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CORPORATE INCOME TAX SYSTEM FRAMEWORK:
A TOOL DESIGN TO PROVIDE SOLUTIONS IN BOTH
OUTWARDS AND INWARDS INVESTEMENTS
Miguel Tomé de Medeiros - Lisboa, 30 de Junho de 2012
2
ÍNDICE
Introdução ……………………………………………………………………………. 3
Parte I – Gestão Fiscal e Contabilidade
1. Gestão Fiscal …………………………………………………………….. 5
2. Contabilidade …………………………………………………………….. 9
3. “Ponto da Situação” ……………………………………………………. 12
Parte II – Corporate Income Tax System Framework
A - Pilares Primários
4. Tributação de Sociedades …………………………………………….. 16
5. Base Anual ……………………………………………………………… 18
6. Princípio da Realização ……………………………………………….. 18
B - Pilares Secundários
1. Capital/Ordinary Income Divide ………………………………………. 19
2. Limitações ao Reporte de Prejuízos Fiscais ………………………... 20
3. Dupla Tributação do mesmo Rendimento .………………………….. 21
4. Reestruturações e Princípio da Continuidade ..…………………….. 24
5. Capitalização e Depreciação …………………………………………. 24
6. Tributação de Grupos de Sociedades ……………………………….. 26
7. Veículos de Investimento ……………………………………………… 28
Conclusão …………………………………………………………………………... 29
3
INTRUDUÇÃO
O presente trabalho surge no seguimento do desafio lançado pela Ernst &
Young e nele se desenvolve um Quadro Conceptual de Referência em matéria
de tributação direta das sociedades (Corporate Income Tax (CIT) system
framework), tendo por base as diferenças estruturais e acentuadas entre o
nosso sistema, o da Europa Continental, e o sistema Anglo-Saxónico ou de
Common Law.
No fundo, mais não é do que uma espécie de “canivete suíço” capaz de atacar
todo e qualquer sistema jurídico-fiscal com o qual o fiscalista se venha a
deparar no decorrer da sua vida profissional.
Com efeito, num mundo cada vez mais globalizado como aquele em que
atualmente vivemos, no qual, por um lado, empresários nacionais desejam
investir fora de portas e, por outro, investidores estrangeiros identificam boas
oportunidades de negócio no nosso país, qualquer fiscalista que se preze não
pode, em momento algum, invocar o desconhecimento do “outro sistema” como
desculpa para não prestar um serviço de qualidade aos seus clientes. Fazê-lo
seria uma falta de profissionalismo sem precedentes e uma oportunidade única
e desperdiçada em acompanhar os clientes numa nova e importante etapa das
suas vidas.
Bem pelo contrário … Cabe à Ernst & Young, enquanto organização dotada da
elite do capital humano que há em Portugal, tudo fazer para que tudo seja um
sucesso. Até porque, o próprio sucesso de uma organização como o da Ernest
& Young mede-se pelo sucesso dos seus clientes.
Repare-se, que com isso, não se exige, e muito menos se espera, que o
fiscalista seja um profundo conhecedor de todos e quaisquer sistemas fiscais
existentes à face do planeta. Não, nada disso: o que se pretende é que
apreenda os princípios que alicerçam determinado sistema. E não que “decore”
todas as suas regras. Só assim estará em condições de desenvolver a sua
4
própria estrutura conceptual de referência, capaz de o orientar em segurança,
por mais diferente e “revolto” que seja o sistema fiscal com o qual esteja a lidar.
Só assim, e não menos importante, conseguirá o fiscalista fazer uso de toda a
sua criatividade, em especial numa área em que o legislador procura
sistematicamente blindá-la/tipificá-la e, não raras vezes, objeto constante de
reformas (e até contra-reformas) num curto espaço de tempo.
Mais: é precisamente a criatividade que permite ao fiscalista alcançar todo o
seu potencial e de se realizar profissionalmente e enquanto pessoa inserida
numa dada organização, que partilha no seu dia-a-dia e com os restantes
colaboradores, os core values ou valores culturais dessa mesma organização e
que, mais não são, do que o “timbre” que a diferencia de todas as outras aos
olhos dos seus stakeholders, em geral, e da Comunidade, em particular.
É também com base na criatividade que se traça uma linha que separa um
fiscalista competente, criativo e bem pago, de um simples book-keeper. (Os
clientes sabem-no e estão dispostos a pagar por isso. Resta-nos decidir em
que lado da linha nos queremos posicionar …)
Pessoalmente, sei muito bem em qual dos lados quero ficar, e, por conseguinte,
aliando o rigor científico à criatividade e poder de síntese, identifico e
desenvolvo, num Quadro Conceptual, as componentes ligadas à tributação
direta das sociedades que considero mais relevantes sempre que lido com
sistemas fiscais diferentes do meu.
Pouca é a enfâse dada a conceitos e pormenores jurídico-técnicos: o que
pretendo é, uma vez desenhada a minha própria estrutura conceptual, e
devidamente testada, pô-la ao serviço do fiscalista, ajudando-o na formulação
das várias alternativas a serem propostas ao cliente, no sentido de lhe
acrescentar valor, que, por sua vez, depois de plenamente munido de toda a
informação acerca dos prós e contras de cada uma das variantes, possa, livre
e confiantemente, decidir e enveredar por aquela cuja relação custo-benefício
entenda ser a mais vantajosa de todas.
5
No entanto, e sempre que se mostre necessário, não nos coibiremos de fazer o
uso da terminologia internacional, nomeadamente da anglo-saxónica. Da
mesma forma, a componente teórica, sempre muito importante, também não
será descurada: simplesmente, colocá-la-emos ao serviço da prática.
Assim sendo, em termos de estrutura do trabalho, feita a introdução,
começaremos, numa primeira abordagem, por “desmistificar” alguns dos
(pre)conceitos ligados à gestão fiscal, de maneira a evitar confusões, para
depois nos debruçar-mos sobre as principais diferenças entre os sistemas
Anglo-Saxónico e da Europa Continental, e suas ramificações na contabilidade,
em relação à qual o nosso sistema fiscal está particularmente depende, ainda
que de modo parcial. De seguida, numa segunda fase, entraremos na parte
nevrálgica do trabalho, na qual desenvolveremos cada um dos alicerces que
sustentam o Quadro Conceptual de Referência replicável sobre qualquer
“Corporate Income Tax System” com o qual o fiscalista venha a trabalhar. Para
terminar, e como não poderia deixar de ser, concluiremos com um pequeno
balanço do que foi feito e do muito que poderá ser feito no futuro, tendo em
vista o melhoramento continuo ou Kaizen (改 善 ), como se designa na
nomenclatura nipónica.
GESTÃO FISCAL
Antes de avançarmos para o Quadro Conceptual de Referência, importa, a
priori, definirmos o que se entende por gestão fiscal e separá-la de outros
fenómenos fiscais, não raras vezes, alvo de confusão.
Ora, gestão fiscal (tax planning) – também conhecida por planeamento fiscal,
otimização fiscal, ou ainda, engenharia fiscal – consiste na minimização dos
impostos a pagar por uma via totalmente legítima e lícita, querida até pelo
legislador ou deixada por este como opção ao contribuinte.
6
Conceito diferente é o de evasão fiscal (tax avoidance) – ou elisão/evitamento
fiscal – que se traduz na prática de atos ou negócios lícitos, mas que a lei fiscal
qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade económica
que lhes está subjacente ou serem anómalos, anormais ou abusivos. Por
outras palavras, procuram explorar uma lacuna/fragilidade da lei que lhes
permita escapar ao pagamento dos impostos
Situação mais grave é a de fraude fiscal (“tax evasion”), que consiste na prática
de atos ou negócios ilícitos, ou seja, que infringem frontalmente a lei.
Enquanto os primeiros são intra-legem, isto é, decorrem da própria lei, já os
segundos, situam-se extra-legem, visto terem por único fito o de contornar o
ordenamento jurídico-tributário, para atingir um objetivo oposto aos valores que
o estruturam através de habilidades ou subterfúgios fiscais. São, por isso, uma
espécie de “ovelhas tresmalhadas” trazidas ao “rebanho” por via da aplicação
das normas anti-abuso, sejam elas gerais, especiais ou específicas /sectoriais.
Nestes casos, o Fisco desconsidera o ato ou negócio, e obriga a repor o
imposto devido. Já quanto aos últimos - os de fraude fiscal - por serem contra-
legem, o fisco não só desconsidera e obriga a pagar o imposto devido, como
aplica sanções que podem ser de natureza contra-ordenacional (coimas) ou de
natureza criminal (multas e/ou prisão).
Em termos conceptuais, e de modo a “separar as águas”, podemos ter:
QUADRO 1- DISTINÇÃO DE CONCEITOS
7
Note-se, porém, que por vezes fazer gestão fiscal implica assumir riscos …
Riscos esses, que tanto podem pender para um lado da fronteira – e estarmos
na presença de planeamento fiscal perfeitamente legítimo - como “descair”
para o outro lado – o lado da evasão fiscal … Entramos pois, no domínio do
planeamento fiscal mais agressivo ou até mesmo abusivo, que se situa nas tais
“zonas cinzentas” ou de fronteira, exigindo-se da parte dos respetivos
promotores, entre outros deveres, o de comunicarem o esquema às
autoridades tributárias competentes.
Importante a reter é o facto de a gestão fiscal impelir sempre uma postura
bastante mais pró-ativa da parte do fiscalista: o mero cumprimento das
obrigações fiscais, ou a sua vertente passiva, não é fazer gestão fiscal. Pelo
contrário, a chamada governance fiscal exige que se explorem as suas mais
diversas modalidades, nomeadamente situações de exclusões tributárias,
acesso e gestão de benefícios fiscais e o uso das várias alternativas fiscais
deixadas pelo legislador ao contribuinte, sejam elas quanto:
(a) À forma de realização das operações e/ou atividades. (Por exemplo,
entre abrir uma empresa em nome individual ou constituir uma
sociedade; na escolha entre sucursal ou filial; entre o regime geral e o
regime de neutralidade num processo de reestruturação; entre o regime
geral e o regime especial de tributação de grupos de sociedades; entre
muitas mais opções);
(b) Ao local de realização das operações. (Como sabemos, os impostos não
são os mesmos de Estado para Estado, e até mesmo dentro de cada
Estado poderão existir diferenças acentuadas, como são casos das
zonas de tributação claramente mais favoráveis);
(c) Ao momento de tributação. (Exige que se articule eficientemente
desinvestimento com reinvestimento, numa ótica temporal de gestão
fiscal); e
(d) Às categorias e tipos de rendimentos. (Por exemplo, entre pagar juros
aos sócios resultantes de suprimentos ou distribuir dividendos. Em
8
ambos os casos, as consequências serão muito distintas, tanto na
esfera individual de cada sócio, como na esfera da própria sociedade
que distribui, sobretudo em termos de poupança fiscal).
Em qualquer dos casos, há sempre que adotar uma abordagem holística e
multilateral, ou seja: (a) que tenha em conta todas as partes interessadas/
stakeholders; (b) que considere os impostos explícitos, mas também os
implícitos ou ocultos; e (c) que tenha presente os custos não fiscais (por
exemplo, os compliance costs).
Escusado será dizer que o fiscalista não se deve cingir apenas a um só
imposto, mas outrossim olhar (de preferência com “olhos de ver”) para o
sistema como um todo, para depois “fazer muito bem as contas”. Por exemplo,
no caso português, haveria que ter em mente o seguinte esquema:
QUADRO 2 – SISTEMA FISCAL PORTUGUÊS
De igual forma, sempre que estejamos diante de sistemas fiscais de outros
países, devemos moldar o referido esquema em função das especificidades
desse mesmo país. (Dado que o universo de clientes da Ernst & Young é, na
sua grande maioria, constituído por empresas/sociedades, natural é que nos
focalizemos no imposto que sobre elas recai de forma mais direta: o IRC ou
CIT. No entanto, e uma vez mais, há-que não perder a visão do conjunto, daí a
9
própria designação de sistema – “conjunto de elementos interrelacionados de
modo a formar um todo organizado”).
Poucas dúvidas se suscitam quando se afirma que o sucesso de um
investimento encontra-se intrinsecamente dependente da sua envolvente fiscal.
Todavia, a minimização dos impostos a pagar não deve ser encarada como
uma finalidade em si mesma e a prosseguir a todo o custo. Pelo contrário, deve
antes ser vista como um meio que ajude a atingir os objetivos delineados
aquando da formulação da estratégia da empresa, contribuindo,
paulatinamente, para a concretização da missão e visão da mesma.
Basicamente, o que se procura é integrar a variável fiscal nas decisões de
gestão, em ordem a maximizar o valor para os acionistas. E não há que pedir
desculpas por causa disso! Os próprios tribunais admitem-no e sem qualquer
problema. Foi o que fez, a título exemplificativo, e já em 1947, nos EUA, o Juiz
Learned Hand, ao proferir o seguinte:
“Over and over again courts have said that there is nothing sinister in so
arranging one’s affairs as to keep taxes as low as possible. Everybody does so,
rich or poor, and all do right, for nobody owes any public duty to pay more than
the law demands: taxes are enforced exactions not voluntary contributions. To
demand more in the name of morals is mere cant”.
CONTABILIDADE
“Arrumados” os conceitos, importa agora identificar as principais diferenças
entre os sistemas Anglo-Saxónico e da Europa Continental, uma vez que são
precisamente essas diferenças que depois explicam as discrepâncias a nível
da contabilidade e da fiscalidade, em geral, e da tributação direta das
sociedades, em particular.
Para o efeito, socorrer-nos-emos da tipologia de Nobes e Parker (1998) e que,
muito resumidamente, pode ser analisada com base no quadro que se segue:
10
Modelos
Características Anglo-Saxónico Europa Continental
Sistema Jurídico-Legal Common Law
(Princípios)
Right ou Code Law
(Direito Romano - Regras)
Principal Fonte de
Financiamento das Empresas Mercado de Capitais Banca
Contabilidade (orientada para) Investidor Credor
Nível de Divulgação da
Informação Contabilística
Elevado
(Intercalada e Segmentada)
Baixo
(Anual e Global)
Ligação
Contabilidade/Fiscalidade Fraca Forte
Profissão de Contabilista Antiga e Forte
(Accountant)
Recente e Fraca
(Book-Keeper)
Organização e Propriedade
Empresarial Dispersa
Concentrada (gestor e
proprietário confundem-se)
Mercados de Capitais Desenvolvidos Pequenos
Normalização (a cargo de) Entidade Privada Estado
QUADRO 3 – SISTEMA ANGLO-SAXÓNICO VS CONTINENTAL
Como facilmente constatamos, são inúmeras as diferenças entre os dois
sistemas. Diferenças essas bastante substanciais (e não de mera “cosmética”),
que depois influenciam, a jusante e fortemente, os respetivos sistemas
contabilísticos e fiscais.
Tanto assim o é que, em 1997, o jornal Financial Times afirmava o seguinte:
“Em teoria, a contabilidade é a linguagem dos negócios, mas na prática existe
uma imensidade de dialetos.”
Um dos casos mais caricatos e bem elucidativos da enorme divergência entre
os dois sistemas foi o da Mercedes-Benz. Corria o ano de 1993, e na
Alemanha, o gigante da indústria automóvel apresentava lucros enormíssimos.
No entanto, quando tomou a decisão de cotar os seus capitais no Índice
DowJones, da Bolsa de Nova Iorque, passou a reportar prejuízos
avultadíssimos, devido ao facto de ter sido obrigado a adaptar as suas contas
ao sistema contabilístico norte-americano. (Bem menos permissivo no que
11
respeita, por exemplo, à capitalização de despesas de desenvolvimento. De
facto, nos EUA, levar a ativo intangível os salários pagos aos cientistas da
empresa seria algo impensável. Por outro lado, na Europa Continental,
despesas com investigação são sempre gastos do período, contudo, despesas
com a fase do desenvolvimento, isto é, com aplicação concreta dos
conhecimentos e know-how adquiridos durante a fase da investigação, podem,
cumpridos determinados requisitos, serem classificadas de ativo intangível e
inclusive, amortizadas ao longo da sua vida útil).
É evidente que a grande heterogeneidade de normas contabilísticas dificulta a
compreensibilidade e comparabilidade da informação contabilística a nível
internacional. Os próprios analistas e investidores ficam sem saber em qual dos
sistemas acreditar.
Atentas a estes e outros problemas, as autoridades e organismos competentes
empenharam-se desde então em desenvolver um conjunto de normas que
fossem internacionalmente aceites, de forma a assegurar a qualidade e
comparabilidade da informação contabilística inter-sistemas.
É neste contexto que são adotadas na UE, em 2005, as IAS/IFRS (International
Accounting Standards/International Financial Reporting Standards) por parte
das sociedades com títulos cotados em praças financeiras regulamentadas.
Cinco anos mais tarde, é adotado o SNC (Sistema de Normalização
Contabilística) para as restantes empresas.
Na opinião dos principais global players, houve, de facto, melhorias
significativas na qualidade da informação financeira divulgada, tal como
podemos observar no quadro abaixo:
Impacto na qualidade da informação financeira
Melhorou Piorou
Investidores 63% 24%
Contabilistas 60% 14%
Auditores 80% 8%
QUADRO 4 - PERCEÇÃO DO IMPACTO DA ADOPÇÃO DAS IAS/IFRS NA UE
12
Consensual é também a opinião de que as atuais NCRF (Normas
Contabilísticas e de Relato Financeiro, que seguem de muito perto as
IAS/IFRS) mais não são do que o “reflexo” de muitos dos princípios oriundos do
sistema Anglo-Saxónico. Com efeito, por muito que procuremos, as NCRF não
nos dizem quais as contas a creditar e quais as contas a debitar. Em vez de
ditarem regras, emanam princípios ou guide-lines. Prova disso mesmo, é a
existência de uma Estrutura Conceptual (EC) logo nas primeiras páginas do
SNC, e que constitui uma autêntica novidade em relação ao POC. Tal EC,
baseada na EC do IASB (International Accounting Standards Board), define um
conjunto de pressupostos e princípios fundamentais que devem ser verificados
na elaboração das Demostrações Financeiras.
Repare-se que a EC não constitui uma norma, mas outrossim no alicerce das
normas. (Tanto assim o é que a própria EC consegue ser suficientemente
“humilde” ao ponto de prever que em caso de conflito com uma norma
específica, prevalecem as disposições dessa mesma norma específica).
Note-se, contudo, que apesar de ter havido uma significativa harmonização
entre os dois sistemas (ou uma aproximação do nosso sistema ao do anglo-
saxónico), com todas as vantagens que isso trouxe, desde a melhoria na
comparabilidade da informação contabilística e na redução de custos,
passando pelo incentivo ao investimento e facilitação do financiamento, até à
desobstrução da internacionalização das empresas, contribuindo para um
melhor funcionamento dos mercados financeiros, a verdade é que ainda
subsistem importantes clivagens entre os dois sistemas, umas mais
substanciais, outras de mera “cosmética”. (Harmonizou-se, não se uniformizou
totalmente os sistemas).
PONTO DA SITUAÇÃO
Antes de avançarmos para o nosso Quadro Conceptual de Referência,
façamos o “ponto da situação”: falámos do que se entendia por gestão fiscal;
identificámos as suas principais modalidades; vimos as diferenças entre o
13
sistema Anglo-Saxónico e o da Europa Continental, em particular no que
respeitava à contabilidade, que, como constatámos, se alterou
substancialmente nos últimos anos, sobretudo nos países da Europa
Continental, atribuindo-se, em especial, uma cada vez maior enfâse ao justo
valor (fair market value), em detrimento do custo histórico, que embora muitas
vezes seja mais fiável a nível da mensuração, é, ao mesmo tempo, menos
relevante, em termos de capacidade para influenciar as decisões dos utentes
da informação financeira, cabendo ao accountant fazer o trade-off entre uma e
outra qualidade.
Provavelmente, o reputado júri dever-se-á estar a indagar: Mas para quê estar
aqui a falar de contabilidade? Afinal, o presente trabalho é sobre fiscalidade ou
contabilidade? O que é que uma coisa tem a ver com a outra? Para quê estar a
desperdiçar tempo a dissertar sobre a contabilidade? Por “cargas de água” não
se foi diretamente ao assunto, isto é, ao Quadro Conceptual de Referência? Ao
fim e ao cabo, não é esse o tema do trabalho?
Pois bem: em Portugal, tal como noutros países de modelo continental, existe
uma forte dependência entre fiscalidade e contabilidade. O imposto sobre as
sociedades é apurado com base no resultado contabilístico, ao qual se
introduzem, extra-contabilisticamente, correções – positivas e/ou negativas –
elencadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos
próprios da fiscalidade. Essas correções fiscais traduzem-se num afastamento,
que poderá ser permanente ou temporário, entre a fiscalidade e a contabilidade.
Já quanto aos países de modelo anglo-saxónico, como os EUA, as respetivas
regras e princípios contabilísticos foram “desenhados” já a pensar nos
condicionalismos fiscais.
Por conseguinte, para se compreender plenamente as diferenças a nível de
Corporate Income Tax entre os dois sistemas, há-que ter em mente,
14
primeiramente, que as mesmas resultam, em parte, devido ao facto de se partir
de bases contabilísticas distintas1.
Paralelamente, da mesma forma que as IAS/IFRS se apoiam em três pilares
fundamentais (reconhecimento, mensuração e divulgação/apresentação), e
previstos na tal Estrutura Conceptual, também o nosso Quadro Conceptual de
Referência assentará em três pilares primários, que, por sua vez, serão ainda
desdobrados em sete outros pilares secundários, para que se torne numa
estrutura sólida, robusta e compacta, mas ao mesmo tempo bastante flexível e
maleável, capaz de resistir às mais violentas tempestades que possam surgir
sempre que o fiscalista enfrente um Corporate Income Tax System diferente
daquele com o qual está mais habituado.
Continuando a analogia entre a Estrutura Conceptual usada na contabilidade e
o nosso Quadro Conceptual de Referência ao serviço da fiscalidade, da mesma
forma que a primeira tem por base princípios como o da
relevância/materialidade e o da agregação na construção das Financial
Statements, relegando para as notas ou anexos tudo o que tenha um carácter
acessório, nós também focar-nos-emos apenas no que é essencial, ou seja,
nas guide-lines ou traves mestras que norteiam qualquer Corporate Income
Tax System, seja ele de modelo anglo-saxónico ou continental, sem perder
tempo com pormenores e diferenças de cosmética.
Assim sendo, depois de termos “investido” (e não “desperdiçado”) tempo a
explanar as diferenças entre os dois sistemas a nível da contabilidade, é hora
de nos debruçarmos sobre a nossa ferramenta de trabalho e o ponto nevrálgico
do presente trabalho: a CORPORATE INCOME TAX SYSTEM FRAMEWORK.
1 Nota interessante: A fiscalidade não recorre apenas à contabilidade financeira
(nomeadamente ao Resultado Líquido Período), mas também, à contabilidade analítica ou de
custos (para, por exemplo, imputar os gastos gerais de administração a um Estabelecimento
Estável) e até à contabilidade previsional ou orçamental (para, por exemplo, determinar as
provisões anuais estimadas com a reparação de danos de carácter ambiental).
15
QUADRO 5 – QUADRO CONCEPTUAL DE REFERÊNCIA
Base Anual B
Tributação de Sociedades
Capital / Ordinary
income divide
Dupla Tributação do
mesmo rendimento
Veículos de
Investimento
Capitalização e
Depreciação
Restrições no Reporte de
Prejuízos Fiscais
Reestruturações e Princípio da
Continuidade do Interesse
Tributação de Grupos
Societários
CORPORATE INCOME TAX SYSTEM FRAMEWORK
Pilares
Primários
Pilares
Secundários
Princípio da Realização
16
PILARES PRIMÁRIOS
Começando do topo para a base, deparamo-nos com três pilares primários que
são comuns a todo e qualquer Corporate Income Tax system: tributação de
sociedades, numa base anual, e de acordo com o princípio da realização.
Analisemos cada um dos três pilares per si.
1. Tributação de Sociedades
A nível da literatura fiscal, existe uma pletora imensa de autores que se
questiona se faz ou não sentido tributar as sociedades, uma vez que, em última
instância, quem colhe dos seus rendimentos são os acionistas (sob a forma de
dividendos) e os credores (sob a forma de juros). Estes sim, por constituírem
pessoas físicas, é que deveriam ser tributados apenas. No entanto, por
diversas razões, entre as quais o facto de as sociedades gozarem de
responsabilidade limitada, de existirem muitos mais “share” e “debt” “holders”
do que sociedades, por questões políticas e de regulação/controlo, entre
muitas outras, as sociedades estão sujeitas, em praticamente todas as
jurisdições, a um imposto direto sobre os seus rendimentos.
Estando na presença de uma sociedade, importa distingui-la quanto à tipologia
que pode assumir. Para tal, é comum recorrer-se a dois critérios: o Jurídico
(Separate Entity Theory), segundo o qual as sociedades são entidades
juridicamente autónomas, pois possuem ativos e passivos próprios, podem
processar e serem processadas, assinarem contratos por sua iniciativa, etc.
Para além do jurídico, existe também o critério económico (Separation Between
Ownership and Control), em que se averigua se há ou não separação entre
quem detém a empresa e quem a gere no seu dia-a-dia.
Ora, o que se sucede é que sociedades como as SA’s (COrporations) e as
Lda’s (Limited Liability Company e Limited-Liability Partnership) gozam de
personalidade jurídica e, como tal, são sujeitos passivos de imposto. No
entanto, quando proprietário e gestor se confundem, o critério económico
17
prevalece sobre o jurídico, dando origem aos chamados regimes de
transparência fiscal (Flow-through taxation), nos quais a tributação ocorre na
esfera dos sócios e não da sociedade, permitindo evitar problemas de dupla
tributação económica.
Repare-se, contudo, que nem sempre existe vantagem em constituir uma
sociedade. Por vezes, o melhor mesmo é criar uma empresa em nome
individual. Por exemplo, no caso português (e fazendo uso do Quadro 2 –
Sistema Fiscal Português) teríamos o seguinte:
Empresa Individual Sociedade
Impostos sobre o Rendimento IRS (11,50% até 46,50%) IRC (25%) + Derrama (Muni.+Estad.)
Método de apuramento da Matéria
Coletável
Contabilidade organizada
ou regime simplificado Contabilidade organizada
Dedução dos salários do empresário e
familiares Não Sim
Dedução dos juros de empréstimos do
empresário à empresa Não
Sim (desde que cumpridos certos
limites e regras de subcapitalização)
Tributação na distribuição de lucros Não Sim (só parcialmente atenuada)
Impostos s/ o Património na afetação
de imóveis à sociedade e vice-versa Não IMT (6,50%) + ISelo (0,80%)
IVA: Regimes especiais de isenção e
pequenos retalhistas Sim Não
Contribuições p/ Segurança Social 29,60% (s/ r. convencional) 29,60% (sobre remuneração efetiva):
QUADRO 6 – EMPRESA INDIVIDUAL VS SOCIEDADE
Por isso, antes de tomarmos qualquer decisão, importa, em primeiro lugar,
saber se estamos diante de uma sociedade ou de uma empresa em nome
individual, e, em segundo lugar, tratando-se de uma sociedade, que tipo de
sociedade, isto é, se está sujeita ao regime geral ou ao regime da
transparência fiscal.
18
2. Base Anual
Estando as sociedades sujeitas a tributação, coloca-se a questão de
determinar quando e em relação a que período a mesma tem lugar. Por via de
regra, a tributação ocorre numa base anual, que pode coincidir com o ano civil
(como no caso português, que decorre de 1 de janeiro a 31 de dezembro) ou
com o período de relato financeiro (como no Reino Unido, que vai de 1 de abril
até 31 de março do ano seguinte). No entanto, podem existir algumas
exceções ao princípio da base anual, como são os casos das sociedades em
liquidação (cujo período pode ir, em Portugal e provisoriamente, até 2 anos) e
também em situações em que há consolidação de grupos.
3. Princípio da Realização
Respondida a questão do quando tributar, urge perguntar como tributar? E aí
podemos ter dois regimes: o regime de caixa (cash-flow), que tem por base
pagamentos e recebimentos (como acontece nos EUA, para empresas que não
dispunham de contabilidade organizada) e o regime do acréscimo (accrual),
que tem em conta rendimentos e gastos, independentemente de ter havido ou
não recebimentos e pagamentos (e que constitui um dos pressupostos
fundamentais da nossa contabilidade na elaboração das demostrações
financeiras).
Ora, em fiscalidade vigora a teoria do incremento patrimonial, ou seja, tributa-
se o lucro, entendido como a diferença (positiva) entre o património líquido no
fim e o património líquido no início do período de tributação. Todavia, tudo o
que sejam ganhos potenciais ou latentes são excluídos da base tributável, visto
não terem sido realizados. Nisto consiste o princípio da Realização, princípio
este basilar em qualquer Corporate Income Tax system. De acordo com o
mesmo, os ativos só são objeto de tributação quando a sua propriedade é
transferida e, no caso dos rendimentos, quando a transação é concluída.
No entanto, algumas exceções importantes ao princípio da realização poderão
ocorrer, nomeadamente quando estão em causa certos instrumentos
19
financeiros, quando normas anti-abuso são acionadas e quando hajam mais-
valias cujos valores de realização são reinvestidos (total ou parcialmente), isto
é, quando se verifique o Rollover of Realized Gains, segundo a terminologia
anglo-saxónica.
PILARES SECUNDÁRIOS
Descortinados que estão, num primeiro momento, os três pilares primários do
Quadro Conceptual de Referência (comuns a todos os CIT systems), é tempo
de examinarmos os seus respetivos alicerces ou pilares secundários. No total
são sete os pilares secundários e cujos contornos diferem entre sistemas
Anglo-Saxónico e da Europa Continental, em geral, e entre os mais diversos
países, em particular.
1. Capital / Ordinary Income Divide
Em certas jurisdições, nomeadamente nas de modelo Anglo-Saxónico, as mais
e menos valias resultantes da alienação de ativos (capital assets) são
separadas dos rendimentos “ordinários” ou “normais” do negócio
(ordinary/business income), como por exemplo, os que advêm da venda de
mercadorias, isto porque, o princípio da realização dá a possibilidade ao sujeito
passivo de escolher o momento em que este decide acrescer ou diminuir a sua
matéria tributável, e consequentemente, o imposto a pagar.
Ora, o Capital / Ordinary income divide assegura que as perdas obtidas com a
venda de ativos, que podem ser criteriosamente selecionadas, não sejam
abatidas aos rendimentos decorrentes do normal funcionamento do negócio.
Já nos países de Modelo Continental, tal restrição é, na grande maioria das
jurisdições, inexistente, o que incita o fiscalista a fazer uma gestão fiscal
temporal ainda mais eficiente, escolhendo muito bem o timing das operações,
seja por via do seu lock-out (protelamento) ou do seu lock-in (antecipação).
20
Por exemplo, considere-se uma empresa que possua dois ativos, obtendo num
deles, ativo 1, alienado por 1.000, uma menos-valia fiscal de (400), e obtendo
no outro, ativo 2, vendido por 2.000, uma mais-valia fiscal de 600. Com efeito,
se alienar os dois ativos no mesmo ano e reinvestir a totalidade do valor de
realização (3.000 = 1.000+2.000), a mais-valia fiscal a acrescer à base
tributável é de 100 [= 50%x(600-400)]. Todavia, se “adiar” a venda do ativo 2
para o ano seguinte, no ano corrente deduz à base tributável a totalidade da
menos-valia fiscal obtida com a alineação do ativo 1, isto é, (400), e no ano
seguinte apenas acresce à base tributável 300 (50%x600), sendo o valor de
reinvestimento exigido também menor, apenas 2.000. O efeito líquido traduz-se
numa redução da base tributável em (200), quando comparada com a
alternativa em não dissociar a alienação dos dois ativos.
Deste modo, fundamental é que o fiscalista conheça muito bem o sistema com
o qual esteja a trabalhar, procurando saber se existe ou não comunicabilidade
de perdas entre capital assets e ordinary income, bem como o respetivo regime
aplicável às mais e menos valias, para que possa articular da forma mais
eficiente possível os planos de (re)investimento e de desinvestimento, e para
que no final, a fatura fiscal a pagar pelo cliente seja a menor possível – a isto
se chama gestão fiscal temporal.
2. Limitações ao Reporte de Prejuízos Fiscais
Nos países de Modelo Anglo-Saxónico, o Capital / Ordinary income divide
estende-se também ao reporte de prejuízos fiscais (PF’s). Já nos países de
Modelo Continental, a dedução dos PF’s tem uma natureza global, não
havendo separação entre PF’s oriundos de capital assets e PF’s de business
income. Por outro lado, se no sistema continental o reporte é, via de regra,
exclusivamente para a frente (carryforward) e limitado a um certo prazo,
normalmente muito curto, que no caso português vai até 5 anos (não podendo
exceder 75% do lucro tributável), no sistema anglo-saxónico é admitido o
reporte para trás (carryback), havendo, se for caso disso, lugar a reembolsos
21
(refunds)2. Além disso, os prazos de reporte são normalmente mais alargados.
Por exemplo, nos EUA vigora o seguinte regime:
QUADRO 7 – CAPITAL/BUSINESS DIVIDE AND OFF-SETTING OF TAX LOSSES
Assim sendo, o fiscalista tem que ter em linha de conta os princípios que
norteiam o Corporate Income Tax system em matéria de reporte de PF’s com
qual esteja a trabalhar, e conhecer as suas demais especificidades, por
exemplo, saber se é necessária a intervenção do ROC (Certified Public
Accountant) para poder deduzir os prejuízos pretéritos, como já aconteceu em
Portugal; se a não comunicabilidade de prejuízos é nos dois sentidos ou se
apenas num (por exemplo, nos EUA, os PF’s de capital assets não podem
abater aos de business income, mas os PF’s de business income já podem
abater aos rendimentos de capital assets), entre muitas outras especificidades.
3. Dupla Tributação do mesmo Rendimento
O problema da dupla tributação decorre da existência de um imposto direto
sobre o rendimento das sociedades e ramifica-se em dois outros problemas:
(a) O problema da Dupla Tributação Económica (DTE); e
(b) O problema da Dupla Tributação Internacional ou Jurídica (DTI).
Ambos têm em comum o facto de um mesmo rendimento ser tributado por mais
do que uma vez: primeiro, na esfera da sociedade (em IRC) e, num segundo
2 Em Portugal, quanto muito, o reporte de PF’s para trás apenas poderá acontecer num caso
muito excecional: na liquidação provisória de sociedades, que não pode ultrapassar os dois
anos, permitindo que PF’s ocorridos na fase final do processo de liquidação, possam ser
comunicáveis aos lucros tributáveis dos períodos anteriores.
22
momento, na esfera do sócio (em IRS ou em IRC, consoante se tratem de
pessoas singulares ou pessoas coletivas, respetivamente), sendo que, no caso
de DTI, tem a agravante de a sociedade que distribui e o sócio que recebe se
encontrem em jurisdições distintas.3
Começando pela DTE, a sua eliminação, ou, pelo menos, a sua atenuação,
(relief of double taxation, segundo a terminologia anglo-saxónica) passa pela
chamada INTEGRAÇÃO, que, por sua vez, pode ocorrer em diferentes fases
do apuramento do imposto e a dois níveis: a nível da sociedade, que distribui,
ou a nível do sócio, que recebe, como podemos observar no quadro seguinte:
QUADRO 8 - FORMAS DE ELIMINAR DA DUPLA TRIBUTAÇÃO
Deste modo, sempre que o fiscalista enfrente um problema de DTE deve ter
em mente o quadro acima e moldá-lo em função do Corporate Income Tax
System com o qual esteja a lidar.
Por exemplo, a nível do acionista, um dos métodos empregues poderá ser o da
exclusão, em que se desconsidera uma parte dos dividendos auferidos, apenas
se sujeitando a imposto a outra parte. Noutros casos, a solução pode passar
por uma diferenciação, tributando-se os dividendos na esfera do acionista a
taxas mais reduzidas. Noutros casos ainda, como no da Austrália, o método
utilizado consiste numa dedução à própria coleta de imposto.
(Repare-se, contudo, que isto não significa que o acionista seja forçosamente
tributado por um dos três métodos. Em determinados sistemas, como o
3 Note-se que o fiscalista, para além de averiguar se existe ou não dupla tributação e formas de
eliminá-la ou, pelo menos dirimi-la, deve, não menos importante, ter a preocupação de
determinar qual a sua taxa de tributação acumulada.
23
português, caracterizado por ser semi-dual, o legislador dá a possibilidade ao
acionista de optar por um dos métodos. Por exemplo, um sujeito passivo
pessoa singular pode ser tributado liberatoriamente a uma taxa proporcional de
25% (que escapa à progressividade do imposto) ou exercer a opção pelo
englobamento de apenas 50% dos rendimentos que auferir, passando a taxa
de liberatória a pagamento por conta.)
Quanto ao outro lado da equação - o da sociedade - poder-se-á utilizar o
método da dedução (ou da isenção, como no caso português, artigo 51.º
CIRC); o método das taxas de imposto diferenciadas (como aconteceu na
Alemanha, em que haviam duas taxas: uma normal e uma outra mais baixa
para os dividendos distribuídos); e o método do crédito de imposto que se
abate, como o nome indica, ao próprio imposto a pagar.
Já no que respeita à DTI, são vários os métodos previstos para eliminá-la (ou,
pelo menos, atenuá-la) e que podem atuar ou ao nível do rendimento tributável
- Método da Isenção (integral ou com progressividade) – ou numa fase mais
adiantada do imposto, ao nível da própria coleta - Método da Imputação
Ordinária ou Crédito de Imposto (integral ou “normal”).
Nada melhor do que um exemplo para ilustrar os dois métodos e suas
variantes:
Um país A possui taxas progressivas: até €150.000, a taxa é de 20%;
superior a €150.000, 30%. Por outro lado, num país B apenas existe uma taxa
proporcional de 25%. Se um sujeito passivo auferir €150.000 em A (país de
residência), paga de imposto €30.000 (€150.000x20%) e se auferir €50.000 em
B paga €12.500 (€50.000x25%), caso o método utilizado seja o da Isenção
Integral. Todavia, se o método for o da Isenção com Progressividade, o
imposto pago em B permanece o mesmo, €12.500, mas o imposto pago em
A é agora de €33.750 (€150.000x22,50%4).
4 Taxa Média de Tributação = [(150.000x20%+50.000x30%) / 200.000] = 22,50%
24
Por outro lado, se o método utilizado operar não do lado do rendimento,
mas do lado da coleta, e for o da Imputação Integral, o que o sujeito passivo
faz é adicionar à sua base tributável o rendimento obtido em B ilíquido de
imposto, sendo a sua coleta em A de €45.000 (150.000x20%+50.000x30%) à
qual se credita, integralmente, o imposto pago em B (€12.500). Feitas as
contas: em A paga de imposto €32.500 (€45.000-12.500€) e em B, €12.500.
Todavia, se o método for o da Imputação Normal, a dedução à coleta permitida
no país de residência é limitada à fração do seu próprio imposto
correspondente aos rendimentos de fonte estrangeira. Assim, à coleta abater-
se-iam não os €12.500, mas antes €11.250 (€50.000x22,50%, ver nota 4).
Resultado: em A paga de imposto €33.750 (€45.000-11.250€) e em B €12.500,
perfazendo um total de €46.250 a título de imposto pago.
Em síntese, o mais importante a reter é que a dupla tributação do mesmo
rendimento, seja ela económica ou internacional, constitui um dos problemas
que mais pesa nas escolhas dos investidores, sejam eles nacionais ou
estrangeiros, pelo que do fiscalista se espera que tenha os conceitos “bem
arrumados” e que esteja a par de eventuais Acordos de Dupla Tributação, nos
quais se estipulam os métodos a utilizar, taxas e regras de desempate (tie-
breaker rules), de modo a aconselhar os investidores da melhor forma possível.
4. Reestruturações5 e Princípio da Continuidade do Interesse
Ao longo das suas vidas, muitas sociedades deparam-se com oportunidades
ou sentem a necessidade de se reestruturarem, tendo em vista o
5 Assume-se que a reestruturação ocorre por via da aquisição de unidades de negócio ou ramos de
atividade (asset deal) e não por via da compra de participações sociais (share deal), situação em que o
tratamento fiscal seria ligeiramente diferente, sobretudo no que respeita às contingências fiscais.
Há também quem entenda por reestruturação (Corporate Restructuring) o conjunto de operações de
racionalização da estrutura efetuadas no interior de um grupo económico e por reorganizações (Mergers
and Acquisitions) atos de concentração empresarial praticados entre partes independentes, ou seja, mais
direcionados para o exterior. No entanto, no presente trabalho, os dois conceitos são usados
indistintamente.
25
aproveitamento de sinergias e a consequente criação de valor. Assim, por
exemplo, duas sociedades decidem fundir-se por acreditarem que juntas valem
mais do que separadas ou então, uma mesma sociedade, com vários ramos de
atividade, opta por cindir-se, uma vez que considera que as suas unidades de
negócio criam mais valor separadas do que juntas. Para além das operações
de fusão e cisão (as quais podem assumir várias tipologias), cabem ainda no
conceito de reestruturação as entradas de ativos e as permutas de partes
sociais com vista ao controlo.
Ora, neste domínio, a fiscalidade é chamada a desempenhar um duplo papel:
por um lado, incentivar as empresas a se reorganizarem, eliminarem
ineficiências, custos de contexto e tornem-se mais competitivas; e, por outro
lado, assegurar neutralidade fiscal a estas operações (carryover basis
mechanic), ou seja, garantir que, traduzindo-se as mesmas em factos de que
normalmente decorre uma tributação, a mesma não obstaculizará a realização
dessas operações. Com este regime especial, não há, portanto, lugar ao
apuramento de resultados aquando da transferência dos ativos (ou seja, é tax-
free), sendo a tributação diferida para um momento ulterior, o que não significa,
por si só, que seja a melhor solução (até porque, os sócios não ficam nem mais
ricos nem mais pobres). Tudo depende das situações em concreto da operação.
Por exemplo, no regime geral, os ativos são transferidos a valores de mercado,
pelo que a sociedade beneficiária deprecia-os a uma quota superior, por serem
bens adquiridos em estado de uso. Por outro lado, no regime de neutralidade,
os ativos, passivos e regimes de depreciação mantêm-se tal e qual como antes,
isto é, como se não tivesse havido transferência, havendo, no entanto, a
possibilidade de os prejuízos fiscais serem transferidos, mediante autorização
do Ministro das Finanças, da sociedade que se extingue para a sociedade
beneficiária, coisa que não se sucede no regime geral.
Deste modo, cabe ao fiscalista pesar os prós e contras de um e outro regime e
ter em atenção eventuais normas anti-abuso que possam existir, exigindo, por
26
exemplo, que se demostre existirem “razões económicas válidas” (business
purposes), bem como a continuidade do interesse.
5. Capitalização e Depreciação
Outro dos pilares secundários consiste em determinar em que condições
podemos capitalizar ativos (em vez de levá-los diretamente a gasto do período)
e quais os regimes em que os mesmos podem ser depreciados e amortizados.
Em termos gerais, existem dois grandes regimes de depreciação e
amortização: o método das quotas constantes (straight-line method); e método
das quotas decrescentes (declining-balance method). A base de depreciação é,
na maioria dos casos, o custo de aquisição histórico e as taxas de depreciação
variam de acordo com a vida útil dos ativos e com o método empregue.
Em certas jurisdições, estão previstos métodos especiais, como o das unidades
de produção (funcional), por duodécimos (mensal), das quotas aceleradas,
entre outros. Pode suceder-se também, como no caso português, o legislador
fixar o intervalo no qual as depreciações são fiscalmente aceites. Assim, cabe
ao fiscalista conhecer os limites (máximos e mínimos) de que dispõe, de modo
a gerir temporalmente da forma mais eficiente possível as depreciações. Neste
domínio, é fundamental ter uma visão de médio e longo prazo, e não olhar
apenas para o curto prazo (e padecer da chamada “miopia” de longo prazo).
Por exemplo, numa empresa que esteja a iniciar a sua atividade, em que os
custos de arranque são já de si elevados, poderá não ser vantajoso praticar
depreciações às taxas máximas, pois poderemos não ter lucro tributável
suficiente nos próximos anos ao qual se possam deduzir os prejuízos fiscais
incorridos nos primeiros anos de atividade e que entretanto caducaram.
6. Tributação de Grupos Societários
Na grande maioria das jurisdições são admitidos regimes especiais, nos quais
as sociedades, ainda que juridicamente autónomas, podem formar um só grupo
para efeitos fiscais, independentemente da sua estrutura funcional. Para tal,
27
necessário é que existam relações de controlo significativo entre as sociedades
envolvidas e que sejam cumpridos certos requisitos fixados pelos diferentes
Estados. Estes regimes especiais oferecem a grande vantagem de se poderem
compensar os lucros tributáveis com os prejuízos fiscais das diferentes
sociedades que compõem o mesmo grupo (off-setting of tax losses).
São vários os modelos de tributação dos grupos de sociedades utilizados:
(1) Organschaft (Alemanha e Áustria)
(2) Group contribution (Noruega, Suécia e Finlândia)
(3) Group relief (Reino Unido, Nova Zelândia e Singapura)
(4) Consolidation model (EUA, França, Itália, Austrália, etc.)
O caso português não se enquadra nos modelos anteriores. De facto, no
Regime Especial de Tributação dos Grupos Societários – RETGS (artigo 69.º a
71.º do CIRC), o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade
dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos
fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das
sociedades pertencentes ao grupo.
Para além dos referidos modelos, existe ainda um outro, muito recente e em
fase de experimentação por parte das multinacionais a operarem na União
Europeia, e em relação ao qual o fiscalista deverá estar particularmente atento
aos seus futuros desenvolvimentos, que é nada mais, nada menos do que o
CCCTB - Common Consolidated Corporate Tax Base. Com efeito, o CCCTB é
o resultado de vários anos de estudo, sendo a matéria coletável do grupo
repartida de acordo com a seguinte fórmula pelos diversos Estados-Membros,
os quais depois aplicam as suas respetivas taxas de imposto.
EQUAÇÃO 1- FÓRMULA DO CCCTB
28
7. Veículos de Investimento
Por fim, e como último pilar secundário, quando uma sociedade decide
expandir-se para o exterior, tem à sua disposição dois grandes “veículos”: pode
abrir uma sucursal / estabelecimento estável / branch ou constituir uma filial.
Ora, no primeiro caso, sabemos que a sucursal não goza de personalidade
jurídica, sendo os seus resultados tributados no país da empresa-mãe. Por
outro lado, os juros de eventuais empréstimos da mãe à sucursal não são
dedutíveis. Existe, todavia, a opção pelo RETGS, sendo possível deduzirem-se
os prejuízos das sucursais aquando do apuramento do lucro na empresa-mãe.
A tributação ocorre, portanto, numa base de acréscimo (accrual), com imediata
dedução de prejuízos e não sujeição a retenção na fonte no repatriamento dos
lucros. Já no segundo caso, no de filial, estamos perante uma sociedade
maioritariamente detida por outra, cujos lucros são tributados no país onde está
localizada, só havendo lugar a tributação no país da empresa-mãe, quando os
resultados forem distribuídos. Não são abrangidas pelo RETGS, mas os juros
pagos por empréstimos da mãe à filha podem ser deduzidos, dentro de certos
limites. A tributação ocorre, portanto, numa base de deferral (diferimento), ou
seja, apenas no momento em que os lucros são distribuídos, sendo possível,
cumpridos certos requisitos, beneficiarem de isenção, por forma a evitar dupla
tributação. Todavia, a dedução dos prejuízos da afiliada na empresa-mãe não é
permitida, pois não há identidade entre a empresa que obtém o prejuízo e a
que efetua o seu reporte.
Uma vez mais, cabe ao fiscalista ponderar as vantagens e inconvenientes de
um e outro veículo de investimento, bem como conhecer eventuais normas
anti-abuso que possam existir. Por exemplo, em certos países, é permitido abrir
sucursais nos primeiros anos de atividade, para poder deduzir os seus
prejuízos no Estado onde está sediada a empresa-mãe, e nos anos seguintes,
“filiarizar” a sucursal, pois a carga fiscal é menor no país onde está localizada
do que a verificada na sede. (Noutros Estados tal não é possível, isto é, localizar lucros
nos países com taxas de tributação mais baixas e prejuízos nos de tributação mais elevada).
29
CONCLUSÃO
É chegada a hora de concluirmos: vimos o se entendia por gestão fiscal;
discutimos as principais diferenças entre o sistema Anglo-Saxónico e o da
Europa Continental, e as suas ramificações na contabilidade; e desenvolvemos
os vários pilares que sustentavam a nossa Corporate Income Tax System
Framework, sempre tendo em vista dotar o fiscalista de uma ferramenta de
trabalho que lhe pudesse ser útil no seu dia-a-dia, qual bússola capaz de
orientar as suas decisões no melhor caminho, por mais agreste e inóspito que
seja o CIT System com o qual enfrente.
A prioridade foi colocada na assimilação dos princípios que gravitam qualquer
CIT system e não em “decorar” as regras específicas de um determinado
sistema, até porque, em grandes organizações como a Ernst & Young, se, por
exemplo, um fiscalista português que esteja a trabalhar, por hipótese, com o
sistema fiscal neozelandês e tenha uma dúvida muito específica sobre esse
mesmo sistema, é ajudado pelo seu congénere neozelandês, ainda que ambos
estejam nos antípodas um do outro, isto porque, ambos partilham dos mesmos
corporate values e da mesma cultura organizacional, em especial o seu
comprometimento em alcançar “Quality in everything [they] do” – é algo que já
faz parte dos seus ADN’s. Aliás, de nada serve a uma organização como a
Ernst & Young ter centenas de pontos no mapa, a representarem os seus
escritórios espalhados pelos cinco continentes, se os mesmos não estiverem
conectados entre si, privilegiando-se, acima de tudo, o trabalho em equipa,
equipa essa multicultural e eclética, na qual os colaboradores todos os dias
“vestem a camisola”, contribuindo com os seus skills e diferentes pontos de
vista, remando todos para o mesmo lado, até atingirem as metas a que se
propuseram.
O Quadro Conceptual de Referência em matéria de Tributação Direta de
Sociedades por mim desenvolvido não foi concebido para se tornar em algo
estático e “hiperblindado”, fechado sobre si próprio e imune a qualquer crítica
30
construtiva. Pelo contrário, estou certo de que, paulatinamente, será objeto de
muitos refinamentos até obter o fine tunning perfeito com a plasticidade do
mundo empresarial. Muitas arestas serão ainda limadas à medida que o
mesmo for sendo testado diariamente.
Nunca é demais realçar que é sempre o quadro conceptual que se adapta ao
cliente, e não o inverso. O quadro foi desenhado para atacar qualquer CIT
system, numa espécie de prêt-à-porter (“pronto a vestir”), que depois, e com os
devidos ajustes, facilmente se “transveste” num verdadeiro fato feito à medida
do cliente (taylor made), reduzindo ineficiências, mitigando riscos e
incrementando oportunidades de negócio, independentemente da dimensão e
do local em que o cliente se encontre.
O próprio trabalho não teve por objeto um tema muito em específico e
controverso da fiscalidade, mas outrossim, o de “arquitetar” uma ferramenta de
trabalho que evite ou elimine eventuais controvérsias que possam existir
sempre que lidamos com CIT systems diferentes do nosso, preenchendo,
simultaneamente, uma lacuna que senti ao terminar o meu mestrado, que era a
necessidade de “arrumar as ideias”, sintetizando e reunindo num único quadro
conceptual os muitos e preciosos conhecimentos transmitidos por uma equipa
de docentes extremamente competente e especializada, e em relação à qual
estarei eternamente grato, tanto na Católica Global School of Law, como no
ISEG/UTL.
Reconheço, de igual forma, que foi um tema audaz, arrojado, com um forte
cunho pessoal, por ventura um pouco diferente do “habitual”, mas,
seguramente, muito arriscado, e cuja aceitação poderá pender entre dois
extremos diametralmente opostos. Poderia, perfeitamente, ter-me debruçado
sobre um tema particular e “polémico” de fiscalidade (são tantos, que o mais
difícil seria escolhê-lo …). Mas não: quis ser diferente, quis sair da “zona de
conforto”, quis ser, numa palavra, criativo…
31
Pelo menos uma coisa é garantida: qualquer que seja a decisão final do
reputado júri, e mesmo que não me sejam concedidos a honra e o privilégio de
representar o meu país na final de Boston, juntamente com outros colegas das
mais diversas nacionalidades e culturas, (e desta vez, “fora dos tapetes de
Judo”, ou seja, não enquanto atleta de alta competição de Judo), só tenho a
agradecer, e em muito, a Ernest & Young pelo desafio lançado6.
Estou convicto de que me ajudará a deixar, para muita pena minha, a “boa vida
académica” e enfrentar, cheio de confiança e espirito positivo, as muitas e
difíceis adversidades que por mim esperam no mercado de trabalho.
O meu mais sincero obrigado7,
6 Em qualquer dos casos, o vencedor nacional poderá sempre utilizar o referido quadro
conceptual na finalíssima de Boston, se achar que lhe proporcionará uma vantagem
competitiva face aos colegas dos restantes países, aquando da resolução dos “cases studies”.
Apesar do referido quadro ainda estar em vias de patenteamento, terei todo o gosto em
partilhá-lo.
7 Email: [email protected]
Tlm: 91 861 15 75