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Universidade Federal de Goiás Faculdade de Filosofia Relatório de Pesquisa no Estágio 2014-2015 Educação é um problema filosófico: Metafísica, Economia e Autonomia na formação escolar. Aluno: Túlio Pascal Profª Carmelita Brito de Freitas Felício Goiânia 2016

Educação é um problema filosófico: metafísica, economia e autonomia na formação escolar

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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Filosofia

Relatório de Pesquisa no Estágio

2014-2015

Educação é um problema filosófico: Metafísica, Economia e Autonomia na formação

escolar.

Aluno: Túlio Pascal

Profª Carmelita Brito de Freitas Felício

Goiânia

2016

2

Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Filosofia

Educação é um problema filosófico: Metafísica, Economia e Autonomia na formação

escolar

Trabalho apresentado à faculdade de filosofia-UFG, como

obtenção de nota parcial da disciplina de Estágio

Curricular Obrigatório IV.

Goiânia

2016

3

À minha companheira Deborah Oliveira, e à minha mãe Silvia Santiago.

4

AGRADECIMENTOS

Na obra Da metafísica à moral Paul Ricoeur, já cansado pela idade, trás à

memória a lembrança de seu primeiro mestre, Roland Dalbiez, professor da

Universidade de Letras de Rennes, França. Ricoeur dizia que as aulas de Dalbiez o

confrontava, e que experimentara em seus cursos uma maneira de ensinar

profundamente diferente. Dalbiez aos olhos do jovem Ricoeur parecia mesmo ser um

filósofo provocante e sedutor, afinal, Dalbiez o exortava dizendo que se um problema

causa angústia ou provoca susto não deve ser contornado, mas enfrentado. Felizmente

eu tive o privilégio de conhecer uma professora assim quando iniciei o curso de

licenciatura: Carmelita Brito de Freitas Felício. Agradeço primeiramente a ela, pela

cuidadosa e rigorosa orientação, por suas aulas profundas e enérgicas, por zelar em

ensinar seus alunos e orientandos à coragem de enfrentar problemas filosóficos - muitas

vezes com a aparência de serem insolúveis, por nos ensinar o amor e o compromisso

com a filosofia. Agradeço também a professora Adriana Delbó pela orientação no

estágio I e II, por suas intervenções nos seminários de estágio que contribuíram para o

direcionamento da pesquisa empreendida; assim, de igual modo, agradeço ao professor

Almiro Schulz pelos comentários durante os seminários e por sua gentil disposição em

dialogar sobre minha pesquisa. Por fim não posso deixar de agradecer ao colega e

amigo Luiz Carlos por sua disposição em ler alguns de meus textos.

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………... p. 5

CAPÍTULO I: EDUCAÇÃO COMO (TRANS)FORMAÇÃO: A metafísica no ensino

de filosofia.

a) Metafísica aristotélica: a essência imutável do homem………………....……p.11

b) Cuidado de si: por uma transformação de si mesmo…………….………...…p.13

CAPÍTULO II: CRÍTICA AO ATUAL MODELO DE FORMAÇÃO PARA

AUTONOMIA: Iluminismo e educação.

a) A herança do Iluminismo: a promessa de autonomia……………………...…p.18

b) A preparação do cidadão: a aposta da LDB de 1971 e 1996…………………p.21

c) Para além da ética normativa: por uma ética das relações consigo mesmo.…p.25

d) A criação de si mesmo ante os constrangimentos históricos…………...…….p.27

CAPÍTULO III: A FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: a educação nas estratégias da

Biopolítica.

a) Racionalidade política moderna: o governo da conduta……………………...p.32

b) Educação e economia: a formação para autonomia nas estratégias da

Biopolítica……………………………………………………………………p.25

c) Educação neoliberal: a escola a serviço da empresa………………………....p.38

Considerações finais………………………………………………………………….p.40

Bibliografia………………………………………………………………………...…p.43

6

INTRODUÇÃO

“Toda educação é conversão”. Fórmula elabora por Pierre Hadot no início da

quarta seção de seu principal livro: Exercícios espiritual e filosofia antiga. Para Hadot a

filosofia antiga é um apelo para a conversão. Os diálogos platônicos é

fundamentalmente um exercício de conversão. Ora, filosofia e educação parecem se

dissolver em um só significado quanto se compreende que a atividade filosófica da

Antiguidade consiste em converte-se. Com a apropriação do cristianismo da cultura

helênica a conversão (metanoia) irá assumir contornos outros que são, num certo

sentido, avessos à significação greco-romana1. Trata-se, na conversão antiga, de “uma

mudança de ordem mental, que poderá ir da simples modificação de uma opinião até a

transformação total da personalidade”2. A conversão é aqui uma mudança radical do

olhar, de uma maneira inteiramente distinta de ver o mundo. A educação e a filosofia

consistia, portanto, em fazer o homem transformar a si mesmo através de uma

conversão do olhar e do pensamento. A conversão a si mesmo (epistrophè) é antes de

mais nada um exercício espiritual onde se forma e transforma o homem grego. Aqui

podemos ver mais uma imbricação entre a palavra grega Paidéia e a Philosophia. Se a

paidéia procurava a formação ideal do homem a filosofia também pode ser entendida, a

luz dos exercícios espirituais, como uma maneira de formar e transformar o homem.

A palavra “espiritual” pode ser estranha ao leitor contemporâneo ou aos que

estão pouco acostumados com o léxico da filosofia antiga. Para Hadot, a palavra “

‘espiritual’ permite entender bem que esses exercícios são obra não somente do

pensamento, mas de todo o psiquismo do indivíduo e, sobretudo, ela revela as

verdadeiras dimensões desses exercícios”3. Exercícios espirituais que abrangem toda a

existência, tem por objetivo a correção do homem, o aperfeiçoamento moral, a

transformação moral, uma formação de si que seja livre das paixões. Esse não é, pois o

objetivo da paidéia política platônica, por exemplo? A formação do homem livre, do

homem que domina a si mesmo a fim de governar a cidade?

1 Metanoia na cultura cristã significa arrependimento. Existem também as conversões forçadas que surge

da tentativa de conquistas almas no cristianismo, cujo exemplo maior no Brasil pode ser visto na

catequização dos índios no tempo do Brasil Império. 2 HADOT, 2014 p.203.

3 Ibidem, p. 20.

7

A filosofia antiga ao ser conversão é exercício vivido4. Diz Hadot: “A filosofia

aparece então em seu aspecto original, não mais como uma construção teórica, mas

como um método de formação de uma nova maneira de viver e de ver o mundo, como

um esforço de transformação do homem”5. Não parece aí se insinuar mais uma relação

entre educação e filosofia, na medida em que a paidéia constrói um ethos e uma maneira

de ser?

A educação é conversão; a filosofia é conversão. É nessa ótica que se percebe

que a filosofia era antes de tudo uma maneira de educar o homem. Na verdade a

educação sempre foi o principal objetivo da filosofia na Antiguidade e sempre esteve

entre os problemas mais nobres da filosofia. Platão fundou a Academia, Aristóteles o

Liceu, Epiteto a Scholé. Esse não é sinal suficiente para nos fazer ver que a educação,

antes de ser um problema da Pedagogia e das Ciências da educação, é um problema

filosófico?

Pierre Hadot em seu célebre livro Exercícios espirituais e filosofia antiga, nos

faz perceber que a educação e a filosofia não estiveram separadas do modo como a

modernidade a viu. Certamente Hadot não é o único a nos oferecer essa contribuição.

Na modernidade, com o surgimento das tecnologias6 e do desenvolvimento da ciência a

educação se reduziu a uma abordagem estritamente científica. O campo pedagógico

passa a ser dominado pelas ciências psi, pela sociologia, pela administração, e por toda

sorte de ciências, que não raro, são marcadas por um pragmatismo científico ou por uma

instrumentalização da razão. Não é de se surpreender que a filosofia, aquele saber

“inútil” que está às voltas por mais de 2.500 anos com problemas insolúveis, tenha se

retirado desse campo. No Brasil, no entanto, a educação nas últimas décadas, sobretudo

a partir da República nova, tem sido um objeto da mais alta nobreza para os filósofos

sensíveis ao ensino. A educação por muito tempo desprezada por ser “coisa de

pedagogo” hoje surge no horizonte dos estudos filosóficos como um tema que abriga

inúmeros pesquisadores importantes e volumosas obras. Os filósofos “apesar de

4 Cf. Ibidem, p. 16.

5 Ibidem, p. 64. Itálico meu.

6 A tecnologia não é uma invenção moderna. A pedra lascada é uma tecnologia, a humanidade só

subsistiu até hoje porque os Antigos desenvolveram técnicas que permitiram a continuidade da vida

humana sob a terra. Quando falamos do surgimento de tecnologias nos referimos a transformações

tecnológicas levadas a cabo pela ciência do fim do século XIX até o pós-guerra , no século XX. Trata-se

da ideia de que o homem domina a natureza de tal modo que cabe às tecnologias perpetuar esse domínio.

A fé na ciência fez surgir tecnologias que depois estarão dentro da educação, como o computador, etc.

8

expulsos do terreno da educação pelos novos ‘cientistas’, (…) não deixaram de se

ocupar dum problema que desde sempre lhes disse respeito”7.

É na esteira desses novos caminhos para pensar a educação que situo esse

trabalho. Não tenciono dizer que a educação é estritamente uma questão filosófica

simplesmente porque foi desde o início de sua história seu objeto mais íntimo, ao

contrário, o que busco é recusar um discurso unívoco sobre a educação, o que pretendo

em última instância com esse trabalho é recusar uma teoria que definisse de uma vez

por todas a educação, trata-se, com efeito, de dizer que não há um único modelo de

educação8 e que, portanto, não se deve ter um único saber responsável por pensar e

problematizar a mesma.

Se me refiro, junto com Pierre Hadot, que a filosofia é “conversão” é para dizer

que a educação é um problema filosófico, e quero por isso dizer que a educação postula

para a filosofia vários embaraços. O que importa é ir à educação não como um expert

que procura um remédio para seus problemas, mas em ir ter com ela do ponto de vista

da própria filosofia. Naturalmente a palavra “problema” não é aqui usada em sua

significação matemática, ou em seu sentido particular atribuído pela filosofia da

matemática. Queremos dizer por problema algumas complicações, complexidades, que

a educação coloca para a filosofia, isto é, existe na educação certos eventos que tocam

em questões clássicas da filosofia, como o que é a liberdade? O que é o poder? O que é

moral? O que é bom? O que é Justo?

Questões caras para a filosofia e que a educação precisa se confrontar. Ao

tomarmos a educação como um problema filosófico de primeira urgência elencamos

três elementos, três movimentos que se desenrolaram no campo da educação e que afeta

a filosofia. No capítulo primeiro destacamos a relação entre educação e metafísica.

Procuramos mostrar que a concepção de homem como uma entidade universal, que

possui uma essência imutável, presente na educação moderna possui sua origem na

metafísica, sobretudo na metafísica aristotélica. Nesse terreno se trava alguns embates:

se o homem é um ser cuja essência é sempre igual a ela mesma, tem sentido dizer que a

educação possibilita a transformação ontológica desse homem? Se estamos lidando com

uma ideia de homem universal estaríamos realmente dispostos a assumir que existe um

7 KECHIKIAN, 1993, p.7.

8 Ibidem, p.9.

9

único modelo de homem, um único modelo, portanto, de educação? Se a formação é

entendida como a atualização da potencia do educando, e que cabe a educação o

desenvolvimento dessa potência, dessa capacidade – como a LDB/1996 preconiza, não

seria, desse modo, assumir que educação é apenas a atribuição de um predicado, a

passagem em ato de uma potência que jamais se transformará?

No segundo capítulo procuramos lidar com um problema filosófico que toca

diretamente nos objetivos delineados para a educação republicana: a formação para

autonomia e o preparo do cidadão. A autonomia como sabemos é um problema valioso

para a filosofia, um tema do qual grandes homens dedicaram extensas obras. Na

educação existe um reflexo dessa importância na medida em que cabe a ela garantir a

autonomia dos educandos. Para verificarmos esse problema na educação procuramos

mostrar o legado do Iluminismo através do escolanovismo no Brasil. Ampliando a

análise verificamos a presença desse ideal humanista até mesmo nos documentos

educacionais do regime militar. Ao compararmos com os documentos da

redemocratização percebemos que essa mesma categoria de pensamento é usada

indiscriminadamente. Por fim, foi de nosso interesse investigar o alcance que a ética

kantiana possui na educação, não para fazer de Kant nosso adversário, mas para mostrar

as reduções inerentes da ética quando se entende que a ética é uma reflexão sobre as

leis.

No terceiro e último capítulo procuramos analisar a educação quando esta passa

a estar sob as estratégias de um saber biopolítico específico: a economia. Dessa relação

entre economia e educação é forçoso falar da redefinição no campo da educação

perpetrado pelo neoliberalismo. Não estudamos de perto a nova linguagem educacional,

que atribui grande valor a palavras como eficácia, qualidade total, gestão, recursos

humanos; o que buscamos foi apenas mostrar aquilo que uma vasta literatura já tem

mostrado: a educação está sob as injunções da economia e como consequência disso a

formação se reduz a uma preparação para o trabalho. A nossa análise procurou mostrar

que a formação para autonomia, exigida na escola neoliberal, serve aos interesses do

mercado, e que o neoliberalismo, ao passo que pretende reconfigurar a escola

republicana, não deixa de usar, por outro lado, a mesma linguagem, como a autonomia,

o civismo, etc. A educação neoliberal se mascara com o linguajar da escola republicana

que pretendia emancipar o homem para, sutilmente – ou nem tanto assim, torna-lo

subserviente ao mercado e a produção da indústria.

10

Como se vê procuramos analisar a educação em nossa pesquisa do estágio

obrigatório curricular sob a ótica de três objetos: economia, autonomia e metafísica.

Trata-se, de maneira sumária, de investigar três pontos sob o qual a educação sofreu

alguns abalos, reconfigurações e transformações - muitas vezes perniciosas.

Transformações essas que estamos longes de superar, modificações que estamos longe

de conseguir mensurar o seu alcance e sua real interferência numa educação que está

seriamente comprometida com a emancipação do homem.

11

CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO COMO (TRANS)FORMAÇÃO: metafísica no ensino de filosofia.

a) A metafísica aristotélica: a essência imutável do homem.

Sabemos que Platão e Aristóteles se ocuparam com a educação e que ambos são

responsáveis por erigir sistemas metafísicos que ainda hoje faz parte dos monumentos

intelectuais do ocidente. O nosso objetivo nessa seção consiste investigar a natureza de

uma educação que tem seus fundamentos pedagógicos calcados na metafísica,

particularmente a de ordem aristotélica. Pretendemos passar longe de uma pesquisa

qualitativa que avalia os “pontos positivos e negativos” dessa herança. Nossa intensão é

outra: apontar as razões que nos levam a afirmar que a educação tem basilares

metafísicos, para depois pontuarmos algumas limitações de uma educação concebida

apenas como formação. Essas limitações ocorreriam na medida em que a concepção de

formação bloqueasse a transformação do indivíduo e a emergência da diferença nas

escolas. Se no segundo capítulo nos ocupamos com o termo “autonomia”, dediquemos,

então, algumas linhas sobre o conceito de formação.

A educação por ter a possibilidade de desenvolver o sujeito autônomo,

emancipado, livre, está nos centros dos ideais de justiça, igualdade e cidadania. A escola

“corporifica as ideias de progresso”9 e passa a ser responsável, desde a laicização do

Estado, de formar tendo em vista esse ideal de origem Iluminista. É perfeitamente

possível vislumbrar essas exigências em documentos10

que servem como orientações

para a educação como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), a os PCN

(Parâmetros Curriculares Nacionais)11

.

Nesse cenário em que a escola é compreendida como um “laboratório” da

cidadania, isso quando não é vista como uma fabrica se produz em larga escalas homens

que se arrogam possuir uma “formação”. Nos projetos educacionais o percurso

9 TADEU, 1996, p.251.

10Observamos especialmente esses ideais presentes no PPP (Projeto Político Pedagógico) do CEPAE

(Centro de Ensino Aplicado a Educação). O documento revela uma atenção para a formação da

construção da emancipação humana”10

, pois, para a instituição, essa é a via para “transformar a

realidade”. O documento também postula a necessidade de construir uma “práxis histórica”10

para formar

“sujeitos autônomos para a emancipação humana, artífices da liberdade na construção de uma sociedade

democrática e justa”10

. Como se vê a educação tendo em vista a formação para a autonomia, a liberdade

que é por sua vez a condição necessária para a “construção de uma sociedade democrática e justa” é

bastante valiosa para a instituição 11

Esses ideais estão também presentes em todas as pautas políticas, desde a extrema esquerda à extrema

direita.

12

pedagógico a ser trilhado já está previamente definido, haja vista que existe uma

finalidade determinada a ser alcançada através da educação. Tal finalidade só pode ser

alcançada pela concepção de educação como formação. A natureza transcendental da

concepção de formação, que está amparada por uma metafísica, tem em vista apenas a

finalidade bem programa e definida da educação. “É portanto uma ideia

fundamentalmente teleológica”12

.

Podemos visualizar um exemplo que demonstra que a educação tem seus

fundamentos na metafísica. O primeiro exemplo pode ser encontrado na metafísica

aristotélica. A educação como formação é uma atualização da potencia do individuo.

Quando se atualiza uma potência ela passa a existir em ato. Cada vez atualizada sua

potência, que é indeterminada, é transformada em ato, que é determinado. Trata-se de

dar forma a uma potência disforme. Alcança-se o que seria uma “sólida formação”, que

é fixa, determinada, acabada. Por exemplo, uma pedra de mármore que em potência

poderia ser transformada em inúmeras coisas ao ser transformada pelo artífice (causa

eficiente) em estátua (ato) adquire essa “sólida formação” que é determinada pela forma

(causa formal). Inúmeras possiblidades e transformações são tolhidas. Processo

semelhante ocorre durante o percurso pedagógico. Por exemplo: quando “alguém se

torna violinista (em ato) atualizando suas habilidades musicais (potenciais) por meio do

hábito ou da aprendizagem”13

. Ou seja, a educação seria o artífice (causa eficiente) que

promove a passagem da potencia do violinista em ato, que é o ato de tocar violino14

.

Assim esse “alguém” não poderia ser outra coisa que músico.

A ideia de formação tem em si mesma a ideia de transformação na medida que

se trata de habilitar um sujeito de certas capacidades15

. Porém trata-se de uma

transformação que é em última instância atinge uma formação acabada e fechada. Como

aponta Silvia Rocha, “isso só é possível porque há algo que não se transforma – o

sujeito”16

. Ora, se existe uma transformação, pois, antes não se sabia tocar violino e

depois da aprendizagem passa-se a tocá-lo, a formação ainda persiste porque tem algo

que não se transforma, que é a essência. A essência faz com que o sujeito permaneça o

mesmo, logo o sujeito adquire conhecimento, isto é, a técnica de tocar violino, porém

não se transforma. Ou seja, o sujeito aprende a tocar um instrumento e, no entanto,

12

ROCHA, 2006, p.268. 13

Ibidem, P.268. 14

Cf. Ibidem, p.268. 15

Cf. Ibidem, p.269. 16

ROCHA, 2006, p.269.

13

continua o mesmo, continua idêntico a si mesmo. Processo semelhante ocorre nos

processos pedagógicos na medida em que depois de um trajeto educacional o sujeito é

dotado de conhecimentos e permanece o mesmo, sem ter adquirido qualquer

experiência, experiência entendida como modificação de si mesmo.

O processo que ocorre no sistema metafísico segue os mesmos passos que os

processos pedagógicos, se chamarmos de pedagogia, junto com Foucault, de

“transmissão de uma verdade que tem por função dotar um sujeito qualquer de aptidões,

capacidades, saberes, etc., que ele antes não possuía e que deverá possuir no final dessa

relação pedagógica”17

. Essa “relação pedagógica”, diz Foucault, “consiste em dotar um

sujeito qualquer de uma série de aptidões previamente definidas”18

. Interessante notar as

últimas três palavras “aptidões previamente definidas”. No sistema metafísico de

Aristóteles essas aptidões definidas anteriormente, através da essência, que “é aquilo

que faz com que a coisa seja o que é”19

, é chamada de “potência”.

Contrapondo-se a uma filosofia do sujeito constituinte20

que concebe que o

individuo é dotado de uma essência, de uma essência imutável e universal, que o sujeito

já está dado e por isso não é necessário ser constituído21

, é que Foucault irá recusar a

existência de uma essência, realizando, a contrapelo da tradição metafísica, uma

“genealogia do sujeito moderno”22

através da compreensão de que o sujeito não é um

dado a-priori, de que ele não está dado no início, que sua constituição se dá no interior

da “trama da história”. Esse empreendimento foucaultiano procura abrir espaços para a

transformação de si. É nesse sentido que diz Foucault: “esforcei-me por sair da filosofia

do sujeito por meio de uma genealogia do sujeito moderno, que eu abordo como uma

realidade história e cultural; ou seja, como alguma coisa que é suscetível de se

transformar”23

.

b) Cuidado de si: por uma transformação de si mesmo

Tomemos como exemplo o conceito de cuidado de si foucaultiano. O cuidado de

si assume duas principais formas, a socrático-platônica e a helenística. O cuidado de si

se desenvolveu ao longo de quase mil anos, da antiguidade clássica até a alta

17

FOUCAULT, 2011, p.366. 18

Ibidem, p.366. 19

MARCONDES, 2010, p.73. 20

“É preciso se livrar do sujeito constituinte. É preciso do próprio sujeito, isto é, chegar a uma análise que

possa dar conta da constituição do sujeito na trama da história”. FOUCAULT, 2014, p.43. 21

NOTO, 2009, p.15.

23

FOUCAULT, apud, NOTO, 2009, p.16.

14

espiritualidade cristã no século quarto da nossa era. O cuidado de si não é uma atenção

para o Eu , na tentativa de decifrá-lo. Trata-se antes de um conjunto de práticas que tem

em vista modificar a si mesmo, corrigir a si mesmo. O cuidado de si, sobretudo em seu

modelo socrático-platônico envolve a noção de formação de si, uma formação de si que

tem em vista habilitar o individuo que pretende ser governante, no entanto, até mesmo

aí, existe a concepção de uma formação inacabada. O cuidado de si helênico radicaliza

essa aspecto, vejamos uma formulação de Sêneca que é elucidativa: “Só na morte me

darei conta do progresso moral que pude fazer no decurso de minha vida. Espero o dia

em que serei juiz de mim mesmo e saberei se minha virtude está nos lábios ou no

coração”24

. Ou seja, a formação é inacabada e se estende até a morte. É, portanto, nesse

aporte filosófico que buscamos fundamentar as bases de uma educação para

transformação que é anti-metafísica quando procura recusar a ideia de que o homem

possui uma essência imutável.

Através das práticas de si, que compõe os exercícios espirituais adotados por

aquele que cuida de si mesmo, é que o filósofo francês irá investigar na cultura antiga os

modos de constituição ativa do sujeito no interior da cultura e da história. Diz Foucault

na ocasião de uma das suas estadias no Brasil:

Seria interessante tentar ver como se produz, através da história, a

constituição de um sujeito que não é dado definitivamente, que não é

aquilo a partir do qual a verdade chega à história, mas um sujeito que

se constitui no interior mesmo da história, e que é a cada instante

fundando e refundado pela história. (FOUCAULT, 2002 . p. 10).

Para Foucault a noção de homem se modificou ao longo da história, por isso não

teria sentido uma educação que se pautasse em universalidades, pois não se tem uma

única noção de homem, afinal, ele transforma a si mesmo a todo tempo. Diz Foucault:

Ao longo de sua história, os homens nunca deixaram de se construir,

ou seja, de deslocar continuamente suas subjetividades, de se construir

dentro de uma série infinita e múltipla de subjetividades diferentes,

que nunca terão fim e que nunca nos colocará na frente de uma coisa

que seja o homem. (FOUCAULT, apud, NOTO, 2009, p.136.).

A recusa em conceber um sujeito sempre idêntico a si mesmo, e que é

constituído por uma essência imutável, lançaria então bases para uma educação

entendida como transformação. Para Foucault o sujeito é constituído de maneira

diferente ao longo da história e esse seria a razão de sua filosofia ser uma ontologia

histórica de nós mesmos. Para a filósofa argentina Esther Díaz a filosofia de Foucault é

uma ontologia histórica de nós mesmos porque “se ocupa dos entes, da realidade, do

24

SÊNECA, apud, FOUCAULT, 2010, p.431.

15

que ocorre. Histórica, porque pensa a partir dos acontecimentos, de dados empíricos, de

documentos”25

. Para que essa filosofia encontre, na relação do individuo consigo

mesmo, com a história e com a cultura, os pressupostos de uma filosofia com aberturas

para a transformação de si é necessário antes desqualificar a compreensão metafísica de

essência. Embora Foucault não se dedique sistematicamente em refutar esse conceito

presente na metafísica, na fenomenologia, sobretudo na filosofia francesa do pós guerra,

algumas passagens de sua obra deixa entrever sua hostilidade em relação a esse

conceito: “atrás das coisas há ‘algo inteiramente diferente’ não seu segredo essencial e

sem data, mas o segredo que elas são sem essência, ou que sua essência foi construída

peça por peça a partir de figuras que lhe eram estranhas”26

.

Foucault se interessa por estudar as práticas de si27

por perceber que elas

possibilitam realizar um procedimento inverso ao sistema metafísico. Se para a

metafísica trata-se de atualizar a potência para, em ato, o sujeito ser dotado de uma

forma, que é idêntica a própria essência, ou seja, não existe transformação, para

Foucault as práticas de si requer uma transformação dos indivíduos por eles mesmos.

Requer portanto uma nova relação de si consigo mesmo.

Esse trabalho ético do indivíduo sob si mesmo é por natureza anti-metafísico e

anti-pedagógico. Ora, esse trabalho rigoroso de si consigo não se interrompe ao término

de um ciclo, não tem por finalidade ajustar-se ao tempo de formação exigido pelas

instituições de ensino. É preciso “educar a si mesmo ao longo de toda a vida e, ao

mesmo tempo, viver a fim de educar-se”28

. A educação como transformação jamais

seria institucionalizada porque ela requer uma constante mudança daquilo que se é, um

deslocamento incessante dos parâmetros. Essa é pois a própria concepção do que é a

25

DÍAZ, 2012, p.01. 26

FOUCAULT, 2014, p.58. 27

Foucault entente as prática de si como procedimentos, técnicas, práticas realizadas tendo em vista a

constituição da subjetividade. Essas práticas se referem a diversos trabalhos de si sobre si mesmo que os

indivíduos realizam a fim de se constituírem como sujeitos. Exemplos dessas práticas podem ser

encontradas em diversas passagens da obra de Foucault. Destaquemos um exemplo: Na obra História da

sexualidade- O uso dos prazeres, Foucault desenvolve quatro categoria para analisar a constituição do

individuo como sujeito desejante. Trata-se da aphrodisia, chrésis, enkrateia, e dietética. A enkrateia por

exemplo é constituída por um conjunto de procedimentos par alcançar o domínio de si. Essas práticas são

constituintes do cuidado de si. O cuidado de si poderá ser apresentado como um modo de vida pois

envolve uma escolha do modo como se vive. O cuidado de si, diz Foucault “implica sempre uma escolha

de vida, isto é, uma separação entre aqueles que escolheram esse modo de vida e os outros”.

(FOUCAULT, 2010, p. 102). Hadot chamará essas práticas de si de exercícios espirituais, quando se

tratar de procedimentos mentais. Existe uma convergência entre Hadot e Foucault nesse ponto, no entanto

existem severas distinções. 28

FOUCAULT, 2010, p.395.

16

filosofia para Foucault: um esforço para pensar o que não foi pensando, para pensar de

outra maneira, para, enfim, tornar-se diferente do que se é.

A transformação de si, ou para Foucault, a “transfiguração” de si, será sempre

provisória, inacabada, jamais poderia se arrogar de ser ciência, jamais estaria submetida

a saberes científicos como a pedagogia, por exemplo, entendida como ciência da

educação. Ora, esse cientificismo pedagógico que se orgulha em cumprir metas, de ser

ciência, que se satisfazem no cumprimento do cronograma mais do que na atividade que

se desenvolve, jamais seria substituída por uma educação comprometida com a

transformação de si.

O descaminho, a experimentação do desconhecido é justamente aquilo para o

qual a educação como transformação se volta. Esse é pois um ensinamento de

Zaratustra: “Por variados caminhos e de várias maneiras cheguei à minha verdade. […]

Este agora é o meu caminho; onde está o vosso? – assim respondia eu aos que me

perguntavam ‘o caminho’. Porque ‘o caminho’, na verdade… o caminho não existe”29

.

O percurso pedagógico que dota o sujeito de conhecimento no interior da

formação é convertido em benefícios psicológicos e sociais. Mas de “que valeria a

obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de

certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece?”30

O

estudante ao jogar o jogo da formação não aceita se perder daquilo que o cerca, não

aceita demoras, não aceita perder-se. Os desacertos da vida, os atrasos não são

permitidos. É necessário chegar ao fim do processo educativo pontualmente e

conhecendo a si mesmo, reconhecendo-se como um sujeito autônomo, crítico, e

emancipado. Ao fim desse processo, como se depois de um ciclo a autonomia estive

absolutamente pronta e acabada, o indivíduo mergulhará num profundo esquecimento

de si mesmo, negligenciando que precisa cuidar de si mesmo, tal como Alcibíades que

ignorava a ignorância que lhe abatia.

A nossa intensão jamais seria lidar com a obra de Foucault como se suas

pesquisas fossem um programa educacional. Pretendemos menos ainda fazer de nossa

pesquisa uma proposta pedagógica. Contudo, encontramos nas pesquisas realizadas por

Foucault sobre a moral greco-romana um rico aporte teórico para pensar uma educação

que não seja apenas formação. Nosso interesse é contrapor a concepção de educação

como formação com a concepção de educação como transformação, mas não para

29

NIETZSCHE, 2011, p.226. [Parte III, “Do espírito de gravidade”, seção II.]. 30

FOUCAULT, 2014, p.13.

17

desqualificar a primeira. Apenas buscamos apontar algumas limitações de uma

educação formal que é institucionalizada e que se arroga de ser a única capaz de

modificar o indivíduo e a realidade. Uma educação para transformação não precisa

distanciar-se de uma educação para formação, e por outro lado, não precisa estar

necessariamente restrita ao espaço da sala de aula, aos horários escolares. Na verdade a

ideia de que a educação é uma transformação de si foi, num dado sentido, banalizada na

pedagogia moderna, no entanto, a transformação que se faz no interior das práticas de si

é de outra natureza. A educação como transformação de si mesmo que podemos ver

desenvolvida na Antiguidade através do cuidado de si jamais seria institucionalizada,

está fadada a permanecer nos porões da cultura ocidental. A marginalidade dessa ética

jamais agradaria aos que entendem que a formação é um dado acabado, ou que é um

processo contínuo, através da formação continuada. Esse ideia de continuidade que se

tornou um dogma na pedagogia neoliberal não visa na verdade transformar a si mesmo,

ela tem por objetivo dotar o sujeito de uma flexibilidade, de ensiná-lo a prender para

continuar aprendendo, para que assim o mercado esteja sempre renovado, para que o

empresariado esteja sempre alimentado da tão sonhada “inovação”. Essa continuidade

da formação pregada na atual pedagogia quer apenas formar o homem flexível, daí, não

há surpresa, de que o mercado trate a flexibilidade como uma virtude. Continuar

aprendendo, adaptar-se, inovar: dogmas da escola moderna; dogmas da economia

neoliberal.

18

CAPÍTULO II

CRÍTICA AO ATUAL MODELO DE FORMAÇÃO PARA AUTONOMIA:

Iluminismo e educação.

a) A herança do Iluminismo: a promessa de autonomia

No século XX, a partir da constituição federal de 1988, com o artigo 208, a

Educação, juridicamente, passa a ser direito de todos e dever do Estado. Reconstruir os

processos políticos que levaram a definir a educação como uma responsabilidade do

Estado requereria uma pesquisa longa e exaustiva. No entanto, é pertinente aqui,

mencionar um fenômeno decisivo nesse processo histórico. Trata-se do escolanovismo.

Esse movimento, que pretendia renovar o ensino soterrando o modelo educacional

jesuíta, foi responsável por inserir na educação brasileira diversos elementos da tradição

iluminista. A escola carrega, pois, em suas práticas, ideais iluministas. Algumas teses

desse movimento não deixam dúvidas: o princípio da igualdade subjacente à tese de que

a educação tem uma função social para promover essa igualdade; a ideia de que a

educação é responsável para o pleno exercício da democracia e da cidadania31

. Com a

institucionalização do ensino, a expensas do Iluminismo, a escola torna-se uma

instituição na qual todos apostam quando o assunto é a transformação social e

intelectual. As salas de aula tornam-se a linha de montagem da cidadania, do indivíduo

autônomo, crítico e ético. Basta uma rápida olhada em qualquer PPP de escola pública

que facilmente veremos categorias do pensamento iluminista sustentando o discurso

pedagógico. Dificilmente uma escola, ou um discurso político, seria bem aceito caso

não defenda as teses acima referidas.

A nossa pesquisa no estágio III levará em consideração o nascimento da escola

moderna, sob a égide do Iluminismo, quando perguntávamos em 2014: Como a

biopolítica, torna possível, nas instituições escolares, o governo da vida? Ora, se a

escola moderna foi fundada em teses que prezam tanto a liberdade, como foi possível

essa mesma instituição absorver técnicas de governo biopolítico que procuram governar

o corpo, a vida, a conduta de uma população? O nosso trabalho não busca, a partir dessa

interrogação, comprovar a validade da tese de que a escola, na contemporaneidade,

31

Pode-se remontar a inserção do liberalismo econômico na educação através da Escola Nova.

Reconstruir esse fenômeno resultaria numa pesquisa relevante para compreendermos as raízes da

mercantilização do ensino que nos interpela a todo o momento.

19

passou a funcionar com o esteio de técnicas surgidas no interior da biopolítica. Fizemos

dessa pergunta um axioma porque, afinal, comprovar essa tese não foi o objeto da

pesquisa. O nosso axioma teve como substrato32

discutir a compreensão de Foucault do

que vem a ser a governamentalidade33

. Para o filósofo, governamentalidade é um

32

Substrato enquanto um terreno que nutre e sustenta o axioma. 33

Governamentalidade não é o mesmo que biopolítica e biopoder; muita confusão tem surgido entre esses

termos, sobretudo depois que o termo biopolítica passou a fazer parte dos mais variados jogos de retórica,

onde se mantêm a performatividade e se esvazia o rigor semântico. Tanto a biopolítica e a

governamentalidade possuem como objetivo o governo das populações. Para Veiga-Neto, Foucault

“refere-se à biopolítica como a política que trata da vida das populações, ou seja, a política que tem como

interesse e preocupação principais a própria vida das populações, em termos de governá-las em função do

binômio saúde-morbidade, bem como no que concerne à sua higiene, alimentação, natalidade,

mortalidade, sexualidade, longevidade, fecundidade, casamentos etc. Em íntima articulação com o

surgimento dos Estados modernos, dos saberes estatísticos e com a ideia de população como um

organismo vivo, a biopolítica toma a vida humana como o próprio objeto da política; ela promove a

distribuição das ações de governamento dos (e sobre os) indivíduos que compõem uma população, no

âmbito da vida. Sendo assim, o conceito foucaultiano afasta-se da conotação organicista que, até a época

de suas investigações, outros autores haviam atribuído à biopolítica”(Veiga-Neto, 2014, p.37). Embora

a população como objeto do governo esteja presente na biopolítica e na governamentalidade, não

podemos dizer que esses dois termos significação a mesma coisa. Para complicar ainda mais as coisas,

biopoder, em um dado sentido, é sinônimo de biopolítica e, por outro lado, pode significar outra coisa,

como, por exemplo, o acoplamento entre um poder sobre a vida que é totalizante, e um poder sobre o

corpo que é individualizante. Vejamos primeiramente a relação entre governamentalidade e biopolítica,

para, depois, verificarmos a relação entre biopolítica e biopoder. Foucault entende por

governamentalidade “o conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises e reflexões, os

cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma bem específica, embora muito complexa, de poder

que tem por alvo principal a população” (FOUCAULT, 2008, p.143). Temos aí, imbricada nessa

formulação, a tese de Foucault que consiste em dizer que a sociedade ocidental não foi estatizada, mas o

Estado é que se tornou governamentalizado, isto é, um Estado que se configura sob as técnicas da

governamentalidade no esteio do dispositivo de segurança e no da economia política. O conceito de

governamentalidade em Foucault permite analisar as artes de governar que surgiram no século XVIII.

Entre essas artes podemos ver, primeiramente, o surgimento do Estado de polícia, posteriormente a razão

de Estado, e logo depois, no limiar do século XVIII, a biopolítica. A governamentalidade seria a forma de

governo, e a biopolítica seria o conteúdo que preenche essa tática de governar os homens. O que confere

conteúdo à governamentalidade, a biopolítica, está marcada por uma governamentalidade liberal e

neoliberal. Essa é, inclusive, a tese que dá corpo ao curso “Nascimento da biopolítica”: estudar o

liberalismo como quadro de análise da biopolítica. Essa tese tem como argumento a polêmica formulação

que dizia que só depois de compreendermos o que é o liberalismo é que compreenderemos o que é a

biopolítica. Desse modo, esse valioso curso de Foucault provoca um deslocamento. Passa-se da análise da

biopolítica para uma análise do liberalismo clássico, do neoliberalismo alemão e americano. Modifica-se

radicalmente a rota do curso sobre a biopolítica, como diz Foucault, o que deveria ser a introdução

tornou-se o objeto pelo qual o curso foi inteiramente consagrado. (Para uma análise mais detalhada da

governamentalidade deve-se consultar o artigo “A governamentalidade política no pensamento de

Foucault” – CANDIOTTO, C., 2010). Parte do processo de compreensão da filosofia de Foucault consiste

em limpar o campo das mais variadas confusões que se tem feito com sua obra, sobretudo depois de sua

popularização no Brasil na última década. Uma dessas tarefas é a distinção entre biopolítica e biopoder. O

biopoder em um sentido amplo comporta dois momentos: a anatomo-política do corpo humano, que

captura o corpo para fazê-lo produzir mais e melhor, submetendo-o a disciplinas que fabricam indivíduos

dóceis e úteis, e, no segundo momento, trata-se de uma biopolítica da população, ou biopolítica da

espécie humana, que comporta a administração da saúde e de eventos como a morbidade, a natalidade

que, por sua vez, aparece como o campo de intervenção do biopoder. Nesse sentido amplo, a distinção

entre os dois termos repousa na compreensão de que o biopoder opera um ajustamento entre a anatomo-

política do corpo humano e a biopolítica da população (O governo do corpo e o governo da vida). O

sentido estrito desse termo é usado por Foucault como sinônimo de biopolítica. Nesse último sentido

Foucault se utiliza de biopoder sem qualquer distinção com o termo biopolítica, os dois termos tornam-se

20

conjunto de instituições, de procedimentos, de reflexões, que tem como alvo o governo

da população. Tal técnica de governo dos homens funciona, em sua mecânica, com um

saber e um dispositivo. Trata-se dos suportes da economia política e do dispositivo de

segurança.

Em nossa experiência do estágio IV, procuramos analisar os princípios que

regem o PPP da escola campo34

. Por que remontar a esses elementos - autonomia e

civismo - erigidos no Iluminismo, já tão bem aceitos na educação, como objeto de nossa

análise? Poderíamos supor aí que se trataria de uma pesquisa que procura desmontar a

validade da autonomia na formação escolar, por exemplo? Nada estaria mais distante

dessa formulação. Não se trata de tentar limpar o campo educacional do pensamento

iluminista. Preferiria aqui falar que nossa pesquisa busca apenas levantar uma suspeita.

É necessário suspeitar das intenções do Estado quando elabora diretrizes escolares de

formação para a autonomia, para a ética e o exercício do pensamento crítico, tal como

podemos ver no artigo 35 da LDB/1996. Michel Foucault já nos deu motivos para

suspeitar, ele dizia, por exemplo, que quando o Estado passa a se preocupar com a saúde

física e mental da população é quando se passa a perpetrar os maiores massacres. É,

ainda, sob o signo dessa suspeita, que precisamos retornar à formação para autonomia

enunciada no discurso político sobre a educação.

Nesse sentido, é preciso examinar o que ocorre no campo da educação quando

esta se torna estatizada e normatizada por diretrizes que buscam fabricar um sujeito

autônomo. Se a autonomia e a preparação do cidadão são exigências da democracia e o

Estado passa a se ocupar com elas, não é de se suspeitar que “o poder aproveita-se dessa

situação”35

?, ora, ele não tira “proveito da derrota de um ideal humanista de educação”?

Não parece que o Estado se utiliza ainda desse ideal humanista de educação germinado

no Iluminismo para bloquear o surgimento de uma educação comprometida com a

emancipação? A apropriação que o Estado faz desse ideal humanista parece estar mais

fortemente comprometido com os interesses de uma elite burguesa cujo destaque é os

empresários e industriais. Nessa direção vemos, por exemplo, diversos estudos

argumentando que o funcionamento da educação, quando o Estado entende que ela deve

estar a serviço da economia, irá se assemelhar cada vez mais ao modo de funcionamento

correlatos de um mesmo fenômeno histórico-político. Para realizarmos tais distinções nos servirmos

aqui, em parte, das ricas pesquisas de Edgardo Castro (2012).

34

CEPAE 35

LEFORT, 1999, p.221. (Pergunta nossa).

21

das empresas36

. Esse é um terreno que ainda não se esgotou e que bate à nossa porta nos

desafiando a tomar uma atitude crítica e política diante da tentativa de instalar, na

educação pública, um modelo de “gestão compartilhada”: as Os’s.

Ora, se o Estado deseja a formação de um dado tipo de indivíduo, nada melhor

do que ter a escola como laboratório. A escola “produz de forma programada e eficaz, o

maior número possível de cidadãos esclarecidos e ativos, úteis à sociedade e às suas

funções específicas”37

. Essa instituição torna-se, portanto, o alvo de qualquer discurso

político e de qualquer discurso que busque defender a valorização da carreira docente. A

escola, ao corporificar os ideais de progresso38

, torna-se vetor das mais variadas

artimanhas políticas. É, portanto, nesse sentido, que julgamos necessário sustentar

filosoficamente nossa suspeita. Afinal, a quem serve um cidadão crítico, autônomo e

ético? Para Rosa Dias, “tal autonomia nada mais é do que domesticação do aluno para

torná-lo uma criatura dócil e submissa aos interesses do Estado e da burguesia”39

.

Explica Silva: “o ensino, a educação e a cultura tornaram-se subservientes aos dogmas

da economia política e do estado, à educação cabendo preparar homens dóceis para

servi-los”40

.

A escola como laboratório do soberano coloca em funcionamento projetos

políticos, muitas vezes, perniciosos para uma formação escolar com vistas à autonomia,

à cidadania, à crítica e à ética. Aqui se faz mister recorrermos a um exemplo histórico

para clarificarmos esse argumento. Mais adiante aproveitaremos o desdobramento desse

exemplo para ampliar nossa suspeita, desenvolvendo, sumariamente, uma análise da

LDB/1996, OCN-vol.3, Decreto-Lei 869/1969, e a LDB/5.692/1971, a respeito da

formação para a autonomia a partir do que esses documentos entendem por “ética”.

b) A preparação do cidadão: a aposta da LBD de 1971 e 1996

36

Consultar: SILVA, 2012; TADEU, 1996; LAVAL, 2004. 37

KECHIKIAN 1993, p.8. 38

Diz Tomaz Tadeu (1996, p. 251): “a escola corporifica as ideias de progresso”. 39

DIAS, 207, p. 267. Não é só a educação que se deixou enfeitiçar pela força da economia, a sociedade

inteira, depois da revolução industrial, aposta no desenvolvimento técnico que está associado à economia

Comenta Germano: “O desenvolvimento técnico/científico, associado às pujantes forças econômicas do

industrialismo, foi encarado, notadamente, a partir do século XIX, como uma grande esperança de

redenção da sociedade humana que, certamente, se veria livre dos seus males sociais, em decorrência do

progresso garantido e inevitável, tornando inexorável essa marcha para frente, como se fosse uma lei

natural” (GERMANO, 2008, p. 87). 40

SILVA, 2012, p. 56.

22

Elegemos aqui, como exemplo dos jogos de forças que permeiam a educação, o

período político do Brasil em que fomos governados pelo militarismo. Ao tocarmos no

regime militar, podemos trazer à discussão a definição que se tinha e que temos do que

é o ensino médio, e, com efeito, um assunto que nos interessa ainda mais de perto: a

retirada do ensino de filosofia do currículo escolar. Dois objetos que nos servem de lupa

para analisar alguns documentos. Desde já, convém ressaltar, que a nossa pesquisa no

Estágio IV não procura dar conta da discussão que procura estabelecer a finalidade do

ensino médio41

, nem procuramos reconstruir os motivos que suscitaram a exclusão da

disciplina de filosofia do currículo obrigatório. Tomemos esses dois fenômenos que

estão interligados com a ditadura militar, como um procedimento de análise dos

interesses do Estado em formar para a autonomia, a moral, o civismo, etc.

O regime militar, como sabemos, implementou reformas sociais em várias

dimensões, na economia, na ciência, na educação. O projeto de desenvolvimento

econômico, visto como a solução para problemas políticos que antecederam o golpe,

estava intimamente atrelado ao projeto de reforma educacional. Estabeleceu-se, a partir

daí, uma aliança pérfida entre a educação e a produção capitalista. Tornou-se necessário

a formação de uma massa operária que alimentasse as fábricas42

para levar a cabo a

realização do projeto econômico. Daí vem as reformas no ensino médio e a sua

pretensão de profissionalização43

.

Nesse ínterim, entre as reformas educacionais e econômicas, a filosofia aos

poucos, de 1961 a 1971, vai sendo afastada do ensino médio44

. Mencionamos esse

41

Para uma discussão mais apurada sobre o ensino médio deve-se conferir: KRAWCZYK, Nora, 2011. 42

A ideia de que o Ensino médio seria uma fase escolar terminal, que após essa fase o aluno estaria

“pronto” para ingressar no mercado de trabalho, faz parte de uma formação para o trabalho que, inclusive,

ainda está presente sem maiores esclarecimentos nos documentos educacionais de 1996. Essa

compreensão do que seja o ensino médio busca, em última instância, inserir a mão de obra na indústria e

conter o fluxo de alunos para a universidade. Desse modo, a universidade se tornou um recinto dos

negócios cujos frequentadores fazem parte da elite econômica brasileira. 43

Para um estudo mais apurado da educação brasileira nesse registro histórico, conferir o livro “Estado

militar e educação no Brasil” de José Germano. Destacamos aqui um trecho sobre a reforma educacional

no ensino médio: “A reforma educacional do Regime foi particularmente perversa com o ensino do 2º.

grau público. Destruiu o seu caráter propedêutico ao ensino superior, elitizando ainda mais o acesso às

universidades públicas. Ao mesmo tempo, a profissionalização foi um fracasso” (GERMANO, J. apud

ALVES, D. 2014, p. 52). 44

Em 1971, a lei 5.692, artigo 4, inciso 1, definia que o conselho federal fixaria quais disciplinas fariam

parte do “núcleo comum” do currículo, que, por sua vez, eram obrigatórias. Nesse mesmo artigo foram

definidas algumas disciplinas que passariam a compor o núcleo optativo. Esse núcleo seria

“diversificado” com vistas a atender as particularidades de cada região. Temos aí o terreno preparado -

por meio de ferramentas ideológicas, para inviabilizar o ensino de filosofia. Se esse documento é dúbio

em relação à filosofia é, por sua vez, muito explícito em relação às disciplinas do currículo obrigatório. É,

então, que no parágrafo 7, é criada a disciplina “educação moral e cívica”. Uma disciplina importante

23

fenômeno para lembrar que a mesma lei 5.692/71, que reformava a LDB e “expulsava”

a disciplina de filosofia, instituía, por outro lado, as competências necessárias para o “1º

grau” e o “2º grau”. Observemos o tratamento que esse documento confere à

cidadania enquanto objeto e objetivo do ensino médio. No artigo primeiro vemos o

objetivo dessas duas fases escolares: “proporcionar ao educando a formação necessária

ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,

qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”45

.

Guardemos na memória, por um instante, esses objetivos para verificar alguns objetivos

delineados para a educação no ensino médio, na LDB de 1996. Mencionemos, por

exemplo, o Artigo 35 dessa lei que marca a reforma educacional brasileira no período

de redemocratização. Destaquemos o inciso 2 e 3: “2. A preparação básica para o

trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de

se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento

posteriores; 3. O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a

formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento

crítico”46

.

O “desenvolvimento” das habilidades do educando, ou de suas

“potencialidades”, presente na lei de 1971 do regime militar, parece tocar próximo ao

que entende a LDB de 1996, quando diz, de modo muito incerto, o que seria o

“aprimoramento” do educando “como pessoa humana”. Com esses dois documentos em

vista, percebe-se outros elementos que persistiram, mesmo depois da trágica experiência

ditatorial brasileira, elementos esvaziados de qualquer precisão conceitual, ou sem

qualquer detalhamento, tais como a qualificação para o trabalho e a formação para a

cidadania. Pode-se, a partir do nosso comentário, objetar que o trabalho com os

conceitos e o rigor conceitual é coisa da filosofia, sendo dispensável para o âmbito

jurídico e político. Sem levar em consideração a inocência de tal argumentação

poderíamos, ainda, contra-argumentar que, depois de uma ditadura tão severa como foi

à brasileira, seria no mínimo imprudente continuar usando esses termos sem qualquer

especificação e detalhamento.

É certo que os termos “autonomia” e “pensamento crítico” são inteiramente

novos na política educacional da década de 1990. Afinal, a LDB de 1996 se distancia

para o regime militar, como mostra o documento, pois proibia qualquer “estabelecimento de ensino” de

deixar de ofertá-la. 45

Grifos meus. 46

Grifos meus.

24

bastante de um outro documento importante para o regime militar, o decreto-lei, de

número 869, de 12 de setembro de 1969. O decreto, resultado do “milagre Médici”,

regulamentava a disciplina “educação moral e cívica” que, dois anos mais tarde,

figuraria na LBD/1971. No artigo 2 é delimitado seus objetivos. Destaquemos a letra

“h”: “o culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na

comunidade”47

. Nota-se aí um distanciamento entre o decreto-lei de 1969 com a LDB

de 1996. Se existe esse afastamento, pois a LDB de 1996 não entende a lei como algo a

ser cultuado, não obstante, se impõe mais uma semelhança entre os dois documentos.

Destaquemos mais uma letra: “g”: “o preparo do cidadão para o exercício das

atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva,

visando ao bem comum”48

. Como se vê, mesmo nos documentos cujo afastamento é

muito claro, ainda temos uma semelhança: “o preparo do cidadão”. É aí que a

autonomia, o pensamento crítico e a ética passam a estar a serviço da preparação desse

cidadão. Não queremos supor aqui que a LDB/1996 dá continuidade ao projeto de

adestramento levado a cabo pelo regime militar. No entanto, seria apressado julgar que

exista uma ruptura. Depois de nossa experiência com a ditadura é no mínimo estranho

que a LDB/1996 continue usando uma terminologia, que já aparecia no regime militar,

sem qualquer rigor semântico.

Tomemos, por ora, uma última aproximação entre esses dois documentos.

Enquanto o decreto-lei 869 de 1969 entende que deve-se cultuar a lei, a LDB/1996

procura dar relevo à “formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do

pensamento crítico”. Aqui ainda temos uma aproximação, a própria distinção intrínseca

ao que cada documento entende por “lei” e da sua relação com a “ética”. No livro 82

dos temas transversais, a ética é entendida como a interrogação que se faz pelo modo

como se deve agir diante de uma regra, de um valor e diante do outro. Para o documento

essa é a pergunta central da ética e da moral. Seria falso supor que os documentos

elaborados durante a redemocratização procuram fazer obedecer a lei. Nosso problema

aqui não é pela pergunta: como as pessoas obedecem a lei, sob que forma são levadas a

obedecerem uma autoridade? Atento a uma possível interpretação de que a filosofia

teria por “competência” o mesmo dever que a disciplina “educação moral e cívica”

47

Grifos meus. 48

Grifos meus. A letra “g” do decreto-lei 869 guarda tantas semelhanças com alguns incisos da

LDB/1996 que é preciso aqui especificar.

25

impõe, as OCN de Ciências humanas e suas tecnologias argumentam que não cabe ao

professor de filosofia “incutir” no educando valores morais.49

Se os documentos da década de 90 procuram nos prevenir a respeito desse tipo

de leitura50

, eles preservam, no entanto, um objeto em comum com o decreto-lei do

regime militar: a relação entre “lei” e “moral”. Ambos os documentos se referem à lei e

estabelecem alguma relação com a moral. Um exige que a cultuemos; a outra que

reflitamos sobre ela51

. No entanto, uma concepção comum subjaz essas duas reformas

educacionais: a ideia de que a ética, ou a moral, é um código de valores, um compêndio

onde estão prescritos regras, normas e modelos de conduta52

. Tal interpretação sobre o

que seria a moral não é nova nem original. Como observou Foucault na introdução de O

uso do prazeres: “em certas morais a importância é dada sobretudo ao código, à sua

sistematicidade e riqueza, à sua capacidade de ajustar-se a todos casos possíveis, e a

cobrir todos os campos de comportamento”53

.

c) Para além da ética normativa: por uma ética das relações consigo mesmo

Qualquer ética que não forneça princípios para guiar a razão está fadada a

provocar perplexidades. Diz Jacob Rogozinski: “nossa época está, antes de tudo, em

busca é de uma ética. Mais do que nunca, ela está à espera de uma lei, uma regra, um

critério que nos permitiria julgar, decidir novamente acerca do justo e do injusto”54

.

Kant buscou responder a crise da ética que atingiu a modernidade re-fundando a ética

não mais sob o Bem, mas sob a Lei. A Lei não mais deriva do Bem, sabemos o que é o

Bem a partir da lei55

. A “nova fórmula da moralidade”, acessível a todos, diz

Rogozinski, “aquela cuja introdução Kant se vangloriava, não conseguiu se impor; e a

crise da ética que pensara ter superado não deixou de agravar”56

. Os documentos

educacionais não escondem a herança tributária da ética kantiana, bem como do

49

“Incutir” é a exata palavra usada no documento. Cf. OCN – Vol. 3, 2006, p. 33. 50

É dito na página 26 do OCN-Vol.3 de 2006: “Não se trata, portanto, de a Filosofia vir a ocupar um

espaço crítico que se teria perdido sem ela, permitindo-se mesmo um questionamento acerca de sua

competência em conferir tal capacidade ao aluno. Da mesma maneira, não se pode esperar da Filosofia o

cumprimento de papéis anteriormente desempenhados por disciplinas como Educação Moral e Cívica,

assim como não é papel da Filosofia suprir eventual carência de um ‘lado humanístico’ na formação dos

estudantes”. 51

O livro 82 dos temas transversais sobre Ética diz o seguinte: “A escola deve ser um lugar onde os

valores morais são pensados, refletidos, e não meramente impostos ou frutos do hábito” (p. 56). 52

Duas outras objeções poderiam ser feitas ao tratamento dado ao tema da Ética: o documento realiza

uma “psicologização” da ética, isto é, a tentativa constante de tentar explicar problemas éticos sob a ótica

da psicologia. Outro ponto, recorrente quando se trata desse tema, é a confusão entre os termos “ética” e

“moral”. 53

FOUCAULT, 2014, p.37. 54

ROGOZINSKI, 2008, p.17. 55

Cf. Ibidem, p.17. 56

Ibidem, p. 19. “É esse fracasso do projeto kantiano que convém interrogar”. (Itálico nosso).

26

Iluminismo. O que fazer com uma ética cujo fundamento repousa na lei que o mal

insiste em evocar? Ainda faz sentido falar de uma ética que mantem no horizonte a lei

quando o mal “parece se consumar em nome da lei?”57

Jacob Rogozinski, apesar de ter

procurado mostrar a validade da ética kantiana, se mantêm ácido diante do seu mestre.

Ele interroga: “Será preciso ver o indício de uma deficiência radical da ética kantiana e

de sua lei?”58

.

Para a pensadora Judith Butler, crítica a essa noção de ética normativa, se deixar

conduzir segundo um código de conduta, não é se constituir como um sujeito ético. Diz

ela: “Sem dúvida, conduzir-se conforme um código de conduta não é a mesma coisa que

se constituir como sujeito ético na relação com um código de conduta”59

. Essa

compreensão revela certamente um débito para com a filosofia de Foucault. Para a

filósofa estadunidense, em O uso dos prazeres, Foucault teria deixado claro a

necessidade de “ultrapassar a concepção de filosofia ética que emite um conjunto de

prescrições”60

. Isso não significa um desprezo pelo código moral. Para J. Butler, “essa

ação ética não é totalmente determinada nem radicalmente livre”61

. Desse modo, a

constituição de si mesmo observa o código moral dado em seu terreno histórico,

contudo, não depende deles. Nessa direção argumenta J. Butler: “o ‘eu’ é compelido a

se formar sob moldes que já foram construídos e que estão mais ou menos em

operação”62

. Ela diz ainda: “Não há criação de si fora das normas que orquestram as

formas possíveis que o sujeito deve assumir”63

.

Em Foucault, por exemplo, o que importa é a relação consigo mesmo que um

código suscita. A “ação moral – para Foucault – é indissociável dessas formas de

atividades sobre si”64

. Em Foucault não interessa diretamente a interdição que a lei ou o

código moral estabelece. Isso porque, segundo o filósofo, “a ênfase é dada, então, às

formas das relações consigo, aos procedimentos e às técnicas pelas quais são

elaboradas, aos exercícios pelos quais o próprio sujeito se dá como objeto a conhecer, e

às práticas que permitem transformar seu próprio modo de ser”65

.

57

Ibidem, p. 23. Itálico no original. 58

Ibidem, p. 24. 59

BUTLER, O que é a crítica?, p.166. 60

Ibidem, p.164. 61

BUTLER, 2015, p. 31. 62

BUTLER, O que é a crítica, p. 178. 63

BUTLER, 2015, p.29. 64

FOUCAULT, 2014, p. 36. 65

Ibidem, p.38.

27

Não se trata se substituir um modelo de ética por outro. Não queremos nem

mesmo apontar a pertinência da ética foucaultiana66

. Afinal, aqui nos falta tempo e

habilidade. Se nos referimos a autores que procuraram atribuir outro estatuto para a

ética como Judith Butler e Foucault é para tentar discutir o alcance da ética normativa

na educação. Esses jogos consigo mesmo, presentes na ética de Foucault, é apenas um

apêndice ao lado de enormes tratados sobre a ética67

, e não há problemas com isso.

Talvez seja a marginalidade das relações consigo que interessava a Foucault: “talvez me

digam que esses jogos consigo mesmo têm que permanecer nos bastidores”68

.

A relevância desse novo empreendimento levado a cabo por Foucault está

situado no interior de seu próprio desafio, que, como diz Candiotto, “consiste em fazer

da própria vida e pensamento obras de arte e objetos de elaboração cuidadosa. Talvez o

caminho mais apropriado para esse árduo trabalho artesanal coincida com a tarefa

fundamental da filosofia do nosso tempo: ‘a crítica permanente de nosso ser

histórico’”69

. A constituição de si enquanto sujeito ético ocupa uma “posição

ontologicamente insegura”; insegurança que não é vista com bons olhos aos que

esperam por um princípio que substitua a total perda de referência após o fim da era

teológica, era em que a ética é inseparável dos mandamentos divinos70

. Insegurança

que, para Judith Butler, repousa em “uma deliberação ética que exige a ruptura de

nossos hábitos de julgamento, em favor de uma prática mais arriscada, que faça a arte

prevalecer sobre a coação”71

.

d) A criação de si mesmo ante os constrangimentos históricos

66

Parece-me relevante as objeções feitas sobre a existência de uma ética em Foucault, possivelmente sua

obra não é inteiramente um projeto ético. É necessário discutir com maior cuidado se Foucault propõe ou

não uma ética para a contemporaneidade. Existe, por outro lado, autores que entendem que Foucault

elaborou um modelo de ética, entre eles está o renomado pensador francês Pierre Hadot. (Cf. HADOT,

2014, p.313). 67

Ou seja, Foucault não procurou elaborar tratados sobre a ética. A obra de Foucault, que abriga uma

dúzia de facetas, ao ser comparada com enormes tratados éticos, seria apenas um apêndice. 68

FOUCAULT, 2014, p.13-14. 69

CANDIOTTO, 2013, p.232. 70

Para Lipovetsky, a moral possui uma história, e o filósofo francês a divide em três períodos: a era

teológica – que dura até o iluminismo, a era laica moralista – que vai até o século XX, e por fim, a era

pós-moralista que surge em 1950-60. A fase pós-moralista não significa o mesmo que pós-moral, isto é, a

fase pós-moralista não se refere a um “retorno da moral”, ou a sua derrocada. Significa, para Lipovetsky,

que estamos numa fase onde a moral não é mais austera, autoritária, categórica. Hoje, para o autor, a

moral combina com festa, trata-se de uma moral emocional que se manifesta em ocasiões de grandes

desesperos humanos. É uma moral orientada pela felicidade e pelos direitos individuais. O filósofo

aponta, nessa fase que estamos, um paradoxo: existe exigências de auto-governo ao mesmo tempo em que

as pessoas são estimuladas e impulsionadas pelo exterior. (Cf. LIPOVETSKY, 2004, p.24, 25 e 26). 71

BUTLER, O que é a crítica?, p. 178. (Grifo meu).

28

Como dissemos, Foucault não pretendeu negligenciar a força que a lei

positiva ou natural, a força que a norma aceita numa dada tradição, bem como a

determinação histórica possui na constituição do sujeito ético. Quando Foucault

remonta as duas formas de moral que vimos na última seção, que por sua vez está

localizada num período histórico específico, que é a Antiguidade grega, o filósofo

pretendeu dizer que os gregos se relacionavam com os “códigos de regras” de diversas

maneiras. Cada indivíduo tinha uma maneira de se relacionar com o que estava

estabelecido. E a partir desse aspecto, entra a questão que nos permite analisar como

pode existir um espaço de liberdade mesmo quando existem constrangimentos. Como o

individuo constitui a si mesmo de maneira mais autônoma se a formação de sua

identidade não é indiferente à sua própria tradição? Como o indivíduo constitui a si

mesmo, numa relação que não depende exclusivamente dos poderes e saberes exteriores

a ele?

O que Foucault tenta mostrar com a genealogia do sujeito moderno é justamente

uma maneira de se relacionar consigo mesmo que permite a criação de si, mesmo diante

dos constrangimentos. Foucault observa que o Sujeito mesmo submetido a alguma

sujeição ainda tem a possibilidade de se auto-determinar.

Penso (…) que o sujeito se constitui através das práticas de sujeição

ou, de maneira mais autônoma, através das práticas de liberação, de

liberdade, como na Antiguidade – a partir, obviamente, de um certo

número de regras, de estilos, de convenções que podemos encontrar

no meio cultural. (Foucault, 2006, p.291).

Essa constituição de si de maneira ativa, que traz a ideia de uma dimensão da

subjetividade que é formada a partir de uma nova relação que o sujeito estabelece

consigo próprio, é valiosa ao pensamento de Foucault. Isso porque o filósofo recusa a

ideia de que o Sujeito é o fundamento do conhecimento, de que o Sujeito é um dado

universal do qual já está dado e que não precisa ser construído, como vimos no primeiro

capítulo. Foucault, assim concebe porque o que somos é justamente aquilo do qual

estamos em faces de nos transformarmos. E se temos uma forma, somos então uma

forma em constante formação. Foucault tenta recusar na tradicional filosofia do Sujeito

justamente a noção de essência, já o dissemos. Foucault escapa a filosofia do Sujeito na

medida em que mostra que somos alguma coisa que é passível de transformação. Que a

nossa identidade não está acabada. Que o passado pode ser modificado, desde que

saibamos a maneira como ele foi construído. Que o Sujeito se constitui no interior da

29

trama da história, e que, portanto, depende justamente daquilo que está posto pelos

costumes, pela moral, pela própria cultura. Logo significa que se o sujeito não tem uma

substância universal.

A relação que Foucault estabelece com a tradicional filosofia do Sujeito, que

vem de Descartes a Husserl, mostra que o processo de constituição do Sujeito é

histórico. Por isso, investigar onde ainda é possível nos transformarmos, o que é o nosso

presente e como é possível modifica-lo, questões que estão inseridas dentro da ontologia

crítica e histórica de nós mesmo, é um processo de “filosofar-histórico”. Isso porque é

no interior da determinação histórica que o Sujeito encontrará um “espaço de liberdade

concreto” para se inventar. Do contrário, se o ser do Sujeito fosse inteiramente

constituído pela determinação da história teríamos que aceitar então sua universalidade

ontológica e parece que Foucault, nesse sentido, não está disposto a fazer concessões;

“Penso efetivamente que não há um Sujeito soberano, fundador, uma forma universal de

Sujeito que poderíamos encontrar em todos os lugares. Sou muito cético e hostil em

relação a essa concepção do Sujeito”72

. Ainda nessa questão, pois ela justifica o porque

Foucault toma parte no que ele chama de Ontologia crítica e histórica. Nosso argumento

se encontra na conferência intitulada Verdade e Subjetividade. Nessa conferência

Foucault é incisivo em sua escolha filosófica, e incita a desenvolvermos um outro tipo

de filosofia: “Trata-se de demandar um outro tipo de filosofia crítica (…) uma filosofia

crítica que busca as condições e as indefinidas possibilidades de transformar o sujeito,

de nos transformarmos a nós próprios”73

.

O que está em jogo aqui é a liberdade que o Sujeito tem de se relacionar consigo

mesmo, mesmo diante das normas impostas por sua cultura. A liberdade para os gregos,

no sentido do domínio de si, não é ausência de um senhor que impede de fazer isso ou

aquilo. Foucault comenta; “para um grego, a liberdade humana encontra sua obrigação

não tanto ou não apenas na cidade, não tanto ou não apenas na lei, tampouco na religião,

mas na tékhne (essa arte de si mesmo) que nós mesmos praticamos”74

. Essa tékhene

configura uma arte de viver, uma técnica da existência, que por meio de práticas

realizadas sobre si mesmo o individuo busca transfigurar a si mesmo. É uma maneira de

“assumir os acontecimentos da vida”. E esse si das práticas de si não é um modo de vida

72

Foucault, 2006, p.291. 73

Foucault, 1993, p. 206). 74

Foucault, 2010a, p.402

30

egoísta. Ao contrário, é uma regra geral do não egoísmo, uma prática social da qual o

individuo se insere buscando “viver de modo que se tenha consigo a melhor relação

possível”75

. Diante do exposto, nos cabe levantar uma última pergunta. Embora o

Sujeito possa encontrar na relação consigo a liberdade76

, essa relação consigo mesmo é

também uma prática social que não desconsidera as instâncias exteriores ao próprio

individuo, como então é possível ser diferente e inventar a si mesmo diante de uma série

de constrangimentos?

Para Foucault a subjetivação não é um processo que se dá apenas na relação do

Sujeito consigo mesmo ou apenas com o que lhe é exterior77

. É nessa fronteira, entre o

dentro e fora, que o sujeito busca efetuar sobre si mesmo, nos limites da história e das

normas, uma transformação de si. A relação com a história78

, fica aqui ainda mais clara.

Pois como pode o individuo ser diferente se a maneira que se pensa, que se age,

depende da tradição. Foucault entende então que a constituição de si mesmo para ser

autônoma não precisa desconsiderar a tradição, muito menos recusá-la por completo.

Diz o filósofo; “é preciso compreender que a relação consigo é estruturada como uma

prática que pode ter seus modelos, suas conformidades, suas variantes, mas também

suas criações”79

. Se a constituição de si não suprime aquilo que está fora do próprio

Sujeito, e nem pretende superar totalmente uma dada tradição, então precisamos

compreender a palavra “criação”, não como aquilo do qual o sujeito se faz a partir do

nada e se cria independentemente das normas que lhe são colocadas. Trata-se de

entender a palavra criação em Foucault, como uma formação autônoma, mas que não é

indiferente à própria tradição e que se cria a partir dela. Ora, significa que o individuo se

faz precisamente no ajustamento entre as práticas de si e no que está posto como

modelo a ser seguido.

Nesse sentido, mesmo nas renovações do que já está dado, não se trata de algo

que dependa somente do próprio individuo. É a partir de pensar os próprios

pensamentos, da fidelidade com a história, que se é possível transformar a própria

história. Desde que saibamos como desenrolar os fios que tecem o passado, que pelo

75

Foucault, 2010a, p. 403. 76

Liberdade aqui é entendida no sentido de trabalho de si, como a possibilidade que o individuo tem de

realizar certas práticas para transformar a si mesmo. 77

“O sujeito é divido no seu interior e em relação aos outros” (Foucault, 1995, p.231) 78

Foucault ao realizar a genealogia do sujeito moderno toma como meio a história.“Esforcei-me por sair

da filosofia do sujeito por meio de uma genealogia que estuda a constituição do sujeito através da história,

a qual nos levou à moderna concepção do eu” (Foucault, 1993, p.205). 79

Foucault, apud Noto, 2009, p.110.

31

tempo se cristalizou como verdade, a própria historia apresentará os espaços onde nos

restam para agir. Através de uma citação da entrevista Verdade, Poder e si Mesmo

podemos mostrar que a “atitude crítica” foucaultiana lança objeções ao a-priori

histórico, e que essa relação consigo mesmo e com a história perpassa a dimensão

ontológica do Sujeito. “Meu papel (…) é mostrar às pessoas que elas são muito mais

livres do que pensam, que elas tomam por verdadeiros, por evidentes certos temas

fabricados em um momento particular da história, e que essa pretensa evidência pode

ser criticada e destruída”80

. É no interior do diagnóstico da atualidade que a história se

apresentará como uma construção frágil, que faz parte da nossa paisagem habitual,

familiar e que aquilo que consideramos como universal e evidente, “são produtos de

certas transformações históricas bem precisas”81

.

Se a maneira que agimos e pensamos dependesse apenas da Lei, do meio e da

tradição pela qual estamos inseridos, o que explica então o fato de que numa cultura

existam pessoas que pensam diferente uma das outras, e que a própria tradição se

modifica ao longo dos tempos? Precisamente porque a invenção de si mesmo não ocorre

apenas pela tradição e pelos eventos que são exteriores ao Sujeito e que, portanto,

independe dele. Para Foucault, “sempre há a possiblidade, num jogo de verdade dado,

de descobrir alguma coisa diferente e de mudar mais ou menos tal ou tal regra, e por

vezes mesmo o conjunto todo do jogo de verdade”82

. Esse movimento do pensamento,

que agora já não mais busca ver as verdades imutáveis, se dirige para a imanência

daquilo que pode ter outras regras. Dentro desse jogo político o que importa não é

modificar o jogo por completo e instalar outro jogo. Trata-se antes de buscar novas

regras, jogar outras partidas, modificar os parâmetros. Portanto não estamos

aprisionados nas malhas de nossa história, “estamos também em um espaço de liberdade

onde cada qual improvisa um pouco em função de suas conveniências, de suas

necessidades e da situação”83

.

80

Foucault, 2006, p.295. 81

Ibidem, p. 296. 82

Foucault, apud, Noto, 2009, p. 88. Itálico nosso. 83

Foucault, 2010a, p. 383.

32

CAPÍTULO III

A FORMAÇÃO PARA O TRABALHO: a educação nas estratégias da

Biopolítica.

a) Racionalidade política moderna: o governo da conduta

Uma hipótese de Foucault, que nós é cara, é que o Estado moderno é uma nova

forma de poder pastoral, e que coloca para o soberano um novo objetivo: o de conduzir

os homens numa finalidade. Na soberania moderna governa-se para o bem comum e

para a salvação de todos. Ocorre que com a emergência de um Estado

governamentalizado84

o soberano irá governar com a finalidade de melhorar a sorte da

população, de aumentar sua riqueza, sua duração de vida e saúde.

A figura do soberano torna-se uma problemática que nos interessa para analisar

como esse poder, a partir da modernidade, se ocupa com a vida dos homens. Nesse

sentido temos como premissa a formulação que Foucault levanta na aula de 8 de Março

de 1978. “Em que medida quem exerce o poder soberano deve encarregar-se agora de

tarefas novas e específicas, que são as do governo dos homens?”85

. Foucault aqui aponta

que surge então um problema de racionalidade. Com qual racionalidade o soberano

deve governar os homens? Com qual racionalidade o soberano irá colocar em operação

a máquina do Estado? Com isso ver-se-á surgir saberes e dispositivos dos quais o

Estado lançará mão para governar e administrar diversos aspectos da vida, como a

Economia política, a Estatística, a Medicina social, e Dispositivos de segurança.

Desenha-se uma tecnologia de poder que se ocupa com a emergência da população

como um problema político, qual seja, a Biopolítica.

Cabe-nos aqui interrogar qual tipo de individuo as instituições escolas têm

formado, ao lançarem mão de dispositivos usados pela biopolítica? Em que medida a

formação para autonomia compõe uma estratégia da racionalidade Biopolítica? Foucault

já demonstrava seu interesse em refletir sobre o impacto de tais estratégias de poder na

constituição do indivíduo. O filósofo diz: “Interessa-me a racionalização da gestão do

84

A estatização do Estado, ou sua governamentalização, é o momento em que o Estado busca não só

dominar outras nações, mas assegurar o funcionamento do próprio Estado. É um fenômeno que permite o

Estado sobreviver. É uma administração do Estado que se dá principalmente através de dispositivos como

o poder pastoral, técnica diplomático-militar, e a polícia. (Cf. Aula de 1° de Fevereiro de 1978, p.144/145

). 85

FOUCAULT, 2008a, p.311. Itálico nosso.

33

indivíduo (…) na forma como ela atua nas instituições e no comportamento das

pessoas”86

. Ou seja, se existe uma série de saber-poder, que busca gerir os indivíduos,

como é possível uma formação para autonomia quando o ensino de Filosofia se vê

atrelado a essa estrutura de poder?

B) Educação e economia: A formação para autonomia nas estratégias da

biopolítica

Se a economia política se desenvolve largamente na governamentalidade

neoliberal, e que educação contemporânea passa a ser ser inscrita no campo da

economia política, que por sua vez busca novos espaços de lucratividade, a educação

não elaboraria um homem que é modulado segundo as exigências do mercado? Não

corroboraria com a formação de um sujeito de interesses individuais e egoístas?

Em que medida o professor de filosofia contribui para o “governo de si” dos

alunos, considerando que a Biopolítica entende que os indivíduos são governáveis, e,

portanto, está situada no polo do “governo dos outros”? É possível o professor, no

exercício da docência, contribuir para a construção da autonomia dos alunos? Essa

noção de autonomia, que atravessa os Projetos Políticos Pedagógicos, permite de fato

um governo da própria vida? Permite a criação de uma vida que escape as mais diversas

estratégias de poder?

Não deixa de ser curiosa a pretensão dos diversos Projetos Políticos Pedagógicos

de formar sujeitos autônomos em larga escala. A respeito da autonomia o PPP do

colégio diz: “É necessária à construção de uma práxis histórica que forme sujeitos

autônomos para o exercício da emancipação humana, artífices da liberdade na

construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e justa”87

. Em tal concepção

de formação o aluno “é visto como capaz de autonomia e independência – se

convenientemente educado”88

. O homem então torna-se objeto de conhecimento89

de

uma racionalidade pedagógica, que “se arroga o estatuto de uma investigação

científica”90

. Quando o homem torna-se fabricado91

para atender certas finalidades, a

86

FOUCAULT, 2011, p.77 87

PPP - CEPAE, 2013, P.13. 88

TADEU, 1996, p. 254. 89

“Contudo, é um reconforto e um profundo apaziguamento pensar que o homem não passa de uma

invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber, e que

desaparecerá desde que este houver encontrado uma forma nova” (Foucault, 2007, p.XXI – prefácio). 90

CARVALHO, 2013, p. 64. 91

A “alma não tem nada de ilusório ou ideológico, mas essa é produzida ininterruptamente, na medida em

que captura o homem via corpo e alma, no entrelaçamento das relações de poder e saber. A alma, por

34

sua formação reduz-se ao exercício da cidadania92

, ou da utilidade profissional que

atende uma demanda econômica93

. Nesse sentido o “‘sujeito autônomo’ não é mais livre

e sim mais governável”94

.

Em diversas aulas observadas notamos que o barulho dos alunos impedia até

mesmo a continuidade da aula do professor. O silêncio e atenção, tão caros ao estudo da

filosofia, não partia dos próprios alunos, que pareciam dispostos ao silêncio apenas

quando os imperativos vindos de fora assim exigiam. O aluno ao se recolher ao silêncio

através de constrangimentos exteriores nos levara a interrogar se o ensino de Filosofia

tem contribuído para a elaboração da autonomia, entendida aqui como a capacidade do

individuo de fazer uso de seu próprio entendimento sem a direção de outrem95

. O

professor de filosofia orienta para a autonomia ao ensinar apenas a arte da escuta? Um

método de ensino que prioriza a fala do professor não tem em sua própria prática a

anulação da voz do aluno? Isso nos leva a questionar se demasiadas aulas expositivas

abre espaço para a construção daquilo que precisa ser ainda formado, a saber, o respeito

à fala do outro. Como esse modelo de ensino pode provocar a autonomia, se nessa

configuração é apenas “uma boca que fala, muitos ouvidos e menos da metade de mãos

que escrevem”?96

Como aponta Rosa Dias, a boca do professor é autônoma, as orelhas

dos alunos são autônomas, e “tal autonomia nada mais é do que domesticação do aluno

para torná-lo uma criatura dócil e submissa aos interesses do Estado e da burguesia”97

.

A formação escolar perpassada pelo dogma da economia política atende os interesses do

Estado e da Burguesia na medida em que exige “uma formação rápida, para terem a seu

serviço funcionários eficientes e estudantes dóceis, que aprendam rapidamente a ganhar

dinheiro”98

.

Com a explosão demográfica no século XVIII99

torna-se necessário a integração

da população aos mecanismos de produção. Tal ajustamento da população a esses

mecanismos de produção passa pelo campo da Educação: exige-se a formação de

conseguinte, foi loteada pela capitalismo mundial para a alegria do mercado e para a desgraça do

homem”. SILVA, 2012, p.62). 92

Será que a finalidade da Educação seria somente a de formar bons cidadãos? 93

Cf. MISRAHI, Robert, 1993, p. 16. 94

TADEU, 1996, p.256. Itálico nosso. 95

Nos remetemos aqui ao que Kant entende como saída da menoridade moral. Tal concepção será

integrada no desenvolvimento de nossa pesquisa. 96

Nietzsche apud DIAS, 2007, p. 267. Pergunta nossa. 97

DIAS, 2007, p.267. 98

DIAS, 2007, p. 264. 99

A acumulação do capital é correlato a acumulação de homens num espaço urbano. Com o crescimento

demográfico da Europa potencializou-se então um “aparelho de produção capaz ao mesmo tempo de

mantê-los (os homens) e de utilizá-los” (Cf. Foucault, apud SAMPAIO, 2006, p.32).

35

indivíduos que “aprendam a ganhar dinheiro” através de uma rápida formação. É

necessário então a manutenção e preservação da força de trabalho, e a escola se

transforma num laboratório para elaborar um indivíduo que seja útil à sociedade. Torna-

se necessário, para alimentar a indústria, o “desenvolvimento da educação e da

formação profissional”100

, portanto é essencial uma formação capaz de responder as

exigências desse nicho de mercado. A educação e a formação profissional na medida em

que garantem uma renda torna-se uma mercadoria a ser bastante buscada. Diante dessa

procura, abre-se um mercado lucrativo. Podemos ver na governamentalidade neoliberal

essa lógica da produção amplificada. Como formula Foucault no curso O nascimento da

Biopolítica: “é necessário governar para o mercado, em vez de governar por causa do

mercado”101

. Nesse quadro não é mais o Estado que interfere no mercado, agora é o

mercado que vigia a atuação do Estado. É portanto a economia política que legitima o

governo. Dessa maneira vemos a diluição da política na economia e um esvaziamento

da própria atividade política. A formação escolar tendo esse viés marcado pela lógica do

trabalho provoca uma severa despolitização102

.

Para Raymond Polin, a “formação do espírito deve ser um objetivo essencial na

tarefa educativa”103

. No entanto o projeto educacional moderno ao ser atravessado pela

economia política não faz outra coisa se não formar para uma carreira profissional, para

uma ascensão social. Nessa configuração o professor de Filosofia assumirá o papel de

ensinar tendo em vista os exames104

, os concursos, e o ensino de Filosofia se torna

valioso na medida em que serve para obtenção de notas nessas provas105

. A elaboração

do próprio espírito fica aquém da formação escolar, e o “saber já não é um meio de

emancipação. É antes um luxo que o mundo oferece a si próprio”106

. Para formar jovens

dóceis e úteis ao mercado é importante que o professor ensine, segundo o que é

100

Foucault, 2014, p.303. 101

Foucault, 2008, p. 165. 102

“O que o projeto neoliberal moderno de educação faz, essencialmente, é despolitizar o projeto

moderno de educação, transformando-o em uma questão de governo e engenharia” (TADEU, Tomaz,

1996, p.260). 103

(POLIN, 1993, p. 22). 104

A “escola se torna uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu

comprimento a operação do ensino” (Foucault, 2013, p. 178). 105

Durante o nosso estágio pudemos observar que alguns professores na tentativa de conter o alvoroço da

turma, argumentavam que era necessário o silêncio para aprender tal conteúdo, pois o mesmo seria

matéria de prova. Nota-se então, de maneira mais clara, que o ensino de Filosofia tem servido a esssa

lógica de estudar para se obter notas em exames. 106

(LYOTARD, 1993, p. 50).

36

estabelecido pelo próprio Estado107

, com a finalidade de dar subsídios para que o aluno

possa alçar, através da educação e da formação profissional, uma vaga no mercado de

trabalho108

.

É nessa perspectiva que diz Silva; “o ensino, a educação e a cultura tornaram-se

subservientes aos dogmas da economia política e do Estado, à educação cabendo

preparar homens dóceis para servi-los”109

. A Filosofia e o professor de Filosofia

necessitará então estar a serviço do Estado, pois a Filosofia oferece um lugar de

resistência, e ao se atrelar ao Estado torna-se então temível ou fragilizada110

. Para

Nietzsche a “Filosofia oferece ao homem um asilo onde nenhuma tirania pode penetrar,

a caverna da interioridade, o labirinto do coração: o que não agrada aos tiranos”111

.

Nesse sentido, Rosa Dias escreve: “O estado teme os filósofos e a Filosofia em geral.

Por isso tenta atrair para si o maior número de filósofos universitários, ‘que lhe dêem a

impressão de ter a Filosofia a seu lado’”112

. Mais adiante Rosa Dias parece duvidar de

que os próprios filósofos se deram conta dessa conjuntura. Então a filósofa pergunta:

“Mas será que os filósofos se deram conta dos compromissos e restrições que teriam de

suportar ao se submeterem?”113

. O professor de Filosofia quando vinculado ao Estado

precisa possuir um espírito agudo o suficiente para não corroborar ainda mais com os

interesses que o próprio Estado tem de manter os alunos permanentemente assujeitados

e ligados a uma condição circular: formação profissional, trabalho e consumo114

.

107

É necessário salientar que documentos como a LDB e as orientações curriculares expressam o que é

estabelecido pelo Estado, como o desenvolvimento de habilidades, competências, a formação ética,

cívica, etc. 108

Tomaz Tadeu nos ajuda a compreender a relação entre educação e mercado de trabalho: “O novo

sujeito educacional neoliberal é o sujeito do mercado e do local de trabalho modificado pela reengenharia

e pelas novas técnicas de gerência” (TADEU, Tomaz, 1996, p. 264). É então mais que expressivo a

quantidade de gestores da educação presente nas instituições de ensino, até mesmo no ensino superior. 109

(SILVA, 2012, p. 56). 110

É interessante observar os modelos de contratação de professores. A contração de docentes se

aproxima do atual modelo de negócios. A universidade e a escola se transforma em corporações em que

o lucro é o que importa. A maior insegurança na carreira docente faz com que seus funcionários, os

professores, sejam dóceis, afinal, eles não podem entrar em greve e reclamar por melhores salários e

condições de trabalho, pois correm o risco de serem demitidos. Confira a teoria econômica da “maior

insegurança dos trabalhadores”, elaborada pelo economista Alan Greenspan. Rosa Dias alerta sobre esse

“compromisso” que o professor de filosofia assume com o Estado. “Esse compromisso coloca em perigo

o futuro da filosofia. Primeiro porque é o Estado quem escolhe seus servidores filosóficos, na exata

proporção de sua necessidade de preencher os quadros das instituições” (DIAS ,Rosa, 2007, p. 271). 111

(Nietzsche apud Dias, 2007, p.270 – Grifo nosso). 112

(DIAS, 2007, p.270-271). 113

(DIAS, 2007, p.271). 114

É notório que nessa condição a cultura se enfraquece. Para Nietzsche “a cultura não é serva do ganha-

pão e da necessidade” (Nietzsche, apud DIAS, 2007, p.266).

37

A economia política modificará até mesmo as formas de punição com o

propósito de fazerem os homens viverem para absorver deles força de trabalho115

. É

necessário então deixar de condenar os criminosos ao suplicio. Convém fazê-los viver,

convém fazer a população trabalhar116

. É necessário manter a pessoa viva mesmo

quando ela deveria117

estar biologicamente morta. Se na soberania moderna o direito de

morte era o que conferia brilho ao soberano, na Biopolítica, é o fazer viver que irá

manifestar a glória do poder soberano. Nesse sentido a Biopolítica irá interferir em

processos biológicos do homem espécie com a finalidade de mantê-los vivos, de manter

a saúde118

da população melhorada. A vida biológica é produzida e administrada.

Afinal, são indivíduos vivos que fornecem braços para a agricultura, a indústria e o

comércio.

A educação e a saúde mínima fará parte da pauta de investimentos do Estado

para que assim a população possa produzir na medida em que viver. É necessário

suspeitar quando o próprio Estado elabora diretrizes escolares com intensões de formar

para a autonomia, para a ética, e o exercício da cidadania. O Estado119

, ao se preocupar

com a saúde de seus súditos, trazia consigo a submissão dos indivíduos aos saberes da

medicina120

. Nesse sentido, é preciso avaliar o que ocorre no campo da educação

quando esta se torna estatizada e normatizada por diretrizes121

que buscam fabricar um

sujeito autônomo. Com efeito, o funcionamento da educação irá se assemelhar cada vez

mais aos modos de funcionamento das empresas, “a sociedade em seu conjunto e seus

membros individualmente devem se comportar como uma empresa”122

.

Se é necessário indivíduos bem formados, indivíduos profissionalizados para

atender a exigência de trabalho incitada pelo Estado, o professor de Filosofia não

estaria, em sua prática docente, fortalecendo ainda mais esse mecanismo de poder, que

se apropria da vida para fortalecê-la no único intuito de alimentar a engrenagem de um

estado governamentalizado? O filósofo profissional ao assumir a função de um

115

“Se o capitalismo dispensa o suplício como arte de correção e punição, todavia não dispensa outras

formas de regulação social do processo de trabalho” (SAMPAIO, 2006, p.34). 116

Cf. Foucault, 2008, p. 454. 117

Cf. Foucault, 2010, p.209. 118

Foucault aponta um paradoxo na preocupação do soberano com a saúde da população: “No mesmo

momento em que o Estado começou a preocupar-se com a saúde física e mental de cada indivíduo,

começou a perpetrar seus maiores massacres” (Foucault, 2011, p.76). 119

Sobre o momento em que o Soberano passa a se ocupar com a saúde da população. (Cf. Foucault,

2011, p. 76). 120

A medicina diz Foucault, “exerce um poder ser controle, sobre os corpos das pessoas, sua saúde, sua

vida e morte” (Foucault, 1995, p.235). 121

É recorrente o surgimento de expert, de gestores na administração da educação. 122

CASTRO, 2012, p.94.

38

transmissor de conhecimentos não estaria submetido à lógica da economia política, que

encontra na educação um negócio lucrativo e favorável para fazer funcionar esse saber

Biopolítico?

Se o ensino de Filosofia tornou-se subserviente do Estado, urge então a

necessidade dos professores de Filosofia de criarem novas estratégias de combate que

venha a retirar o ensino de Filosofia desse lugar ínfimo. Para Foucault “nossa

civilização desenvolveu o mais complexo sistema de saber, as mais sofisticadas

estruturas de poder: o que tal forma de conhecimento, tal tipo de poder fez de nós?”123

.

Na esteira dessa interrogação levantada por Foucault, nossa pesquisa buscou investigar

como esse “complexo sistema de saber”, que se torna um sustentáculo para o

funcionamento da Biopolítica, tem modificado o que se pretende com uma formação

para autonomia.

c) Educação neoliberal: a escola a serviço da empresa

Foucault nos diz no curso O nascimento da biopolítica que só compreenderemos

o que é a biopolítica depois de compreendermos o que é o neoliberalismo. Isso nos

serve fazer realizar alguns considerações acerca da relação entre escola e economia;

entre educação e neoliberalismo; entre educação e biopolítica. A escola neoliberal que

se constui a parta da década de 70 e tem seu auge na década de 90 é portanto, uma

escola biopolítica. Se nos referimos a esse curso de Foucault é simplesmente para

introduzir uma análise sobre a relação insidiosa entre educação e mercado de trabalho,

relação que se faz a partir da tentativa dos neoliberais de fornecer para e educação um

remédio. O neoliberalismo colheu bons frutos no campo educacional porque se

apresentou como um remédio; um remédio que na verdade mata aquilo que se pretende

curar.

Cabe aqui apenas uma análise superficial sobre a relação entre educação e

mercado, afinal, nossa intensão é apenas dizer que o principal saber da biopolítica, que é

a economia, projeta um ideal de escola: trata-se de uma escola que forme mãe de obra,

que fornece para os futuros trabalhadores as competências necessárias. É um axioma

simples: escola + habilitação de competências = formação de trabalhadores. A

simplicidade pela qual prima os neoliberais facilita, inclusive, a inserção de suas teses

na educação.

123

Foucault, 2011.p.42. Itálico nosso.

39

O neoliberalismo propôs reformas para a educação. É fácil fazer ver isso no

Brasil: as reformas educacionais na década de 60 que promovia uma aliança entre

ensino e produção industrial – como vimos no segundo capítulo, é um exemplo dessas

reformas. “O novo modelo escolar e educativo que tende a se impor está fundamentado,

inicialmente, na sujeição mais direta da escola à razão econômica”124

.

Com o fim da escola republicana o neoliberalismo estabelece algumas tarefas

para a educação: a formação de mão de obra qualificada para o mercado e a formação

de cidadão/consumidores responsáveis. Ora, é sob a égide da empresa que o

neoliberalismo interfere na educação. Nos diz o sociólogo francês Christian Laval: “a

escola e a universidade devem tornar-se quase-empresas funcionando sob o modelos de

firmas privadas e restritas à ‘performace’ máxima”125

. O sistema de ensino deve ser uma

máquina produtiva, as missões e os valores da escola devem estar curvados diante dos

imperativos da economia.

Não daremos a atenção necessária a uma possível interrogação: qual é o

problema de tornar a escola uma empresa? Qual é o problema da escola estar inserida

numa racionalidade competitiva e que visa a alta “performance”?, afina, isso não é

desejável? São questões legítimas que precisam de grande atenção, e que aqui passamos

ao lado simplesmente porque seria necessário um trabalho de grande extensão para

abordá-las devidamente. Podemos indicar, superficialmente, que o encontro entre

empresa e educação modifica totalmente a última. Seus objetivos, seu projeto

pedagógico, a relação entre professor-aluno, aluno-escola, transforma radicalmente a

relação dos alunos com o que é público, minando, de uma vez por toda a existência de

uma educação efetivamente pública. Essa relação provoca diretamente uma

precarização das relações de trabalho, da carreira docente, e atinge brutalmente a

concepção de formação, entendida como constituição e transformação de si. Aqui

convém, ao menos esboçar, junto com C. Laval, uma dimensão negativa dessa relação

promiscua entre escola e mercado, diz o sociólogo:

A criação de um mercado educativo gerará uma descentralização das

decisões, dará poder aos chefes dos estabelecimentos completamente

livres pra formar equipe que convenha de verdadeiros profissionais e

se desembaraçar, assim, dos sindicados. LAVAL, 2004, p. 99.

124

LAVAL, 2004, p. 03. 125

Ibidem, p.11.

40

De todo modo o sindicalismo não representa tanta resistência assim a implementação

compulsória de Os’s. No entanto a precarização da carreira docente passa por esse

“desembaraço” diante dos sindicados de professores.

Os pretextos de que a escola está em crise tornaram-se a justificativa para a

intervenção das empresas nas escolas. Os empresários fizeram da educação uma

verdadeira esperança para a ampliação dos negócios. É assim que a escola é invadida

pelas práticas competitivas do neoliberalismo e pelas finalidades do mercado. Diz C.

Laval:

A escola é cada vez mais, vista como uma empresa entre outras,

compelida a seguir a evolução econômica e a obedecer às restrições no

mercado. A retórica gerencial se torna cada vez mais invasora, por

parte dos responsáveis do mundo político e da alta administração

escolar. LAVAL, 2004, p.13.

A doutrina neoliberal da educação torna a educação um objeto comercializável, cabendo

a escola seguir a onda do mercado e elaborar promoções para atrair os novos clientes.

Na verdade não é só a escola que passa a funcionar como empresa; as empresas passam

a funcionar como uma escola. Nessa simbiose nefasta entre mercado e ensino o primeiro

passa a exigir autonomia dos funcionários, isto é, a capacidade de desenvolver

resoluções para os problemas da empresa sem a emissão de uma ordem; passa-se a se

exigir um funcionário disposto a aprender por toda a vida, a aprender a aprender; exigi-

se uma disposição em desenvolver perpetuamente as capacidades de trabalho: inovação,

investimento na educação, adaptação, capacidade de solucionar um problema de

maneira rápida, esse é pois o funcionário-aluno forjado a partir dessas relações entre

economia e educação. E o sujeito autônomo? É apenas mais suscetível aos dogmas e

orientações da economia.

41

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vários motivos filosóficos poderiam justificar a escolha que fizemos em

analisar a metafísica, a economia, e a formação para autonomia nesse trabalho. Cada um

desses pontos diluídos em três capítulos podem sugerir uma pretensão de minha parte

em querer estudar em tão pouco tempo de pesquisa três injunções que se colocaram para

a educação sérios problemas. Cada uma mereceria, é verdade, um trabalho a parte; um

trabalho mais extenso que desse conta de maiores detalhes. Esse trabalho, como é

notório, não é o caso. Nosso objetivo jamais foi fazer uma análise que passasse se quer

perto da exaustão. O que poderia justificar esse empreendimento um tanto amplo é que

essas três linhas de forças: a metafísica, a economia e a autonomia, possuem como

ponto de intersecção a educação. É nesse sentido que o título também se justifica: a

educação é um problema filosófico. Outros eventos poderiam ser tomados como

exemplo disso. Se escolhemos esses três é porque vimos aí uma possível relação que

poderia dar a esse trabalho uma coesão necessária.

Ora, a disposição dos capítulos procurou tornar isso claro. Estudando o conceito

de formação primeiro nos forneceu maiores bases para o estudo da formação para

autonomia. Nesse último ponto tocamos em dois elementos caros para a formação

humanística: o civismo e a autonomia. Tentamos mostrar como esse discurso

humanístico sobre a educação serviu de esteio para uma educação voltada para a

indústria e para um adestramento moral. Não se tratava aí de limpar do campo

educacional a influência Iluminista, o que fizemos foi mostrar que nas mais repressoras

ditaduras esse discurso de formação humanística fora utilizado, o que demonstra

certamente a ambiguidade desse modelo de formação. Ora, é sabido que o Estado se

apropriava desse discurso como uma maneira de fazer da formação para o civismo e

para a autonomia uma arma contra a própria resistência.

Quanto ao terceiro capítulo poderíamos dizer que a escola neoliberal se emerge

como uma crítica a “ineficiência” da escola republicana. Problemas de indisciplina, de

ingerência escolar, resultados previstos e não alcançados tornou possível o discurso

neoliberal sobre a educação. Embora o neoliberalismo tenha procurado soterrar a

educação republicana, como procuramos mostrar, não deixou de se apropriar de seu

vocabulário. Portanto é daí que podemos ver palavras como autonomia e cidadão serem

enunciadas com toda a força do peito até mesmo nas mais violentas ditaduras. Seria isso

42

uma tentativa de se camuflar, de jogar com a ambiguidade do projeto educacional

Iluminista? A resposta não importa muito, o importante é que essa ambiguidade ainda

permanece e cabe à filosofia limpar esse campo semântico. Como disse, a educação

coloca problemas para a filosofia; para vários campos de seu saber: da estética a ética;

da política à lógica. Cada um desses três fenômenos aqui analisados provocou uma

mudança com maior ou menor grau; ao seu modo cada um fincou raízes na educação.

A análise aqui empreendida, que reconheço ser larga demais, possui sua

delimitação: a educação é um problema filosófico e temos aqui ao menos três exemplos

disso. Portanto, cada linha de força deve ser entendida não como uma tentativa de

diagnosticar as mutações ocorridas no interior da educação, cada linha de força

analisada aqui constitui apenas um exemplo daquilo que já está repisado

demasiadamente: a educação coloca problemas para a filosofia. Os pesquisadores que se

debruçam num ou noutro tema aqui analisado certamente perceberá que cada tema aqui

foi injustiçado. E aqui a justificativa é banal: o texto é monográfico e portanto não

permite escavar muito nesses temas; outra é que, por ser um trabalho final de graduação

em licenciatura é fácil supor que o autor ainda precisa de mais algumas décadas de

estudo para oferecer uma análise adequada para cada um desses temas.

No capítulo I procuramos rastrear a influência da metafísica no ensino de

filosofia través do aristotelismo, e isso significa dizer que não foi de nosso interesse

desqualificar a metafísica, tampouco quisemos reabilitá-la. Não se trata de tomar uma

posição neutra, antes o que nos interessa é apontar a maneira que a metafísica engendra

na educação uma concepção de formação. Concepção essa que parece ser contraditória

com o discurso dos que se arrogam da potencialidade transformadora da educação. No

mais, a metafísica nos serviu apenas como um exemplo para mostrar a ideia inerente ao

projetos pedagógicos contemporâneos que julgam ser capaz de promover uma formação

que seja acabada, que é encerrada ao término de um processo pedagógico; no capítulo II

procuramos rastrear a influência do Iluminismo na educação brasileira através do estudo

dos documentos educacionais oficiais. Tencionamos mostrar a maneira em que a

formação humanística republicana serviu para justificar reformas educacionais durante a

ditadura militar. Nesse capítulo fica patente as continuidades existentes entre o projeto

educativo do regime militar com os da nova república; no terceiro capítulo tentamos

apontar a interferência do neoliberalismo na educação através da comparação entre uma

escola e uma empresa, isto é, a partir da relação entre economia e ensino. O

43

neoliberalismo ainda pretende se firmar cada vez mais como a doutrina ideal para

configurar os projetos educacionais. O neoliberalismo como uma doutrina não só

econômica e política, mas como uma doutrina educativa não é novidade a ninguém, e

domina a programação da escola contemporânea. A comercialização da educação como

um objeto de consumo, como uma acumulação de investimentos em níveis pessoais, a

ideia de competição, e todas as demais mazelas do neoliberalismo, tornou na escola

uma verdadeira cartilha a ser seguida: da Alemanha para a França, dos Estados Unidos

para o Brasil126

. O neoliberalismo enquanto matéria educacional não para de evoluir e

passa a recobrir grande parte de nosso País, um “avanço” para trás que o Estado de

Goiás não cansa de reivindicar.

126

No curso Nascimento da Biopolítica Foucault mostra a transferência do ordoliberalismo alemão para a

França, e da emergência do anarcoliberalimos americano.

44

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