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1 DO FRANCÊS AO INGLÊS: BREVE ESTUDO DA CONTRIBUIÇÃO FRANCESA AO LÉXICO INGLÊS João Bittencourt de Oliveira (UERJ/CIFEFIL/BRATHAIR/NEVE) [email protected] 1. Introdução Muitas línguas diferentes contribuíram para o desenvolvimento e expansão lexical da língua inglesa até o estágio atual. Durante sua história, o inglês tem tomado de empréstimo elementos de línguas e dialetos de várias partes do mundo. Isso não nos surpreende, já que na atualidade é uma das línguas mais amplamente faladas no planeta; seja como língua materna (Reino Unido, Estados Unidos, Austrália etc.); seja como segunda língua (Filipinas, Índia e Nigéria); seja como língua franca (língua de contato ou língua de relação resultante do contato e comunicação entre grupos ou membros de grupos linguisticamente distintos para o comércio internacional e outras interações mais extensas). Originalmente, o inglês surgiu de dialetos falados por três tribos germânicas conhecidas dos historiadores como os Anglos, 1 os Saxões e os Jutos. Esses povos começaram a se estabelecer no sul e leste da Grã-Bretanha por volta do ano 450 d. C. Sua língua tornou-se conhecida como o anglo-saxão. A obra literária de maior vulto escrita em língua anglo-saxônica (Old English) que se conhece é o poema épico Beowulf. De autor anônimo e contendo 3.182 versos, trata-se também do poema mais longo do pequeno conjunto da literatura anglo-saxônica e um marco da literatura medieval. 2 Como veremos, uma das mais importantes contribuições ao léxico da língua inglesa teve início em 1066, quando William (ou Guilherme II) o Conquistador, proveniente da Normandia (noroeste da França), atravessou o Canal da Mancha, com uma força de soldados normandos numa campanha conhecida como a Conquista Normanda. Em 14 de outubro daquele ano, após ter marchado com seu exército esgotado todo o caminho de Yorkshire, Haroldo, o último rei saxônico da Inglaterra, lutou contra os Normandos na Batalha de Hastings, onde o exército da Inglaterra foi derrotado e Haroldo, morto. Durante os 300 anos que se seguiram, principalmente nos 150 anos iniciais, a língua usada pela aristocracia na Inglaterra era o francês-normando (uma variante dialetal do francês padrão). Falar francês tornou-se então condição para aqueles de origem anglo-saxônica em busca de ascensão social através da simpatia e dos favores da classe dominante. Somente no século XIV, com a ascensão de Henrique VIII ao trono, o inglês voltaria a ser o idioma oficial da Inglaterra. Vestígios desse período 1 Note-se que a palavra England, nome atual do país, originou-se de Angle-Land (literalmente “terra dos anglos”). 2 Apesar de haver sido escrito na Inglaterra, a história se refere a eventos ocorridos na Escandinávia, mais especificamente no espaço geográfico correspendente às atuais Suécia e Dinamarca. O único manuscrito existente de Beowulf data do século XI, mas acredita-se que o poema original possa ter sido escrito bem antes, possivelmente entre os séculos VII e VIII.

DO FRANCÊS AO INGLÊS: BREVE ESTUDO DA CONTRIBUIÇÃO FRANCESA AO LÉXICO INGLÊS

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DO FRANCÊS AO INGLÊS: BREVE ESTUDO DA CONTRIBUIÇÃO FRANCESA AO LÉXICO INGLÊS

João Bittencourt de Oliveira (UERJ/CIFEFIL/BRATHAIR/NEVE)

[email protected]

1. Introdução

Muitas línguas diferentes contribuíram para o desenvolvimento e expansão lexical da língua inglesa até o estágio atual. Durante sua história, o inglês tem tomado de empréstimo elementos de línguas e dialetos de várias partes do mundo. Isso não nos surpreende, já que na atualidade é uma das línguas mais amplamente faladas no planeta; seja como língua materna (Reino Unido, Estados Unidos, Austrália etc.); seja como segunda língua (Filipinas, Índia e Nigéria); seja como língua franca (língua de contato ou língua de relação resultante do contato e comunicação entre grupos ou membros de grupos linguisticamente distintos para o comércio internacional e outras interações mais extensas). Originalmente, o inglês surgiu de dialetos falados por três tribos germânicas conhecidas dos historiadores como os Anglos,1 os Saxões e os Jutos. Esses povos começaram a se estabelecer no sul e leste da Grã-Bretanha por volta do ano 450 d. C. Sua língua tornou-se conhecida como o anglo-saxão. A obra literária de maior vulto escrita em língua anglo-saxônica (Old English) que se conhece é o poema épico Beowulf. De autor anônimo e contendo 3.182 versos, trata-se também do poema mais longo do pequeno conjunto da literatura anglo-saxônica e um marco da literatura medieval.2 Como veremos, uma das mais importantes contribuições ao léxico da língua inglesa teve início em 1066, quando William (ou Guilherme II) o Conquistador, proveniente da Normandia (noroeste da França), atravessou o Canal da Mancha, com uma força de soldados normandos numa campanha conhecida como a Conquista Normanda. Em 14 de outubro daquele ano, após ter marchado com seu exército esgotado todo o caminho de Yorkshire, Haroldo, o último rei saxônico da Inglaterra, lutou contra os Normandos na Batalha de Hastings, onde o exército da Inglaterra foi derrotado e Haroldo, morto. Durante os 300 anos que se seguiram, principalmente nos 150 anos iniciais, a língua usada pela aristocracia na Inglaterra era o francês-normando (uma variante dialetal do francês padrão). Falar francês tornou-se então condição para aqueles de origem anglo-saxônica em busca de ascensão social através da simpatia e dos favores da classe dominante. Somente no século XIV, com a ascensão de Henrique VIII ao trono, o inglês voltaria a ser o idioma oficial da Inglaterra. Vestígios desse período

1 Note-se que a palavra England, nome atual do país, originou-se de Angle-Land (literalmente “terra dos anglos”). 2 Apesar de haver sido escrito na Inglaterra, a história se refere a eventos ocorridos na Escandinávia, mais especificamente no espaço geográfico correspendente às atuais Suécia e Dinamarca. O único manuscrito existente de Beowulf data do século XI, mas acredita-se que o poema original possa ter sido escrito bem antes, possivelmente entre os séculos VII e VIII.

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permanecem em mais de 10.000 vocábulos, conforme o Oxford Dictionary of English

Etyomology.

2. O vocabulário do inglês médio: o fator normando

O período do inglês médio (Middle English) pode ser considerado como tendo

iniciado com a invasão normanda de 1066 e a subsequente conquista de toda a

Inglaterra. O francês-normando substituiu o inglês como língua da aristocracia e da

igreja. Já em fins do século XI, o alto clero e a nobreza ingleses haviam sido

substituídos pelos franceses. No Domesday Book (1086), um detalhado registro de

propriedades de terras na Inglaterra, proposto por Guilherme e executado em seu nome,

não existem virtualmente nenhum proprietário inglês mencionado – os mais altos

escalões da sociedade inglesa haviam sido eliminados.

Uma conseqüência disso é que escrever em inglês só muito lentamente retoma

sua posição na sociedade. Existem alguns remanescentes do inglês antigo, como a

Peterborough Chronicle3 (“Crônica de Peterborough”), com entrada final em

1154, mas estes representam as convulsões agonizantes de uma tradição

escrita agora virtualmente extinta. Depois disso, o latim e o francês são as

línguas de instrução. Somente em fins do século XII que obras em inglês

lentamente começam a aparecer – numa roupagem bem diferente das últimas

obras em inglês antigo. Dessa vez é a diversidade dialetal, e não a koiné ("o

dialeto comum") da região central, que caracteriza o cenário.

Após a invasão normanda, Londres tornou-se a capital da Inglaterra, e foi nessa

região que emergiu o inglês médio. O inglês médio se torna muito mais importante

como língua literária durante o século XIV e o autor mais proeminente desse período foi

sem dúvida Jeoffrey Chaucer (c. 1343 - 1400), cuja obra principal é The Canterbury

Tales (“Os Contos da Cantuária”).

Conforme afirma Crystal (1995: 46), o vocabulário da Peterborough

Chronicle não é típico do período do inglês médio como um todo. Apesar do fato de haver sido escrito quase um século após a conquista, há poucos indícios do vocabulário francês que deveria ser uma característica distintiva da época. O vocabulário da Chronicle é ainda típico do que teria surgido no saxão ocidental4 – predominantemente germânico, com uma mescla do latim e do escandinavo. Um grande número de palavras desse período desapareceu

3 Peterborough Chronicle (também denominada Laud manuscript): uma das Anglo-Saxon Chronicles

(“Crônicas Anglo-Saxônicas”), contém informação sem precedente sobre a história da Inglaterra após a Conquista Normanda. As Anglo-Saxon Chronicles foram compostas e mantidas entre os vários monastérios da Inglaterra Anglo-Saxã e eram uma tentativa de registrar a história da Grã-Bretanha no período da Era Cristã. 4 Saxão ocidental: dialeto que recebeu decisivo impulso no século IX, durante o reinado de Alfredo o Grande (871 até sua morte em 899), e do qual deriva o inglês atual.

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desde então. E das palavras que ainda são encontradas no presente, diversas sofreram alterações semânticas, isto é, mudaram seu significado: wonder podia significar tanto “atrocidades” quanto “maravilhas”, e flesh tinha o sentido geral de “carne” (= meat). Tais “falsos amigos” constituem sérios problemas na leitura de textos em inglês médio devido à semelhança traiçoeira com palavras modernas.

Figura 1: página de começo da Peterborough Chronicle. A caligrafia do autor é obra do copista, e não dos autores da Primeira e da Segunda continuações.

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Peterborough_Chronicle

O resultado principal da conquista normanda foi, conforme afirmamos no início, os numerosos empréstimos lexicais do francês-normando ao inglês. A influência francesa se tornou cada vez mais evidente nos manuscritos ingleses do século XIII. Estima-se que cerca de 10.000 palavras francesas tenham penetrado no inglês nessa época – muitas das quais tomadas de empréstimo a fontes mais remotas. A maioria dessas palavras está relacionada a mecanismos de legislação e administração, mas também há palavras de outras áreas como a medicina, as artes, e a moda. Muitas dessas novas palavras eram bastante comuns e exprimiam a realidade do cotidiano. Mais de 70 por cento eram substantivos. Dentre esses, incluem-se centenas de termos abstratos, formados a partir dos novos afixos franceses como con-, trans-, pre, -ance, -tion, e -ment. Cerca de três quartos de todos esses empréstimos franceses ainda estão incorporados à língua atualmente. À medida que novas palavras chegavam, iniciava-se um processo de duplicação em que palavras já existentes no inglês oriundas do período anglo-saxônico passaram a conviver lado a lado. Nesses casos, houve duas tendências: ou uma palavra suplantaria a outra, ou ambas coexistiriam, mas

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desenvolveriam significados ligeiramente diferentes. No início, na maioria dos casos, o termo francês substituía o equivalente anglo-saxônico; por exemplo, lēode “povo” deu lugar a people, wlitig “belo, bonito” a beautiful, āsl “doença” a disease, stōw “lugar, sítio” a place, firen “crime” a crime, eam “tio” a uncle, lyft “ar” (cf. alemão Luft) a air. Centenas de palavras anglo-saxônicas desapareceram desse modo. Mas ao mesmo tempo, em certos casos, tanto palavras anglo-saxônicas quanto francesas sobreviveram com sentidos ou conotações diferentes, tais como doom “julgamento, sentença” (anglo-saxônico) e judgement (francês), hearty “cordial, caloroso” (anglo-saxônico) e cordial (francês), e house “casa, habitação” (anglo-saxônico) e mansion (francês), wish “desejo” (anglo-saxônico) e desire (francês).

Figura 2: mapa da Inglaterra normanda

Fonte: http://www.heritage-history.com/maps/shepherd/shep065.jpg

As palavras do francês que teriam entrado na língua durante o período

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de Chaucer eram bem diferentes em caráter das que chegaram no período inicial do inglês médio (1100–1300). O francês dos conquistadores normandos era uma variante dialetal do norte, e esta dominou o cenário inglês por cerca de 200 anos. Até o final do século XIII, entretanto, Paris havia se tornado o centro de influência na França, e novos empréstimos começaram a chegar do dialeto daquela região. À medida que a corte parisiense crescia em prestígio, o francês parisiense se tornava o dialeto de status. Foi essa variedade do francês que a seu devido tempo teria sido ensinada nas escolas de qualidade na Inglaterra, passando, então, as variedades normandas incorporadas ao inglês durante a conquista a ser consideradas como incultas e até mesmo como objeto de ironia e gracejo, como se pode perceber nessas linhas de Chaucer, no prólogo de sua obra já citada, onde ele apresenta uma das diversas personagens de seus contos, a prioresa:

And Frenssh she spak ful faire and fetisly [= gracefully],

After the scole [=school] of Stratford-atte-Bowe,5 For Frenssh of Parys was to hire unknowe [= her unknown]. (The Canterbury Tales: General Prologue, vv. 124-26)

E falava ela francês bonito e graciosamente, Tal como na escola em Stratford-at-Bow era ensinado, Pois o francês de Paris era para ela ignorado.

Chaucer escreveu em inglês, mas a língua do governo ainda era oficialmente o francês. Contudo, somente dezessete anos após a morte do poeta, Henrique V se tornou o primeiro rei desde Haroldo a usar o inglês em seus documentos oficiais, incluindo seu testamento. No verão de 1415, Henrique atravessou o Canal da Mancha para combater os Franceses. Na primeira carta que ele ditou em solo francês ele optou, simbolicamente, por não escrever na língua de seus inimigos. Essa declaração nacional revela um ponto decisivo, tão decisivo quanto o uso do inglês por Alfredo no século IX. O antecessor de Henrique, Eduardo III, podia prestar juramento somente em inglês; agora era o idioma oficial dos reis ingleses. O exemplo de Henrique V claramente causou uma boa impressão em seu povo. Há uma resolução feita pelos fabricantes de cerveja de Londres, datada do ano do falecimento de Henrique, 1422, que adota o inglês por decreto (McCRUM; CRAN; MacNEIL, 1986: 84). Do ponto de vista lexical, é importante observar essas diferenças dialetais, pois, de outro modo, não seria possível explicar certas variantes ortográficas, como veremos mais detalhadamente mais adiante. Há vários pares de empréstimos desse tipo (embora nem todos tenham sobrevivido no inglês moderno). Eis alguns:

Francês normando Francês parisiense calange “desafio” (1225) challenge (1300)

5 Stratford atte Bowe: trata-se do Convento Beneditino de Stratford, Middlesex, Inglaterra, famoso na época de Chaucer, onde a prioresa teria sido educada, e não em Paris. Ela fala francês com sotaque inglês.

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canchelers “chanceler” (1066) chanceler (1300) wile “astúcia” (1154) guile (1225) warrant “garantia” (1225) garantee (1624) warden “guardião” (1225) guardian (1466) reward “recompensa” (1315) regard (1430) conveie “comboio” (1375) convoy (1425) lealte “leal” (1300) loialte (1400) prisun “prisão” (1121) prison (1225) gaol “jaula” (1163) jail (1209)

A ortografia do francês central é posterior à normanda. A situação nem sempre é clara, em parte devido à incerteza das práticas ortográficas do inglês na época, mas há evidência suficiente para demonstrar que houve dois estágios de empréstimos franceses no período inicial do inglês médio (BURNLEY, 1992, apud CRYSTAL, 1995: 46). Orientando-nos por Pyles (1964), Sheard (1970), Hook (1975), Baugh & Cable

(1993), Crystal (1995) e outros, podemos grupar o vocabulário francês incorporado ao

inglês nas seguintes áreas semânticas:

2.1 Termos militares, governamentais e administrativos

Já que quase todos oficiais militares na Inglaterra durante vários anos após a

conquista eram de descendência normanda, torna-se fácil compreender por que muitos

termos militares penetraram na língua. Eis os principais:

Títulos militares: archer “arqueiro” < archier < latim arcus; captain “chefe,

líder, capitão” < captain < latim capitāneus; garrison “guarnição” < garnison;

guard “guarda, vigia” < garde (cf. o correlato anglo-saxônico ward); lieutenant

“lugar-tenente, tenente” < lieutenant (de lieu “lugar” + tenant “detentor”);

sergeant “sargento” < sergent; soldier “soldado” < soudier (cf. latim solidus

“moeda de ouro da era imperial”).

Equipamento: banner “bandeira de guerra, pavilhão” < banere, (moderno

bannieère); buckler “broquel, escudo” < bocler (francês moderno bouclier); dart

“dardo, seta” < dart (moderno dard); harness “arnês, arreios de animal de tiro” <

harneis (moderno harnais); hauberk “saia de armadura” < hauberc; lance “lança” <

lance); mail “cota de malha” < maille, < latim macŭla.

Fortificações: barbican “barbacã” < barbacane; moat “fosso, vala” < motte; portcullis

“porta corrediça encontrada nos castelos medievais” < port colice (isto é, porte “porta”

+ coulice “deslizante”).

Termos gerais: ambush “emboscada, tocaia” < embusche (do verbo embuschier,

literalmente “colocar num bosque”); army “exército” < armée; battle “batalha,

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combate” < bataille; combat “combate” < cumbatre; besiege “sitiar” < asegier (por

substituição do sufixo BE-); defend “defender” < défendre; enemy “inimigo” < enemi

(moderno ennemi) < latim inimīcus; navy “marinha de guerra” < navie < latim navis;

peace “paz” < pais (moderno paix) < latim pax; retreat “retirada” < retraie (francês

moderno retrait); skirmish “escaramuça” < escarmouche ; stratagem “estratagema” <

stratagème, < latim stratagema.

Por razões semelhantes, a maioria das palavras relacionadas à aristocracia,

governo e administração pública chegou com os Normandos; todavia king “rei”, queen

“rainha”, earl “conde”, lord “senhor, soberano”, e lady “senhora, dama” (com

maiúscula, também títulos dados a certas nobres inglesas) são exceções anglo-

saxônicas. Exemplos:

Títulos: ambassador “embaixador, emissário” < ambassadeur; baron “barão” <

baron; chamberlain “camarista de corte” < chamberlain, (moderno chambellan);

chancellor “chanceler” < cancelier, (moderno chancelier) < latim cāncēllcārius

“porteiro da câmara do imperador”6; constable “agente da força pública” < cunestable

(moderno connétable) < latim comes stabuli, literalmente “chefe de estrebaria”; count

“conde” < conte (moderno comte) < latim comes, -itis “companheiro, associado”;

countess “condessa” < comtesse; courtier “cortesão” < courteour; duchess “duquesa”

< duchesse; duke “duque” < duc < latim ducem (nominativo dux “condutor, líder”);

governor “governador” < governeor (moderno governeur) < latim gubernātor;

marshall “marechal” < mareschal (moderno marechal) < latim marsriscalcus, este

provavelmente do frâncico marhskalk “criado encarregado de tratar dos cavalos”;

mayor “prefeito, chefe administrativo de uma cidade ou vila” < maire, < latim mājor

“maior” (comparativo de magnus “grande”); minister “ministro” < ministre < latim

minister “servente, sacerdote”; noble “nobre, fidalgo” < noble, < latim nōbilis; peer “par

do reino” < per, peer (moderno pair) < latim par; prince “príncipe” < prince < latim

principem (nominativo princeps “chefe, líder, soberano”); princess “princesa” <

princesse; squire “escudeiro, gentil-homem do campo” < esquier.

Termos feudais: bailiff “meirinho, beleguim” < bailif (moderno bailli) < latim bājulus “mensageiro, homem de recado”; bondman “camponês” < bonhomme; demesne “posse de terras” < demeine < latim dominicus “pertencente a senhor”; homage “homenagem, respeito” < homage (moderno hommage) < latim hominatĭcum, de homĭne “homem”; manor “domínio, herdade feudal” < maneir (moderno manoir, latim < manēre “permanecer, habitar”; peasant “camponês, aldeão” < païsant (moderno paysan); serf 6 O termo latino aplicava-se originalmente a um oficial cuja posição era ad cancellos “junto às barras ou

grades de uma corte”; na era medieval sua aplicação variava, mas continuamente elevou-se em dignidade e importância. O termo foi introduzido na Inglaterra durante o reinado de Eduardo o Confessor que foi o penúltimo Rei saxão da Inglaterra, entre 1042 e 1066 (ONIONS, 1966: 162).

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“servo” < serf < latim servus; servant “servidor, funcionário” < servant < latim servīre “ser escravo”; slave “escravo” < esclave < latim medieval sclavus,-va (variante de slavus, devido à difusão da escravidão de eslavos durante o Império Romano); subject “sujeito” < suget (moderno sujet) < latim subjectu-s; vassal “vassalo, súdito” < vassal, < latim medieval vassalus, este do celta gwas “homem jovem”.

Termos gerais: alliance “aliança, união” < aliance (moderno alliance); assembly “assembléia, conclave” < assembée; council “conselho, concílio” < consilie < latim concilium; crown “coroa real” corone (moderno couronne) latim < corōna; empire “império” < empire < latim imperium; exile “exílio” < exil < latim exilium; liberty “liberdade” < liberté < latim lībērtās, -ātĭs; parliament “parlamento” < parlement (de parler “falar”); public “público” < public, -ique < latim pūblicus; rebel “rebelde” < rebelle < latim rebellis); record “registro” < recors < latim recordāre; repeal “revogar, anular” < rapeler (moderno rappeler); revenue “rendimento, receita” < revenu (particípio de revenir) < latim revenīre “tornar a vir”; sovereign “soberano, supremo” < soverain, -ein (moderno souverain) < latim superānus (de super); state

“estado” < estat (moderno état) < latim status (de stare “estar de pé, estar imóvel”); tax “taxa, imposto” < taxe < latim medieval taxa; traitor “traidor” < traitour (moderno traiteur) < latim trāditor; treason “traição” < traison (moderno trahison) < latim trāditiō; tyranny “tirania” < tyrannie < latim tyrannia, este do grego turanniā; usurp “usurpar” < usurper < latim ūsūrpāre).

Legislação: adultery “adultério” < adultere < latim adūlter; advocate “advogado, defensor” < avocat < latim advocātus; arson “incêndio premeditado” < arsin < latim medieval arsiōnem (do radical –ars, particípio de ardēre “queimar”); assault “ataque, investida” < asaut (moderno assaut) < latim assultus; bail “fiança, caução” < bail (deverbal de bailler “carregar”) < latim bājulāre “levar às costas”; bar “recinto de tribunal” < barre; bill “projeto de lei” < bille; convict “réu convicto” < convict < latim convictus; defendant “querelado” < défendant; fine “multa” < fin < latim finem; forfeit “coisa confiscada” < forfet (moderno forfait) < latim medieval forisfacere; fraud “fraude” < fraude < latim fraudem; heir “herdeiro” < heir, hoir < latim here, -edis; indictment “denúncia” < enditement; inquest “inquérito judicial” < enqueste); judge “juiz, árbitro” < juge < latim judex; jury “júri” < juré < latim juratus); pardon “perdão” < pardun, perdun (moderno pardon); petition “petição, requerimento” < pétition < latim petītiō; plaintiff “querelante, queixoso” < plaintif; proof “prova, evidência” < preve, proeve, prueve (moderno preuve) < latim < proba; ransom

“resgate” < ransoun, raençon (moderno rançon) < latim rédemptio, -onis; sentence “sentença, decisão” < sentence < latim setentia; suit “ação judicial” < sieute, siute (moderno suíte, provavelmente do latim popular *sĕquitus); summons “convocação” < somence, sumunce (moderno semonce) < latim summonitai (particípio substantivado do verbo summonēre “fazer lembrar em segredo”); verdict “veredicto” < ver-, voirdit (moderno verdict) < latim medieval vere dictum, isto é, “dito verdadeiramente”.

2.2. Termos religiosos

Embora a maioria dos termos religiosos básicos tenha penetrado no idioma após a chegada dos missionários de Roma às Ilhas Britânicas, incorporados à língua através

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do francês medieval.7 Eis alguns exemplos:

Títulos: abbess “abadessa” < abbesse (abbot “abade” já existia no inglês saxônico);

cardinal “cardeal” < cardinal < latim cardinalis; chaplain “capelão” < capelain,

chapelain < latim medieval cappellānus; clerk < inglês saxônico cleric “clérigo” < clerc

< latim eclesiástico clēricus; dean “deão” < dein, dien (moderno doyen) < latim decānu-

s, este do grego dekānos “chefe de dez monges”; friar “frade” < inglês médio frere <

frère < latim frāter “irmão”; hermit < inglês médio (h)eremite “eremita, ermitão” <

(h)ermite (moderno ermite) < latim ēremīta, este do grego erēmitēs “o que vive em

ermo, solitário”; legate “legado, núncio” < légat < latim lēgātus (uso substantivado do

particípio lēgāre “delegar, incumbir”); novice “noviço” < novice < latim novīcius, -īcia;

parson “pároco” < inglês médio person < persone, parsone (cf. parsonage “habitação

de pároco”) < latim persōna “pessoa”; pastor “pastor” < pastour (moderno pasteur) <

latim pāstōrem, pāstor; prelate “prelado” < prélat < latim prælātus (particípio de

præfere “arrebatar, levar adiante”); prior “prior” < priur, priour (moderno prieur) <

latim prior “o primeiro na ordem”; sexton “sacristao” < inglês médio sextein <

segestain, secrestain < latim < sacristānus; vicar “vigário” < vicaire < latim vicārius “o

que faz as vezes de outro, substituto”.

Termos referentes a serviços e edificações: abbey “abadia” < abbaie (francês moderno abbaye) < latim eclesiástico abbātia; baptism < inglês médio bapteme “batismo” < bapteme, -esme (moderno baptême) < latim eclesiástico baptismus, este do grego baptismós “imersão”; censer “incensário” < censier; chancel “cancelo, parte de igreja reservada ao coro” < chancel (francês moderno cancel) < latim cancelliī); chantry “dotação para que se cantem missas pelo doador” < chanterie (de chanter “cantar”); chapter “capítulo, assembleia de cônegos” < chapitre < latim capitulum “capitel de coluna”; cloister “claustro” < cloistre (moderno cloître) < latim claustrum “recinto fechado”; communion “comunhão” < communion < latim commūnion (de communis “comum, que pertence a todos”); convent “convento” < convent < latim < conventu-s “assembléia, ajuntamento”; confession “confissão” < confession < latim confession); crosier “báculo” < croisier < latim medieval cruciārius “o que carrega a cruz”; crucifix “crucifixo” < crucifix < latim crucifixus (i.e., cruci fixus “afixado a uma cruz”, o próprio Jesus Cristo); hermitage “eremitério” < (h)ermitage < latim medieval (h)er(e)mitagium); homily “homília” < omelie (moderno homélie) < latim eclesiástico homīlia, este do grego homīliā “discurso, sermão”; incense < inglês médio ansens “incenso” < encens < latim eclesiástico incensum (particípio de incendere “queimar, inflamar”); lectern < inglês médio lettorne “atril, estante” < 7 A primeira referência a respeito da existência de Cristãos na Grã-Bretanha foi registrada por Tertuliano que, em 208, fala de regiões da Ilha que haviam se convertido ao Cristianismo. Sabe-se que, em 314, três bispos ingleses participaram do Concílio de Arles, no sul da França, como bispos da “Eklesia Anglicana.” Esse fato mostra que já havia uma igreja organizada na grande ilha. Em 597, o papa Gregório enviou uma comitiva de 40 monges, chefiada por Agostinho de Cantuária, para converter os habitantes da Grã-Bretanha, então seguidores das tradições religiosas dos Celtas (os primeiros habitantes das Ilhas Britânicas).

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letrum < latim medieval lēctrum (de legere “ler”); miter “mitra” < mitra < latim mitra, este do grego mitrā; orison “oração, prece” < oreison (moderno oraison) < latim ōrātio); prayer “oração, súplica” < preire (moderno prière) < latim precārius “concedido por mercê”; preach “pregar sermão” < prechier (moderno prêcher) < latim prædīcāre “proclamar, anunciar”; priory “priorado” < priorie < latim medieval priōria; sacrament “sacramento” < sacrament < latim sacrāmentum “sinal sagrado”; sanctuary “santuário” < sanctuaire < latim sanctuārium; sermon “sermão” < sermon < latim sermō “modo de expressão, conversação”; surplice “sobrepeliz” < sourpelis < latim superpellicium “vestimenta branca usada pelos clérigos”.

Termos referentes à teologia: absolution “absolvição” < absolution < latim

absolūtiō “perdão dos pecados ou culpas”; contrition “contrição” < contrition < latim contritio; creator “criador” < creatour (moderno créateur) < latim creātōrem (substituindo o inglês médio sheppend, inglês antigo sćieppend); damnation

“condenação eterna, perdição” < damnation < latim eclesiástico damnatio; devotion “devoção” < dévotion < latim devotio; faith < inglês médio feiÞ “fé, crença” < fei (moderno foi) < latim eclesiástico fides; heresy “heresia” < (h)eresie (moderno hérésie) < latim haeresis, este do grego hairesis “opinião, doutrina”; immortality “imortalidade” < immortalité < latim immortalitas; miracle “milagre” < miracle < latim mīrāculum “coisa prodigiosa ou extraordinária”; mystery “mistério” < mistere (moderno mystère) < latim mystērium, este do grego mystērion; penitence

“penitência” < pénitence < latim paenitentia; reverence “reverência, veneração” < révérence < latim reverentia; sacrilege “sacrilégio” < sacrlége < latim sacrilegium “roubo de objeto sagrado”; saint “santo, santa” < seint, saint < latim sanctus “sagrado”; salvation “salvação” < sauvacion (moderno salvation) < latim sālvatiō; savior < inglês médio sauve(o)ur, “salvador” < sauvēour (moderno sauveur) < latim sālvatōr; trinity “trindade” < trinité < latim trīnitās, com base no grego trás “trio”; virgin “virgem” < virgine (moderno vierge) < latim virgo, virginis.

Termos gerais: charity “caridade” < charité < latim eclesiástico cāritātem, cāritās;

luxory “fausto, suntuosidade” < luxurie < latim luxuria; mercy “compaixão,

clemência” < merci (modernamente empregado somente na acepção de “obrigado” e

na locução à la merci de “à mercê de, ao capricho de”) < latim mercedem

(acusativo de mercês “salário, recompensa”); piety “religiosidade, devotamento” <

piete (moderno piété) < latim pietās, pietatis; pity “dó, compaixão, pena” < pite8

(moderno pitié) < latim pietās, pietatis; religion “religião” < religion, < latim

religio “união do homem com Deus”; sacrifice “ sacrifício, imolação” < sacrifice <

latim sacrificium, de sacrificare “oferecer em sacrifício”; theology “teologia” <

théologie < latim theologia, este do grego theologiā “ciência dos deuses”.

2.3 Termos relacionados à ciência e às artes

Embora a palavra science tenha sido introduzida na língua inglesa pelos

8 No francês antigo, as palavras pite e piete tinham ambos os sentidos, sendo subsequentemente

diferenciadas, e isso refletiu nas formas correspondentes do inglês contemporâneo.

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normandos, durante muito tempo seu significado ficou limitado ao original latino de

scientia “conhecimento, saber”. Somente a partir do século XVIII adquiriu a acepção

moderna de “conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos ou produzidos”.

Dentre as palavras pertencentes à ciência em seu sentido moderno, a maioria refere-se

ao campo da medicina. Os Normandos são responsáveis por um grande número de

palavras ainda usadas nas artes.

Medicina: anatomy “anatomia” < anatomie < latim tardio anatomia, este do grego anatomíā; apothecary < inglês médio apotecarie “boticário” < apotecaire (moderno apothicaire) < latim tardio apotēcārius; arsenic “arsênico” < arsenic < latim arsenicum, este do grego arsenikon; balm < inglês médio basme, baume “bálsamo” < basme (moderno baume) < latim balsamum, este do grego balsamon; distemper “desarranjo, indisposição” < destemprer (moderno détremper) < latim disteperāre; gout “gota” (enfermidade) < goute (moderno gotte) < latim gutta; jaundice "icterícia” < jaunice (moderno jaunisse) < latim gaubinus; leper “lepra” < lèpre < latim lěpra; malady “doença, enfermidade” < maladie (moderno malade) < formação românica male habitus “em má condição”; medicine “medicina” < medecine (moderno médecine) < latim medicīna; ointment “unguento, pomada” < oignement < latim unguentum; pain < inglês médio peine, paine “dor, sofrimento” < peina < latim pœna; physician < inglês médio fisicien “médico” < fisicien (moderno physicien); pleurisy “pleurisia” < pleurisie (moderno pleurésie) < latim tardio pleurisis; poison

“veneno” < puidon (moderno poison) < latim pōtiō, -ōnis “remédio, poção”; pulse < inglês médio pous, pouce “pulso, pulsação” < pouls < latim pulsu-s “batimento”; remedy “remédio, medicamento” < reméde < latim remedium; sulphur < inglês médio soufre “sulfa” < soufre < latim sufur, -phur; surgeon “cirurgião” < serugien (moderno chirurgien) < latim chirurgia, este do grego kherourgia.

Literatura e linguística: chapter “capítulo” < chapitre < latim capitulum; clause

“clausula, oração” < clause < latim clausula; comedy “comédia” < comédie < latim cōmœdia, este do grego kōmōidós; copy “cópia, reprodução de textos” < copie < latim cōpia; gender “gênero” < gendre (moderno genre) < latim gener- genus; grammar “gramática” < gramaire (moderno grammaire) < latim grammatica, este do grego grammatikē; lay “lai” (pequeno poema medieval cantado) < lai, possivelmente de uma língua céltica (cf. irlandês laid “canto”); literature “literatura” < lettérature < latim litterātūra “arte de escrever”; noun “substantivo, nome” < nun, num (moderno nom) < latim nōmen; paper < inglês médio papir “papel” < papier < latim papyrus, este do grego pápūrus; pen < inglês médio penne “pena de escrever, caneta” < penne < latim penna; poem “poema” < poème < latim poēma, este do grego póēma; poet “poeta” < poete < latim poēta, este do grego poētēs; preface “prefácio” < préface < latim medieval præfātia; prose “prosa” < prose < latim prōsa; rhyme”rima” < rime < latim medieval rhythmus “versos rimados”; romance “narrativa fictícia em prosa, romance” < romanz (moderno roman) < latim popular romanice “romance de aventura em versos”; story “história, estória” < estoire (histoire) < latim historia; title “título” < title (moderno titre) < latim titulus “inscrição, placa”; tragedy “tragédia” < tragédie < latim tragœdia, este do grego tragōidiā; treaty “tratado” < traité < latim tractatus; volume “volume” < volum, volume < latim volūmem “rolo de folhas manuscritas”

Arte e arquitetura: art “arte” < art < latim artem, nominativo ars; beauty < inglês médio bealte “beleza” < bealte (moderno beauté) < latim bellus; cathedral

“catedral” < cathédral < latim medieval cathedrālis, este do grego kathedrā; cellar

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“porão” < celier (moderno celleir) < latim tardio cellārium; chamber “câmara, aposento” < chambre < latim camara, este do grego kamárā; chimney “chaminé” < cheminée < latim camīnāta “sala com lareira”; color “cor” < colur, colour (moderno couleur) < latim colorem (color supriu as limitações do anglo-saxônico hīw

“matiz”); column “coluna” < columpne (moderno colonne) < latim columna; figure

“figura, gravura” < figure < latim figūra; garret “sótão” < garite, este do provençal garida (moderno guérite); image “imagem, representação” < image < latim imāginem (nominativo imāgō); joist “travessa de sustentação de assoalho” < giste (moderno gîte); lattice “treliça” < lattis < baixo latim latta; mansion “mansão, grande residência” < mansion < latim mānsiōn, -onis; melody “melodia” < melodie < latim melōdia, este do grego melōidiā; music “música” < musique < latim mūsica, este do grego mousikē; palace < inglês médio paleis “palácio” < paleis < latim palātium (nome original de uma das sete colinas de Roma); pillar < inglês médio piler “pilar, suporte” < pilier < latim popular pilare, de pila “coluna”; pinnacle “pináculo” < pinacle < latim pināculum; porch “pórtico” < porche < latim porticus; tower < inglês médio tour, towr

“torre” < tur, tor (moderno tour) < latim turem, -is.

Figura 3: A Tapeçaria de Bayeux (inglês: The Bayeux Tapestry, francês: Tapisserie de

Bayeux, normando : La telle du conquest) é uma obra de arte bordada entre 1070-1080 pelos artesãos da catedral de Canterbury a pedido do bispo Odo de Bayeux (c. 1030-1097), meio-irmão de Guilherme o Conquistador. Além de representar magnificamente muitas cenas da vida cotidiana nobre do final do século XI, a Tapeçaria retrata a vitória normanda na batalha de Hastings (1066). Contém anotações em latim. Encontra-se no Musée de la Tapisserie de Bayeux, na Normandia. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Bayeux_Tapestry

2.4 Termos relacionados à vida social e doméstica

Durante alguns séculos as importações sociais e domésticas dos

normandos resultaram numa pequena influência em diversos domicílios

ingleses, mas por fim passaram a afetar a alimentação, o vestuário, os

adornos e as distrações – na verdade, quase todos os domínios da vida

inglesa.

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Culinária: appetite < inglês médio apetyte “apetite” < apetit (moderno appétit) <

latim appetītus; beef < inglês médio boef “carne de boi ou de vaca” < boef, buef

(moderno bœuf) < latim bovem (nominativo bos “boi”); biscuit “biscoito, bolacha” <

biscoit, -cuit (moderno biscuit) < latim medieval biscoctu-s “cozido duas vezes”; boil “ferver” boilir (moderno bouillir) < latim bullīre; blanch “escaldar” < blanchir; clove “cravo da Índia” < clou de girofle; cream “creme” < creme, craime (moderno crème) < latim tardio crāmum; cruet “galheta” < cruette (diminutivo de crue); feast < inglês médio feste “festa, banquete” < feste (moderno fête) < latim festa (dies); fry

“fritar, frigir” < frire < latim frīgire; goblet “tipo de copo para vinho” < gobelet

(diminutivo de gobel); grape “uva” < grape; grate “grade, grelha” < grate < latim medieval grata; gravy < inglês médio tardio grauey “molho” < grané (em textos impresso frequentemente grave); herb < inglês médio erbe, herbe, “erva” < erb

(moderno herbe) < latim herba; jelly < inglês médio geli, “geleia” < gelée; mutton < inglês médio motoun “carne de carneiro” < moton (moderno mouton) < latim medieval multō(n-), este possivelmente do bretão maout “carneiro”; mince “picar, cortar em pedaços” (donde minced meat “carne picada”) < mincier < latim minūtia “quantidade pequena”; plate “prataria, prato” < plate < latim medieval platta; platter “travessa” < plat < latim popular plattus; poach “escaldar (ovos)” < pochier

(originalmente “fechar num saco” (de poche “saco”, donde o francês moderno pocher); pork “carne de porco” < porc < porcus; repast “repasto, refeição” < repast

(moderno repas < latim pastus “forragem, alimento”; saucer “pires” < saussiere

(moderno saucière) < latim tardio salsārium “vaso de pôr salmoura ou molho”; veal “carne de vitela” < veiaus (moderno veau) < latim vitellus “vitelo, novilho”; venison < inglês médio venisoun “carne de veado ou cervo” < venesoun (moderno venaison) < venatio, -onis “caça, caçada” dentre muitos outros nomes de comidas específicas e especiarias.9

Vestuário e ornamento: apparel < inglês médio aparaile “vestuário, traje” <

appareiller (moderno apparailler); attire “vestes, adornos” < atirier “vestir-se”; boots “botas, botinas” < bote (moderno botte); buckle “fivela” < boucle < latim buccula; button “botão” < bouton; cape “capa curta” < chape < latim tardio cappa; chemise “camisa (de mulher)” < chemise < latim tardio chemīsia; cloak “capa, manto” < cloke < latim medieval clocca; coat “casaco, paletó” < cote (moderno

cotte); garter “liga” < gartier; garment “peça de roupa” < garnement; gown “vestido largo e solto”< goune < latim tardio gunna; habit “hábito, vestuário” < abit

(moderno habit) < latim habitus; lace < inglês médio las, laas “cordão de sapato” <

laz, las (moderno lacs) < latim laqueus “nó corredio, laço”; ornament “ornamento, adorno” < ournement < latim ōrnārmentum; petticoat “anágua, saia de baixo” <

petitcote; pleat/plait “dobra, prega” < pleit; robe “túnica, manto” < robe, este do germânico rouba (do mesmo radical de rob “roubar”, no sentido de roubar como espólio); veil “véu” < voile < latim vēlum. Incluem-se nesse grupo nomes de certos matizes de cores e de pedras preciosas, tais como: blue < inglês médio bleu; russet

“cor castanha avermelhada” < rousset (moderno roux) < latim rususs; saffron

9 Note-se que enquanto certos animais domésticos permaneciam nos estábulos, redis ou pocilgas, eles

mantinham seus nomes ingleses calf, cow, deer, ox, sheep, swine, pig, porque aparentemente diziam então respeito aos criados ou servos ingleses da Corte, mas imediatamente penetraram na cozinha, como alimento das classes superiores, e passaram a ser designados por beef, brawn, venison, mutton, pork ou bacon. Tudo indica que a culinária francesa era mais requintada e que os Normandos preferiam seus próprios compatriotas como cozinheiros, e que essa seja a razão pela qual existem tantos nomes de utensílios e atividades na cozinha de origem francesa. Curiosamente a palavra kitchen permaneceu.

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“açafrão” < safran < latim medieval safranum, este do árabe za’farān; scarlet

“escarlate” < escarlate (moderno écaralete) < latim medieval (e)scaralata; tawny “castanho amarelado” < tané; amethysti < inglês médio amastist(e) < amatiste <

amethystus, este do grego améthustos; diamond “diamante” < diamant < latim medieval diamas (alteração do latim adamas); emerald < inglês médio emeraude

“esmeralda” < e(s)meraude (moderno émerraude) < latim smaragdus, este do grego

smáragdos garnet “granada” < grenat < latim medieval grānātus; pearl < inglês médio perle “pérola” < perle < latim perna “marisco grande”; ruby “rubi” < rubi

(moderno rubis) < latim medieval rubinus; sapphirei < inglês médio saphir, safir

“safira” < safir (moderno saphir) < latim saphīrus, este do grego sáppheiros; topaz < inglês médio topace “topázio” < topaze < latim topazus, este do grego tópazos; turquoise “turquesa” < turqueise, turquoise.

Mobília e acessórios: basin “bacia” < bacin (moderno bassin) < latim medieval baccinus (cf. bacchinon “vaso de madeira”); blanket “cobertor, manta” < blancquet; chair “cadeira” < chaiere (moderno chaire) < latim cathedra, este do grego kathedrā; chandelier “lustre, candelabro” < chandelier; closet “gabinete reservado” < closet (diminutivo de clos “lugar fechado”) < latim clausus; couch “divã” < couche < latim collocāre “colocar”; curtain < inglês médio curtine “cortina” < cortine (moderno courtine) < latim tardio cortīna; cushion “almofada” < coussin; lamp “lâmpada” < lampe < latim tardio lampada (acusativo de lampas, este do grego lampás “archote, tocha”; lantern “lanterna” < lanterne < latim lanterna, este do grego lamptēr “tocha”; quilt “acolchoado, colcha” < cuilte (moderno couette) < latim culcita “colchão”; screen

“anteparo, guarda-vento” < escren (moderno écran); table “mesa” < table < latim tabula; tapestry “tapeçaria” < tapisserie < latim tapētium, este do grego tapētion; towel < inglês médio towaile, towelle “toalha” < taoille (moderno touaille) < germânico dwahal .10

Recreação: cards “jogo de cartas” < carte < latim charta; carol “canto de Natal” < carole < latim medieval carola; checkers “jogo de damas” < schekier, eschequier “tabuleiro”; chess “jogo de xadrez” < esches (moderno échecs) < persa shāh “rei” (cf. checkmate “o rei morreu”); dance “dança” < danse; fool < inglês médio fōl “bobo, tolo” < fol (moderno foul < latim follis “fole” (por metáfora); joust “justa” (combate a lança entre cavaleiros) < juste, jouste (moderno jouter) < latim juxtā; juggler, inglês médio iugelere “prestidigitador” < jouglere < latim medieval joculāris “bufão, truão”; leisure < inglês médio leisour “lazer” < leisir (moderno loisir) < latim licēre “ser permitido”; minstrel < inglês médio menestral

“menestrel” (cantor medieval) < menestral < latim tardio ministerialis “encarregado de um serviço”; pleasure “prazer, satisfação” < plesir (moderno plaisir < latim placēre “estar agradando”; revel “festejo, farra” < revel; ribald < inglês médio ribaud “gracejador” < ribaud < latim medieval ribaldus; tournament < inglês médio tornement “torneio” < torneiement e muitas outras palavras relacionadas à equitação e à caça como atividades esportivas.

Como era de se esperar, a influência francesa não foi tão expressiva com relação a termos da atividade marítima, pois os Anglo-Saxões possuíam um vocabulário 10 Muitas palavras relacionadas a utensílios domésticos, e ao que poderíamos denominar benfeitorias sociais e conforto, foram introduzidas pelos Normandos; porém, a maioria desses artigos já deveria ser do conhecimento dos Anglo-Saxões: sabe-se, pelas evidências linguísticas, que eles estavam familiarizados com os hábitos de limpeza e higiene, e não necessitamos de levantar hipóteses, pelo fato de a palavra towel ser um empréstimo francês, que eles circulavam ao ar livre até ficarem enxutos. Note-se ainda que chair é um empréstimo francês, enquanto stool “banqueta, tamborete” é uma palavra nativa (SHEARD, 1970: 233-34).

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riquíssimo nessa área, que mais tarde fora grandemente enriquecido pelos empréstimos escandinavos levados pelos Vikings, e, além do mais, na época em que conquistaram os ingleses no século XI os normandos haviam deixado de ser uma nação de marinheiros.

Outra exceção notável à influência francesa pode ser também observada. Além de face, que foi talvez adotada por ser uma palavra mais curta e mais conveniente do que os termos nativos onlete, onsene, e wlite, os nomes das partes do corpo foram todos preservados. Um termo relacionado, entretanto, voice substituiu o termo nativo anglo-saxônico stefn.

2.5 Adjetivos e verbos

Dos quase mil adjetivos franceses no inglês médio, podemos considerar a seguinte seleção, todos em uso corrente no tempo de Chaucer: able “capaz, apto” < able < latim abili-s (de habēre “ter”; abundant “abundante, profuso” < abondant < latim abundans, -antis; active “ativo, vivo” < avtif, -ive < latim āctīvus; actual “real, verdadeiro, genuíno” < actuel < latim tardio < actualis; amiable “amável, avável” < amiable < latim amīcāibilem, -is; amorous “amoroso, afetuoso” < amorous (moderno amoureux) < latim medieval amōrōsus; barren “estéril, árido” < barhaine (moderno bréhaigne, provavelmente de origem pré-latina); blank “em branco” < blanc < antigo norueguês blakkr; brief “curto, efêmero” < inglês médio bref < bref < latim brevis; certain “certo, exato” < certain < latim certus; chaste “casto, virtuoso” < chaste < latim castus; chief “principal, mais importante” < chef < latim caput “cabeça”; clear “claro, distinto” < inglês médio clēr < cler (moderno clair) < latim clārus; common “comum, habitual” < inglês médio comun < comum (moderno commun) < latim commūnisi; contrary “contrário” < contraire < latim contrarius; courageous “corajoso” < corageus (moderno courageux); courteous “cortês, polido” < corteis, curteis (moderno courtois); covetous “cobiçoso” < coveitus < latim cupiditōsus; coy “modesto, recatado” < coi < latim quietus; cruel “cruel, impiedoso” < cruel < latim crūdēlis; curious “curioso” < curios (moderno curieux) < cūriōsus “cuidadoso, diligente” (de cura “cuidado”); debonair “afável” < debonaire (moderno débonnaire); double “dobro, dobrado” < doble, duble (moderno double) < latim duplus; eager “ansioso, impaciente” < aigre < latim ācrem; easy “fácil, acessível” < aisié, particípio de aisier “colocar à vontade” (moderno aisé); faint “fraco, débil” < faint, feint, particípio de feindre “fingir, simular” < latim fĭngěre; feeble “fraco, débil” < feble (moderno faible) < flēbilis “que faz chorar”; fierce

“feroz” < fiers (moderno fier) < latim ferus; final “final, definitivo” < final < latim finēlis; firm “firme, seguro” < inglês médio ferm(e) < latim firmus; foreign “estrangeiro” < forein, forain, -e < latim forās (acusativo plural, forīs locativo plural de fora, variante de forēs “porta”); frail “frágil, delicado” < inglês médio frele, freel < fraile (moderno frêle) < latim fragilis; frank “franco, sincero” < franc < latim medieval francus “livre” (relativo aos Francos, nação germânica que conquistou a Gália, daí o nome França); gay “alegre, folgazão” < gai, donde gaieté “alegria”; gentle “gentil, bem-nascido” < gentil < gentīlis “pertencente à mesma família”; gracious “gracioso” < gracious (moderno gracieux) < latim grātiōsus; hardy “ousado, corajoso” < hardi, possivelmente do germânico hardjan (cf. o inglês hard e o alemão hart “duro”); hasty “apressado” < hasti, hastif, possivelmente do frâncio haiste “vivacidade” (moderno hâtif); honest

“honesto” < (h)oneste (moderno honnête) < latim honestus; horrible “horrível” < (h)orrible < latim horribilis; innocent “inocente” < innocent < latim innocens; jolly < inglês médio jolif “alegre, animado” < jolif, talvez do antigo norueguês jól “festa” (moderno joli); large “amplo, extenso” < large < latim larga, feminino de largus; liberal “liberal” < liberal < latim līberālis; luxurious “faustoso, suntuoso” < luxurieux; malicious

“maldoso, malicioso” < malicius (moderno malicieux) < latim malitiōsus; mean

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“intermediário” < meien, moien (moderno moyen) < latim mediānus; moist “úmido, orvalhado” < moiste (moderno moite) < latim mūcidus; natural “natural” < naturel < latim nātūralis; nice “agradável, bom” < nice < nescius “desapercebido, ignorante”; obedient “obediente” < obédient < latim obedient; original “original” < original < latim orīginālis; perfect < inglês médio parfīt, parfet “perfeito” < parfit (moderno parfait) < latim perfectus “acabado, terminado”; pertinent “pertinente” < pertinent < latim pertinēns, particípio presente de pertinēre “pertencer”; plain “claro, inteligível” < plain (sobrevivente em expressões do tipo de plain-pied “sem subir nem descer”, plain-chant “cantochão” etc.) < latim planus; poor < inglês médio povere, pouere “pobre” < povre (moderno pouvre) < latim pauper; precious “precioso” < precios (moderno précieux) < latim pretiōsus; principal “principal, essencial” < principal < latim principālis; probable “provável” < probable < latim probābilis; proper < inglês médio propre “próprio, peculiar” < propre < latim prōprius; purê “puro, límpido” < pur, purê < latim

pūrus; quaint < inglês médio queinte “elegante, orgulhoso” < queinte < latim cognitus “conhecido”; real “real, verdadeiro” < réel < latim reālis, de rēs “coisa”; rude “rude, grosseiro” < rude <latim rudis; safe < inglês médio sauf, sāf “intato, a salvo” < sauf < latim salvus; sage “sábio” < sage < galo-romano sapius (cf. o latim nesapius “ignorante”); savage < inglês médio sa(u)vage “selvagem” < sauvage < latim silvāticus; scarce “escasso” < eschars (moderno échars) < latim popular excarpsus; second

“segundo” < second, -onde < latim secundus; secret “secreto” < secré, secret < sēcrētus; simple “simples” < simple < latim simplus; single < inglês médio sengle “sozinho, solteiro” < sengle, single < latim singulus; sober “sóbrio” < sobre < latim sōbrius; solid

“sólido” < solide < latim solidus; special “especial” < especial < latim speciālis; stable

“estável” < estable (moderno stable) < latim stabilem; strange “estranho, forasteiro” < estrange (moderno étrange) < latim extrāneous; sturdy “robusto, firme” < esturdi < latim exturdus; subtle “sutil” < sutil, soutil < latim subtīlis; sudden < inglês médio sodein

“repentino” < soudain < latim tardio subatānus; supple < inglês médio souple “flexível” < souple < latim supplex; sure “certo” < seure (moderno sûr) < latim sēcūrus; tender “brando” < tendre < latim tener; treacherous “traiçoeiro” < trecherous; universal “universal” < universal (moderno universel) < latim ūniversālis; usual “usual, habitual” < usual (moderno usuel) < latim ūsuālis. A lista de verbos tomada de empréstimo na mesma época apresenta diversidade semelhante. Eis alguns exemplos: advance < inglês médio ava(u)nce “avançar” < avancer < latim tardio abant; advise “aconselhar” < inglês médio avis, avys “aconselhar” < avis < latim advisum; aim < inglês médio ame, aime “mirar” < amer < latim æstimāre “avaliar”; allow “permitir” < alouer, allouer < latim medieval allocāre “acomodar”; apply “aplicar” < applier < latim applicāre; approach “aproximar-se” < approcher < latim tardio appropriare; arrange “arranjar, combinar” < arangier (moderno arranger); arrive “chegar” < ariver (moderno arriver) < latim popular arripāre “chegar a terra” (navio); betray “trair” < traïr (moderno trahir) < latim tradere; carry “carregar” < carier, de char “carro” (moderno charrier) < latim carrus; change “mudar” < changer < baixo latim cambiāre; chase “perseguir, acossar” < chacier (moderno chasser) < latim popular captiāre; close “fechar” < clos (particípio de clore) < latim claudere (suplantou o inglês antigo clysan, beclysan); comfort

“confortar” < confort < latim confortāre; commence < inglês médio comence “começar” < com(m)encier (moderno commencer) < latim popular cuminitāre; complain < inglês médio compleigne “queixar-se” < complaign < latim medieval complangere; conceal

“ocultar” < conceler < latim concēlāre; consider “considerar” < considérer < consīderāre; continue “continuar” < continuer < latim continuāre; count “contar” < cunter (moderno compter < latim compūtāre; cover “cobrir” < cuvrir (moderno couvrir)

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< cooperīre; covet < inglês médio cuveite “cobiçar” < coveitier (moderno convoiter) < latim popular cupidietāre; cry “bradar, chorar” < crier < latim quirītāre “gritar” (cf. weep “chorar, prantear”); deceive “enganar” < deceveir (moderno décevoir) < latim decipēre; declare “declarar” < desclairier (moderno déclarer) < latim dēclārāre; defeat

< inglês médio def(f)ete “arruinar, derrotar” < defait (moderno défaire) < latim medieval disfacere; defer “submeter-se” < déférer < latim dēferre; defy “desafiar” < défier < latim popular disfīdāre; delay “demorar” < délayer; desire “desejar” < désir < latim dēsīderāre; destroy < inglês médio destroie “destruir” < destruire (moderno détruire) < latim popular dēstrūgere; embrace “abraçar” < embracer (moderno embrasser; enclose

“cercar” < enclos(e) < latim popular includere; endure “suportar” < endurer < latim indūrāre “endurecer”; enter “entrar” < entrer < latim intrāre; err “errar” < errer < latim errāre; excuse “desculpar” < escuser (moderno excuser) < latim excusāre; flourish

“vicejar” < floriss (moderno fleurir) < florēre; force “forçar” < forcer < latim popular fortiare; forge “forjar” < forger < latim frabricāre; form “formar” < fourmer (moderno former) < latim rōrmāre; grant “consentir em” < granter < latim crēdere; increase < inglês médio incres “aumentar” < increiss < latim incrēscere; inform < inglês médio enfo(u)rme “informar” < enfo(u)rmer (moderno informer) < latim informāre; inquire < inglês médio enquere “indagar” < enquerre (moderno enquérir) < inquīrere; join “ligar” < joindre < latim jungere; languish “debilitar” < languiss-, languir < latim popular languīre; marry “casar” < marier < latim marītāre; mount “montar” < munter (moderno monter) < latim popular montāre “escalar”; move “mover” < moveir (moderno mouvoir) < latim movēre; murmur “murmurar” < murmurer < latim murmurāre; nourish “nutrir” < norir (moderno nourrir) < latim nutrīre; obey < inglês médio obeie “obedecer” < obéir < latim obēdīre; oblige “obrigar” < obiger < obligāre; observe “observar” < observer < latim observāre; pass “passar” < passer < latim popular passāre; pay “pagar” < payer < latim pācāre; pierce “furar” < percer < latim popular pertūsiāre; pinch “beliscar” < pincier (moderno pincer) < latim popular pīctiāre; please “agradar” < plaisir < latim placēre; practice “praticar” < pra(c)tiser < latim practicāre; praise “elogiar” < preisier < latim pretiāre; prefer “preferir” < préférer < latim præferare; proceed < inglês médio procede “prosseguir” < proceder < latim proceēdēre; propose “propor” < proposer < latim prōpōnere; prove “provar” < prover (moderno prouver) < latim probāre; pursue < inglês médio pursiwe “perseguir” < prosivre (moderno poursuivre) < latim popular prōsequere; push “empurrar, impelir” < pouser < latim pulsāre; quash “reprimir, sufocar” < quasser (moderno casser) < quassāre; quit < inglês médio quitte “abandonar, renunciar” < quiter < latim medieval quittare; receive “receber” < receivre (moderno recevoir) < recipere; refuse “recusar” < refuser < latim popular refūsāre (cruzamento de recūsāre “recusar” com refūsāre “refutar”); rejoice < inglês médio reioyse “alegrar” < re(s)joir (moderno réjouir); relieve < inglês médio releve “aliviar” < relever < latim relevāre; remember “lembras-se de, rcordar” < rmembrer < latim tardio rememorāri; reply “responder, returcar” < replier < latim replicāre; rinse “enxaguar” < recincier (moderno rincer) < latim popular recentiare; rob “roubar” < rob(b)er < germânico raub (cf. português roubar, espanhol robar, italiano rubare); satisfy “satisfazer” < satisfier (moderno satisfaire) < latim datisfacere; save < inglês médio sauve “salvar” < salver (moderno sauver) < latim tardio slavāre; scald < inglês médio scalde “escaldar” < schalder (moderno échauder) < latim excaldāre; serve “servir” < servir < latim servīre “ser escravo”; spoil “despojar” < spolier < spoliāre; strangle “estrangular” < estrangler (moderno étrangler) < latim strangulāre; stun “atordoar” < estoner (moderno étonner) < latim popular extonāre; succeed < inglês médio succede “suceder-se, ser bem sucedido” < succéder < latim succēdere “vir depois”; suppose “supor, admitir” < supposer < latim supponere; surprise “surpreender” < sorprendre (moderno surprendre)

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< latim medieval superprehendere; tax “tributar, taxar” < taxer < latim taxāre; tempt

“tentar” < tempter < latim temptāre; trace “traçar, delinear” < tracier (moderno tracer) < latim tractiāre; tremble “tremer, tiritar” < trenbler (moderno trembler) < latim popular tremulāre; wait “esperar, sevir (à mesa)” < guaitier (moderno guetter) < germânico wahtôn (cf. alemão wachen);

Por fim, a influência do francês pode ser constatada em inúmeras locuções e fraseados, tais como to take leave “despedir-se”; to draw near “aproximar-se”; to

hold one's peace “calar-se”; to come to a head “prestes a suporar ou arrebentar” (furúnculo, abscesso etc.), “chegar a um ponto crítico”; to do justice “fazer justice”; to make believe “fazer crer, fingir”; hand to hand “corpo a corpo” (luta); on the point of

“a ponto de, prestes a”; according to “de acordo com”; subject to “sujeito a”; at large

“às soltas”; by heart “de cor, de memória”; in vain “em vão”; without fail “sem falta”.

Nestas e em outras locuções, mesmo quando as palavras são inglesas o padrão sintático é francês

Outro raro, porém interessante resíduo da influência francesa no estudo do inglês médio é a ordem das palavras em algumas locuções do tipo secretary general “secretário geral” e surgeon general “diretor geral de saúde” (EUA), onde o inglês manteve o padrão sintático substantivo + adjetivo típico do francês, em vez do padrão usual adjetivo + substantivo usado no inglês.

4. Formas divergentes ou alotrópicas

Formas divergentes ou alotrópicas são a coexistência, no caso do inglês, de dois ou mais vocábulos procedentes do latim. Apesar da origem comum, tais formas nem sempre constituem sinônimos perfeitos. A diferença de aspecto mórfico importa quase sempre distinção semântica. Resulta essa formação dupla, ou às vezes tripla, frequentemente do fato de ter a palavra originária sofrido tratamento diferente, o que se pode explicar pela diversidade de camada social, desigualdade de época e variedade de região, através da qual ela penetrou na língua.

O inglês possui diversos pares de palavras que se originaram da mesma fonte primária mas que diferem na grafia e geralmente em sentido. Desse modo, camera "gabinete", palavra latina, era chambre em francês. Tanto camera

quanto chamber têm uso corrente no inglês; a expressão in camera "no gabinete privado do juiz” retém o sentido primitivo camera.

Gentile “gentil, bem-nascido” vem do latim gentilis, mas gentle e genteel

vêm do derivado francês gentil.

O latim taberna "pequeno armazém" deu origem ao francês taverne,

donde o inglês tavern. Já tabernacle provém diretamente do latim e preserva seu sentido religioso.

Bench “banco, assento” e bank “banco, instituição financeira”

remontam à mesma palavra germânica baŋk. A explicação é que o francês tomou a palavra de empréstimo como bane, e o inglês a tomou de volta sob a forma bank, mantendo a palavra anglo-saxônica bent que se tornou bench.

O latim arcus "arco" deu em inglês arc, mas sua variante francesa deu arch. Do mesmo modo o latim legalis "conforme a lei” deu legal, e sua variante francesa loial é responsável por loyal. Tanto regal quanto royal provêm do francês antigo, onde já haviam divergido; ambas remontam ao latim regalis,

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que por sua vez é derivada de rex "rei". O francês-normando e o francês central eram dialetos diferentes, e o inglês

possui algumas formações duplas que refletem empréstimos tomados de ambos. Por exemplo, os Normandos são responsáveis por cattle

11 “gado”, o francês central

por chattel “bens móveis”. Talvez o par mais interessante seja chase “perseguir, acossar” e catch “apanhar, pegar, segurar”, de significação quase oposta; o francês central chacier, do latim captāre "apreender, apoderar-se de” deu chase,

e a variante do francês normando cachier, da mesma palavra latina, deu catch.12

Um desenvolvimento interessante resultou na combinação de componentes ingleses e franceses numa mesma palavra. Por exemplo, o sufixo inglês –ly era frequentemente acrescentado a adjetivos franceses, dando palavras como courteusly “cortesmente” e royally “regiamente, como um rei”. O mesmo comentário se aplica ao inglês antigo –ful e –ness, resultando em palavras como beatiful “belo” e faithfulness

“fidelidade”. O derivado francês battle “batalha” combinou com o inglês axe para produzir o novo vocábulo battle-axe “acha, acha-d’armas” (machada antigamente usada como arma de guerra). Quando combinações desse tipo ocorriam, as duas línguas estavam obviamente se tornando uma.

Uma maneira prática de verificar o elemento anglo-saxônico no léxico inglês é colocar os lexemas do inglês antigo lado a lado com os empréstimos franceses ou latinos. Desconsiderando quaisquer diferenças de significado, as últimas formas são usualmente mais formais, cuidadosas, livrescas, ou refinadas, como por exemplo:

Inglês antigo Francês Latim guts courage

clothes attire

climb ascend

sweat perspire

happiness felicity

house mansion

wish desire

weariness lassitude

11 O sentido geral original “riqueza, propriedade” restringiu-se a “bens móveis”, especialmente como tipificados por rebanho ou gado, que tem sido o único emprego no inglês contemporâneo, exceto na expressão jurídica goods and chattels “bens a haveres”. 12 Em grande parte, a existência dessa duplicidade se deve à diferença na realização de alguns fonemas nas duas línguas. Enquanto o anglo-saxão possuía os sons fricativos surdos [f], [s], [θ] (como em thin), e [š] (shin), a influência francesa ajudou a distinguir suas contrapartes sonoras [v], [z], [ð] (the), e [ž] (mirage), e também concorreu para a ditongação [ɔy] (boy). Os alofones surdos [f] e [s] somente ocorriam no início ou no final de palavras como freond e segst. Correspondentemente, o ambiente fonético dos

alofones sonoros [v] e [z] é somente entre duas vogais tais como ofer e cǣsa. Diferente de /f/ e /s/, [š] é o único som possível para o fonema /š/ no inglês antigo como em sceap e scip. Quando os normandos invadiram a Inglaterra em 1066, os falantes do francês normando introduziram o som fonético [ž] na língua inglesa como nas palavras measure, lingerie, e Kosur. Os alofones [f], [v], [s], [z], [š], e o recém-adquirido [ž] se dividiram nos fonemas separados /f/, /v/, /s/, /z/, /š/, e /ž/ no inglês médio. Devido à influência do francês normando, as palavras inglesas hoje em dia podem começar tanto com os sons [v] e [z] quanto com os sons [f] e [s].

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Por outro lado, também há diversas “triplicidades lexicais”, em que palavras francesas e latinas passaram a existir simultaneamente com palavras anglo-saxônicas. A facilidade do inglês em adquirir palavras quase sinônimas tem sido um fator importante no desenvolvimento da versatilidade estilística da língua inglesa moderna. Eis alguns exemplos:

Inglês antigo Francês Latim rise mount ascend

ask question interrogate

fast firm secure

kindly royal regal

holy sacred consacrated

fire flame conflagratio

4. Considerações finais

No todo, o vocabulário cotidiano do inglês antigo sobreviveu no inglês médio e no inglês moderno, como se pode verificar nos exemplos seguintes:

Inglês antigo Inglês médio Inglês moderno brick bregge bridge “ponte” fæstnian festen fasten “fixar, atar” īegland eland island “ilha” langung longinge longing “desejo, anseio” nīwe newe new “novo” strang stronge strong “forte’

Como resultado da conquista normanda e as expressivas transformações sociais e políticas que vieram no seu rasto, muitas palavras anglo-saxônicas caíram inteiramente em desuso, sendo frequentemente substituídas por equivalentes de procedência francesa, como por exemplo eftsīð foi substituída por retorn, retorne, retourne (= return), eorlscipe por nobilite, nobylyte (= nobility), lārcwide por conseil, counseil (= counsel) e muitas outras. Nos séculos imediatamente após a conquista, o inglês assumiu as formas e padrões duais de seu vocabulário atual de base germânica e românica; por exemplo:

Base nativa (anglo-saxônica) Base francesa freedom liberty

hearty cordial

kingly royal (ao lado de regal, diretamente do latim) knight chevalier

knighthood chivalry

lawful legal

unlawful illegal

unlawfulness illegality

pig pork

sheep mutton

calf veal

cow beef

As palavras francesas adotadas no inglês após 1250 mostram o amalgamação de interesses e atividades dos dois povos. Muitas palavras ligadas a sistemas de governo,

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legislação e negócios, tais como crown, state, realm, courtier, justice, equity, warrant,

felony, manor, bill, petition, estate, e executor, foram tomadas de empréstimo dos franceses pelos ingleses. À medida que os interesses culturais e as oportunidades aumentavam, mais palavras ligadas à literatura, às artes, à medicina, à moda, e à vida social foram absorvidas do francês. Desse modo, ao final do período do inglês médio (por volta de 1470), encontramos uma língua inglesa ainda genuinamente inglesa na gramática; porém, vastamente enriquecida no léxico e na maneira de pensar através das riquezas culturais do francês. A importação de termos do francês, entretanto, jamais cessou por completo. Vez por outra, deparamo-nos com empréstimos mais recentes e já incorporados à língua de velho dramaturgo Shakespeare, como por exemplo chauffeur, garage, e barrage.

É curioso observar que os nomes de quase todos os artigos de luxo e mais sofisticados são normandos; já as coisas mais simples são saxônicas. Desse modo, temos castle, city e mansion (normandos); porém town e hamlet, home e house

(saxônicas); relations, ancestors e descendants (normandos); father e mother, sister e brother, son e daughter (saxônicas). O normando tinha pleasure, comfort, ease, delight;

o inglês possuía happiness, gladness e work. O modesto operário inglês era um shoemaker, shepherd, miller, fisherman, smith, ou baker; já aqueles que tinham contato mais próximo com os soberanos eram os tailors, barbers, painters, carpenters. Os normandos usavam chairs, tables e furniture; o inglês tinha apenas uma humilde stool.

Os normandos consumiam seus big dinners, feast, supper, em que os alimentos eram boiled, fried, roasted; o inglês se contentava com uma refeição mais simples, o breakfast.

Encerrando essas considerações, a título de curiosidade, apresentamos três versões do Pai Nosso (Mateus 6.9-13): no inglês antigo, no inglês médio e no inglês renascentista. No inglês antigo (c. 1000), o texto é praticamente irreconhecível aos olhos do leitor contemporâneo:

Fæder ure þu þe eart on heofonum; Si þin nama gehalgod to becume þin rice gewurþe ðin willa on eorðan swa swa on heofonum. urne gedæghwamlican hlaf syle us todæg and forgyf us ure gyltas swa swa we forgyfað urum gyltendum and ne gelæd þu us on costnunge ac alys us of yfele soþlice. (Corpus Christi College MS 140, ed. Liuzza (1994)

Vertido no inglês médio (Wyclif, 1384), o mesmo texto é parcialmente reconhecível aos olhos do leitor contemporâneo:

Oure fadir that art in heuenes, halewid be thi name; thi kyndoom come to; be thi wille don in erthe as in heuene: gyue to us this dai oure breed ouer othir substaunce; and forgyue to us oure dettis, as we forgyuen to oure gettouris; and lede us not in to temptacioun, but delyuere us fro yuel.

Por fim, no período do inglês renascentista (Versão King James, 1611), o mesmo texto, salvo algumas convenções ortográficas, é plenamente inteligível:

Our father which art in heauen, hallowed be thy name. Thy kingdome come. Thy will be done, in earth, as it is in heauen.Giue vs this day our daily bread.And forgiue vs our debts, as we forgiue our debters. And lead vs not into temptation, but deliuer vs from euill: For thine is the kingdome, and the power, and the glory, for euer, Amen. (Thomas Nelson Publishers)

Note-se que as palavras gyltas “dívidas”, gyltendum “devedores”, gelæd “livrar” e costnunge “tentação” (assinaladas em negrito nos textos) no inglês antigo já começam a ser substituídas por equivalentes latinas a partir da versão de Wyclif (1384).

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BIBLIOGRAFIA

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