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Estratégia Empresarial FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS FGV MANAGEMENT MBA EM ESTRATÉGIA EMPRESARIAL TURMA III 2001/2002 TRABALHO FINAL Uma metodologia prática de engenharia de negócios baseada na convergência dos modelos teóricos de estratégia, engenharia de processos e teoria organizacional nas organizações em rede da era da informação Victor Rafael Rezende Celestino Aluno Maria Leonídia Marques Malmegrin Orientadora Brasília, Dezembro de 2002

Dissertação do MBA

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Estratégia Empresarial

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV MANAGEMENT

MBA EM ESTRATÉGIA EMPRESARIAL – TURMA III 2001/2002

TRABALHO FINAL

Uma metodologia prática de engenharia de negócios

baseada na convergência dos modelos teóricos de

estratégia, engenharia de processos e teoria organizacional

nas organizações em rede da era da informação

Victor Rafael Rezende Celestino

Aluno

Maria Leonídia Marques Malmegrin

Orientadora

Brasília, Dezembro de 2002

Estratégia Empresarial

RESUMO

Este trabalho procura conciliar os principais modelos teóricos de estratégia, engenharia de

processos e teoria organizacional, buscando uma convergência entre eles no ambiente das

organizações em rede da Era da Informação. Aqui se propõe uma metodologia de aplicação

prática para auxiliar as organizações na reengenharia de seus processos e na reestruturação de

suas arquiteturas organizacionais, em decorrência da estratégia de mercado adotada. O

principal benefício da metodologia proposta é formular um arcabouço teórico que possa ser

testado em campo, buscando a comprovação do modelo proposto e/ou a identificação de

novas linhas de pesquisa associadas. Como a convergência dos modelos de estratégia,

engenharia de processos e teoria organizacional ainda é um tema em aberto, vislumbra-se uma

necessidade de uma maior intensidade de estudos teóricos, antes que seja possível enunciar e

comprovar cientificamente uma teoria unificada e sistêmica.

PALAVRAS-CHAVE

Engenharia de Negócios, Estratégia, Vantagem Competitiva,

Engenharia de Processos, Teoria Organizacional, Organizações em Rede

Pág. 3

AGRADECIMENTOS

Cioso de que ainda há muito que se fazer no campo da estratégia empresarial, procurei

deixar com este trabalho uma aplicação prática dos conhecimentos adquiridos.

Ao vencer este desafio e chegar ao final do meu MBA em Estratégia Empresarial na FGV,

gostaria de agradecer a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram por mais esta

conquista em minha jornada terrestre.

Ao Deus criador e aos meus filhos, irmãos, pais, avós, antepassados, e familiares mais

chegados, obrigado pela minha vida, tão cheia de alegrias.

À minha querida esposa Márcia, obrigado pelo seu amor, que me deu apoio nas horas de

desânimo e paciência nos momentos de sacrifício de nosso convívio.

À Atech, especialmente ao Takashi, superintendente executivo, obrigado pelo

investimento no aprimoramento continuado da minha formação profissional.

À FGV, a quem agradeço na pessoa da Profa. Socorro, coordenadora do núcleo, o meu

muito obrigado pela excelência da formação que nos proporcionou. À Profa. Maria Leonídia,

minha orientadora, muito obrigado pela orientação e confiança na minha capacidade

profissional. Aos meus mestres, os sinceros agradecimentos pelos ensinamentos e

experiências transmitidas. Ao pessoal de apoio da FGV, obrigado pelo apoio de bastidores

para o sucesso do nosso curso.

Aos colegas, que hoje são amigos queridos, obrigado pela convivência tão fraternal. Sem

cada um de vocês, esta jornada teria sido muito mais dura. Foi muito bom trocar com vocês

conhecimentos e experiências, alegrias e apreensões. Jamais esquecerei a alegria que foi ter

muitos de vocês na festa do meu casamento. A turma fazia com que, ao contrário da lógica,

sentíssemos saudades das Sextas à noite e dos Sábados. Para mim, foi uma graça de Deus e

um privilégio ter podido compartilhar com vocês esses meses. Foi também uma satisfação

especial ter sido eleito orador da turma.

Por fim, queria deixar um agradecimento especial ao meu querido sogro Nelson, por sua

incansável e preciosa revisão do meu trabalho, dando sugestões importantes para que este

pudesse ter a coerência e a objetividade desejada.

Pág. 4

SUMÁRIO

RESUMO

PALAVRAS-CHAVE

AGRADECIMENTOS

1. Introdução ......................................................................................................................... 5

2. A vantagem competitiva e a convergência entre estratégia e teoria organizacional .. 5

3. Dinâmicas Convergentes na produção de configurações organizacionais ................ 12

3.1 A infraestrutura de interdependências. A visão da organização industrial............... 15

3.2 A socioestrutura de relacionamentos de troca. O poder e as estruturas. .................. 23

3.3 A superestrutura de representações simbólicas. As conexões ocultas e a cultura. ... 25

4. Uma metodologia prática de engenharia de negócios. ................................................ 30

4.1 A estratégia como adequação dos processos e da estrutura ...................................... 34

4.2 O processo adequado à estratégia como determinante da estrutura ......................... 42

4.3 A organização em rede e a teoria da coordenação.................................................... 45

4.4 Mapeamento da organização em rede e da coordenação .......................................... 50

5. Conclusão ........................................................................................................................ 66

6. Referências Bibliográficas ............................................................................................. 68

Pág. 5

1. Introdução

Considerando a revisão das referências bibliográficas mencionadas neste trabalho,

constata-se que ainda existe uma lacuna na teoria organizacional em relação à explicitação das

relações condicionantes entre a estratégia, os processos de negócio e a arquitetura

organizacional, bem como dos sistemas de informação a eles associados.

Na Era da Informação em que vivemos, na qual organizações atuam em redes baseadas

em arquiteturas organizacionais ad hoc, vigora o imperativo da mudança continuada para

atender as necessidades dos mercados. Nesse cenário, existe um grande interesse da

comunidade científica e, em especial, dos empresários, a respeito de modelos teóricos que

permitam guiar a reengenharia dos processos e a mudança organizacional, a partir da

definição da estratégia do negócio. Essa é a grande motivação deste trabalho.

Buscou-se, então, conciliar os principais modelos teóricos de estratégia, engenharia de

processos e teoria organizacional, estudando os possíveis relacionamentos entre as variáveis

relevantes e propondo um modelo explicativo do relacionamento entre estratégia, processos e

sistemas. O principal benefício dessa metodologia é formular um arcabouço teórico que possa

ser testado em campo, buscando a comprovação do modelo proposto e/ou a identificação de

novas linhas de pesquisa associadas.

A metodologia proposta pretende ser de aplicação essencialmente prática, visando

auxiliar as organizações na reengenharia de seus processos e na reestruturação de suas

arquiteturas organizacionais, em decorrência da estratégia de mercado adotada.

2. A vantagem competitiva e a convergência entre estratégia e teoria organizacional

Dois temas fundamentais estruturam a evolução recente do pensamento sobre estratégia

empresarial: a vantagem competitiva e a mudança organizacional e estratégica. Embora

distantes nas suas origens, tendo seguido por várias trajetórias paralelas, esses dois tópicos

tendem a convergir progressivamente em função das rápidas mudanças econômicas e sociais

que caracterizam a economia mundial na virada do século XXI.

Pág. 6

Uma série de contribuições teóricas e conceituais, tanto no campo da Administração

Estratégica como no campo da Teoria das Organizações, levou a essa convergência: no campo

da Estratégia Empresarial, os trabalhos de pesquisa costumam basear-se em fundamentos

econômicos, focalizando o conteúdo das estratégias. Esses trabalhos normalmente utilizam

abordagens metodológicas estruturadas dirigidas à verificação empírica de hipóteses

generalizáveis. Também é comum que tais estudos concedam uma especial importância às

implicações normativas dos resultados. Seu objetivo principal costuma ser a identificação dos

fatores responsáveis pelo sucesso ou fracasso das empresas em diferentes contextos.

Um segundo grupo de contribuições embasa-se nas Ciências Sociais em geral e na

Sociologia em particular. Essas contribuições focalizam a natureza da mudança

organizacional e os processos internos de adaptação, inovação e aprendizagem, utilizando,

preferencialmente, métodos qualitativos com o objetivo de entender e explicar, no seu

contexto, a natureza e a dinâmica dos processos de mudança organizacional.

No entanto, de acordo com Vasconcelos & Cyrino (2000), apesar das consideráveis

diferenças teóricas e metodológicas, diversas razões justificam a convergência dessas duas

correntes. Primeiramente, a evolução dos ambientes organizacionais, cada vez mais marcados

pela evolução tecnológica, pela interconexão entre grandes redes de organizações e pela

integração aos mercados mundiais. Altos níveis de incerteza e ambigüidade ambiental

contribuem fortemente para que a mudança organizacional seja vista não como um evento

raro, mas como uma ocorrência cada vez mais freqüente nas organizações. A importância da

mudança organizacional é, assim, posta em evidência pela percepção generalizada de que a

mudança é essencialmente inevitável. Daí surge uma forte motivação para compreender e

influenciar os processos de mudança organizacional, estabelecendo uma interface entre a

estratégia, como fenômeno intencional, e o comportamento organizacional, como fenômeno

emergente. Essa aproximação implica, finalmente, dar um aspecto mais normativo aos

estudos sobre mudança organizacional.

A partir dos anos 70, diversas correntes de pensamento econômico abordaram a questão

da vantagem competitiva utilizando abordagens conceituais diferentes. Algumas das correntes

contemporâneas não colocam verdadeiramente a questão das estratégias empresariais no

centro de suas preocupações. É o caso da economia neoclássica e das abordagens contratuais

da firma (da economia de custos de transação e da teoria da agência).

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As teorias de Estratégia Empresarial que tratam da questão da vantagem competitiva

podem ser divididas em dois eixos principais. O primeiro eixo classifica os estudos segundo

sua concepção da origem da vantagem competitiva. Dois casos são, assim, identificados: as

teorias que consideram a vantagem competitiva como um atributo de posicionamento exterior

à organização, derivado da estrutura da indústria, da dinâmica da concorrência e do mercado;

e as que consideram o desempenho superior como um fenômeno decorrente primariamente de

características internas da organização.

A segunda dimensão discrimina as abordagens segundo suas premissas sobre a

concorrência. Uma divisão se faz entre os pesquisadores que possuem uma visão estrutural,

essencialmente estática da concorrência, fundada na noção de equilíbrio econômico, e aqueles

que enfocam os aspectos dinâmicos e mutáveis da concorrência, acentuando fenômenos como

inovação, descontinuidade e desequilíbrio.

Um dos modelos conceituais mais difundidos para a análise da vantagem competitiva é o

modelo da nova organização industrial, pautada na análise de Estrutura-Comportamento-

Desempenho. Mesmo assim, influenciados pela noção simplificada de firma pontual,

inspirada nos modelos neoclássicos, os pesquisadores da economia industrial tendem a

ignorar os aspectos organizacionais da estratégia empresarial.

A análise inicial sobre a vantagem competitiva acentua alguns elementos característicos

da nova organização industrial. Em primeiro lugar, utiliza como unidade de análise a indústria

e não a firma individual. Além disso, a lógica dos modelos de organização é muito clara sobre

as origens e o sentido de causalidade do modelo, começando pela estrutura da indústria que

determina o comportamento dos agentes econômicos e o desempenho das firmas. Ainda que

outros elementos sejam ocasionalmente considerados, o posicionamento da firma dentro da

estrutura industrial é o principal determinante de seu sucesso ou fracasso no cenário

competitivo.

Alguns aspectos críticos fazem-se notar. Os processos intra-organizacionais têm um papel

secundário nos trabalhos da escola de organização industrial. Sendo a indústria a unidade de

análise, a firma é vista apenas como um conjunto de atividades organizadas. Como as teorias

da economia industrial adotam um modelo de racionalidade próximo ao da economia

neoclássica, a estratégia é, nessa perspectiva, uma escolha de otimização entre tipos gerais de

combinações entre produtos e mercados (liderança de custos, diferenciação e focalização).

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O conjunto de idéias que se convencionou chamar de teoria dos recursos aparece durante

os anos 80 como uma alternativa à posição dominante da organização industrial. A teoria dos

recursos, em sua forma atual, fundamenta-se em duas generalizações empíricas e dois

postulados. As generalizações empíricas identificam que há diferenças sistemáticas entre as

firmas no tocante à forma com que elas controlam os recursos necessários à implementação

de suas estratégias, e constatam que essas diferenças são relativamente estáveis. Os

postulados estabelecem que as diferenças nas dotações de recursos causam diferenças de

desempenho, e que as firmas procuram constantemente melhorar seu desempenho econômico.

Não é suficiente que as firmas tenham recursos distintos. O que diferencia os recursos, na

realidade, é sua capacidade de gerar valor para os clientes ou a sua capacidade de permitir a

implantação de estratégias diferenciadas. A vantagem competitiva pressupõe que as dotações

de recursos das firmas sejam heterogêneas. Por causa dessa heterogeneidade, as firmas

apresentam diferenças de desempenho econômico, algumas apresentando baixa lucratividade

e outras apresentando lucratividade excepcionalmente alta em relação à média do mercado.

Os autores que se identificam com a teoria dos recursos se concentram nos fatores e

mecanismos que impedem a imitação de recursos específicos à firma, ao passo que, para os

autores que se identificam com a economia industrial, as barreiras de entrada e saída

(barreiras de mobilidade) são os principais elementos para explicar a diferença de

desempenho entre as firmas.

Uma das condições necessárias para que recursos específicos sejam capazes de gerar

rendas acima do nível médio de mercado é que sua transferência de uma firma a outra seja

difícil ou até impossível. A mobilidade perfeita dos recursos eliminaria as rendas

excepcionais, pois estas seriam incorporadas ao sistema de equilíbrio geral de preços por meio

do mercado de fatores.

As firmas, em geral, empregam esses recursos em feixes caracterizados por relações de

complementaridade e co-especialização. A dependência dos outros recursos limita a

mobilidade de um recurso em particular, tornando as configurações individuais de recursos

muito específicas às firmas que as desenvolveram. Excetuada a aquisição da firma inteira, o

mercado não dispõe de mecanismos para a transferência de sistemas (ou redes) de recursos, o

que justifica o argumento da não-transferência de recursos.

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A teoria dos recursos coloca em evidência as diferenças entre as firmas em função das

diversidades entre suas bases de recursos e competências. Essas diferenças são desenvolvidas

por meio das diversidades de escolhas e compromissos dos dirigentes das firmas. Essas

decisões não são tomadas por acaso. Elas interagem fortemente com as decisões passadas

condicionando as decisões presentes. A história é, dessa maneira, extremamente importante,

engendrando irreversibilidades e impondo restrições.

Alguns autores consideram que rendas excepcionais não podem ser concretizadas a partir

da análise de oportunidades externas, pois as informações e as técnicas de análise dessas

oportunidades estão acessíveis a todos os concorrentes. Por outro lado, as informações sobre

os recursos da firma permanecem como sua propriedade exclusiva, protegidas pelos

mecanismos de isolamento. Dessa forma, é a assimetria de informação relativa ao potencial

dos recursos e das competências específicas da firma que deve guiar a estratégia, pois é a

única fonte possível de vantagem competitiva.

Um balanço preliminar das contribuições da teoria dos recursos, ancoradas na disciplina

econômica, mostra alguns limites dessa abordagem. São identificados três limites principais :

a ênfase na noção de equilíbrio, a ênfase em recursos discretos e o papel secundário atribuído

ao ambiente.

Constatando que a mudança, a inovação, o surgimento de novos concorrentes, os

fenômenos de rendimento crescente e os resultados financeiros discrepantes da média do

mercado são fenômenos comuns, alguns pesquisadores em economia partem em busca de um

quadro conceitual capaz de explicar esses fenômenos, não como aberrações de um modelo de

equilíbrio, mas como ocorrências esperadas em um modelo que gera e preserva diferenças de

desempenho. Para a escola austríaca, o mercado, longe de ser caracterizado pelo equilíbrio, é

um processo de descoberta interativa que mobiliza informações divergentes e conhecimentos

dispersos. As firmas obtêm lucros por meio da descoberta de oportunidades e da mobilização

pioneira de recursos operada pelos empreendedores. Estes últimos, motivados pela

perspectiva de lucros excepcionais, procuram sempre inovar, gerando novos arranjos

econômicos e, conseqüentemente, causando o desequilíbrio do mercado. Tendo em vista que

os concorrentes procuram imitar e suplantar os inovadores, introduzindo outras inovações, o

desequilíbrio do mercado passa a ser um estado permanente, e não um fenômeno transitório.

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A escola austríaca considera a firma como uma entidade na qual a história e as

características individuais a tornam muito difícil de ser perfeitamente imitada pelos

concorrentes. A natureza da competição entre firmas sugere que nenhuma estratégia que possa

ser livremente replicada pode assegurar taxas de rentabilidade acima da média do mercado.

Nessas condições, para que uma firma possa manter uma rentabilidade elevada, ela deve

basear-se em estratégias de inovação permanente, derivadas de elementos de difícil imitação

por parte dos concorrentes. Para atingir esse objetivo, os teóricos da escola austríaca ressaltam

a importância dos fatores inobserváveis. Esses fatores de natureza subjetiva seriam justamente

aqueles capazes de escapar à dinâmica da imitação do mercado, sendo, assim, responsáveis

pelo estabelecimento da vantagem competitiva.

Alguns pesquisadores vinculados à escola austríaca colocam em questão a estrutura

central do modelo da organização industrial. Afirmam que o modelo da análise estrutural da

indústria identifica erroneamente a estrutura da indústria como o fator causal mais importante

na determinação da natureza da concorrência e dos níveis de rentabilidade. Para eles, a

natureza da competição entre as firmas é independente da estrutura da indústria, sendo um

dado característico do sistema capitalista. Por serem processos independentes, são a dinâmica

competitiva e a descoberta das inovações que influenciam os níveis de desempenho

econômico das firmas. No modelo proposto, a estrutura da indústria deve ser vista como o

resultado endógeno das diferenças de desempenho das firmas no decorrer do tempo, em vez

de ser considerada um fator determinante dessas diferenças. .

Um outro grupo de contribuições elabora as idéias colocadas nas teorias dos processos de

mercado e na teoria dos recursos, tentando formular uma teoria da formação das competências

organizacionais em ambientes de alta complexidade e mudanças constantes.

Partindo da concepção geral da firma como um conjunto de recursos, esse modelo procura

estudar as relações entre os processos de decisão, as ações empreendidas e as suas

conseqüências gerenciais, em tempos da formação, conservação e destruição de recursos.

Identificam-se quatro fontes diferentes da vantagem competitiva das firmas, cada uma

fundada sobre tipos específicos de recursos:

a) o acesso privilegiado a recursos únicos, em que as rendas são derivadas da propriedade

ou acesso a recursos raros e valiosos;

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b) a capacidade de transformação dos fatores de produção em produtos vendáveis no

mercado, em que a vantagem competitiva decorre da eficácia operacional;

c) a alavancagem de recursos e capacidades, aperfeiçoando e recombinando os recursos

existentes com o objetivo de criar novos produtos e mercados; e

d) a regeneração de recursos e capacidades, através de um fluxo contínuo de inovações.

Nos trabalhos da teoria dos recursos, os recursos e as capacidades são tratados

essencialmente como variáveis de estoque, isto é, como dados mais ou menos fixos. Nessa

nova abordagem, denominada de capacidades dinâmicas, mais importante que o estoque atual

de recursos é a capacidade de acumular e combinar novos recursos em novas configurações

capazes de gerar fontes adicionais de renda.

A posição atual dos recursos é, dessa forma, o resultado das ações e decisões (deliberadas

ou acidentais) tomadas pelos integrantes da firma no exercício de suas tarefas e rotinas

cotidianas. Por essa razão, para poder compreender o sentido da acumulação de recursos, é

necessário entender as rotinas e os processos organizacionais. O ponto central dessa análise é

justamente o conjunto de processos administrativos (rotinas, atividades, culturas, prioridades)

que influenciam a produção dos ativos tangíveis e intangíveis nas firmas.

Esses processos administrativos e organizacionais cumprem três funções básicas:

a) uma função de coordenação/integração (conceito estático), que visa coordenar o uso

interno e externo dos recursos da firma;

b) uma função de aprendizagem (conceito dinâmico), que focaliza os processos pelos

quais a repetição da experimentação possibilita a utilização mais eficaz dos recursos; e

c) uma função de reconfiguração (conceito transformacional), que contempla os

mecanismos de antecipação da necessidade de novas competências e os métodos de

reconfiguração dos recursos que permitirão a continuidade de desempenhos

superiores.

Os autores que trabalham dentro da corrente das capacidades dinâmicas tentam construir

um edifício teórico com base nas premissas mais realistas sobre as relações entre as estruturas

cognitivas dos agentes econômicos e as decisões estratégicas das firmas.

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Em resumo, o enfoque privilegiado nos processos organizacionais permite a criação de

uma teoria estratégica mais flexível do que as visões economicistas nas quais os recursos são

vistos como elementos estáveis, identificados ex post.

Os desenvolvimentos teóricos que levaram a uma teoria dinâmica das capacidades

retomam a análise dos fatores ambientais, que, na teoria dos recursos, ficaram em segundo

plano como um dos fatores determinantes no processo de decisão estratégica. A concorrência

entre as firmas, tradicionalmente concentrada na análise de mercados e produtos, passa a ser

analisada em termos de recursos únicos ou raros que derivam de processos organizacionais

específicos às firmas. A concorrência fundada sobre as competências das firmas sobrepõe-se à

noção tradicional de concorrências entre produtos e serviços.

A importância do conhecimento da informação e da tecnologia para o desempenho das

empresas tem sido amplamente reconhecida por diversas correntes teóricas. Para os

estudiosos da teoria dos recursos e para os que defendem uma visão dinâmica das capacidades

organizacionais, os recursos e as capacidades da firma são resultado de um processo de

aprendizagem por experiência, que constitui o repertório de ações coletivas disponíveis para

as firmas.

A corrente de capacidades dinâmicas reconhece as restrições impostas pela base atual de

recursos e pela trajetória histórica da firma. No entanto, diante da incerteza, da instabilidade

da concorrência, e da inevitabilidade da degradação da base de recursos em longo prazo, a

corrente de capacidades dinâmicas procura fornecer uma explicação de como as firmas podem

agir para reconfigurar, proativa ou reativamente, a sua base de recursos.

3. Dinâmicas Convergentes na produção de configurações organizacionais

Tendo revisado as teorias de Estratégia Empresarial que tratam da questão da vantagem

competitiva, e perseguindo a meta de conciliar os principais modelos teóricos de estratégia,

engenharia de processos e teoria organizacional, é preciso agora identificar as dinâmicas

convergentes que moldam as organizações.

Se considerarmos duas organizações estáveis, de tamanho e idade similar, competindo na

mesma indústria, localizadas na mesma área urbana e recrutando colaboradores do mesmo

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mercado de trabalho, de acordo com a lógica da teoria da contingência, as estruturas dessas

organizações deveriam ser similares. Suas estruturas se alinhariam devido à pressão do

ambiente comum para que elas fossem moldadas pelo padrão prevalecente.

Na verdade, existe uma variedade de organizações, que coexistem dentro das indústrias e

dos grupos estratégicos. Conforme uma organização evolui, sua unicidade é alcançada através

de um processo dinâmico de estruturação. A estrutura organizacional é moldada em função de

três níveis de restrições ao comportamento:

(a) uma infraestrutura de interdependências. A metáfora dominante é a Economia. A

infraestrutura define as interdependências que a organização enfrenta para produzir

sua saída. Essas interdependências descrevem como a tecnologia, os recursos escassos

e o ambiente restringem a adaptação da organização. Elas incorporam restrições

tecnológicas no desenvolvimento, na produção e na distribuição do output da firma,

bem como limitações na disponibilidade de recursos, resultante da rivalidade e da

diferenciação em nichos;

(b) uma socioestrutura de relacionamentos de troca. A metáfora é a Política. A

socioestrutura inclui os relacionamentos formais e informais que ocorrem entre os

membros de uma organização, conforme eles executam suas tarefas. É

tradicionalmente referenciado na literatura administrativa como a estrutura.

Subdivide-se em três dimensões:

1. a divisão do trabalho e o agrupamento de atividades (diferenciação);

2. os mecanismos de coordenação e controle (integração);

3. os padrões emergentes de relações sociais, que são ao mesmo tempo causa e

conseqüência da distribuição de poder entre indivíduos e grupos dentro da

organização (organização informal);

(c) uma superestrutura de representações simbólicas. A metáfora é a Cultura. A

superestrutura distingue o lado idealista da organização, as representações simbólicas

e as interpretações da vida coletiva. Incluídas na superestrutura estão tanto as regras

subentendidas (autopercebidas) e os valores dos membros da organização como as

ideologias implícitas, evidenciadas na ética praticada (observada e deduzida

externamente), nas práticas culturais e nos rituais da organização.

Pág. 14

Logo, para descrever integralmente a estrutura de uma organização, é necessário

considerar as correspondências instantâneas entre as restrições de comportamento que

emanam conjuntamente da infraestrutura, socioestrutura e superestrutura. Configurações

distintas resultam de um processo dinâmico de estruturação. Três tradicionais linhas de

pesquisa buscam explicar a estruturação como um processo que progressivamente diferencia

as organizações, fomentando a convergência através dos níveis da estrutura:

(a) Institucionalistas: ressaltam que a história inicial (ou pré-história) da organização

influencia fortemente sua estrutura e seus elementos culturais;

(b) Evolucionistas: defendem que as organizações são moldadas pelo ambiente onde

competem; e

(c) Desenvolvimentistas: estudam como as organizações são moldadas pela vontade

de seus líderes na implementação de estratégias competitivas.

Em síntese, institucionalistas, evolucionistas e desenvolvimentistas concordam em

descrever a estruturação como um processo para produzir um conjunto único de regras em

múltiplas camadas, que ao mesmo tempo delimita e propicia a ação. Alcançar a estabilidade

em um nicho envolve ajustes múltiplos entre infraestrutura, socioestrutura e superestrutura. A

institucionalização resulta do aprendizado da organização, que fomenta a emergência de

elementos idealistas e rituais, os quais subseqüentemente tornam-se padrões identificáveis das

culturas dessas organizações.

Em um estudo prático da indústria editorial, Fombrun (1989) constatou que a influência

mútua da infraestrutura, socioestrutura e superestrutura não possibilitou identificar uma única

causa primordial. A partir desta constatação, o autor propõe um relacionamento dinâmico

entre os três níveis, na forma mostrada a seguir:

Infraestrutura

Superestrutura Valores do

Fundador

Socioestrutura

Formulação da

Estratégia

Nascimento da

Organização

Cultura

Organizacional

Estrutura

Organizacional

Posição

Estratégica

Definição de

Mercado

Vantagem

Competitiva

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Vista dessa forma, a emergência de regras de estruturação com o tempo parece mais

consistente com a visão desenvolvimentista, de um processo recíproco de influência entre os

níveis da estrutura, do que as hipóteses deterministas do evolucionismo e do

institucionalismo.

3.1 A infraestrutura de interdependências. A visão da organização industrial.

Continuando a buscar a conciliação entre os principais modelos teóricos de estratégia,

engenharia de processos e teoria organizacional, e considerando que, na infraestrutura de

interdependências, a metáfora dominante é a Economia, faz-se aqui uma pequena revisão dos

conceitos da nova teoria da organização industrial.

A firma

O que é a firma? Por que existem firmas? A firma é definida na microeconomia como

uma unidade de transformação tecnológica. Aspectos organizacionais ou de relacionamento

com clientes e fornecedores não são tratados, de tal modo que a firma pode ser representada

como uma Função de Produção, cujas entradas são os vários insumos necessários à produção

e as saídas, os produtos produzidos por ela.

É senso comum, no entanto, que uma organização não é caracterizada somente por

transformar insumos em produtos. Existem diversos modos de se organizar a produção e esses

modos são relevantes para a eficiência do sistema econômico. Uma firma pode ser

centralizada ou organizada em unidades de negócio autônomas; pode produzir os insumos de

que necessita ou adquiri-los de terceiros; pode estabelecer contratos de longo prazo com seus

fornecedores ou optar por compras esporádicas; pode, finalmente, adotar esquemas de

remuneração de seus empregados por produtividade ou utilizar uma remuneração fixa. O fato

é que firmas diferem umas das outras, independentemente de sua atividade de transformação

de insumos em produtos.

Assim, identificou-se que as trocas, o estabelecimento de acordos, ou qualquer resultado

de uma transação entre os agentes econômicos representam custos, que podem ser custos de

Pág. 16

coleta de informações, ou custos de negociação e estabelecimento de um acordo entre as

partes, tendo sido genericamente denominados custos de transação.

Além disso, constatou-se que as transações podem se realizar por meio de diferentes

formas organizacionais, como o mercado, contratos de longo prazo ou mesmo internamente a

uma firma. A firma não é, então, somente um meio de transformação de insumos em produto,

mas um meio de transação alternativo do mercado. No limite, toda a atividade de produção e

transação poderia acontecer dentro de uma mesma firma. O que define o escopo e os limites

de uma firma é, sobretudo, o modo como ela desempenha essa função alternativa ao mercado.

Se os custos para realizar uma transação por meio do mercado forem muito elevados, pode ser

vantajoso internalizar essa transação, ampliando o escopo da firma.

O paradigma de Estrutura-Conduta-Desempenho

Dentro dessa visão da firma, o paradigma de Estrutura-Conduta-Desempenho representa

uma tentativa de síntese do entendimento da teoria da organização industrial. Ele tem como

principal preocupação a avaliação do desempenho de um determinado mercado frente ao

desempenho esperado em uma situação ideal de concorrência perfeita. Em outras palavras,

procura-se avaliar em que medida as imperfeições do mecanismo de mercado limitam a

capacidade deste em atender as aspirações e demandas da sociedade por bens e serviços. O

confronto se dá, portanto, entre o desempenho econômico de uma estrutura dita imperfeita e o

desempenho do ideal competitivo. Sendo considerada uma variável dependente, assume-se

que o desempenho econômico pode ser alterado mediante intervenções sobre a estrutura de

mercado e a conduta das firmas, o que serviria como guia para as políticas públicas.

Em primeira instância, o desempenho do sistema econômico é determinado pelo conjunto

de estratégias que define a conduta das firmas. Cada empresa tem a possibilidade de

desenvolver estratégias com a finalidade de ganhar participação no mercado, no entanto, cada

estratégia tem um impacto distinto sobre o desempenho. Por exemplo, gastos em pesquisa e

desenvolvimento de novos produtos refletem-se no aumento da eficiência dinâmica,

contribuindo para a melhoria da qualidade e/ou queda do preço dos produtos. Por outro lado,

uma estratégia de cartelização com o objetivo de elevação dos preços tem efeito oposto.

Pág. 17

Introduzem-se ineficiências alocativas e produtivas, que terão reflexos negativos sobre o

desempenho econômico.

Não obstante o fato de que as empresas têm autonomia para traçar sua conduta a partir de

um leque de estratégias, esse conjunto de estratégias disponíveis é determinado pela estrutura

de mercado em que a empresa se insere. Esse é o ponto em que o paradigma de Estrutura-

Conduta-Desempenho mais se aprofundou. Se houver barreiras elevadas à entrada, há espaço

para o exercício do poder de monopólio, permitindo que a empresa faça uma política de

elevação dos preços. Se, ao contrário, não houver barreiras à entrada e à saída, as firmas têm

pouco espaço para a elevação de preços. Assim, a estrutura de mercado condiciona a decisão

estratégica.

A estrutura, por sua vez, é determinada pelas condições básicas de oferta e demanda,

compreendendo características do produto, dos consumidores e da tecnologia, entre outras. As

características da tecnologia, expressas na função de produção, definem a existência de

economias de escala. Estas, por seu turno, induzem uma estrutura concentrada. Pelo lado da

demanda, características do produto permitem ou não a sua diferenciação, sendo um elemento

da estrutura.

Os efeitos causais secundários são freqüentemente ignorados, embora possam ser

importantes no longo prazo. Por exemplo, uma política de investimento em pesquisa e

desenvolvimento – um elemento da conduta – pode dotar uma organização de acesso

privilegiado a uma nova tecnologia, permitindo que ela tenha vantagem absoluta de custos –

um elemento da estrutura. O efeito é considerado secundário porque é necessário tempo

considerável de investimentos para reverter uma dada situação da estrutura de mercado. Como

os trabalhos empíricos em sua maioria utilizam dados de diferentes indústrias em um mesmo

instante do tempo, a consideração de que o efeito causal predominante é aquele que parte da

estrutura para a conduta parece razoável.

O paradigma da Estrutura-Conduta-Desempenho foi o principal instrumento de

intervenção sobre os mercados, embora várias críticas lhe tenham sido endereçadas. Duas

dessas críticas se sobressaem: seu caráter estático e a ausência de uma teoria consolidada.

Considerar a estrutura de mercado como uma variável exógena é limitante quando a evolução

tecnológica é intensa. Nesses casos, a estrutura pode mudar com rapidez, desqualificando sua

ênfase enquanto variável determinante. Finalmente, o paradigma é uma tentativa de síntese de

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um conjunto de teorias, muitas vezes incompatíveis. Não se consegue – e não se pretende –

chegar a uma única teoria consolidada.

Organização e eficiência econômica

A partir dessas constatações e das limitações identificadas, procurou-se formular uma

nova teoria da organização industrial, que conciliasse a influência do ambiente e da estrutura

interna das organizações.

Uma firma, independentemente da tecnologia que adote, tem modos alternativos para se

estruturar internamente ou se relacionar com seus clientes e fornecedores. Essa não é uma

escolha aleatória, sendo freqüente as ações estratégicas com o intuito de se buscar um ou

outro modo de organizar a produção. A razão dessa preocupação com a estrutura

organizacional está em sua estreita relação com a eficiência econômica de uma firma ou

sistema econômico.

A estrutura organizacional é relevante porque: a informação necessária para gerir uma

organização não é completa; contratos internos e externos à firma apresentam custos ao ser

implementados; e a adaptação a contingências não-antecipadas é variável conforme a forma

organizacional adotada. Assim, é necessário que a empresa se organize de modo a lidar

eficientemente com esses problemas informacionais, contratuais e/ou de adaptação.

Um resultado tradicional obtido por essa linha de análise está na comparação de uma

estrutura centralizada com outra, em que a organização é dividida em unidades de negócio. A

estrutura centralizada permite um maior controle das atividades da organização, conseguindo

coordená-las melhor através do comando único da direção da firma. Uma estrutura

descentralizada, dividida em unidades de negócio, perde essa capacidade de coordenação,

pois o controle sobre elas é dividido entre as unidades. Nesse caso, é possível criar

mecanismos de incentivo que levem a um comportamento mais engajado de cada unidade de

negócio, uma vez que elas são diretamente responsáveis pelos resultados apresentados.

Como conseqüência, ao se passar de uma forma organizacional para outra, perde-se em

controle – e, portanto, em coordenação -, mas ganha-se em motivação. À medida que aumenta

o tamanho da organização, o controle – vantagem da estrutura centralizada – torna-se mais

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difícil de ser exercido. Por esse motivo, a estruturação em unidades de negócios pode vir a ser

mais atrativa, uma vez que o controle da estrutura centralizada passa a perder efeito.

Teoria da Agência

Outra contribuição importante para a caracterização da infraestrutura dentro da teoria da

nova organização industrial envolve a assimetria de informações, ou seja, situações onde um

agente econômico tem uma informação que o outro não possui. Isso acontece freqüentemente

entre decisores e executores de uma organização, entre líderes e liderados, entre vendedores e

clientes, etc. A área da economia da informação, na qual a Teoria da Agência se insere, é a

área da teoria econômica que mais vem crescendo na última década.

Também interessada em analisar aspectos internos à firma, a Teoria da Agência propõe

um método ortodoxo, baseado em uma análise semelhante àquela empregada pela

microeconomia tradicional, distinguindo-se apenas por considerar que a informação não é

completa e que há custos em coletá-la.

O modelo básico da Teoria da Agência apresenta dois atores – denominados Principal e

Agente – que se relacionam por meio de uma transação qualquer. O Principal é um ator cujo

retorno depende da ação de um Agente ou de uma informação que é propriedade privada deste

último. Assim, a principal característica de uma relação entre Principal e Agente é a

assimetria de informações, tendo o Agente uma informação que o Principal não dispõe.

Esse tipo de relação introduz dois tipos de problemas transacionais, relevantes para a

decisão sobre o modo como devem se organizar as firmas e suas relações com fornecedores e

clientes. O primeiro problema ficou conhecido como “risco moral”, referindo-se à

possibilidade de o Agente fazer uso de sua informação privada em benefício próprio após a

celebração de um contrato, eventualmente impondo prejuízos ao Principal.

Dois tipos de risco moral podem ser distinguidos: a) informação oculta (“hidden

information”), em que as ações do Agente são observáveis e verificáveis pelo Principal, mas

uma informação relevante ao resultado final é adquirida e mantida pelo Agente; e b) ação

oculta (“hidden action”), em que as ações do Agente não são observáveis ou verificáveis.

Uma ação é observável se o Principal é capaz de avaliá-la em qualidade e/ou quantidade,

mesmo que isso não implique alguma forma de mensuração. Uma ação é verificável se, além

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de observável pelo Principal, este tenha meios de provar o que observou perante a instância

responsável pela resolução de querelas contratuais – como, por exemplo, um tribunal.

A diferença entre uma ação verificável e outra apenas observável é relevante em relações

continuadas entre Agente e Principal, em que um deles, ou ambos, pode interromper o

contrato ou renegociá-lo no decorrer da transação. Nesse caso, a observabilidade tem como

efeito a imposição de uma restrição ao contrato, limitando o comportamento do Agente, que

pode ser punido com a interrupção do contrato. O Principal, no entanto, somente interromperá

o contrato se esta for uma solução que lhe garanta um retorno maior do que aquele que seria

obtido através da continuidade do contrato, mesmo considerando-se a possibilidade de risco

moral.

Outra contribuição igualmente importante do estudo da assimetria de informações foi o

conceito de seleção adversa. O tipo de problema agora enfocado não mais se refere ao

comportamento pós-contratual, mas sim a adesão ou não a uma determinada transação. Um

mercado que possua diferentes qualidades de bens, e essa seja uma informação privada de

uma das partes, tende a ser ineficiente na medida em que as transações desejadas em um

mundo de informação perfeita não se realizam. Resumidamente, o mecanismo de seleção

adversa elimina do mercado os produtos de boa qualidade porque o vendedor não consegue

convencer o comprador sobre a qualidade do produto.

Da parte do vendedor, a transação só é interessante se o valor a ser recebido for maior ou

igual ao valor do bem, valor esse dado em função da qualidade do bem, informação privada

do vendedor. O comprador, por sua vez, não podendo avaliar a qualidade do bem, não pode

simplesmente comparar valor e qualidade. Como alternativa, o comprador compara o valor a

ser pago com a qualidade esperada do bem. Se um bem for de alta qualidade, o vendedor,

ciente disso, exigirá um alto valor para a transação. O consumidor, no entanto, ignorante

quanto à qualidade do bem, aceita pagar um valor correspondente à qualidade esperada, que,

por definição, é inferior ao valor de um bem de alta qualidade. Conseqüentemente, somente os

bens de qualidade inferior seriam comercializados.

A solução para um problema de seleção adversa é conhecida como sinalização. O

vendedor agiria de modo a prover o comprador de informações confiáveis a respeito do bem –

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como certificados de qualidade ou garantia -, atenuando a assimetria de informações e, como

conseqüência, o problema de seleção adversa.

Para os adeptos desta abordagem, a organização das empresas e dos mercados é muitas

vezes desenhada para dar conta de problemas como risco moral e seleção adversa. Como

exemplo, a remuneração do funcionário (Agente) de acordo com a produtividade é uma

solução para o fato de seu patrão (Principal) não ser capaz de observar seu empenho no

trabalho (um caso de risco moral com ação oculta). Assim, um modo de induzir o trabalhador

a um empenho maior é remunerá-lo de acordo com sua produtividade.

A Teoria da Agência presta-se também para a formulação de estratégias diversas das

empresas. Por exemplo, freqüentemente o esforço de marketing atende ao propósito de

eliminar a assimetria informacional entre a firma e seus consumidores. A criação de uma

marca de conhecimento dos consumidores informa sobre a qualidade do produto. Em outras

palavras, a marca sinaliza ao consumidor aspectos da qualidade do produto, atenuando o

problema de seleção adversa.

Economia dos Custos de Transação

Finalmente, a partir da idéia de que os mercados também têm custos associados ao seu

funcionamento, surge a possibilidade para ampliar os preceitos neoclássicos de minimização

de custos, antes associados apenas aos custos mensuráveis dos fatores de produção, passando

a incorporar os custos de transação, definidos como os custos de mover o sistema econômico.

Tendo os custos das transações sidos identificados, ainda era necessário explicar como

surgiam esses custos e o que determinava a sua magnitude. Somente assim seria possível

inferir qual deveria ser a forma organizacional adotada. Esse passo foi dado pela Economia

dos Custos de Transação.

A Economia dos Custos de Transação parte de dois pressupostos comportamentais, que a

distinguem da abordagem tradicional. Assume-se que os indivíduos são oportunistas e que há

limites em sua capacidade cognitiva para processar a informação disponível (racionalidade

limitada). Por oportunismo entende-se que os indivíduos são considerados fortemente auto-

interessados, podendo, se for do seu interesse, mentir, trapacear ou quebrar promessas. O

pressuposto da racionalidade limitada, por sua vez, implica que o agente – por exemplo, um

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empresário – se empenhará em obter aquilo que considera melhor para si – por exemplo, o

maior lucro possível para sua firma.

É relevante mencionar que as teorias tradicionais de equilíbrio nas estruturas de mercado

admitem a maximização de lucro como hipótese, porém, essas teorias tradicionais não

conseguem abordar alguns elementos presentes na realidade do processo de produção (como o

risco, por exemplo). Quando da tomada de decisão, as firmas podem optar por metas que não

correspondem ao pressuposto de maximização de lucros, criando uma lacuna na explicação do

comportamento da firma. Outra questão também fundamental recai sobre as metas de lucro a

curto e a longo prazos. Uma firma pode ter dificuldades de definir o planejamento baseado em

um comportamento maximizador de lucros, onde existiriam riscos relativos a essas decisões

que entrariam em choque com as metas de longo prazo. Portanto, quando se planejam as

metas da firma, sob o ponto de vista de longo prazo, a incerteza surge como o elemento que

faz com que não sejam aceitas, sem restrições, as formulações da teoria tradicional.

No entanto, a obtenção de informações necessárias às decisões que levem ao objetivo

selecionado, assim como a capacidade de processamento de contratos complexos que levem

em conta todas as contingências, é limitada ou, na melhor das hipóteses, custosa. Em outras

palavras, o recurso racionalidade é escasso, implicando custos à sua utilização. Devido a esses

custos, os agentes limitam o uso da cognição, o que implica que suas decisões não

necessariamente corresponderão àquelas que seriam obtidas empregando-se racionalidade

plena. Em vez de uma decisão ótima, o agente contenta-se com uma decisão satisfatória,

pertencente a um conjunto de outras decisões igualmente satisfatórias e indistinguíveis entre

si, dados os limites da racionalidade.

Como não é possível estabelecer uma relação que dê conta de todas as eventualidades, a

renegociação é inevitável. Entretanto, como há possibilidade de comportamento oportunista,

essa renegociação sujeita uma parte ao risco de que a outra se aproveite da situação para obter

ganhos para si, impondo prejuízos à primeira. Por isso, nas transações econômicas, as partes

agem precavendo-se do comportamento dos demais agentes. Coleta de informações,

salvaguardas contratuais e utilização do sistema judiciário são custos muitas vezes necessários

para que se evite prejuízos decorrentes de ação oportunista. Todos esses custos são custos de

transação.

Pág. 23

A magnitude dos custos de transação é variável. Conforme sejam as características de uma

determinada transação, os custos podem ser maiores ou menores. Identifica-se nas transações

três dimensões principais que, em conjunto, permitem inferir os custos de transação:

freqüência, incerteza e especialidade dos ativos.

A freqüência é uma medida da recorrência com que uma transação se efetiva. Seu papel é

duplo. Primeiro, quanto maior a freqüência, menores serão os custos fixos médios associados

à coleta de informações e à elaboração de um contrato complexo que imponha restrições ao

comportamento oportunista. Segundo, se a freqüência for muito elevada, os agentes terão

motivos para não impor perdas aos seus parceiros, na medida em que uma atitude oportunista

poderia implicar a interrupção da transação e a conseqüente perda dos ganhos futuros

derivados da troca. Em outras palavras, em transações recorrentes, as partes podem

desenvolver reputação, o que limita seu interesse em agir de modo oportunista para obter

ganhos de curto prazo.

A incerteza tem como principal papel a ampliação das lacunas que um contrato não pode

cobrir. Em um ambiente de incerteza, os agentes não conseguem prever os acontecimentos

futuros e, assim, o espaço para renegociação é maior. Sendo maior esse espaço, maiores serão

as possibilidades de perdas derivadas do comportamento oportunista das partes.

Finalmente, a especificidade dos ativos envolvidos assume o papel de variável-chave do

modelo. Ativos são específicos se o retorno associado a eles depende da continuidade de uma

transação específica. Por exemplo, um fornecedor de uma indústria automobilística em regime

de consórcio modular (em que os fornecedores se localizam nas instalações da montadora),

faz diversos investimentos cujo retorno depende da continuidade de suas vendas para a

empresa. Seus ativos são, portanto, específicos a essa transação. Quanto maior a

especificidade dos ativos, maior a perda associada a uma ação oportunista por parte de outro

agente. Conseqüentemente, maiores serão os custos de transação.

3.2 A socioestrutura de relacionamentos de troca. O poder e as estruturas.

Ainda conciliando os principais modelos teóricos de estratégia, engenharia de processos e

teoria organizacional, e considerando que, na socioestrutura de relacionamentos de troca a

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metáfora é a Política, apresenta-se aqui a aplicação da nova teoria dos sistemas vivos para o

entendimento do poder e das estruturas nas organizações.

A socioestrutura inclui os relacionamentos formais e informais que ocorrem entre os

membros de uma organização, conforme eles executam suas tarefas. É tradicionalmente

referenciado na literatura administrativa como a estrutura e inclui os padrões emergentes de

relações sociais, que são tanto causa e conseqüência da distribuição de poder entre indivíduos

e grupos dentro da organização (organização informal).

Uma das características mais marcantes da realidade social é o fenômeno do poder. O

papel essencial do poder na organização social está ligado aos inevitáveis conflitos de

interesses. Em virtude da nossa capacidade de afirmar nossas preferências e determinar por

elas as nossas escolhas, os conflitos de interesses surgem inevitavelmente em qualquer

comunidade humana, e o poder é o meio pelo qual esses conflitos são resolvidos.

A origem do poder está, pois, em posições de autoridade definidas pela cultura, posições

essas nas quais a comunidade se apóia para a resolução de conflitos e a tomada de decisões.

Em outras palavras, a verdadeira autoridade consiste em dar aos outros o poder de agir.

À medida que uma comunidade cresce e sua complexidade aumenta, também o número de

posições de poder cresce. Nas sociedades complexas, a resolução de conflitos e as decisões de

como agir só são eficazes quando a autoridade e o poder organizam-se em estruturas

administrativas. No decorrer da longa história da civilização humana, numerosas formas de

organização social foram geradas por essa necessidade de organizar a distribuição de poder.

Assim, o poder desempenha papel de destaque no surgimento das estruturas sociais. Pela

teoria social, todas as regras de conduta estão inclusas no conceito de estrutura social, sejam

elas informais, que resultam de contínuas coordenações de comportamento, ou formalizadas,

documentadas e garantidas por lei. Todas essas estruturas formais, ou instituições sociais são,

em última análise, regras de comportamento que facilitam a tomada de decisões e

corporificam as relações de poder.

No domínio social, o conceito de organização adquire um significado suplementar. As

organizações sociais, tais como as empresas ou instituições políticas, são sistemas sociais

cujos padrões de organização são projetados especificamente para distribuir poder. Esses

padrões, feitos segundo um projeto formal, são chamados de estruturas organizativas e são

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representados visualmente pelos organogramas tradicionais. São, em última análise, regras de

comportamento que facilitam a tomada de decisões e corporificam as relações de poder.

Os processos que sustentam a rede social são processos de comunicação, que geram um

corpo comum de significados e regras de comportamento (a cultura da rede) e um corpo

comum de conhecimentos. As regras de comportamento, formais ou informais, são chamadas

de estruturas sociais. Em uma comunicação pessoal citada por Capra (2002), o sociólogo

Manuel Castells afirma que: “As estruturas sociais são o conceito fundamental da teoria

social. Todas as outras coisas funcionam por meio das estruturas sociais”.

3.3 A superestrutura de representações simbólicas. As conexões ocultas e a cultura.

Mantendo-se fiel à conciliação dos principais modelos teóricos de estratégia, engenharia

de processos e teoria organizacional, e considerando que, na superestrutura de representações

simbólicas a metáfora é a Cultura, faz-se aqui uma pequena revisão dos conceitos da nova

teoria dos sistemas vivos e de sua aplicação para o entendimento das conexões ocultas e da

cultura das organizações.

Como já explicitado anteriormente, a superestrutura distingue o lado idealista da

organização, as representações simbólicas e as interpretações da vida coletiva. Incluídas na

superestrutura estão tanto as regras subentendidas (autopercebidas) e os valores dos membros

da organização como as ideologias implícitas, evidenciadas na ética praticada (observada e

deduzida externamente), nas práticas culturais e nos rituais da organização.

As três idéias atuais sobre a natureza dos sistemas vivos correspondem ao estudo da forma

(ou padrão de organização), da matéria (ou estrutura material) e do processo. Quando

estudamos os sistemas vivos a partir do ponto de vista da forma, constatamos que o padrão de

organização é o de uma rede autogeradora. Sob o ponto de vista da matéria, a estrutura

material de um sistema vivo é uma estrutura dissipativa, ou seja, um sistema aberto que se

conserva distante do equilíbrio. Por fim, sob o ponto de vista do processo, os sistemas vivos

são sistemas cognitivos no qual o processo de cognição está intimamente ligado ao padrão de

autopoiese (autogeração). Essa é, em forma resumida, a síntese da nova compreensão da vida.

Pág. 26

Quando procuramos aplicar ao domínio social a nova compreensão da vida, deparamo-nos

imediatamente com uma multidão de fenômenos – regras de comportamento, valores,

intenções, objetivos, estratégias, projetos, relações de poder – que não ocorrem na maior parte

do mundo extra-humano, mas são essenciais para a vida social humana. Porém, essas

características, diversas da realidade social, partilham todas de uma característica básica que

nos proporciona um vínculo natural com a visão sistêmica da vida.

A nossa capacidade de reter imagens mentais de objetos materiais e acontecimentos

parece ser uma condição fundamental para o surgimento das características fundamentais da

vida social. A capacidade de reter imagens mentais nos habilita a escolher dentre diversas

alternativas, o que é necessário para a formulação de valores e de regras sociais de

comportamento. Os conflitos de interesse, baseados nas diferenças de valores, estão na origem

das relações de poder. As intenções, a consciência de uma finalidade e os projetos e

estratégias necessárias para a consecução de objetivos exigem a projeção de imagens mentais

para o futuro.

O mundo interior dos conceitos, idéias, imagens e símbolos é uma dimensão essencial da

realidade social, e constitui o que foi chamado de “o caráter mental dos fenômenos sociais”.

Os cientistas sociais costumam chamar essa dimensão de hermenêutica, dando a entender que

a linguagem humana, por ser de natureza simbólica, envolve antes de qualquer coisa a

comunicação de um significado, e que as ações humanas decorrem do significado que

atribuímos ao ambiente que nos rodeia.

Assim, a compreensão sistêmica da vida pode ser aplicada ao domínio social se

acrescentarmos o ponto de vista do significado aos três pontos de vista sobre a vida. A palavra

“significado” representa uma expressão sintética do mundo interior da consciência reflexiva,

que contém uma multiplicidade de características inter-relacionadas. A plena compreensão

dos fenômenos sociais, portanto, tem de partir da integração de quatro perspectivas – forma,

matéria, processo e significado.

No diagrama a seguir, ressalta-se a interdependência dessas perspectivas, representando-as

como os vértices de uma figura geométrica. As três primeiras perspectivas formam um

triângulo. Já a perspectiva do significado é representada acima do plano desse triângulo para

indicar que abre toda uma nova dimensão interior. Assim, a estrutura conceitual como um

todo forma um tetraedro.

Pág. 27

Integrar os quatro pontos de vista é o mesmo que reconhecer que cada um deles tem uma

importante contribuição a dar para a compreensão dos fenômenos sociais. Observa-se, por

exemplo, que a cultura é criada e sustentada por uma rede (forma) de comunicações

(processo) na qual se gera o significado. Entre as corporificações materiais da cultura

(matéria) incluem-se os artefatos e textos escritos, através dos quais os significados são

transmitidos de geração em geração.

Diversos autores têm procurado integrar o estudo do mundo externo (das relações de

causa e efeito) do mundo social (das relações humanas) e do mundo interior (dos valores e

significado). Para isso, integram idéias das ciências da natureza, das ciências sociais e da

filosofia cognitiva, ao mesmo tempo em que rejeitam as limitações do positivismo, que

buscava quantificar leis gerais do comportamento humano e rejeitava qualquer explicação

baseada em fenômenos subjetivos, como a intenção e o objetivo.

Essa integração pode ser promovida de modo significativo se aplicarmos ao domínio

social a nova compreensão sistêmica da vida dentro da estrutura conceitual das quatro

perspectivas já delineadas – forma, matéria, processo e significado. É preciso integrar todas as

quatro perspectivas para chegar-se a uma compreensão sistêmica da realidade social.

Essa compreensão sistêmica baseia-se no pressuposto de que a vida é dotada de uma

unidade fundamental, e de que os diversos sistemas vivos apresentam padrões de organização

semelhantes. Esse pressuposto é corroborado pela observação de que a evolução operou

durante bilhões de anos sem deixar de usar reiteradamente os mesmos padrões. À medida que

a vida evolui, esses padrões tendem a tornar-se cada vez mais elaborados, mas nem por isso

deixam de ser variações sobre os mesmos temas.

SIGNIFICADO

FORMA

MATÉRIA

PROCESSO

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O padrão em rede, especificamente, é um dos padrões de organização mais básicos de

todos os sistemas vivos. Em todos os níveis de vida, desde as redes metabólicas das células

até as teias alimentares dos ecossistemas, os componentes e os processos dos sistemas vivos

se interligam em forma de rede.

No entanto, embora a compreensão da organização das redes biológicas possa ajudar a

compreender as redes sociais, não se deve ter a intenção de transferir para o domínio social a

compreensão da estrutura material das redes biológicas. De forma análoga à rede metabólica

das células, a rede social é um padrão não linear de organização, de maneira que os conceitos

desenvolvidos pela teoria da complexidade (dinâmica não linear), como os de realimentação

(feedback) ou surgimento espontâneo (emergente), provavelmente encontrarão também aí sua

aplicação. Entretanto, os nós e os elos da cadeia não são simplesmente bioquímicos.

As redes sociais são antes de tudo redes de comunicações que envolvem a linguagem

simbólica, os limites culturais, as relações de poder e assim por diante. Para compreender as

estruturas dessas redes, tem-se que lançar mão de idéias tiradas da teoria social, da filosofia,

da ciência da cognição, da antropologia e de outras disciplinas. Uma teoria sistêmica

unificada para a compreensão dos fenômenos biológicos e sociais só surgirá quando os

conceitos da dinâmica não-linear forem associados a idéias provindas desses outros campos

de estudo.

Nossa capacidade de formar imagens mentais e associá-las ao futuro, não só nos permite

identificar metas e objetivos e desenvolver estratégias e planos, como também nos habilita a

escolher entre diversas alternativas e, assim, formular valores e regras sociais de

comportamento. Todos esses fenômenos sociais são gerados por redes de comunicações em

virtude da natureza dual da comunicação humana. Por um lado, a rede continuamente gera

imagens mentais, pensamentos e significados. Por outro, coordena o comportamento dos seus

membros. É da dinâmica e da complexa interdependência desses processos que emerge o

sistema integrado de valores, crenças e regras de conduta que associamos ao fenômeno da

cultura.

Para a análise sistêmica da realidade social, adota-se o sentido antropológico da palavra

cultura, que é definida como o sistema integrado de valores, crenças e regras de conduta

adquiridas pelo convívio social e que determina e delimita quais são os comportamentos

aceitos por uma dada sociedade. Quando exploramos os detalhes dessa definição,

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descobrimos que a cultura nasce de uma dinâmica complexa e altamente não-linear. É criada

por uma rede social dotada de múltiplos elos de realimentação através dos quais os valores,

crenças e regras de conduta são continuamente comunicados, modificados e preservados. A

cultura nasce de uma rede de comunicações entre indivíduos e, à medida que nasce, impõe

limites às ações desses mesmos indivíduos. Em outras palavras, as estruturas sociais ou regras

de comportamento que delimitam as ações dos indivíduos são produzidas e continuamente

reforçadas pela própria rede de comunicações deles.

A rede social também produz um corpo de conhecimentos comuns – feito de informações,

idéias e capacidades práticas – que molda não só os valores e crenças da cultura, mas também

o seu modo de vida específico. Por outro lado, os valores e crenças da cultura também afetam

o seu corpo de conhecimentos. Fazem parte das lentes através das quais vemos o mundo;

ajudam-nos a interpretar nossas experiências e a determinar quais espécies de conhecimento

são significativas. Esse conhecimento significativo, continuamente modificado pela rede de

comunicações, é transmitido de geração em geração junto com os valores, crenças e regras de

conduta da cultura.

O sistema de valores e crenças comuns cria uma identidade entre os membros da rede

social, identidade essa baseada na sensação de fazer parte de um grupo maior. Nas diversas

culturas, as pessoas têm identidades diferentes porque esposam conjuntos diferentes de

valores e crenças. Ao mesmo tempo, um só indivíduo pode pertencer a diversas culturas. O

comportamento das pessoas é moldado e delimitado pela identidade cultural delas, a qual, por

sua vez, reforça nelas a sensação de fazer parte de um grupo maior. A cultura se insere e

permanece profundamente entranhada no modo de vida das pessoas e essa inserção tende a

ser tão profunda que até escapa à nossa consciência durante a maior parte do tempo.

A identidade cultural também reforça o fechamento da rede, na medida em que cria um

limite feito de significados e exigências que não permite que quaisquer pessoas e informações

entrem na rede. Assim, a rede social intercambia suas comunicações dentro de um

determinado limite cultural, o qual é continuamente recriado e renegociado por seus

membros. Tal situação não é de todo diferente da existência da rede metabólica da célula, a

qual produz e recria continuamente um limite – a membrana celular – que a confina mas, ao

mesmo tempo, dá a célula a sua identidade. Existem, porém, algumas diferenças cruciais entre

os limites celulares e os limites sociais. Os limites sociais não são necessariamente limites

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físicos, mas limites feitos de significados e exigências. Não envolvem literalmente a rede, mas

existem num mundo mental que não tem as propriedades topológicas do espaço físico.

4. Uma metodologia prática de engenharia de negócios.

Finalmente, tendo revisado as três dimensões que conciliam os principais modelos

teóricos de estratégia, engenharia de processos e teoria organizacional, a saber: a infra-

estrutura de interdependências (Economia), a socioestrutura de relacionamentos de troca

(Política), e a superestrutura de representações simbólicas (Cultura), apresenta-se neste

trabalho uma proposta de metodologia para auxiliar as organizações na reengenharia de seus

processos e na reestruturação de suas arquiteturas organizacionais, em decorrência da

estratégia de mercado adotada.

A metodologia será centrada na socioestrutura, uma vez que esta inclui os

relacionamentos formais e informais que ocorrem entre os membros de uma organização,

conforme eles executam suas tarefas, bem como a divisão do trabalho e o agrupamento de

atividades (diferenciação) e os mecanismos de coordenação e controle (integração). No

entanto, a infraestrutura e a superestrutura estão também nela incluídas, na medida em que os

objetivos estratégicos e as soluções de compromisso (trade-offs), que definem a estratégia da

organização, são os principais fatores considerados na reengenharia dos processos e nas

mudanças dos arranjos organizacionais.

O intuito da engenharia de negócios é combinar as descobertas sobre transformação de

negócios com a pesquisa e a prática acadêmica, e usá-las para criar conceitos e instrumentos

para planejar e desenvolver soluções de negócios para a era da informação. Ela junta a gestão

e a informação da tecnologia da informação (TI), e unifica-as em todos os aspectos da

transformação, desde os auxílios documentais e descritivos e os modelos de procedimentos,

até as implicações culturais e políticas.

Segundo Osterle & Blessing (2000), a engenharia de negócios estrutura a transformação.

Divide o exercício de transformação no desenvolvimento da estratégia, dos processos e dos

sistemas, quebrando esses níveis em degraus menores e gerenciáveis, e depois os reunificando

Pág. 31

através dos resultados. Suporta não somente o projeto conceitual, mas também a gestão da

mudança.

Princípios fundamentais da engenharia de negócios

A engenharia de negócios divide o exercício de transformação do negócio em projetos

discretos, ou um portfolio de projetos, e quebra cada projeto na conceituação formal

(estratégia, processo e sistema) e na gestão da mudança envolvida. O principal objetivo da

engenharia de negócios é assegurar que a transformação ocorra de forma rápida e confiável,

mantendo os custos dentro dos limites aceitáveis.

Meta Modelo: é o modelo de dados da engenharia de negócios. Descreve os objetos

individuais do projeto (p.ex. processos, atividades, clientes, aplicações) e os

relacionamentos entre eles;

Resultados: a engenharia de negócios é orientada para resultados. Somente executar

tarefas não é garantia de sucesso. Cada projeto deve ser orientado para resultados

definidos;

Técnicas: as técnicas guiam a engenharia de negócios na obtenção de resultados.

Focam nas questões críticas;

Tarefas: um projeto consiste de uma seqüência de tarefas (um modelo de

procedimentos). As técnicas auxiliam na definição das tarefas;

Tarefas Papéis

Meta Modelo

Técnicas Resultados

Valor para os Stakeholders

Meta modelo resulta do projeto conceitual do negócio Resultados

interdependentes

Resultados visam o valor para os stakeholders

Tarefas criam / usam resultados

Técnicas suportam criação de resultado

Estrutura de atividades de projeto

Seqüência de tarefas de

projeto

Papéis desempenham tarefas

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Papéis: Aqueles envolvidos nos projetos recebem papéis específicos, os quais tem que

estar associados aos deveres, direitos e responsabilidades apropriados. Esses papéis

incluem o organizador, o programador, o líder do projeto, o usuário e o patrocinador;

Valor para os “stakeholders”: o critério para cada solução de negócio é o valor para os

“stakeholders”. No nível estratégico, a lógica do negócio determina os fatores de

sucesso, os quais devem ser traduzidos em indicadores de desempenho para medir o

sucesso do projeto e do negócio em todos os níveis.

A Figura a seguir mostra as diversas etapas do projeto conceitual da transformação pela

engenharia de negócios.

Estratégia

Mercado Unidades de Negócios

Estratégicas

Outputs de Mercado

Processo

Atividades Processo Output

Sistema

1.1 Sistema

Funções Aplicações Banco de Dados

Componentes de TI

roda em

acessa executa

suporta

consiste de produz / consome

utiliza

influencia oferece

Pág. 33

Projeto conceitual da estratégia

O projeto toma a perspectiva do cliente como seu ponto de partida. A visão do processo

do cliente documenta as várias idéias desenvolvidas pela equipe de projeto sobre o processo

do cliente ideal. Entender os processos do cliente é essencial para entender suas necessidades,

seus problemas e sua percepção de qualidade. A cadeia de valor indica quais são os outros

atores e serviços do mercado, que estão envolvidos em satisfazer as necessidades dos clientes.

Informa também algo sobre a posição da organização no mercado, especialmente sobre algum

possível competidor ou parceiro.

Antes do desenvolvimento da estratégia avançar para o estágio de planejamento

detalhado, particularmente o planejamento financeiro, a lógica do negócio deve estar bastante

clara.

Dos requisitos do processo do cliente e da cadeia de valor, pode-se identificar as saídas

para o mercado. Considerando essas saídas, pode-se definir as unidades de negócios. Uma

unidade de negócios é uma combinação de saídas de mercado, segmentos de clientes e pontos

de venda, que estão sobre uma política de gestão comum e para os quais podem ser aplicados

atividades promocionais comuns, o mesmo gerente de produto, os mesmos procedimentos e

as mesmas medidas de desempenho, etc.

O documento final do desenvolvimento da estratégia é o mapa do processo, mostrando o

processo do cliente e seus subprocessos.

Projeto Conceitual do Processo

Cada um dos processos identificados precisa ser projetado em detalhe neste nível. As

saídas dos processos especificam tanto as saídas de mercado decididas pela estratégia

corporativa, como incluem saídas para outros processos, além dos processos dos clientes. A

lista de saídas toma o processo como seu ponto de partida.

Agora tem-se que formular as atividades (tarefas) do processo que são criadas para as

saídas dadas. A lista de atividades inclui detalhes para cada atividade. Isso é principalmente

para permitir uma estimativa dos recursos humanos requeridos e as aplicações afetadas.

Pág. 34

Os indicadores de desempenho descrevem os fatores que determinam o sucesso do

negócio. A gestão do processo deve procurar aplicar as diretrizes estratégicas no nível do

processo e manter a sintonia fina todo o tempo.

Projeto Conceitual do Sistema

Na era da informação, a estrutura organizacional das empresas é bastante suportada por

sistemas de informação, os quais muitas vezes moldam aquelas.

No projeto do sistema, além de uma visão geral das aplicações, é preciso observar os

sistemas de TI de suporte e os softwares básicos. Os cenários de aplicações e de TI formam

uma base importante para o desenvolvimento do processo. Eles auxiliam na estimativa, ainda

nos estágios preliminares, dos custos das diferentes variantes de processo. Ambos os cenários

pertencem ao nível de sistema, mas são utilizados no projeto do processo. Os níveis da

engenharia de negócios não implicam exclusivamente um enfoque top-down.

A partir do detalhamento definido no projeto do processo, pode-se trabalhar o uso das

aplicações e descrever seus requisitos em detalhes. Ao final, a seqüência de telas da interface

gráfica do usuário descreve a estrutura da aplicação dinâmica.

Gestão da Mudança

Além da solução do negócio, a engenharia de negócios dá igual importância à gestão da

mudança. Considera, entre outras coisas, os grupos de “stakeholders”, a lucratividade da

solução (análise de retorno sobre o investimento) e a gerência do projeto.

4.1 A estratégia como adequação dos processos e da estrutura

Hoje se acredita que as organizações têm que ser flexíveis para responder rapidamente às

mudanças competitivas do mercado. Têm que fazer benchmark continuamente para alcançar

as best practices. Têm que terceirizar agressivamente para ganhar eficiência. E têm que

fortalecer poucas competências essenciais para manter-se na corrida, à frente de seus rivais.

Pág. 35

A eficácia operacional e a estratégia são ambas essenciais para um desempenho superior,

objetivo primário de qualquer organização. Elas funcionam, contudo, de modos bem

diferentes.

Todas as diferenças entre as organizações em custo e preço derivam das centenas de

atividades requeridas para criar, produzir, vender e entregar seus produtos e serviços. O custo

é gerado da execução das atividades, e as vantagens em custo surgem da execução de

atividades particulares de forma mais eficiente que os competidores. Analogamente, a

diferenciação surge tanto da escolha das atividades como da forma como elas são executadas.

As atividades são as unidades básicas da vantagem competitiva. A vantagem ou

desvantagem competitiva resulta de todas as atividades da organização e não somente de

poucas.

Eficácia operacional significa executar atividades similares melhor do que os rivais.

Refere-se a qualquer número de práticas que permitam uma organização utilizar melhor suas

entradas. Por outro lado, posicionamento estratégico significa executar atividades diferentes

dos rivais ou executar atividades similares de formas diferentes.

Pode-se definir uma fronteira de produtividade, mediante a soma de todas as melhores

práticas existentes em um dado momento. A fronteira de produtividade pode ser definida para

atividades individuais, para grupos de atividades relacionadas, e para o conjunto de todas as

atividades da organização. A fronteira de produtividade está constantemente avançando,

conforme novas tecnologias e métodos de gestão são desenvolvidos, e conforme novas

entradas passam a estar disponíveis.

Custo Baixo Alto

Valor

Baixo

Alto

Fronteira de Produtividade

(status das melhores práticas)

Pág. 36

A melhoria contínua da eficácia operacional é necessária para alcançar uma rentabilidade

superior, mas normalmente não é suficiente. Em primeiro lugar, pode-se competir com

sucesso com base na eficácia operacional somente enquanto o mercado ainda está trabalhando

muito aquém da fronteira de produtividade. Atualmente, as melhores práticas têm rápida

difusão no mercado. Todos os competidores podem rapidamente imitar técnicas gerenciais,

novas tecnologias, melhoria de entradas e maneiras superiores de atender às necessidades dos

clientes.

A segunda razão de a eficácia operacional ser insuficiente é a convergência competitiva.

Quanto mais benchmarking as organizações fazem, mais elas se parecem. Quanto mais elas se

parecem, mais destrutiva torna-se a concorrência de preços.

A estratégia competitiva está na capacidade de ser diferente. Significa escolher

deliberadamente um conjunto diferente de atividades para entregar um mix de valor único,

singular. A essência da estratégia está nas atividades – escolher atividades peculiares ou

executar as mesmas atividades de modo diferente dos rivais.

O posicionamento estratégico emerge de três fontes distintas, que não são mutuamente

exclusivas e freqüentemente se sobrepõem. Primeiramente, o posicionamento pode ser

baseado na produção de um subconjunto de produtos e serviços de uma indústria. Porter

(1996) o denomina posicionamento baseado na variedade, tendo como fundamento a

variedade de produtos e serviços e não os segmentos de clientes. Esse posicionamento faz

sentido econômico quando a organização pode produzir produtos ou serviços particulares,

utilizando um conjunto de atividades singulares.

A segunda forma de posicionamento é focar no atendimento da maioria ou de todas as

necessidades de um grupo particular de clientes, chamado de posicionamento baseado nas

necessidades. Ele surge quando existem grupos de clientes com diferentes necessidades, e

quando um conjunto específico de atividades pode atendê-las melhor. Alguns grupos de

clientes são mais sensíveis ao preço que outros, demandam diferentes características dos

produtos e necessitam de diferentes níveis de informação, suporte e serviços. Uma variante do

posicionamento baseado nas necessidades surge quando o mesmo cliente tem diferentes

necessidades em ocasiões diferentes ou para diferentes tipos de transação.

É intuitivo para a maioria dos decisores conceber seus negócios em termos das

necessidades de seus clientes. No entanto, um elemento crítico do posicionamento baseado

Pág. 37

nas necessidades não é tão intuitivo e costuma passar despercebido. As diferenças de

necessidades não se traduzirão em posições significativas, a menos que o melhor conjunto de

atividades para satisfazê-las também seja diferente. Se esse não fosse o caso, qualquer

competidor poderia atender aquelas mesmas necessidades, e não haveria nada de único ou de

valor a respeito do posicionamento.

A terceira forma de posicionamento baseia-se na segmentação de clientes que estão

acessíveis de diferentes formas. Apesar de suas necessidades serem as mesmas de outros

clientes, a melhor configuração de atividades para alcançá-los é diferente. Esse é o chamado

posicionamento com base no acesso. O acesso pode ser função da geografia do cliente, de sua

escala ou de qualquer outro fator que requeira um conjunto diferente de atividades para

alcançá-lo da melhor forma.

Posicionamento não significa focar apenas um nicho. Uma posição resultante de quaisquer

das três fontes pode ser ampla ou estreita. Qualquer que seja a base de posicionamento –

variedade, necessidades ou acesso, ou alguma combinação das três, requer um conjunto

singular de atividades. Apesar de, na prática, as diferentes atividades serem adaptadas às

necessidades dos clientes, o posicionamento implica em diferentes atividades para ofertar

produtos e serviços, e não somente em função dessas necessidades, especialmente nos casos

dos posicionamentos baseados em variedade e acesso.

Tendo definido posicionamento, pode-se começar a definir estratégia. Estratégia é a

criação de uma posição única de valor, envolvendo um conjunto diferente de atividades. Se

houvesse apenas uma posição ideal, não haveria necessidade da estratégia. As organizações

enfrentariam um único desafio: vencer a corrida para descobrir e implementar a posição ideal.

A essência do posicionamento estratégico é a escolha de atividades que diferem daqueles dos

rivais. Se o mesmo conjunto de atividades fosse o melhor para produzir todas as variedades,

atender a todas as necessidades e acessar todos os clientes, as organizações poderiam

facilmente mover-se entre elas e a eficácia operacional determinaria o desempenho.

Escolher uma posição única, contudo, não assegura uma vantagem sustentável. Uma

posição valiosa atrairá imitação dos rivais, que possivelmente a copiarão de duas formas: um

competidor poderá reposicionar-se para enfrentar a organização com desempenho superior,

ou, alternativamente e muito mais comum, o competidor poderá ampliar sua posição,

buscando alcançar os benefícios da posição bem sucedida, enquanto mantém sua posição

Pág. 38

atual. Ele poderá acrescentar características, serviços ou tecnologias adicionais às atividades

que já executava.

Assim, uma posição estratégica não é sustentável se não houver “trade-offs” com outras

posições. Os “trade-offs”, ou soluções de compromisso, ocorrem quando as atividades são

incompatíveis. Resumindo, uma solução de compromisso significa que mais de uma coisa

implica em menos de outra. Os “trade-offs” criam a necessidade de escolha e protegem a

organização contra os reposicionadores e ampliadores de posição.

Os “trade-offs” surgem de três razões. A primeira delas é a inconsistência com a imagem

ou reputação da organização. Uma organização conhecida por entregar um tipo de valor pode

perder credibilidade e confundir os clientes, ou até mesmo minar sua reputação, caso entregue

outro tipo de valor ou tente entregar duas coisas inconsistentes ao mesmo tempo.

A segunda e mais importante é o fato dos “trade-offs” surgirem das atividades

propriamente ditas. As diferentes posições (com suas atividades singulares) requerem

diferentes configurações de produto, equipamentos, comportamentos dos colaboradores,

habilidades e sistemas gerenciais.

Finalmente, os “trade-offs” surgem dos limites da coordenação e do controle internos. Ao

escolher claramente competir de uma forma e não de outra, a alta gerência define as

prioridades da organização. As organizações que tentam ser tudo para todos os clientes, ao

contrário, arriscam gerar confusão nas trincheiras, na medida em que os colaboradores

tentarão tomar as decisões operacionais do dia-a-dia, sem um quadro claro das prioridades.

Muitos “trade-offs” geram inflexibilidades do maquinário, das pessoas e do sistema.

Como criam a necessidade da escolha, limitam o que uma organização pode oferecer. Dessa

forma, dificultam a imitação. Na fronteira de produtividade, onde as organizações já atingiram

as atuais melhores práticas, as escolhas têm que ser feitas entre custo e diferenciação. Os

“trade-offs” de posicionamento são determinantes na competição e essenciais para a

estratégia.

Assim, podemos adicionar uma nova dimensão à nossa definição de estratégia. Estratégia

é fazer “trade-offs” ao competir. A essência da estratégia é escolher o que não fazer. Sem os

“trade-offs”, não haveria necessidade de escolha e, portanto, não haveria necessidade de

estratégia. Qualquer boa idéia poderia e seria rapidamente imitada. Novamente, o

desempenho dependeria mais uma vez integralmente da eficácia operacional.

Pág. 39

As escolhas de posicionamento determinam, não somente quais atividades uma

organização executará e como configurará atividades individuais, mas também como as

atividades se relacionam umas com as outras. Enquanto a eficácia operacional visa à

excelência em atividades ou funções individuais, a estratégia trata das atividades combinadas.

A adequação entre as atividades da organização evita a imitação, criando uma corrente tão

forte quanto o mais forte de seus elos. Nas organizações com boas estratégias, as atividades

complementam umas às outras, de forma a criar valor econômico real. Por exemplo, o custo

de uma atividade pode ser reduzido em função de como as demais atividades são executadas.

Analogamente, o valor de uma atividade para os clientes pode ser aumentado pelas outras

atividades da organização. Essa é a forma pela qual a adequação estratégica pode criar

vantagem competitiva e lucratividade superior.

Não se pode somente focar competências essenciais, recursos críticos e fatores de sucesso

chave, sem considerar a organização como um todo. A adequação das atividades é um

componente central da vantagem competitiva, pois freqüentemente atividades discretas

afetam umas às outras.

Apesar de ocorrerem adequações genéricas, que se aplicam a diversas organizações, a

adequação mais valiosa é específica da estratégia, pois reforça a unicidade da posição e

amplifica os “trade-offs”.

Existem três tipos de adequações, as quais não são mutuamente exclusivas. A adequação

de primeira ordem é a simples consistência entre cada atividade (função) e a estratégia global.

A consistência assegura que as vantagens competitivas das atividades sejam cumulativas, e

não se desgastem ou se cancelem mutuamente. Ela faz com que a estratégia seja mais

facilmente comunicada a clientes, colaboradores e acionistas, e facilita sua implementação

através de um pensamento comum na organização.

A adequação de segunda ordem ocorre quando as atividades se reforçam mutuamente. A

de terceira ordem vai além do reforço entre atividades e pode ser chamada de otimização do

esforço. A coordenação e a troca de informação através das atividades para eliminar a

redundância e minimizar esforço perdido são os tipos mais básicos de otimização do esforço.

Existem também níveis superiores, tais como a coordenação com fornecedores ou canais de

distribuição para eliminar algumas das atividades internas à organização.

Pág. 40

Nos três tipos de adequação, o todo importa mais que quaisquer de suas partes individuais.

A vantagem competitiva resulta do sistema inteiro de atividades. A adequação entre

atividades reduz substancialmente custos e aumenta a diferenciação. Além disso, o valor

competitivo das atividades individuais – ou das habilidades, competências, ou recursos a elas

associados – não pode ser desacoplado do sistema ou da estratégia. Assim, em organizações

competitivas pode ser enganoso tentar explicar o sucesso pela identificação de forças

individuais, competências essenciais, ou recursos críticos. A lista de forças permeia diversas

funções, e uma força mistura-se a outras. É mais útil pensar em termos de temas que

perpassam muitas atividades, tais como baixo custo, uma noção particular de serviço ao

cliente, ou uma concepção particular do valor entregue. Esses temas estão presentes em uma

rede com atividades fortemente interligadas.

A adequação estratégica entre muitas atividades é fundamental, não somente para a

vantagem competitiva, mas também para a sustentabilidade da vantagem. É mais difícil para

um rival igualar uma rede de atividades interligadas do que meramente imitar um enfoque

particular para a força de vendas, copiar uma tecnologia de processo, ou replicar um conjunto

de características de produto. As posições construídas sobre um sistema de atividades são

muito mais sustentáveis do que aquelas baseadas em atividades individuais.

Quanto mais a posição de uma organização basear-se em um sistema de atividades, com

adequações de segunda e terceira ordem, tanto mais sustentável será sua vantagem. Tais

sistemas, por sua própria natureza, são mais difíceis de serem mapeados de fora da

organização e, assim, são difíceis de serem imitados. E mesmo que os rivais possam

identificar as interconexões relevantes, terão dificuldade para replicá-las. Alcançar a

adequação é difícil, pois requer a integração de decisões e ações por muitas subunidades

independentes.

A visão da estratégia em termos do sistema de atividades mostra que a estrutura

organizacional, os sistemas, e os processos devem ser específicos da estratégia. As

organizações moldadas pela estratégia fazem com que as complementaridades sejam mais

facilmente alcançáveis e contribuem para a sustentabilidade.

Uma implicação é que posições estratégicas devem ter um horizonte de uma década ou

mais e não de um único ciclo de planejamento. A continuidade fomenta melhorias nas

atividades individuais e a adequação entre as atividades, permitindo que uma organização

Pág. 41

construa capacidades únicas e habilidades moldadas à estratégia. A continuidade também

reforça a identidade da organização. Por outro lado, mudanças freqüentes no posicionamento

são custosas. Não somente uma organização tem que reconfigurar atividades individuais, mas

também tem que realinhar seu sistema inteiro, resultando em perda da vantagem competitiva.

Pode-se, então, completar a definição da estratégia: estratégia é criar a adequação entre as

atividades da organização. O sucesso da estratégia depende da execução de muitas coisas bem

feitas – não somente algumas – e da integração entre essas. Se não houver adequação entre as

atividades, não haverá estratégia distinta e a possibilidade de sustentabilidade será pequena.

Melhorar a eficácia operacional é uma parte necessária da gestão, mas não é estratégia.

Ambas são essenciais, mas as duas tratam de assuntos diferentes. A eficácia operacional

envolve melhorias contínuas em todos os setores. Não há soluções de compromisso. Não agir

dessa forma resulta em vulnerabilidade mesmo para organizações com uma boa estratégia.

Aqui é o local apropriado para as mudanças constantes, a flexibilidade, e os esforços

incessantes para alcançar as melhores práticas.

Ao contrário, a estratégia é o local apropriado para definir uma posição única, para fazer

“trade-offs” claros, e para incrementar a adequação. Envolve a busca contínua de formas para

reforçar e estender a posição da organização. A estratégia exige disciplina e continuidade, e

seus inimigos são a distração e a condescendência com os desvios.

A continuidade da estratégia não implica em uma visão estática da competição. Uma

organização tem que melhorar continuamente sua eficácia operacional e tentar ativamente

alterar a fronteira de produtividade. Ao mesmo tempo, faz-se necessário um esforço

continuado para estender sua unicidade, enquanto reforça a adequação entre suas atividades.

A continuidade da estratégia, na verdade, deve fazer com que a melhoria contínua da

organização seja mais eficaz.

Uma organização pode ter que alterar sua estratégia, caso ocorra mudanças estruturais

importantes na indústria. De fato, novas posições estratégicas freqüentemente surgem em

função das mudanças na indústria, e novos entrantes podem explorá-las mais facilmente. No

entanto, a escolha de uma nova posição pela organização deve ser dirigida pela capacidade de

encontrar novos “trade-offs” e de alavancar uma vantagem sustentável a partir de um novo

sistema de atividades complementares.

Pág. 42

4.2 O processo adequado à estratégia como determinante da estrutura

A idéia de processo não é nova na administração das organizações, mas é um novo

entendimento no sentido de que o negócio precisa focar aquilo que pode ser feito para agradar

os clientes externos.

Ao procurar estruturar-se por processos, as organizações acabam descobrindo que é

impossível sobrepor um processo integrado em uma organização fragmentada pelo desenho

funcional tradicional. As organizações estruturadas por tarefas precisam ser redesenhadas para

poder funcionar por processos.

As organizações percebem que é virtualmente impossível mudar de uma organização por

tarefas para uma organização orientada por processos sem um claro entendimento do que

exatamente faz a organização funcionar bem e ter ritmo. Elas devem estar preparadas para

uma nova maneira de fazer negócios. Um quadro claro dessa situação deve servir de ponto de

partida para todos os subseqüentes alinhamentos de pessoas e processos dentro de uma firma.

Identificar o processo como sendo a maneira típica de realizar o trabalho é importante

para definir a forma básica de organização das pessoas e dos demais recursos da firma. O

processo é um conceito fundamental no projeto dos meios pelos quais uma organização

pretende produzir e entregar seus produtos e serviços aos seus clientes. Além disso, muitos

dos processos nas organizações são repetitivos e envolvem, no seu conjunto, a maioria das

pessoas da organização.

A análise dos processos nas organizações implica a identificação das diversas dimensões

desses processos: fluxo (volume por unidade de tempo), seqüência das atividades, esperas e

duração do ciclo, dados e informações, pessoas envolvidas, relações e dependências entre as

partes comprometidas no funcionamento do processo.

A idéia de hierarquia é fundamental para a identificação dos processos essenciais e para a

análise sistêmica das organizações. De acordo com essa idéia, os processos podem ser

agregados em macroprocessos e subdivididos em subprocessos ou grupos de atividades, e o

nível de agregação mais adequado depende do tipo de análise que se pretende fazer.

As organizações convencionais foram projetadas em função de uma visão voltada para a

sua própria realidade interna, isto é, centradas em si mesmas. A implementação do ponto de

vista do cliente na gestão das organizações praticamente exige que se faça o redesenho de

Pág. 43

seus processos de negócio. A adoção de uma estrutura baseada em processos significa, em

geral, dar menos ênfase à estrutura funcional da organização e, na prática, exige o emprego de

outros modelos organizacionais e de negócios.

Para estruturar a organização por processos de negócio, precisamos colocar o foco no

cliente externo, já que os processos de negócio começam e terminam nele. Os processos

enxergam uma linha de atividades que começa com o entendimento exato do que o cliente

externo deseja e termina com o cliente externo adquirindo o que ele precisa e deseja de um

negócio.

O cliente está no centro das organizações por processos, e o objetivo final dessas firmas é

oferecer para o cliente mais valor, de forma mais rápida e a um custo mais baixo. A noção de

valor para o cliente é baseada na percepção da vantagem ou do benefício que ele percebe em

cada transação com a firma. Essa percepção depende, por exemplo, da relação entre o tempo

de processamento e o tempo de ciclo. O preço pago é apenas uma parte do esforço para obter

o produto ou serviço. O cliente avalia também a rapidez e o conforto para obter o produto e a

oportunidade de conseguir o que deseja. Nem sempre o valor para o cliente é identificado de

maneira clara e indiscutível. Existem componentes irracionais e emocionais prejudicando sua

avaliação..

De uma maneira simplificada, podemos dizer que o comportamento do cliente e suas

expectativas se baseiam em algumas idéias simples. O cliente avalia cuidadosamente o que

ele recebe em função do que paga e não enxerga aspectos internos da organização, por mais

maravilhosos que eles possam parecer para o pessoal interno. Com raras exceções, o cliente

não se interessa por detalhes de como a firma produz o que oferece e, certamente, não compra

para melhorar o resultado da firma fornecedora.

Uma organização estruturada por processos pode ter a aparência de uma estrutura

funcional, com áreas funcionais bem definidas, mas com processos operando efetivamente na

horizontal. Segundo Gonçalves (2000), não se trata de uma estrutura matricial, embora

existam relações de dupla subordinação nas organizações por processos. Muitas vezes, as

mesmas pessoas participam de vários processos simultaneamente.

Na prática, as áreas funcionais e suas chefias não desaparecem quando a organização se

estrutura por processos. À medida que os donos dos processos vão assumindo

responsabilidades cada vez maiores pelo projeto, pela estruturação e pelo funcionamento dos

Pág. 44

processos essenciais das firmas, os chefes das áreas funcionais se focam cada vez mais no

treinamento e na capacitação do seu pessoal.

As estruturas organizacionais convencionais apresentam algumas características

indesejáveis que comprometem o desempenho das firmas: elas priorizam as funções (áreas

verticais) em detrimento dos processos essenciais e exageram na divisão de tarefas, pois

adotam o critério da otimização do funcionamento das áreas funcionais, o que leva à hiper-

especialização. Nessa situação, as organizações têm estruturas hierárquicas rígidas e pesadas,

repletas de “caixinhas” que executam pedaços fragmentados de processos de trabalho. Em

cada “caixinha”, predominam atividades padronizadas, controladas por vários níveis de

chefia, cuja função principal é garantir o cumprimento das normas. Além disso, essas

organizações têm muitos níveis hierárquicos, o que introduz impedâncias e perdas de carga e

usam mais recursos que o indispensável.

A organização orientada por processos pressupõe que as pessoas trabalhem de forma

diferente. Em lugar do trabalho individual e voltado a tarefas, a organização por processos

valoriza o trabalho em equipe, a cooperação, a responsabilidade individual e a vontade de

fazer um trabalho melhor. Ela projeta e mensura cuidadosamente seus processos e faz com

que todos os funcionários entendam e se responsabilizem por eles, possibilitando o

desenvolvimento de um sentimento de “propriedade do processo”. As pessoas cumprem

tarefas, mas têm uma visão mais ampla e pensam a respeito dos processos.

A visão horizontal das organizações é uma maneira de identificar e aperfeiçoar as

interfaces funcionais, que são os pontos nos quais o trabalho que está sendo realizado é

transferido de uma unidade organizacional para a seguinte. É nessas transferências que

ocorrem os erros e a perda de tempo, responsáveis pela maior parte da diferença entre o tempo

de ciclo e o tempo de processamento nos processos empresariais. A organização terá melhor

aproveitamento da experiência e do conhecimento adquiridos em todas as suas áreas quando

se tornar capaz de transferi-los e compartilhá-los dentro de um fluxo horizontal de

conhecimento.

A essência da gestão por processo é a coordenação das atividades realizadas na firma, em

particular aquelas executadas por diversas equipes de diversas áreas. O funcionamento

adequado da empresa e dos processos depende exatamente da competência com que essa

coordenação é executada.

Pág. 45

4.3 A organização em rede e a teoria da coordenação.

O primeiro passo da modelagem da organização em rede é a identificação de sua

governança corporativa – a forma que as relações entre subunidades e os indivíduos assumem

de modo a perseguir a máxima probabilidade de alcançar os objetivos organizacionais. Três

modelos genéricos de organização institucional são discutidos: mercado, hierárquico e

híbrido. Eles diferem nos mecanismos utilizados para resolver os problemas básicos inerentes

ao gerenciamento de uma organização.

O Modelo de Mercado

O modelo de mercado aplica essencialmente as características básicas de transações entre

entidades na economia – mercados, contratos e incentivos – aos relacionamentos dentro da

entidade. O modelo de controle baseado no mercado é caracterizado por um alto grau de

independência por parte do gerente, por um “contrato” explícito entre o gerente e a

organização, e por incentivos individuais para motivar o gerente. Pelo fato de o gerente ser

visto como um contratante quase-independente, ele tenderá a responder a eventos inesperados

(incerteza) mudando seu comportamento. No entanto, é possível que no caso limite o

“contrato” entre o gerente e a entidade seja escrito de forma a permitir um certo grau de

flexibilidade. Um modelo formal de centro de resultados é um exemplo de uma forma quase-

mercado para a coordenação e o controle intra-organizacional.

O Modelo Hierárquico

Esse modelo também poderia ser chamado modelo administrativo. É caracterizado pela

visão tradicional de controle nas organizações, que utiliza regras e poder formal para

coordenar e avaliar as ações dos gerentes. Pelo fato de o gerente individual ser incapaz de

separar suas ações dos outros gerentes, o papel do sistema de governança é obter a

cooperação/coordenação entre os gerentes, situação que não ocorreria se cada gerente

perseguisse seu interesse próprio.

Pág. 46

O Modelo Híbrido

A extensão natural dos anteriores é um modelo misto de governança. Tal modelo utilizaria

significativamente ambos os métodos de coordenação e controle das atividades da entidade.

Esse modelo reconhece as vantagens e dificuldades para escrever contratos completos ex ante.

Por um lado, as partes definem contratos, os quais oferecem incentivos para direcionar os

comportamentos. Por outro, regras e cooperação também são necessárias para fazer face aos

níveis mais altos de incerteza, que tornam um contrato completo por escrito inapropriado.

A organização em rede surge dentro de um enfoque de orientação a processos em redes.

Ela é uma organização que se enxerga como um nó de diversas redes de negócios. Uma vez

identificada a governança corporativa, é preciso modelar a coordenação e a troca de

informações que ocorre entre os decisores nessas redes.

Conectar negócios para formar redes tem sido o objeto de numerosas investigações nos

campos da economia, sociologia e informática. Essas investigações descrevem fenômenos de

rede e, em regra, oferecem enfoques muito abstratos para a classificação e a estrutura das

redes. Nem a teoria de custos de transação, nem a teoria de redes, nem a economia de redes,

nem quaisquer outra das teorias examinadas provêem uma ajuda abrangente para responder

questões práticas.

A teoria de redes, por exemplo, descreve as redes de negócios como uma forma

organizacional entre mercado e hierárquica, provê um modelo descritivo abrangente das áreas

de projeto da rede, e considera a unidade de negócios ou a organização em rede como a

principal unidade de referência. No entanto, um grau maior de detalhes é requerido para

descrever e, em última instância, projetar redes. A prática mostra que, como regra geral, os

negócios participam de diversas redes simultaneamente. Eles são parte das comunidades de

desenvolvimento e compras ao mesmo tempo, entram em parcerias estratégicas de marketing,

e envolvem-se em diferentes cadeias de valor com diferentes produtos e serviços. Assim,

podem fazer parte de diversas redes internas, estáveis e dinâmicas, simultaneamente, ao

mesmo tempo que podem influenciar-se mutuamente. Nos processos, os negócios utilizam

diferentes sistemas de informação e tecnologias de informação, dependendo dos processos de

negócios a serem coordenados.

Pág. 47

Cada interdependência entre processos de negócios de diferentes unidades de negócio leva

à formação de redes. O foco está na coordenação de processos de negócios cooperativos de

diferentes unidades de negócios. Os processos dos parceiros de negócios que buscam a

coordenação, juntamente com a saída que produzem, formam o lado operacional do

relacionamento dos negócios. A ligação dos processos em rede descreve a organização das

dependências entre os processos e/ou tarefas das várias redes parceiras.

A coordenação pode ser definida como o gerenciamento de atividades dependentes. A

ligação em redes pode ser vista como a coordenação em rede. As tarefas são interdependentes

se acessam os mesmos recursos. Por um lado, as tarefas são desempenhadas por recursos

(p.ex., pessoal), e, de outro, consomem recursos. Recursos são sujeitos ou objetos, os quais

entram em contato com uma tarefa. Exemplos de recursos são máquinas, ferramentas, área de

estocagem e colaboradores.

Os processos são coordenados exclusivamente por meio das saídas. Por essa razão, a

coordenação tem que ser uma saída ou parte de uma saída. Conseqüentemente, o potencial de

uma rede interorganizacional depende de um projeto adequado das capacidades de

coordenação das saídas e de todas as áreas de projeto associadas, tais como processo, TI,

pessoas, estrutura organizacional e cultura.

As conexões interorganizacionais podem ser amplas e também bastante complexas, mas o

projeto da rede requer um nível de complexidade gerenciável. Para reduzir a complexidade,

são identificadas áreas que apresentam alta dependência. Baseado no conceito de áreas de

integração, pode-se referenciar processos (de diferentes unidades de negócio), os quais são

caracterizados por uma alta dependência e, portanto, requerem um alto grau de coordenação,

como “áreas de coordenação”. Áreas são delimitadas de forma útil, se a soma de todas as

dependências entre as áreas for baixa e dentro da própria área alta.

Áreas de integração e áreas de coordenação ambas referem-se a processos e suas tarefas.

A área de integração persegue integração através do processamento integrado de informações.

A área de coordenação persegue a integração através da organização das dependências,

adicionalmente ao processamento integrado das informações, não incluídos a modularização

das saídas e o projeto de novos sistemas de incentivos para os colaboradores. Os critérios

usados para delimitar as áreas de coordenação incluem objetivos, cultura, parcerias, formas de

coordenação, processos de coordenação, recursos e sistemas de informação. Ao aplicar esses

Pág. 48

critérios em alguns casos práticos, Fleisch & Österle (2002) chegaram a cinco áreas de

coordenação:

(a) Gestão da Cadeia de Suprimento: tem por objetivo conduzir o planejamento

operacional e a execução dos processos o mais eficientemente possível. Ao contrário

da inovação, a gestão da cadeia de suprimento não redesenha nada, mas multiplica

saídas claramente definidas e busca utilizar os efeitos da economia de escala de forma

a gerar lucro. Como regra geral, persegue a eficiência através de uma grande

profundidade de integração na coordenação de processos bem estruturados. Grande

repetição e profundidade de integração requerem estruturas estáveis. Prefere as formas

de coordenação de uma rede interna e/ou estável;

(b) Gestão de Relacionamentos: tem por objetivo conquistar clientes e/ou fornecedores e

ganhar suas lealdades. Baseado nas idéias dos sistemas cooperativos de saída, tenta

cobrir o mais amplo espectro possível de requisitos de clientes , para utilizar os efeitos

da economia de escopo. As parcerias nesta área incluem todos os clientes com os quais

existe um relacionamento tipo de mercado;

(c) Inovação: tem por objetivo a criação rápida de novos produtos. Nas fases iniciais de

um projeto, a inovação requer um ambiente dinâmico. Conforme este avança, flui de

forma mais sistemática ao longo da organização. No caso da inovação, uma unidade

de negócio coordenará com um grande número de diferentes parceiros e, dependendo

da tarefa em questão, seguirá as regras de diferentes formas de coordenação;

(d) Infraestrutura: distingui-se da gestão da cadeia de suprimento em termos de conteúdo,

tratando das atividades de apoio. O seu conteúdo não tem alto grau de repetição e suas

transações por vezes são complexas. Como regra geral, existe um alto grau de

dependência entre os parceiros da infraestrutura, o que torna os relacionamentos

estáveis;

(e) Desenvolvimento Organizacional: incentiva a disposição dos próprios colaboradores e

dos parceiros para cooperarem. Emprega procedimentos especiais para avaliar e

premiar o desempenho, para desenvolver parcerias e para conquistar parceiros.

Cada unidade de negócio está sempre conectada a outras unidades de negócio através de

todas essas áreas de coordenação descritas. O setor e a posição na rede determina a prioridade

com a qual as unidades de negócio focam a tarefa de projetar a rede de maneira consistente.

Pág. 49

As dependências interorganizacionais entre as áreas contrastam-se com as dependências

intraorganizacionais através das áreas. Ambas têm um papel decisivo na estruturação dos

negócios em rede:

(a) O objetivo da gestão de relacionamentos é criar relacionamentos com parceiros de

negócios, tais como clientes e fornecedores chave, que sejam os mais próximos, de

mais longo prazo e mais lucrativos possíveis. O sucesso da gestão de relacionamentos

depende da qualidade da gestão da cadeia de suprimento, e vice versa. Por exemplo,

dentro do contexto de gestão de relacionamentos, os negócios colocam informações e

capacidades disponíveis aos seus clientes, as quais são geradas na área de gestão da

cadeia de suprimento. Por outro lado, a gestão da cadeia de suprimento depende das

informações e capacidades da gestão de relacionamentos. Podem constituir exemplos

um pedido de cliente formulado corretamente, ou informações detalhadas e atualizadas

de condições de pagamento, ou do endereço de entrega ao cliente;

(b) A gestão de relacionamentos assiste primeiramente à área de inovação, às análises de

mercado, às estratégias e produtos de competidores e aos requisitos de clientes

concretos. Ao mesmo tempo, depende da inovação em relação a informação sobre

novos produtos ou sobre projetos em andamento, que valorizem a imagem da

organização;

(c) Inovação e gestão da cadeia de suprimento estão conectados pelo projeto de produtos e

os processos requeridos para produzi-los. Documentos de uso comum incluem lista de

partes e descrições do processo produtivo;

(d) A área de infraestrutura fornece as informações sobre os recursos operacionais a todas

as outras áreas. A gestão de relacionamentos, da cadeia de suprimentos e a inovação

dependem de informações, tanto de contabilidade externa e interna como da gestão

dos dados corporativos;

(e) O desenvolvimento organizacional forma a base para todas as outras áreas de

coordenação, assegurando uma estrutura organizacional e/ou atitudes culturais e

políticas adequadas, por parte de todas as unidades organizacionais envolvidas. O

sucesso das áreas de coordenação operacionais depende do desenvolvimento

organizacional tanto no nível interorganizacional como intraorganizacional.

Pág. 50

O modelo proposto da organização em rede combina a posição de nó de diversas redes de

negócios com a necessidade de estruturação dos processos de negócio que permeiam a

organização. Ele auxilia os negócios na identificação da importância dos processos na rede e

permite dividir o problema da conexão em rede em cinco áreas bem definidas, cada uma delas

homogênea em si mesma. Ao mesmo tempo, mostra as conexões entre as áreas individuais.

Descrever a conexão em rede com auxílio das áreas de coordenação permite à organização em

rede orientar-se consistentemente na direção dos processos de seus parceiros, em particular

aqueles de seus clientes.

4.4 Mapeamento da organização em rede e da coordenação

Uma vez que já se definiu neste trabalho o framework para modelar as áreas de

coordenação da organização em rede, faz-se necessária agora uma metodologia prática para

efetuar o mapeamento de atores e atividades.

A maioria dos gerentes desenvolve um entendimento prático do trabalho que eles e seus

colegas realizam, mas o escopo e a complexidade de suas práticas de trabalho, freqüentemente

torna difícil compreendê-las completamente. Essa deficiência se torna mais aparente quando a

forma que o trabalho é executado tem que ser mudada, por exemplo, quando uma tecnologia

de informação está sendo implantada para apoiar ou automatizar parte do trabalho. O

Inovação

Infraestrutura

Gestão da Cadeia de Suprimento

Gestão de Relacionamentos

Desenvolvimento Organizacional

(d)

(a)

(b) (c)

(d) (d)

Pág. 51

entendimento é particularmente difícil para trabalhos semi-estruturados, orientados ao

conhecimento, onde o fluxo de trabalho não está refletido em linhas de produção físicas.

O objetivo desta metodologia de mapeamento de processos é auxiliar as pessoas a

entender seus trabalhos, como primeiro passo para alterar e melhorar a forma como o

executam. Esta metodologia foi desenvolvida por Crowston & Osborn (1998) visando

satisfazer vários requisitos, potencialmente conflitantes:

ser generativa, ou seja, não somente utilizada para o mapeamento do processo atual,

mas também para sugerir alternativas viáveis;

adicionar complexidade a uma descrição de processo somente se esta for relevante

para alguma questão importante do redesenho; e

prover soluções e sugestões que façam sentido para os indivíduos envolvidos no

trabalho.

Para alcançar esses objetivos, foi sacrificado o grau de confiabilidade, no sentido de que

dois analistas estudando o mesmo processo desenvolvessem exatamente as mesmas

descrições. Ao contrário, foi imposto um critério mais prático, de que o analista estudando o

processo derive descrições que possam ser prontamente entendidas e debatidas por outros.

Além disso, os analistas devem ser capazes de combinar suas descrições individuais em uma

representação aceitável conjuntamente, que incorpore as características identificadas por cada

um.

A técnica resultante é bastante semelhante a outras técnicas de mapeamento de processos.

Os processos são descritos por uma seqüência de atividades, executadas por atores

organizacionais, que produzem e consomem recursos. A novidade é o emprego da teoria da

coordenação para buscar explicitamente e representar dependências dentro do processo e os

mecanismos de coordenação utilizados para gerenciar aquelas dependências.

Processos

Processos de negócios são geralmente definidos como uma seqüência de ações, orientadas

por objetivos, efetuadas por estações de trabalho ou organizações de negócios, as quais são

repetidas no tempo e medidas em termos de indicadores de desempenho, tais como tempo,

custo e/ou recursos gastos. Seus elementos chave são atividades, atores e recursos.

Pág. 52

Realmente existem problemas para representar processos, mas na maioria dos casos é

possível desenvolver um modelo significativo e reconhecível. O importante é que o modelo

faça sentido para seus usuários, ou que pelo menos eles possam chegar a um acordo sobre o

mesmo. Além disso, em vez de discutir se os modelos são representações reais do trabalho,

eles são encarados como produtos descritivos, realizados por um autor com uma finalidade

específica. As descrições são recursos para a ação. Isso quer dizer que alguém que execute o

trabalho, pode achar o modelo útil como uma referência ou justificativa para uma ação

particular.

Teoria da Coordenação

Uma das principais limitações das representações de processos é o fato de serem estáticas.

Descrevem o atual estado do processo com razoável fidelidade, mas informam muito pouco a

respeito de possíveis mudanças ou melhorias. O uso da teoria da coordenação permite gerar

modelos generativos, que sugerem caminhos alternativos a respeito de como o processo

poderia funcionar.

Os processos são analisados em termos dos atores executando atividades para alcançar

objetivos. De acordo com a teoria da coordenação, esses atores enfrentam problemas de

coordenação, que surgem das dependências que restringem o modo pelo qual uma tarefa pode

ser desempenhada. Problemas de coordenação são gerenciados por atividades que

implementam métodos de coordenação.

A primeira premissa chave da teoria da coordenação é que as dependências e os

mecanismos para gerenciá-las são gerais, ou seja, uma dada dependência e um mecanismo

para gerenciá-la serão encontrados em diversos arranjos organizacionais. Por exemplo, um

problema de coordenação comum é que certas atividades requerem habilidades

especializadas, restringindo dessa forma a quantidade de atores que podem trabalhar nelas.

Essa dependência entre uma atividade e um ator surge, de alguma forma, em praticamente

qualquer organização. A teoria da coordenação sugere identificar e estudar as dependências

comuns e seus mecanismos de coordenação relacionados ao longo de uma ampla variedade de

arranjos organizacionais.

Pág. 53

A segunda premissa é que freqüentemente existem diversos mecanismos de coordenação

que podem ser usados para gerenciar uma dependência. Esses mecanismos podem ser úteis

para uma vasta gama de arranjos organizacionais. As organizações que atingem metas

similares, usando mais ou menos o mesmo conjunto de atividades, terão que gerenciar as

mesmas dependências, porém, podem escolher mecanismos de coordenação diferentes,

resultando em processos diferentes.

Juntas essas duas premissas sugerem que processos alternativos podem ser criados pela

identificação de dependências no processo e pela consideração de quais métodos de

coordenação podem ser usados. Assim, a busca por dependências e métodos de coordenação é

um início útil para a análise e o redesenho de processo.

Dependências

Dependências e coordenação têm sido estudadas por muitos pesquisadores

organizacionais. Os pesquisadores geralmente conceituam dependências como surgindo entre

atores ao invés de entre as tarefas que esses atores possam estar desempenhando. A causa da

dependência é vista de forma variada como o controle de um ator sobre o resultado das ações

de outro ou como a troca de recursos.

As dependências entre atividades, contudo, também foram bastante estendidas a partir do

exame de como as atividades utilizam recursos comuns. Crowston & Osborn (1998) propõem

uma tipologia de dependências, apresentada na Tabela 1 a seguir.

Tabela 1 – Tipologia preliminar de dependências e mecanismos de coordenação

Tarefas que utilizam recursos

Decomposição 1

Determinar necessidades = gerenciar usabilidade da aquisição e uso dos recursos

Identificar recursos

Propaganda

Lista preparada

Somente um recurso?

Coletar informações sobre os recursos

Através de concorrência

Gerente sabe

Escolher o melhor

Alocar

Marcar recurso em uso

Gerenciar dependências de fluxo da aquisição e uso dos recursos

Pág. 54

Decomposição 2

Determinar necessidades

Planejar tarefas para satisfazer necessidades

Decompor a meta em submetas

Escolher um conjunto de atividades que atinjam as metas

Integrar conforme necessário

Múltiplas tarefas usando recursos comuns

Assegurar mesma versão dos recursos compartilhados

Destruir versões obsoletas

Copiar master antes do uso

Verificar versões antes do uso

Detetar e corrigir problemas depois do fato

Programar uso de recursos reutilizáveis, mas não compartilháveis

Verificar conflito antes do uso e então marcar o recurso em uso

Gerenciar fluxo de recursos de uma tarefa a outra

Alocar recursos não reutilizáveis

Dividir os recursos entre as tarefas

Abandonar uma tarefa

Obter mais recursos

Uma tarefa utiliza um recurso criado por outra

Decomposição

Usabilidade (i.e. a coisa certa)

Usuários adaptam-se aos recursos conforme são criados

Criador recebe informação dos usuários para adaptar recurso

Terceira parte estabelece padrão seguido por todos

(conformidade com padrões = dependências múltiplas de usabilidade)

Pré-requisito (i.e. no tempo certo)

Produtor produz primeiro

Seguir plano

Monitorar uso

Esperar por pedido

Pontos padrões de colocar pedido

Somente quando faltar

Just-in-time

Consumidor espera por produção

Monitorar

Ser notificado

Acessibilidade (i.e. no lugar certo)

Bens físicos

Caminhão

Informação

Em papel

Oral

Por computador

Múltiplas tarefas criam o mesmo recurso

Decomposição

Detetar output comum

Banco de dados de problemas conhecidos

Gerenciar

Sobreposição ou mesmo

Eliminar uma tarefa (gerenciar recursos compartilhados)

Pág. 55

Fundir tarefas tomando vantagem da sinergia

Somas são incompatíveis

Abandonar uma

Adicionar uma nova meta para solucionar

Não tentar alcança-las ao mesmo tempo

Particularmente proeminente entre essas são as dependências de fluxo, nas quais os

recursos produzidos por uma atividade são consumidos por uma ou mais atividades

subseqüentes, e as dependências de compartilhamento ou recursos compartilhados, onde duas

ou mais atividades compartilham os mesmos recursos.

As dependências podem ser decompostas em subpartes. As dependências de fluxo, por

exemplo, podem ser entendidas como incluindo pelo menos três subdependências: uma

restrição de usabilidade, buscando identificar se o recurso produzido por uma atividade é

realmente apropriado para uso das atividades consumidoras; uma restrição de pré-requisito, se

a atividade produtiva precisa ocorrer antes da atividade consumidora; e uma restrição de

transferência ou acessibilidade, se o recurso está prontamente disponível para a atividade

consumidora. Cada uma dessas restrições precisa ser levada em conta na análise da

dependência de fluxo completa.

A maioria dos processos inclui um mix de dependências. Os trabalhos que são intensivos

em conhecimento são freqüentemente intensivos em coordenação. Além disso, papéis de

coordenação que cruzam as fronteiras da organização freqüentemente representam uma

resposta a dependências que afetam importantes parâmetros do desempenho organizacional.

Descrição de processos com base na teoria da coordenação

A técnica para descrição de processos tem seis estágios. Inicia-se estabelecendo as

fronteiras do processo a ser analisado. Em seguida, as fontes de dados sobre o processo são

identificadas e os dados coletados. O coração da análise é a identificação de atividades, atores,

recursos e dependências entre estes (passos 3, 4 e 5). Finalmente, o modelo do processo

precisa ser verificado. Apesar dos passos serem apresentados nessa ordem, na prática, a

análise e a coleta de dados provavelmente serão intercaladas, conforme a análise revele uma

falta de entendimento, que motive coleta adicional de dados. Por exemplo, alguns dados são

necessários para se estabelecer as fronteiras do processo, mas estas são essenciais para limitar

Pág. 56

a coleta de dados. Além disso, muito freqüentemente os passos da análise serão executados

iterativamente, conforme um maior entendimento de um aspecto do processo sugira

alternativas adicionais a serem consideradas em outros.

Passo 1: Estabelecendo as fronteiras do processo

O primeiro passo da análise é estabelecer as fronteiras do processo. Isso envolve decisões

sobre quais atores, recursos e atividades são centrais à análise e quais são incluídas somente

como relações tangenciais com outros processos, ou não são incluídas. Deve-se focar a análise

em torno do objetivo estabelecido para o processo. Atividades, atores e recursos que

contribuam para este objetivo são incluídos na análise; atividades que sejam periféricas são

incluídas somente abstratamente ou não são de forma alguma. Em muitos casos, podem existir

múltiplas possibilidades para o objetivo global do processo. Nesses casos, as fronteiras do

processo são particularmente importantes para definir o problema e o escopo das soluções

consideradas.

Identificando objetivos

Para identificar objetivos de alto nível, pergunta-se aos atores do processo questões gerais

sobre o propósito do negócio e os objetivos gerais (p.ex. como este processo se encaixa no

negócio?). Para atividades/objetivos de nível inferior, sugerem-se questões mais específicas,

tais como:

1. A que propósito serve esta atividade? Se você parar de executá-la, o que ocorrerá?

2. Como o desempenho desta atividade é (ou como poderia ser) medido? O que é

considerado um bom ou um mau desempenho?

3. Quem utiliza o resultado dessa atividade? Que tipos de resultados eles consideram

mais importantes ou úteis?

O balance scorecard, proposto por Kaplan & Norton (2000), fornece um referencial para a

definição de objetivos estratégicos, sob quatro diferentes perspectivas:

1. Financeira: a estratégia de crescimento da receita, produtividade, rentabilidade e risco,

sob a perspectiva do acionista;

Pág. 57

2. Cliente: a estratégia de criação de valor e diferenciação, sob a perspectiva do cliente;

3. Processos de negócio internos: as prioridades estratégicas de vários processos de

negócio, que criam satisfação para os clientes e acionistas;

4. Aprendizado e crescimento: as prioridades para o desenvolvimento de um clima

propício à mudança organizacional, à inovação e ao crescimento.

Pode ocorrer que em uma dada análise um processo tenha objetivos divergentes, por

exemplo, um objetivo considerando as necessidades do cliente e outro objetivo considerando

a eficiência e/ou lucratividade do processo. Cada uma dessas visões – cliente e organização –

pode ser apropriada dependendo do propósito da análise. A questão não é se existe uma única

e universal perspectiva que seja adequada a todas as condições, o que parece improvável; ao

contrário, a questão mais apropriada a perguntar é se as fronteiras do processo escolhidas são

apropriadas ao problema, cuja análise se pretende realizar.

Além disso, conforme uma análise prossegue, pode ser útil modificar a definição das

fronteiras do processo em consideração. Não é uma questão da definição ser certa ou errada,

mas sim útil ou inútil. Por exemplo, um analista, considerando a cadeia de valor, pode iniciar

com uma representação de processo que descreva um participante na cadeia, mas depois

expandir a análise para incluir múltiplos fluxos coordenados por múltiplos atores

corporativos. A definição de um sistema deve levar em conta a definição de outros sistemas

aos quais o primeiro servirá. O importante é sempre ter em mente que a definição do sistema

em estudo depende do propósito do estudo, em vez de ser uma propriedade inerente do

sistema.

Passo 2: Coletando dados

Construir uma representação de um processo requer a coleta de detalhes consideráveis

acerca das atividades, objetivos, atores e recursos disponíveis. Como o propósito é buscar um

entendimento interessante e útil do processo para auxiliar sua análise e eventual redesenho,

não se requer o mesmo rigor de um estudo científico, que exigiria que um segundo

observador, usando a mesma técnica, chegasse a exatamente às mesmas conclusões.

O método proposto inclui três componentes principais:

Pág. 58

1. entrevistas semi-estruturadas, baseadas no entendimento das decomposições,

especializações e dependências do processo;

2. observação direta e participação, onde for apropriado; e

3. iteração que encoraje rever os dados coletados repetidamente, conforme o

entendimento do processo crescer durante as fases subseqüentes da análise.

Além disso, dados existentes sobre o processo serão examinados, tais como fluxogramas

de processos e fragmentos de processos, exemplos de documentos criados no processo,

manual de treinamento ou até mesmo entrevistas com os gerentes ou narrativas obtidas dos

colaboradores da linha de frente. Mesmo que essas evidências tenham sido originalmente

coletadas com objetivos diversos da análise do processo, ainda assim podem ser úteis para

aumentar o entendimento do processo.

Passo 3: Identificando atores e recursos

Conforme os dados são coletados, começa-se a criar e popular as diversas categorias da

descrição. Apesar de estar sendo apresentado como um passo distinto, na prática, a coleta de

dados e a análise são intercaladas. Nesse passo, os atores que executam o processo e os

recursos nele usados e criados são identificados. Esse passo também é útil para refinar as

fronteiras do processo, pois somente serão incluídas as atividades desempenhadas pelos atores

selecionados em torno dos recursos selecionados.

Identificar atores do processo, que são as pessoas que dele participam diretamente, é

relativamente trivial. Os atores não-humanos são um pouco mais difíceis de identificar. Em

alguns casos, máquinas podem ser vistas como atores. Em outros, agregações maiores como

departamentos também podem ser considerados. Novamente, a nossa regra geral é só

adicionar detalhe onde for necessário para o propósito do estudo. Para atividades próximas da

fronteira da descrição do processo, as agregações podem ser apropriadas para definir atores,

enquanto que para atividades centrais da descrição do processo, pode ser necessário descrever

mais especificamente atores humanos e relacionados a sistemas.

Para verificar se o conjunto de atores está completo, pode-se seguir o fluxo de trabalho

nos dois sentidos, usando questões como: “Depois de você encerrar seu trabalho, para quem

você envia o resultado dele? Ou, “de quem você recebe seu trabalho?” O caminho pode ser

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encurtado (e os atores tornarem-se bem mais agregados) nas extremidades da fronteira do

processo selecionado.

Uma vez que o conjunto de atores tenha sido identificado, esses podem ser agrupados em

classes de atores que desempenham atividades similares de forma similar (papéis similares).

Conforme os atores vão sendo identificados, começa-se também a listar os recursos que

são criados, ou que passem pelas atividades. Alguns desses podem ser objetos físicos, que

são identificados mais facilmente. Freqüentemente, contudo, o recurso chave é a informação.

Para identificar recursos informacionais, pergunta-se quais mensagens os atores enviam uns

aos outros.

Passo 4: Identificando atividades

O próximo estágio da análise é listar as atividades que compõem o processo, ou seja, o

que é executado no processo. Diversos problemas devem ser considerados na análise. Em

primeiro lugar, as mesmas atividades podem ser nomeadas e interpretadas diferentemente por

diferentes atores. Segundo, as atividades podem ser descritas em vários níveis de detalhes.

Terceiro, as atividades realmente observadas podem variar em função do desempenho do

processo, tornando problemática a identificação do mesmo. As soluções escolhidas para esses

problemas têm implicações para o entendimento das atividades e para a identificação dos

recursos que elas utilizam.

Como identificar atividades

Uma técnica usada por antropólogos cognitivos para coletar informações complexas de

informantes pode ser aqui empregada. A técnica básica divide-se em três partes:

1. Pode-se perguntar questões do tipo “grande tour” ou “mini-tour”. Essas são questões

gerais e abertas do tipo: “Fale-me sobre um dia típico. O que você faz?” Um grande

passeio (“tour”) potencialmente cobre todas as diferentes atividades de trabalho que

ocorrem em uma unidade de tarefa particular;

2. Pode-se focar em um ou mais tópicos específicos, como um campo particular do

trabalho ou um processo específico: “Fale-me o que acontece quando um cliente

Pág. 60

chega” e assim por diante. Pode-se perguntar novamente, confirmar, pedir

esclarecimentos, etc., mas a idéia básica é levantar uma descrição geral do trabalho

nas próprias palavras do respondente;

3. Tendo obtido uma visão básica dos grupos de atividades, é possível focar no conteúdo

dos vários domínios semânticos. Um domínio semântico é como uma categoria que

pode ser de muito alto nível ou muito baixo nível. No entendimento da decomposição

do processo, as atividades, que podem ser decompostas em passos ou partes, são

importantes. Para chegar a essas informações, pode-se fazer uma série de perguntas

estruturais: “Quais são os passos nesse processo?”, (seguida de várias confirmações

para verificar se está completa); “Até agora, você mencionou os seguintes passos:

a,b,c,d,e,... Existem outros?” No nível mais detalhado, vale a pena verificar se todas as

atividades são diretas, verificando se constituem algo que um ator pode realmente

fazer (p.ex. coletar informação ou fazer planos), ao contrário de algum resultado

esperado de uma ação (p.ex. reduzir custos).

Decomposição de processos em atividades

Dada uma descrição de uma atividade, o problema seguinte é escolher o nível apropriado

de decomposição para representá-la. Por exemplo, um fluxograma pode incluir uma caixa

para uma tarefa particular de um ator ou centenas de caixas relativas aos detalhes finos da

tarefa. Cada nível de detalhe pode ser apropriado para diferentes propósitos. Evita-se esse

problema pelo desenvolvimento de árvores de decomposição de processos, que representem

simultaneamente diferentes níveis de detalhes. Dessa forma, é possível observar um processo

no nível de detalhe consistente com o propósito, selecionando tal nível na árvore de

decomposição do processo.

Variações de um processo

Um outro problema é representar variações do processo. A teoria da coordenação parte da

premissa de que muitas seqüências diferentes são possíveis, e que essas vão diferir de tempos

em tempos. Em muitos processos, as atividades exatas observadas em um dado instante do

Pág. 61

processo podem nunca ser repetidas em todos os seus detalhes. Mesmo assim, a maioria dos

participantes organizacionais tem pouca dificuldade para reconhecer o processo como uma

descrição abstrata, que representa múltiplos instantes de passos específicos, tanto aqueles que

já ocorreram como aqueles que podem vir a ocorrer. Graças a essa característica da vida

organizacional, é possível descrever um processo generalizado a partir de um conjunto

relativamente pequeno de atividades observadas, pelo ajuste destas atividades aos padrões

mentais, os quais permitem definir os passos mais abstratos do processo.

Na abstração, algumas atividades particulares serão suprimidas. Por exemplo, duas

pessoas podem iniciar cada interação com alguns minutos de discussão sobre o jogo de ontem

à noite, mas não incluir tal atividade quando descrever o processo. De forma geral, deve-se

seguir o direcionamento do informante para decidir sobre a inclusão de tais atividades no

processo. Pode ser que essas interações sejam percebidas por alguns indivíduos como

necessárias para que o processo flua suavemente, caso em que elas devem ser incluídas. Pode

também acontecer que sejam consideradas secundárias, caso em que, provavelmente, seriam

deixadas de fora da descrição do processo.

As questões do tipo “mini-tour” podem, no mínimo, gerar uma razoável primeira

aproximação das atividades que ocorrem em um processo. É mais complicado obter um senso

definitivo sobre a seqüência de atividades e as contingências que podem resultar em

mudanças na seqüência. Tentar obter a seqüência correta de um respondente não é realista.

Deseja-se representar seqüências típicas, que sejam reconhecidas e aceitas pelos participantes.

O enfoque utilizado é construir uma seqüência protótipo e depois perguntar por variações.

Por exemplo, pede-se ao informante para descrever uma seqüência de passos típica. Então,

pergunta-se: “Você pode pensar em algum exemplo onde esses passos seriam realizados em

uma ordem diferente?” Ou “Em que circunstâncias você faria as coisas diferentemente?”

Igualmente importante seriam exemplos de seqüências abortadas ou falhas: “Já houve alguma

vez em que você teve que interromper seu trabalho?” A comparação entre as variações de

seqüências provê dados úteis para a identificação e o entendimento das dependências.

Pág. 62

Passo 5: Identificando dependências

Dada uma descrição de processo, que inclui a identificação de objetivos, atividades, atores

e recursos, propõe-se duas heurísticas gerais para a identificação de dependências:

1. Análise focada nas dependências: identificar dependências e, então, procurar por

mecanismos de coordenação. Em outras palavras, buscar as dependências e depois

perguntar quais atividades gerenciam aquelas dependências. O fato de não encontrar

tais atividades pode sugerir potenciais problemas de dependências não gerenciadas;

2. Análise focada nas atividades: identificar mecanismos de coordenação e, então,

procurar por dependências. Em outras palavras, identificar atividades no processo que

aparentem ser atividades de coordenação para depois perguntar que dependências

essas gerenciam. Esse enfoque permite perguntar diretamente se todas as atividades de

coordenação observadas são necessárias.

Análise focada nas dependências

Na análise focada nas dependências, examinam-se as atividades e os recursos que essas

utilizam, determinam-se as possíveis dependências, considerando quais recursos são usados

por mais de uma atividade e, então, buscam-se outras atividades dentro do processo que

gerenciem essas dependências. Mais especificamente, para identificar dependências e

mecanismos, formulam-se questões acerca de cada atividade em questão:

Quais são os inputs para essa atividade (físicos, informacionais e outras pré-condições

necessárias como permissões, etc)? Existem dependências de fluxo com as atividades

que criam esses recursos? Esses recursos são usados por outras atividades, criando

dependências de compartilhamento de recursos?

Quais são as saídas? Existe uma dependência de fluxo com as atividades que utilizam

esses recursos? Existem múltiplas atividades que criam esses recursos, criando

dependências de output comum?

Que outros recursos são usados, p.ex., atores, equipamentos, pessoal de apoio, tempo,

ou outros itens de importância no processo? Existem dependências de recursos

compartilhados com esses recursos? Como esses recursos são alocados às atividades?

Pág. 63

Que problemas de desempenho foram reportados nesse processo (p.ex. divergência

observada em relação à meta estabelecida)? Esses problemas refletem dependências

não gerenciadas?

Para cada dependência potencial identificada dessa forma, buscam-se atividades que as

gerenciem. A tipologia da Tabela 1 é útil, uma vez que sugere uma gama de possíveis

mecanismos de coordenação para cada tipo de dependência. Por exemplo, se uma atividade

precisa de um recurso, então da tipologia nota-se que o recurso pode ser permanentemente

alocado, escolhido de um estoque de recursos pelo critério primeiro que chega é o primeiro a

ser servido, pode ser alocado por um gerente, etc. Uma dependência de fluxo pode ser

gerenciada por uma única atividade ou o mecanismo de coordenação, ou pode ser decomposta

em atividades separadas para administrar a transferência, a usabilidade e as dependências de

estocagem.

Resumindo, na análise focada na dependência, examina-se o uso dos recursos visando

identificar potenciais dependências, e então se busca por atividades para gerenciar aquelas

dependências. Ou, de outra forma, identifica-se dependências, considerando recursos usados

ou criados por atividades múltiplas. Então, procura-se por mecanismos de coordenação que

gerenciem aquelas dependências, buscando, através de sucessivas camadas, mais detalhes do

processo, até obter o entendimento de como seus objetivos são implementados na prática. Em

uma análise completa, esse foco nas dependências leva a um entendimento das atividades que

coordenam os recursos chave, associados com as restrições das dependências.

Análise focada nas atividades

O segundo enfoque para encontrar dependências e os mecanismos de coordenação

relacionados inicia-se pelas atividades. A análise focada nas atividades traz a tona atividades

de coordenação candidatas e, então, procura pelas dependências que gerenciam. Nesse

sentido, opera indutivamente, agregando dependências na medida em que sobe na hierarquia

do processo, construindo uma análise que complementa o enfoque nas dependências.

Na análise focada nas atividades, sugerem-se três heurísticas complementares para

triangular potenciais dependências importantes. Elas incluem a identificação de tarefas

críticas do processo, das atividades de coordenação e dos coordenadores.

Pág. 64

1. Buscar atividades críticas do processo. Na análise focada nas atividades, perguntam-se

quais atividades têm um papel necessário na conclusão do processo. As restantes estão

possivelmente coordenando as primeiras;

2. Buscar diretamente atividades de coordenação. Examinam-se tarefas identificadas

dentro de uma decomposição hierárquica e se pergunta se essas atividades representam

coordenação, i.e., se elas correspondem a uma das atividades da Tabela 1 ou, de outra

forma, gerenciam uma dependência importante dentro do processo. Por exemplo, o

exame do ciclo de preparação do orçamento pode identificar mecanismos de alocação

de recursos. O rastreamento do fluxo de papel ou outro recurso físico dentro da

organização pode, freqüentemente, identificar atividades que gerenciam dependências

de fluxo;

3. Buscar por atores ou recursos que coordenam. Finalmente, a análise focada nas

atividades procura por atores, cujos trabalhos freqüentemente sugerem tarefas de

coordenação.

Em resumo, na análise focada nas atividades, procura-se por atividades que podem

implementar mecanismos de coordenação. Atividades candidatas são aquelas que não estão

ligadas à produção, que parecem mecanismos de coordenação ou que são executadas por

coordenadores. Ou, de outra forma, procura-se primeiramente por atividades que parecem ser

exemplos de mecanismos de coordenação e, então, verificam-se as dependências que são

gerenciadas por essas atividades. Esse enfoque bottom-up oferece uma visão alternativa do

processo, que é complementar aos resultados produzidos pela perspectiva top-down do foco

nas dependências. Quando os resultados se sobrepõem, as duas análises oferecem os meios

para produzir evidências confirmatórias das escolhas de coordenação realizadas pela

organização. Ambos os enfoques podem confirmar ou negar características do processo que

eventualmente tenham sido sugeridas pelo outro. A análise focada nas dependências procede

da perspectiva da estrutura de objetivos de alto nível, enquanto a análise focada nas atividades

começa no fluxo de papel e processa artefatos existentes nas profundezas da organização.

Pág. 65

Passo 6: Verificando o modelo

Modelos de processos podem ser tão valiosos pelo entendimento que é desenvolvido

durante o processo de sua construção, quanto pelo diagrama final do processo. Para esse fim,

a verificação tem um papel particularmente importante nas técnicas sugeridas. Sugerem-se

duas técnicas de verificação como mecanismos complementares para melhorar a

representação do processo e a precisão analítica.

O primeiro desses é o método do caso negativo. As candidatas a representações do

processo são desenvolvidas e discutidas para descobrir o que está faltando na representação

do processo. Lacunas e ambigüidades identificadas guiam a coleta adicional de dados . Essas

omissões podem ser identificadas pela discussão do modelo do processo conforme ele evolui

entre os atores envolvidos – discussões que freqüentemente disparam a necessidade de voltar

e rever várias decisões tomadas anteriormente sobre a representação do processo.

A triangulação provê uma segunda oportunidade para verificar a fidelidade da

representação do processo. O termo refere-se aos meios com os quais os modelos de processo

são discutidos com seus atores . A ênfase aqui complementa o método do caso negativo pela

avaliação de quais elementos do processo parecem gerar ampla concordância sobre sua

representação. A precisão da representação, nesse sentido, pode ser corroborada por uma

ampla concordância entre os participantes do processo.

A análise de caso negativo e a triangulação são incluídas aqui para realçar a importância

de verificações internas consistentes dos modelos de processos, das descrições de contexto, e

da análise por indivíduos participantes no processo. Uma vez que qualquer processo

organizacional está aberto a interpretações diferentes por cada um de seus participantes, e

ainda que mesmo os problemas para os quais os processos são projetados para solucionar

estão abertos para uma definição por interpretação, a verificação subjetiva pode ser o melhor

controle de consistência disponível às equipes de campo.

Do ponto de vista do projeto de pesquisa, os perigos da verificação subjetiva, mesmo por

múltiplos respondentes, são bem conhecidos. É importante reconhecer, contudo, que os

gerentes e outros profissionais trabalhando dentro das organizações enfrentam a mesma

limitação no entendimento do comportamento observado: para eles, o consenso subjetivo do

nível inferior representa um mecanismo chave onde os grupos interpretam os eventos em

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conjunto. Nessa visão, a verificação iterativa de múltiplas fontes (p.ex., da descrição do

processo) representa o mesmo nível de confiabilidade com os quais os desenhistas de

processo têm que lidar na prática real. Até o grau em que um entendimento crescente das

características do processo pode adicionar estrutura e consistência à representação do

processo, a confiabilidade da descrição do processo pode ser melhorada. Na falta desta,

contudo, o uso da verificação iterativa de múltiplas fontes parece ser não somente um meio

alcançável para verificar a fidelidade descritiva, mas também uma maneira de refletir muito

apropriadamente as condições do mundo real.

5. Conclusão

A partir da conciliação dos principais modelos teóricos de estratégia, engenharia de

processos e teoria organizacional, propôs-se uma metodologia de aplicação essencialmente

prática, visando auxiliar as organizações na reengenharia de seus processos e na

reestruturação de suas arquiteturas organizacionais, em decorrência da estratégia de mercado

adotada.

Observou-se que, conforme uma organização evolui, sua unicidade é alcançada através de

um processo dinâmico de estruturação. A estrutura organizacional é moldada em função de

três níveis de restrições ao comportamento, a saber: a infra-estrutura de interdependências

(Economia), a socioestrutura de relacionamentos de troca (Política), e a superestrutura de

representações simbólicas (Cultura).

A metodologia proposta é centrada na socioestrutura, que inclui os relacionamentos

formais e informais que ocorrem entre os membros de uma organização, conforme eles

executam suas tarefas, bem como a divisão do trabalho e o agrupamento de atividades

(diferenciação) e os mecanismos de coordenação e controle (integração). No entanto, a

infraestrutura e a superestrutura estão também nela incluídas, na medida em que os objetivos

estratégicos e as soluções de compromisso (trade-offs), que definem a estratégia da

organização, são os principais fatores considerados na reengenharia dos processos e nas

mudanças dos arranjos organizacionais.

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Esta metodologia está pautada na engenharia de negócios, cujo intuito é desenvolver

soluções de negócios para a era da informação. Ela junta a gestão e a informação da

tecnologia da informação (TI), e unifica-as em todos os aspectos da transformação, desde os

auxílios documentais e descritivos e os modelos de procedimentos, até as implicações

culturais e políticas. A engenharia de negócios estrutura a transformação da organização em

rede. Divide o exercício de transformação no desenvolvimento da estratégia, dos processos e

dos sistemas, quebrando esses níveis em degraus menores e gerenciáveis, e depois os

reunificando através dos resultados. Suporta não somente o projeto conceitual, mas também a

gestão da mudança.

Essas organizações em rede da Era da Informação surgem dentro de um enfoque de

orientação a processos em redes. São organizações que se enxergam como um nó de diversas

redes de negócios. Uma vez identificada a governança corporativa dessas, modela-se a

coordenação e a troca de informações que ocorre entre os decisores nessas redes. O modelo

proposto da organização em rede combina a posição de nó de diversas redes de negócios com

a necessidade de estruturação dos processos de negócio que permeiam a organização. Ele

auxilia os negócios na identificação da importância dos processos na rede e permite dividir o

problema da conexão em rede em cinco áreas bem definidas, cada uma delas homogênea em

si mesma. Ao mesmo tempo, mostra as conexões entre as áreas individuais. Descrever a

conexão em rede com auxílio das áreas de coordenação permite à organização em rede

orientar-se consistentemente na direção dos processos de seus parceiros, em particular aqueles

de seus clientes.

O resultado do processo de modelagem e mapeamento da organização em rede, proposto

neste trabalho, inclui atividades, atores, recursos e dependências entre eles, bem como a

identificação de como as dependências estão sendo gerenciadas atualmente. Essa modelagem

pode ser, então, submetida a testes para assegurar que é razoável, que faz sentido para as

pessoas ou que pode ser usada para comunicar ou melhorar o processo.

O principal propósito de criar uma representação da organização em rede é apoiar

melhorias de processos. A documentação das dependências e dos mecanismos de coordenação

de uma organização provê um enfoque para desenvolver novos processos. Novas atividades

podem ser propostas para gerenciar dependências mal geridas ou mecanismos de coordenação

alternativos podem ser considerados para gerenciar cada dependência. A escolha de

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mecanismos de coordenação para gerenciar dependências resulta em uma variedade de

possíveis formatos organizacionais, alguns já conhecidos e outros novos. Observe-se que os

mecanismos são, eles mesmos, atividades, com o seu conjunto próprio de dependências.

Logo, a substituição de um mecanismo pode eliminar alguns problemas, mas, ao mesmo

tempo, pode criar outros que deverão ser posteriormente gerenciados.

O principal benefício da metodologia proposta é formular um arcabouço teórico que possa

ser testado em campo, buscando a comprovação do modelo proposto e/ou a identificação de

novas linhas de pesquisa associadas. Como a convergência dos modelos de estratégia,

engenharia de processos e teoria organizacional ainda é um tema em aberto, vislumbra-se uma

necessidade de uma maior intensidade de estudos teóricos, antes que seja possível enunciar e

comprovar cientificamente uma teoria unificada e sistêmica.

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