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ISSN 1518-1219 Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais 68 Março – 2006 S U M Á R I O S U M Á R I O S U M Á R I O S U M Á R I O S U M Á R I O 2 O relacionamento bilateral entre o Brasil e a África do Sul no contexto do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul 4 Problemas conjunturais e estruturais da integração na América do Sul: a trajetória do Mercosul desde suas origens até 2006 10 Implicações da militância islâmica iraniana para o Mundo Árabe 12 O retorno ao equilíbrio do terror atômico 14 A evolução recente dos estudos e dos programas de pós- graduação em Relações Internacionais no Brasil Carlos Ribeiro Santana Paulo Roberto de Almeida Sivia Ferabolli Virgílio Arraes Antônio Carlos Lessa Thiago Gehre Galvão RESENHA 17 Idéias de Europa: que fronteiras?

Idéias de Europa: que fronteiras?

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ISSN 1518-1219

Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais

Nº 68Março – 2006

S U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I OS U M Á R I O

2 O relacionamento bilateral entre o Brasil e a África do Sul nocontexto do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul

4 Problemas conjunturais e estruturais da integração naAmérica do Sul: a trajetória do Mercosul desde suas origensaté 2006

10 Implicações da militância islâmica iraniana para o MundoÁrabe

12 O retorno ao equilíbrio do terror atômico

14 A evolução recente dos estudos e dos programas de pós-graduação em Relações Internacionais no Brasil

Carlos Ribeiro Santana

Paulo Roberto de Almeida

Sivia Ferabolli

Virgílio Arraes

Antônio Carlos Lessa

Thiago Gehre Galvão

RESENHA

17 Idéias de Europa: que fronteiras?

2 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Grosso modo, Brasil e África do Sul constituemdois países muito parecidos. Ambos são “países-baleia” – Estados com grande expansão territorial eamplos mercados internos – com economias pujantese grande relevância em seus continentes. Cumprelembrar também a semelhança entre suas populações,compostas por sociedades multiétnicas e com grandediversidade cultural, e as similaridades econômicas etecnológicas entre os dois países, sendo a África doSul o principal parceiro do Brasil no continenteafricano, ao absorver cerca de 25% das exportaçõesnacionais para aquela região.

O relacionamento bilateral entre os dois paísesremonta à independência da África do Sul, no iníciodo século XX. Com efeito, em 1918, foi aberto oprimeiro Consulado de carreira do Brasil na Cidade doCabo. O primeiro Cônsul brasileiro assumiu em 1926com o objetivo de estreitar as relações comerciais eampliar o intercâmbio cultural, feito de forma irregulare favorável ao Brasil. Em 1939, no contexto daSegunda Guerra Mundial, quando ambos os paíseslutaram ao lado dos aliados contra o Eixo, foi assinadoo primeiro acordo comercial, tendo em vista aintensificação dos fluxos de comércio. Em 1943, porsua vez, a África do Sul abriu um Consulado no Riode Janeiro. O fato antecipava o adensamento dasrelações bilaterais, que ocorreria com a troca deEmbaixadas entre 1947-48.

Todavia, mesmo com troca de Embaixadas, orelacionamento bilateral ainda estava longe de alcançara plenitude, dada a política de Apartheid sul-africana,incompatível com a retórica oficial brasileira dedemocracia racial, e o intercâmbio comercial reduzido.

O relacionamento bilateral entre o Brasil e aÁfrica do Sul no contexto do Fórum de Diálogo

Índia, Brasil e África do Sul

Carlos Ribeiro Santana*

* Diplomata e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. O presente artigo reflete apenas as opiniõespessoais do autor e não busca representar as posições oficiais do governo brasileiro.

Contribuíra ainda para o distanciamento entre os doispaíses a anexação da Namíbia pela África do Sul em1946, que ia de encontro aos princípios de autodeter-minação e soberania dos povos, tão caros aoacumulado histórico da diplomacia brasileira. Convémressaltar que, não obstante os pontos enumerados, aÁfrica do Sul empenhou-se em aproximar-se daAmérica Latina, mormente de países como Argentina,Brasil e Chile, de modo a evitar o isolamentointernacional após a Segunda Guerra Mundial.

Na década de 1970, com o processo deuniversalismo da política externa levado a cabo porGeisel, o Brasil procurou libertar-se de limitaçõesimpostas pela associação ao colonialismo portuguêse ao separatismo sul-africano, que obstruíam o acessoàs ex-colônias africanas recém-independentes. Nadécada seguinte, as pressões internacionais sobre oregime separatista sul-africano foram acompanhadaspelo esfriamento das relações bilaterais devido àcondenação brasileira à agressão a Angola econseqüente apoio à UNITA pela África do Sul. Nessecontexto, o Brasil estabeleceu o isolamento oficialdaquele país, proibindo o intercâmbio cultural eesportivo e o comércio de armas com a África do Sul,bem como criticou nas Nações Unidas o regime doApartheid, alvo de críticas na Organização desde 1960.Com efeito, o fim dessa política segregacionistacontribuiu sobremaneira para o recrudescimento dorelacionamento bilateral.

O reconhecimento da nova realidade sul-africanaocorreu na década de 1990 com a reabertura doConsulado na Cidade do Cabo. Durante o período,esse país ocupou, ao lado de Moçambique e Angola,

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papel de destaque na agenda de política externa parao continente africano, constituindo parceiroprivilegiado tanto no plano multilateral quanto naesfera do comércio bilateral. Nesse contexto, em 1996,o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso realizoua primeira visita de um chefe de Estado brasileiro àÁfrica do Sul. A visita foi retribuída em 1998 porNelson Mandela, que já havia estado no País em 1991,com o intuito de revigorar a cooperação Sul-Sul, epor Thabo Mbeki, em 2000.

Em 2003, o Presidente Lula visitou a África doSul durante périplo por vários países africanos. Naocasião, o Presidente apoiou a candidatura daquelepaís para sede da Copa do Mundo de futebol de 2012e mencionou a necessidade de esforços comuns nosentido de fazer valer os interesses dos países emdesenvolvimento, mormente no que diz respeito àreforma do comércio internacional e a consecuçãodos objetivos da Rodada de Doha.

Atualmente, a cooperação bilateral entre os doispaíses é bastante profícua e insere-se no âmbito doFórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS),iniciativa da diplomacia brasileira que representaassociação de potências médias regionais comcapacidade efetiva de influenciar o sistemainternacional. O Fórum, criado em meados de 2003,resultou da identificação de ampla convergência deinteresses entre a Índia, o Brasil e a África do Sul.Abrange cerca de um quarto da população mundial etem agenda pragmática baseada na percepção deinteresses comuns e em estratégia de negociaçãovoltada para a cooperação Sul-Sul. Cabe mencionarainda a atuação do Brasil e da África do Sul no G-20 –bloco liderado pelo País e em sintonia com osinteresses reais de países em desenvolvimento –,criado durante a reunião ministerial da OrganizaçãoMundial do Comércio, em Cancun, em 2003. O bloco

busca a negociação em pé de igualdade com os paísesricos na liberalização do comércio agrícola.

Em relação ao IBAS, sua primeira reunião trilateralteve lugar em Nova Deli, em março de 2004, e resultouem plano de ação que envolve temas tais comocomércio, transporte, infra-estrutura, ciência etecnologia, saúde, energia e educação. A segundareunião, por sua vez, ocorreu em março de 2005, naCidade do Cabo. A terceira reunião do IBAS, a qualocorrerá no final de março de 2006, no Rio de Janeiro,buscará ensejar maior fôlego à vontade política quedeu lugar à criação do Fórum em 2003. Em setembropróximo está prevista a Cúpula de Chefes de Estadodo Fórum, a realizar-se em Brasília, palco deimportantes reuniões do gênero, a exemplo das bem-sucedidas Cúpula dos Países da América do Sul-PaísesÁrabes e 1ª Reunião de Chefes de Estado daComunidade Sul-Americana de Nações em 2004 e2005, respectivamente.

Por fim, é importante frisar que, além dassemelhanças físicas, sociais e econômicas, Brasil eÁfrica do Sul compartilham princípios comuns, como,por exemplo, a defesa do multilateralismo, o combateaos subsídios agrícolas e a reforma do sistema dasNações Unidas. Ambos os países estão empenhadosem promover a cooperação econômica, tecnológica,social e de saúde – a exemplo da experiência brasileiraadquirida no campo da saúde pública, mormente nocombate à SIDA –, bem como a intensificação doslaços comerciais. Dessa forma, não há como negar aexistência de grandes oportunidades para que os doispaíses intensifiquem o relacionamento entre si à luzda cooperação bilateral ou no âmbito do IBAS, queabrange Estados decididos a promover os valoresdemocráticos, tanto no âmbito interno quanto nocenário internacional, e engajados na luta contra apobreza e a exclusão social.

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Depois de anos, ou décadas, de tentativas bemintencionadas, mas relativamente infrutuosas, paraconformar um espaço econômico integrado naregião, desde o início da antiga Alalc – AssociaçãoLatino-Americana de Livre-Comércio, derivada doprimeiro tratado de Montevidéu, de 1960 – até a atualAladi – Associação Latino-Americana de Integração,constituída pelo segundo tratado de Montevidéu, em1980 –, o processo integracionista na América Latinaingressou numa fase de sub-regionalização, ou seja,de diluição em experimentos parciais egeograficamente mais limitados, o que foi seguidode características novas em suas modalidadesoperacionais. Afastando as linhas mais rígidas dosgrandes projetos do passado, os países voltaram-separa esquemas mais graduais e flexíveis, com umaabordagem setorial e mais equilibrada dos principaiseixos da integração.

Estas foram, em todo caso, as principaiscaracterísticas do mais exitoso projeto de integraçãodos anos 1990, o Mercosul, que tinha começado poradotar aquela metodologia mais cautelosa em meadosda década anterior, mais exatamente a partir de 1985,com os esquemas bilaterais conduzidos pelos novosregimes democráticos da Argentina e do Brasil. Umtratado bilateral de integração, de 1988, vinha coroaresse esforço de constituição de um mercado comum,em dez anos, pelo método dos acordos setoriais, ouprotocolos de integração complementar, numa visãorelativamente dirigista e administrada desse processo.No início dos anos 1990, entretanto, duas novasadministrações mais comprometidas com uma visãoliberal da economia e do mundo, decidiram acelerar

Problemas conjunturais e estruturais daintegração na América do Sul: a trajetória do

Mercosul desde suas origens até 2006

Paulo Roberto de Almeida*

e aprofundar esse processo, julgado excessivamentecauteloso ou lento, ademais de submetido àslimitações intrínsecas a cada setor objeto de acordosde complementação.

O novo esquema Brasil-Argentina de liberalizaçãocomercial e de construção do espaço integracionista,logo consagrado no esquema quadrilateral doMercosul e o seu tratado de Assunção (março de1991), passou a ser automático, geral e decaracterísticas fundamentalmente livre-cambistas, emlugar do relativo “dirigismo” do esquema anterior,baseado nos protocolos setoriais. Os novos prazosde integração foram praticamente reduzidos pelametade – devendo-se alcançar a etapa do “mercadocomum” até o início de 1995 –, mas as rebaixasautomáticas de barreiras tarifárias deixaram ao sabordo mercado o que os estrategistas anteriores daintegração sub-regional pensavam administrarsegundo um processo gradual de especialização e decomplementação produtiva.

Colocou-se, no mesmo momento – segundosemestre de 1990 –, a questão da possível adesão doChile ao novo bloco de integração, que passou entãoa contar com as presenças do Paraguai e do Uruguai.Desde aquela época, porém, assim como emtentativas ulteriores de sua associação mais estreitaao Mercosul, o obstáculo básico a essa adesão do Chileao esquema sub-regional reside na estrutura linear eúnica da tarifa comercial chilena, já então bem maislimitada em sua alíquota máxima – e descendente, apartir de apenas 11% — do que o leque tarifário queo Brasil e a Argentina pretendiam estabelecer comoTarifa Externa Comum.

* Diplomata de carreira e Doutor em Ciências Sociais. As opiniões expressas no presente texto são exclusivamente as de seuautor ([email protected]).

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A despeito de problemas conjunturais bastantegraves que então marcavam os respectivos processosde estabilização macroeconômica no Brasil e naArgentina – esta recentemente saída de doisdramáticos surtos hiperinflacionários, aquele aindabatendo-se para eliminar a desindexação generalizadada sua economia –, a liberalização comercial pôdecaminhar de forma mais ou menos rápida, abrindoespaço para um poderoso aumento do comérciobilateral, que não chegou, entretanto, a desviar osfluxos de terceiros países, uma vez que esse impulsocorrespondeu a um aumento generalizado dascorrentes de comércio em várias direções. Nãoobstante, não foram corrigidas algumas das chamadas“assimetrias estruturais” que conduziram o Brasil auma crescente especialização industrial e a Argentinaa uma ênfase nas indústrias ligadas ao setor primáriode sua economia.

Numa primeira fase, a abundância dosinvestimentos internacionais, acoplada a processos deprivatização e de desmonopolização em ambas aseconomias, permitiu ao Brasil e à Argentina sustentaro aprofundamento da integração comercial,ocorrendo mesmo investimentos recíprocos nos doispaíses. Movimentos cambiais diferenciados de umlado ou outro do rio da Prata também contribuíram

para manter os fluxos de comércio, sendo que o Brasilfoi, praticamente, um dos únicos provedores de saldoscomerciais para a Argentina, numa fase em que oPlano Cavallo de conversibilidade impunha umaparidade cambial fixa para o peso em relação ao dólar,o que diminuía bastante sua competitividade nosmercados internacionais.

O comércio dentro e fora do Mercosul cresceubastante – inclusive o comércio intra-ramos e intra-firmas –, observando-se, em particular, a criação deuma “Brasil-dependência” na Argentina, uma vez queesta tinha no seu maior vizinho o destino para maisde um terço de suas exportações totais e um volumepraticamente similar nas importações. A “bonança”dos superávits comerciais não pôde, contudo,sustentar-se durante muito tempo, uma vez que aArgentina entrou em uma fase de baixo crescimentono final dos anos 1990, situação ainda agravada peloaumento dos déficits orçamentários, pela baixa naatração dos investimentos externos – e o conseqüenteapelo a emissões importantes nos mercadosfinanceiros internacionais – e pelos violentos tremoresfinanceiros dessa época, que terminaram por atingirde modo dramático o Brasil.

Não é preciso dizer que, a despeito dos avançoslogrados no comércio intra-regional, nunca se chegou

O que é o IBRIO Instituto Brasileiro de Relações Internacionais – IBRI, organização não-governamental com finalidadesculturais e sem fins lucrativos, tem a missão de ampliar o debate acerca das relações internacionais edos desafios da inserção do Brasil no mundo. Fundado em 1954, no Rio de Janeiro, e transferido paraBrasília, em 1993, o IBRI desempenha, desde as suas origens, importante papel na difusão dos temasatinentes às relações internacionais e à política exterior do Brasil, incentivando a realização de estudose pesquisas, organizando foros de discussão, promovendo atividades de formação e atualização emantendo programa de publicações, em cujo âmbito edita a Revista Brasileira de Política Internacional – RBPI.

Presidente de Honra: José Carlos Brandi AleixoDiretor Geral: José Flávio Sombra SaraivaDiretoria: Antônio Carlos Lessa, Antônio Jorge Ramalho da Rocha, João Paulo Peixoto, Pedro MottaPinto Coelho.

Para conhecer as atividades do IBRI, visite a homepage em http://www.ibri-rbpi.org.br

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a estabelecer o prometido “mercado comum”, assimcomo a união aduaneira, virtualmente existente a partirde 1995, comportava inúmeras exceções à TarifaExterna Comum, sem mencionar os produtos aindafora da zona de livre-comércio sub-regional, como oaçúcar e a importante indústria automotiva, base, aliás,de grande parte do comércio bilateral entre o Brasil ea Argentina (que incluía ainda certo volume de fluxosadministrados, como trigo e petróleo). Tampouco foipossível lograr a coordenação de políticasmacroeconômicas e cambiais, inclusive porque amanutenção da paridade fixa do peso no casoargentino impedia qualquer exercício de fixação dealguma banda de flutuação com o novo real do Brasil.

O protocolo de Ouro Preto, assinado no final de1994 para “completar” o tratado de Assunção, nãocriou instituições novas para administrar o processode integração, nem estabeleceu mecanismos parafacilitar a coordenação de políticas macroeconômicasou para aprofundar a integração no planomicroeconômico. A despeito da associação aoMercosul, em 1996, do Chile e da Bolívia comoparceiros da “zona de livre-comércio”, não seconseguiu avançar na prometida ampliação do espaçointegracionista no âmbito sul-americano, que deveriacomportar ainda os países membros da ComunidadeAndina de Nações, cuja união aduaneira ostentavamais deficiências do que o próprio Mercosul. Por outrolado, a suposta “ameaça” da Alca – projetoarquitetado pelos EUA desde a conferência de Miami,em dezembro de 1994, para unificar numa mesmazona de livre-comércio todos os países do hemisférioaté 2005 – fez com que os países do Mercosuldesenvolvessem uma estratégia comercialbasicamente defensiva, interrompendo-se osmovimentos de abertura para dentro e para fora atéque se pudessem negociar todos os compromissosde liberalização, inclusive nas áreas mais difíceis daagricultura (para os Estados Unidos) e dos serviços edos investimentos (para o Brasil).

A moeda brasileira manteve-se numa bandarelativamente estreita e alinhada ao dólar durante aprimeira fase do processo de estabilização conduzidopela administração FHC entre 1995 e 1998, o que

levou a uma relativa valorização do real, aoagravamento dos déficits comerciais e aos já referidossaldos positivos acumulados pela Argentina nointercâmbio comercial bilateral durante todos essesanos. A partir de 1997, a sucessão de crises financeirasna Ásia, seguida pela moratória russa em agosto de1998, conduziu ao primeiro programa de ajudafinanceira por parte do FMI ao Brasil no final desseano. O acordo então concluído – por um montantetotal de US$ 41,5 bilhões – previa a continuidade daestabilidade cambial, a despeito de discretas pressõesdo FMI para a desvalorização do real, o que foi obtidode maneira mais espetacular em janeiro de 1999quando da inauguração de um novo mandato para opresidente Cardoso.

Esta conjuntura representou também umchoque para a Argentina e o início de uma fase críticapara o Mercosul que se prolonga, praticamente, atéos nossos dias. Mesmo se os saldos comerciaisfavoráveis não desaparecem de todo, no seguimentoimediato da crise do real, as condições decompetitividade estrutural se alteraram de modosensível, com perda de confiança na capacidade daeconomia argentina de recuperar-se e enfrentar osnovos desafios do regime de flutuação da moedabrasileira. A Argentina ainda arrastou-se por dois anosna ficção do seu plano de conversibilidade,acumulando uma enorme dívida externa e sucessivosplanos de ajuda com o FMI que apenas remediavam,sem resolver definitivamente, o que agora parecia umacrise terminal. Esta ocorreu no final de 2001, não semantes obrigar o Brasil a negociar um segundo acordode sustentação financeira com o FMI que, como oprimeiro, teve função essencialmente preventiva.

Mais ainda do que na fase anterior (meados dosanos 1990), o Brasil passou a atrair investimentos nossetores industriais e de serviços, deixando a Argentinanuma incômoda posição de “sócio menor”, o queprovavelmente afetou o esquema de integração maispelos seus efeitos propriamente “psicológicos” do quepelo real impacto nas correntes bilaterais de comércio.Tentativas de “coordenação macroeconômica”, de umlado, e ameaças de dolarização completa, de outro,não resolveram os problemas conjunturais do

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Mercosul, que se viu mergulhado em profunda crisede identidade, ademais do próprio decréscimo brutaldos fluxos totais de comércio intra-regional nosprimeiros anos da presente década.

O processo eleitoral no Brasil, no decorrer de2002, aliás coincidente com mais uma pacote de ajudado FMI – desta vez pela quantia historicamente inéditanos registros da instituição de Washington, de USS30 bilhões –, e a transição política altamente volátilobservada na Argentina durante esse período, nãocontribuíram para diminuir o clima de crise noMercosul, a despeito das promessas da novaadministração de Luís Inácio Lula da Silva de dar todaprioridade ao esquema sub-regional e de reconstruira relação especial com a Argentina. Em especial naárea industrial, os déficits setoriais começaram a seacumular, ameaçando inverter a bonança dos anos90, o que efetivamente se consolidou a partir de 2003.

A Argentina começou a utilizar-se, de modocada vez mais freqüente e sem a devida consultabilateral, de mecanismos permitidos ou abusivos dedefesa comercial, em especial salvaguardas unilateraise processos de antidumping em vários setoresameaçados de “desindustrialização”. Não é precisodizer que o setor automotivo nunca logrou conhecero prometido livre-comércio. Uma violenta crisefinanceira no Uruguai e problemas persistentes noParaguai também atuaram para conduzir o Mercosula um estado de “anemia integracionista” jamais visto

em sua história. A despeito de uma volta aocrescimento dos fluxos intra-regionais de comércio apartir de 2003, sobretudo entre as duas grandeseconomias, permaneceram os desequilíbrios setoriais,motivando demandas por proteção por parte da UniãoIndustrial Argentina, geralmente atendidos pela novaadministração de Nestor Kirchner.

A Argentina voltou a acreditar que o Brasilpretendia reduzi-la a um mero papel de fornecedorde produtos primários, reservando para si todas ascadeias de maior valor agregado, o que de certo modoera confirmado em quase todas as áreas, devido aogrande esforço de adaptação produtiva conduzida pelaindústria brasileira no curso do processo de liberalizaçãocomercial dos anos 90 e, depois, em virtude dos novosganhos de competitividade adquiridos a partir dadesvalorização de 1999. As autoridades argentinas,ademais, acusavam repetidamente o Brasil decompetição desleal na atração de investimentos, graçasa incentivos fiscais que se somavam às economias deescala de um mercado quatro vezes superior ao daArgentina. Esse efeito pode ter ocorrido de formaconcreta no setor automotivo, base essencial docomércio bilateral e poderoso fator de impulso aocrescimento dados seus efeitos em cadeia. Mas,tampouco pode ser descartada a razão da queda dosinvestimentos diretos estrangeiros na Argentina ao seudramático rompimento com a comunidade financeirainternacional e o tratamento duro que a administração

Sobre Meridiano 47O Boletim Meridiano 47 não traduz o pensamento de qualquer entidade governamental nem se filia a

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expressas nos trabalhos aqui publicados são da exclusiva responsabilidade de seus autores.

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Kirchner passou a conceder aos investidores jáinstalados no país.

O essencial dos desequilíbrios comerciais,contudo, se deu por incapacidade da indústria argentinade se modernizar rapidamente, levando ao que foichamado de “invasão industrial brasileira”, evidente nalinha branca – aparelhos eletrodomésticos – e em váriosoutros insumos industriais. Em 2004 a Argentinacomeçou a pressionar pela adoção de um instrumentode salvaguardas automáticas, eufemisticamentecaracterizado como sendo um “mecanismo deadaptação competitiva”, que ela pretendia implementarde maneira unilateral. Anteriormente, ela já tinhainsistido numa espécie de “gatilho cambial”, que deveriaproduzir os mesmos efeitos a partir da desvalorizaçãodo real, o que foi contudo abandonado em face dapersistente valorização da moeda brasileira em face dodólar a partir de 2003.

O crescimento persistente do comércio exteriorbrasileiro – que praticamente dobrou de 1995 a 2005– também fez diminuir o peso e a importância doMercosul no intercâmbio global do principal país daAmérica do Sul, ao mesmo tempo em que novasoportunidades se abriam dentro e fora da região. Umacordo de associação do Peru ao Mercosul, em 2003,ademais de novos acordos de liberalização comercialcom os demais sócios da CAN em 2004, ainda quepouco significativos em termos de aumento dovolume de comércio no curto prazo, podem contribuirpara a expansão comercial brasileira na América doSul no futuro de médio prazo. Do lado argentino, opeso do Brasil continua determinante, o que configuranovos motivos de preocupação para os industriais danação platina.

No plano político, pode-se dizer que ambos osgovernos, brasileiro e argentino, desconfiam, bemmais que seus predecessores, das virtudes do livre-comércio, o que os levou a privilegiar, novamente,uma conformação integracionista baseada no velhométodo dos protocolos setoriais e das negociaçõesde complementaridade recíproca. Finalmente, noinício de 2006, ambos os países concluíam o tãoambicionado projeto argentino de um mecanismo desalvaguardas setoriais, recebido com entusiasmo

naquele país e com imensos reclamos por parte daindústria brasileira. Ainda no plano político, diversosoutros projetos não comerciais foram impulsionados,com o apoio declarado do governo brasileiro, como acriação de um fundo “corretor” de assimetriasestruturais – a ser utilizado sobretudo pelos dois sóciosmenores, mas com maior volume de financiamentopor parte do Brasil – e a instituição de um“parlamento” do Mercosul, considerado umaperfeiçoamento institucional. Não se voltou mais afalar de uma “moeda comum”, mas permanece vivaa demanda por mecanismos de coordenação depolíticas macroeconômicas, na prática tornadosdifíceis em virtude das diferenças operacionais entreos tipos de políticas seguidas em cada um dos países.

Permanecem as demandas pelo estabelecimentode “cadeias produtivas setoriais conjuntas”, iniciativasinviabilizadas na prática pela incapacidade dosgovernos de cada um dos países de prestar assistênciafinanceira ou empreender investimentos em base arecursos públicos. Mas voltou-se a dar bastanteênfase, sobretudo sob impulso político do governobrasileiro, aos projetos de integração física continental,objeto principal do grande empreendimento iniciadopelo governo Lula de constituição da “ComunidadeSul-Americana de Nações”, ela mesma herdeira dainiciativa anterior do governo de FHC, conhecida comoIIRSA (Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana).

Assim, ao mesmo tempo em que todos osesforços de “relançamento comercial” do Mercosulforam sendo sucessivamente frustrados, cresceramas iniciativas políticas de integração física continental,em especial no setor energético, projeto ainda maisampliado a partir do ingresso “político” da Venezuelano Mercosul, em dezembro de 2005. Com a diluiçãoda “ameaça” da Alca – inclusive a partir de sua virtualparalisação na terceira cúpula hemisférica, em Mardel Plata, no final de 2005, por atuação conjunta daArgentina, do Brasil e da Venezuela –, os países sul-americanos tentam construir, com estratégias eobjetivos muito diversos, uma nova agenda integracio-nista para a região, menos voltada para a liberalizaçãocomercial e mais orientada para a cooperação políticae o estabelecimento de ligações físicas.

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Eles acreditam que, assim fazendo, conseguirãoatrair os investimentos externos necessários paraviabilizar imensos projetos de infra-estrutura nosterrenos da energia, comunicações e transportes. Nãoé totalmente seguro de que o consigam, inclusiveporque o atrativo principal, em termos de comércio,investimentos e financiamento, ainda continua sendoa economia dos EUA, único país que possui o mercadosuscetível de absorver os produtos ainda poucosofisticados da maior parte desses países. Nãoobstante a viabilidade de vários desses projetos, oprincipal fator limitativo parece continuar sendo avolatilidade política na região, dramatizada ao extremona região andina nos últimos três ou quatro anos.

A despeito da dimensão relativamente modestade sua economia, o Chile é o país que tem confirmadosua vocação para a estabilidade e o crescimento, comredução paulatina das desigualdades sociais – ainda

relativamente elevadas – e uma disposição continuadapara a abertura comercial e sua incorporação plenanos circuitos da globalização. Num momento em quevários dos líderes da região ainda insistem em manteruma postura de recusa da interdependência global,preferindo fazer vibrantes discursos antiimperialistasem encontros do Fórum Social Mundial, o Chileconfirma sua agenda liberal e desponta com um perfilde membro da OCDE, se tal fosse possível no horizonteprevisível. Trata-se do único “tigre asiático” numa regiãoque continua ainda a apresentar, com algumasexceções, os traços típicos da América Latina desdetempos recuados, feitos de pobreza, desigualdadessociais, instabilidade política e especialização emprodutos primários. A América do Sul continua amover-se lentamente no cenário internacional.

Brasília, 13 de fevereiro de 2006

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e iniciou seu discurso de confrontação contra Israel econtra o poderio estadunidense no Oriente Médio,Washington tem revisto sua política de espalhar ademocracia pela região. Ou, como afirmou DanielPipes, conselheiro do governo Bush e um dosarquitetos da guerra contra o Iraque, “a América temque desacelerar o processo democrático para evitarque governos islâmicos assumam o poder nos Estadosárabes” (Al-ahram Weekly, edição de 24-30 denovembro de 2005). Dessa forma, algumas medidasque já estavam sendo arquitetadas pelos regimesárabes rumo a uma maior abertura política, fruto dapressão americana, vão gradualmente sendoabandonadas, pois o discurso de Pipes, nos termosdo “eu, pessoalmente, prefiro os ditadores de hojeaos ditadores islâmicos do futuro” foi rapidamenteaceito pelo governo Bush e internalizado pelas elitesgovernantes árabes.

Em termos militares, o Irã também se apresenta,cada vez mais, como uma variável relevante noscálculos políticos árabes. A firme disposição dogoverno de Ahmadinejad de impedir inspeçõesinternacionais que sustentem a tese iraniana de queseu programa nuclear visa apenas fins pacíficos, comoa produção de energia, poderá dar ao país temposuficiente para desenvolver um artefato nuclear, o quealteraria drasticamente a correlação de forças a favordo Irã vis-à-vis o Mundo Árabe. Na verdade, já existeuma percepção na região de que o Irã está alcançandouma posição privilegiada no Oriente Médioexatamente devido à sua postura de confronto e seudiscurso islâmico militante.

Pelo menos é o que ficou claro nas discussõesda reunião anual de cúpula da Liga Árabe, realizada

Implicações da militância islâmica iranianapara o Mundo Árabe

Sivia Ferabolli*

* Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e Professora de CiênciaPolítica da Faculdade Montserrat de Caxias do Sul ([email protected])

Desde a sua revolução islâmica, em 1979, o Irãtem interferido fortemente nas dinâmicas do SistemaÁrabe de Estados, não tanto pela força de seu poderiobélico, mas principalmente pela destreza com que opaís dos aiatolás manipula o discurso da defesa doislã como arma contra o ocidente.

Militarmente, o Irã demonstrou, no imediato pós-1979 (Primeira Guerra do Golfo 1980-1988), que suamáquina de guerra era forte o bastante para conter oavanço do mais militarizado dos países árabes, o Iraque.

Retoricamente, Revolução Iraniana colocou emxeque as credenciais islâmicas da Arábia Saudita e,por conseqüência, das demais monarquias do Golfo,ao expor os “ultrajantes” laços desses Estados com oOcidente, particularmente com os Estados Unidos.O pilar antigo e indispensável da legitimidade daspetromonarquias, a defesa do islã, começou a tremerfrente ao discurso do novo regime revolucionárioiraniano, que logo tornou público seu desejo deexportar a revolução islâmica pelos países vizinhos e,quiçá, para o resto do mundo. O nascimento doConselho de Cooperação do Golfo (CCG), em 1981,deve ser entendido como uma resposta daspetromonarquias à pressão do Irã, e o sucesso atingidopor esse processo integrativo tem, cada vez mais,isolado esses países do restante do Mundo Árabe.

Passados mais de duas décadas desde que osaiatolás assumiram o poder no Irã, a força de seudiscurso de independência dos povos islâmicos frenteaos ditames do “Grande Satã” ainda repercute sobreo Sistema Árabe de Estados, mais precisamente noque se refere às tentativas norte-americanas de fazerbrotar a democracia nas areias do deserto. Desde queMahmoud Ahmadinejad assumiu a presidência do Irã

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entre os dias 28 e 30 de março de 2006, em Cartum,na qual os Estados árabes aprovaram uma resoluçãoconjunta reafirmando sua disposição em reabrirembaixadas no Iraque e em aumentar a presençaárabe em solo iraquiano, para evitar o aumento jápercebido da posição iraniana no Iraque. Comoafirmou o ministro das relações exteriores do Iraque,Hoshyar Zebari, “Eles [os árabes] temem que o Iraqueesteja se afastando dos árabes, se divorciando doMundo Árabe e sendo cada vez mais influenciado porum outro país vizinho [Irã]”.( The New York Times,edição de 28 de março de 2005).

Esse temor não é infundado, na medida em queanalistas na região já acusam a possibilidade de queos Estados Unidos estabeleçam algum tipo de acordocom o Irã que poderá enfraquecer ainda mais a posiçãoárabe no Iraque. Em particular, eles mencionamalgumas conversações que já estão previstas entre osgovernos americano e iraniano para discutir o futurodo Iraque, especialmente no que tange a questõesenvolvendo a população xiita iraquiana.

A Liga Árabe, através de seu chefe de staff,Hisham Yousef, tentou colocar um freio nas investidasiranianas, com possível aval americano, sobre o futuropolítico do Iraque: “Quem são eles para decidiremsobre o futuro de um terceiro país na ausência dosiraquianos, na ausência do Mundo Árabe, na ausênciade todo mundo?”.

A problemática envolvida nessa situação é queo Iraque está usando a disposição iraniana em se tornarum contendor efetivo no jogo político da região parapressionar os Estados árabes a aumentarem seu apoiofinanceiro e diplomático ao novo governo iraquiano.“Por que vocês estão reclamando do papel do Irã noIraque se os iranianos estão aqui e vocês não estão?Nós estamos há três anos pedindo que vocêsassumam uma posição e vocês não respondem”,sentenciou Zebari. Essa “posição”, logicamente,significa apoio diplomático total e perdão de dívidas.

O forte discurso de Ahmadinejad contra Israel ea firme disposição do Irã em apoiar financeiramenteo novo governo palestino coloca os países árabes quetêm acordos de paz com Israel, como o Egito e aJordânia, ou que têm se abstido de confrontarpublicamente os israelenses, como as petromo-narquias, em uma posição de fraqueza política contrao Irã diante da “rua” árabe-islâmica.

Os desdobramentos desta quadrangulação quevem se aprofundando no Oriente Médio, formada porEstados Unidos – Irã – Mundo Árabe – Israel, seráum elemento a mais a ser considerado nas dinâmicasdo Sistema Árabe de Estados, o qual já sofreu umduro golpe quando da invasão militar americana doIraque e que agora, mais do que nunca, precisarádecidir como lidar com as investidas políticas do Irãmilitante sobre o mundo árabe-islâmico.

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Como publicar Artigos em Meridiano 47

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O retorno ao equilíbrio do terror atômico

Virgílio Arraes*

Durante a Guerra Fria, boa parte do comedimentoamero-soviético deveu-se à existência compartimen-tada entre ambos, de milhares de ogivas nucleares,alcunhando-se a convivência no período de equilíbriode mútuo terror. Com a súbita capitulação da UniãoSoviética, desembocada em extinção com significativaperda territorial, analistas puseram-se a coligir osmotivos do repentino processo. Um deles apontavapara a incapacidade do regime comunista de sustentarelevados gastos militares por longa extensão detempo. Estima-se entre 10 a 20% do produto internodo país por ano.

Além do mais, havia uma guerra em curso, a doAfeganistão, por meio da qual, a par da manutençãode um Estado comunista, logo aliado, opunham-seos russos à emergência do fundamentalismo islâmico,arrimado, com entusiasmo, pelos Estados Unidos, porvislumbrar a seus opositores fadiga similar a suamalograda investida vietnamita na década anterior.Diferentemente do modelo norte-americano, ossoviéticos não conseguiram converter tecnologiamilitar para uso civil, de forma que espraiasse osbenefícios materiais advindos dos ganhos científicospara toda a sociedade.

Deste modo, a derrocada político-econômica napassagem dos anos 80 para os 90 adveio também dainsuficiência de a União Soviética prover em termosde consumo os seus cidadãos em patamares próximosdos da Europa Ocidental, mesmo se comparados aosmembros mais modestos como Portugal ou Grécia,por exemplo. A retórica da expansão do bem-estarvinculava-se, por conseguinte, à afirmação dademocracia; ao lado dela, o auxílio do neoliberalismopor dispor, em tese, de mais eficiência, o que permitiriaampliar a circulação de recursos e, por extensão, atrairinvestimentos externos complementares. A crença em

uma interdependência capitalista, de cunho pacíficoe próspero, seria propagada diuturnamente.

Quase duas décadas depois, o quadrocontemporâneo difere bastante do otimismoalardeado, em face da desigualdade da distribuiçãoda riqueza e da degradação ecológica. Asdemocracias postas em substituição ao socialismo realnão providenciam a equiparação do consumo emrelação ao eixo norte-atlântico, conforme outrorainsinuado na fase de transição do fim da bipolaridade.O antigo 3º Mundo torna-se fator de desestabilização,ao ser posto em segundo plano na incorporação dasbenesses capitalistas. Diante do desinteressediplomático das principais potências, irresolutas nacoordenação de alternativas executadas através deorganismos internacionais, como o Banco Mundial,ou mesmo de projetos bilaterais, viabiliza-se a opçãoda manutenção sistêmica por meio da força.

Diante de tal cenário, o país vitorioso de trêsconflitos mundiais no século passado não teria, emum primeiro exame, dificuldade para aplacar aintemperança de Estados desajustados perante a novaordem mundial. Contudo, a realidade mostrou-se, demodo surpreendente, adversa à maior potência global.Em quase cinco anos, duas guerras em andamentocontra países periféricos, sem vislumbrar-se umprognóstico definitivo positivo no curto prazo. Aindaassim, aponta-se mais um como alvo possível doânimo bélico estadunidense: o Irã.

Ao longo da década de 90, o projetoneoconservador reconhecia na superioridade militarnorte-americana uma das principais razões para avitória na Guerra Fria. Afinal, de acordo com ChalmersJohnson, são mais de 700 bases em 138 países –apenas a Coréia de Sul hospeda uma centena delas;deste modo, se o país almejasse manter-se à testa da

* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – iREL-UnB ([email protected]).

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supremacia mundial, deveria, portanto, manter amesma política. Por extensão, tecnologiasconvencionais de destruição deveriam ser priorizadas,notadamente as relativas ao setor aeronáutico.

Destarte, as investidas contra terceiros seriamligeiras, com poucas baixas nas tropas, e voltadas paraalvos estratégicos. Isto seria executado com êxito naIugoslávia, por exemplo, para forçar a rendição dogoverno. Ao Afeganistão e Iraque seriam endereçadosexpedientes similares. Entretanto, se houve a repetiçãodo mesmo sucesso inicial, ou seja, a deposição dosgovernantes, a segunda fase, na qual se encaixariamno poder políticos formalmente apegados àdemocracia, mostra-se extremamente difícil, com osefetivos já desgastados perante escaramuçasconstantes de baixa intensidade.

Mutatis mutandis, a tecnologia, por si só, comojá antevisto durante a Guerra do Vietnã, nos anos1970, é incapaz de assegurar a vitória ou, ao menos,a ocupação. Mesmo assim, o governo norte-americano analisa a opção de valer-se de armasatômicas de menor poder destrutivo (mini-bombasequivalente a 1/3 do poder destrutivo da de Hiroxima),ainda que, à primeira vista, afirme que elas seriamtão-somente instrumentos de dissuasão. Em tese,poderiam ser empregadas para eliminar estoques dearmas de destruição em massa ou usinas nuclearesinstaladas no subsolo, apesar do risco inerente deprovocar nuvens radioativas.

Apesar de desrespeitar o teor do Tratado de NãoProliferação Nuclear (1970), a hipótese já é seriamenteconsiderada dentro de diferentes setores do governosob a justificativa de aperfeiçoar a eficiência das

medidas escolhidas contra regimes tirânicos,aspirantes pretensamente naturais à posse de armasquímicas ou biológicas. Não se pode esquecer de queo Partido Republicano, por inspiração neoconservadora,enfatiza gastos bélicos como o fiador inquestionáveldo status de potência.

Deste modo, desde 1999, há uma série demedidas contraposta à limitação de artefatos nucleares– uma delas havia sido a denúncia em junho de 2002do Tratado de Mísseis Anti-Balísticos, anunciada seismeses antes como reflexo da insegurança internaprovocada pelo atentado terrorista de setembro de2001. Sem a vigência do acordo, os Estados Unidospuderam retomar a pesquisa sobre a formação de umescudo antimíssil, com o conseqüente rebate, aomenos retórico, da Rússia, ao reiterar a excelência desuas armas de longo alcance, capazes de atravessartodo tipo de sistema defensivo. De toda forma, não hátecnologia disponível para destruir centenas de mísseislançados simultaneamente.

No entanto, a afirmação de uma políticaarmamentista, com tendência de nuclearizar a simesma mais e mais traz como contrapartida aressuscitação de aspirações também da Rússia, jádesiludida com os resultados de uma democracia emestilo ocidental e apreensiva quanto ao crescimentoeconômico da China. Outrossim, a alternativa de curtoprazo para a manutenção da influência da Rússia emáreas por ela consideradas como de sua influência podeser o restauro de nova corrida armamentista.Contudo, a corrida poderá ser tripla, caso a Chinasustente por longo tempo o ritmo de seudesenvolvimento.

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O debate intelectual e a produção científico-acadêmica realizados no Brasil sobre temas afetos àsrelações internacionais e à política exterior cresceramem importância e em qualidade nos últimos vinteanos. Esse processo traduz o adensamento do“pensamento brasileiro de relações internacionais”,particularmente perceptível ao longo dos anosnoventa. Verificou-se tanto o crescimento do interessedos meios iniciados (acadêmicos, militares, diplomatasetc) no debate especializado quanto a diversificaçãode centros dedicados à reflexão, à pesquisa e ao ensinono Brasil, e o crescimento do número de atores queproduzem análises de todos os tipos, seja paraamparar a tomada de decisão nos organismosdedicados à formulação e implementação da políticaexterna, seja para influenciá-la. O fato é que é possívelobservar que o debate acerca dos temas internacionaisganhou novos foros, em que se incluem redes deorganizações não-governamentais, federações deempresários dos mais diversos setores, centraissindicais, mas especialmente, novas e diversificadasredes acadêmicas.

A partir dos anos noventa, a academia brasileiradedicada às relações internacionais cresceuquantitativa e qualitativamente e ganhou novasformas institucionais, levada pela necessidade decompreender as inflexões que vêm ocorrendo nasrelações internacionais, especialmente pontuadas pelofim da Guerra Fria e pelo advento da globalização.

Desse modo, o estudo das RelaçõesInternacionais no país, em suas múltiplas vertentesmetodológicas, além de focalizar as interações entreEstados nacionais, se voltou também para a análisede diversos fenômenos recentes e complexos. Assim,

A evolução recente dos estudos e dos programas depós-graduação em Relações Internacionais no Brasil

Antônio Carlos Lessa*

passaram a ser objeto da atenção dos analistas dasrelações internacionais os temas relacionados com asdinâmicas da integração regional e a formação deblocos econômicos, a cultura, a cooperação e asegurança nos níveis regional e internacional e aestruturação de regimes internacionais em áreas comoas do clima, do meio-ambiente, da proteçãointernacional dos direitos humanos e da políticaeconômica, entre outros de uma agendacrescentemente complexa, que afeta diretamentepaíses como o Brasil.

Esses movimentos expressam, em poucaspalavras, o interesse pela relevância crescente do Brasilno cenário internacional, e especialmente, pelosdesafios da sua inserção em um meio muito maiscomplexo e diversificado. Essa constatação,entretanto, não esconde o fato de que a grande áreacientífico-acadêmico de Relações Internacionais sejano Brasil ainda injustificadamente pouco desenvolvida,especialmente se comparada ao crescimentoexperimentado em outros países latino-americanos,especialmente na Argentina e no México.

Um outro problema situa-se no fato de que noBrasil foi difícil definir os limites da área de RelaçõesInternacionais, tendo em vista as diferençasmetodológicas e conceituais que marcam a disciplina,e especialmente, a sua natureza inter e multidisciplinar.

A evolução da academia brasileira especializadaem Relações Internacionais, nas suas diferentesvertentes metodológicas reflete bastante o modocomo se organizaram os principais programas de pós-graduação e de pesquisa nas universidades brasileiras.

Pode-se afirmar que dois grandes pólos surgirame se consolidaram como espaços científicos de alto

* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e coordenador de RelNet – Rede Brasileirade Relações Internacionais.

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nível entre os anos setenta e os final dos anos oitenta– a Universidade de Brasília e a Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro. Isso não significa,evidentemente, que a reflexão científica especializadanão fosse ativa e de grande qualidade em outroscentros, mas é certo que nesses não se criou umambiente institucional adequado para a reproduçãode experiências sustentadas de formação de quadros(em torno de programas de mestrado, doutorado e,eventualmente, de graduação especificamente emRelações Internacionais) e para a congregação depesquisadores especializados em torno de programasde pesquisa sustentáveis.

A inflexão fundamental para a estruturação daárea no Brasil se deu com a criação do programa depós-graduação em História da Universidade de Brasília(1976), que desde os seus primórdios manteve umdinâmico programa de pesquisa e de formação depesquisadores na área de Relações Internacionais. Osurgimento dessa nova ambiência institucionalmarcou o progresso da historiografia das relaçõesinternacionais no país e, evidentemente, condicionoua sua agenda de pesquisa.

A criação do primeiro doutorado em História dasRelações Internacionais, em 1994, consolidou aUniversidade de Brasília como o mais dinâmico pólobrasileiro e um dos mais importantes na área dehistória das relações internacionais na América Latina.Esse fato indica, inclusive, a abertura de uma novafase na historiografia brasileira de relaçõesinternacionais e de política exterior, uma vez que aconsolidação da área no pais se deu em torno deprogramas de ensino e pesquisa altamente vinculadoscom as principais redes acadêmicas e científicasespecializadas em história das relações internacionaisna América Latina, na Europa e nos Estados Unidos.

O programa de pós-graduação em RelaçõesInternacionais da Universidade de Brasília foi oprimeiro do Brasil na área de política internacionalstricto sensu, tendo sido organizado em 1984. Esseprograma foi criado com um mestrado que secundavaos esforços de formação de quadros empreendidosem nível de pós-graduação na área de História damesma instituição. Em 2000, entretanto, os dois

programas foram fundidos em um Instituto deRelações Internacionais, com a criação de um únicomestrado e doutorado em Relações Internacionais,organizado em duas áreas de concentração (Históriadas Relações Internacionais e Política Internacional eComparada).

O segundo pólo de formação em nível de pós-graduação de expressão na área de RelaçõesInternacionais no Brasil foi criado em 1984 na PontifíciaUniversidade Católica do Rio de Janeiro, quando foiinstituído o seu Instituto de Relações Internacionais,que pode ser caracterizado como de políticainternacional stricto sensu, uma vez que predominaem seus quadros profissionais com atuaçãomarcadamente caracterizada pelos aparatos analíticosda politologia, em especial de inspiração anglo-saxônica.

Outras experiências foram lançadas nos anosnoventa, como o da área de história das relaçõesinternacionais do programa de pós-graduação emhistória da Universidade do Estado do Rio de Janeiro– UERJ. A partir de 2001, novos programas de pós-graduação foram lançados com o apoio daCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior – CAPES, que por meio do programa SanThiago Dantas procurou fomentar a formação dequadros para o ensino e a pesquisa sobre RelaçõesInternacionais no Brasil. Nesta última safra foramentão organizados os programas de mestrado emRelações Internacionais que têm feições maismultidisciplinares, como o que surgiu da cooperaçãodas três grandes universidades do estado de São Paulo(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Universidade de Campinas – UNICAMP eUniversidade Estadual Paulista – UNESP). O programade mestrado em Relações Internacionais daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS,por seu turno, tem como área de concentração osprocessos de integração regional, e entre os seuscolaboradores estão especialistas em História dasRelações Internacionais, Direito, Economia, Geografiae Ciência Política. Finalmente, o último dos programasde pós-graduação em Relações Internacionais quesurgiram ao final dos anos noventa foi o daUniversidade Federal Fluminense - UFF, que tem como

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ISSN 1518-1219

Editor: Antônio Carlos LessaEditor-adjunto: Virgílio ArraesEditor-assistente: Rogério de Souza Farias

Conselho Editorial:Amado Luiz Cervo, Antônio Jorge Ramalho da Rocha, Argemiro Procópio Filho,Estevão R. Martins, Francisco Doratioto, José Flávio S. Saraiva, João Paulo Peixoto, Tânia Pechir Manzur.

Projeto Gráfico: Samuel Tabosa de Castro – [email protected]

Meridiano 47Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais

área de concentração Economia e Política dasRelações Internacionais.

Como é possível concluir do acima exposto, aconsolidação dos estudos em nível de pós-graduaçãona área de Relações Internacionais, que se iniciou nosanos setenta na Universidade de Brasília, vem seconsolidando como um campo multidisciplinar maisrecentemente, processo que pode ser percebido nasexperiências institucionais que se estabeleceram apartir dos anos noventa. Com efeito, se vê que namaior parte dos programas acima relatados prevaleceo entrosamento multidisciplinar, e a cooperação entreas áreas, não apenas a História e a Ciência Política,mas também a Economia, o Direito e a Geografia.

Procurou-se demonstrar neste breve relato quea reflexão brasileira sobre relações internacionais emgeral ganhou em sofisticação do início dos anos

noventa aos nossos dias, e que se observa o nascimentode abordagens crescentemente multidisciplinares. Éfato que esse processo ainda está circunscrito a poucasexperiências, onde se percebe o diálogo intenso entreos diferentes paradigmas de análise das ciênciassociais. Para isso, contribuiu tanto o redesenhoinstitucional que se observou mais recentemente, quedeu origem a novos e diversificados centros depesquisa e de pós-graduação, quanto a evolução deexperiências e de grupos mais antigos e já consolidados.Com efeito, viu-se que os anos noventa foram paraessa área no Brasil uma fase de redesenho institucional,de expansão e de grande amadurecimento analítico,ao ponto em que é já possível vislumbrar uma escolaconsolidada, que produz os seus próprios modelosde análise e contribui para a evolução teórica econceitual da disciplina.

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O processo de construção da União Européiavem sendo animado por forças endógenas, quepartem dos Estados nacionais e das instituiçõessupranacionais, e por forças exógenas, ligadas àsmodificações do cenário internacional pós-colapso daUnião Soviética. Neste caso, vislumbra-se uma maiorparticipação do espaço europeu numa ordeminternacional multipolar em contraposição àstendências unipolaristas norte-americanas da “utopiados espaços abertos”, que concebe operações(econômicas, militares, ideológicas) em terrenosilimitados. Como reflexo da importância diferenciadaque vem adquirindo a União Européia na atual políticade poder, percebe-se uma ampliação das preocupaçõesdos estudiosos em compreender os mecanismossociais, políticos, econômicos, ideológicos, geográficos,entre outros que, agrupados, movimentam a Europaunificada e ampliada neste início de novo milênio.

Portanto, o livro coordenado por Maria ManuelaTavares Ribeiro, fruto de um curso pluridisciplinar queteve lugar na Faculdade de Letras da Universidade deCoimbra entre 12 e 21 de fevereiro de 2004, éresultado de um esforço analítico variável sobre asoportunidades e desafios que se colocam aos paíseseuropeus em sua trajetória de união no desenrolar doséculo 21. Neste sentido, pode-se dividir a obra emquatro vertentes principais que direcionam os estudosempreendidos e apresentados na forma de 23 textos.

Primeiro, um conjunto de trabalhos que lidamcom as correntes de integração (federalismo,subfederalismo, supranacionalidade e intergoverna-

mentalidade). Segundo, aqueles que apresentam acontraposição existente entre os projetos nacionais eo quadro de referência da União Européia, sobretudodaqueles países recém integrados e os queprovavelmente serão incorporados. Terceiro, os queenfocam as “forças profundas” e os “vínculosespirituais” entre os países europeus: fala-se daideologia, da educação, da cidadania, das questõessócio-culturais que corroboram para a constituiçãode uma comunidade de destinos. Quarto, a vertentede estudos sobre identidade e fronteiras, umapreocupação constante para a afirmação da própriaUnião Européia como bloco unificado e coeso.

Na primeira vertente, destacam-se os textos deJosé Reis e de Paul Alliès, que tratam das distâncias(físicas e imateriais) que dificultam o processo deintegração bem como das proximidades (geográficas,econômicas, etc) que vêm dando consistência aoprojeto europeu. Assim, geografia e institucionalidadese juntam para consolidar o processo de unificaçãoda Europa.

Na segunda, contrapõem-se alguns projetos evisões nacionais ao projeto de integração europeu.Ioan Orga apresenta a perspectiva romena que, diantedas possibilidades de relativização e redefinição dasfronteiras nacionais, avalia o papel do país comofronteira leste da UE, em contato direto com aMoldavia. Da mesma forma, , , , , Stefan Bielanski discuteo conceito de fronteira oriental da Europa, segundo ahistoriografia polaca, apontando as tendênciashistóricas de se depreciar as regiões fronteiriças

RESENHA

Idéias de Europa: que fronteiras?*

Thiago Gehre Galvão**

* RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (coord). Idéias de Europa: que fronteiras? Coimbra: Quarteto Editora, Coleção Estudossobre a Europa, 2004. 445 pp. ISBN 989-558-042-8.** Mestre em História das Relações Internacionais e Coordenador do Curso de Graduação em Relações Internacionais daFaculdade Michelangelo (DF).

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localizadas longe do centro europeu. Emcomplementação, Nicole Petri ressalta a importânciada Polônia, não mais como um Estado tampão entredois mundos (europeu e não europeu), mas comouma ponte entre a UE e países estrategicamenteimportantes como Ucrânia, Rússia e Bielorussia. Alémdisso, são apresentadas outras visões como a alemã,com ênfase na reunificação, desde a distensão dachamada “ostpolitik” até os desafios enfrentados nosanos 1990; a perspectiva da Rússia pós-soviética,sobretudo o receio de que sua entrada na UE possaafetar o equilíbrio interno do bloco; o futuro dePortugal como potência periférica da Europa e o lugarda ilha de Açores nas relações transatlânticas e coma Europa.

A terceira vertente de estudos destaca aspectosque tendem a interferir nos cálculos estratégicos dosarquitetos do projeto europeu de integração. Sãoforças profundas, como a imigração, a religião, a idéiarenovada de cidadania européia e a transformaçãoda educação no bloco como um meio de construiruma verdadeira cultura européia. Moura Ramosapresenta o quadro jurídico-político em que anoção de cidadania se insere, enquanto ProcopisPapastratis faz uma discussão esmiuçada sobre astransformações engendradas pelos países europeus,mediante os acordos de Bolonha e Nice, no que tocaà questão educacional.

A última vertente se preocupa em identificarcomo as forças que subsistem na epiderme dasrelações intra-européias começam a irromper pormeio de questões sócio-culturais, que têm impactodireto não apenas sobre a estrutura intra-européia,mas também sobre a circunstância geográfica doBloco. Passa-se em revista a relação entre espaço,identidades e fronteiras, prevendo-se uma alteraçãona relação entre estes elementos e sua capacidade demoldar o bloco europeu.

Para Marcedes Samaniego Borneu, a visão sobreo fim das fronteiras se ajusta à vocação pós-nacional

dos Estados que, no caso europeu, desafiam fronteirashistóricas, políticas, culturais e não admitem aquelasque segregam minorias ou representam a indiferençaentre o Norte e o Sul. Já Renaud de la Brosse discute acomplementaridade ou oposição entre as escalascontinental, nacional, regional e local em que seconcebe a integração, enquanto Georges Contogeorgisapresenta a mescla que se forma do encontro entreos fatores cultural e político que, alimentados por umnovo patriotismo, buscam consolidar a Europa comoopção ao fim do bipolarismo, ao enfraquecimento daRússia e ao antagonismo com os EUA na arenainternacional do século 21.

Por fim, cabe destacar a contribuição de EstevãoRezende Martins que complementa as visões internascom um olhar latino-americano (e brasileiro) sobre oprocesso de conformação da União Européia. ParaMartins, o romantismo dos processos de integraçãoregional, que se transformaram em toposincontornável dos discursos políticos, adquiriu umrealismo pragmático no caso europeu, a partir dacoesão econômica, política e diplomática, seguida dainstitucionalização e da consolidação de um ethoscapaz de aglutinar os países membros conforme umprojeto comum. Ele lembra que esse foi um processoárduo em que o ritmo dos países foi dessemelhante edivergente. Não obstante, parece ainda ser a UniãoEuropéia o modelo de integração a ser seguido poroutras regiões, dentre elas a América Latina.

Assim, esta obra cumpre um papel fundamentalao atualizar as discussões acerca da realidade européiaque hoje está envolta em questões delicadas como asrejeições francesa e holandesa da ConstituiçãoEuropéia, o posicionamento britânico em relação aoprojeto de integração e os impactos da ampliação dobloco para o Leste. Percebe-se que o modeloestatocêntrico originário, concebido no quadro defronteiras rígidas, vem cedendo lugar à “idéia deEuropa”, muito mais ampla em seus objetivos,complexa em seu conteúdo e fluida em seu formato.

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