOGIE DE

MERLEAU-PONTYOS CORPOS E SEXUALIDADES DESCONCERTANTES EM ALMODÓVAR:

DIÁLOGOS ENTRE A TEORIA QUEER E A FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY

Paula Nunes CHAVES1

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

Email : [email protected]

Résumé

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Cette étude a pour objectif établir un dialogue entre la théorie queer et la pensée du philosophefrançais Maurice Merleau-Ponty, principalement en ce qui concerne le corps et la sexualité. Larecherche est basée sur la théorie de la méthode phénoménologique, qui considère la description etles interprétations des phénomènes dans leurs plus variées significations. De manière à enchevêtreret faire dialoguer ces pensées, on a l’intention d’utiliser le cinéma comme stratégieméthodologique. À cette fin, on appréciera et analysera trois pellicules du cinéaste PedroAlmodóvar, à savoir : Tout sur ma mère (1999), La piel que habito (2011) et La mauvaise éducation(2003) qui nous mettent en contact avec des coprs et des sexualités queer, ainsi qu’avec le corpsesthésiologique, de l’extase, des sensations et expériences vécues, capable d’affecter et d’êtreaffecté, duquel nous parle Merleau-Ponty. L’option de telles pellicules est dûe justement auxcaractéristiques non linéaires des personnages présents dans la filmographie de Pedro Almodóvarque, avec ses corps expressifs, esthésiologiques, de transsexualité, travestis, de sexualité, affectionet désirs normalisés et fugitifs de la logique binaire (Hétéro-Homo), bouleversent les frontièrestraditionnellement opposées et fixes du genre, de la sexualité et des identités. Les corps queerprésents dans sa filmographie font effondrer les normalisations identitaires fixes et determinationsconventionnées culturelle et et socialement de comment on doit être et vivre la sexualité quand onmontre la capacité de devenir, de créer et de recréer le corps dans sa relation avec le monde, ennous remettant à l’être sauvage et de l’indéterminé de phénoménologie de Merleau-Ponty.

Mots-clés : Corps, Sexualité, Théorie queer, Phénoménologie, Cinéma.

Resumo

Este estudo objetiva estabelecer um diálogo entre a teoria queer e o pensamento do filósofo francêsMaurice Merleau-Ponty, principalmente no que concerne ao corpo e à sexualidade. O estudo temcomo moldura teórica o método fenomenológico, que considera a descrição e interpretações dosfenômenos nas suas mais variadas significações. Na tentativa de entrelaçar esses pensamentospretende-se utilizar o cinema como estratégia metodológica. Para tanto, analisaremos três películasdo cineasta Pedro Almodóvar, a saber: Tudo sobre minha mãe (1999), A pele que habito (2011) e Máeducação (2003), que nos colocam em contato com corpos e sexualidades queer, bem como com ocorpo estesiológico, do êxtase, das sensações e experiências vividas, capaz de afetar e ser afetado,do qual nos fala Merleau-Ponty. A opção por tais películas se deve justamente às características não-lineares dos personagens presentes na filmografia de Pedro Almodóvar, que com seus corposexpressivos, estesiológicos, transexualizados, travestidos, de sexualidade e desejos não-normatizados e fugidios da lógica binária (Hetero-Homo), embaralham as fronteirastradicionalmente opostas e fixas do gênero, da sexualidade e das identidades. Os corpos queerpresentes em sua filmografia fazem ruir as normalizações identitárias e determinaçõesconvencionadas cultural e socialmente de como se deve ser e viver a sexualidade ao mostrar acapacidade de tornar-se, de criar e de recriar o corpo na sua relação com o mundo, nos remetendoao ser selvagem e do indeterminado da fenomenologia de Merleau-Ponty.

Palavras- chaves: Corpo, Sexualidade, Teoria queer, Fenomenologia, Cinema.

1. Travessias iniciais

A partir da década de 60, as discussões sobre identidades, gêneros e sexualidades se fortaleceramimpulsionadas pelos movimentos feministas, de gays e lésbicas e pelos estudos queer. As inúmeras formasde ser homem e mulher, e de experienciar os prazeres e desejos corporais estão sendo reconstruídasconstantemente, e paralelamente sendo condenadas ou negadas. (Louro, 2000).

Na contemporaneidade, estamos assistindo à flexibilização de um dos pilares mais rígidos e primordiaisestabelecidos pela sociedade: a categorização unívoca do masculino e do feminino. As reflexões sobre essapluralização de corpos e modos de existir no mundo desponta de forma mais emblemática a partir dadécada de 80, através de um movimento político e intelectual chamado de teoria queer24, que por sua vez,foi impulsionado por uma série de outros movimentos sociais, dentre os quais se destacam: o movimento

24 Perspectiva teórica e movimento político que surge na década de 80 e se propõe a pensar as ambiguidades, a multiplicidade, afluidez das identidades sexuais e de gênero, bem como os corpos que subvertem os padrões sociais, problematizando as formasconvencionais de viver essas dimensões (Louro, 2013).

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feminista da segunda onda25, os movimentos homossexuais e a luta pelos direitos civis da população negrano sul dos Estados Unidos. Esses movimentos políticos e sociais começaram um processo dequestionamento dos padrões morais, deslocando e ampliando a luta social, antes focada nas desigualdadeseconômicas, para novas demandas da ordem do corpo, do desejo e da sexualidade (MISKOLCI, 2012).

Nesse sentido, o movimento queer almeja menos pseudo-aceitações sociais para os sujeitos que seencontram à margem dos padrões, do que fazer ruir as normalizações e valores hegemônicos queengendram os estigmas. O termo Queer pode ser traduzido originalmente por estranho, excêntrico, raro,extraordinário, e com toda sua carga de preconceito, estranheza e de deboche, é assumido por umavertente dos movimentos homossexuais para caracterizar a oposição e contestação a heteronormatividadecompulsória. Queer significa colocar-se contra a normalização, aponta para o que não está no centro, elerepresenta a diferença na sua forma mais transgressiva e perturbadora (Louro, 2013).

Convido-os a adentrarem no mundo queer e em seus corpos e sexualidades, um mundo teórico subversivo,assim como os corpos de que fala: Queer é tudo isso: é estranho, raro, esquisito, queer é, também, o sujeitoda sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, Drags. É o excêntrico que nãodeseja ser “integrado” e muito menos “tolerado”. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira ocentro nem o quer como referência, um jeito de pensar que desafia as normas regulatórias da sociedade,que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, do indecidível. Queer é um corpo estranho,que incomoda, perturba, provoca e fascina (Louro, 2013, p.7,8).

Esses corpos queer, não se satisfazem em transgredir as normas de gênero e sexualidade, desmantelando alógica sexual que opera através dos binarismos, eles nos mostram que as formas de viver essas dimensõesse multiplicaram e já não mais podem ser resumidas nas fronteiras daheterossexualidade/homossexualidade, e do masculino/feminino. Nesse sentido, Butler defende que nãoexiste uma identidade de gênero por trás das expressões, essa identidade é uma performatividadeconstituída (Rodrigues, 2005). Ao conceber o gênero não mais como uma categoria de marcação edelimitação social e sim como performance26, amplia-se a perspectiva para além da categorização eenquadramento dos corpos, multiplicando as formas de afirmação e vivências dos gêneros e sexualidades,possibilitando a emergência de corpos subversivos da lógica binária do gênero.

Para além de desestruturar os binarismos, os corpos queer evidenciam a possibilidade do atravessamentoconstante destas fronteiras de gênero, ditas opostas, através da construção e reconstrução de seus corpos,que podem se colocar especificamente na fronteira, na indecisão entre o masculino e o feminino, e nasubversão de não pertencer a nenhum lugar pré-determinado, é o caso, por exemplo, das Drags, travestisou transexuais.

Aqueles que corporificam a incongruência e ambiguidade desconcertantes de estar sempre transitando ouatravessando a fronteira que separa os gêneros e as sexualidades, segundo Louro (2013), tumultuam econfundem os signos considerados específicos de cada território generificado, sendo estigmatizados comodesviantes e infratores, tal como os atravessadores clandestinos que cruzam as fronteiras territoriais, e nãopermanecem no local onde deveriam pertencer.

25 O movimento feminista da segunda onda faz parte de um conjunto de movimentos que surgem pela emergência de novossujeitos e novas demandas que estão para além do aspecto de desigualdade econômico, englobando também questões da ordemdo desejo e da sexualidade que colocam em xeque padrões morais. O movimento da segunda onda emerge também enquantocrítica ao caráter branco, heterossexual, de classe média e ocidental do feminismo precedente (Miskolci, 2012).26 As performances de gênero são construções dos sujeitos a partir de seus horizontes culturais, sociais e afetivos, e que dialogam omasculino e o feminino, podendo transitar e modificar os signos de seus corpos. O termo performance é aqui entendido enquantoexpressões, gestualidades plurais e desconcertantes.

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O caráter migrante destes corpos que se travestem do outro sexo, torna cada vez mais difícil a tarefaconstruída historicamente de definir e dicotomizar o sujeito como masculino ou feminino, evidenciandoque as fronteiras que separam, são ao mesmo tempo, as que permitem e proporcionam relações decontato, ressignificação e construção do corpo e de sua sexualidade.

Quando nos reportamos a esfera das pesquisas e teorizações queer sempre conectadas ao movimentopolítico, encontramos que a agenda teórica preocupa-se com a problematização das noções clássicas, fixase limitadas de sujeito e identidade enraizadas no pensamento racional. Tal pensamento sofre um grandeabalo com as descobertas ds psicanálise sobre o inconsciente, que nos revela que o ser humano temdesejos dos quais não possui pleno conhecimento e controle, o corpo não é mais um maquinário derespostas únicas, é o corpo do desejo, do instável, do desconhecido (Louro, 2013).

Centrando a atenção na realidade brasileira, temos que a sexualidade passa a ter mais visibilidade nasdiscussões a partir da década de 1980 quando “[...] a temática também passa a se constituir como questãoacadêmica, na medida em que, em algumas universidades e grupos de pesquisa vem a ser discutida,especialmente com o apoio nas teorizações de Michel Foucault” (Louro, 2013, p.33,34). A autora citadaainda pontua que dentro do rol de teorizações que desestabilizam radicalmente o pensamento racionalmoderno vigente, destacam-se os insights de Michel Foucault sobre a sexualidade e sua construçãodiscursiva, de extrema relevância para a elaboração e concepção da teoria queer. Michel Foucault nos falado sexo colocado enquanto discurso e que vivemos imersos nesses múltiplos e constantes discursos sobre asexualidade, responsáveis por classificá-la e controlá-la.

Além de influenciar profundamente a formulação da teoria queer e as produções de seus teóricos, ao nosreportamos ao cenário das produções acadêmicas que tematizam a teoria queer encontramos até hojecomo principal âncora teórica para pensar as questões de corpo e sexualidade o pensamento do filósofoMichel Foucault, focalizando as relações de poder que permeiam essas categorias. Nessa direção, longe denegar ou refutar as contribuições de Foucault para pensar o corpo e a sexualidade e sua importância para omovimento queer, este trabalho visa realizar alguns apontamentos iniciais sobre uma possível interlocuçãoentre a teoria queer e o pensamento e os conceitos de corpo e sexualidade de outro filósofo francêschamado Maurice Merleau-Ponty para pensar os corpos e sexualidades queer, na tentativa de interrogaresses conceitos e contribuir com um caminho teórico de reflexão sobre tais questões.

Nesse sentido, Judith Butler, uma das principais teóricas queer afirma que “[...] O sexo é, ele próprio, umapostulação, um constructo que se faz no interior da linguagem e da cultura”(Butler apud Louro, 2013, p.69).Esse enunciado evidencia a possibilidade de um culturalismo impregnado no pensamento da teoria queer,ao pensar a sexualidade apenas como um constructo social, histórico e cultural. Além disso, Butler aomostrar-se próxima às reflexões de Michel Foucault nos diz que “os discursos “habitam os corpos”, que “oscorpos, na verdade carregam discursos como parte de seu próprio sangue.”(Butler apud Louro, 2013, p.82).No caso deste pensamento podemos problematizar que os corpos também podem ser capazes de produzirdiscursos além de serem o alvo maior dos mesmos.

Diante dessas questões, percebemos que a teoria queer versa sobre a implosão dos binarismos e diplopiasdo corpo, de gênero e das sexualidades, a partir de um referencial balizado na dimensão cultural dosaspectos supracitados, bem como nos discursos que agem sobre os corpos, no entanto, talvez ainda sejanecessário o espírito de ruptura total com as dualidades que se enraizaram no corpo. Louro (2013) afirmaque segundo a lógica dos teóricos queer se faz necessária uma transformação epistemológica para refutaros binarismos e suas consequentes classificações. É nessa direção, que apostamos no diálogo com Merleau-

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Ponty no intuito de auxiliar essas discussões, ampliando o aparato epistêmico do conhecimento sobre ateoria, colocando o corpo e a sexualidade em evidência enquanto nossas condições de estar no mundo.

De acordo com Nóbrega (2008) a obra de Merleau-Ponty expressa uma recusa aos determinismos de todaordem, no corpo, no conhecimento, na existência, compreendendo o corpo como condição existencial,afetiva, epistemológica, um corpo sentido, vivido, desejado, interditado, subversivo, justificando assimnossa escolha por relacionar os corpos queer e sua teoria com o pensamento do filósofo, que traz aexistência enquanto figurada no corpo, colocando-o sempre em evidência na sua experiência no mundo,inclusive na sua experiência sexual.

Nesse sentido, questionamos quais as aproximações possíveis e os distanciamentos entre a teoria queer eas noções de corpo e sexualidade em Merleau-Ponty? Quais as implicações dessas construções teóricaspara ampliar o escopo de pensamento do corpo, gênero e sexualidade na Educação Física?

Diante deste cenário, este escrito objetiva apresentar alguns apontamentos iniciais e metodológicos dapesquisa de mestrado cujo objetivo é estabelecer um diálogo entre a teoria queer e o pensamento dofilósofo francês Maurice Merleau-Ponty, principalmente no que concerne às categorias de corpo esexualidade. Na tentativa de entrelaçar e dialogar esses pensamentos pretende-se utilizar o cinema doespanhol Pedro Almodóvar como estratégia metodológica, em um exercício do olhar enquantopossibilidade de leitura do mundo e novas maneiras de perceber o ser humano.

De acordo com pesquisa realizada na base de dados da Capes, Lilacs e Scielo, percebemos que o cinema deAlmodóvar é acionado frequentemente para pensar questões de drogas, novos arranjos familiares, bemcomo de gênero, sexualidade e performatividade. No entanto, neste trabalho pretendemos interrogar oscorpos e sexualidades queer em Almodóvar à luz da teoria queer e da fenomenologia de Merleau-Ponty,dando um caráter de ineditismos a pesquisa, tendo em vista que a teoria queer já foi dialogada comdiversos autores, por exemplo, nos livros: Foucault e a teoria queer (2006) e Judith Butler a e teoria queer(2013). No entanto, essa perspectiva teórica queer, bem como a problematização do corpo da qual ela falaé inexistente no campo da Educação Física, que ainda se ancora em uma perspectiva fixa de gênero,sexualidade e corpo. Nesse sentido, a pesquisa que está sendo desenvolvida no mestrado também sepropõe a trazer possíveis reverberações destas construções teóricas para a área da Educação Física.

No que concerne às categorias do estudo, escolhemos o corpo, porque é através dessa materialidade queos sujeitos queer se fabricam, se transformam, se metamorfoseiam, se reconstroem, se tornam mais de umgênero e mais de uma sexualidade, é no corpo que se [...] “localizam os principais símbolos do masculino edo feminino; e investem conhecimento, tempo e dinheiro para que possam ostentar, sentir e exibir umcorpo diferente, um novo corpo (Benedetti, 2005, p.51). Nesse sentido, Merleau-Ponty (1998, p.178)sinaliza que “o corpo não é ambíguo; ele só se torna ambíguo na experiência que temos dele,eminentemente na experiência sexual, e devido à sexualidade.” Nesse sentido, o corpo construído social ehistoricamente vai tornando-se ambíguo a partir da experimentação de uma sexualidade que desvia danorma padrão, sem a qual não haveria necessidade de transformação corporal. Nessa direção “Há umaespécie de osmose entre a sexualidade e a existência, isto é, se a existência se difunde na sexualidade,reciprocamente a sexualidade se difunde na existência [...]” (Merleau-Ponty, 1998, p.180). É nesse sentidode coexistência e imbricação entre corpo e sexualidade, esta última enquanto dimensão corpórea eexistencial, que se delimitou as categorias deste estudo.

2. Caminhos metodológicos

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Enquanto bases teóricas referenciais para a interlocução e o diálogo proposto para a construção dadissertação, no tocante à Teoria queer, elencamos inicialmente as obras: Teoria queer: um aprendizadopelas diferenças (2012); Um corpo estranho: ensaio sobre sexualidade e teoria queer (2013) e Judith Butlere a Teoria Queer (2013). No que concerne ao referencial de estudo do filósofo Maurice Merleau-Ponty,elencamos dois livros, o primeiro é Fenomenologia da Percepção (1998), pelo fato da obra conter umcapítulo específico sobre sexualidade e outro sobre corpo, muito embora os conceitos estejamtransversalizados no livro inteiro. E a segunda obra consiste no livro A natureza (2006), por conter ensaiossobre o corpo estesiológico, indeterminado, e considerações que vão além da noção de corpo próprioestabelecido na primeira obra em questão.

O estudo tem como moldura teórica o próprio método fenomenológico, que considera como pontos dereferência a subjetividade encarnada, o mundo e a experiência vivida, a descrição e interpretações dosfenômenos nas suas mais variadas significações, concebendo o corpo como local de conhecimento e sabernos seus diversos sentidos e modos de ser no mundo.

Ancorada na fenomenologia de Merleau-Ponty, que coloca a experiência vivida do ser no mundo enquantofonte e pilar de sustentação do conhecimento, explicito minha identificação, abertura e experiência com atemática queer que me levou a escrever essa linhas aqui descritas. Minhas leituras sobre a teoria queerdatam de minha graduação em educação física, e da inquietude a respeito das questões concernentes aogênero e sexualidade na área. Meu encontro com essa construção teórica aconteceu no ano de 2013durante a tecitura de minha monografia bem como com os estudos e leituras referentes a experiênciaenquanto bolsista de iniciação científica. Em ambos os espaços de pesquisa analisava películas do início doséculo XX, que versavam sobre os sujeitos que transgridem as normas de gênero e sexualidade normativos(Gays, lésbicas, travestis, transexuais) no âmbito esportivo. Foi nesse período que comecei a me debruçar ea me fascinar pelos corpos queer e sua capacidade de subverter as lógicas, criar novas rotas, traçar novoscaminhos para a existência corporal.

Para além da fascinação, veio-me também a inquietação sobre a tematização do pensamento queer naEducação Física, comecei a questionar se a Educação Física seria queer. Nesse sentido, destaco a existênciade vários estudos recorrentes na área da Educação Física tematizando e pensando as relações de corpo,gênero e sexualidade no âmbito específico do esporte, com uma incidência maior de trabalhos no sentidode discutir a questão das mulheres neste espaço. Nesse contexto, podemos citar alguns trabalhos como ointitulado “Feminismos, mulheres e esportes: questões epistemológicas sobre o fazer historiográfico”(GOELLNER, 2007), e “O esporte e a construção de uma estética eugênica: imagens do corpo feminino naRevista Educação Physica” (GOELLNER, 2012) escritos por Silvana Vilodre Goellner, uma das principaispesquisadoras brasileiras na área da educação física e suas interlocuções com o gênero e a sexualidade,que versam sobre o feminino e a mulher no esporte. Destaca-se também a tese de doutorado da autoracitada acima que intitula-se Bela, maternal e feminina - imagens da mulher na Revista Educação Physica(1999). No entanto, no que concerne as produções que acionam o pensamento queer na educação física,não encontramos uma discussão consolidada. Alguns trabalhos versam sobre esporte e competições queer,e foram escritos por autores que não são da área específica da educação física, podemos citar WagnerXavier Camargo e Carmem Silva Rial, que trazem uma gama a de contribuições para pensar os sujeitosqueer no esporte no contexto pós-moderno, tendo como pauta central as competições esportivas mundiaisque agregam os atletas queer (Camargo & Rial, 2009).

Atrelada a essas vivências e inquietações anteriores, adiciono minha entrada no Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte na linha dos estudos sócio-

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filosóficos sobre o corpo e o movimento humano, que me possibilitou adentrar no universo de pesquisa dogrupo Estesia (Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento), bem como me integrar aostrabalhos desenvolvidos por este e pelo Laboratório VER – Visibilidades do Corpo e da Cultura deMovimento, que, por sua vez, está integrado ao Estesia. Esses espaços de construção do conhecimentoconsideram a arte cinematográfica como uma possibilidade de refletir sobre temas filosóficos,desencadeadora de reflexões e discussões e vem desenvolvendo atividades relacionadas à análise defilmes, produção de vídeos e estudo sobre o corpo e o movimento no âmbito da arte cinematográfica.

Considerando os sentidos que fui capturando durante esses movimentos e espaços de pesquisa,aciono Merleau-Ponty, que ao versar sobre a relação entre ciência e experiência, nos atenta para ofato de que Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minhaou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo ouniverso da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência comrigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essaexperiência do mundo da qual ela é a expressão segunda (Merleau-Ponty, 1998, p.3).

É nessa relação com o objeto, com o mundo, com os outros que os corpos e sexualidades queer, o cinema eos escritos de Merleau-Ponty, passaram a fazer sentido na minha existência, enquanto maneiras múltiplasde existir e pensar o mundo que definem meu interesse e me despertam para continuar no mundo dapesquisa. No entanto, é preciso atentar que a aproximação com os objetos de pesquisa são arriscados, namedida em que nos causam fascinação. É por isso que utilizamos como recurso metodológico a reduçãofenomenológica enquanto ruptura com a familiaridade para com o objeto. Afastamos-nos no intuito de vê-lo de outras formas, enxergar seus paradoxos e incompletudes, mesmo sabendo da impossibilidade de nosdistanciarmos por completo de tais objetos, tendo em vista que os mesmos habitam em nós, no nossocorpo e na nossa experiência no mundo, como nos diz Merleau-Ponty:

Porque somos do começo ao fim relação ao mundo que a única maneira, para nós, de apercebermo-nos disso é suspender este movimento, recusar-lhe nossa cumplicidade ... ou ainda colocá-lo fora dejogo. Não porque se renuncie às certezas do senso comum e da atitude natural — elas são, aocontrário, o tema constante da filosofia —, mas porque, justamente enquanto pressupostos de todopensamento, elas são "evidentes", passam despercebidas e porque, para despertá-las e fazê-lasaparecer, precisamos abster-nos delas por um instante... A reflexão não se retira do mundo emdireção à unidade da consciência enquanto fundamento do mundo; ela toma distância para verbrotar as transcendências, ela distende os fios intencionais que nos ligam ao mundo para fazê-losaparecer, ela só é consciência do mundo porque o revela como estranho e paradoxal (Merleau-Ponty,1998, p.10).

É na tentativa de enxergar os paradoxos do mundo e do corpo queer, em seus possíveis diálogos eentrelaçamentos com os escritos de Merleau-Ponty, que recorremos ao cinema enquanto uma dasestratégias metodológicas de redução, para além das leituras das obras referentes às duas construçõesteóricas em evidência no estudo. O cinema se enquadra em um exercício do olhar e da criação e imputaçãode sentidos e significados ao fenômeno a partir das diferentes interpretações que o mesmo aflora, partindo

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do pressuposto que o conhecimento é sempre inacabado e aberto à inúmeras percepções. Nesse sentido,ancorados no pensamento de Nóbrega (2010) entendemos que a visibilidade das obras permite umaexperiência sensível do olhar que nos ensina a enxergar novos sentidos, rompendo com os determinismosinstituídos, criando novas significações a partir do processo de ver o objeto de outra maneira,aprofundando e ampliando nosso conhecimento e compreensões sobre o ser e a existência.

Na busca da ampliação dos sentidos não instituídos, consideramos o cinema enquanto arte, tendo em vistaque “a obra de arte amplifica o enigma da visibilidade e apresenta elementos significativos paracompreender a relação do sujeito e do objeto, pois a visão depende do movimento [...]” (Nóbrega, 2008,p.397). Olhares que se cruzam diante de uma obra e ultrapassam o visível, e nos colocam em contato comsímbolos, com a sexualidade, com a imaginação, nos oferecendo novas possibilidades de pensar o corpo e asexualidade presente nesses cenários fílmicos, auxiliando na reflexão sobre os paradoxos e complexidadesda existência encarnada no mundo. Dessa forma, o cinema não é apenas uma mera representação darealidade, ele atende as nossas necessidades do imaginário, dos devaneios, da magia e da estética, tudoque a vida cotidiana não é capaz de satisfazer (Morin, 1997).

Segundo Nóbrega (2008), o corpo vivido em Merleau-Ponty é o corpo da relação com os outros, dosinstintos profundos e da sexualidade. O filósofo destaca que a verdade do corpo pode ser encontrada naestesia das relações e no imaginário da arte e que a exploração dessa arte, seja por meio da pintura, docinema, nos permite uma nova visão do homem, do tempo.

No caso específico do cinema, concordamos com Morin (1997) ao afirmar o caráter mágico, imaginativo eafetivo desta arte, que nos afeta com suas histórias e corpos expressivos da paixão, emoção e criação, noleva a outros lugares e temporalidades, porque temos a:

Necessidade de fugirmos a nós próprios, isto é, de nos perdermos algures, de esquecermos os nossoslimites, de melhor participarmos no mundo..ou seja, no fim de contas fugirmo-nos para nosreencontrarmos. Necessidade de nos reencontrarmos, de sermos mais nós próprios, de nos elevarmosà imagem desse duplo que o imaginário projeta em mil e uma vidas extraordinárias (Morin, 1997,p.170).

A utilização de filmes enquanto recurso metodológico na produção do conhecimento, ao movimentarnossas reflexões, nos colocam em contato com esses corpos extraordinários. Segundo Baecque (2009,p.482) “É próprio do cinema registrar corpos e com eles contar histórias[...]”. A percepção desses corposcinematográficos que podem ser estranhos, doentes, sedutores, impressionantes, bem como a histórianarrada, sempre nos leva a pensar e a ampliar nosso olhar, tendo em vista que a obra “pode significar omundo com tanta "profundidade" quanto um tratado de filosofia” (Merleau-Ponty, 1998, p.19).

No entanto, esse processo somente torna-se possível por meio da percepção, isso porque “é mediante apercepção que podemos compreender a significação do cinema: um filme não é pensado e, sim, percebido”(Xavier, 2008, p.115). Ancorados no pensamento do autor supracitado, entendendo que o filme deve serexaminado como um objeto a se perceber, não podemos conceber essa operação como um processopuramente físico-fisiológico, pois a percepção se dá no nosso contato com o mundo, “[...] a percepção é oconhecimento de um sujeito corporal, havendo uma intensa relação entre nosso corpo, os objetos e omundo percebido”(Nóbrega, 2013, p.2).

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E, por se configurar enquanto relação do sujeito com o mundo, a percepção, não pode se fechar naimposição de um significado unívoco sobre o objeto, proporcionando uma diversidade de possibilidades esignificações tecidas pelos diferentes contextos, sensações, subjetividades e corpos que se relacionam comesse mundo e o interpretam. Nesse sentido, atentamos para o fato de que nossa apreciaçãocinematográfica das obras jamais será acabada ou caracterizada como possibilidade única, configurando-secomo uma leitura possível dentro da infinidade de percepções que podem ser desencadeadas por taispelículas. Nesse sentido, nos ancoramos em Merleau-Ponty (1998, p.14) ao nos revelar que “o mundo énão aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-meindubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável”.

Centrando nossa atenção nas categorias centrais do corpo e da sexualidade, serão analisadas durante aconstrução da dissertação três películas do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, a saber: Tudo sobre minhamãe (1999), A pele que habito (2011) e Má educação (2003), escolhendo cenas que nos colocam emcontato com corpos e sexualidades queer, bem como com o corpo estesiológico, do êxtase, das sensações eexperiências vividas, capaz de afetar e ser afetado, obra de arte cujos contornos não são fixos ou definidos,do qual nos fala Merleau-Ponty, com toda a gama de proibições e permissões nele imbricados. Aconstituição e escolha desse corpus de análise dentre a vasta filmografia de Almodóvar se deve ao fato dosfilmes abordarem de forma emblemática as questões concernentes ao corpo, gênero e sexualidade, nosprovocando a pensar, principalmente por seus personagens dúbios, instáveis, migrantes emetamorfoseantes.

Nos reportamos às produções do cineasta Pedro Almodóvar justamente por seus sujeitos que transgridemas normas e corporificam a incongruência e ambiguidade desconcertantes de estar sempre na fronteira quesepara os gêneros e as sexualidades. Sujeitos que, com seus corpos expressivos, estesiológicos,transexualizados, travestidos, de sexualidade e desejos não-normatizados e fugidios da lógica binária(Hetero-Homo), embaralham as fronteiras tradicionalmente opostas e fixas do gênero, da sexualidade e dasidentidades.

Com seus personagens perturbadores, cambiantes, ambíguos em sua sexualidade, afetos e desejos,Almodóvar tenciona diversas possibilidades de ser, desejar e existir no mundo a partir da experiência docorpo, rompendo interdições deterministas, nos afetando com seus corpos abjetos, ditos queer, estranhos,desconcertantes, esquisitos por recusarem valores de uma ordem sexual heteronormativa hegemônica. Oscorpos queer presentes em sua filmografia fazem ruir as normalizações identitárias fixas e determinaçõesconvencionadas cultural e socialmente de como se deve ser e viver a sexualidade ao mostrar a capacidadede tornar-se, de criar e de recriar o corpo na sua relação com o mundo, nos remetendo ao ser selvagem edo indeterminado da fenomenologia de Merleau-Ponty.

Ao nos brindar com uma análise do cinema de Almodóvar, Vergara (2009) o caracteriza como umacinematografia das tensões, escrituras do descontínuo, das rupturas, das cores, que se inscrevem nosmovimentos, fluxos e deslizes. Almodóvar sempre inutiliza as formas tradicionais ou habituais de criação,e, seus filmes são resistências à homogeneidade, narrações do instável, do fugidio. O mundoAlmodovariano nos convida a visitar as margens, fronteiras e bordas, e para, compreender e se inundar poresse universo, é necessário que os leitores e espectadores de suas obras se desfaçam de todas as suastentações totalizadoras, de almejar o centro ou uma estrutura determinada. Almodóvar brinca, segundoVergara (2009) com um “cuerpo sin órganos”, personagens que não possuem unidade ou identidade desujeito, estão sempre móveis, se aproximando, assim, dos corpos que estamos chamando de queer.

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Nesse sentido, o modo de funcionamento de seus filmes é balizado justamente na transição, “Másinteressado por el paso, la trashumancia, el flujo, el director construye un universo de lo transitorio [...] Elfranqueo no dice un estado transitorio, pasajero, lleva en si la transformación profunda, lamutación.”(Vergara, 2009, p.50). Os corpos de Almodóvar estão sempre em um estado de “tornar-se”, elesnão são, apenas “estão” em constante estado de metamorfose, corpos do desejo e pulsões que contestamo orgânico como modelo de organização corporal.

No caso específico das obras aqui selecionadas, alguns personagens emblemáticos são uma espécie decelebração do trânsito no tocante ao gênero, afetos, desejos, sexualidades e ao próprio corpo como formade existir no mundo, e serão os interlocutores principais de nossa apreciação. Em Tudo sobre minha mãe(1999), temos, por exemplo, as personagens Agrado e Lola, em Má Educação (2003) a personagem Zaharaque nos chama atenção, todas elas travestem seus corpos, reviram, constroem e reconstroem seus modosde ser e estar no mundo. E, por fim, em A pele que habito (2011) a reconstrução do corpo da personagemVera nos leva a pensar os limites entre o transitório e o permanente, no quiasma, na ambivalência.Almodóvar sempre nos leva a crer que é possível existir de outra maneira, com sua arte da descontinuidadee da ruptura e seus corpos travestidos, trans, duplos, mistos, indeterminados sexualmente, nos mostra que“hay que confundir para poder ser” (Vergara, 2009, p.217).

Nessa inexatidão corporal, Almodóvar filma os corpos assim como são, rompe com qualquer formaregrada, domesticada ou clássica de representação, seus corpos são representados sob todas as suasformas verdadeiras, ele introduz uma tradição e liberdade corporal no cinema. E é em busca dessa verdadedo corpo, de uma “sinceridade corporal” que elegemos sinais, indícios, aos quais estamos denominando deindicadores corporais, a serem analisados nas presenças corporais não uniformes em tela, para quepossamos adentrar na realidade mais crua possível destes “escândalos” corporais.

Esses emblemas e marcas são materializações e expressões do inacabamento e da teimosia dos corpos queexperimentam a mistura de aparências, afetos e sexualidades; são recursos e traços das mudanças etransformações, que fazem desaparecer a harmonia e distorcem o modelo de corpo bem comportado, epodem ser visualizados na arte cinematográfica capaz de nos mostrar as condutas e comportamentosestampados no rosto, nos gestos, no corpo. E isso só é possível parafraseando Nóbrega (2013) porque ocinema, ao colocar a câmera em movimento proporciona a restauração da corporeidade e da sensação derealidade, enfatizando as atitudes corporais e emoções dos personagens que ganham relevo e movimentona obra:

Eis porque a expressão humana pode ser tão arrebatadora no cinema: este não nos proporciona ospensamentos do homem, como o fez com o romance durante muito tempo; dá-nos a sua conduta ouo seu comportamento, e nos oferece diretamente esse modo peculiar de estar no mundo, de lidarcom as coisas e com os seus semelhantes, que permanece, para nós, visível nos gestos, no olhar, namímica, definido com clareza cada pessoa que conhecemos. Se o cinema deseja nos mostrar umapersonagem tomada de vertigem, não deve tentar conferir a visão interior da vertigem...sentiremosisso bem melhor, apreciando exteriormente, contemplando esse corpo desequilibrado a se contorcersobre um penhasco, ou esse andar vacilante, tentando adaptar-se na desorientação do espaço(Xavier, 2008, p.116) .

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É nesses desequilíbrios do corpo que direcionaremos nossa contemplação, para tentar descrever osparodoxos e as desordens inerentes ao corpo que está atado ao mundo. A citação acima nos fala davisibilidade dos gestos possibilitada pelo cinema, e sua importância está atrelada ao fato de que “[...] ohomem sempre teve diversos meios de se exprimir, a começar pelos gestos[...]”(Martin, 2003, p.17).Estamos a desejar descrever um determinado modo de estar e existir no mundo através desses elementoscorporais visibilizados no cinema de Almodóvar, dos quais a gestualidade é expressão primordial, tendo emvista que “A própria matéria do filme é o registro de uma construção espacial e de expressões corporais.Registrar com o auxílio de uma câmera, corpos que se relacionam em um espaço, eis a definição dessaorganização formal chamada cinema” (Baecque, 2009, p.481). Através dessas expressões e gestualidades,os corpos queer nos convidam ao seu encontro, a adentrar em sua história corporal e passear por seucaminho construtivo e expressivo de uma materialidade sempre incerta, travestida de símbolos, cujaspresenças ou ausências revelam, sugerem, ampliam significados, são assim, indicadores corporais e sinaissimbólicos que nos levam a ver de outras formas, e que se configuram enquanto dissonâncias corporaisvisíveis do modelo heterossexual e binário.

Nessa direção corroboramos com o pensamento de Xavier (2008, p.110) ao explicar que “[...]reconhecemos uma determinada estrutura comum à voz, à fisionomia, aos gestos e ao andar de cadapessoa – cada pessoa não é, para nós, nada mais do que essa estrutura ou esse modo de estar no mundo”.Estruturas estas que englobam também os adornos, a maquiagem, perucas, e todo um conjunto deelementos responsáveis por uma estetização não tradicional das aparências. “Assim, a madeixa doscabelos, o lenço ou o perfume, a fotografia comunica não só uma ideia, mas a presença daquilo de que sãoapenas fragmentos ou sinais” (Nóbrega, 2013, p.9).

Tendo em vista que “[...]o corpo é também a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções quenele se operam, a imagem que dele se produz [...](Goellner, 2013, p.31), elegemos, além da gestualidade,cabelos e maquiagens, o elemento da vestimenta, das roupas e figurinos dos personagens porque estesutilizam o “[...] cambiar de ropa para cambiar de ser, para crear otro cuerpo, otros limites [...] también es elmedio para ayudar a que el cuerpo cambie de territorio [...]”(Vergara, 2009, p.161).

Outro indicador corporal emblemático nesses “corpos trânsito” é a maquiagem, enquanto sinal transitório.Batons, rímel, sombras, espelhos, tudo isso contribui para as multiplicidades de marcas que vãointerrogando o corpo, bem como sua coerência, coesão, em uma constante recomposição. De acordo comVergara no cinema de Almodóvar (2009, p.153) “Los afeites, el rimel, los coloretes van multiplicando lapresencia del cuerpo al mundo, su estar aqui. Siempre como la necesidad absoluta de reivindicar supresencia en lo transitorio del instante.”

Todos esses indicadores nos auxiliarão na análise das categorias de corpo e sexualidade à luz do cinema deAlmodóvar, interrogando a teoria queer e a fenomenologia de Merleau-Ponty na busca de ampliar ossentidos da experiência do ser no mundo, tendo em vista a perspectiva de que:

[...] cada sujeito encarnado é como um registro aberto, em que não sabemos o que se inscreverá; oucomo uma nova linguagem, a qual não sabemos que obras produzirá; mas que, uma vez aberto, nãoseria possível dizer pouco ou muito, de ter uma história ou um sentido(Nóbrega, 2010,p.98).

Ao nos reportarmos à análise das imagens corporais no cinema, utilizaremos enquanto instrumento umaficha de análise fílmica produzida e utilizada no laboratório Ver, no entanto de uma forma redimensionada

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e voltada para os indicadores de corpo, gênero e sexualidade, bem como para a escolha de cenas quepossam responder a nossa problemática de estudo. A ficha de análise está dividida em três momentos,além de dados técnicos da produção (Título original, ano e país de produção, direção, gênero, duração eidioma). No primeiro momento, intitulado “sobre a técnica cinematográfica”, realizamos uma descrição doargumento fílmico, foco narrativo, cenário, figurino, trilha sonora/sonorização, fotografia e câmera. Taisaspectos não foram mudados em relação à ficha usada pelo grupo. A segunda parte da ficha original estavaintitulada de “sobre o corpo e a cultura de movimento”, e suas categorias foram reorganizadas a partir dosinteresses desta pesquisa sendo chamada de “Sobre o corpo e a sexualidade”, englobando as seguintescategorias: Corpo e gênero; Corpo e sexualidade; corpo e gestualidade (Olhar, posturas, fisionomias,movimentos); outros indicadores corporais (figurino, maquiagem); e corpo queer (linguagem,metamorfoses, expressões). Por fim, adicionamos um terceiro momento que não se faz presente na fichaoriginal concernente à escolha e descrição de uma cena, ou de cenas emblemáticas em cada filme parapensar as categorias centrais do estudo.

3. Primeiras análises

Imagem 1 – Agrado - O corpo como obra de arte

Fonte: Cena do filme Tudo sobre minha mãe (ALMODOVAR, 1999).

Ao iniciar a análise ainda embrionária do primeiro filme elencado: Tudo sobre minha mãe, nos deparamoscom uma das cenas mais emblemáticas da película, que consiste no monólogo da Personagem Agrado(Imagem acima). Ao subtituir as atrizes da peça um bonde chamado desejo que não se fizeram presente, atravesti diverte, perturba e fascina a platéia ao contar a história de sua vida que se confunde com a históriade seu corpo. Ao narrar o processo de fabricação e transformação de seu corpo siliconado, afirma que oque possui de mais autêntico em seu corpo é justamente o silicone, que na leitura de Louro (2013), é o queaponta de forma mais concreta a intervenção da personagem sobre seu próprio corpo, assinalando em suafala o processo de mudança e movimento inscrito em um corpo em constante metamorfose.

Nesse sentido, O silicone, que para esses sujeitos seria o objeto efetivamente deslocado, aparece na fala deAgrado como a sua natureza, o que de mais autêntico ela possui. Ela começa a fala dizendo que irá contar ahistória de sua vida. Eessa história é contada através de seu corpo, ou melhor, de sua experiênciacorporificada. (Maluf, 2002, p.147). É na experiência da metamorfose que o corpo da personagem se faz,uma experiência que não é somente de ordem anatômica, mas da ordem do desejo.

Ao ironizar sua autenticidade corporal no próprio processo de construção e metamorfose desse corpo,Agrado nos remete à compreensão do corpo como obra de arte, cujos contornos são inacabados (Merleau-Ponty, 1998). Ao desvelar-se contando a história de sua vida, Agrado conta a história de seu corpo

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transformado, fabricado, em metamorfose, nos mostrando que “É a partir do visível que podemoscompreender o invisível. A partir do sensível, que podemos comprender o Ser, sua latência e seudesvelamento.”(Merleau-Ponty, 1998, p.426.). O autor supracitado ainda aponta que o corpo é móvel, etem a capacidade de estar sempre alhures, corroborando com esse estado de latência, de desvelamentocarcterísticos dos corpos queer, ambíguos e subversivos como Agrado, que estão sempre em vias de tornar-se, jamais são prontos ou acabados na sua experiência, como uma obra de arte inacabada e repleta designificados.

No caso da cena descrita acima, os significados estão inscritos nas roupas, gestos, cores, maquiagens, falada personagem. Esse conjunto gera uma potência significante, que nos atrai para mundo de experiênciasvivas atadas e expressadas pelo corpo de Agrado. Ao expressar-se por meio da fala, do gesto, a personagemnos confunde com uma estilística corpórea que não pode ser categorizada, que se torna autêntica naprópria ambiguididade de não pertencer ao masculino ou ao feminino, e de se aproximar, como a própriapersonagem expressa, com aquilo que sonha ser. Nessa direção Merleau-Ponty (1998, p.208), afirma que“é um certo estilo dos gestos de minha mão, que implica um certo estilo dos movimentos de meus dedos econtribui para uma certa configuração de meu corpo.” Essa configuração artísitica do corpo comparado àuma obra de arte, comunica ideias pelas cores e sons, por meio de um nó de signigficações vivas, incritasno corpo que, por sua vez, é a lei eficaz de todas essas mudanças (Merleau-Ponty, 1998). E são essasmudanças e metamorfoses que fazem da experiência vivida de Agrado algo autêntico.

4. Apontamentos iniciais

A partir das primeiras leituras e análises embrionárias, é possível realizar alguns apontamentos a respeitodas noções de corpo em ambos os pensamentos centrais do estudo. Primeiramente, o corpo queerpresente na cena analisada faz ruir as normalizações identitárias e determinações convencionadas culturale socialmente de como se deve ser e viver a sexualidade ao mostrar a capacidade de tornar-se, de criar ede recriar o corpo na sua relação com o mundo, nos remetendo ao ser selvagem e do indeterminado dafenomenologia de Merleau-Ponty.

Existe convergência entre a teoria queer e Merleau-Ponty ao pensarem a experiência e existência ambíguado corpo, que se constrói e reconstrói no mundo vivido, se metamorfoseando a partir de seus desejosinscritos no corpo fabricado em processo de vir a ser como a obra de arte, com sua rede de significados.Nesse sentido, o filósofo assinala que o corpo “ é sempre outra coisa que aquilo que ele é, sempresexualidade ao mesmo tempo que liberdade, enraizado na natureza no próprio momento em que setransforma pela cultura, nunca fechado em si mesmo e nunca ultrapassado.”(Merleau-Ponty, 1998, p.269).

Merleau-Ponty não nega a dimensão natural, assinalando que a natureza está enraizada na cultura. Essanoção pode contibuir para a compreensão de corpo e também se sexualidade na teoria queer, que, porvezes, culturaliza o corpo, e compreende a sexualidade caracterizada apenas como constructo histórico,cultural e histótico, de forma que tudo o que é natureza torna-se cultura a partir das intervenções etransformações dos corpos. Essas nunaces, como já abordado, podem ser emblemáticas de uma certadiplopia na relação entre natureza e cultura, esta última responsável por inscrever as metamorfoses etransformções no corpo. Nessa direção da relação entre natureza e cultura, Merleau-Ponty clarifica que Éimpossível sobrepor, no homem, uma primeira camada de comportamentos que chamaríamos de“naturais” e um mundo cultural ou espiritual fabricado. No homem, tudo é natural e tudo é fabricado(1998, p.257). O filósofo ao romper com essa oposição, também pensa a sexualidade como corporeidade,como coextensivo ao homem, dimensão fora da qual nada resta, constituindo-se em sistema total, comodimensão da experiência vivida e do corpo, que é natureza e cultura.

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Diante das possibilidades de interlocução aqui colocadas, apontamos a necessidade de ampliar eaprofundar as análises no decurso da construção da dissertação, bem como ampliar o escopo das possíveiscontribuições desse diálogo para refletir sobre o corpo e a sexualidade no espaço da Educação física. Estaque, historicamente, tem escanteado tais discussões em detrimento de concepções de corpo, gênero esexualidade reducionistas e binárias que não abarcam eticamente e esteticamente uma existência e umaexperiência figurada no corpo em suas diversas formas de ser no mundo.

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REPRESENTATION DU RITUEL DE LA MORT DANS LES DANSESTRADITIONNELLES: LE NOYAU INTERPRETATIF D'UN CORPS VIVANT

REPRESENTAÇÃO DE RITUAL DE MORTE EM DANÇAS TRADICIONAIS:NUCLEO INTERPRETATIVO DE UM CORPO VIVO

Raimundo Nonato Assunção VIANA1

1 Universidade Federal do Maranhão, Brasil

Email: [email protected]

Résumé

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La mort et la vie coexistent. Reconnu comme loi inéluctable, avec de nombreuses significationsapparaît comme une donné humaine, anthropologique, une espéce de vie qui prolonge d’unemanière ou d’une autre la vie individuelle. Le soin de leurs morts, les rites a qui sont soumis, lacroyance en une passage, l’au-delà de la vie révelent la croyance en immortalité. Bien que destine àêtre immortel, l'homme se présente comme un mortel, nie et reconnaît la mort, il nie commeanéantissement, le reconnaissant comme un événement. Dans ce document, on examine les rituelsde la mort représentées dans les danses traditionnelles, spécifiquement dans le Bumba-meu-boiMaranhão / Brésil, où nous cherchons à comprendre noyau interprétatif d'un corps vivant exprimédans la pensée de Maurice Merleau-Ponty . Étant données humaines, qui peuvent observer dans lesrituels de la mort de Bumba-meu-boi est l’antropomorphization sous l’objet esthétique “boi”, en luidonnant la determination humaine. Le theme de la “mort” en le Bumba-meu-boi est present aussibien dans le ritual de la mort elle-même comme un moment de la fermeture d’un cycle depresentation, la pièce qui donne lieu à cette danse ainsi bien, dans l’axe structural du récit mythiquequi imprègne cette manifestation de danse traditionelle, en supposant un caractère ambivalent; nesignifie pas la fin, mais la renaissance, se trouvant pleine de vie. De cette façon, adopté laphénoménologie comme route méthodologique, et les principaux partinaires de l’étude sont:Merleau Ponty (1999), Morin (1999), Chevalier & Gheerbrant (1982).

Mots clés: Corps, Phénoménologie, Mort rituelle, Danses traditionelles, Bumba-meu-boi.

Resumo

A morte e a vida coexistem. Reconhecida como lei inelutável, a morte com inúmeras significaçõesconfigura-se como um dado humano, antropológico, uma espécie de vida que prolonga de umaforma ou de outra a vida individual. O cuidado com os seus mortos, ritos a que são submetidos, acrença numa passagem, em uma pós-vida revelam a crença na imortalidade. Ao mesmo tempo emque se pretende imortal, o homem designa-se a si próprio como mortal, nega e reconhece a morte,nega-a como aniquilamento, reconhecendo-a como acontecimento. Neste texto enfoca-se os rituaisde morte representados em danças tradicionais, especificamente no Bumba-meu-boi doMaranhão/Brasil, onde busca-se núcleos interpretativos para a compreensão de um corpo vivoexpressado no pensamento de Maurice Merleau-Ponty. Sendo um dado humano, o que se podeobservar nos rituais de morte no Bumba-meu-boi é a “antropomorfização” sob o objeto estético“boi”, dando-lhe determinação humana. O tema “morte” no Bumba-meu-boi está presente tanto noritual da morte propriamente dito enquanto momento de fechamento de um ciclo deapresentações, no auto que dá origem a essa dança como também, no eixo estrutural de narrativamítica que permeia essa manifestação de dança tradicional, assumindo um caráter ambivalente; nãosignificando fim, mas, renascimento, encontrando-se prenhe de vida. Desta forma, Adotou-se aFenomenologia como viés metodológico, e os interlocutores principais do estudo são: MerleauPonty (1999), Morin(1976), Chevalier & Gheerbrant (1982).

Palavras-chave: Corpo, Fenomenologia, Morte ritualística, Danças tradicionais, Bumba-Meu-Boi.

1. Introdução

A morte designa o fim absoluto de qualquer coisa de positivo: um ser humano, um animal, uma planta,uma amizade, uma aliança, a paz, uma época. Simbolicamente, a morte é o aspecto perecível e destrutívelda existência, indica aquilo que desaparece na evolução irreversível das coisas, mas também a introdutoraaos mundos desconhecidos dos infernos e paraísos. É revelação e introdução; todas as introduçõesatravessam uma fase de morte, antes de abrir acesso a uma vida nova (Chevalier & Gheerbrant, 1992).

A morte é reconhecida como lei inelutável, ao mesmo tempo que se pretende imortal, o homem designa-sea si próprio como mortal “[...] a mesma consciência nega e reconhece a morte, nega-a como aniquilamento,reconhece-a como acontecimento” (Morin, 1976, p.26).

Dessa maneira os seres humanos sempre buscaram maneiras de se relacionarem com a morte, criandomodos específicos com características ´peculiares à sua cultura de lidar com esse fenômeno, diversificandoritos e mitos. Como infere (Callia, 2005, p. 9) “Mitos e ritos sobre a morte são incontáveis; todas as culturas

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criam uma forma especial de imaginar e contar a própria versão, estruturando as características coletivasdas diferentes civilizações”.

A inferência supracitada é corroborada com o pensamento de Kovácks (1992,) ao relatar que desde operíodo em que se convencionou chamar Pré-história existem inúmeros registros sobre a morte comoperda, ruptura, desintegração, degeneração, assim como, o sentimento de fascínio, sedução, uma grandeviagem, entrega, descanso ou alívio.

Essa crença na morte enquanto aniquilamento ou acontecimento, se manifestam de diferentes maneirasnas diferentes culturas entre elas nas manifestações construídas sob as danças tradicionais. Nesse sentidoque se enfoca neste texto, rituais de morte representados em danças tradicionais, especificamente noBumba-meu-boi do Maranhão/Brasil, onde busca-se núcleos interpretativos para a compreensão de umcorpo vivo que se expressa na cultura de um segmento e são emblemáticos para compreendermos opensamento de Maurice Merleau-Ponty, que se constitui como interlocutor principal nesseempreendimento cognitivo

2. A fenomenológia como vies metodológico

Nesse empreendimento, incorporamos a trajetória fenomenológica do fenômeno situado. Essa trajetóriaobjetiva buscar a essência ou estrutura do fenômeno que se mostra nas descrições ou discursos do sujeito,do seu mundo real vivido. Buscamos captar, por meio das descrições das experiências vividas, a essência dofenômeno sem pretender uma universalidade da análise, considerando que a maior relevância reside nadependência do fenômeno a um contexto existencial no qual o mesmo está situado, pois o discurso,referindo-se às experiências que os sujeitos vivenciam no seu mundo-vida contém umasituacionalidade.

Dessa forma, na perspectiva metodológica de orientação fenomenológica, o material para a análise éconstituído estritamente das descrições das situações vividas nesse mundo-vida. A descrição estárelacionada aos relatos do espaço e do tempo vividos. Relata o percebido, isto é, o visto, o sentido, aexperiência como vivida pelo sujeito (Merleau-Ponty, 1999).

O material para análise da nossa investigação é constituído das descrições da experiência estética vividascom o Bumba-meu-boi da Liberdade. Ressaltamos que, ao eleger uma manifestação tradicional dentro dagrande diversidade cultural no contexto brasileiro, não estamos afirmando que somente essa tenha aparticularidade enfocada para o estudo. Acreditamos que as diversas manifestações culturais brasileirasconstituem-se como fenômeno estético. A situacionalidade do fenômeno é prerrogativa do viésmetodológico pelo qual optamos para esse empreendimento.

A percepção e a experiência vivida como uma abertura ao mundo que pretendemos conhecer. Dessaforma, situamos a nossa atividade de pesquisa no logos sensível estético.

Por meio do logos sensível, estético, coloca-se a experiência perceptiva como campo de possibilidadespara o conhecimento investido de plasticidade e beleza de formas, cores e sons. O conhecimento éinterpretação, compreendida como obra de arte, aberta e inacabada, horizontes abertos pelapercepção (Nóbrega, 2003, p. 165).

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Trata-se de “uma nova possibilidade de leitura do real e da linguagem sensível, procedendo pelareversibilidade dos sentidos” (Nóbrega, 1999, p. 124), por onde se busca reencontrar nos dados origináriosda experiência, unidades de significados para compreendermos a existência de um corpo vivo na estruturadesenhada no ritual de morte do Bumba-meu-boi maranhense.

É nessa experiência estética, sensível, portanto corporal, que apresentamos a Representação de Ritual deMorte no Bumba-meu-boi maranhense situando- o como emblemático para a compreensão de um corpovivo.

3. Sobre o bumba meu boi

Bumba-meu-boi, Boi Bumbá, Boi Calemba, Boi Surubim, Boi de Reis... Boi de todos os tempos e todos oslugares. O animal que dá nome a maior manifestação popular do Maranhão foi chamado por Mário deAndrade de “bicho nacional por excelência”, por inspirar festas em todos os estados do Brasil. O autorcomenta que, embora não seja genuinamente brasileira uma vez que sua origem ancora nas culturasibérica e européia coincidindo com festas mágicas afro-negra, essa manifestação se tornou a maiscomplexa e original de todas as danças brasileiras (Andrade, 1982).

A ligação estreita entre ser humano e o animal boi está presente na mitologia de vários povos. Símbolo debondade, de calma, de força pacífica; de capacidade de trabalho e de sacrifício, na história da humanidadeencontramos registro da figura do boi, seu aspecto de doçura, desapego e desprendimento evoca acontemplação. A sua ligação com os ritos religiosos como vítima ou como sacrificado lhe dá um carátersagrado. Sagrado no Egito, Fenícia, Caldéia, Cartago, merecedor de cultos e festividades (Chevalier &Gheerbrant,1982).

A iconografia Hindu lhe fez a montaria e o emblema de Yama, divindade da morte. Respeitado como serhumano, o seu sacrifício é um ato religioso, essencial entre as populações montanhesas do Vietnã, cujamorte ritual lhe dá o status de enviado, o intercessor da comunidade junto aos espíritos superiores. Emtodo o norte da África, o boi é um animal sagrado oferecido em sacrifício, ligado aos ritos do trabalhoe fecundidade da terra (Chevalier & Gheerbrant,1982).

Cascudo (1980) faz referência à presença do boi como elemento motivador de comemorações populares,religiosas e míticas, afirmando que há bois dançantes por todas as regiões pastoris do mundo, África, Ásia,América Austral, Central e do Norte e, em especial, cita o Boef Gras, na França, o boi processional dos va-nianecas do sul da Angola, o boi bento de São Marcos, em Portugal.

A admiração e as comemorações em torno do animal “boi” trazidas pelos europeus encontrou terreno fértilem terras brasileiras e, em cada região, foram acrescentando-lhe elementos que lhe deram característicasparticulares. Cascudo (2001) comenta que pelas regiões onde a atividade pecuária predomina, há umaliteratura oral louvando o boi, suas façanhas, sua agilidade, força e decisão.

Notadamente, em relação ao surgimento do Bumba-meu-boi no Maranhão, Vieira Filho (1977) confirma asnotas de Cascudo, concordando que nesse Estado, a brincadeira teria surgido provavelmente por volta dosúltimos anos do século XVIII como brincadeiras de escravos nas fazendas de engenhos e comenta tambémque, na capital, a polícia sempre andava às voltas com esses folguedos por julgá-los prejudiciais à ordempública, chegando a proibir sua exibição nas décadas de 50 e 60 do século XIX.

Segundo estudos de Azevedo Neto (1983), o Bumba-meu-boi maranhense divide-se em Grupos, influênciamaior ou menor das etnias negra, branca e indígena, na batida básica da bateria, ideia central, guarda-roupa, e no bailado. Os subgrupos são derivados de alterações desses grupos devido à região de origem, a

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exemplo do Boi de Leonardo que é de Guimarães, município da baixada maranhense. A divisão em“sotaques” ou “estilos” decorre da predominância de determinado instrumento musical. Os sotaques são:Zabumba, Orquestra, Matraca, Pandeirões e Costas de Mão.

O Bumba-meu-boi da Liberdade ou Boi de Leonardo é um dos principais bois de Guimarães radicados nacidade de São Luís, no Estado do Maranhão. É um dos mais tradicionais grupos do Sotaque de Zabumba e oque mais conserva as características desse subgrupo. É um conjunto volumoso, organizado, uniforme eluxuoso e que tem como sede o bairro da Liberdade.

4. Rituais simbólico no bumba meu boi

Significar e esconder ao mesmo tempo, carregar de afetividade e dinamismo, onde mostra quandodissimula, e realiza quando desfaz lançar pontes, reunir elementos separados, religar o céu e a terra, amatéria e o espírito, a natureza e a cultura, o afetivo e o desejo, o conhecido e o sonhado são propriedadessimbólicas (Chevalier, 1982) presentes no Bumba-meu-boi, cuja descrição não pretende e não podemostrar-se acabada, pois acontece em um determinado tempo e espaço, e a percepção de quem presenciaum fenômeno é única, não se repete.

O símbolo separa e une; comporta as duas ideias de separação e de reunião, evoca uma comunidade quefoi dividida e pode refazer-se. O sentido do símbolo revela-se ao mesmo tempo ruptura e ligação de suaspartes separadas (Chevalier, 1982).

As relações simbólicas construídas pelo ser humano demonstram essa necessidade de estar sempre embusca de algo que lhe complete. Dado ao seu inacabamento, sua incompletude, homens e mulheres sefazem brincantes a fim de realizar-se, completar-se nesse símbolo vivo, no universo do Bumba-meu-boi. Emrelação ao símbolo vivo, Chevalier (1982) infere que:

Quanto mais um símbolo é vivo, mais ele é a melhor expressão possível de um facto: ele é vivo namedida em que está cheio de significações... Porém, para que esteja vivo, o símbolo não deve apenasultrapassar o entendimento intelectual e o interesse estético, deve também suscitar uma certa vida.Só é vivo o símbolo que, para o espectador, for a expressão suprema daquilo que é pressentido, masnão ainda reconhecido. Então ele incita o inconsciente à participação: gera a vida e estimula o seudesenvolvimento (Chevalier, 1982, p.17).

Os símbolos estão desenhados nos gestos, na linguagem, nos rituais, enfim em todo o mundo vivido. Assimo mundo vida do Bumba Meu Boi maranhense é sustentado pelo ciclo ritual assim constituído; o batismo, afesta e a morte, sobre esse último é que se debruça nesse texto.

O simbolismo do batismo da Igreja Católica é transferido aos grupos de Bumba-meu-boi. Através dobatismo, vivifica-se, purifica-se, renova-se esse ente, dando-lhe status de cristão sob a proteção divina.Outorga-lhe ao seu objeto de adoração, o boi, a vida sobrenatural, a sua passagem de morte para vida.

Em seus estudos, ao comentar sobre o ritual de batismo no Bumba-meu–boi, Marques (1999) ressalta que:

o que o batismo propõe ao Bumba-meu-boi é uma afirmação de identidade específica: oamadurecimento de um ser que nasceu pagão, sob auspício de São João, para ser mostrado aomundo como cristão sem manchas ou culpas de qualquer natureza .... Após o batismo, o Bumba-

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meu-boi não é um ente, mas o ente, aquele que vai representar o mundo vivido da comunidade numoutro espaço, agora público, levando as mensagens e tornando-as conhecidas, acessíveis a todospara trazer de volta o feed-back necessário à continuação tanto do ente como da própriacomunidade (Marques, 1999, p. 140).

As festividades do Bumba-meu-boi maranhense fazem parte do ciclo das festas juninas, ao contrário do queacontece em outras partes do Brasil, onde as manifestações que trazem o boi como elemento motivadorestão ligadas aos festejos natalinos ou até outras datas do calendário. Assim, os grupos tradicionais deBumba-meu-boi do Maranhão realizam o ritual do batismo no dia 23 de junho, véspera do dia consagrado aSão João. O ritual de Batismo abre oficialmente o ciclo de apresentações. Após todo esse ritual, o Boi estáliberado para dançar, cantar e encantar. Esse ritual se repete simultaneamente em toda Ilha de São Luís eno interior do Estado; são grupos de homens e mulheres ávidos em brincar, dançar, manter viva essatradição em todos os tempos e em todos os lugares, de geração a geração, sofrendo adaptações parasobreviver, criando características próprias a cada região na maneira de dançar, cantar, vestir-se,representar, até o dia marcado para a cerimônia de morte.

5. Revelação e introdução: a cerimônia da morte

A exemplo, o batismo. A morte tem um sentido psicológico, liberta das forças negativas e regressivas,desmaterializa e libera as forças de ascensão do espírito. A morte e a vida coexistem. Com inúmerassignificações, não sendo um fim em si mesma, abre o acesso ao reino do espírito, à vida verdadeira(Chevalier & Gheerbrant, 1992):

No sentido esotérico, ela simboliza a mudança profunda porque o homem passa sob o efeito dainiciação. “O profano deve morrer para que renasça a vida superior conferida pela iniciação”. Se nãomorre para o seu estado de imperfeição, impede para si próprio qualquer progresso iniciático(Chevalier & Gheerbrant, 1982, p. 461).

A morte é um dado humano, antropológico, uma espécie de vida que prolonga de uma forma ou de outra avida individual. O cuidado com os seus mortos, ritos a que são submetidos, a crença numa passagem, emuma pós-vida revelam a crença na imortalidade (Morin,1976).

Esta imortalidade pressupõe, contudo, não a ignorância da morte, mas, pelo contrário, oreconhecimento da sua chegada. Pois se a morte, como estado, está assimilada à vida, pois querepleta de metáfora de vida, ela é, quando sobrevém, tomada precisamente como mudança deestado, “um qualquer coisa” que modifica a ordem normal da vida (Morin, 1976, p.26).

Sendo um dado humano, o que podemos observar nos rituais de morte no Bumba-meu-boi é aantropomorfização sob o objeto estético “boi”, dando-lhe determinação humana.

O tema “morte” no Bumba-meu-boi está presente tanto no ritual da morte propriamente dito enquantomomento de fechamento de um ciclo de apresentações como também, no auto que dá origem a essa

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festa, quando o negro escravo Pai Francisco mata o boi preferido da fazenda para tirar-lhe a língua eoferecer à sua esposa, Mãe Catirina negra e escrava, satisfazendo seu desejo de mulher grávida.

Nesse sentido, Braga (n.d) afirma que a oposição binária em termos de vida e morte está presente no auto:a gravidez, o nascimento, a retaliação do corpo (mata-se o boi e come-se a língua, a oposição entre vida (ovelho dá luz ao novo) e a ressurreição, como também como eixo estrutural entre a narrativa mítica da Ilhade Lençóis e a Dança Dramática do Bumba-meu-boi.

... o touro, resultado da transformação de D. Sebastião precisa morrer a fim de ressurgir o Rei esua corte. Na crença, mata-se o touro para que viva o Rei, no auto, mata-se o boi para que viva ofilho de Mãe Catirina e Pai Francisco. Em ambos os casos a liquidação do animal por paradoxal quepossa parecer significa o triunfo da vida sobre a morte, a redução da incerteza e a posse de novoequilíbrio. É a redenção da vida que só se consegue com o sacrifício votivo (morte) do animal (Braga,n.d, p.59).

A morte assume um caráter ambivalente, não significa fim, mas, renascimento; encontra-se prenhe de vida,em que o velho dá lugar ao novo “[...] o motivo da morte-renovação-fertilidade se expressa pela eliminaçãofísica e nascimento [...] nesse sistema de imagens, a morte não põe fim a nada de essencial, mas renova ocorpo, procriando gerações futuras. O nascimento do novo surge das entranhas da morte que fecunda avida” (Braga, s.d, p. 59).

O ritual de morte nas brincadeiras de Bumba-meu-boi marca oficialmente o fechamento do ciclo deapresentações; acontece entre os meses de agosto e setembro. O ritual da morte também é umacelebração da vida, daquele que pagão, tornou-se cristão e assim aceita a morte como rito de passagempara outra fase e, como celebração, precisa ser festiva.

A esse respeito Marques (1999) infere:

Mais do que qualquer outro momento, é na morte que o caráter profano junta-se ao sagrado, numadialética que celebra os dois pólos contrários primordiais à existência. Todos sabem que é chegada ahora, o destino inevitável de qualquer criatura, mas todos, do mesmo modo, rejeitam a idéiatentando prolongar até o último instante a convivência com o boi, e através dele, com oscompanheiros de grupo (Marques, 1999, p.148).

O sentimento de tristeza pela despedida que o caráter de morte representa, condensa-se com o de festa ealegria nos brincantes por manter viva a saga da brincadeira e acreditar no rito de passagem para uma novafase. E, nessa noite que antecede ao dia da morte do boi, as zabumbas parecem ecoar mais forte, osbrincantes depois de uma longa temporada nos terreiros, buscam e encontram forças para cantar maisforte, forças também para se manterem movimentando em suas coreografias, madrugada adentro como seestivessem fazendo vigília àquele que durante os festejos lhe acompanhou sob os auspícios dos santosprotetores.

Ao dançar de casa em casa pela rua do Bairro da Liberdade e nos arredores, a turma de Leonardo canta,brinca, se despede. Chama-nos atenção a movimentação do elemento aglutinador, do elemento símbolo

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dessa manifestação: o boi, pressentindo o destino que o espera, por diversas vezes tenta fugir do cordão,sendo acompanhado de perto pelos vaqueiros. É uma representação de um instinto, proteção contra operigo da morte, é representação de um dado antropológico estudado por Morin (1976):

Porque é evidente para nós que o animal, ao mesmo tempo que ignora a morte, “conhece”, contudouma morte que seria a morte-agressão, a morte-perigo, a morte-inimiga. Toda uma animalidadeblindada, couraçada, eriçada de espinhos, ou providas de patas galopantes, de asas rapidíssimas,exprime a sua obsessão pela protecção no coração da selva. A tal ponto que reage ao mínimo som,exactamente como ao perigo de morte, seja pela fuga, seja pela imobilização reflexa [ ... ](Morin,1976, p. 54).

Enquanto dado humano, a idéia de morte segundo Morin (1976) é uma idéia sem conteúdo ou o seuconteúdo é impensável, inexplorável. Mesmo a crença em uma pós-vida não esconde o medo de morrer. Aconsciência da morte também revela o horror, o medo do vazio, do desconhecido, Morin (1976) denominaa esse dado de “traumatismo da morte”, um dado, segundo o autor tão importante quanto a consciênciada morte e a crença na imortalidade “Este traumatismo da morte, é, em certa medida toda a distância quesepara a consciência da morte, da aspiração à imortalidade, toda a contradição que opõe o facto brutal damorte à afirmação da sobrevivência” (Morin, 1976, p.33).

Com movimentos mais arredios e por vezes violentos, os bois dançam, ao mesmo tempo em que tentam selivrar do seu destino, da sua morte livrarem-se da perseguição dos vaqueiros pelas ruas dos bairros, até queconseguem, escondendo-se em lugar por eles ignorado. E a cantoria continua pela madrugada até osprimeiros raios de sol, quando os brincantes se recolherão para o descanso, para dar prosseguimento aoritual da morte no final da tarde.

No final da tarde de domingo, as ruas estreitas do Bairro da Liberdade são invadidas pelas cores vermelha ebranca de suas indumentárias e o brilho dos canutilhos e miçangas da indumentária dos brincantes, quereluzem irradiados pelos últimos raios de sol nesse final de tarde do quase sempre verão na Ilha de SãoLuis.

Nessa tarde, todos os caminhos levam à Fazenda de Leonardo. De todos os becos, ruelas do Bairro daLiberdade e de bairros próximos: Monte Castelo, Fé em Deus, Camboa, Brasília do Matadouro e de bairrosmais distantes chegam brincantes. Como romaria, tomam conta das ruas do Bairro. Pelas ruas encontram-se brincantes já vestidos com suas indumentárias, outros por vestir-se e com a tradicional “trouxa” nacabeça. Uns com passos apressados, outros nem tanto. Uns trôpegos de sono, ainda pelas bebidas edançadas do dia anterior, outros se reabastecendo nos botequins. Mães e pais que apressam os filhos,pequenos vaqueiros e tapuias de mãos dadas pelas ruas protegem-se contra cães que ladram estranhandotamanha movimentação.

Pontos vermelhos e brancos vão se aglutinando em frente à fazenda do saudoso Leonardo, e como umtapete vão se organizando. Movimentação intensa dentro e fora do barracão. Do lado de fora, muitasconversas entre os brincantes em frente e pelas calçadas. Do lado de dentro, a visita ao espaço sagrado éconstante com o tradicional de sinal da cruz e curtas orações e agradecimento, bem como, a preocupaçãodas mulheres em ornamentar uma grande mesa, onde serão colocados os bolos, doces que serãorecolhidos em casas de alguns brincantes e simpatizantes durante o cortejo nessa tarde. Os aperitivos debebidas como conhaque, aguardente, a tradicional cachaça já circulam entre os brincantes. O murmurinho

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de vozes aumenta; cantam, conversam alto, gritam para chamar atenção de outros, reclamam porque estáficando tarde, sorriem com parcimônia, dão gargalhadas, sons que são adicionados aos batidos de louçasvindo da cozinha e de batidas de garrafas de bebidas.

Somam-se a esses sons, as batidas dos instrumentos, tambores de fogo, zabumbas, pandeirinhos quedescansaram pouco, entre o fim da noite anterior e final da tarde de hoje, e agora falam pelo toque demãos dos batuqueiros que lhes aquecem na fogueira já acesa próximo a um muro. De todos esses sonssurge aquele que deverá aglutinar, reunir todos para continuar essa celebração iniciada na noite anterior: éo apito do amo, chamando seu povo para mais uma vez guarnicer. Em frente à fazenda, o grupo vaitomando corpo com a aproximação dos personagens dessa festa, batuqueiros, tapuias, vaqueiros, PaiFrancisco e mãe Catirina, caboclos de fitas e as fiéis torcedoras, que dessa vez, além de acompanhar seusfamiliares e o Boi de estimação, têm a função de recolher os bolos e quitutes durante o cortejo.

Após cantarem a reunida, o cortejo inicia; enquanto o batalhão dança, os bois aparecem e são perseguidospelos vaqueiros que, munidos de laços tentam capturá-lo. Os bois surgem ornamentados com balões eramos de árvores nos chifres, simbolizando a sua fuga e esconderijo nas matas e veredas da fazenda.

O alvoroço é grande, principalmente entre a garotada que também completa esse cenário, um misto deagonia e festa. Arredio, feroz, investindo contra as pessoas, o boi é protagonista de sua última tentativa deluta contra a morte. É o instinto animal enquanto sistema de desenvolvimento e de vida, reencarnado noobjeto estético, sistema de proteção contra o perigo da morte (Morin, 1976).

E também como pedido de socorro, o boi se aproxima das pessoas que lhe assiste e emite sonsmelancólicos, tristes, uma espécie de lamento, um pedido de socorro; é a resistência à mudança, a nãoconformação com o caráter cíclico da vida. Mesmo o caráter festivo, não impede o medo do desconhecido,o medo diante da morte

[...] Isso não impede que o mistério da morte seja tradicionalmente sentido como angustiante efigurado com traços assustadores. É levada ao máximo, a resistência à mudança e a uma forma deexistência desconhecida, mais do que o medo de uma absorção pelo nada (Chevalier & Gheerbrant,1992, p. 622).

Morin (1976) diz que o horror da morte é, portanto, emoção, o sentimento ou a consciência da perda daindividualidade; é o medo de um vácuo. “Consciência enfim, de um vazio, de um vácuo que se cava ondehavia plenitude individual, isto é, consciência traumática” (Morin, 1976, p.32).

E o cortejo continua pelas ruas dos bairros. O toque forte das zabumbas e tambores de fogo, o repinicardos pandeirinhos que muitas vezes soaram nas noites e madrugadas invadem as ruas estreitas aumentandoa temperatura nesse final da tarde.

Como procissão, os populares acompanham o cortejo fazendo também sua peregrinação, ou apenas pelasjanelas e portas ao longo do percurso. A movimentação em torno dos bois que insistem em sua fuga damorte é intensa, revezando em também voltar junto ao batalhão, dando uma dançada junto aosbrincantes. É a dúvida em querer permanecer vivo, brincando junto aos seus ou fugir do perigo da morteiminente. Novas tentativas de fuga acontecem, acompanhadas pelos vaqueiros, populares e principalmentepela criançada; todos imbuídos em acuar os animais e prendê-los.

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E o batalhão peregrina ladeira abaixo, ladeira acima, apertando-se em ruelas, expandindo-se quando passanas poucas ruas largas do Bairro da Liberdade, parando em algumas residências de simpatizantes ou dealguns brincantes, canta toadas de louvação ao dono da casa, recolhe bolos e doces, despede-se e continuacaminhando, dançando, cantando, recolhendo outras ofertas em outras casas.

Numa das casas, a oferta é especial, é onde será recebido o mourão. O mourão é uma espécie de mastro,peça de madeira, qual um tronco de árvore adornado com papéis coloridos com flores de papel, bombons,balões, onde o animal será sacrificado

[...] vestígio dos cultos agrários, uma homenagem propiciatória ao poder germinativo da terra, àrenovação da vida cíclica ... simboliza um ciclo temporal com o retorno do dia após as trevas: doverão em substituição ao inverno; a fase final do ciclo (Marques, 1999, p. 150).

Após o recebimento do mourão, louva-se os donos da casa, agradece-se, e a romaria continua. Já é noite. Obatalhão ganha em cores e volume com o carregamento do mourão, tal qual um andor nas cerimôniasreligiosas católicas, e numa última tentativa, os Bois desaparecem escondendo-se mais uma vez em umaresidência. É para lá que o batalhão se destina e em frente cantam, dançam como se estivessem tentandoconvencer os animais a aceitarem seu destino e acreditarem na possibilidade de uma nova fase, uma novavida.

E assim os Bois aparecem. Juntam-se aos brincantes e dançam nessa última noite do ciclo; e o batalhãoprossegue em sua marcha ritual até a sede da fazenda.

A cerimônia prossegue com o erguimento do mourão no terreiro em frente ao barracão. Uma pequenamesa coberta com toalha branca, com velas e imagem de São João é posta; é o espaço da rua tornando-sesagrado para essa cerimônia.

Homenagens são rendidas ao mestre Leonardo por amos e cantadores de outros grupos, que em suastoadas ressaltam as proezas de Leonardo enquanto amo, brincante, amigo, enfim enquanto humano.

Crianças, senhores, senhoras, jovens mesclam-se aos brincantes que agora guarnecem em torno desseespaço sagrado para, aos pés do mourão dar rosseguimento ao ritual de morte. As Zabumbas calam, paradarem voz às Ladainhas que são evocadas por um senhor rezador e acompanhadas pelo coro dos demais.

Os bois são levados ao pé do mourão e postados de joelhos para cumprir a sua sina. Morre, encerrando ociclo do período festivo e de vida. Antigamente o boi era sacrificado literalmente e a cerimônia prosseguiacom a distribuição simbólica de partes do boi e vinho representando sangue. O que se realiza hoje é a“solta” e nesta, o animal apenas se prostra frente ao altar aos pés do mourão, a “solta” correspondente aoato de destruir, por ocasião da matança.

Segundo a tradição, a distribuição ou venda simbólica dos pedaços do boi deve ser feita logo apóssua morte para que a aliança não se perca e a hierarquia permaneça [...] Para o devoto, o pedaço daarmação do boi representa uma relíquia que serve de proteção contra perigos, doenças e mauolhado. Daí o caráter de regeneração que o ritual possui ao distribuir o corpo e o sangue do mártirpara que a comunidade permaneça viva (Marques, 1999, p.152).

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Braga (n.d), também faz referências ao banquete ritual, o testamento do boi pelo qual se distribuía os seuspedaços. Segundo o autor, o caráter messiânico é representado nesse ritual, pela salvação da vida atravésda morte na busca necessária de uma utopia “expressa o desejo travestido do povo compartilhar osbenefícios de uma sociedade mais justa, mais humana. O desejo de triunfar sobre a morte e a adversidade.É também um ato de comunhão de pessoas ligadas pela mesma sorte[ ...]” (Braga, n.d, p.62).

Devido à nova ordem econômica e social, o ritual da matança, da destruição do objeto estético no ritual damorte, não foi contínuo em decorrência da necessidade de manter sempre o grupo pronto paraapresentações fora da época junina, geralmente em contratos oficiais do governo com fins turístico, assimcomo o custo a que chegaram a confecção do boi propriamente dito. Dessa maneira, fala-se que o boi nãomorre mais, “só desmaia”; é prova mais uma vez de reatualização e reorganização frente à realidade.

Com a cerimônia da morte, encerra-se o ciclo oficial do que Carvalho (1995) denomina boi doméstico, masnão a esperança de brincar, de dançar e manter viva essa tradição na promessa de encontrar-se novamenteno próximo ano para a honra e glória do milagroso São João.

Instrumentos, gestos, rituais são construções simbólicas que possibilitam a relação dos brincantes com oseu entorno. Essa relação simbólica também é estética uma vez que apela à sensibilidade, ao sensível. Osensível se constitui ponto de partida para apreensão de parcelas do mundo pelo corpo e transformá-lasnum conteúdo dotado de significações, sentidos; em símbolo. Por outro lado, a existência dos símbolos écondição imprescindível para captação do sensível nas relações do ser humano com o mundo. Essacircularidade só é possível por uma compreensão de um corpo sensível e simbólico, um corpo como umsistema autopoiético27, poroso em suas relações com o mundo. É sobre essa relação corpo e estéticaenquanto dimensão do sensível que trataremos no próximo capítulo.

6. Na ritualização da morte, emblemas de um corpo vivo

A experiência estética ocorre no corpo, na sua relação com os objetos estéticos. Desse modo, o sujeito daexperiência estética a qual nos referimos é um sujeito que é corpo, e na perspectiva fenomenológica deMerleau-Ponty, o corpo é um corpo vivo, que trabalha, sente prazer, sofre de amor e de fome, molda,transforma, conforma, disciplina-se e disciplina. Um corpo que escreve sua história tem sua técnicacorporal ao dançar e festejar seus rituais. Um corpo onde é possível ler informações geradas pelo universoda cultura no tempo e no espaço, portanto, na história; universo esse, que mantém vivo esse corpo e aomesmo tempo é sustentado por ele através da transmissão social de informações.

Para Merleau-Ponty, o corpo quando se movimenta, se reorganiza, informa-se sobre o meio ambiente aomesmo tempo em que informa-se sobre si mesmo, criando significações transcendentes ao dispositivoanatômico:

O corpo é nosso meio geral de ter um mundo. Ora ele se limita aos gestos necessários à conservaçãoda vida, e correlativamente, põe em torno de nós um mundo biológico, ora brincando com seusprimeiros gestos e passando de seu sentido próprio a um sentido figurado, ele manifesta através de

27 A autopoiésis diz respeito a organização dos seres vivos. Essa organização é proporcionada por certas relações contínuas deinterações. A teoria da autopoiésis descreve os seres vivos não como um sistema de moléculas, mas como uma dinâmicamolecular recursiva. Esse princípio da recursividade refere-se a processos em que os produtos e os efeitos são ao mesmo tempocausas e produtores daquilo que produziu, superando a concepção de linearidade, segundo o qual tal causa produz tal efeito. Osseres vivos produzem de modo contínuo a si próprios (Maturana & Varela, 2001).

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um novo núcleo de significação: é o caso dos hábitos motores como a dança. Ora, enfim asignificação visada não pode ser alcançada pelos meio naturais; é preciso então que ele se construaum instrumento, e ele projeta em torno de si um mundo cultural (Merleau-Ponty, 1999, p.203).

Dessa forma, esse corpo que no momento vive sua experiência estética da dança, assim como em qualqueroutra esfera do seu mundo-vida, não é algo só mecânico, nem por isso abstrato, mas ressoam fatores deordem biológica e cultural. Um corpo não subestimado a responder a estímulos após o acionamento desseou daquele substrato, e sim um corpo que deixa de ser massa inerte para dar lugar às ações originais, quese expressa em sua diversidade, entrelaçando o mundo biológico, físico e químico e que, pela suacapacidade de reconhecer numa mesma coisa, diferentes perspectivas, transcende essa dimensão, cria ummundo simbólico de significações. Cria cultura (Nóbrega, 2000).

Merleau-Ponty (1999) afirma que, os comportamentos criam significações que são transcendentes emrelação ao dispositivo anatômico. Para ele:

É impossível sobrepor, no homem uma primeira camada de comportamento que chamaríamosnaturais e um mundo cultural ou espiritual fabricado. No homem, tudo é natural e fabricado, nosentido que não há uma só palavra, ou conduta que não deva algo ao ser simplesmente biológico eque ao mesmo tempo não se furte à simplicidade da vida animal, não desvie as condutas vitais desua direção, por uma espécie de regulagem e por um gênio do equívoco que poderia servir paradefinir o homem (Merleau-Ponty, 1999, p. 257).

No Universo do Bumba-meu-boi vive-se experiências que não ocorrem em um sistema de relações quedetermina cada acontecimento, mas de uma subjetividade aberta, cuja síntese não pode ser acabada.Assim, através de gestos, olhares, posturas, distâncias de outros corpos expressam sentimentos e um modode leitura da realidade. Pelo corpo, os brincantes adquirem e produzem saberes que configuram a cultura edão sentidos à existência.

Os brincantes do Bumba meu boi da liberdade, no seu viver e fazer estético, ilustram as teses sobre ocorpo, consideradas nesse texto. São corpos que deixam-se injetar pela dança, agem sobre outros corpos,gesticulam, giram, saltam, cortejam seu objeto estético, colocam em relevo sua sensibilidade, atuam sobrea sensibilidade do outro, buscam sensibilizá-lo, persuadi-lo. Pelos seus corpos compartilham emoções,partilham idéias, transcendem essas ações em seus rituais e representações.

Dessa forma, sinalizam um corpo que não é resultado de acoplamento de estruturas compartimentalizadas,homem/cultura, vida/natureza, física/química, não comunicantes. Um corpo que não se permitecompartimentalizar em corpo/espírito ou localizar entre o céu e a terra. Portanto, eles percebem-se nessemundo, o qual já estão imersos, recortam e o absorvem. Enfim, lidamos com um corpo anatômico etambém um corpo social, real e imaginário que se contrapõem ao discurso que o considera como partesdistintas, órgãos justapostos por onde os canais sensoriais são apenas instrumentos de estímulos erespostas, apresentando-se no mundo como um acontecimento através da causalidade linear.

Nesse sentido, é que os brincantes do Bumba-meu-boi da Liberdade, ao perceberem os sons das zabumbas,pandeirinhos, tambores-onça, maracás, percebem-se no mundo, organizam-se e dançam. Aguçam os

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sentidos da experiência da vida. Giram, balanceiam, percutem, e mesmo frente à eminência da morte aestetizam como prolongamento de suas vidas

Assim, eles tomam os seus pares de dança, cativa-os, tomam as pessoas que lhes assistem e capturamtambém aqueles que outrora fizeram dessa dança, a sua comunicação com o mundo. Cativar, tomar,capturar o outro pelo gesto, enfim comunicar-se através do gesto, não ocorre linearmente somente a partirdo interlocutor, porque o sentido do gesto não é dado, é compreendido e retomado por um ato doespectador.

Obtém-se a comunicação ou a compreensão dos gestos pela reciprocidade entre minhas intenções eos gestos do outro, entre meus gestos e intenções legíveis na conduta do outro. Tudo se passacomo se a intenção do outro habitasse meu corpo ou como se minhas intenções habitasse o seu(Merleau-Ponty, 1999, p. 251).

Os brincantes dançam, inscrevem em seus corpos histórias, memórias e as comunicam; comunicam-seconsigo, com o outro, interligando passado, presente e futuro. São corpos abertos à situações reais, bemcomo, para o virtual e imaginário, criam cultura e por essa, se estabelecem no mundo e refletem aincompatibilidade da existência de uma linha divisória, mesma que seja, tênue entre natureza e cultura .Pela presença corporal produzem cultura e por esta se estabelecem no mundo. Merleau-Ponty (2002)infere que é próprio do gesto cultural suscitar em cada outro, se não uma consonância, pelo menos umeco:

Pela ação da cultura, instalo-me em vidas que não são a minha, confronto-as, revelo uma para aoutra, torna-as co-possíveis numa ordem de verdade, torno-me responsável por todas, suscito umavida universal, assim como me instalo de uma só vez no espaço pela presença viva e espessa do meucorpo (Merleau-Ponty, 2002, p.115).

O corpo é natureza, pois é constituído do mesmo tecido das coisas do mundo e com elas se relaciona e,essa relação depende de uma compreensão biológica desse corpo que por sua vez a transcende e,ultrapassando a fronteira animal a qual está preso, cria símbolos, cria e recria cultura. Por seu carátersimbólico, o ser humano transcende situações, cria lógicas, correspondências para manter sua existência, aexemplo do Bumba-meu-boi, cuja representação da morte, reúne elementos e encontra congruência paracoexistirem nos corpos que dançam a manifestação.

Nesse sentido, Merleau-Ponty (2002) afirma que não podemos recompor o corpo para formar dele umaidéia clara, pois o mesmo é sempre algo mais do que possamos ter consciência dele, não podendo sercomparado ao objeto físico, e sim como obra de arte, aberta, inacabada; nunca fechado em si mesmo enunca ultrapassado.

Ao comparar o corpo como uma obra de arte, Merleau-Ponty (2004) nos conduz a compreendê-lo em ummovimento que descentraliza, distende, abre caminhos à novas relações, fornece emblemas cujo sentidonunca terminamos de desenvolver, e como obra literária com sua “[...] linguagem tentadora nos introduzem perspectivas alheias em vez de nos confirmar nas nossas” (Merleau-Ponty, 2004, p.112).

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É como obra de arte que podemos visualizar a cerimônia de morte no Bumba meu Boi. Corpo que setransforma ao olhar do espectador, possibilitando-lhe experiência de ver vários quadros se desenhandopelos gestos.

Corpo que varia sua espacialidade e temporalidade. Rasga o tempo, lança-se no espaço, joga com essasduas dimensões, criando diferentes nuances. Espaço e tempo são redimensionados para além do espaçogeométrico e o tempo serial; o espaço e o tempo não são uma soma de pontos justapostos, nem infinidadede relações sobre as quais o corpo agiria.

O espaço e o tempo são os vividos na experiência. O tempo não admite a forma de uma relação na qual opresente, o passado e o futuro se deslocam. O presente vivido encerra em sua espessura o passado e ofuturo. O lugar e a direção no espaço não são só a expressão de uma relação com os objetos que o rodeia.O corpo não está no espaço nem tampouco no tempo; não pensa o espaço e o tempo, ele é o espaço e otempo, aplica-se a ele e os abarca; a amplitude dessa apreensão é a da sua existência (Merleau-Ponty,1999). Daí o redimensionamento dessas dimensões para além das fronteiras cronométricas e geométricas,ampliando-as para um caráter distintivo entre o espaço e o tempo sagrados e profanos.

Merleau-Ponty (1999) nos aponta prerrogativas para pensar um corpo que antes de ser constituído comoum fato objetivo de união entre corpo e alma, deve ser visto como possibilidade da própria consciência, e osujeito que percebe, deve sentir como seu:

Quer se trate do corpo do outro ou do meu próprio corpo, não tenho outra maneira de viver o corpohumano senão vivê-lo, quer dizer, retornar por minha conta o drama que o transpassa e confundir-me com ele. Portanto, sou meu corpo é como sujeito natural, como esboço provisório de meu sertotal (Merleau-Ponty, 1999, p. 269).

O conhecimento produzido por esse corpo que é arte, em Merleau-Ponty, soa como poesia, desperta,invoca nossos sentidos. Conhecimento sempre aberto à novas interpretações para além das coisas vistas ouditas.

Como poesias corporais, os gestos dos brincantes do boi da Liberdade se constituem em conhecimentoaberto, inacabado, um conhecimento consumado28, sempre em busca de um gesto a mais, tanto de quemdança, como de quem observa essa dança.

O conhecimento constituído e inaugurado no corpo que dança o Bumba-meu-boi reflete em suareorganização no espaço e no tempo e, na sua maneira de dançar, por onde organiza os gestos; suavelocidade, sua forma, sua intensidade no cantar; criação de letras, organização de frases, melodias. Naconstrução de indumentárias, por onde mãos hábeis desfilam sobre veludos, costurando miçangas, paetês,fazendo surgir imagens até então secretas para cada um e tornando-as disponíveis para sua apreciação e,para de outros. Na sua relação com a morte. Uma abertura para enfrentar até o desconhecido.

Todos os conhecimentos construídos por esses corpos no micro-cosmo do Bumba-meu-boi da Liberdade,demonstram formas e ritmos do movimento, de personalidade e de cultura. As configurações criadas e assuas repetições sinalizam hábitos característicos daquela comunidade. As construções simbólicas no ritualde morte constituem uma linguagem expressiva, quando imprimem intensidade, ritmo, tensão coerência

28 Usamos o termo consumado no sentido que nos traz (Merleau-Ponty, 1991, p. 52) “ A obra consumada não é portanto, aquelaque existe em si como uma coisa, mas aquela que atinge seu espectador, convida-o a recomeçar o gesto que a criou”.

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formal, traçando formas, impregnando impulsos, intenções e desejos, enfim, convertem-se em linguagemsensível, uma comunicação com o seu entorno, configurando uma estética, uma construção muito singularde idéias acerca da sua gestualidade e de seu uso.

Nosso olhar perspectival sobre o ritual de morte no Boi da Liberdade revela a necessidade de reconhecer ocorpo como portador de múltiplos sentidos: corpo vivo, que dança, canta, simboliza. Os saberes produzidosnesse cenário se renovam e não podem ser concebidos em sua função de conservação, constituídos porelementos petrificados, mas sim, como potencializadores da linguagem sensível, os quais desencadeiamexperiências múltiplas que fortalecem a relação entre o ser humano e o mundo.

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QUESTION DE GENRE: LA TRANSSEXUALITÉ COMME IMPOSITION DANSLA PIEL QUE HABITO DE PEDRO ALMODÓVAR

QUESTÕES DE GÊNERO: A TRANSEXUALIDADE COMO UMA IMPOSIÇÃOEM LA PIEL QUE HABITO DE PEDRO ALMODÓVAR

Saskia Lavyne Barbosa da SILVA1

Anna Giovanna Rocha BEZERRA2

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Brasil 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Brasil

Email: [email protected]; [email protected]

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Résumé

Selon Beauvoir (1987 ) et Butler (2007 ) est la societé à travers un discours hétéronormatif quidéfinissent quelles sont les différences entre les sexes, qui ont donné lieu à la notion de genre .Ainsi, cet article vise à souligner une lecture critique interprétative du film " La piel que habito »(2011), du espagnol Pedro Almodóvar considérant la transsexualité, pas comme option individuelle,mais comme un moyen d'imposer une identité sexuelle abusive: Vincent, le personnage principal,est emprisonné dans un corps de femme, cependant, ne modifie en rien sa conscience masculine.Nous avons l'intention, dans le cadre de notre analyse, d'identifier la façon dont le film d'Almodovar,ironiquement, en dit plus sur notre société contemporaine par rapport à un type idéal de la femme,le sexe, le corps et la sexualité que certaines conceptions d'habitude. Notre cadre théoriques'appuiera sur Beauvoir (1987), Benoît (2006), Butler (2002), Foucault (2010), Merleau-Ponty (1999),entre autres.

Mots-clés : corps; genre; cinéma.

Resumo

De acordo com Beauvoir (1987) e Butler (2007) é a sociedade, através de um discursoheteronormativo, que vai definir quais são as diferenças entre os sexos, que darão origem aoconceito de gênero. Assim, o presente artigo, tem como principal objetivo apontar uma leituracrítico-interpretativa do filme “A pele que habito” (2011), do espanhol Pedro Almodóvar levando emconsideração a transexualidade, não como opção do indivíduo, mas como uma forma de imposiçãode uma identidade sexual usurpada: Vicente, personagem principal, é preso em um corpo feminino,contudo, em nada se altera a sua consciência masculina. Pretendemos, no decorrer de nossaanálise, identificar de que maneira o filme de Almodovar, ironicamente, diz mais sobre a nossasociedade contemporânea no que tange a um tipo ideal de mulher, de gênero, de corpo e desexualidade que certas concepções usuais. Nosso aporte teórico se fundamentará em Beauvoir(1987), Bento (2006), Butler (2002), Foucault (2010), Merleau-Ponty (1999) entre outros.

Palavras-chave: corpo; gênero; cinema.

1. À flor da pele: breve passeio pela lírica Almodovariana

Almodóvar busca, na maioria dos seus filmes, tratar de temas polêmicos sob uma perspectiva de umanaturalização, ou seja, ao trazer para as telas temas socialmente marginalizados como a homossexualidadea doença a prostituição a velhice, entre outros, desperta reflexões em seus expectadores sem no entantochocá-los fazendo assim com que nos sintamos envolvidos e parte integrante de uma sociedademarginalizada e estigmatizada terminando por se configurar em algo natural.

A pele que habito (2012) traz a cena uma narrativa atemporal em que se mesclam presente passado efuturo sob a ótica dos dois personagens centrais Robert e Vicente. A trama se desenvolve a partir dosuposto estupro de Norma, filha de Robert, em uma festa. Norma que passava por um tratamentopsiquiátrico conhece Vicente e durante a festa se afastam para namorar, assim como vários outros casais.Por desconhecer a deficiência de Norma, Vicente interpreta as suas atitudes erroneamente o que o leva adar vazão aos seus desejos. No entanto, durante o ato sexual Norma o repele levando-o a agredi-la. Robertao procurar a filha a encontra desmaiada e a partir de então decide se vingar de Vincent sequestrando-o.

Mantido em cativeiro, sem nem mesmo saber o motivo Vicente transforma-se numa espécie de cobaiahumana para Robert, que inicia no rapaz uma série de experimentos e transformações que culminarão comuma suposta mudança de personalidade de Vicente. No decorrer da história o que podemos perceber éuma personalidade atormentada pela perda de sua esposa e respectivamente pela filha. Inconsciente ouconscientemente o médico reconfigura seu projeto de vingança ao tentar resgatar sua esposa falecida

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mutilando Vicente, dando ao mesmo formas femininas, transformando o mesmo numa réplica de suaesposa perdida.

2. A transformação da intimidade: Vicente versus Vera

De acordo com Lopes & Bastos (2010):

Na contemporaneidade, os atravessamentos das fronteiras de gênero e sexualidade parecem maisfrequentes ou, quem sabe, talvez sejam, simplesmente mais visíveis. O fato é que hoje asclassificações binárias de masculinidade e feminilidade, ou de heterossexualidade ou dehomossexualidade, não mais dão conta das possibilidades de práticas e de identidadesexperimentadas pelos sujeitos. Isso não significa que se transitem livremente entre estes territórios –por certo, os guarda-fronteiras continuam vigilantes, severos e inflexíveis. As consequências paraquem tem a ousadia de fazer tal atravessamento são, em geral, a punição, o isolamento, oueventualmente, a reeducação com vistas ao retorno ao bom caminho. Invocando diversos discursos-da psicologia, da religião, da medicina-, é possível que alguém tente empreender um processo derecondução deste desviante. Neste caso quem se encarrega de trazer de volta o forasteiro costumademonstrar indulgência e tolerância, evidenciando, com orgulho sua posição altaneira e superior. (p207).

A concepção discursiva esboçada acima muito se coaduna com a perspectiva ortodoxa disseminada emnossa sociedade, ou seja, atravessar as fronteiras impostas através dos muros da normatividade aindaimplica numa série de consequências punitivas para quem o pratica.

Assumir uma postura deliberadamente contrária “à maioria” pode provocar no sujeito uma série deconsequências sócio-punitivas, sendo a principal delas o julgamento deliberativo daqueles que acreditamser os detentores das verdades absolutas. Cruzar as fronteiras da norma são feitas pelas mais variadasrazões. Especialmente no que tange a sexualidade não nos preocupamos aqui com os motivos ou razõesque conduziram o sujeito a tal travessia. O que nos ocupa neste artigo é perceber os pontos convergentes edivergentes de duas perspectivas ao mesmo tempo antagônicas e complementares. Almodóvar, aoconceber o personagem Vicente ironiza, chamando a atenção para as mesmas imposições arbitrárias querealizamos quando não aceitamos socialmente as homonormatividades constituídas pelos mais diferentestipos de sujeito.

Vicente, obrigado a ocupar um corpo com o qual não se identifica em absoluto traduz assim as angústiasmais profundas daqueles que, não por opção ou curiosidade ou perversão como costumeiramentetentamos enquadrar são obrigados a conviver numa sociedade heteronormativa onde se mascara orespeito e a aceitação pelo diferente, mas que se esfacela por se tratar de conceitos frágeis e líquidos àsvezes com um simples golpe de vista.

O distúrbio de identidade de gênero ou transexualismo, trata-se de uma síndrome complexa na qual oindivíduo possui um sentimento intenso de não pertencer ao sexo anatômico que porta. De acordo comCastel (2001), as técnicas necessárias, como cirurgias plásticas e tratamento hormonal, para atransformação se desenvolveram a partir da década de 50. A partir daí surge a liberdade de escolha do sexo

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com a possibilidade de construção de uma identidade sexual. No caso de Vicente, observamos o caminhoinverso. Nesse momento do filme podemos ter uma visão metafórica, na qual Robert, representando asociedade, impõe a Vicente uma anatomia feminina que fere sua identidade masculina.

A primeira mutilação em Vicente provocada por Robert é a vaginoplastia. Ou seja, a representação damasculinidade de Vicente lhe é retirada abruptamente e ele precisa se adaptar a sua nova condição. Presoem seu quarto, o que poderia se caracterizar como preso em seu próprio universo, agora particular.Vicente, não por passividade, mas por medo de perder a sua própria vida se submete às constantesintervenções em seu corpo por Robert. Aos poucos o que parecia uma vingança de um pai pelo estupro desua filha, adquire novos contornos: agora Robert dá vazão a uma experiência científica ou, a um ousadoprojeto pessoal de recriar a sua antiga esposa.

Ainda de acordo com Lopes & Bastos (2010),

é possível pensar ainda que, também nos territórios de gênero e sexualidade (como acontece emoutros territórios), há aqueles e aquelas que vivem na própria fronteira, sujeitos que não conseguemcompletar o cruzamento e vivem a ambiguidade do entrelugar por vezes, esses sujeitos inscrevem emseus corpos as marcas dos dois lados, confundindo quem os encontra; ou escapam de um lado paraoutro, não se deixando fixar, deslizando. De fato, fronteiras são feitas para dividir e separar, mas épreciso lembrar que elas também são locais de relação ou encontro. (p 207 ).

Especificamente no que diz respeito a Vicente é perceptivo a mudança física uma vez que lhe foi impostapelas mãos do cirurgião Robert. Reforçando a percepção ficcional da narrativa cinematográfica a proporçãoque Vicente se transforma fisicamente em Vera maior é a consciência dele em relação a sua prisão física. Asmesmas paredes que o impedem de fugir de volta para o seu mundo servem também de rota de fuga, umavez que são nelas que Vicente escreve e se inscreve a si próprio. Praticamente em todas as paredes do seuquarto-prisão além das datas que servem para que Vicente compreenda a dimensão temporal da suaclausura, duas frases se repetem com frequência “respiro sei que respiro” e “a arte é a garantia da saúde”.

Essas duas inscrições feitas por Vicente nos remetem a tentativa do personagem de manter a consciência ea lucidez diante das mudanças processadas em seu corpo e principalmente servem para que ele não percaa consciência de sua verdadeira identidade, ao repetir “respiro sei que respiro” Vicente quer se convencerque mesmo não se identificando com a sua aparência física ainda mantém íntegra a consciência de suapersonalidade.

De acordo com o sociólogo Alain Touraine (2007),

a ideia de modernidade opõe-se à ideia de uma sociedade que seria seu próprio fundamento, suaprópria legitimidade. Ela afirma, ao contrário, que a sociedade não existe se não por que reconhece edefende a existência de fundamentos não sociais da ordem social. E ela o atesta pela importânciaque confere à razão , que é universalista e não depende totalmente de seu papel no funcionamentoda sociedade. Este universalismo, que traz em si a ideia dos direitos do ser humano não se inscreve

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absolutamente no interior da noção de sociedade, tal como a concebeu o pensamento ocidental, éaté preferível intelectualmente insistir na oposição entre o discurso da modernidade, que subordina aorganização social a princípios não sociais universalistas, e o discurso da sociedade, que nãofundamenta as normas sociais senão no interesse da sociedade. (p. 60)

A contrapelo dos fundamentos de uma sociedade calcada na visibilidade dos padrões físicos enquantoresposta a um consenso massificador, temos em A pele que habito uma dobra social que se investe de umconjunto irônico proposto pó Pedro Almodovar logo a partir do titulo. Almodóvar instiga a modernidadevigente como se quisesse provar que a mesma usurpa e conforma as definições de gênero sem no entantoobedecer aos ditames que a própria consepção de gênero traz imanente a si mesma, ou seja, no seio deuma sociedade heteronormativa, o desrespeito das diferenças de gênero se reconfigura em toda sorte depiadas discursos homofóbicos ou prática pejorativas, como se o sujeito tivesse a capacidade de escolher ogênero a qual pertencer e a outro retornar guiado única e exclusivamente pela sua própria vontade. A peleque habito rechaça peremptoriamente toda e qualquer alusão a definição de gênero enquanto escolhapessoal. Ao contrário, Almodóvar nos apresenta, através da ficção o movimento inverso; a tragetóriaincomum do que normalmente estamos acostumados a presenciar em nossa sociedade, que é umapersonalidade heterossexual aprisionada num corpo que não se reconhece.

Para Vicente, todo rol que constitui o imaginário feminino, tais como roupas sapatos e maquiagem, nãopossuem significado algum. Ao perceber que fisicamente Vicente já se encontrava praticamente, do pontode vista das transformações físicas concluído, Robert passa a querer instruir a sua personalidade a seperformatisar em uma personalidade feminina. Mais uma vez Vicente busca agir única e exclusivamentecom o intuito de sobreviver. Para ele, vestidos e maquiagem não possuem nenhum atrativo que jápossuíam antes, contudo, para convencer Robert de que , de fato, havia se transformado em Vera, passa ausá-los.

Para Catonné, “o sexo não escapa ao rendimento e ao culto produtivista. Nosso próprio sexo teria setornado uma mecânica exigente, transformando-nos em “Love machine”, ou seja meros instrumentos depreservação da espécie humana.”

Somente quando observa Vicente ser violentado pelo seu meio-irmão, é que Robert apaga definitivamentea figura de Vicente que passa a ser para ele somente Vera, tendo oportunidade de matar o dois, Robertopta por matar o seu meio-irmão resgatando para si a esposa morta na figura de Vera/ Vicente. Nessemomento ele passa a acreditar que resgatou Gal para si. Para ele, pela segunda vez, ele salva a esposa.

Robert definitivamente fica preso a sua criação, neste momento, o autor é definitivamente fisgado pelaobra. Não é o objetivo desse artigo entrar nas cearas da psicanálise, porém, nos chama atenção o processode transferência empreendido por Robert, que diante de duas perdas acaba sendo envolvido pela própriaficção que criou em torno de si, ou seja, passa a acreditar em sua própria mentira.

De acordo com Kierkegaard (2009),

ao se supor misturada ao imediato uma certa reflexão sobre si mesmo, o desespero modifica-se umpouco. Algo consciente do seu eu, o homem é-o também um pouco mais, e por isso mesmo, do que é

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o desespero e da natureza desesperada do seu próprio estado. Pois, que fale de estar desesperado ejá não será absurdo. Conquanto no fundo é sempre desespero-fraqueza, um estado passivo. E a suaforma continua a ser aquela em que o desesperado não quer ser ele mesmo. (...) Aí desespera. Seudesespero é o desespero –fraqueza, sofrimento passivo do eu, o oposto do desespero em que o eu seafirma. No entanto, graças a pequena bagagem de reflexão sobre si mesmo, tenta, também aqui,diferindo do espontâneo puro, defender o eu.compreende que perturbação causaria o abandoná-lo ea sua meditação ajuda-o a compreender que se pode perder muito, sem contudo se chegar a pontode perder o eu. (p.54).

Como já mencionamos anteriormente, Vicente chega a incomodar o espectador em virtude da suapassividade ao se deixar manipular por Robert, entretanto, o que se pode comprovar é a constatação dopermanente estado de desespero em que se encontra o personagem, literalmente aprisionado em umcorpo que não identifica como seu, Vicente tem como única alternativa fugir para dentro de si através daprática de ioga. A prática da ioga constante por Vicente, o leva para dentro de sis. O único lugar que Robertnão conseguiu modificar, a sua essência.

A linguagem cinematográfica tem como base fundamental o princípio da economia, ou seja, o trabalho daspressuposições precisa ser realizado pelo expectador, obviamente facilitada pela composição dospersonagens. Os não ditos do filme se revelam através dos lapsos temporais que ocorrem na narrativafílmica, cabendo ao expectador resignificar esses espaços e empreender uma interpretação conjunta, quereúna aquilo que o diretor do filme quis transmitir e aquilo que de fato ele transmite.

3. “Sou Vicente, acabo de fugir”

De acordo com Foucault: “Nas relações de poder, a sexualidade não é o elemento mais rígido, mas um dosdotados de maior instrumentalidade, utilizável no maior número de manobras e podendo servir de pontode apoio, de articulação às mais variadas estratégias.”

Após ter sido estuprado pelo meio-irmão de Robert, Zeca, e enfim, ter conseguido provar para Robert quedefinitivamente havia suplantado a personalidade masculina em detrimento da feminina, Vicente dá provasa Robert em definitivo, de que merece a tão desejada liberdade. Profundamente envolvido com a perfeiçãodaquilo que criara, Robert, corroborando os postulados Foucaultianos descritos acima, torna-se vulnerávelprincipalmente por que se deixa envolver pelas armadilhas do desejo. A instrumentalização do poderatravés do sexo, ou das sensações oriunda deste, podem real ou ilusoriamente tornar o indivíduocompletamente escravo de suas vontades. Mediante Vera, Robert promove o completo apagamento doque um dia foi Vicente e, consequentemente apaga também todas as sensações de angústia, de raiva, demenosprezo, que Vicente sentia por ele. Em suma, extasiado perante a sua própria criação – física- ofamoso cirurgião plástico se deixa iludir pela própria ilusão criada.

Em contrapartida, ciente do fascínio que sua transformação causava em Robert, Vicente dela se utiliza paratentar fugir. Após seis anos sendo manipulado fisicamente pelo cirurgião, Vicente mantém intacta epreservada a sua real identidade: fisicamente era Vera, porém o seu ethos permanecia inalterado,acrescido somente de angústia e revolta contra aquele que o transformara a sua revelia.

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O desfecho do filme não poderia ser mais óbvio, Vicente na primeira oportunidade que tem mata Robertsem maiores explicações e sua mãe Marília, retornando então para a sua residência.

Volta praticamente como foi, apenas com a roupa do corpo, plenamente consciente de sua identidade,trazendo consigo, de diferente a estranha pele que o envolvia.

Em se tratando de uma obra de ficção, associamos de imediato, uma das verdadeiras intenções deAlmodóvar na concepção do filme A pele que habito. Em que pesem as inúmeras leituras possíveis emrelação ao filme, a que nos chama a atenção e que é objeto desse estudo, está diretamente atrelada ànoção de ironia que representa o personagem Vicente para a sociedade contemporânea. Através deVicente Almodóvar consegue naturalizar uma questão performática da natureza humana, que é o exercícioda alteridade e que nunca a colocamos em prática. Ao modificar um corpo transformando o que há de maispessoal, que é a sexualidade, Almodóvar traz a cena um enfrentamento: grande parte da sociedade nãocompreende a condição de alguns indivíduos de não aceitar o próprio corpo e tentar através deintervenções cirúrgicas promover esse ajuste. Ao nosso ver Almodóvar brinca magistralmente com osconceitos utópicos e arraigados da sociedade contemporânea ao “prender Vicente” em um corpo que nãoé seu, fazendo assim com que reflitamos acerca de muitas das nossas práticas sociais.

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ENSEIGNEMENT DE LA DANSE ET RAPPORT(S) AU CORPS:QUELS ENJEUX IDENTITAIRES?

Thérèse PEREZ-ROUX1

1 Université P. Valéry, Université Montpellier 3, LIRDEF EA 3749

Email: [email protected]

Résume

La formation des futurs enseignants de danse se déroulant dans les (ex) CEFEDEM (Centres deformation à l’enseignement de la danse et de la musique) interroge fortement la transmissionpédagogique et provoque un certain nombre de déplacements en termes de rapport à la danse, aucorps, à soi et aux autres, renvoyant à des enjeux identitaires que nous cherchons à mettre enlumière. Nous avons suivi une promotion d’étudiants durant leurs deux années deprofessionnalisation (2009-2011) pour tenter d’analyser les dynamiques d’appropriation et lesformes d’engagement dans la formation, les ressources - pragmatiques ou symboliques - mobiliséespour construire une identité professionnelle d’enseignant et se confronter aux diverses procéduresd’évaluation qui organisent le parcours. Notre approche a permis de repérer des évolutions dans lareprésentation du corps : celui de la scène, celui du soi-élève et celui du soi-enseignant engageantnombre de questionnements vis-à-vis du (futur) métier. Derrière ce corps travaillé, analysé et« exhibé » se joue un mode de relation à l’autre qu’il convient d’apprivoiser. La nécessité de(ré)assurance en termes d’image de soi reste fortement combinée aux formes de reconnaissanced’autrui. En fin de parcours, la reconnaissance liée à la fois au diplôme et aux retours d’autrui(formateurs, pairs, élèves, jurys) n’empêche pas le désir, pour une majorité d’étudiants, deretrouver le monde du spectacle et de se donner, une fois le diplôme en poche, la possibilité d’unereconnaissance artistique : un passage de la scène pédagogique à l’épreuve de la scène, commepour confirmer un processus de professionnalisation qui ne ferme en rien leur horizon d’attentes.

Mots clés: danse, enseignement, formation professionnelle, représentations, identité.

1. Introduction

1.1. Objet de la recherche

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Dans cette contribution, nous nous intéressons à la manière dont les étudiants d’un CEntre de Formationdes Enseignants de Danse Et de Musique (CEFEDEM29) dans la filière Danse s’inscrivent dans un processusde professionnalisation préparant au Diplôme d’Etat d’enseignant de danse. L’étude se situe juste avantque les CEFEDEM, sous tutelle du Ministère de la Culture et de la Communication, ne soient l’objet d’unerestructuration / universitarisation des cursus (Pôle d’enseignement supérieur spectacle vivant30).

Dans la période de transition liée à la professionnalisation vers un métier, les étudiant-e-s en formationsont amenés à expérimenter le passage complexe d’une pratique de danse (pour soi), relativementdiversifiée, vécue avec passion, vers une pratique de l’enseignement (Brun, 2013). En effet, la constructionprogressive d’une professionnalité enseignante (Perez-Roux, 2012) suppose le développement descompétences (artistiques, culturelles, techniques, pédagogiques, didactiques) attendues par l’institutiondans le cadre de la qualification ; elle engage par ailleurs une dimension identitaire car entrer dansl’apprentissage du métier d’enseignant suppose un certain nombre de déplacements que nous essayons decomprendre.

Ainsi, notre approche tente d’éclairer les évolutions de ces étudiants dans un processus de formation quiinvite à repérer/se repérer, à comprendre/se comprendre, à clarifier ses choix, à se distancier pour, àterme, s’assumer comme enseignant à part entière. Ceci renvoie inévitablement à de puissants enjeuxidentitaires. Par exemple, lorsque l’on enseigne, comment se vit la tension entre le corps du soi-danseur etcelui du soi-enseignant, mais aussi bien entendu entre soi et autrui, entre objet (la danse) et sujet(apprenant), entre singularité du parcours et dynamiques collectives, entre désir et contraintes, etc.

La formation, qui se déroule sur deux ans, propose des rencontres, amène à vivre et confronter des universartistiques, des expériences plurielles. Elle amène aussi des formes de déstabilisations qui provoquent desremaniements dans le rapport à la danse, au corps, à soi et aux autres.

1.2. Contexte de la formation au CEFEDEM Bretagne-Pays de Loire

Au moment de l’enquête, la formation au Diplôme d’Etat se déroule sur deux années. Le recrutement pouraccéder au cursus nécessite d’être âgé d’au moins 18 ans et d’avoir réussi l’Examen d’Aptitude Technique(EAT31) dans l’option danse jazz, danse contemporaine ou danse classique.

En fin de 1° année au CEFEDEM, les étudiants passent trois unités de valeur (UV) théoriques (anatomie-physiologie, histoire de la danse et formation musicale). L'obtention de ces UV conditionne la possibilité dese présenter, en fin de 2ème année, à l'épreuve de pédagogie spécifique. C’est alors la compétence àenseigner qui est évaluée à partir d’épreuves pratiques : faire cours à un groupe d’enfants en « éveil-initiation », puis à des danseurs de niveau avancé. Les deux prestations sont suivies d’un entretien avec lejury. Ces épreuves permettent de repérer, à travers l’acte de transmission (dont le corps est le médiaprivilégié), l’intégration des contenus de la formation.

29 Les CEntres de Formation des Enseignants de la Danse Et de la Musique dépendent Ministère de la Culture et de lacommunication. Ils préparent au DE (Diplôme d'Etat) de Professeur de danse, avec 3 options possibles : danse classique, dansecontemporaine ou danse jazz. Le DE correspond à un diplôme de niveau III.30 Depuis 2013, le CEFEDEM Bretagne - Pays de Loire est devenu l’un des quinze établissements d’enseignement supérieurspectacle vivant en France et le seul interrégional. A l’instar des écoles d’architecture, des beaux-arts ou de design, il s’inscrit dansle paysage européen « Licence – Master – Doctorat » (LMD). Il propose des formations post-conservatoires et post-baccalauréat qui préparent au Diplôme National Supérieur Professionnel de musicien (DNSPM) et aux Diplômes d’Etat (DE) deprofesseur de danse et de professeur de musique. http://www.lepontsuperieur.eu/content/le-pole/presentation-14.php#sthash.evjBnsTX.dpuf31 Pour des informations complémentaires : http://www.culturecommunication.gouv.fr/Disciplines-secteurs/Danse/Enseignement-formation-et-metiers-danse/L-Examen-d-Aptitude-Technique-EAT

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De plus l’organisation du cursus, dans le CEFEDM étudié, met en relief certains choix : favoriser des ateliersentre spécialistes Jazz et spécialistes Contemporain, entre danseurs et musiciens pour éprouver, dès lapremière année, les questionnements liés à la transmission, en abordant les aspects génériques et lesspécificités (Faure, 2000). Enfin, en deuxième année, les regards croisés sur l’apprentissage àl’enseignement des étudiants s’opère avec des formateurs pluri-catégoriels et en alternance avec desmoments de stage. Dans cette dynamique d’appropriation progressive des gestes du métier, le travail ausein du groupe de pairs se révèle essentiel car, à travers les différentes mises en situation pédagogiques, lecorps est (re)questionné en permanence: technique, lisibilité, justesse, présence, etc. sont au cœur desdébats et invitent sans cesse à reconsidérer l’engagement du danseur au regard des exigences de latransmission.

1.3. Une approche du rapport au corps et des questions identitaires : repères théoriques

S’intéresser au rapport au corps des étudiant-e-s se formant pour devenir enseignant-e-s nécessite declarifier la manière dont nous envisageons le « rapport à ». Charlot considère le rapport au savoir commeun « rapport au monde, à l'autre et à soi-même d'un sujet confronté à la nécessité d'apprendre […] Cerapport inclut les représentations, envisagées comme des systèmes de relation, d'interprétation, ancréesdans un réseau de significations » (Charlot, 1997, p. 93). La transposition de cette définition paraît fécondeà deux niveaux. Tout d’abord pour interroger le rapport au corps. Dans quel système de représentations ducorps se situe l’étudiant entrant en formation : corps performant, porteur de sens, sensible ? Dans sesapprentissages antérieurs, l’étudiant a construit un rapport au corps, le plus souvent inconscient, relié auxcodes, aux normes d’un style spécifique, en développant des univers de sens plus ou moins référés à uneculture artistique. Faire de la danse jazz ou de la danse contemporaine amène à investir des motricitésspécifiques. Le choix de tel ou tel style de danse reste fortement relié à des ancrages socio-culturels et àleurs imaginaires. En ce sens, pratiquer le jazz ou le contemporain n’ouvre ni sur le même rapport au corps,ni sur les mêmes esthétiques, ni sur les mêmes modes d’apprentissage (Faure, 2000).

Par ailleurs, une transposition est possible (même si elle est limitée) au niveau du rapport à la formation. Enfait, si l’entrée dans le métier se fait sur la base de représentations fondées sur des valeurs, elle est aussiportée par des discours, des cultures, des projections ancrées dans l’expérience de la danse. L’étudiant-een formation intègre peu à peu le contexte et tente de s’y adapter. Mais ce processus, loin d’être linéaire,suppose des moments de remise en cause des représentations initiales ; il s’agit alors de les dépasser pourconstruire de nouvelles cohérences, nécessaires au développement des compétences professionnelles(Wittorski, 2007). Ainsi, un certain nombre de représentations permettent aux étudiant-e-s de fonder, dejustifier et de rationaliser leurs prises de positions vis-à-vis de la danse qui les a construit-e-s, du métierd’enseignant de danse, des élèves et de la logique de formation. S’attacher à leur émergence dans lesdiscours permet de comprendre comment chacun-e construit son monde professionnel et lui donnent sens(Perez-Roux, 2008).

Par ailleurs, la mise en relation des représentations, des valeurs et des pratiques permet d’approcher lesquestions identitaires (Blin, 1998 ; Roux-Perez, 2003 ; Kaddouri, 2010). Pour Tap (1998) l’identité, c’est «l’ensemble des représentations et des sentiments qu’une personne développe à propos d’elle-même.C’est ce qui permet de rester le même, de se réaliser soi-même et de devenir soi-même, dans une société etune culture donnée, et en relation avec les autres » (p. 65). De ce point de vue, se confronter àl’apprentissage du métier d’enseignant suppose un certain nombre de déplacements que nous essayons decomprendre, en nous centrant sur l’évolution du rapport au corps.

Pour notre part, au carrefour d’une sociologie compréhensive et d’une approche psychosociologique, nous

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envisageons l’identité professionnelle des (futurs) enseignants comme un processus complexe etdynamique situé à l'articulation de plusieurs dimensions, plus ou moins en tension, suscitant plusieursregistres de transactions32 : entre continuité et changement, entre soi et autrui, entre unité et diversité(Perez-Roux, 2011). Tout d’abord, l'individu préserve le sentiment de rester le même au fil du temps et doitnécessairement s'adapter, en fonction de changements plus ou moins souhaités et/ou contrôlés: l'itinéraireprofessionnel intègre cet axe continuité-changement à travers un couplage entre histoire du sujet etmodifications de l’environnement. Dans la formation pour devenir enseignant, le débutant doits’approprier de nouveaux repères. Comment préserve-t-il le sentiment de rester le même, de conserver sesvaleurs tout en assumant un certain nombre de transformations nécessaires pour investir un nouveaumétier ?

Par ailleurs, l'individu élabore une image de soi en relation (accord, tension, contradiction) avec celles que,selon lui, les autres lui attribuent : le sentiment de reconnaissance ou de non reconnaissance d'autrui quien découle se révèle essentiel dans la construction identitaire. Comment l’étudiant prend-il en comptel’ensemble des regards croisés sur sa pratique (autres étudiants, élèves, formateurs, tuteurs de stage)?Dans quelle mesure cela l’aide-t-il à se définir comme futur professionnel ?

Enfin, l'individu fait en sorte de conserver une cohérence interne (unité) tout en développant une relativediversité à travers de multiples ressources sur lesquelles il peut s’appuyer pour s’adapter à des situationschangeantes. Quels registres de pensée et d’action revendiquent les étudiant-e-s, quelles ressources sontmobilisées pour trouver un équilibre et conserver un sentiment de cohérence dans une période deformation où tant de nouveaux savoirs restent à construire ?

Pour répondre à ces questions, nous avons conduit une étude longitudinale auprès des étudiant-e-s duCEFEDEM. Avant d’en donner quelques résultats, nous présentons la méthodologie utilisée dans ce cadre.

2. Méthodologie

Pour réaliser cette étude, nous avons recueilli plusieurs types de données qui seront mobilisées de façonplus ou moins importante dans l’article33.

2.1. Recueil des données

Plusieurs sources nous ont permis d’approcher le rapport au corps et les transformations identitairesdurant le parcours de professionnalisation. En janvier de la première année de formation, nous avonsproposé un questionnaire à 4 promotions d’étudiants (n=83). Ce dernier portait sur les parcours desétudiants et les raisons de leur choix d’orientation vers le DE, sur leurs représentations de l’enseignant dedanse et sur leur conception de l’enseignement de la danse.

Par ailleurs, nous avons suivi une promotion d’étudiants durant leurs deux années de professionnalisation 34

(septembre 2009 à juin 2011) pour tenter d’analyser les dynamiques d’appropriation et les formesd’engagement dans la formation, les ressources - pragmatiques ou symboliques - mobilisées pourconstruire une identité professionnelle d’enseignant et se confronter aux diverses procédures d’évaluationqui organisent le parcours jusqu’à l’obtention du DE.

32 Pour Dubar (1992), les transactions correspondent à des actions qui traversent la situation individuelle et nécessitentdélibérations, ajustements et compromis : qu’elles soient d’ordre biographique ou relationnel, il s’agit pour le sujet de peser lepour et le contre, d’apprécier les avantages et les risques, d’échanger du possible contre de l’acquis.33 D’autres résultats de cette recherche seront publiés dans : Perez-Roux (2015) Dynamiques identitaires dans les parcours deprofessionnalisation : des danseuses entre artistique et pédagogique.34 Au-delà du questionnaire proposé en janvier de la première année de formation, nous avons procédé à un état des lieux en fin de1° année de formation, puis en début et fin de 2° année de formation.

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Enfin, dans ce même groupe, nous avons réalisé des entretiens semi-directifs avec 6 étudiantes volontairesayant choisi la spécialité Jazz : le premier s’est déroulé en juin 2010, après l’évaluation des différentes UV ;le second en juin 2011, une fois passées les épreuves du diplôme d’état et avant d’en connaître lesrésultats. Une semaine avant cette deuxième rencontre, chaque étudiante a reçu la retranscriptionintégrale de son premier entretien.

2.2. Traitement des données

La saisie et le traitement des questionnaires ont été effectués sous Sphinx Lexica. Les questions ouvertesont été traitées à partir d’une analyse de contenu manuelle.

Le traitement des corpus d’entretiens, retranscrits intégralement, a été réalisé à partir du logiciel conçu parMax Reinert pour analyser les principaux « mondes lexicaux35 » d’un corpus de textes (logiciel ALCESTE 4.8 :Analyse des Lexèmes Co-occurrents dans les Enoncés Simples d'un TExte"). Ce logiciel permet : « l'analysedistributionnelle à l'intérieur d'un seul discours, considéré individuellement, pour mettre en évidencecertaines corrélations entre la langue et d'autres formes de comportement. Ce n'est pas tant les différencesdes distributions lexicales entre auteurs [ici étudiants] qui nous intéressent que la dynamique discursive dugroupe en tant que groupe, le corpus étant considéré comme un discours unique » (Reinert, 1997, p. 1).

L'objectif de cette analyse est d'obtenir les énoncés du corpus étudié les plus fréquents, grâce au repéragedes cooccurrences des mots et/ou de leurs racines afin d'en dégager les mondes lexicaux. Le classementproprement dit des énoncés est obtenu à l'aide d'une procédure statistique : la classification descendantehiérarchique qui est une technique dérivée de l'analyse factorielle des correspondances. Nous faisonsl'hypothèse, avec l’auteur de ce logiciel, que l'analyse des traces lexicales d'un ensemble d'énoncés peutpermettre de différencier globalement les thèmes les plus prégnants.

L’utilisation de ce logiciel permet donc de mettre en évidence les "lieux usuels", les univers de sens,investis par les énonciateurs. « C'est la redondance des traces lexicales qui permet de repérer les lieux lesplus fréquentés […] par les énonciateurs [...] Ces mondes lexicaux sont donc des traces purementsémiotiques inscrites dans la matérialité même du texte. En eux-mêmes, ils sont indépendants de touteinterprétation » (Reinert, 1997, p. 5). Mais, ils prendront sens à travers une activité interprétative36.

Dans les deux traitements effectués sous Alceste (entretiens réalisés en juin 2010 et entretiens réalisés enjuin 2011), nous avons retenu deux catégories particulières qui mettaient en avant, de façon directe ouindirecte, la problématique du corps en relation avec le rapport à la formation.

2.3. Caractéristiques des groupes étudiés

Parmi les 83 étudiant-e-s ayant répondu au questionnaire, 10% seulement (8) sont des hommes. 34 sontinscrits dans l’option Danse contemporaine (DC) et 49 dans l’option Danse Jazz (DJ).

Les 2/3 des DC et 7/8 des DJ ont une expérience d’enseignement avant d’entrer en formation. Celle-ci sepoursuit parfois durant le cursus au CEFEDEM : 34 étudiant-e-s ont déjà assuré un cours sur un an ou plus35 Les mondes lexicaux, considérés dans leur ensemble, constituent des univers de sens traversés par l’ensemble des répondantsmais dans lesquels certains individus émergent plus fortement.36 L’activité interprétative s’organise à partir de plusieurs opérations : à l’échelle du groupe enquêté, les mondes lexicaux sontétablis sur la base de mots à plus fort Khi2. Dans cette base, les énoncés verbaux font l’objet d’une attention particulière pourcatégoriser la classe. Par ailleurs, nous prenons en considération les mots correspondant à une absence de Khi 2 significative. Lesdifférentes classes (ou catégories) ont été reconstruites à partir des caractéristiques significatives. Le sens a ensuite été affiné enprenant en compte les Unités de Contexte Elémentaire (UCE) qui s’y rattachent ; cette opération recontextualise les énoncés etdiminue des effets d’interprétation. La classification double a permis de traiter 48% des UCE pour le corpus de 2010 et 63% des UCEpour celui de 2011. Ces pourcentages, relativement faibles, donnent des tendances qui sont vérifiées et complétées avec l’analysequalitative et thématisée des entretiens que nous ne pouvons développer dans le format de cet article.

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et 13 ont donné un cours régulier pendant au moins 2 mois. Les autres font état de quelquesremplacements, d’interventions lors de stages de danse ou d’autres expériences comme l’animation encentres de loisirs, ayant permis de proposer cette activité.

Au niveau du cursus scolaire et universitaire, la quasi-totalité est titulaire du Baccalauréat (7 étudiant-e-ssont passé-e-s par un BEP). Au final, 12 ont obtenu un bac professionnel, 39 un bac général, 9 ont un niveaubac +2 (BTS, DUT), 19 sont titulaires d’une licence et 5 d’un master.

Enfin, les parcours de danse sont assez contrastés. La moitié des étudiant-e-s interrogé-e-s a bénéficiéd’une année de préparation pour passer l’EAT (Epreuve d’Aptitude Technique). Sur l’ensemble desréponses, 24% des étudiant-e-s (23) ont une expérience d’interprète ; 53% (45) ont suivi une formationartistique dans une école « reconnue » pour la formation du danseur. Les autres se sont formé-e-s au seind’associations diverses, implantées sur l’ensemble du territoire régional et sur des durées plus ou moinslongues

Les 6 étudiantes suivies sur deux années sont représentatives de ces profils, à une caractéristique près :toutes ont choisi la spécialité danse jazz.

3. Résultats

3.1. Statut et place du corps dans le projet d’enseigner : évolutions repérées au niveau du groupe

Les questionnaires renseignés en janvier de la première année de formation donnent, de façon indirecte,une approche du rapport au corps pour le groupe étudié (n=83). Les raisons 37 les plus fréquemment citéespar les étudiant-e-s entrées en formation au CEFEDEM s’organisent autour de trois priorités : « envie detransmettre une passion pour la danse » (85%), « motivation pour l’enseignement » (53%) et « possibilité detravailler avec des publics variés » (53%). La passion pour la danse, qui traverse l’ensemble des discours,semble le levier principal pour une orientation vers l’enseignement. Les apprentissages spécifiques dans telou tel style de danse, sur des durées plus ou moins longues, n’ont pas toujours débouché sur la possibilitéde devenir danseu-se-r. Le travail assidu en milieu associatif ou le choix de tenter une école de danse« reconnue » a permis de mettre en œuvre ce projet d’enseigner en montrant au préalable sescompétences techniques à travers la réussite de l’EAT.

Lorsque la formation commence, les étudiant-e-s ont une image idéalisée d’un enseignant qui sauraitprioritairement : « construire des contenus adaptés à la diversité des élèves » (53%) et « maîtriser une oudes techniques » (45%). Ces réponses soulignent la place accordée au corps dans sa dimension technique etle souci de pouvoir jouer sur les formes corporelles et leur niveau de difficulté/complexité pour s’adapter àdes publics variés.

Dans l’analyse des bilans conduits en fin de première année de formation, pour la promotion suivie sur ladurée du cursus, deux points retiennent notre attention.

Tout d’abord, dans leur grande majorité les étudiant-e-s regrettent l’absence de cours techniques (dansleur spécialité) intégrés dans le cursus, et le manque de temps pour se former en dehors du CEFEDEM. Ilsexpriment la crainte de voir leurs compétences en danse compromises. Si par ailleurs ils/elles sont satisfait-e-s d’avoir tissé des liens (notamment à partir du travail sur les fondamentaux du mouvement et les ateliersde création) avec les étudiant-e-s de l’autre spécialité, ce brouillage des frontières leur donne un sentimentpartagé : ne plus savoir où se situer (au regard de l’EAT qui faisait bien la partition entre jazz et

37 Sur l’ensemble des questions à choix multiple, les étudiants pouvaient cocher 3 réponses sur un ensemble de 8 items. En conséquence, la somme des pourcentages dépasse 100%.

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contemporain) et prendre conscience de la richesse de l’autre style, des transferts possibles et desspécificités fondatrices qui prennent davantage en compte, désormais, les esthétiques de chaque style.

Cela introduit le second point. En fin de première année, les étudiant-e-s rendent compte d’une entréerenforcée dans la culture artistique. Revisitant une expérience de danse, vécue le plus souvent comme unesuccession de gestuelles, de techniques répétées et progressivement maîtrisées, elles/ils disent la relierdésormais à des fondamentaux du mouvement mais aussi à l’histoire de la danse, des courants de pensée,des filiations artistiques. Cette découverte est étayée par les savoirs de la formation qui amènent ainsi lesétudiant-e-s, et plus particulièrement celles/ceux de l’option Jazz, à réinterroger les processus d’acquisitionet à redonner du sens à l’expérience vécue.

A ce stade, certain-e-s restent attachés à leur expérience d’élève/d’étudiant-e et aux repères qu’ils y ontconstruit, d’autres se (dé)placent plus radicalement du côté de l’enseignant et s’engagent dans desproblématiques qui génèrent à la fois un sentiment de déstabilisation et un désir de faire face à un nouvelenjeu identitaire : endosser ce nouveau rôle d’enseignant, où chacun-e doit accepter de se mettre en jeu(en Je).

Au cours de cette deuxième année, centrée sur les questionnements liés au processus enseigner - faireapprendre, le travail sur le corps a pris une autre dimension. Les termes les plus choisis pour en rendrecompte sont ceux de « justesse, de lisibilité du mouvement, de lecture des corps ».

En même temps, au plan identitaire, se dessine progressivement une nouvelle tension entre mise enconformité (attentes institutionnelles organisant l’obtention du DE) et émancipation qui suppose à la fois ledéveloppement de son propre style d’enseignant et, de fait, de sa propre danse.

3.2. Problématique du corps dans le parcours de formation

L’analyse lexicale des entretiens réalisés avec 6 étudiantes de la spécialité danse jazz en juin 2010 puis enjuin 2011 (logiciel Alceste) donnent une approche complémentaire. Nous avons choisi de développer lesmondes lexicaux - et leurs univers de sens - renvoyant, de façon directe ou indirecte, à la problématique ducorps. Nous les resituons dans l’ensemble des catégories proposées par l’analyse sous Alceste.

3.2.1. Le corps en jeu dans l’expérience de la formation

Dans le corpus recueilli en juin 2010, trois mondes lexicaux (ou catégories) apparaissent. Le premier, quiréunit 44% des UCE (classe 3), renvoie au parcours antérieur et à la manière dont s’est élaboréprogressivement le projet de devenir enseignant-e. Nous ne le développerons pas ici. Les deux autrescatégories se rattachent plus précisément la problématique qui nous intéresse.

Le second monde lexical (42% des UCE, classe 1) réactive l’expérience de la formation. Les étudiant-e-sdécouvrent d’autres démarches que celles vécues jusqu’alors, à travers les propositions des formateurs.Certain-e-s intervenant-e-s génèrent des formes d’identification et confortent les idéaux formulés en débutde cursus : « Mon rêve ? Si on pouvait me dire tu es comme A. [enseignante intervenant dans la formation]Ouah ! Après, je sais que je serai jamais comme elle. On est deux personnes complètement différentes »(Violaine, niveau Bac+2, préparatrice en pharmacie). Ils invitent aussi à questionner ces démarches pourclarifier la manière d’envisager la pédagogie : « B. nous donnait pas tout comme ça : ‘hop, voilà, c’est ça, ilfaut apprendre ça’. Il nous faisait chercher et je trouve que c’est important de ne pas tout donner auxélèves. C’est bien qu’ils cherchent aussi ! » (Béatrice, 21 ans, niveau bac et CAP Petite enfance). D’autresformateurs/trices semblent constituer plutôt des contre-modèles : « On a vécu des choses très différentes.Par exemple avec C., on avait le sentiment des fois d’être dans une position d’élèves mais dans le sens

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négatif […] Certains attendent qu’on reste à notre place de bébés, surtout, pour appuyer le fait que le profest bien dans ses baskets. Moi, c’est pas du tout ma manière de voir les choses » (Marie, 23 ans, Bac danse,expérience d’enseignement). Ce côté infantilisant de la formation est ressenti d’autant plus violemmentque Marie a déjà construit, à travers des remplacements sur des durées longues, un certain rapport àl’enseignement de la danse.

Par ailleurs, cette catégorie met en avant un questionnement sur le corps lié à la découverte des autresétudiants, de leur diversité en termes d’appropriation du mouvement, et des spécificités motrices liées auxstyles de danse (jazz et contemporain). Comme l’évoque Marie, le groupe en formation est hétérogène :« on vient tous d’horizons complètement différents, donc il y a un moment où on n’a pas la même manièred’investir le mouvement, de penser les choses ». Cette hétérogénéité peut générer des incompréhensionsmais peut aussi constituer une richesse car elle crée des prises de conscience sur la manière singulièred’aborder la danse et sur d’autres registres potentiels : « c’est une énorme différence… mais c’est aussisuper intéressant de travailler avec des gens qui font une autre spécialité. Par exemple D. a dit : Lola, tu vasfaire le mouvement avec Julie et en fait, je me suis rendue compte que je le faisais pas du tout de la mêmemanière qu’elle, alors que c’est elle qui nous l’avait appris… Et les autres étaient stupéfaits et ils disaient :les mouvements concrètement sont à peu près les mêmes, la forme est la même, mais ça passe pas du toutpar le même endroit, le même chemin » (Lola, 23 ans, niveau bac, pratique le chant). Les ateliers conjointsdanseurs-musiciens sont aussi l’objet de découverte : « très intéressants, les projets danseurs-musiciens !On se confronte à des méthodes de travail différentes. Ils donnent des cours à une personne, nous à ungroupe, donc là, y a rien à voir. Ils ont une pratique aussi assez classique, pas nous » (Violaine) //« Danseurs musiciens, on ne fonctionne pas du tout de la même manière. Eux, ils vont organiser les chosesd’une autre façon que les danseurs » (Aurélie, niveau licence, formation en STAPS38 puis réorientationdanse).

Ces rencontres, lors des temps de formation transversale, interrogent la future pratique pédagogique dansses fondements. En deuxième année, la spécificité du jazz ou du contemporain redevient centrale aumoment des mises en situation, mais les étudiant-e-s ont progressivement acquis une réflexion sur lesenjeux de tel ou tel choix pédagogico- didactique.

Le dernier monde lexical que nous souhaitons analyser (14% des UCE, classe 2) concerne plusspécifiquement la pratique de la danse et la manière de l’incarner. Cette question revient fréquemmentdans l’ensemble des entretiens, combinée, nous l’avons vu, avec le sentiment d’un manque de courstechniques durant la première année de formation au CEFEDEM. Aurélie, peu confiante quant à son niveaud’expertise en danse, vit une frustration liée au manque de pratique et fait état de fortes inquiétudes sur cepoint : « on ne danse plus vraiment en fait, on est dans une espèce d’analyse… et moi je me suis perdue là-dedans… J’arrivais plus à me retrouver, à retrouver mes sensations […] Techniquement, j’ai l’impressiond’avoir régressé… en fait je danse moins donc, du coup, je peux moins prendre conscience des choses quej’ai acquises, mais en tous cas , j’ai l’impression d’avoir perdu […] J’espère que l’année prochaine je vaisréussir à me trouver parce que c’est pas facile de trouver sa gestuelle, sa technique, d’avoir quelque chose àsoi qu’on puisse transmettre ». Cette tension entre « perdre » et « (re)trouver » organise le rapport aucorps (à soi), en lien avec la formation et le futur métier. Lola, plus rassurée sur son niveau technique(notamment en se comparant à d’autres étudiantes qu’elle juge en difficulté), s’investit différemment dansles contenus de formation : « moi, je suis vraiment dans mon truc. Il faut que j’essaie de danser à fond,d’évoluer, puisque c’est quand même le but de notre présence en cours. Et dans les cours de C. moi, j’ai

38 Sciences et Techniques des Activités Physiques et sportives

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l’impression qu’il y a beaucoup de technique, beaucoup de travail sur le corps pour la technique, pourévoluer techniquement ». La question de l’interprétation est aussi présente dans ce rapport aucorps revisité : « on a beaucoup fonctionné par reproduction, même si on nous demande de composer depetites choses, il faut quand même trouver sa gestuelle à soi, et l’assumer en plus… Il faut réussir à prendredes éléments techniques pour y mettre sa saveur, sa couleur, sa propre gestuelle. Je crois que c’est le plusdifficile » (Aurélie).

Enfin, dans cette catégorie, on repère l’émergence de problématiques d’ordre pédagogique: « commentest-ce qu’on peut organiser un cours avec des enfants qui soit ludique et en même temps avec un travail defond technique et aussi un travail artistique » (Caroline, niveau bac, CAP esthétique et expérienceprofessionnelle dans divers secteurs). Au moment où s’amorce le passage vers la deuxième année auCEFEDEM, axée sur des mises en situation d’ordre pédagogique, les craintes de ne pas assurer ce nouveaurôle sont présentes. Elles attestent d’une prise de conscience du déplacement à opérer pour devenirenseignant. Le corps est bien présent mais sa nécessaire lisibilité porte d’autres enjeux pour les étudiants :« avant, je pense que j’étais pas aussi pointilleuse musicalement. J’étais peut être pas très juste non plus…et un truc auquel je tiens maintenant, c’est d’être claire, très claire sur la gestuelle que je montre » (Aurélie).Dans cet univers lexical, les notions de justesse, de lisibilité/clarté du mouvement semblent prendre le passur l’acquisition de techniques (orientation prioritaire en début de formation).

3.2.2. Se (re)définir comme sujet capable d’assumer sa propre danse

Dans le corpus recueilli en juin 201139, quatre mondes lexicaux apparaissent. Le premier (34% des UCE,classe 2) s’organise autour du processus de professionnalisation et de la validation de la formation ; lesecond (27% des UCE, classe 3) rend compte de l’expérience de la pédagogie en insistant sur la richesse dela relation avec les élèves et des surprises/du plaisir qu’elle a pu procurer. La troisième catégorie (14% desUCE, classe 1) revient sur le nouveau positionnement construit dans ce temps de transition versl’enseignement. Enfin, le dernier monde lexical (25% des UCE, classe 4) met en relation un univers de senslié à la danse dans sa dimension à la fois artistique et pédagogique et ouvre sur les projets d’avenir.

Bien que ces univers de sens se complètent les uns les autres, nous choisissons ici de nous attarder sur lesdeux derniers qui éclairent de façon privilégiée notre recherche.

En effet, dans la classe 1, les énoncés pointent certaines difficultés rencontrées dans le processus deformation pédagogique, difficultés liées à un manque ou à une perte de repères : « pour moi, c’était trèsdifficile la construction d’un cours d’enfants dans les normes, enfin, en 30 mn. Ça a été très difficile parceque j’avais pas de repères. J’ai eu un beau passage à vide après le tutorat » (Caroline). Pour Marie, qui adéjà une expérience d’enseignement, les remises en question de son travail auprès des élèves bousculentles repères construits par ailleurs : « ça a été super difficile parce que du coup, moi j’étais un peu perdue.J’avais la sensation, du coup de me retrouver formatée […] c’est hyper déstabilisant au départ quoi et ça, çaquestionne beaucoup parce que finalement, la posture du prof en jazz, y a pas si longtemps, c’était lechorégraphe, le prof qui était là, et les élèves qui étaient à un autre endroit ». En même temps, les énoncésmontrent la manière dont les compétences ont pu se construire: « c’était bien parce que [pendant laformation] on avait la posture d’élève, d’observateur et de professeur. Donc à chaque fois, même si on est

39 Ce corpus comptabilise seulement 5 entretiens. En effet, Aurélie, interviewée en juin 2010 a interrompu la formation au CEFEDEM en début de deuxième année pour danser dans une compagnie en région Bretagne.

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élève, on a ce regard un peu de prof, parce que ça nous aide à nous situer en fait ! » (Lola). Ce travaild’appropriation est associé à une remise en synergie des différents temps de la formation en alternance« dans les mises en situations qui ont suivi le stage, j’ai retrouvé les sensations que j’avais pu avoir entutorat et là, je me dis : c’est bon, je ne suis pas perdue ! » (Marie) // « Dans l’année, tu as le retour desformateurs sur ta pratique pédagogique et tu as ton propre retour. C’est systématique cette boucle quirevient. Ça c’est lourd, c’est pesant… et en même temps, c’est formateur. Ça t’oblige à te justifier sur teschoix mais ça t’amène aussi à avoir un propre regard sur toi, à mieux te connaître » (Caroline). Au final, onrepère dans nombre d’énoncés, la construction progressive de choix pédagogiques plus assumés et d’unedanse singulière, sorte de signature qui rend compte, symboliquement, d’une véritable identitéd’enseignant-e de danse : « il fallait assumer ses propositions, assumer sa place, ne pas avoir peur de setromper ou de ne pas être parfait et ça, c’était très difficile pour moi au début » (Caroline) // « Ma tutrice,elle me dit pas : ‘dans ta démonstration ou dans ta variation, tu aurais dû etc.’… mais : ‘dans les indicationsque toi tu nous as données, il manquait l’univers sur lequel tu nous emmènes d’habitude’ » (Violaine) // « Leremplacement de deux mois que j’ai fait, aussi, ça m’a aidée à prendre confiance en moi. Je me suisretrouvée face à des élèves [dans une association] et je me suis dit : voilà, ils viennent là une fois parsemaine, c’est leur passion, ils ont vraiment hâte et moi le suis LA prof de danse […] Et puis d’avoir de vraisélèves, chaque semaine, dans une classe du primaire, c’est différent mais d’y être confrontée, j’ai eu lesentiment de prendre ma place vraiment, en tant que prof » (Béatrice). On repère ici la construction du soi-enseignant à partir du sentiment de reconnaissance d’autrui.

De manière complémentaire, l’analyse de la classe 4 montre combien cette réassurance légitime l’accès àl’univers de l’enseignement, tout en renforçant les liens entre pédagogique et artistique qui ouvrent surdes projets d’avenir. Tout d’abord, le mémoire est investi comme un moyen de creuser des problématiquesd’ordre pédagogique/artistique : « dans mon mémoire, je me suis intéressée à la relation musique jazz -danse jazz et ensuite à la place de l’improvisation : comment l’intégrer dans un cours technique ? » (Lola) //« Mon mémoire porte sur la créativité en danse jazz parce que c’est un point qui m’intéresse énormémentet du coup, c’est lié à tout ce qu’on a vécu dans la formation […] à la fois la dimension de création mais laplace aussi de l’élève à l’intérieur de ça » (Marie).

De nombreux énoncés révèlent ce sentiment d’une identité d’enseignant progressivement assumée : « onme reconnait je crois, à la relation à l’espace. Dans tout ce que je propose, il y a un lien fort à l’espace, dansdes déplacements, des choses comme ça […] En jazz, on a des formes mais il faut savoir d’où ça vient, etpuis chacun doit pouvoir interpréter en fonction de ce qu’il ressent. Pour moi, c’est important » (Violaine) //« T’es jazz, t’es pas jazz, peu importe. Il faut arriver à se nourrir des fondamentaux, de la base pour ensuitecontinuer à avancer […] trouver la dimension d’interprète de l’élève à l’intérieur du mouvement. Il y asouvent des spectacles de fin d’année mais il faut peut-être ouvrir aussi les élèves à des spectacles decompagnies amateur » (Marie).

Enfin, cette catégorie met en relief des projets de soi pour l’avenir qui réinvestissent, différemment sansaucun doute, le soi-danseur et le monde du spectacle : « avant d’enseigner, il y a le projet, quand même, defaire de la scène. Cette année, on a été évidemment beaucoup sur la transmission et du coup, à côté, jecontinuais à danser dans une compagnie amateur pour danser et faire de la scène. Je me suis renduecompte que j’avais aussi ce besoin-là, en fait ! » (Marie). Caroline témoigne de cette double inscription etde la manière dont les deux univers (artistique et pédagogique) sont désormais, pour elle, intimementreliés : « j’ai envie d’enseigner mais j’ai envie de danser aussi, parce que cette formation, c’est hallucinant,

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on est bien sur une formation d’enseignant, mais moi j’y ai découvert ma danse, je me suis découverte entant que danseuse. C’est énorme ! ».

Ces résultats rendent compte de certaines évolutions durant la formation : ils interrogent, de manièredirecte ou indirecte, la place du corps et ouvrent sur une dimension identitaire. La mise en synergie avec lecadre théorique qui a organisé notre approche nous permet, à présent, d’approfondir certains points.

4. Discussion

Le rapport à la danse des étudiant-e-s que nous avons suivi-e-s semble fondateur d’une certaine réussite,attestée par l’obtention de l’EAT et l’entrée au CEFEDEM. On peut imaginer que les apprentissages réalisés,en termes de motricité mais aussi de socialisation, dans des organisations structurées et structurantes, ontaidé à l’élaboration d’une identité sociale. Les représentations liées à l’expérience de la danse marquent unrapport au corps, étayé par les formes, les codes et les normes de tel ou tel style. Les entretiens indiquentque nombre d’étudiant-e-s auraient préféré être danseurs/danseuses. Mais le projet de soi pour l’avenir etle souhait de rester dans le monde artistique, nécessite la prise en compte d’aspects socio-économiques. Seformer pour devenir enseignant-e constitue donc une transition entre deux mondes (artistique etpédagogique), dans laquelle la place du corps est réinterrogée par le processus d’enseignement-apprentissage : média privilégié de la transmission, le corps de l’enseignant de danse change de statut etdevient référent ; cela suppose lisibilité et justesse du mouvement mais aussi explicitation des cheminspour réaliser telle ou telle gestuelle, elle-même choisie en fonction du niveau de ressources du publicd’élèves et non plus en fonction de sa propre expertise de danseur.

En début d’année, beaucoup se présentent en disant : « je suis jazz ». Pour Lola, par exemple : « le jazz c’est vivant, c’est une énergie et une dynamique différente. C’est difficile de le décrire parce qu’on se base sur des formes ». Les étudiant-e-s venant du contemporain privilégient l’expressivité, l’écoute, la relation, letravail de création. Claire l’exprime ainsi : « en contemporain, on s’intéresse au travail sur les sensations, aux chemins par où passe le mouvement, pas seulement aux formes. Et puis il y a le sens qu’on donne à sa danse ».

Les expériences proposées durant les deux années de formation viennent bousculer ces frontières etamènent les étudiant-e-s à discuter des aspects essentiels/fondamentaux à transmettre. Tout en spécifiantprogressivement les registres de savoirs (contenus de formation), ce travail ouvre sur une pluralitéd’approches du corps en mouvement. Le corps est alors investi à la fois dans un rapport technicité(performance) - justesse du mouvement et effectuation de formes (complexité) -interprétation (supposantprésence et qualité).

Ces approches parfois déstabilisantes peuvent révéler la part cachée de soi et la manière de se (re)définir,dans sa danse et comme individu. Le rapport à la formation offre ainsi l’occasion de mieux se connaître etporte en puissance des enjeux identitaires que les étudiants évoquent en fin de parcours.

Au plan identitaire, les résultats de l’étude invitent à revenir sur la théorie de la triple transaction (Perez-Roux, 2011). Tout d’abord la transaction biographique suppose de dépasser les tensions entre continuité etchangement : les questions autour des choix à opérer sur les contenus, les démarches, amènent lesétudiants à revisiter leurs propres apprentissages, à réinterroger l’expérience dansée et ses apports dans laconstruction de soi, à réorganiser toutes ces références incarnées pour que les choix opérés soientacceptables/justifiables dans le cadre du DE, accessibles aux élèves et fassent sens pour le néo-enseignantpar rapport à sa propre trajectoire artistique. Il y a donc continuité dans le rapport à la danse mais aussi

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changement dans la transition entre l’expérience du soi-danseur, le positionnement parfois complexe dusoi-enseignant et la projection dans l’avenir professionnel et personnel.

Par ailleurs, l’année de professionnalisation est construite sous de multiples regards qui entrent dans lesclasses, analysent l’activité du novice, la questionnent. Comment chacun, dans son acte de transmissionparvient progressivement à assumer ses choix, à se conformer aux attendus de l’institution (qui valide) sansavoir le sentiment de se perdre ? Dans cette transaction relationnelle, l’image du soi-enseignant est-elle enadéquation ou en tension avec ce que renvoie autrui ? L’analyse des entretiens met en relief différentesformes de reconnaissance : a) des formateurs qui accompagnent le processus de transformation etdiscutent des avancées ; b) des élèves vis-à-vis du néo-enseignant qui peut ainsi surmonter ses doutesquant à sa légitimité ; c) de l’institution qui, à travers le DE, atteste de compétences suffisamment acquisespour pouvoir enseigner. On remarque que la socialisation lors de la formation évolue d’une centration sursoi faisant craindre le regard d’autrui vers un outillage conceptuel et méthodologique progressif qui permetdes échanges constructifs. Ainsi, la reconnaissance vient aussi des pairs : chacun a pu traverser l’épreuve dela formation comme remise en jeu de soi, sous le regard et avec autrui.

Enfin, la transaction intégrative suppose la mise en synergie de la multiplicité des facettes identitaires (soidanseur, soi étudiant, soi enseignant mais aussi soi citoyen, etc.) pour trouver un sentiment de cohérenceque chacun tente de préserver. Au-delà des choix, où se situe l’unité de la personne ? Comment peut-elleassumer ses différents engagements artistiques, pédagogiques, familiaux, sociaux ? Ce que dit Caroline estéclairant sur ce point. Au terme de la formation, elle relie dans un même mouvement intégrateur :revanche sur un parcours scolaire difficile, passion pour la danse, désir de devenir enseignante et decontinuer à danser. Ce sentiment de cohérence, construit progressivement durant la formation, sert desocle fondateur pour envisager de futurs projets artistiques ou professionnels et assumer ses choix.

5. Conclusion

Notre approche a permis de repérer des évolutions dans la représentation du corps : celui du soi-élève(danseur) et celui du soi-enseignant engageant nombre de questionnements vis-à-vis du (futur) métier.Derrière ce corps travaillé, analysé et exposé aux regards, se joue un mode de relation à l’autre qu’ilconvient d’apprivoiser. Dans le processus de professionnalisation, la nécessité de (ré)assurance en termesd’image de soi reste fortement combinée aux formes de reconnaissance d’autrui.

En fin de parcours, la reconnaissance liée à la fois au diplôme et aux retours d’autrui (formateurs, pairs,élèves, jurys) n’empêche pas le désir, pour une majorité d’étudiants, de retrouver le monde du spectacle etde se donner, une fois le diplôme en poche, la possibilité d’une reconnaissance artistique : un passage de lascène pédagogique à l’épreuve de la scène qui ne ferme en rien l’horizon d’attentes et la projection dansl’avenir de ces étudiants qui ont accepté, pour un temps, de faire le détour de la formation.

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LA DANSE DU ROI: LE BALLET DE COUR ET LE POUVOIR SOUVERAIN CHEZFOUCAULT

A DANÇA DO REI: O BALÉ DE CORTE E O PODER DE SOBERANIA EMFOUCAULT

Wilna de Souza FANTINI1

1 Universidade Federal da Paraíba, Brasil

Email: [email protected]

Résumé

Dans cet article nous ourdissons quelques analyses concernant le fonctionnement du pouvoirsouverain chez Foucault et les rapports dans ce pouvoir avec le corps du individu et avecl’émergence, dans le domaine de la danse, du ballet de cour. Le pouvoir souverain est un pouvoir deobéissance que lie le souverain et le vassal. Selon Foucault, ce pouvoir fonctionne à travers desrituels et des cérémonies (gestes, habitudes, signes de respect, blasons etc.) que s’insèrent dans leniveaux plus élémentaires du corps social, puisqu’il se réfère a une série de pouvoirs micorscopiquesque pénètrent dans les comportements cotidians et dans les corps des individus. La réalisation dupouvoir souverain dans le champs de la danse apparaître dans le ballet de cour qu’est née en Franceau XVIIe siècle. Ce ballet a été souvent une combinasion d’art, de politique et de divertissement.Outre le rôle de passe-temps pour le monarche et son cortège, le ballet de cour a eu aussi lafonction de ratifier le pouvoir souverain. En dansant dans les ballets, le roi souvenait son pouvoir decontrôle de la scène social, economique et politique. En conséquence, il y avait une maîtrise dumonarche sur les corps des individus de façon que lorsqu’un individu transgressait une loi, il touchait

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le propre souverain parce que la loi a été l’expression de sa volonté. Jusqu’au le XVIII e siècle lescorps des individus étaient la seule richesse accessible que légitimait le pouvoir absolu du souverainet, alors, il y a un rapport du pouvoir souverain et du supplice comme punition. Les cérémonies dessupplices étaient un rituel dont la fonction juridique-politique était de reconstituer la souveraniepréjudicié par un instant.

Mots-clés : Michel Foucault ; Pouvoir souverain; Corps; Supplice; Ballet de cour.

Resumo

No presente artigo teceremos algumas análises acerca do funcionamento do poder de soberania emFoucault e as relações desse poder com o corpo do indivíduo e com o surgimento, no domínio dadança, do balé de corte. O poder de soberania é um poder de obediência por vincular soberano esúdito. Segundo Foucault, esse poder funciona através de rituais e cerimônias (gestos, hábitos, sinaisde respeito, brasões etc.) que se inserem no nível mais elementar do corpo social, pois ele se referea uma série de poderes microscópicos que penetram nos comportamentos cotidianos e nos corposdos indivíduos. A efetivação do poder de soberania na área da dança aparece no balé de corte quenasceu na França do século XVI. Esse balé era amiúde uma combinação de arte, de política e deentretenimento. Além do papel de passatempo para o monarca e sua comitiva, o balé de cortetambém tinha a função de ratificar o poder soberano. Ao dançar nos balés, o rei fazia lembrar seupoder de controle da cena social, econômica e política. Consequentemente, havia um domínio domonarca sobre os corpos dos indivíduos de tal modo que quando um indivíduo transgredia uma lei,ele atingia o próprio soberano porque a lei era expressão de sua vontade. Até o século XVIII oscorpos dos indivíduos eram a única riqueza acessível que legitimava o poder absoluto do soberanoe, portanto, há uma relação do poder de soberania e do suplício como punição. As cerimônias dossuplícios eram um ritual cuja função jurídico-política era de reconstituir a soberania lesada por uminstante.

Palavras-chave: Michel Foucault; Poder de soberania; Corpo; Suplício; Balé de corte.

Ainda que Foucault não tenha escrito sobre a dança ao menos ele fabricou e ofereceu os instrumentos, osutensílios, as armas, os tool-box para que aqueles que lessem os seus livros pudessem encontrar umaferramenta com a qual se pudesse fazer bom uso dentro do seu domínio. Essas ferramentas só surgemdevido à maleabilidade da Filosofia. Segundo Foucault, isso é oriundo da possibilidade que o filósofo temde falar “. . . de alguma coisa de muito particular, quer dizer, da experiência historicamente definida que éa sua, mas que ele transforma e que a faz valer como uma experiência geral.” (FOUCAULT, 2001a, p. 1390).Bem, tendo então essa flexibilidade filosófica de trabalhar sobre todo e qualquer assunto e tendo tambémas ferramentas necessárias, podemos assim, resgatar o domínio da dança que, de fato, foi esquecido enegligenciado no campo filosófico, uma vez que foram poucos os filósofos que se dedicaram a explorar talassunto.

No presente artigo, não abordamos o tema da dança como um todo, mas fizemos um recorte bem singularque consistiu em descrever e analisar o período histórico concernente ao Absolutismo Monárquico. Nestecontexto histórico, ponderamos e tecemos considerações sobre o poder de soberania estudado pelofilósofo francês Michel Foucault (1922-1984). Tomando como base o poder de soberania, vimos que nessaépoca houve o surgimento e o desenvolvimento - no domínio da dança -, do balé que, inicialmente, foichamado de balé de corte.

O objetivo da nossa pesquisa foi resgatar a área da dança para as reflexões filosóficas e procurar entenderdentro de um período histórico determinado qual foi a noção de corpo que se teve na época do

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Absolutismo e como se deu a relação do poder de soberania com o surgimento e o desenvolvimento dobalé de corte.

1. A dança do rei: o balé de corte

Se fizermos um sobrevoo de um modo geral pelos períodos da História da dança, desde a Antiguidade até omomento presente, podemos afirmar que decorreu o seguinte trajeto: foi-se dos templos, passando pelaspraças das aldeias, depois pelos salões até chegar aos palcos.

As danças, na Antiguidade, na maioria das vezes, eram executadas dentro dos templos apenas porsacerdotes e iniciados e pouco a pouco foram sendo extensas à população que passou a participar doscultos. As danças de domínio religioso, por terem agora a participação popular, foram também usadas emoutros tipos de celebração como em casamentos e na louvação pela boa colheita. Com o tempo, as dançasforam também sendo executadas fora do âmbito dos templos e passaram a ocupar as praças das aldeias.Essa transferência do domínio estrito dos sacerdotes para o domínio do povo causou o aparecimento dadança como manifestação popular. “Assim, com o passar dos anos, a ligação com os deuses foi ficandocada vez mais longínqua, e danças que nasceram religiosas foram paulatinamente se transformando emfolclóricas.” (FARO, 1986, p. 14). Um dos motivos dessa transição se deveu ao fato de que algumas dançasfolclóricas eram usadas para expressar a insatisfação do povo contra as proibições da Igreja durante asfestas e celebrações pagãs. Isso não significa dizer que as danças folclóricas tenham perdidocompletamente o cunho religioso. É sabido que muitas manifestações populares e folclóricas guardam umaforte ligação com a religiosidade, mas o que foi dito aqui é que houve uma expansão da dança para umnúmero maior de participantes, a saber, a população de um modo geral, assim como a modificação e ainserção de gestos que antes não existiam no campo da dança religiosa propriamente dita.

Outra mudança no campo da dança se deu com o surgimento do feudalismo na Europa e todas asalterações políticas e sociais que se seguiram às invasões bárbaras. Nesta época a dança se manteveafastada do desenvolvimento artístico do seu tempo tendo como uma das razões primordiais amentalidade cristã que exaltava muito mais o lado contemplativo e espiritual e condenava qualquermanifestação relacionada ao corpo que era considerado impuro e pecaminoso.

O que é inegável é que esta separação ocasionada por motivos históricos e sociais, prolongadadurante séculos, fez com que a dança se mantivesse um tanto deslocada em sua própria natureza etardou tanto tempo em voltar a emergir como atividade artística. (Carlés, 2012, p. 23).

Esses acontecimentos históricos tiveram grande importância na transferência das danças das praças dasaldeias para os salões da nobreza.

Podemos aludir que as danças de salão, que floresceram na realeza europeia, descenderam diretamentedas danças populares. Essas danças foram transferidas do chão de terra das aldeias para o chão de pedrados castelos medievais, e, por conseguinte, sofreram algumas modificações, por exemplo, o abandono doque se considerava nelas de menos nobre (FARO, 1986).

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A transição das danças folclóricas das aldeias para o âmbito da nobreza fez surgir, na França 40, os balés decorte. Esse tipo de balé aparece no século XVI vinculado ao Renascimento italiano especialmente doperíodo denominado de Quattrocento41 e sua evolução, deu-se, ao longo do século XVII, em que o Barroco42

já se fazia presente na cultura europeia (CHRISTOUT, 1975; MONTEIRO, 2006).

A forma específica do balé de corte - que irá se firmar como gênero de dança em 1581 com o Balletcomique de la reine (O balé cômico da rainha) - consistia no desenvolvimento de um tema (que poderia sermitológico, romanesco43, burlesco44 ou político) que era exposto a partir de danças que compõem diversasentrées45, entremeadas por recitativos e cantos (MONTEIRO, 2006). Em suma, o balé de corte organizava-sea partir de três importantes elementos: (1) a ação dramática (que envolvia o desenvolvimento do temautilizando poesias e cantos), (2) a dança geométrica em que os dançarinos faziam evoluções geométricastais como círculos, losangos, retângulos em uma determinada parte da sala. Essas formas geométricas eramconcebidas para serem vistas do alto uma vez que os espectadores eram dispostos em bancadas e (3) asentrées ou árias “. . . reservadas a temas específicos ou tradicionais: [como as] entrées de fúrias, dedemônios, de combatentes, cuja dança era livre, ou improvisada e que recorriam muitas vezes à mímica e àacrobacia.” (BOURCIER, 2001, p. 74).

O primeiro balé de corte surgiu em 1564 com seus elementos constituintes de dança, de música, de poesia,de cenários com máquinas ligados a uma ação dramática. Nesse primeiro balé, o rei é representado porJúpiter que coordenava o mundo, garantindo-lhe harmonia e paz. O segundo balé de corte, que possuía umestilo diferente do do primeiro, teve como finalidade a apresentação do reino da França aos senhoresespanhóis pela rainha Catarina de Médici46 (1519-1589). O referido balé foi dançado por grupos de moçasque representavam as dezesseis províncias daquele reino (BOURCIER, 2001).

Vários outros balés surgiram ao longo dos anos, todavia aquele que estabeleceu e fixou por algum tempoesse gênero de dança como “balé de corte” foi, como citado anteriormente, o Ballet comique de la reine47

no ano de 1581. O aludido balé foi executado durante o reinado de Catarina de Médici, em comemoração

40 Tanto a França quanto a Itália contribuíram para o desenvolvimento do balé de corte, pois as cortes de ambos os paísesdesenvolveram espetáculos grandiosos apresentados entre o curso de um banquete, em atos de uma peça, em entradas reaisnuma cidade ou em eventos especiais como casamentos aristocráticos (AU, 1988).41 O Quattrocento foi a fase áurea do Renascimento que compreendeu o movimento cultural italiano presente na região deFlorença do século XV (BOURCIER, 2001).42 O Barroco floresceu entre o final do século XVI e meados do século XVII, inicialmente na Itália tendo posteriormente se difundidopor outros países da Europa e da América. De certo modo, o Barroco, pelo menos inicialmente, compartilha o mesmo interessepela Antiguidade Clássica que o Renascimento embora as abordagens artísticas das obras barrocas tenham ganho outro olhar aointerpretar o mundo, o homem e a religiosidade. É importante observar que o barroco na França se manifesta na moda e na dança,diferentemente do barroco na Itália e na Espanha que está mais presente na pintura, na escultura e na poesia (MONTEIRO, 2006). 43 O Romanesco é o que tem caráter romântico e de romance. 44 O Burlesco é uma categoria estética próxima da sátira e da paródia e que por isso, usa recursos satíricos, tais como termoscômicos, arcaicos e vulgares para caricaturar.45 Entrées era o nome que se dava a um trecho dançado por um ou mais bailarinos. Define a unidade coreográfica; equivaleria, noteatro, à cena. Nos balés de corte “[d]eterminadas entrées podem ser reaproveitadas de um balé para o outro, mas o sentido delasno desenvolvimento de um determinado tema deve ser desconhecido e original. As entrées nunca vistas, assim como os figurinosoriginais, atestam maior capacidade de invenção. A invenção aparece ou pela novidade do material ou pela novidade dacombinação” (MONTEIRO, 2006, p. 37-38).46 Com o objetivo social e político de manter a corte distraída durante boa parte do tempo, a rainha Catarina de Médici importouda Itália artistas e cortesãos especializados na preparação de luxuosos espetáculos. Esses espetáculos, que não passavam de umelegante passatempo para o monarca e sua corte, eram uma combinação de dança, canto e texto falados. Vale salientar que oscustos com os cenários e as roupas luxuosas dos espetáculos eram provenientes do dinheiro recolhidos dos impostos que o povopagava (FARO, 1986).47 Esse balé (que teve a duração de aproximadamente cinco horas e meia!) contou a história de Circe em cenas que apresentavamalegorias morais, históricas e cortesãs (CARLÉS, 2012).

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ao casamento do duque de Joyeuse e de Marguerite de Lorraine-Vaudémont. A rainha quis celebrar a festacom um balé que, por sua vez, não ficou pronto a tempo para a celebração de casamento que ocorreuentre os dias 18 a 24 de agosto de 1581 e só pôde ser apresentado no dia 15 de outubro do mesmo ano nasala Bourbon do Louvre (BOURCIER, 2001).

O que fez com que o Ballet comique de la reine se tornasse o marco do balé de corte? Podemos alegar quefoi a maneira como ele foi estruturado: seguindo a fórmula dos costumes da época para um balé quedeveria ter a ação falada, a cantada e a dançada, Balthasar de Beaujoyeux48 – seu idealizador – fixará umaforma que será seguida e aperfeiçoada através dos anos: um “. . . prólogo em homenagem ao rei, [as]entrées em diversos tons, que se inscrevem numa ação coordenada . . . , [o] uso do canto e da dançamisturados; a poesia declamada . . . .” (BOURCIER, 2001, p. 88-89). Além disso, o posicionamento do rei eda rainha que ficavam sob o dossel no fundo da sala e a localização do público, ao redor, nas bancadas.

Ademais, pela primeira vez, é dançado um final que se tornará tradicional no balé de corte: ogrande balé do qual participam todos os nobres em trajes que também se tornarão tradicionais (penachona cabeça, máscaras em geral dourada, túnica curta que deixa as pernas nuas). Logo após o grande balé,havia um baile em que toda a corte participava (tantos os nobres performers quanto os espectadores) (AU,1988; BOURCIER, 2001).

Após termos conhecimento de que a partir do Ballet comique de la reine se fixou o gênero do balé de cortetantos outros balés apareceram49 em sequência seguindo a mesma fórmula estética. Já vimos como eramorganizados os balés de corte, porém, será que eles possuíam alguma função?

De fato, os balés de corte possuíam algumas funções: (1) uma delas era sócio-política de passatempo para omonarca e sua comitiva justamente por combinarem os temas políticos com o desejo de prazer e dediversão; (2) outra função era a etiqueta que atingiu seu apogeu no reinado de Luís XIV e cujas dançasmostravam a hierarquia social e os comportamentos, já que as danças de corte, em geral, eramconsideradas um meio de socialização do indivíduo fazendo parte da educação do cavalheiro e (3) a deratificar o poder soberano. Essa função de confirmação do poder real estava estritamente vinculada aosmotivos políticos desenvolvidos e dançados nos balés de corte.

Das três funções recentemente apresentadas, iremos salientar a última (confirmação do poder real) porqueela é a expressão do poder soberano. E para que entendamos essa lógica da ratificação do poder soberanonos balés de corte iremos descrever o que seria o poder de soberania segundo o filósofo francês MichelFoucault.

2. Poder de soberania

Um dos tipos de poder que Foucault distingue nas suas análises é o poder de soberania. Esse poder possuialgumas características dentre elas, vincular soberano e súdito. Isso indica que se trata de um poder deobediência. Foucault esclarece que para que haja relação de soberania é preciso que exista um direitodivino, uma conquista, uma vitória, um ato de submissão, um juramento de fidelidade e um ato firmadoentre o soberano que concede privilégios, ajuda e proteção, e alguém que, em compensação, retribui essesfavores com empenho e trabalho. Outra característica desse tipo de poder é que a relação de soberania éfrágil e tende à ruptura. Consequentemente, uma maneira de manter a relação funcionando é a existênciado que Foucault denominou de reatualização, que seriam rituais e cerimônias, tais como gestos, hábitos,

48 O Ballet comique de la reine foi criado pelo italiano Balthasar de Beaujoyeux, cujo verdadeiro nome era Baldassarino de Belgioso.49 Na França, do ano 1589 ao ano 1610, enumeram-se mais de oitocentos balés! (CHRISTOUT, 1975).

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obrigações de comprimento, sinais de respeito, brasões etc. De acordo com isso, o filósofo francês aludeque

a corte tem essencialmente como função constituir, organizar um lugar de manifestação cotidianae permanente do poder monárquico em seu esplendor. No fundo, a corte é essa espécie deoperação ritual permanente, recomeçada dia após dia, que requalifica um indivíduo, um homemparticular, como sendo o rei, como sendo o monarca, como sendo o soberano. A corte, em seu ritualmonótono, é a operação incessantemente renovada pela qual um homem que se levanta, quepasseia, que come, que tem seus amores e suas paixões, é ao mesmo tempo, através disso, a partirdisso e sem que nada disso seja de algum modo eliminado, um soberano. Tornar seu amorsoberano, tornar sua alimentação soberana, tornar soberanos seu despertar e seu deitar: é nissoque consiste a operação específica do ritual e do cerimonial da corte (Foucault, 1997, p. 209-210).

Poderíamos destacar como mais uma característica do poder de soberania, o fato dele não ser uma relaçãoisotópica, ou seja, ele não constitui um quadro hierárquico unitário. De fato, o poder de soberania possuirelações heterogêneas umas em relação às outras, como a relação do senhor e do escravo que difere da dosenhor feudal com o suserano que já difere da do padre com relação ao leigo e que difere ainda dasrelações familiares. À vista disso, todas essas relações não podem ser integradas no interior de um sistemaverdadeiramente único (FOUCAULT, 2006).

Foucault assegura que é bastante frequente a questão do poder, de um modo abrangente, ser tomada deacordo com o modelo prescrito pelo pensamento jurídico-filosófico do século XVI e do século XVII quereduzia o problema do poder ao problema da soberania ao se perguntar “. . . o que é o soberano? Como osoberano pode se constituir? O que liga os indivíduos ao soberano?” (FOUCAULT, 2001b, p. 231). Noentanto, o filósofo francês quis mostrar outra direção em referência a esse poder soberano: que asoberania política insere-se no nível mais elementar do corpo social indo “. . . de súdito a súdito . . . , entreos membros de uma mesma família, nas relações de vizinhança, de interesses, de profissão, de rivalidade,de ódio e de amor . . .” (FOUCAULT, 2003, p. 215). Ou seja,

entre cada ponto de um corpo social, . . . passam as relações de poder que não são a projeção purae simples do grande poder soberano sobre os indivíduos; elas são muito mais o solo móvel econcreto sobre o qual ele vem se ancorar, as condições de possibilidade para que ele pudessefuncionar (Foucault, 2001b, p. 232).

O poder de soberania trata-se de um poder político sem limites na relação cotidiana e por isso mesmo ébastante temível, pois cada um pode tornar-se para o outro um monarca terrível e cruel.

Depois dessa breve exposição e descrição do que seria o poder de soberania segundo a concepção deFoucault, passamos a compreender melhor a efetivação desse tipo de poder nos balés de corte. Ao dançarnos balés e nos bailes, o rei fazia lembrar aos demais, seu poder de dominação e de controle da cena social,econômica e política. Essa reafirmação social, econômica e política era bem definida na apresentação dosespetáculos. Assim sendo, não era à toa que na composição dos balés de corte, havia uma relação entre ospapéis sociais do soberano, dos homens e mulheres da corte e dos súditos na vida real e na representação

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cênica. De tal forma que “. . . nos balés em que o rei dança, os outros dançarinos se ordenam ao redor dele,significando que ninguém pode dançar, pensar e agir independentemente da autoridade real” (FAURE,2001, p. 36). Além disso, dentre os personagens, o rei ou a rainha sempre desempenhava um papel dedestaque e dentro da história contada pelo balé de corte, eles sempre eram os vencedores temidos eadmirados por todos. Essa função de propaganda e de ratificação do poder de soberania realizada poresses tipos de balés estava muito presente até o reinado de Luís XIII50.

Por falar em Luís XIII, vale ressaltar um ponto importante que ocorreu num balé de corte baseado no temaJerusalém délivrée de Tasso. Esse balé merece uma atenção singular justamente por possuir umaparticularidade ligada ao poder monárquico, a saber, o suplício. Luís XIII escolhe esse balé de corte paraanunciar sua vontade em intervir e em assumir efetivamente o poder que será feito no ano de 1617 51, ouseja, três meses depois do assassinato - tramado pelo próprio Luís XIII – do marechal Concini (BOURCIER,2001).

O assunto desse balé exalta, portanto, a libertação de Luís XIII da regência de sua mãe, Maria de Médici, emarca a grandeza, a glória e a soberania do rei: o personagem do demônio do fogo, que é o rei Luís XIII,tem o poder de “‘. . . purgar seus súditos de qualquer desobediência’” (BOURCIER, 2001, p. 97).

Bem, quanto a cena do suplício podemos, de fato, dizer que ela ocorreu “por trás dos bastidores” do citadobalé, pois o autor do balé anteriormente mencionado, Étienne Durant, por ter escrito panfletos contraLuynes – amigo próximo do rei Luís XIII – foi condenado, passou pelo suplício da roda e foi queimado emGrève (BOURCIER, 2001).

Servindo-nos do exemplo acima citado sobre o suplício de Étienne Durant, a seguir serão apresentadasalgumas considerações sobre o corpo supliciado segundo as reflexões de Foucault.

3. O espetáculo do corpo supliciado

Os estudos sobre o poder que Foucault realizou levou-o a concluir que o poder está disseminado por todasas partes do mundo social, numa trama complexa e heterogênea de conexões. O poder refere-se, então atoda essa série de poderes cada vez mais tênues, microscópicos, que penetram profundamente oscomportamentos cotidianos e os corpos dos indivíduos. Trata-se do poder em suas extremidades, em seusúltimos lineamentos, onde ele se torna capilar. Isso significa que o poder se apresenta nas instituições maisregionais, mais locais. Baseando-se nisso, Foucault analisa, por exemplo, como, no poder de soberania apunição (no caso do suplício) consolidava-se e efetivava-se num certo número de instituições locais,regionais e materiais.

[...] Foucault nos conta que até o século XVIII o corpo dos indivíduos era essencialmente a superfícieda inscrição dos suplícios e das penas, pois o corpo era a “única riqueza acessível” que legitimava opoder absoluto do soberano. Nas monarquias do fim da Idade Média, quando um indivíduotransgredia uma lei, ele atingia e transgredia a própria vontade do soberano: a lei era expressão de

50 Luís XIII (1601-1643) apreciava muito os balés. Não somente participava deles como ator (ele tinha gosto pelos papéis depersonagens grotescos malvestidos e pelos de mulher), mas também como autor, uma vez que compôs uma suíte em dezesseisentrées, denominado o Ballet de la Merlaison (BOURCIER, 2001).51 O rei Luís XIII permanece afastado dos negócios e passa seu tempo a caçar com um membro da corte muito próximo a elechamado Luynes. Enquanto isso, o governo de Maria de Médici está desacreditado e o verdadeiro poder está sob a regência domarechal d’Ancre Concini que é assassinado três meses antes de Luís XIII assumir definitivamente o poder (BOURCIER, 2001).

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sua vontade. As cerimônias dos suplícios eram, . . . , um ritual político tão importante quanto ocoroamento do rei. . . . os gritos de dor e os pedidos de clemência e perdão do criminoso deviamexprimir o poder do soberano. A cerimônia do suplício tinha o corpo do condenado como suporte. Há,aqui, uma polaridade que nos dá um “corpo duplo”: o corpo do rei e o corpo do condenado. Estecorpo não deve ser interpretado como metáfora, mas, sim, como uma realidade política; a presençado corpo é fundamental para o funcionamento das monarquias. (Cardim, 2009, p. 128-130).

De início poderíamos pensar que o suplício era a exasperação da crueldade e da selvageria do poder domonarca personificado na pessoa do carrasco. Todavia, Foucault fez uma interessante interpretação desseacontecimento do suplício que, embora nos possa parecer estranho, é uma técnica. Se se trata de umatécnica não pode corresponder a uma punição corporal qualquer, nem a extremos de uma raiva sem lei,nem a caprichos do rei, nem ao exagero “. . . de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdessetodo o controle.” (FOUCAULT, 2008, p. 32). O suplício é “. . . um ritual organizado para a marcação dasvítimas e a manifestação do poder que pune . . .” (FOUCAULT, 2008, p. 32). Até o século XVIII eledesempenhava muito mais o papel de uma cerimônia política do que o de uma reparação moral.

Uma pena para ser um suplício . . . deve . . . produzir uma certa quantidade de sofrimento que sepossa, se não medir exatamente, ao menos apreciar, comparar e hierarquizar . . . . O suplíciorepousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só: esta produção é regulada. O suplício fazcorrelacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com agravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas. Há um código jurídico dador; a pena, quando é supliciante, não se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco; ela é calculadade acordo com regras detalhadas: número de golpes de açoite, localização do ferrete em brasa,tempo de agonia na fogueira ou na roda (o tribunal decide se é o caso de estrangular o pacienteimediatamente, em vez de deixá-lo morrer, e ao fim de quanto tempo esse gesto de piedade deveintervir), tipo de mutilação a impor (mão decepada, lábios ou línguas furados). . . . Em relação àvítima, . . . o suplício . . . traça em torno, ou melhor, sobre o próprio corpo do condenado sinais quenão devem se apagar; a memória dos homens, em todo caso, guardará a lembrança da exposição,da roda, da tortura ou do sofrimento devidamente constatados. . . . Nos “excessos” dos suplícios, seinveste toda a economia do poder (Foucault, 2008, p. 31-32).

O objetivo principal do suplício, portanto, não consistia na morte52, propriamente dita, mas numa morte-suplício que seria a arte de reter a vida no sofrimento, de retardar a morte ao máximo numa requintadaagonia53.

52 Mesmo que o objetivo primordial do suplício não fosse a morte, Foucault esclarece nas obras Em defesa da sociedade e Históriada sexualidade: a vontade de saber (volume I) que havia no poder de soberania o que o filósofo francês chamou de o direito da vidae da morte, ou mais precisamente, o direito de fazer morrer ou de deixar viver. O rei poderia exercer um poder direto ou indiretosobre a vida dos súditos. O poder indireto era exercido quando, por exemplo, o rei se sentia ameaçado por inimigos exteriores quequeriam contestar seus direitos reais e então, ele poderia legitimar uma guerra e ordenar aos sujeitos fazer parte da defesa doEstado. Já o poder direto era exercido quando um súdito ia de encontro ao poder real que neste caso, significava ir contra o própriorei. A título de castigo, o rei poderia matá-lo (FOUCAULT, 1976). Em suma, “[...] o súdito não é, de pleno direito, nem vivo nemmorto. Ele é, do ponto de vista da vida e da morte, neutro, e é simplesmente por causa do soberano que o súdito tem direito deestar vivo ou tem direito, eventualmente, de estar morto. Em todo caso, a vida e a morte dos súditos só se tornam direitos peloefeito da vontade soberana.” (FOUCAULT, 1997, p. 286).

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Já ressalvamos que, na visão de Foucault, o suplício é uma técnica. Mas qual seria, de fato, sua função?Bem, nessa época o delito “... era considerado como um desafio à soberania do monarca [pois] eleperturbava a ordem de seu poder sobre os indivíduos e sobre as coisas.” (FOUCAULT, 2001a, p. 1594). Porconseguinte, a função do suplício é jurídico-política cuja finalidade é reconstituir a soberania lesada por uminstante, ou seja, é

[...] fazer funcionar, até um extremo, a dissimetria entre o súdito que ousou violar a lei e o soberanotodo-poderoso que faz valer sua força. . . . E esta superioridade não é simplesmente a do direito,mas a da força física do soberano que se abate sobre o corpo de seu adversário e o domina:atacando a lei, o infrator lesa o corpo de seu adversário e o domina: atacando a lei, o infrator lesa aprópria pessoa do príncipe: ela – ou pelo menos aqueles a quem ele delegou sua força – se apoderado corpo do condenado para mostrá-lo marcado, vencido, quebrado. . . . O suplício não restabeleciaa justiça; reativava o poder (Foucault, 2008, p. 42-43).

O caráter espetacular do suplício era um ato público e assim fazia com que o povo participasse dessereconhecimento do poder excessivo do monarca.

4. Conclusão

A partir do que foi exposto, podemos entender, então, que, o período do Absolutismo Monárquico possuiurelações de poder, uma noção de corpo e discursos próprios. Isso significa dizer que em cada época existemnuanças, variações, detalhes que aparecem quando se pensa, se problematiza ou se escreve algo sobre ahistória da loucura, do sexo, da punição ou da dança.

Foucault considerava os momentos históricos como descontínuos e os fatos concretos como singularidadesem vez de considerar a história como algo universal e global. Logo, fundando-nos nesse modo de pensar dofilósofo francês, observamos que assim como a história da psiquiatria não é a história da loucura, comodefendeu Foucault em História da loucura na Idade Clássica, a história do balé não pode ser considerada ahistória da dança como afirmou Arnold Haskell ao dizer que: “o balé é uma arte moderna; a dança é pré-histórica. A história do balé é apenas um momento de toda a história da dança.” (HASKELL apud FARO,1998, p. 29).

Assim sendo, poderíamos compreender que não há nem “a loucura” nem “o balé” como uma categoriauniversal. Ao invés disso, existem “loucuras” ou “balés” (no plural mesmo!), justamente por haver nuanças,diferenças ou nas palavras de Foucault, singularidades.

Vimos que o balé apresentou e representou (e ainda hoje apresenta e representa) os estilos de vida, aetiqueta, os comportamentos, as relações de poder e a concepção de corpo de uma determinada época.

Referências

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53 Foucault (2001a) indica que a invenção da guilhotina foi um momento de mudança qualitativa no castigo por ser uma máquinaque transforma a agonia do sofrimento do suplício em grau praticamente zero de sofrimento, uma vez que não há o retardo damorte, ao contrário, a morte é rápida.

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CARDIM, L. N. (2009). Foucault: a história política do corpo – disciplina e regulamentação. In Corpo.(pp. 127-143). Col. Filosofia frente & verso. São Paulo: Globo.

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MONTEIRO, M. (1a. ed. 1. reimpr.). (2006). Noverre: cartas sobre a dança. São Paulo: Editora daUniversidade de São Paulo: FAPESP.

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L’USAGE DU MOT PLAISIR DANS LES RAPPORTS D’INSPECTION ENÉDUCATION PHYSIQUE ET SPORTIVE

Yvon MORIZUR1

1 Cité scolaire Les Renardières/Lucie Aubrac, Courbevoie

Email: [email protected]

Résumé

L’objet de cette communication est d’analyser les fondements des discours institutionnels encroisant les textes officiels (programmes) et les rapports d’inspection rédigés par les inspecteurspédagogiques. L’enjeu est de mettre à jour les mécanismes qui participent à la construction despratiques pédagogiques en éducation physique et sportive (EPS) en utilisant comme filtre l’usage dumot plaisir.L’histoire institutionnelle de cette matière scolaire a particulièrement bien été étudiée (Nérin,Gleyse). Notre contribution vise à apporter un nouvel éclairage en ayant pour ambition d’aborder ladescription des leçons d’EPS de 1882 à 2010 par l’usage du mot plaisir et d’analyser le champ lexicaldu discours produit. Les textes de référence sont ainsi mis en perspective avec la réalité despratiques pédagogiques décrites dans les leçons par les inspecteurs pédagogiques. L’usage du motplaisir dans le discours devient le révélateur d’un système de pensée, de valeur, de mise en ordredes corps, et de méthodes pédagogiques plus ou privilégiées. Ce système est dépendant d’uncontexte politique, social et culturel. À l’instar de Jacques Gleyse, nous pensons que peu d’articlesont « songé à analyser les discours officiels de l’Éducation Physique et sportive scolaire en termes devaleurs, d’éthique et de morale » (Gleyse, 2013 : 198). Nous espérons ainsi pointer les décalagesentre une « EP officielle » et la réalité des pratiques pédagogiques telles qu’elles ont été conçues etprésentées lors des inspections.

Mots-clés : Plaisir; pratiques pédagogiques; écrit institutionnel; normes corporelles.Resumo

Este trabalho centra-se sobre a verificação das aptidões pedagógica dos professores de educaçãofísica e desportos (EPS), através de inspecções durante as lições desta disciplina entre 1981 e 1991.A ambição da análise é destacar dois elementos dos relatórios das inspecções : as açõesprofissionais valorizadas e as competências pedagógicas procuradas por a instituição nosprofessores ou nos formandoses. A nossa prioridade foi de estebelecer as qualidades comuns paraidentificar elementos, gestos que tinham um valor (positivo ou negativo) perante os InspectoresEducacionais Regionais (IPR). Estes gestos profissionais valorizados tratam da diferenciaçãopedagógica e da adequação dos conteúdos de ensino às características dos alunos. Por outro lado,também decorre uma diversidade semântica da profissão para definir o que se deve aprender emEPS. Finalmente, as abordagens pedagógicas não excluim o jogo, desde que o professor continua aser o organizador.

Educação física – Relatório de inspecções - aptidão pedagógica

1. Introduction

« Les inspections sont un moment mémorable dans la carrière d’un enseignant » (Michon, B & Caritey, B.1998 ; 30). Nous souhaitons à travers cet article, illustrer, décrire et analyser cet épisode professionnel quetout enseignant vit au moins une fois dans sa carrière.

Ce moment, au cours duquel une personne représentant l’institution, rentre dans la classe, dans legymnase, observe et juge le déroulement de la leçon. L’inspection a pour objectif de vérifier les aptitudespédagogiques des enseignants. Nous avons travaillé sur 112 rapports d’enseignants d’Éducation Physique

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et Sportive (EPS) ayant des statuts divers sur la période 1981-1991 en vue de leur titularisation ou de leuravancement.

Cette période de l’histoire disciplinaire correspond au processus d’intégration d’une partie des personnelset à leur accès au statut des enseignants certifiés et à l’extinction du corps des professeurs adjoints. Maiscomme le souligne Jean Luc Martin, les contraintes d’encadrement scolaire induit « un recours aux maîtresauxiliaires ou le recrutement d’enseignants issus de formations courtes […] entre 1974 et 1980, pour pallierla crise du recrutement, 50 000 enseignants non titulaires ont été recrutés dont 30 % environ ne possèdentmême pas la licence » (Martin J-L. 2004 ; 55). Cette diversité de statuts (Zoro, J. 2002 ; 262) se traduit parune diversité des rapports d’inspection retrouvés. Au cours de cette recherche nous avons trouvé septstatuts différents qualifiant les enseignants54. Pour certains il s’agit d’une titularisation dans les corps deschargés d’enseignement ou des adjoints, pour d’autre c’est l’accès au corps des certifiés. La synthèse de cesévaluations est contenu dans des rapports qui sont transmis aux personnels ainsi qu’à l’établissement, etconservé par l’Inspection Générale. L’importance de ces inspections est cruciale dans une carrière. Il peuts’agir d’une titularisation si l’enseignant est stagiaire, ou alors d’un avancement55 s’il est certifié.

Selon Michon et Caritey, il existe une « voie royale, une voie normale, et des chemins détournés » (Michon& Caritey. 1998 ; 20) pour devenir enseignant d’EPS, pour entrer dans la « Profession » (Prévost, opus cité ;p 25). Ce groupe professionnel peut-il apparaître comme cohérent et unifié au regard de cette pluralité detrajectoires, de formations, de connaissances, de pratiques pédagogiques très hétérogènes ? Les questionsidentitaires du champ ne seront pas abordées ici. Car au-delà de l’aspect politique lié à la titularisation depersonnels et de l’aspect humain lié à la co-existence de statuts différents, pouvant entraîner un sentimentde dévalorisation et un questionnement identitaire qui mériteraient d’être approfondis et analysés, c’est ladescription du contenu des leçons, et le jugement s’y rapportant que nous souhaitons mettre en évidencedans ce travail. Il y sans doute des attentes différenciées de la part de l’institution entre des maîtres-auxiliaire, des professeurs adjoints stagiaires et des enseignants certifiés ayant 15 ans d’ancienneté.

Le point commun de toutes ces inspections, et ce qui nous intéresse en premier point, concerne le fait queles rapports décrivent des « leçons » d’EPS.

L’enjeu est de taille pour les enseignants, et tout porte croire que ces derniers tentent de produire la« meilleure leçon » possible en fonction de leurs conceptions, de leurs connaissances, et de leurenvironnement matériel et humain. Les « leçons » étudiées sont de fait, particulières : la présence desinspecteurs qui traduit un enjeu professionnel, modifie sans doute les habitudes des enseignants, ainsi queles conduites des élèves. Mais l’analyse porte ici sur le compte rendu réalisé par ces derniers à savoir cequ’ils ont observé de la leçon en terme de comportements, de contenus d’enseignement, et de situationsd’apprentissage, mais également de jugement de valeur inhérent à toute évaluation56.

Quels sont les gestes professionnels valorisés et les compétences attendues par l’institution pour êtretitularisé ou pour être correctement avancé? Quels sont les éléments irrecevables observés conduisant àune « non validation » ou à une « mauvaise note » ? Quels sont a contrario les plus values, les conduitesque les IPR remarquent et jugent positivement ?

2. Hypothèse et Cadre théorique

54 Professeur certifié, adjoint d’enseignement, maître auxiliaire, CTR ou CTD, PEGC, Professeur adjoint, et Chargé d’enseignement.55 L’avancement des enseignants certifié est en partie basé sur les inspections, cela correspond est la note pédagogique (60 %). Lanote administrative (40 %) est déterminée par les chefs d’établissements. http://www.education.gouv.fr/cid58632/notations-des-personnels-enseignants.html56 L’étymologie du terme évaluation est intéressante : estimer la valeur de quelque chose ou de quelqu’un.

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L’analyse discursive réalisée ici s’inscrit dans une perspective archéologique des savoirs (Foucault, M.1969). Ce travail vise la mise à jour des éléments concrets d’évaluation des inspecteurs, en mettant enévidence ce qui est fondamental pour eux ou à l’inverse ce qui est accessoire et futile. Mais ce n’est pas ladimension institutionnelle ou politique qui sert de support à l’analyse, mais le « discours lui même, en tantque fragment archéologique, et aux inférences qu’il rend possibles » (Gleyse, J. 2006 ; 13). Les rapportsd’inspection constituent bien selon nous des « fragments archéologiques » typiques. Ils sont bien sûrcontextualisés, et ne reflètent sans doute pas toute la réalité quotidienne « des pratiques enseignantes »(Héry, É 2007). Ce « terrain » si imparfait soit il, ne constitue cependant pas « une pure abstractionmythologique » (Prévost, C. 1991 ; p 31). Ces leçons ont eu lieu, et la description faite dans les rapports enconstitue la trace.

À partir de ces derniers, nous chercherons à montrer que les gestes professionnels valorisés par l’institutionsont observés et analysés à travers deux critères qualificatifs qui imprègnent l’ensemble du rapport del’enseignant : les qualités morales et les qualités pédagogiques57. À partir de ces deux curseurs, deséléments plus factuels viennent préciser l’évaluation réalisée par les inspecteurs.

L’idée n’est bien sûr pas de juger les leçons présentées lors de ces rapports d’inspection, ni même d’évaluerl’évaluation, mais bien de mettre à jour les attentes institutionnelles et les exigences recherchées en termede gestes professionnels chez une partie du corps enseignant.

3. Méthodologie

Nous avons, dans le cadre de notre doctorat en sciences de l’éducation, été amené à travailler sur laquestion des rapports d’inspection au sein de la discipline éducation physique. Afin de consulter cesdocuments administratifs personnels, nous nous sommes rendus aux Archives Nationales à Pierrefite surSeine. Nous avons consulté de nombreuses références et nous avons trouvé deux dossiers de l’InspectionGénérale comportant des rapports d’inspection d’EPS.

Après une lecture flottante, nous avons dégagé des catégories présents dans les articles : une premièrecatégorie fait référence à des éléments descriptifs. Cet état de fait peut être plus ou moins détaillé selon lesrapports. Il recouvre à la fois l’activité du professeur, l’activité des élèves et les situations proposées.

La seconde catégorie renvoie au jugement de l’inspecteur en lien avec la description précédente. Commel’enseignant est évalué, le jugement peut être lié à ses qualités morales, ou à ses qualités pédagogiques.

Enfin les deux dernières catégories, n’apparaissent pas systématiquement mais restent tout de mêmesignificatives. Il s’agit des propositions, des conseils, des recommandations formulés par l’inspecteur àl’encontre de l’enseignant. Cela peut renvoyer soit à ce que l’enseignant aurait pu/du faire lors de la leçon,soit aux perspectives de travail afin d’améliorer ce qui a été observé.

La dernière catégorie n’est pas en lien direct avec l’enseignement mais décrit plutôt l’implantation del’enseignant dans l’établissement, son investissement au sein de l’association sportive, ses différentesfonctions administratives (professeur principal, membre du conseil d’administration, coordonnateur). Nousreviendrons sur ces différentes catégories dans la partie résultats puisque nous pouvons y déceler unevolonté d’harmoniser les rapports d’inspections.

À partir de ces différentes parties des rapports, nous avons élaboré des catégories : la classe, l’activitésupport, le résultat de l’inspection, l’autorité, la différenciation pédagogique, les contenus d’enseignement,

57 Nous incluons dans cette acception dans la dimension didactique de l’acte d’enseignement. De fait, nous avons adopté unedéfinition large du concept de pédagogie.

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les fiches de travail, la préparation et la formulation des leçons, le comportement des élèves, les qualitésmorales et les qualités pédagogiques. Nous avons attribué un « oui » pour la présence de l’une de cescatégories dans un rapport et un « non » pour son absence. Nous avons également précisé la valencepositive ou négative de l’appréciation réalisée par l’inspecteur.

Une fois ce codage réalisé nous avons réalisé une analyse qualitative du contenu des rapports et nousavons extrait certains passages significatifs. Tous ces éléments sont représentés dans l’article par descitations en italique.

4. Résultats-Discussion

4.1Une volonté d’harmoniser les inspections

Malgré la diversité des inspecteurs pédagogiques régionaux (IPR), chargés d’évaluer les enseignants, uncadre commun existe tant dans le fond que dans la forme. Parmi les documents analysés aux ArchivesNationales, nous avons trouvé plusieurs lettres de Jean Robert Joyeux, alors Inspecteur Général del’Éducation Nationale et Doyen du Groupe EPS, qui fixe le cadre des inspections relevant de la titularisationdes maîtres auxiliaires et des professeurs adjoints. Trois avis sont possibles :

-« avis favorable à la titularisation

-avis défavorable à la titularisation avec renouvellement de stage

-avis défavorable à la titularisation, sans renouvellement de stage ».

Au total, il s’agit de 112 rapports issus de différentes académies58, et rédigés par 28 IPR différents. Lenombre d’activités observées est conforme aux programmations traditionnelles (Bessy, O. 1991) :l’athlétisme (29 %), les sports collectifs (40,7 %), la gymnastique sportive (18,5 %) et dans une moindremesure la natation (5,3 %) constituent l’essentiel des leçons observées. Cependant nous pouvons repérerdes cas typiques qui témoignent d’une originalité : deux leçons correspondent à du « grimper de corde »,deux relèvent des activités de pleine nature (ski de fond et planche à voile) et une de renforcementmusculaire (leçon perturbée en raison des mauvaises conditions climatiques).

Les rapports comportent trois phases distinctes qui renvoient à des éléments différents que les inspecteursobservent et évaluent au cours de la leçon.

Une première phase qui s’attache à décrire de manière plus ou moins précise et circonstanciée lesévénements qui ponctuent la visite. A l’intérieur de cette phase, trois observables sont récurrents :

-L’activité du professeur y est décrite : les consignes données aux élèves, les feed-backs ou retour surl’action, le positionnement et la posture, toutes les interventions mais également les réponses apportéeslors de l’entretien qui succède à l’observation à proprement parlé. Cette description se veut la plus neutre,et la plus factuelle possible.

- Il est également question des situations proposées (ou pour reprendre le concept employé en 1984, detâche motrice) aux élèves : tâche globale, jeux collectifs, échauffement, retour au calme. Le déroulementde la leçon se fait par le repérage des différents moments clés

-Et enfin, dernier observable, l’activité des élèves. Il peut s’agir d’activité induite par la tâche, maiségalement de comportement non prévu et non planifié par l’enseignant, mais repérés par l’inspecteur quidécrit alors les comportements des élèves de manière circonstancielle.

58 Toulouse, Rennes, Créteil, Paris, Versailles, Nancy-Metz, .La Réunion, Rouen, Lyon, Grenoble, Montpellier, Reims, Aix-Marseille,Besançon, Amiens, Clermont-Ferrand, Nice, Orléans-Tours, Poitiers, Guadeloupe et Martinique.

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La deuxième phase repérable du rapport, suit généralement des éléments objectifs et fait référence à unjugement. Comme toute évaluation, un rapport d’inspection renvoie à l’estimation d’une valeur concernantla compétence à enseigner l’Education Physique à des élèves. Ce type d’écrit est plus difficile à catégorisercar il fait référence à des valeurs morales (l’autorité de l’enseignant, ou son éthique professionnelle), desvaleurs pédagogiques/didactiques (préparation de plan de leçons, relations avec les élèves). Les propos decelui qui pose un regard sur la leçon se situent à l’interface de ces différents éléments (morales oupédagogiques-didactiques), mais le critère permettant de placer ce discours dans la catégorie « jugement »c’est bien la valence positive ou négative attribué à ce dernier.

La dernière catégorie se situe dans le prolongement des deux précédentes, et fait référence aux conseilspromulgués à l’encontre des enseignants. La formulation type est d’inciter les maîtres auxiliaires à parfaireleur formation, à accentuer leur travail ou leur réflexion didactique ou pédagogique. Ce volet formatif n’estpas systématique et se trouve généralement dans les rapports « non validés » mais avec une demande derenouvellement de stage.

4.2Des validations très variables, et des qualités personnelles parfois floues

Si nous l’avons vu, l’objectif de l’institution est d’établir un rapport tendant vers le plus d’objectivitépossible, force est de constater que les rapports sont très hétérogènes dans le fond et dans la forme. Toutela difficulté est d’expliciter des valeurs, et le jugement qui s’y réfère.

Les avis peuvent être « favorable », « défavorable avec renouvellement de stage », et défavorable sansrenouvellement de stage ». Mais il s’avère que dans la pratique d’autre cas peuvent émerger, surtout sil’aptitude pédagogique de l’enseignant est reconnue et que l’inspecteur souhaite valoriser ce personnel.Dans le fond, l’aptitude pédagogique est toujours évaluée, mais la forme prise par cette dernière sera plusou moins positive. Ainsi, des inspecteurs rajoutent dans l’appréciation « avis très favorable » (8,9 % desrapports).

Les inspecteurs rajoutent un degré quand il estime que la simple validation ne suffit pas pour reconnaître lavaleur d’un enseignant. Ce faisant, ils distinguent une production satisfaisante, d’une production trèssatisfaisante, voire exceptionnelle qui mérite d’être reconnue à sa juste valeur.

Les avis sont différenciés, il reste maintenant à savoir ce qui permet de les différencier, les gestesprofessionnels recherchés par l’institution. Sur les 112 rapports, 68 abordent et décrivent des qualités chezl’enseignant. Par qualité, nous entendons un élément saillant de la personnalité ou de la manière de faired’un enseignant qui a un impact sur le déroulement, la conduite du cours et que l’inspecteur remarquecomme ayant une valence positive ou négative selon le contexte observé. Nous avons identifié deux typesde qualités : les qualités morales qui font référence à des traits de la personnalité : « le dynamisme », « lapatience », « le calme », « la fermeté », « le sérieux ». La seconde catégorie renvoie à des qualitéspédagogiques : « savoir créer un climat de classe », « le contact avec les élèves », « l’observation »,« l’aisance pédagogique ».

Avant de décrire ces qualités recherchées chez les enseignants, nous souhaitons mettre en évidencecertaines formulations qui sont difficiles à quantifier et qui relèvent des qualités morales : « lerayonnement », « le charisme », « l’autorité naturelle » ou « le brio » sont des concepts assez flous quirenvoient à une échelle de valeurs et de normes relatives à la perception du « bon enseignant » recherchépar l’institution. Pour qualifier l’excellence, l’institution peut utiliser ce type de formulation. Par contre pourdifférencier « la bonne pédagogie »59 de la mauvaise il est nécessaire d’utiliser des critères afin d’objectiver

59 Métoudi, Irlinger, Vivès in Revue EP.S 1982 ; pp 40-47.

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le jugement. Ainsi le temps d’engagement moteur, le projet pédagogique et par extension toutepréparation et toute formalisation écrite, le choix et la cohérence des objectifs et des contenusd’enseignement, la différenciation pédagogique sont autant d’éléments qui permettent de situerl’enseignant sur cette échelle de valeur. Nous allons maintenant présenter quatre de ces éléments quiapparaissent comme les plus récurrents.

4.3Une compétence pédagogique certaine, mais qui ne suffit pas :

La première qualité qui apparaît en terme de fréquence fait référence au contact que l’enseignant noueavec les élèves. Dans 25 % des rapports, le climat de la classe, ou le contact avec les élèves est décrit par lesinspecteurs. Le plus souvent cette ambiance est envisagée de manière positive. Il s’agit d’un premierélément ayant un impact sur l’activité des élèves: « Mr V créé une ambiance de travail favorable. Les élèvessont d’ailleurs motivés et disciplinés » ou encore « Mme T a un bon contact avec les élèves. Ces dernierssont intéressés, réagissent ». Nous avons mis en évidence deux catégories qui se recoupent et quitraduisent cette « ambiance de classe ». L’attitude du professeur, sa manière d’être en cours, et lecomportement des élèves. Si la notion d’autorité peut recouvrir la première catégorie, la seconde apparaîtplus floue. Cette thématique est le plus souvent présente dans les rapports pour lesquels il est repéré desdifficultés dans la gestion de la classe : perturbations, comportements hors-tâche, classes difficiles. Danscette perspective la validation ou l’avancement ne sont pas nécessairement compromis comme onpourrait s’imaginer dans un premier temps, la réalité du contexte pédagogique (classes difficiles, atypiquesSES, CPPN) est prise en compte par les inspecteurs.

Cependant la gestion de la classe apparaît comme un élément essentiel mais qui ne suffit pas à définir unebonne leçon. Comme le souligne cet inspecteur : « Bien que l’autorité de Mme X s’exerce normalement, quela relation pédagogique soit satisfaisante, cette séance est insuffisante qu’il s’agisse de la forme ou dufond ». C’est encore plus net dans ces deux extraits où les manques sont clairement mis en avant : « Mme Pa une personnalité qui lui permet d’être estimée de ses élèves. C’est bien, mais l’acte pédagogique n’est pasuniquement une affaire de relation ; il est aussi le fruit d’une maîtrise technique et scientifique de ladiscipline enseignée » ; « attitude souriante et décontractée, Mme C établit une relation aisée avec lesélèves […] Avec l’expérience une réflexion didactique plus approfondie lui permettra d’améliorer l’efficacitéde son enseignement ». La compétence pédagogique apparaît comme nécessaire à l’enseignement maisl’excellence pour les uns ou les perspectives de progrès pour les autres se situent dans une analysedidactique et le traitement différencié des élèves.

4.4 La différenciation de la pédagogie : un critère déterminant dans la validation ou l’avancement ?

La notion d’hétérogénéité revient fréquemment dans les rapports (27, 4 % des rapports) afin de qualifierles classes. Si il s’agit d’une évidence, l’enseignant inspecté se doit de prendre en compte la diversité desélèves auxquels il s’adresse. La différenciation pédagogique devient elle alors dans cette perspective uncritère discriminant?

Nous émettons l’hypothèse que la différenciation pédagogique, entendue comme « une activité dediagnostic et d’adaptation, prenant en compte la réalité et la diversité des publics […] pour adapter lesméthodes et les cursus à la réalité des élèves enseignés » (Legrand, L. 1986 ; 37-38) constitue un élémentpouvant favorisant la titularisation ou l’avancement, mais surtout indiquer les perspectives de progrès etd’amélioration. La relation est la suivante. Sur 31 rapports évoquant l’hétérogénéité des élèves, 9 ont unavis favorable. Sur ces 9 rapports, 4 ont une valence positive : « la mise en évidence de niveaux trèsdifférents ce qui permet à Mme R de faire une évaluation précise des possibilités de chaque élève » ou

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encore « la réalisation des élèves de différents niveaux et cette première séance du cycle permet une bonneévaluation de leurs possibilités ». Le dernier cas est intéressant puisque l’avis est très favorable et qu’ilpointe une différenciation liée à la mixité de la pratique : « la séance se poursuivra dans une pratiquedifférenciée pour les filles et les garçons en fonction de leur engagement corporel ». Les cinq autresrenvoient à une perspective de progrès pour l’enseignant ou relève du simple constat réalisé parl’inspecteur : « les garçons ne s’accaparent pas le ballon, malgré l’hétérogénéité » ; « le groupe de secondeest moyen bien qu’hétérogène » ; « le niveau de réalisation inégal, révèle une importante hétérogénéité.Peut-être eut-il fallu le prendre plus systématiquement en compte pour organiser le travail ? ».

Sur les 22 rapports restant, l’avis est donc défavorable. Mais il ne s’agit pas d’un critère déterminant le nonrenouvellement de stage (comme pourrait l’être la mise en danger des élèves par exemple). En effet seulun rapport se trouve dans cette situation. Les 21 autres cas ont un « avis défavorable avec renouvellementde stage ». Ceci nous amène à penser que la compétence professionnelle des enseignants titulaires etrecherchée par l’institution se situent dans cette perspective de progrès de l’enseignant à prendre encompte la diversité des élèves et à répondre de manière différenciée à cette hétérogénéité de niveaux pardes situations, des contenus, et des consignes différentes. Cette thématique devient centrale dans lesdébats disciplinaires60 et institutionnels comme le souligne Michel Constant, IPR dans l’académie deVersailles : « la référence à la pédagogie différenciée devient de plus en plus fréquente dans les circulairesministérielles » (Constant, M. 1986 ; 41). La référence se retrouve dans les Instructions Officielles du collègeen 1985 qui précise que le « projet pédagogique d’EPS » se doit de prendre « en compte pour chaqueétablissement […] la diversité des élèves dans leurs caractéristiques, leurs motivations […] les problèmesposés par l’hétérogénéité des classes » (Compléments des IO pour les classes de 4ème/ 3ème). Pour le lycée,les enseignants sont plus invités à traiter cette hétérogénéité, alors qu’au collège cela relevait plus duconstat :

« Pour une même classe (ou pour un niveau de classe, lorsque les plages horaires le permettent), il estpossible de proposer des ateliers de travail différenciés en fonction des niveaux d’habileté atteints ».

Il serait intéressant de vérifier si cet aspect se poursuit sur des rapports plus récents afin de déterminer s’ils’agit d’une mode pédagogique ou si la différenciation pédagogique devient un véritable critère permettantde qualifier un enseignant efficace.

4.5Une difficulté à repérer ce qu’il a à apprendre en éducation physique

Les rapports décrivent l’organisation des situations, l’agencement spatial et temporel et quantifie l’activitédes élèves (temps d’engagement, participation active, intensité et charge de la leçon) et du professeur(attitude, relation pédagogique et autorité). Il n’y a en revanche que peu d’indication ou de repère sur leversant qualitatif de l’apprentissage. Les contenus (envisagés comme ce qu’il y à apprendre par l’élève)sont présentés comme des techniques sportives dans 49 % des rapports. Il s’agit des élémentsparticulièrement saillants de la pratique sportive enseignée. Nous avons retenu quelques illustrations de cechoix d’enseigner des techniques sportives. Ainsi en gymnastique sportive, « l’appui tendu renversé » ouATR constitue un élément présent dans 28,5 % des rapports concernant cette activité. Le « tir en course »en Basket-Ball (25 %), ou « la manchette » en Volley-Ball (37,5%) sont en sports collectifs, des techniquesenseignées. Cela rejoint l’analyse faite par Marsenach qui montre que « des choix sont opérés par lesenseignants et dans la liste des objets à enseigner dans une activité physique et sportive en général listéspar les analyses techniques, seuls quelques uns d’entre eux sont retenus […] et que ce sont les objets les

60 Sujet de concours à trouver, colloque organisé en 1988 à Poitiers par B-X René qui donnera lieu à la publication d’un ouvragedans la collection les Dossiers EPS.

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plus distinctifs : en volley-ball : le service et la manchette […] les comportements renversés engymnastique » (Marsenach, J. 1991 ; 40). Cette « conception formelle » des contenus d’enseignement quine retient que « la forme extérieure des actions, les manifestations gestuelles » (Marsenach, opus cité ;22), est décriée par plusieurs inspecteurs qui y attribue une valence négative ; « la séance me paraît troptechnique », ou « Mme T. s’attache beaucoup trop à des problèmes techniques pour la technique », et enfin« les exercices sont trop orientés vers la technique ». La reproduction de gestes formels renvoie à cette partde « technique maudite » (Garrassino, 1980). Comme le souligne Marc Durand, « même si les professeursse défendent d’être seulementd des transmetteurs de techniques, la base de ce qu’ils enseignent estnéanmoins constituée de ces techniques corporelles » (Durand, M. 2002 ; 210). Le cœur de la discipline setrouve dans les apprentissages moteurs, qu’il s’agisse de « savoir-faire, de techniques, d’habiletés motrices,de connaissances procédurales, de principes d’action »61 … L’identification de la technique sportive, en tantque produit à acquérir, ne semble pas poser de difficulté aux enseignants. Nous l’avons dit, cette dimensionapparaît dans près de la moitié des rapports, par contre les conditions à mettre en œuvre, les processussous-jacents, les ressources à mobiliser, les transformations s’y référant sont beaucoup plus délicates àexpliciter.

Un autre élément nous paraît traduire la problématique de l’apprentissage au cours de la période est lavariabilité du champ lexical. Les termes de « contenus, tâche, situation, séquence, objectif, habileté motrice,connaissance pratique» sont présents et se mélangent, rendant délicate une définition heuristique de cequ’il y à apprendre en éducation physique.

De nombreux rapports présentent « l’objectif » (18% des rapports) ou le « thème » (11 %) de la leçon62 enterme d’apprentissage. Cette formulation est diverse et peut être générale: « connaître son enchaînementen vue de l’évaluation » ou au contraire très précise « amélioration de la réception en manchette » voiretrès vague « améliorer les facteurs perceptifs de la conduite ».

Les travaux de la commission verticale, la recherche d’un programme en éducation physique expliquentsans doute cette variabilité et ce flou dans la formulation des contenus d’enseignement chez lesenseignants et retranscris par les inspecteurs. Tous ces éléments ont une incidence sur les démarchesd’apprentissage mis en œuvre et sur les conceptions de l’apprentissage. Un inspecteur souligne d’ailleurscette relation, ce lien entre les contenus proposés et la démarche d’apprentissage : « le contenu proposépose problème. Les tâches sont centrées sur des gestes à réaliser et non sur des problèmes à résoudre ».Seul deux rapports sur les 112 articulent explicitement « un objectif technique » et un « objectif plusgénéral ». Autrement dit, « l’activité est d’abord le support de l’action éducative qui vise prioritairement àétablir » des objectifs plus larges. Dans le rapport qui sert d’illustration, la visée éducative comprend « lacommunication entre les élèves, à développer l’acceptation de l’autre, à encourager la volonté de réalisercollectivement une tâche ». Ces apprentissages qui ne relèvent pas de technique sportive ne doivent pasexclure « dans l’attitude du professeur, l’acquisition de savoir-faire, aussi modestes soient-ils ».

4.6 Les démarches d’apprentissage :

Le lien avec entre le quoi enseigner et le comment est très fort. Autrement dit, la démarched’enseignement opérationnalise la méthode à employer pour tendre vers les apprentissages visés enfonction des conceptions et des croyances

61 Ces différentes appellations ont été trouvées dans les rapports d’inspection que nous avons étudiés. 62 De la même manière les vocables « leçons » et « séances » sont utilisés de manière équivalente dans les rapports.

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La notion de Jeu est présente dans 14 rapports et il est intéressant de constater que cette dernièren’apparaît uniquement que dans la catégorie « des sports collectifs ». Nous n’avons repéré que deuxrapports où l’utilisation du jeu semble poser problème aux inspecteurs : « elle souhaitait utiliser lapédagogie de la découverte [en proposant un échauffement à base de jeux], un minimum de consignes’imposait ». L’aspect négatif de ce rapport fait plutôt référence à la non-directivité, au laisser-faire plusqu’à la dimension ludique. L’attitude de l’enseignant face à cette problématique est essentielle. Dansl’autre illustration, « le travail reste très global et bascule rapidement vers le jeu, sans dominante précise ».Ici, c’est l’absence d’anticipation et de préparation que pointe l’inspecteur. La séquence jouée apparaît tropvite dans la leçon et sans lien avec le thème de travail. Si l’enseignant n’est plus maître du jeu alors cedernier devient néfaste et contre-productif.

Hormis ces deux contre-exemples, le jeu ne porte pas de valence négative a priori; les inspecteurs insistentl’aspect motivationnel du jeu : « Ces différentes formes de jeu sont très motivantes pour les élèves ». Danscette perspective le jeu n’est pas incompatible avec le travail scolaire comme le souligne cet inspecteur :« on ne peut nier l’aspect ludique soutenu de la séance et le travail collectif »63. Le jeu peut être « global »ou « dirigé » voire « réel », mais il doit être avant tout prévu, contrôlé, et mené par l’enseignant. Ceparadoxe, entre un jeu qui par définition et libre et autotélique64, et une activité scolaire, proposée (pourne pas dire imposée) par l’enseignant, est contourné dans les rapports et plus largement au sein de ladiscipline EPS à travers un flou sémantique entre le jeu et le sport65. Cette problématique mériterait undéveloppement plus complet, mais nous pouvons dire qu’un jeu dirigé constitue un non-sens, car s’il estdirigé ce n’est plus un jeu. Sans doute faudrait il différencier les termes et préciser la nature du jeu,l’activité de l’élève, la place et le rôle dans l’enseignant dans cette situation. Dans les rapports que nousavons étudiés, le jeu est entendu comme une situation globale, la situation de match 66, censée représenterla forme la plus aboutie de l’activité sportive, apportant « à la fin, la preuve de nombreuses acquisitions ».La cohérence entre le « jeu réel », complexe et global et les différentes situations proposées, analytiques,techniques peut d’ailleurs être envisagée comme un critère de jugement de la part des inspecteurs : soit demanière positive : « le travail avec opposition est en parfaite harmonie avec le jeu réel qui va suivre ». Soitde manière négative quand un déséquilibre apparaît entre le global et l’analytique : « On peut s’interrogersur le caractère un peu mécanique et reproductif de ce travail de geste » ou encore « la séance se terminepar un jeu dirigé de qualité médiocre, le thème de la défense imposée n’étant pas favorable pour mettre enévidence les éléments préparés dans la séance ».

Les propositions faites par Ubaldi et Coston à travers le « modèle de la double boucle » nous semblent êtrele prolongement à l’heure actuelle de cette problématique : « Dans la grande boucle, l’élève joue, interagit,se transforme dans la forme de pratique définie par l’enseignant […] Dans la petite boucle les élèves sontamenés à s’engager dans une activité de plus en plus spécifique et de plus en plus répétitive » (Ubaldi J-L &Costo, A. 2013 ; 25). Nous y voyons une filiation avec les propositions d’Auguste Listello qui en 1956 avaitenvisagé dans sa démarche d’enseignement des « formes jouées » et des « formes de travail » : « la formejouée est un concept individuel ou d’organisation collective […] au cours de laquelle l’élève pratique entoute liberté d’action ». Les formes de travail peuvent être de nature individuelle ou collective (groupe63 46 rapports font référence aux sports collectifs. C’est la catégorie la plus représentée, mais il est vrai qu’elle est également la pluslarge. 64 Cet aspect est présent chez Caillois « On ne joue que si l’on veut, que quand on veut, que le temps qu’on veut. En ce sens, le jeuest une activité libre » (Caillois, 1967 ; p 38), chez Huizinga « tout jeu est d’abord et avant tout une action libre. Le jeu commandén’est plus du jeu » (Huizinga, 1951 ; p 25)65 Liotard, P (1995). Des jeux aux sports dans l’éducation physique scolaire ou Arnaud, P (1998). Quand les réformes étaient dansl’air. 66 La notion de situation de référence a été utilisée en EPS pour décrire ces situations globales.

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classe ou petits groupes). La forme de travail collective renvoie « à tous les procédés pédagogiquesd’initiation et d’entraînement, ainsi que tous les jeux dirigés avec buts précis ». La forme individuelle detravail « est celle qui comporte une réalisation sans aide, ni opposition, à son propre rythme ou à unrythme imposé par l’éducateur » (Listello, A. 1956 ; 10-11).

Nous avons entrepris d’analyser les démarches d’enseignement présentes dans les rapports d’inspection.La notion de jeu nous est apparue comme révélatrice d’un triple enjeu pour la profession. Elle induit unpositionnement axiologique ambigu (entre le travail et le jeu, le sérieux et le plaisir) de la discipline :privilégiant les activités ludiques tout en mettant en exergue les valeurs d’effort et de travail. Ellequestionne également les contenus à transmettre, mais aussi les démarches d’enseignement à mettre enœuvre.

5. Conclusion

Nous avons tenté au cours de cet article de dégager les éléments concrets figurant dans les rapportsd’inspection d’enseignants d’EPS sur une période allant de 1981 à 1991. Sur cette décennie, nous avonsétudié 112 rapports concernant des enseignants ayant des statuts très divers. Les principaux résultats nousmontrent que les inspecteurs s’appuient sur un ensemble de critères pour fonder leur évaluation quirenvoient à des qualités morales et pédagogiques. Les gestes professionnels sont donc placés en référenceà ses deux balises. Les qualités pédagogiques restent plus factuelles, peuvent être analysées dans uneperspective de formation (continue ou initiale) et de progrès pour les enseignants. Les qualités moralestraduisent une manière d’être d’un idéal type, le « bon enseignant »67 ayant des valeurs, une éthiqueprofessionnelle. Comme le souligne Jacques Gleyse dans un article traitant de textes officiels relatifs à ladisciple EPS : peu de travaux ont « songé à analyser les discours officiels de l’Éducation Physique et sportivescolaire en termes de valeurs, d’éthique et de morale » (Gleyse, J. 2013 ; p 198). Les rapports d’inspectionconstituent une source originale, une trace archéologique qui permet de décrypter et d’analyser « lespratiques pédagogiques » passées. Évelyne Héry invite dans son article à la prudence, car ces sourcesrestent « fragmentaires, dispersées, et demandent en raison soit de leur propriété d’objets scolaires soit deleur fonction première qui n’était pas de fixer le passé, une grande vigilance méthodologique » (Héry, É.2005 : 95). Ceci explique sans doute la rareté68 de ce type de sources dans les analyses historiographiquesde la discipline EPS. L’accès à ces dernières rend difficile la constitution d’un corpus viable. Mais à l’instard’Évelyne Héry nous pensons que « ce travail est […] nécessaire » (Héry, É, opus cité ; 96). Nous n’avonspas encore exploité toutes les données du corpus : la préparation écrite des leçons, ou encore l’utilisationdes fiches pédagogiques sont des éléments présents dans les rapports étudiés.

Sources

Archives nationales : Site de Pierrefite sur Seine:

Dossiers n° :

67 Nous nous plaçons du côté de l’institution. Jean Michel s’est placé du point des élèves à travers « les souvenirs laissés par lesbons enseignants d’EPS ». 68 Brigitte Cala en 1991 a travaillé sur les « représentations de la pédagogie de l’Éducation Physique et Sportive dans les rapportsd’inspection ». Mémoire de Maîtrise en Sciences de l’Éducation. Université de Lyon 2. Pierre Arnaud décrit dans la revue Spirales13-14 en 1998 des extraits de rapports d’inspection. Loïc Szerdahelyi, Carine Érard ou Emmanuel Auvray ont dans leurs recherchesrespectives abordés des rapports d’inspection.

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