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Da televisão para a internet: um estudo sobre a migração midiática

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Volume 12 - Edição 12º Semestre de 2012ISSN 1676-3475www.facasper.com.br/cip

Communicare 12.indb 1 27/12/2012 21:25:11

Da televisão para a internet: um estudo sobre a migração midiática*

Iniciação Cientí!ca

Rodrigo Esteves de Lima Lopes Doutor em Linguística Aplicada pelo IEL-UNICAMP e mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pelo LAEL-PUCSP, especialista em ensino de língua inglesa pela University College of St. Mark & St. Johns (Marjons), Plymouth - UK. Professor de Novas Tecnologias em Rádio e TV e Teoria da Comunicação e Pesquisador do Centro Interdisciplinar de Pesquisa na Faculdade Cásper Lí[email protected]

Luísa Souto Maior Monteiro Discente no curso de Publicidade e Propaganda e bolsista de iniciação cientí!ca do Centro Interdisciplinar de Pesquisas da Faculdade Cásper Líbero

Esta pesquisa visa a estudar o atual papel do videoclipe, considerando a in!uência dos meios de comunicação e sua transição entre eles. Além de re!exão teórica, também realizamos estudo que pretende abordar a convivência das plataformas e o efeito disso sobre a comunidade que se expõe a elas. Iniciamos nosso artigo com uma discussão so-bre videoclipe e seu processo de migração para internet. Em um segundo momento, realizamos um levantamento, estudando dois programas da TV segmentada - Top 10, da MTV, e TVZ, do Multishow-, de forma a entender como a tríade clipe-internet-TV se pronuncia em um período de tempo de dez semanas. Seguimos, então, para análise do videoclipe nesse novo cenário, observando como ele se transformou de um produto estético-publicitário em uma forma de expressão que coaduna com o hibridismo e multiplicidade da comunicação em rede. Palavras-chave: Internet, Videoclipes, TVZ, Top 10 MTV, Televisão, Vídeos na Internet, Tecnologias Digitais.

From television to Internet: a study on media migration "is research aims at studying the role of video clip, considering its in!uence on di#erent media and its transition amongst them. In addition to a theoretical study, we also conducted a survey on the public, which was aimed discussing the coexistence of the platforms and the e#ect this has on the community that is exposed to them. We began our article with a discussion of music video and its migration to the Internet. Secondly, we conducted a survey, studying two TV programs: Top 10, MTV, and TVZ, Multishow, in order to understand how the triad internet-TV-music video took place during ten weeks. We then discuss the video clip in this new scenario. As a result, we observed it has become an aesthetic-advertising product that is consistent with the hybridity and multiplicity of network communication. Keywords: Internet, Music Videos, TVZ, Top 10 MTV, Television, Internet Videos, Digital Technologies

* Trabalho baseado na pesquisa de iniciação cientí!ca realizado entre março e dezembro de 2010 por Luísa Souto Maior Monteiro. Os autores gostariam de agradecer ao Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero pelo !nanciamento dado a esta pesquisa, assim como a Luís Mauro de Sá Martino e Rodrigo Fonseca Fernandes pela leitura de versões prévias deste manuscrito.

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Introdução

Este artigo tem por objetivo discutir o videoclipe e sua manifestação em duas mídias: a televisão, uma velha conhecida e espaço de nascimento dessa forma de expressão artís-tica, e a internet, tendo nosso foco principal nas potencialidades de interação1 da web. O escopo desse trabalho está, por conseguinte, em propiciar uma re!exão sobre os mo-tivos que levam a essa migração por meio das interações espontâneas que as interfaces de exibição de videoclipes fazem surgir na plataforma digital. Tal migração pode ser responsável por duas transformações: uma estética — se pensarmos que sua produção sofreu algumas modi$cações para se adaptar a esse meio —, e outra mercadológica, dado que a internet transformou os espaços midiáticos, fazendo com que a TV tradicio-nal diminuísse ou extinguisse seu espaço para veiculação de clipes2.

O desa$o de uma pesquisa com videoclipe na internet consiste no trabalho com o abstrato, nunca antes pudemos comprovar com tanta certeza a a$rmação de Heráclito sobre o rio não ser o mesmo, se visitado duas vezes distintas. A internet chama atenção pela dinamicidade e alto grau de interatividade que possui; o videoclipe comunga des-sa velocidade, tanto pela forma como é feito, tomando emprestadas características de diferentes meios, quanto pela interação dos receptores: com os clipes pela internet, as diferentes reedições, novas criações, covers3, spoofs4, clipes caseiros e as mais diversas conexões possibilitadas. Assim, a pesquisa encontrou um campo fértil na análise de como as pessoas se manifestam espontaneamente sobre o videoclipe, observando como ele transita entre os dois meios.

A internet faz com que o novo nicho do videoclipe não seja um meio exclusivo (Santaella, 2005) que permite a bidirecionalidade da informação, uma vez que qual-quer pessoa, dentro de um território informacional, se torna um polo emissor (LEMOS,

1. Cynthia Corrêa (2006) faz uma leitura da de!nição de “interação” de André Lemos, identi!cando três níveis não excludentes. O primeiro seria a interação social, “ou simplesmente interação entre os homens” a segunda seria a “analógico mecânica”, a qual permite uma interação com a máquina, como os carros”; e o terceiro ou Interação eletrônico-digital, “que possibilita ao usuário interagir não apenas com o objeto (a máquina ou a ferramenta), mas com a informação, o conteúdo, diferentemente dos media tradicionais.” (Lemos 2002 apud CORRÊA, 2006). Nossa leitura de “interação” vai para além das de!nições anteriores, acrescida de todas as vezes que convier especi!car uma relação entre o vídeo e um meio ou entre dois meios. Ao próprio Lemos também estendemos nossa interpretação de “interatividade” pela relação do homem com a técnica, considerando que ela “nada mais é que uma nova forma de interação técnica, de cunho “eletrônico-digital”, diferente da interação “analógica” que caracterizou os media tradicionais” (LEMOS, 2000). No caso, a “interação analógica” seria uma interação básica com uma máquina, enquanto a interatividade caracterizaria o uso da técnica para diferentes interações.2. Posteriormente, ao procurar reintroduzir o clipe á sua programação as diversas emissoras “mainstream” dentro dos limites da TV convencional procuram reproduzir o ambiente de discussão da internet. Um exemplo seria o programa TOP 10 MTV, como discutiremos a seguir. 3. Música cantada por uma pessoa que não é sua intérprete real. Na internet, vários vídeos são feitos com alguém tocando violão e cantando uma música de um artista, inclusive com clipes caseiros. 4. São paródias humorísticas. Os outros vídeos que continham a história do clipe regravada ou uma nova versão dele feita por um fã, sem o objetivo do humor, foram denominados, aqui, como “clipes caseiros”.

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2007). Isso torna necessário não apenas observar como a internet pode ser usada como um complemento, permitindo uma interatividade que a TV tradicional não permite como também monitorar os videoclipes em zonas próprias para o compartilhamento de vídeo – pois lá, as ferramentas para contato com esses vídeos e compartilhamento deles são mais numerosas.

De forma a viabilizar nossa pesquisa, durante dez semanas5, de$nimos como ob-jeto de pesquisa dois canais online de publicação: o YouTube e Vimeo para acompanhar os dois primeiros videoclipes na classi$cação das sextas-feiras, ou últimos dias úteis, dos programas televisivos “TVZ” e “Top10 MTV”, apresentados nos canais Multishow e MTV, respectivamente. Os programas são bem diferentes entre si, já que o primeiro conta com recursos como a exibição de paródias feitas pelos internautas, legenda para quem não entende outros idiomas e se mostra menos suscetível à vontade do inter-nauta — já que a votação é baseada em opções pré-selecionadas para votação a cada programa —, enquanto o segundo permite mais versatilidade na escolha dos clipes — o que, eventualmente, torna as repetições mais constantes do que no TVZ — e mantém contato constante com o Twitter, que ocupa metade da tela durante todo o programa.

A escolha dos sites também se deu pela oposição entre eles, uma vez que, enquanto o YouTube é extremamente popular e ditador de tendências, o Vimeo é mais seleto, pou-co conhecido e faz restrições para a inserção de vídeos. Um dos resultados mais signi$ca-tivos que pudemos observar foi a presença de certa padronização e repetição dos vídeos e, por causa disso, às vezes um intercâmbio entre os primeiros lugares de um programa e de outro, embora os estilos procurados em cada um desses programas fossem diferentes.

De forma a compreender como o videoclipe se instaura e percorre essa nova seara digital, nossa pesquisa se inicia com uma importante discussão sobre o videoclipe en-quanto forma. Re!etimos também sobre seu sentido no contato com as pessoas que o consomem, passando pelos atributos tecnológicos e os méritos que isso traz à sua origi-nalidade, enquanto fusão de diferentes produtos midiáticos e seu papel como orientador e componente da indústria de entretenimento. Também abordamos a relação entre tele-visão e internet, que vai muito além do videoclipe, mas é muito bem representada por ele.

Posteriormente, estreitamos nosso contato com mídias em que o videoclipe está, esteve ou poderá estar futuramente, analisando suas características individuais, com-patibilidades e incompatibilidades com esse produto midiático, de forma a procurar discutir quais as características importantes para que esse produto midiático adote uma plataforma e possibilidades sobre seus movimentos futuros. Segue-se pesquisa empí-rica, desenvolvida nas primeiras dez semanas de investigação. Aqui, apresentamos os dados, traçando paralelos entre efeitos práticos e conceitos teóricos e correlacionando as estruturas das fontes com as possibilidades de interação ali presentes.

5. O tempo de análise foi limitado a dez semanas, em virtude da brevidade do tempo de pesquisa, característico do programa de iniciação cientí!ca.

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1. Videoclipe: um imigrante digital

O videoclipe é um produto midiático que não tem origem certa. Para alguns, os an-tecessores dos clipes foram os desenhos que acompanhavam músicas, produzidos por Oskar Fischinger entre os anos 20 e 30, para outros, os videoclipes evoluem do videoarte (MACHADO, 1988), o que incluiria os experimentos de Paik e do grupo Fluxus. Também não há consenso sobre o primeiro videoclipe: no artigo de Pontes (2003), consta como o primeiro videoclipe “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever”, veiculados como uma só música, dos Beatles; ao passo que a “New Musical Express” considera “Bohemian Rhapsody”, do Queen, como sendo o primeiro (HOLZBACH e NERCOLIN, 2009). Há certeza quanto à sua composição: o videoclipe integra indele-velmente som e imagem, seja com $ns artísticos ou publicitários, e provoca sensações novas no receptor. Ele é um “amálgama”, um produto intertextual que se apropria da linguagem do cinema para usá-la de forma não linear (PONTES, 2003), um dos inúme-ros rompimentos que a mídia provoca em relação ao dispositivo do cinema (PAREN-TE, 2007), que se caracterizava por uma imersão absoluta, por uma transparência icô-nica e uma lógica narrativa inerente. O videoclipe, diferente dos produtos que a mídia de massa já produziu, tem a ilustração visual da música como seu elemento norteador, o que lhe permite maior liberdade estética.

O clipe, enquanto linguagem televisiva,é uma força aglutinadora, segundo Arlindo Machado (apud SOARES, 2007) - ele quebra com as narrativas comuns na programação jornalística e é um campo de experimentação, o que faz com que, mesmo que não utilize muito da tecnologia binária, seja sempre avaliado gra$camente (MACHADO, 1997). O clipe relaciona-se com as pessoas de forma intensa, retratando aspectos do cotidiano, levando uma ideologia ou ditando comportamentos:

O videoclipe fornece material simbólico para que indivíduos forjem identidades e modelem comportamentos sociais extensivos aos propostos pelas instâncias da indústria musical. Os clipes seriam, portanto, um dos instrumentais de “pedagogia” de uma vivência pop, revelando uma maneira particular de encarar a vida a partir da relação deliberada entre a vida real e os produtos midiáticos. Videoclipes, com suas narrativas e imagens disseminadas, fornecem símbolos, mitos e recursos que ajudam a construir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo.(SOARES, 2007)

Ele ainda tem valor sociológico, no sentido de promover nova estruturação dos bens culturais e da relação das pessoas com eles.

Para Néstor Garcia Canclini, o videoclipe é um elemento da contemporaneidade que presenti!ca a hibridização cultural, provocando, sobretudo, uma ruptura com o conjunto !xo de arte-culta-saber-folclore-espaço-urbano. Junto às histórias em quadrinho, aos videogames, às !tas cassetes e às fotocopiadoras, o videoclipe, ainda segundo Canclini, seria responsável por uma não só não hierarquização dos fenômenos culturais, mas

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também por uma banalização dos bens culturais simbólicos que se reconheciam “intocáveis” (CANCLINI, 1998: 174 apud SOARES, 2004)

Embora tenha importância inegável, em se tratando de comunicação e valores, a composição e expressão do clipe como arte ainda é discutida. Se, por um lado, ele re!ete as diferentes maneiras de o diretor escolher as melhores imagens e combiná-las com a música, além e apesar da técnica consagrada e utilizada na confecção do videoclipe; por outro lado, o videoclipe posiciona-se pelo menos como uma tentativa: ele efetivamente agrega signi$cado, criando um espaço visual que transcende seu signi$cado, uma peça audiovisual que possui características próprias. Ele é, por conseguinte, mais que o ato de agregar uma representação imagética a música, ele é a criação de um produto audio-visual com novo um signi$cado, independente das imagens ou sons que o compuseram.

Mudanças protagonizadas pelo videoclipe provocam impactos nas percepções das pessoas. Um grande exemplo disso é o crescimento de sua importância durante os anos 80 e 90, o que se deveu principalmente à proliferação de programas e emissoras es-pecializadas em sua transmissão. Artistas passam a ser valorizados não apenas pela sua música, mas também pela qualidade de seus vídeos. Percebedores dessa importância, artistas e membros da indústria fonográ$ca investem pesado na criação de clipes que imortalizam seus músicos: os orçamentos crescem e são dignos de produções cinema-tográ$cas. Um grande exemplo desse tipo de realidade são artistas como Michael Jack-son, cuja videogra$a !erta com o cinema em seu aspecto estético, gerando uma verda-deira revolução na indústria. O videoclipe !riller, dirigido pelo cineasta John Landis, tem mais de 13 minutos de duração e um roteiro cuja estrutura ecoa a de um curta me-tragem com temática relacionada aos $lmes de terror adolescentes dos anos 80. !riller contou com quase US$ 500.000,00 de orçamento, uma dos mais altos para época. Bad, outro clipe de Jackson, foi dirigido por Martin Scorsese com roteiro de Richard Price e tem quase 18 minutos de duração, lembrando os $lmes estilizados de gangues.

Em muitos casos, clipes relacionam-se com outras artes, como é o caso das artes visuais, design e videoarte. Björk Gu%mundsdóttir possui vídeos que se aproximam da videoarte, no que tange a sua narrativa onírica e efeitos visuais — entre eles destaca-se Army of me, dirigido pelo cineasta francês Michel Gondry. Take on me, da banda de synthpop norueguesa A-ha, lançado em 1985, é o primeiro a ter uma relação direta com HQ e técnicas de animação incomuns para a época, Personal Jesus e Walking in my shoes — ambos do grupo britânico Depeche Mode e dirigidos por Anton Corbijn — in-vestem na fotogra$a como elemento estético prioritário, vê-se uma colagem de imagens ilustrando o ritmo da música; algo muito similar ao que o fotógrafo de moda Bruce We-ber também realiza nos clipes Being Boring e Get Along, ambos do grupo britânico Pet Shop Boys. Isso nos permite pensar o videoclipe como elemento composto, intertextu-al, plurissigni$cativo e semiótico, no sentido de transmitir mensagens aos espectadores, chegando a ser visto como re!exo do homem pós-moderno (PONTES, 2003). Ele é um

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emaranhado de referências e linguagens: ele não busca apenas ilustrar a música, mas também criar com ela uma unidade signi$cativa que vai além da simples conexão entre as imagens e o som. O que temos na verdade é uma nova obra. Por conta dessa realidade multifacetada e híbrida, Barreto (2006) discute, tendo em vista a composição e o am-biente de intertextualidade, se o clipe deve ser sujeito aos direitos autorais e se, por ser massivo, deve ser considerado arte, o que o elevaria a status superior à mera promoção da indústria fonográ$ca.

No que tange à televisão brasileira, o videoclipe ganhou grande projeção nos anos 70-80, em especial pela divulgação no programa Fantástico. Também contribui para a relação do videoclipe no contexto brasileiro o fato de a televisão brasileira ter um forte parentesco com o rádio, e não ter surgido a partir do cinema (como a francesa, por exemplo) — isso garante um dinâmica diferenciada ao contexto que apresentamos, pois faz esse meio muito mais intrínseco na cultura brasileira que na francesa — o rádio sempre foi “companheiro”; o cinema é um entretenimento mais esporádico.

Em termos globais, o videoclipe se espalhou por todo o mundo, in!uenciando desde $lmes indianos de Bollywood até propagandas eleitorais obrigatórias. A publici-dade mostrou-se bastante sensível a essa linguagem, um exemplo contemporâneo seria o clipe de Eduardo e Mônica, música dos anos 80, feito para uma operadora de celular, com a intenção de se tornar viral na internet – acrescentamos que, em 2001, já havia sido feito um $lme publicitário com essa mesma temática, mas para outra operadora, mostrando a versatilidade comercial que os clipes podem alcançar6.

A tevê comum tem uma via única de comunicação, está subordinada aos produto-res do conteúdo e é direcionada ao público-alvo sem ter um feedback no próprio meio. Wolton (2003, p. 61) a$rma que a televisão é quase democrática, porque atinge a maior parcela das pessoas, mas não tem legitimidade junto às elites, pois elas enxergaram lá um meio de quebrar a hierarquia cultural; mesmo cinquenta anos depois de sua implantação essa mentalidade não foi mudada. Mas a função e o alcance da televisão vão muito além da popularidade: mais do que entretenimento ou cultura, difunde ideologias e parâmetros de comportamento, consumo, ou vivência, por isso o videoclipe foi bem incorporado por ela.

Apesar dessa via única, a tevê brasileira já mostrou tentativas de interação com o público, alguns programas televisivos que demandavam iniciativa do público, tais como “Você decide” (Globo, anos 80 e 90), além dos jogos interativos (Game Shows), como é o caso do “TV-POW” (SBT nos anos 80) e “Hugo Game” (CNT/Gazeta anos 80); mais recentemente surgem os reality shows de votação, tais como Big Brother Brasil (Globo) e Casa dos Artistas (SBT). De acordo com Centenaro (2011), o tipo de interação que es-ses programas propiciam é limitada, elas partem de uma escolha, muitas vezes binária,

6. Aqui cabe um agradecimento especial ao parecerista anônimo que avaliou este artigo antes da sua publicação. Ele enriquece nossas percepções com algumas observações de relevante importância, chamando nossa atenção para os temas discutidos nesse parágrafo.

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que pode não re!etir o grande matiz de opiniões dos espectadores sobre o programa e sobre as personagens ali presentes. De certa forma, tem-se ainda a mesma imposição de valores e visão de mundo, uma vez que a escolha não re!ete uma clara expressão do público, ela é uma concessão que ocorre dentro de regras estabelecidas e que re!etem ainda a visão que os produtores possuem.

Outra proposta foi o canal FIZTV, exclusivo de produções caseiras. Nele, vídeos produzidos pela audiência eram enviados para um site do canal com diversas catego-rias, tais como documentários, humor, reportagens e, logicamente, videoclipes. A au-diência votava pela web, os vídeos que obtivessem mais votos eram transmitidos na TV (canal fechado em um operadora de cabo). A experiência parece não ter dado resultados positivos, em pouco tempo, o FIZTV tornou-se um programa dentro da MTV, dedi-cado apenas a clipes, até $nalmente desaparecer. Entre os problemas que causaram o insucesso do FIZTV está a grande variação de qualidade dos vídeos e a questão do ho-rário de exibição, pois nem sempre os internautas se interessavam em assistir ao canal, se o vídeo já estava disponível na rede. Além disso, contou negativamente o formato do próprio canal, que parece não ter agradado aos usuários de TV a cabo convencional; os vídeos eram exibidos todos em sequência, sem intervalos comerciais e sem a interferên-cia de um apresentador.

Há que considerar que a TV continua importante meio de divulgação, em geral, uma vez que, principalmente a televisão brasileira, está intrinsecamente ligada à rotina das pessoas, mas, como um membro da família, é extremamente vulnerável e tende a apoiar os governos vigentes, cria comunicação baseada em preconceitos e lugares-co-muns, apela $rmemente para o emocional até no noticiário, de forma a até mesmo tomar o cuidado de contrapor notícias boas e ruins, entre outros (WOLTON, 2003:7). Talvez por essa razão, em muitos momentos, o videoclipe parece ser utilizado como uma vitri-ne do trabalho do músico: sua exibição em canais ou programas especí$cos serve como importante ação de divulgação de seu produto fonográ$co. Isso gera um casamento per-feito: não apenas o artista aumenta seu potencial de vendagens, mas também ambos os meios lucram; a tevê equilibra parcialmente sua equação entre público e demanda no horário, ao passo que a gravadora amplia o seu público consumidor para o artista.

Segundo Wolton (2003), a internet é uma forma que segue uma lógica de demanda, derivada do imediatismo pregado à geração que dela se serve. A internet difere de uma mídia mais antiga, em questão de promessas. Primeiro, há uma crença muito forte sobre a infalibilidade e capacidade de resolução de problemas do meio, de forma que os ques-tionamentos acabam sendo inibidos, e se torna senso comum que essa plataforma é real-mente revolucionária e só tem a acrescentar à sociedade. Outro fator é a sua capacidade de aproximação com os jovens. Isso se dá porque ela oferece vantagens como a inovação, portanto a ruptura do velho, a quebra da hierarquia, a possibilidade de contato com o mundo inteiro e a comoção com as causas sociais dos países mais pobres. Para Negro-ponte (2002), a internet levaria à democratização que a televisão não tem, pois os polos

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de emissão e recebimento não seriam assimétricos como os da tevê. Essa democratiza-ção, no entanto, pode ser facilmente questionada pela defasagem de facilidade de acesso à máquina que Wolton aponta, e pelo não atingimento do grande público, ou seja, os interesses são separados, de forma que não há a permuta que a comunicação em massa, por exemplo, promove entre pessoas com diferentes gostos. Entretanto, dentro do grupo que consiga adquiri-la realmente, ocorre uma disponibilização livre das informações.

Outro problema, entretanto, é que, embora seja visível a inovação, deve-se pensar que todas as diferentes mídias foram, em suas épocas de lançamento, inovadoras, e a proposta é sempre ultrapassar esses limites – se antes a televisão inovou na dispersão de informação e de cultura para o público de massa, agora a internet propõe o individual, a autopromoção, de forma que se busca superar mais uma barreira.

O desenvolvimento do ambiente digital trouxe diversas novas possibilidades de comunicação entre produtores, editores, operadores e consumidores da indústria cul-tural. Entretanto, por se tratar de um ambiente ainda relativamente novo, existe di$cul-dade em de$nir seus limites, suas propriedades e potencialidades, posto que o panora-ma remete a uma grande área de transição, na qual os artif ícios de análise nem sempre dão resultados e há carência de técnicas e estratégias especi$camente voltadas ao meio.

Segundo Soares, que compara a mídia televisiva com a digital, a televisão atualmen-te guia o acesso à internet e esta pode agendar personagens famosos da televisão (SOA-RES, 2007). O primeiro caso que ele relata é o que ocorre com a Rede Globo de televisão com relação ao jornal, que é exibido na televisão e complementado, estendido na rede, e o segundo é o que ocorre com muitos virais, nos quais pessoas se destacam em sites de compartilhamento de vídeos e acabam sendo convidadas para programas de televisão.

Para que a transição seja completa, há valores que necessitam ser abandonados. Entre eles está a hegemonia, que é um recorte que não possui máxima efetividade por-que a proposta do ambiente é a dinamicidade e a partilha de informações. Outro é a elitização, que também não permite o aproveitamento máximo desse novo meio, bem como a falta de incentivo às produções independentes e a própria crença de que a rede é uma substituição do sistema atual, e não um complemento.

Luís Alfonso Albornoz (2003), em sua análise centrada no contexto ibero- ameri-cano, sugere que, no período atual, ocorre um choque e certa confusão entre a nova e as velhas mídias. Ele aponta que a adição de um meio de comunicação aumentou muito as formas de produção, criação e consumo, mas elenca que as indústrias culturais tentam transpor uma série de valores para as redes. Entre eles, o domínio mercadológico, com os investimentos pesados e mídias online, a criação de barreiras ao ingresso de novos pro-dutores, a tentativa de garantia dos direitos de copyright pela criminalização da pirataria, o foco constante no lucro, ainda que haja falta de informações contundentes sobre o impacto no consumidor e a concentração de mercado, tudo em busca do domínio deste.

A elitização também prejudica muito a inserção na rede. A utilização do meio digital é regida em massa pelos polos urbanos, mas mesmo neles a popularização dei-

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xa a desejar. Atualmente, ela se restringe às pessoas com renda mais alta, capazes de custear máquinas para ter esse contato, e provenientes de regiões desenvolvidas, que dispõem dessa tecnologia.

Uma das características do despontamento da internet como meio efetivo é que a própria estrutura f ísica das comunicações se altera, mas é necessário saber como e o que isso implica direta e indiretamente. As alterações técnicas e estruturais podem convergir os meios ou distanciá-los. Em “A arte do vídeo”, Arlindo Machado já falava sobre a inte-ração entre televisão e computador, ao ressaltar que o tratamento digital da imagem do vídeo é feito pelo sistema binário do computador, e que as mudanças que o tratamento digital permitiu não são só supér!uas, mas interagem no processo criativo, adicionan-do dispositivos para a expressão de quem produz. O videoclipe, objeto mais eminente neste contexto, por ser reduto de experimentação grá$ca, constantemente submete-se à estética e à técnica da informática: “estamos sob o signo de Tron” (MACHADO, 1997).

Para Negroponte, as diferenças vão além da estrutura f ísica, envolvendo também a ideia de divulgação compreendida no meio. Ele a$rma que é interessante para os pro-dutores da indústria cultural que o conteúdo exibido ao público seja hipersegmentado, mas massi$cado, uma vez que um sistema que permita que as pessoas escolham a qual conteúdo assistir, como o vídeo-on-demand proposto no texto, é pouco rentável. Assim, a televisão tem uma comunicação hierarquizada e homogênea, enquanto a rede assume o papel de um lugar heterogêneo de informação. Ele ainda a$rma que o cruzamento en-tre os dois meios, a televisão digital, não levou em conta a liberdade do computador, de forma que só depois essas características iriam ser assimiladas (NEGROPONTE, 2002).

É imprescindível saber como os produtos midiáticos se inserem, reinserem e tran-sitam no novo nicho, quais as mudanças que ocorrem nos formatos, as ressigni$cações e apropriações, as propriedades perdidas e obtidas. É novamente de$nir o que já era percebido antes da inserção digital, mas levando em consideração a mudança de meio, de signi$cado e funcionalidade.

"iago Soares defende que os meios massivos (como a televisão) e pós-massivos (internet) trabalham em conjunto, de forma que se agendam reciprocamente. Quanto ao videoclipe, que é o produto que mais transita entre esses meios, faz parte de sua característica midiática ser versátil e amorfo para poder transitar bem entre os meios – caso contrário, não teria “!uidez”. Esses caminhos ressigni$cantes traçados pelos pro-dutos midiáticos são itinerários de sua circulação e, portanto, seus discursos:

“Reconhecer o itinerário como uma dinâmica analítica nos coloca diante da complexidade de observarmos um objeto midiático em formação, suas diferentes formas de inserção nas mídias e posterior múltiplas possibilidades de fruição funcionam como prof ícuas hipóteses de olhares analíticos mais atentos.” (SOARES, 2009)

O videoclipe era, primeiramente, identi$cado com a linguagem televisiva. Toda-via, ele se mostrou bastante adaptável a sua nova realidade digital. Isso foi percebido pe-

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las próprias emissoras de TV, uma vez que, como colocam Holzbach e Nercolini (2009, p. 6-8), a própria MTV alega que seu público não assiste mais ao clipe apenas pela tele-visão. Ao passar para as plataformas de compartilhamento de vídeo, o videoclipe passou a ser um instrumento democrático, alterável, transitório, dinâmico, mas, principalmen-te, reinterpretável. A inserção do clipe na rede proporcionou maior interatividade entre o produto midiático e os consumidores, estimulando um relacionamento que permite dar voz ao público e também dispõe o produto para ser alterado na rede, abrindo cami-nhos para a exposição de virais, de fanclipes e paródias, mostrando várias maneiras de retomar o clipe original e seu agendamento.

Acrescentando-se a isso, não se pode esquecer que essas novas mudanças permi-tem que o espectador, outrora reduzido a receptor passivo, seja, também, produtor de conteúdo. A constante miniaturização e o barateamento dos equipamentos de vídeo permitiram a diminuição das equipes e o acesso a ilhas de edição em ambiente do-méstico, além de possibilitar que usuários não pro$ssionais tenham a possibilidade de adquirir conhecimentos de linguagem videográ$ca. Isso induziu a criação de produções não diretamente relacionadas às gravadoras maintream: artistas começam a produzir seus vídeos independentemente, sem necessitar do trabalho de produção e divulgação das gravadoras. A internet, nesse contexto, funciona como um canal natural e democrá-tico de divulgação, permitindo que os independentes divulguem seu trabalho. É natural imaginar que parte da indústria de videoclipes tenha sido afetada por esse fenômeno, uma vez que as gravadoras perdem uma parte de sua clientela que segue seus artistas prediletos em seus canais de internet. Um exemplo interessante a ser levado em con-sideração nesse contexto é o da banda britânica Radiohead: apesar de ainda $liado a sua gravadora, ela comercializou as músicas de seu álbum Rainbows em arquivos MP3, além de promover um webcasting com interpretações ao vivo de músicas próprias e diversos covers antes inéditos.

Outro exemplo desse tipo é a ação realizada por um grupo mainstrem Foo Fi-ghters, que disponibilizou as faixas do seu mais recente álbum “Wasting Light” gratuita-mente no site. Além disso, foi realizado um concurso para selecionar bons diretores de clipes para produzirem os clipes desse álbum. Segundo Dave Grohl, vocalista da banda, era uma alternativa melhor dar dinheiro a alguém que nunca fez um clipe, mas que tem paixão e criatividade para o assunto, do que gastar muito mais com alguém que seja famoso e cujas produções sejam rotineiras7.

Essas mudanças que a rede propicia promovem uma nova maneira de o recep-tor lidar com as informações recebidas. Assim, é necessário de$nir como a absorção de conteúdo se dá pelo público em ambos os meios, se ocorrem parcerias e como o entendimento se faz e quais suas consequências efetivas para emissor e receptor. Os

7. Retirado de http://blogs.estadao.com.br/combate_rock/foo-!ghters-realiza-concurso-para-escolher-diretores-de-videoclipes/ e acessado em 10 de agosto de 2011.

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próprios papéis de emissor e consumidor são colocados em xeque, uma vez que podem se inverter ou mesmo se tornar congruentes, sob uma nova lógica. Pode-se perceber uma resposta direta do público por comentários, comunidades, de forma a se analisar, também, o grau de interatividade possível.

As pessoas, diz Lemke (2006, p. 4-5), absorvem informações de várias mídias e por vários meios, de forma a criarem uma informação geral muito maior do que qualquer uma delas e mais completa, em uma ideia transmidiática que só é possível pelas in$nitas pos-sibilidades do computador em sintonia com as mídias tradicionais. As informações são adquiridas e interpretadas pelas pessoas, sendo diferentes para cada indivíduo e maiores do que as somas dos conteúdos apresentados pelas mídias a que essas pessoas tiveram acesso. Esses signi$cados mais amplos se dão pelas interações em comunidades virtuais, em que as pessoas podem não só lapidar sua identidade, se diferenciando do mercado de identidades que se restringe a poucos tipos padronizados, mas também entender a identidade do produto midiático em questão, podendo escolher entre aceitá-lo ou não.

A internet dá acesso a um grande mercado de identidades, no qual o internauta se torna extremamente a$m da imagem e passa a construir seus relacionamentos inter-pessoais com pessoas de mesma estética. Isso é o que também permite que ele “troque” facilmente de identidade, a fragmentação do indivíduo (PONTES, 2003; LEMKE, 2006). Para Pontes, vive-se em um ambiente f ísico que contém inúmeros estímulos visuais, e a interação com eles não causa um efeito de dormência, indiferença, porque o indivíduo é hiper-racional, se relacionando com várias mídias, ao mesmo tempo, como aponta Lemke (2006), e aprendendo com elas (PONTES, 2003). A rapidez na percepção, a des-construção da velocidade no sentido de deslocamento levam o indivíduo a criar apreço pelos estímulos rápidos e dinâmicos como forma de lidar com informação, levando a um certo presenteísmo (PONTES, 2003). De certa forma, o videoclipe, em seu estágio atual de desenvolvimento, supre tais necessidades pela sua forma de produção descon-tinuada, dinâmica e essencialmente estética.

As mídias de Lemke (2006) têm muito a ver com o indivíduo de Pontes (2003), se pensarmos que a ampliação das possibilidades de comunicação dos meios só se deu porque o público desenvolveu esse per$l em função de um novo contexto que se $xa na sociedade, e que essa sociedade tem um produto que a traduz - o videoclipe. Perce-bemos, então, que os produtos midiáticos em geral, mas principalmente os videoclipes, que utilizam várias fontes e dependem de tecnologia que lhes permita uma transição mais rápida, acessível e e$ciente, transformam de várias maneiras as experiências mi-diáticas das pessoas, tanto daquelas que operam as indústrias culturais, quanto das que consomem os produtos e das que participam dos mercados de identidade, no sentido de transitar de maneira mais rápida, livre e in!uenciadora.

O presenteísmo de Pontes leva à procura de vários tipos de contato, informações e produtos midiáticos, e isso causa a composição múltipla de signi$cados que Lemke aponta, já que o videoclipe aumenta a presença do artista com o público e do público

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com a internet, pela consulta a mais curiosidades sobre o clipe. Ainda, a plurissigni$-cação só é possível por causa do espaço de livre navegação do ciberespaço e do uso da linguagem hipermidiática pelo leitor imersivo (SANTAELLA, 2004, p. 32), o internauta - que faz a leitura dessas informações e consegue encontrá-las na rede e contribuir com elas. Por isso, em teoria, o videoclipe, enquanto peça interativa, apresenta-se bastante adaptável ao meio online, porque permite que o internauta interaja com ele, agregue signi$cados dele e a ele e gere novo conhecimento.

É essa relação entre o presenteísmo das experiências, as inúmeras possibilidades de interação e a necessidade de constante atualização da experiência midiática que pa-rece ter levado o videoclipe a migrar para a internet. Esse processo migratório gerou uma reação dos broadcasters, que passaram a agregar o ambiente digital como elemen-to de expansão de sua plataforma original; ao permitir que os internautas votem e co-mentem os clipes, parte do paradoxo resolve-se, garantindo a audiência em ambos os meios. Nesse sentido, o clipe migra para o digital e tem a extensão de seu signi$cado ainda residindo no broadcaster, que garante sua audiência por ser o local de divulgação dos resultados colhidos com a internet.

2.0 Monitoramento2.1 Levantamento

O tempo escolhido para análise do material de internet foi de dez semanas. Durante esse tempo, foram escolhidos quatro canais, sendo dois programas de televisão e dois sítios de compartilhamento de vídeos. Na televisão, os suportes foram os programas Top 10, da MTV, e TVZ, do Multishow8.

O primeiro programa exibe, diariamente, os clipes mais votados pelos internau-tas. Durante a apresentação dos videoclipes na TV, a tela, dividida em duas, mostra um painel com comentários feitos pelo público, no Twitter9 do programa, à direita, exibidos em tempo real. Importante explicar que, quando se visita o Twitter do programa, só vemos as postagens da apresentadora, o que é o padrão em programas que usam essa parceria com o microblog. Tais postagens não ocorrem nos dias em que o programa não é gravado, nem em horários alternativos, como de madrugada. Já o público, por outro lado, posta a toda hora, mas as postagens são direcionadas para o sítio do progra-ma, onde aparecem em um quadro de destaque. Aqui, é evidenciada uma ampliação da relação que a emissora quer criar entre o espectador e o programa: ela agora não mais

8. Importante ressaltar que, em momento algum, foram utilizadas entrevistas. O motivo disso é que nos propusemos a procurar o que se entendia do escopo da pesquisa pelas manifestações espontâneas das pessoas, de forma a evitar qualquer interferência nos dados apurados – na rede, as pessoas revelam mais porque elas produzem, não são guiadas como em uma entrevista convencional.9. http://twitter.com/top10MTV

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se limita à transmissão habitual, mas conta com o plano digital, uma vez que os votos e os comentários se dão exclusivamente pela rede. Entretanto, essa experiência não pres-cinde da transmissão televisiva do programa, dado que as respostas da apresentadora aos comentários feitos no Twitter têm lugar somente durante sua apresentação. O top 10 MTV conserva o habitual formato do programa de televisão comandado por um TV hoster, com uma apresentadora falando diretamente para a câmera e comandando a exibição dos clipes.

O TVZ, por sua vez, não tem apresentadores, exibe um clipe em seguida de outro, mas mantém a formatação em blocos. Ele também é feito para um público incluído digi-talmente, porque as votações para a seleção diária dos clipes também são feitas somente pela internet. Além disso, o programa também tem uma página no Twitter, mas seus comentários não são sobre o programa em si, a rigor, mas sobre qualquer evento impor-tante que esteja ocorrendo no canal Multishow. Depois do término da pesquisa, o pro-grama também passou a oferecer uma nova opção de escolha de clipes aos usuários10.

Outro modo de interação adotado pelo TVZ é o estímulo à confecção de video-clipes caseiros, que são apresentados em um espaço chamado TVZÉ, logo após os bre-aks comerciais. "iago Soares (2007, p. 11-12) refere-se a esses vídeos como fanclipes, a$rma que há interdependência entre o meio massivo (televisão) e o meio pós-massivo (internet). Por conta disso, fazer um videoclipe caseiro implica a “aproximação entre instâncias de produção e de fruição a partir de uma leitura através do conceito de iti-nerário”. Ao permitir que esses clipes sejam agregados à sua programação, o TVZ não apenas intensi$ca seu contato com esse novo produtor, que se vê valorizado pelo bro-adcaster, mas, de certa forma, se serve de uma estratégia que visa a trazer esse produtor para sua programação. Busca-se agregá-lo ao invés de tê-lo como possível concorrente no ambiente digital.

O YouTube é uma rede compartilhamento de vídeos que existe há cinco anos. Nela, em 2009, segundo a Info online11, um bilhão de vídeos foram assistidos por dia.

A homepage do site pode se alterar dependendo da frequência de acesso. Se for o primeiro acesso do computador à página, aparecem as divisões destacadas (ordena-da por posição na tela de cima para baixo) “vídeos sendo assistidos agora”, “vídeos em destaque” e “mais populares”, essa última divisão tendo as subdivisões “entretenimen-to”, “notícias e política”, “esportes”, “pessoas e blogs”, “mais vistos”, “música”, “$lmes e desenhos”, “guias e estilo”, “viagens e eventos” e “mais adotados como favoritos”. Caso não seja o primeiro acesso em um determinado intervalo de tempo, acima de “vídeos sendo assistidos agora”, aparece a guia “vídeos recomendados para você”, na qual cons-

10. Em 27/06/2011, o TVZ apresentou um novo diferencial. Agora, pelo TVZ Escolhe, o usuário pode escolher, dentre os dois clipes que aparecem na tela, qual ele deseja ver. Isto vai ao ar durante o primeiro bloco do programa.11. http://info.abril.com.br/noticias/internet/youtube-alcanca-um-bilhao-de-videos-ao-dia-09102009-34.shl , acesso em 8 de agosto de 2010

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tam vídeos que são sugestões de acesso e seguem o padrão das procuras de outrora do usuário, mostrando um certo grau de feedback. Apenas quem tiver conta no YouTube pode fazer upload de vídeos em sua página e comentar nos vídeos disponibilizados no site, incentivando a criação de contas por meio de barreiras para quem não está logado.

O Vimeo é outra rede que prioriza, por sua vez, vídeos feitos por pessoas interes-sadas em arte visual, em mostrar seus trabalhos criativos e também momentos de suas vidas12. Nele, o número de acessos é menor, mas, em 2008, foi a rede com maior número de uploads em HQ no mundo13. Um ambiente mais seleto permitiria, inicialmente, ob-servar a reação direta das pessoas aos vídeos populares.

A página inicial do Vimeo é semelhante à do YouTube com relação aos elementos, mas a aparência difere. Primeiro, a página só está disponível em inglês. Quando o domínio “br” é adicionado, o endereço é direcionado para uma página que não se parece com a home desse site e que disponibiliza apenas alguns vídeos – o YouTube, por sua vez, possui esse domínio e não há diferença entre as páginas em inglês e português, senão o idioma.

Os vídeos em destaque são ordenados por guias e não por simples divisões quadri-culares como no YouTube. As guias, traduzidas, são divididas em “vídeos que nós gosta-mos”, “explore” e “agora”. A primeira é composta de uma seleção de vídeos feita pelo site, a segunda estimula os internautas a conhecer alguns vídeos e a se relacionar com co-munidades de pessoas que gostaram dos mesmos vídeos e, na terceira, constam vídeos que estão sendo exibidos. “Explore” é subdividido nas categorias (traduzidas) “ativismo e sem $ns lucrativos”, “arte”, “educação e vídeos não pro$ssionais”, “experimental”, “HD”, “natureza”, “ciência e tecnologia”, “viagens e eventos”, “séries na web”, “animação e com-putação grá$ca”, “comédia”, “rotina”, “$lmes”, “música”, “produtos e equipamentos”, “es-portes” e “projetos do Vimeo”, e os vídeos de “agora” podem ser classi$cados “qualquer atividade”, “uploads recentes”, “comentados recentemente” e “aprovados recentemente”.

Agora, o método de análise. Como colocado anteriormente, primeiro foram selecio-nados os dois clipes mais votados das sextas-feiras ou o último dia útil da semana14. Esses vídeos foram procurados nos dois sítios de compartilhamento de vídeos, digitando-se os nomes da música e do intérprete juntos, e $ltrando pelos mais acessados. Os vídeos elei-tos entre os melhores por mais de uma vez não foram novamente monitorados, embora certamente houvesse mudanças no número de acessos; os vídeos relacionados pouco mu-davam de uma semana para outra, salvo dois casos observados na pesquisa. No YouTube, foram monitorados os campos “Respostas” e “Vídeos Relacionados” até a sexta semana. No dia 31 de abril de 2010, no entanto, foi implementado outro formato no site, que elimi-nou a segunda denominação, mantida, no entanto, nos dados iniciais de pesquisa.

12. Como descreve o próprio site do Vimeo, em seu per!l: http://www.vimeo.com/about . Acesso em 9 de agosto de 2010.13. Informação colhida em http://hd.engadget.com/2008/09/17/vimeo-now-hosting-one-million-videos-10-in-hd, acessado dia 8 de agosto de 2010.14. A MTV exibe reprises aos feriados, portanto não há votação nesses dias.

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O número máximo de respostas analisadas foi 455, no clipe “Telephone”, de Lady Gaga, e o único clipe cujas respostas não foram integralmente analisadas foi “Baby”, de Justin Beiber, pois elas somavam 1756 – nesse caso, foi analisada a primeira página de respostas apenas, ou seja, as sessenta primeiras. Também foram monitorados os cinco primeiros comentários sobre o clipe, sendo os dois primeiros, se houvesse, os mais vo-tados. Os spans também foram contados.

No Vimeo, foram analisados o número de pessoas que gostaram do vídeo mais vo-tado, o teor dos comentários contidos na página e o número de visualizações. Os outros vídeos que aparecem na busca foram analisados com relação ao seu teor também. Os vídeos relacionados não foram analisados porque, ao contrário do YouTube, que mostra outros vídeos relacionados ao clipe, o Vimeo mostra outros vídeos ligados ao usuário cuja área foi acessada.

2.2 Análise

Os vídeos foram divididos em 28 categorias, sendo elas: clipe original, clipe original em outra língua, outros clipes do artista, clipe de outros, entrevistas, clipes caseiros, spoofs, dança, música alterada, cover, making of, vídeos de beleza, opinião, performances ao vivo/ programas de TV, músicas, clipes de fotos, versão em estúdio, letras de música, trailer, trailer refeito, teaser, teaser refeito, relacionados a $lmes/novelas, trechos de $l-mes/novelas, vídeos com a música de fundo, trilha sonora, não pertinentes e bloqueados.

Os videoclipes originais são aqueles iguais aos que apareceram na exibição do pro-grama televisivo. Os videoclipes originais em outra língua ocorrem com mais frequência com artistas estrangeiros, que gravam uma versão em inglês e a outra em sua própria língua. Outros clipes do artista incluem todos os clipes do intérprete que não são da mú-sica escolhida nos programas de televisão, além de outros clipes para a mesma música que não foram veiculados naquela semana. Os clipes de outros são os clipes que outros intérpretes gravaram e que estão relacionados aos vídeos procurados.

As entrevistas são um pouco menos autoexplicativas, porque englobam progra-mas de entrevistas, entrevistas na rua, comerciais com entrevistas, en$m, qualquer ví-deo em que apareça um artista ou alguém falando sobre ele. Foram considerados clipes caseiros as manifestações musicais caseiras que buscam imitar os clipes originais (fan-clipes) ou fazer um novo clipe, enquanto spoofs são paródias de intenção humorística. Esses são diferentes dos vídeos de dança, por sua vez, em que o objeto central era algu-ma coreogra$a desenvolvida para a canção do clipe e os vídeos com música de fundo são vídeos editados, muitas vezes não relacionados com o clipe, que recebem a canção como música de fundo.

Os vídeos música alterada englobam remixes, diferenças de rotação, tom de voz modi$cado e versões instrumentais, mas aqueles vídeos em que o fã canta são covers. O

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making of é qualquer vídeo que mostre a preparação de um vídeo, clipe, $lme ou even-tos, entre outros. Os vídeos de beleza também mostram os bastidores, mas de forma a ensinar aos internautas como se maquiarem como determinado artista ou personagem.

Os vídeos de opinião são aqueles em que o internauta, olhando para a câmera, emite algum parecer sobre um clipe, um artista ou um programa ou $lme. As perfor-mances ao vivo contam com cenas de programas de auditório, concursos e eventos, além de vídeos de shows dos intérpretes – mas os vídeos que forem gravados por eles ainda serão vídeos caseiros. A categoria músicas serve para identi$car os vídeos em que não há imagens ou só há uma foto do intérprete, pois o importante é a música. Os clipes de fotos, por sua vez, seguem essa mesma linha, mas são como homenagem ao artista, porque reúnem fotos dele ao som de uma canção.

A versão em estúdio engloba os vídeos em que os artistas cantam uma música em um estúdio, ou em uma versão acústica – o que difere das músicas alteradas, porque são os próprios artistas, e não os fãs, que o fazem. As “letras de música” apenas mostram as letras e a música, com ou sem o $lme do videoclipe.

Os vídeos de trailer são os que fazem a divulgação de um $lme ou de pedaços de programas, e os de “trailer refeito” são feitos por internautas. O teaser e teaser refeito seguem essa mesma linha, mas teaser é um vídeo de alguns segundo para divulgação de um $lme, um evento, um show, um clipe ou um programa, entre outros. Os vídeos rela-cionados a "lmes/ novelas também são diferentes dos trechos de "lmes/ novelas, porque enquanto os primeiros são vídeos em homenagem ao produto audiovisual em questão, os segundos são os vídeos propriamente ditos.

Os não pertinentes são aqueles cujo tema não tem relação nem com o clipe, nem com a música, nem com o artista, nem se encaixa em nenhuma das outras categorias. E, por $m, os bloqueados são aqueles cuja análise não foi permitida e os não pertinentes, aqueles que não tinham relação alguma com o clipe, a exemplo de propagandas, alguns vídeos caseiros, entre outros. Também é importante ressaltar que, exceto pelos video-clipes originais, os demais vídeos não foram diferenciados com relação ao artista que mostravam, podendo ser o intérprete da música ou não.

O primeiro resultado observado é que, nos quatro sites, existem modos de in!u-ência na escolha do clipe. No site do programa Top 10 MTV, os tweets dos internautas na parte inferior da tela parecem ter duas funções. Na primeira, discutem videoclipes que já estiveram há pouco tempo ou estão atualmente na seleção e, na segunda, combi-nam votar neste ou naquele artista.

No site do programa TVZ, do Multishow, esse direcionamento é mais explícito, porque há limitação nas opções de voto. Apresentadas na página dedicada a isso, as músicas do universo de votação parecem ser escolhidas pelo seu sucesso junto ao pú-blico Multishow. Esse sucesso é medido toda semana no top TVZ, e tem como início da contagem o momento em que são lançadas no canal. Elas não são necessariamente novas, há músicas que ainda se mantêm no campo de votação do TVZ muito tempo

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depois de saírem da MTV, que trabalha com clipes essencialmente novos, por exemplo. O espaço para pedir os clipes mais antigos, ou menos em voga, encontra-se embaixo, no canto esquerdo da tela, e o pedido não garante o imediato aparecimento do clipe nas opções para serem votadas.

No YouTube e Vimeo, como explicitado anteriormente, o sistema é parecido, en-volvendo categorias de vídeos para sugestão ao internauta. Entretanto, se por um lado ocorre a orientação do acesso, por outro a rede é livre para ser explorada, sobretudo no Vimeo e YouTube, nos quais os vídeos estão disponíveis e não vinculados à televisão, como os sites dos programas. Embora não haja controle sobre a de$nição dos nós e nexos da internet, o internauta ainda pode se submeter à sugestão do site ou procurar novas opções e informações que a rede oferece.

Ainda sobre os comentários, foi observada a presença intensa de spans, de forma que alguns vídeos chegaram a ter até três dos cinco primeiros comentários nessa cate-goria. Isso mostra que, não necessariamente, essa interação precisa ser produtiva no sentido adicionar mídias ou ideias à rede, mas também pode trabalhar a repetição e a geração espontânea de respostas.

O segundo fator que chamou atenção na análise foi a repetição contínua de vide-oclipes. Como foram analisadas quatro posições distintas durante dez semanas, haveria espaço para quarenta diferentes clipes, embora só tenham aparecido vinte e um nas primeiras posições, sendo que somente sete apareceram por uma única vez e quatro apareceram pelo menos três vezes.

A repetição, no entanto, não foi requisito para um grande número de respostas, já que o clipe “Telephone”, de Lady Gaga, apareceu apenas duas vezes e foi respondido mais de quinhentas vezes, “Baby”, de Justin Bieber, apareceu três vezes e recebeu mais de mil respostas, enquanto “Sweet Dreams”, de Beyoncè, e “Usurpadora”, de Cine, aparecem três vezes cada um e não receberam uma única resposta. Na contramão, uma banda que se fez conhecida justamente na internet, Restart, possuía um videoclipe que não foi achado nem no YouTube nem no Vimeo, mas somente nos canais monitorados de televisão.

Atentando para as histórias contidas nos videoclipes, não há diferença na maneira em que são construídos alguns videoclipes que tratam sobre o mesmo tema. “Gypsy”, “Remember December” e “"e Only Exception”, todos presentes nas listas de votados, por exemplo, são clipes que contam sobre a relação do eu-lírico com alguém que ele ama. Os três vídeos intercalam cenas de #ashback com o intérprete cantando a músi-ca. O clipe “Usurpadora” também segue essa linha, mas com algumas diferenças. Isso reitera as ideias de Arlindo Machado quando este a$rma que o videoclipe não necessa-riamente tem qualidade, pois os artistas são pressionados a fazer o vídeo vender e, por-tanto, seguir fórmulas prontas. Também se deve frisar que ainda há grande submissão dos videoclipes à indústria fonográ$ca, por isso ainda se cogita a maneira mais segura e rentável de se trabalhar e que há questionamento sobre se seguir uma fórmula segura e massiva (porque visa à divulgação em grande escala com o uso de modelos) resulta em

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criar arte ou só entretenimento (BARRETO, 2006, p. 1-2).Dessa forma, o clipe também é retomado como instrumento de publicidade, já

que se ajusta às regras do mercado, tornando o clipe uma sequência de “amostras para vendagens”. Assim, pode-se supor como exemplo que, exatamente por intercalarem muitas cenas e serem dinâmicas, já tenham aparecido mais de uma vez no primeiro lugar dos programas, mas, por não serem originais, tenham perdido posições ao longo das semanas com clipes com propostas mais diferenciadas.

Algumas inspirações nos videoclipes também já foram criticadas por Canclini: “os vistosos videoclipes da MTV são, salvo raras exceções, reciclagens banais das vanguar-das plásticas e cinematográ$cas dos anos 60 e 70” (CANCLINI, 2003, p. 151). É curioso ressaltar que um dos clipes mais votados no site do TVZ corresponde a esse per$l – o clipe “Party in the USA”, de Miley Cyrus, foi inspirado no $lme “Grease”, de 1978 – e também retoma o princípio de apropriação do videoclipe baseado em artes já existen-tes, abordado por Barreto (2006: 14-17)

Os videoclipes de intérpretes estrangeiros e os videoclipes que tinham foco mais comercial também se sobressaíram. Aqueles, porque permitiram que música de outras partes do mundo — como a de Shakira, que é colombiana, Tokio Hotel, uma banda alemã, e Anahí, cantora mexicana —, e não apenas as já tradicionais americana ou brasi-leira, adentrassem no cotidiano dos internautas daqui. É interessante perceber que, nos vídeos relacionados a essas pessoas, aumentava a incidência de clipes em outras línguas, normalmente línguas a$ns da língua materna do intérprete. Os videoclipes com foco comercial, por sua vez, agendaram eventos e produtos culturais com suas aparições: o videoclipe “Alice”, de Avril Lavigne, agendou o $lme de mesmo nome, cuja primeira $lmagem, listada nos vídeos relacionados, era de 1937, e o videoclipe “Oh Africa”, de Akon, lembrava o espectador sobre a Copa do Mundo, além de servir como (ou foi baseada) na campanha publicitária da Pepsi, embora não fosse patrocinadora o$cial.

Esse último videoclipe citado, “Oh Africa”, ainda aborda outra faceta do video-clipe, o engajamento. Como outras músicas, o propósito da música do videoclipe é es-timular o torneio de futebol que acontece pela primeira vez em continente africano, e a atenção a este fato foi extensa na mídia. Portanto, se o videoclipe, além de material promocional tem algum $m – o de promover a Copa do mundo na África –, então ele parece conquistar devido a sua a profusão de estilos e técnicas que o inovam enquanto linguagem, provendo inclusive, exercícios de cidadania (CANCLINI, 2003, p. 150). De certa forma, isso re!ete causas e estéticas típicas do momento histórico em que o clipe foi produzido e veiculado.

Isso também pode ser visto em uma das respostas a “Party in the USA”. O vídeo era uma releitura do clipe e havia uma paródia da música, mas o intuito disso era apoiar pesso-as doentes – o novo título era “Everything is gonna be OK”. Algo parecido aconteceu com um clipe caseiro de “"e Only Exception”, no qual era pedida ajuda para uma moça que passava por necessidade. O videoclipe se mostra como meio de sensibilização dos jovens.

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A discussão sobre o uso de tecnologia mantém-se no clipe “Imma Be Rocking "at Body”, de Black Eyed Peas. O clipe, de aproximadamente onze minutos, utiliza muita computação grá$ca, com transformers e muitos efeitos especiais. Isso suscita o estudo da arte no vídeo e Arlindo Machado (1997) quando a$rma que a tecnologia é intrínseca à linguagem do vídeo, uma vez que ele já veio na terceira fase da televisão, binária, e que o valor artístico do videoclipe deve ser analisado pela sua originalidade, pois a tecnologia é apenas um meio de o diretor conseguir mostrar o que planejou, é uma ferramenta, assim como era usada a vídeo-arte, que antecedeu o clipe (MACHA-DO, 1997: 169-175).

Outra forma de transformação da arte em algo tecnológico foi pela cantora Lady Gaga. Ainda que o maior número de respostas a um videoclipe tenha sido direcionado a um clipe de Justin Bieber, a artista parece se alinhar mais, midiaticamente falando, com seu of ício. A cantora, em tour há três anos, contou à revista Rolling Stone sobre seu relacionamento com os fãs e com o seu papel junto do público.

Ela diz ver em cada um deles uma miniatura de si mesma –de$ne-se como alguém que não se sentia inserido em lugar nenhum, que teve muitos momentos negros na vida e chama seus fãs de “little monsters” (“monstrinhos”, em português). O que diferencia sua história é a in!uência que ela passou a exercer sobre esse público de fãs e a sua relação com a própria fama. Ela explica que sempre foi excluída, e que a relação com o público é boa porque se identi$ca com o público que a acolhe. Ela se baseia em suas experiências anteriores para escrever sucessos de cunho $ctício, a $m de que seus fãs absorvam esse contexto em suas vidas e interajam de maneira interiorizada com a mú-sica, e vive a experiência midiática tão intensamente que Lady Gaga passa a ser não só uma personagem, um pseudônimo, mas sua própria identidade:

“(...) Não quero parecer grosseira, mas é assim que eu vejo a música. Nem todo mundo se incomoda com a (...) sua vida pessoal. A música é uma mentira. A arte é uma mentira. Você precisa contar uma mentira tão maravilhosa que seus fãs a transformem de verdade. Essa tem sido a minha motivação e a minha inspiração há um tempão (...). Eu adoro aquilo que eles (os fãs) representam. Eles me inspiram a ser mais con!ante a cada dia. Quando eu acordo de manhã, eu me sinto com qualquer outra garota insegura de 24 anos. Daí eu digo: ‘Sua louca, você é a Lady Gaga, pode se levantar (...) e caminhar de cabeça erguida hoje! ’, porque eles precisam disso de mim. Eles me inspiram a seguir em frente.”15

Nesse caso, Lady Gaga transporta a possibilidade da criação e a adoção perma-nente de outra personalidade, diferente daquela da artista, de forma que, o que Santaella havia previsto para o meio digital, ela transpõe para o meio o$ine.

“Os programas interativos ainda oferecem ao navegador a possibilidade de mudar de identidade e de papel numa multiplicidade de pontos de vista. Os programas são

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formas de elaborar pensamentos e levam o usuário a incorporar identidades geradas no ciberespaço” (SANTAELLA, 2004)

Levando sua experiência artística por esse caminho, é como se Lady Gaga $zesse músicas e videoclipes para a cantora Stefani (verdadeiro nome da artista), é como se ela se projetasse no fã e interagisse consigo mesma. Nesse aspecto, o videoclipe, se anali-sado como forma de exposição do artista, de instrumento lúdico de maravilhamento e promoção comercial – porque Lady Gaga só é tão conhecida e respeitada, porque foi apresentada a um público propenso à sua absorção, e por esse público custear a lenda Lady Gaga. Além disso, ela consegue, nesses dois aspectos - o maravilhamento e a nova identidade, reiterar a teoria da Sociedade do Espetáculo descrita por Guy Debord:

“As imagens que se destacaram de cada aspecto da vida e fundem-se num "uxo comum, no qual a unidade dessa mesma vida já não pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente apresenta-se em sua própria unidade geral como um pseudomundo à parte, objeto de mera contemplação. A especialização das imagens do mundo se realiza no mundo da imagem autonomizada, no qual o mentiroso mentiu para si mesmo. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não vivo. (...) O espetáculo apresenta-se, ao mesmo tempo, como a própria sociedade, como uma parte da sociedade e como instrumento de uni!cação. Como parte da sociedade, ele é expressamente o setor que concentra todo o olhar e toda a consciência. pelo fato de esse setor ser algo separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; a uni!cação que realiza é tão-somente a linguagem o!cial da separação generalizada.” (DEBORD, 1997: 13-14)

Por seu caráter popular e disseminador, seus clipes não perderiam sentido com a veiculação na televisão, porque a reação esperada pelas pessoas não é passiva, como se espera de um clipe normal nesse meio. Os clipes de Gaga pretendem tirar o espectador da zona de conforto, demandando uma reação mental que pode, eventualmente, cul-minar em algumas atitudes cuja interatividade pode ser discutida, como a mudança do canal, por exemplo. Ela também pode acontecer na presença de outros clipes de outras artistas, mas, no caso Lady Gaga, ela provém de alguma não aceitação, é reativa. Desli-gar televisor ou mudar de canal não são movimentos interativos, mas são movimentos reativos se provocados pelo conteúdo da tevê.

Mas, se a inspiração do público é um diferencial na televisão, na internet ela abrange muito mais. Embora pareça que Gaga se projete nos fãs, estes mesmos também se sentem nela, tentam reproduzir seriamente os clipes, coreografam as danças, copiam a maquiagem. Por incitar resposta, é o tipo de arte que não pode $car longe de um meio interativo, porque acontecerá lá a manifestação dos fãs – que, no caso do vídeo “Tele-phone”, foram respostas que buscavam o lado artístico, ou com covers, ou com regrava-ções de clipes (quase nenhum deles spoofs) que tinham muita qualidade.

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Dessa forma, percebe-se que a artista se adaptou não só aos meios, mas se adaptou à própria identidade criada pelo show business, tornando-a totalmente maleável midia-ticamente e plurissigni$cativa aos públicos televisivo e internauta.

Portanto, se os videoclipes são tão dependentes da tecnologia, mas ao mesmo tempo tão subordinados ao público, que meio seria o ideal para unir o interesse popular ao meio mais adequado à sua reação perante um produto midiático como videoclipe?

3. Transformações no meio: estratégias da dualidade internet e TV

Independente do conteúdo, o meio produz mudanças sociais e culturais que $cam como marcas na sociedade, de forma que a própria mensagem é o seu impacto sobre ela. Enxerga-se uma conversão de utilidades para a internet — levando-a a compre-ender outros meios, uma vez que nela, por exemplo, se pode ouvir rádio nos sites das emissoras, ver televisão em canais como YouTube (sem grade), ler jornais e livros ou se comunicar instantaneamente, como no telefone —, o que parece causar preocupação em autores como Wolton (2003). Para ele, é mister atentar para o perigo da autoex-clusão dos usuários pelo uso de uma tecnologia que promove um acesso generalizado à informação, mas que, ao mesmo tempo, não é uma mídia, já que não leva em conta todos os elementos básicos de comunicação. Isso não signi$ca, pois, que a televisão, em se tratando de videoclipe, será abandonada pelos seus consumidores. Os meios tendem a se reinventar para novos usos (MCLUHAN,1964).

Exemplo prático disso foi constatado em nossa própria pesquisa, quando foi rela-tado que o programa da MTV, o Top 10, apresentava meia tela com o Twitter e a outra metade, com o videoclipe. Se for considerado antes disso, ainda, sabe-se que o programa era, inicialmente, feito à base de ligações, chegou a interagir pela internet com escolhas de videoclipes no site da MTV e saiu do ar por pouco mais de um ano, até que um novo formato fosse encontrado. Mesmo depois que o programa fez essa “parceria” com a vo-tação na internet o formato não foi totalmente agradável – pelo menos, não por muito tempo. O que houve foi uma reestruturação que procurava atender à necessidade da comunicação, do palpite, que acabou sendo demandada em função dos surgimentos de aplicativos na internet. No caso do TVZ, todavia, a interatividade foi garantida não ape-nas pelos votos no site, mas também pelas exibições do TVZé, que são os videoclipes caseiros dos telespectadores. Esses clipes também concorrem em uma categoria no prê-mio anual que o canal Multishow promove: o prêmio Multishow de Música Brasileira.

Na MTV, esses clipes caseiros $cam contidos na internet somente. Outras estra-tégias do TVZ são a ausência de um apresentador, o que propicia a exibição de mais clipes, e a presença de legenda para os clipes em inglês, que garante que todos possam entender a letra. Como o Top 10 MTV concentra-se na interação, a apresentadora passa

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o programa todo no Twitter, colhendo boas frases deixadas lá e contando sobre novida-des da música no computador – além disso, a própria interação da apresentadora com a câmera garante a dinamicidade do programa.

A própria televisão já foi um meio revolucionário, como relata McLuhan, em “Os meios como extensões do homem”, a di$culdade das crianças da primeira geração com televisão de entender o meio impresso:

“Procuram levar para a página impressa os imperativos da total envolvência sensória da imagem da TV. Com uma perfeita habilidade psicomimética, executam as ordens da imagem televisionada. Prestam atenção, aquietam-se e envolvem-se em profundidade. É o que aprenderam a fazer na fria iconogra!a do meio das estórias em quadrinhos. A TV levou o processo bem mais adiante. E de repente as crianças se vêem transportadas para o meio quente da palavra impressa, com os seus padrões uniformes e rápido movimento linear. Inutilmente tentam ler em profundidade. Lançam na palavra impressa todos os seus sentidos - e ela os rejeita. A imprensa exige a faculdade visual nua e isolada, não a sensorialidade uni!cada.” (MCLUHAN, 1964: 346)

O videoclipe pode ser considerado expoente da televisão, como foi falado tantas vezes neste trabalho, graças a sua estrutura revolucionária e instável. Segundo o próprio McLuhan, a televisão oferecia uma nova perspectiva da realidade, analogamente ao que Cubismo fez ao representar os objetos em todas as suas dimensões no mesmo plano – e à di$culdade de compreensão dessa arte pelas pessoas. O videoclipe, por sua vez, repre-sentou, dentro da nova perspectiva de representação da televisão, nova representação de elementos que não eram oriundos dela, a música e as imagens.

Uma tecnologia passa por uma espécie de ciclo: desde o frisson da novidade até a necessidade de adaptação pela existência de outra tecnologia que atenda melhor às necessidades dos usuários. Isso se dá porque existe uma cultura de cotidianização da tecnologia. Naturalmente, uma inserção tecnológica provoca mudanças, mas depois as pessoas se acostumam, e a tecnologia vira algo corriqueiro, como a$rma Bucci (1997), quando relata que para o brasileiro, a televisão é como alguém da família, ou Wolton, quando fala da importância da tevê em ser objeto de reclamação:

“De todas as maneiras a televisão fascina, pois ela ajuda milhões de indivíduos a viver, a se distrair e compreender o mundo. mas como eu várias vezes expliquei, a televisão faz de tal maneira parte de nossa vida cotidiana que, da mesma forma que o rádio, que não se tem necessidade de se falar sobre ela, a não ser para reclamar dela, pois o paradoxo é que ela nos é indispensável ao mesmo tempo não nos satisfaz” (WOLTON, 2003, p. 61)

Dessa forma, as tecnologias antigas dão espaço às novidades, para evitar o esque-cimento ao se atualizarem. Sendo assim, seria o caso de considerar o videoclipe uma forma incompreendida pela televisão, que não lhe proporcionou muita !exibilidade ou versatilidade, reformulada na internet. Agora, como foi observado no levantamento, ela

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se inspira e se apoia nas respostas do público na internet, que é a tecnologia agendada.O sucesso da internet se dá porque ocorre a migração e a adaptação ao seu meio.

Adaptação, como já foi dito antes, causa do impacto sobre a cultura, sendo queo surto de uma nova tecnologia, que estende ou prolonga um ou mais de nossos sentidos em sua ação exterior no mundo social, provoca, pelo seu próprio efeito, um novo relacionamento entre todos os nossos sentidos na cultura particular assim afetada. (MCLUHAN, 1977, p. 70-71)

Além de uma nova cultura, a criação de um novo tipo de leitor (SANTAELLA, 2004), o leitor imersivo, que é capaz de lidar com vários conteúdos e ter acesso a vários assuntos em tempo e espaços que antes não eram possíveis. Wolton também ressalta essa questão da temporalidade, porque, na internet, não existe o tempo (WOLTON, 2003: 105). Principalmente, o leitor é livre: cada usuário é um potencial emissor de in-formação, de forma que a liberdade dele está garantida, bem como a interatividade, embora haja dispositivos para guiar ou ordenar o acesso, que não são impositivos ou compulsórios. Isso realmente é um contraste signi$cativo com a TV tradicional: o mo-delo broadcaster obriga o espectador a respeitar o tempo da programação, submeter-se ao horário especí$co de exibição.

Esse movimento para a internet também acontece porque a juventude é atraída pelas novas tecnologias, já que tem a ideia de que elas podem, se aliadas a eles, melhorar a sociedade, e porque essas novas possibilidades mostradas com as tecnologias propor-cionam a desvinculação com as gerações anteriores, os adultos (WOLTON, 2003: 85).

Um exemplo dessa disposição em melhorar o ambiente em que se vive foi obser-vado no vídeo caseiro “Everything is gonna be okay”, anteriormente referido no moni-toramento. Nele, foi feita uma paródia na letra de uma música, e essa nova letra falava que tudo $cará bem, enquanto as imagens que apareciam eram de pessoas que, apesar de suas próprias impossibilidades, como o câncer que é mostrado em uma das pessoas, podem e querem ser felizes.

Essas motivações explicam, por conseguinte, as ações do jovem na rede, como as postagens nos vídeos, os comentários do Twitter, as recomendações que foram moni-toradas. Elas só comprovam que há um movimento de participação, de querer “fazer acontecer” por parte de quem consome o videoclipe (em geral, os jovens) e usa a in-ternet. E essa participação só foi possível porque a internet, como tecnologia, oferece as ferramentas para isso, a saber, a livre navegação pelo ciberespaço, a interatividade, a falta de hierarquia na interação (SANTAELLA, 2004), ou seja, a multipolaridade da informação colocada na rede.

Os sites de compartilhamento de vídeo pesquisados, em especial, oferecem várias ferramentas para divulgar, relacionar e apresentar novidades, sendo, no YouTube, desde a criação de uma homepage personalizada com os vídeos pelos quais o internauta pos-sivelmente se interessaria (que, paradoxalmente, impele o internauta a ver um vídeo que

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não foi escolhido por ele livremente), passando pelas janelas de respostas, os votos, os comentários e a possibilidade do autor de um vídeo de escolher outros vídeos para serem relacionados com o seu próprio. No Vimeo, as ferramentas são os votos, os comentários e as possibilidades de associar um vídeo a outro – embora isso não seja muito comum.

Com os motivos e as ferramentas à disposição, são possíveis diversas manifestações referentes ao videoclipe, como os spoofs, os videoclipes caseiros, os clipes de fotos, os vídeos de opinião e os comentários nos $lmes das duas plataformas analisadas, Vimeo e YouTube. Como foi visto no levantamento, essas não são só possibilidades, como tam-bém são recursos amplamente usados pelos internautas consumidores de videoclipes.

Foi constatado que, na rede, há um espaço muito grande para as produções inde-pendentes, ao contrário da televisão – o próprio Vimeo é um site de compartilhamento de vídeos que incentiva a produção artística desse tipo — de forma que, mesmo não sendo com equipamentos pro$ssionais ou pessoas famosas, boa parte dos vídeos lá postados possuem qualidade técnica e coerência. Pode-se relacionar isso ao fato de as plataformas de compartilhamento de vídeo serem quentes, ou seja, elas fomentam e se mantêm com discussões, exposições de ideias, trocas de informações e incita à ação, ao contrário da televisão que, segundo McLuhan (1964), é um meio frio que não leva os telespectadores a agirem, a produzirem junto, apenas a participar da transmissão de suas mensagens.

Além do espaço para as contribuições independentes e dos $lmes pertencentes a esse gênero, houve outras constatações com relação aos tipos de manifestações.

Enquanto o videoclipe tradicional volta-se para o intérprete e a música nele veicu-lados, os clipes caseiros e os spoofs são duas modalidades que trabalham com um foco ampliado. Neles, além desses signi$cados próprios dos clipes tradicionais, há uma espécie de avaliação de recepção do trabalho do artista, dado que novos signi$cados a eles são agregados, além de claro, haver a divulgação do trabalho do internauta enquanto polo:

A ideia é que o fã “vire” o artista e “interprete” o clipe tal qual o seu ídolo (...). Videoclipes pautam uma relação de proximidade e espelhamento entre fãs e artistas. (...) O videoclipe fornece material simbólico para que indivíduos forjem identidades e modelem comportamentos sociais extensivos aos propostos pelas instâncias da indústria musical. (SOARES, 2009, p. 11)

Estas respostas ao videoclipe permitem sua avaliação, que aparece mais velada do que em um vídeo de opinião, por exemplo. Ao fazer um vídeo baseado em uma música, o internauta revela se aprova ou não a obra e, independente disso, acaba agendando o artista, de forma que mais pessoas vejam este videoclipe. Como a internet é altamente interativa, e esta é uma das razões para o videoclipe tê-la adotado como plataforma, como foi descrito anteriormente, isso permite melhor análise dos produtores do clipe, incluindo o artista e a recepção do público, que podem alterar a podendo se mexer na obra midiática em conjunto. Além disso, ocorre o agendamento do próprio internauta que, pelos três minutos em que aparece no computador de outras pessoas, é famoso – às

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vezes, até ganha fama nacional, como aconteceu com a cantora Stefhany, do interior do Piauí – e mostra sua arte.

Um ponto interessante disso, é que ele re!ete, ao mesmo tempo, uma troca de iden-tidade causada por uma confusão na identidade. Santaella (2004) a$rma que, na internet, as pessoas podem escolher diferentes identidades para usar. Isso lhes permite ser quem elas querem, construir uma persona virtual, um representação de quais poderiam ser seus “eus” ideais para cada situação. Por outro lado, isso também é um re!exo da globalização, que foi muito facilitada pelo computador, pois, com ela, as barreiras nacionais se torna-ram muito !exíveis (CANCLINI, 2003), de forma que o próprio sentimento de identida-de $cou comprometido. Nesse caminho, perceberemos que os sistemas de comunicação globalmente interligados — e este é o caso da internet —, desvinculam as imagens e os atos culturais de sua tradição. Cria-se um supermercado cultural, que trata as diferenças culturais não como identidade, mas como uma língua franca que é responsável por uma pseudo-personi$cação, na verdade homogeneizadora (HALL, 2003, p. 75-76).

Pode-se tirar disso, também, a veracidade e a importância da imagem na socieda-de do espetáculo. Os usuários procuram assumir uma identidade na rede para se torna-rem mais reais nela, porque a realidade é o que aparece, “as imagens se tornam simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações e$cientes típicas de um comportamento hipnótico” (DEBORD, 1997: 18).

Assim, a internet, com os videoclipes, forma, também, um movimento de geração de ídolos (BUCCI, 1997). A manifestação mais evidente disso não são os clipes refeitos ou os spoofs, que contrastam com os clipes de fotos, pois prescindem da presença do ídolo, – que não necessariamente pode estar disposto ou disponível para participar de um vídeo. Uma vez que as fotos, por outro lado, costumam ser corriqueiras na rotina das pessoas e os vídeos acabam sendo maneiras menos usuais de guardar momentos importantes, por motivos variados como complexidade dos equipamentos, preço, por-tabilidade, facilidade em capturar elementos especí$cos, em um clipe de fotos, qualquer pessoa pode ser homenageada e pode virar um ídolo- pais, mães, amigos, namorados, o próprio intérprete da música – e o mais importante, os ídolos de cada um são divulga-dos livremente para todos na rede, como um vídeo comum. Isso permite, mais do que escrita ou voz, mostrar o apreço por alguém.

Durante o monitoramento, um caso particular de criação de ídolos apareceu. O ví-deo era um clipe caseiro. Tratava-se de um $lme que pedia ajuda e doações para uma pessoa necessitada. Nesse caso, foram gravadas cenas com o fundo musical utilizando a própria música do clipe e um apelo por escrito, atravessando a tela. O objetivo, então, seria tornar aquela pessoa midiaticamente merecedora da ajuda, criar uma imagem pública dela para um certo $m, o que remete, mais uma vez, à a$rmação de Wolton sobre a busca pela melhora da sociedade pelas tecnologias. A internet, portanto, permite que os inter-nautas, mesmo lidando com a tecnologia nova e com seus problemas de identidade de homens e mulheres pós-modernos, consigam, gradativamente, se descobrir com distintas

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possibilidades interessantes oriundas de um mesmo produto midiático – o videoclipe.Assim, tem-se que a mudança do videoclipe para a internet é muito mais que uma

questão tecnológica, porque fomenta novas maneiras de encarar problemas da sociedade atual com novas construções de signi$cado que essa arte e essa plataforma permitem.

Considerações !nais

Nesta pesquisa, foi discutida a in!uência das novas tecnologias em um produto audiovisual especí$co, o videoclipe. Também foram contemplados o estudo do público, os movimentos decorrentes dos progressos, a convivência das plataformas e o efeito desses fatores sobre a comunidade que se expõe a eles. Primeiramente, foi percebido que o movimento de migração do jovem para o consumo do videoclipe na internet revela a eleição de uma nova plataforma para o meio, fazendo da televisão um suporte. Depois, discutimos como a televisão tradicional está lidando com essa transformação, estudando quais são suas estratégias para tentar, pelo menos em um nível super$cial, usar a internet, e suas possibilidades de interação, como um elemento que permite ex-pansão de sua plataforma.

Revelou-se fundamental a realização de um levantamento, comparando as pla-taformas oferecidas pelos programas estudados a duas outras de compartilhamento de vídeo. Graças a essa observação minuciosa do comportamento desse novo público, pudemos observar que, no novo meio, o clipe vai além de sua função inicial, que seria servir como propaganda de um produto musical especí$co. Ele, na verdade, re!ete toda a segmentação, reciclagem e hibridismo típicos da rede. Essas características passam a in!uenciar as produções mainstream e, até certo ponto, ditar um novo modelo estético. Todavia, é importante perceber que essas modi$cações têm também um caráter social, as diferentes possibilidades tecnológicas da atualidade permitem que o clipe se torne um meio de expressão típico do universo digital, migrando não apenas de meio, mas também de conteúdo e da esfera social que representa.

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