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CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DE LEIS INCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS Revista dos Tribunais | vol. 926 | p. 571 | Dez / 2012DTR\2012\451079 Georges Abboud Mestre e Doutorando em direitos e difusos coletivos pela PUC-SP. Advogado. Área do Direito: Constitucional Resumo: 0 artigo tem por escopo examinar udecisão do STF em que foi realizado controle difuso de constitucionalidade em sede de ação coletiva, mais precisamente, o controle de constitucionalidade de lei produzida antes da Constituição vigente. Palavras-chave: Controle difuso de constitucionalidade - Ação coletiva. Abstract: The article aims at examining a STF (Supreme Court) decision in which it was exerted a judicial review of class action, more precisely, the constitutionality control of a act proclaimed before the Constitution in effect. Keywords: judicial review-Class action. Sumário: A)ACÓRDÃO - B)COMENTÁRIO - 3.A POSSIBILIDADE DE SE REALIZAR CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO EM AÇÃO COLETIVA. A INCONSTITUCIONALIDADE OU A NÃO RECEPÇÃO DA LEI INCONSTITUCIONAL COMO CAUSA DE PEDIR - 4.CONSIDERAÇÃO FINAL: O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO COLETIVO A) ACÓRDÃO STF - AgRg nos EDcl no RE 633.195/SP - 1.ª T. - j. 12.06.2012 -v.u.- rel. Min. DiasToffoli - DJe 29.06.2012 -Área do Direito: Constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Ação civil pública - Declaração incidental - Admissibilidade - Meio adequado para arguir incompatibilidade de norma pré-constitucional com a atual Constituição quando configurar tão somente a causa de pedir da ação. AgRg nos EDcl no RE 633.195/São Paulo. Relator: Min. Dias Toffoli. Agravante: União - advogado: Advogado-Geral da União. Agravados: Ministério Público Federal - Procurador: Procurador-Geral da República; Caixa Econômica Federal - advogado: Antonio José Camilo do Nascimento; Banco Comercial e de Investimento Sudameris S.A. - advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes; Banco Bandeirantes S.A. e outros - advogados: Eduardo Arruda Alvim e outros; e Banco Antônio de Queiroz S.A. - advogado: Realsi Roberto Citadella. Ementa Oficial: Agravo regimental nos embargos de declaração no recurso extraordinário. Constitucional. Ação civil pública. Declaração incidental de incompatibilidade de norma pré-constitucional com a Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) vigente. Possibilidade. Precedentes. 1. Consoante à jurisprudência desta Corte, a ação civil pública é meio adequado para que se declare, na via incidental, a incompatibilidade do direito pré-constitucional com a Constituição vigente quando referida declaração configurar tão somente a causa de pedir da ação. 2. Agravo regimental não provido. ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da 1.ª T. do STF, sob a presidência do Sr. Min. Dias Toffoli, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DE LEIS INCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS Página 1

Controle difuso de constitucionalidade e declaração de não recepção de leis inconstitucionais em ações coletivas

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CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E DECLARAÇÃO DE NÃORECEPÇÃO DE LEIS INCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS

Revista dos Tribunais | vol. 926 | p. 571 | Dez / 2012DTR\2012\451079

Georges AbboudMestre e Doutorando em direitos e difusos coletivos pela PUC-SP. Advogado.

Área do Direito: Constitucional

Resumo: 0 artigo tem por escopo examinar udecisão do STF em que foi realizado controle difuso deconstitucionalidade em sede de ação coletiva, mais precisamente, o controle de constitucionalidadede lei produzida antes da Constituição vigente.

Palavras-chave: Controle difuso de constitucionalidade - Ação coletiva.Abstract: The article aims at examining a STF (Supreme Court) decision in which it was exerted ajudicial review of class action, more precisely, the constitutionality control of a act proclaimed beforethe Constitution in effect.

Keywords: judicial review-Class action.Sumário:

A)ACÓRDÃO - B)COMENTÁRIO - 3.A POSSIBILIDADE DE SE REALIZAR CONTROLE DECONSTITUCIONALIDADE DIFUSO EM AÇÃO COLETIVA. A INCONSTITUCIONALIDADE OU ANÃO RECEPÇÃO DA LEI INCONSTITUCIONAL COMO CAUSA DE PEDIR - 4.CONSIDERAÇÃOFINAL: O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL ESUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO COLETIVO

A) ACÓRDÃO

STF - AgRg nos EDcl no RE 633.195/SP - 1.ª T. - j. 12.06.2012 -v.u.- rel. Min. DiasToffoli - DJe29.06.2012 -Área do Direito: Constitucional.

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Ação civil pública - Declaração incidental -Admissibilidade - Meio adequado para arguir incompatibilidade de norma pré-constitucionalcom a atual Constituição quando configurar tão somente a causa de pedir da ação.

AgRg nos EDcl no RE 633.195/São Paulo.

Relator: Min. Dias Toffoli.

Agravante: União - advogado: Advogado-Geral da União.

Agravados: Ministério Público Federal - Procurador: Procurador-Geral da República; CaixaEconômica Federal - advogado: Antonio José Camilo do Nascimento; Banco Comercial e deInvestimento Sudameris S.A. - advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes; Banco Bandeirantes S.A. eoutros - advogados: Eduardo Arruda Alvim e outros; e Banco Antônio de Queiroz S.A. - advogado:Realsi Roberto Citadella.

Ementa Oficial: Agravo regimental nos embargos de declaração no recurso extraordinário.Constitucional. Ação civil pública. Declaração incidental de incompatibilidade de normapré-constitucional com a Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) vigente. Possibilidade. Precedentes.

1. Consoante à jurisprudência desta Corte, a ação civil pública é meio adequado para que sedeclare, na via incidental, a incompatibilidade do direito pré-constitucional com a Constituição vigentequando referida declaração configurar tão somente a causa de pedir da ação.

2. Agravo regimental não provido.

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da 1.ª T. do STF, sob apresidência do Sr. Min. Dias Toffoli, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas,

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por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator.

Brasília, 12 de junho de 2012 - DIAS TOFFOLI, relator.

RELATÓRIO - O Exmo. Sr. Min. Dias Toffoli (relator): União interpõe tempestivo agravo regimentalcontra decisão em que foram acolhidos os embargos de declaração por ela opostos para suprir aomissão apontada, mantendo-se, contudo, a negativa de seguimento do recurso extraordinário (f.).

Eis o teor da referida decisão:

“Vistos.

União Federal interpõe tempestivos embargos de declaração contra decisão em que negueiseguimento ao recurso extraordinário (f.), com a seguinte fundamentação:

‘Vistos.

A União interpõe recurso extraordinário (f.) contra acórdão proferido pela 4.ª T. do STJ, assimementado:

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Ação civil pública. Legitimidade ativa doMinistério Público Federal. SFH.

1. O Ministério Público Federal, em razão do relevante interesse social da matéria, tem legitimidadepara propor ação civil pública em defesa de direito individual homogêneo de mutuários do SFH” (f.).

Interpostos sucessivos embargos de declaração (f.), foram rejeitados (f.), à exceção deste último,acolhido para sanar omissão e afastar a condenação em pena de multa.

Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea a do Permissivo Constitucional, contra supostaviolação do art. 102, I, a e § l.º, da CF ( LGL 1988\3 ) , consubstanciada pelo reconhecimento dalegitimidade ativa do recorrido para o ajuizamento da presente ação civil pública, bem assim peloreconhecimento da adequação da via para tanto eleita pelo autor da ação.

O recurso foi contra-arrazoado (f.) e, admitido, na origem (f.), vieram os autos a este Tribunal.

Decido.

Anote-se, inicialmente, que o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão publicado após03.05.2007, quando já era plenamente exigível a demonstração da repercussão geral da matériaconstitucional objeto do recurso, conforme decidido na QO no AgIn 664.567/RS, Pleno, rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ 06.09.2007.

Todavia, apesar da petição recursal haver trazido a preliminar sobre o tema, não é de se proceder aoexame de sua existência, uma vez que, nos termos do art. 323 do RISTF ( LGL 1980\17 ) , com aredação introduzida pela ER 21/07, primeira parte, o procedimento acerca da existência darepercussão geral somente ocorrerá “quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso poroutra razão”.

E, no caso presente, não merece prosperar a irresignação, uma vez que o acórdão atacadoreconheceu que o recorrido efetivamente detém legitimidade ativa para o ajuizamento da ação queintentou contra diversas instituições financeiras, demanda essa que tinha por objeto compeli-las aabster-se de promover a execução extrajudicial de contratos de financiamento imobiliário por elasrealizados.

Tal decisão encontra-se em perfeita consonância com a pacífica jurisprudência desta Suprema Cortea respeito do tema, no sentido de que os membros do Ministério Público concorrem com interesse deagir, bem como detêm legitimidade ativa para a propositura de ações civis públicas também nadefesa de interesses individuais homogêneos, notadamente quando se trata de interesses derelevante valor social, como se dá na hipótese retratada nestes autos.

Tal ocorre pelo menos desde o julgamento, pelo Plenário do STF, do RE 163.231/SP, relatado peloilustre Min. Maurício Corrêa, do qual se transcreve sua ementa:

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“Recurso extraordinário constitucional. Legitimidade do Ministério Público para promover ação civilpública em defesa dos interesses difusos, coletivos e homogêneos. Mensalidades escolares:capacidade postulatória do Parquet para discuti-las em juízo. 1. A Constituição Federal ( LGL 1988\3) confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicionaldo Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interessessociais e individuais indisponíveis (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 127). 2. Por isso mesmo detém oMinistério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penalpública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mastambém de outros interesses difusos e coletivos (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 129, I e III). 3. Interessesdifusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmascircunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoasdetermináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. Aindeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daquelesinteresses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm amesma origem comum (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11.09.1990), constituindo-se em subespécie dedireitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesseshomogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos,explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, queconquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuaispara o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalísticadestina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadasmensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civilpública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesseshomogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado poresse meio processual como dispõe o art. 129, III, da CF ( LGL 1988\3 ) . 5.1. Cuidando-se de temaligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF (LGL 1988\3 ) , art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente alegitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interessescoletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo,recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegadailegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade,determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação” (DJ29.06.2001).

Tal entendimento vem sendo reiteradamente seguido nesta Suprema Corte, como se colhe dorecente julgamento proferido por sua 2.ª T., nos autos do AgRg no AgIn 718.547/SP, relatado peloeminente Min. Eros Grau, cuja ementa assim dispõe:

“Agravo regimental no agravo de instrumento. Reexame de provas. Ministério Público Federal.Legitimidade ativa. 1. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmulas279 ( MIX 2010\2004 ) e 454 ( MIX 2010\2178 ) do STF. 2. O Ministério Público tem legitimidadeativa para propor ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente,mas também de outros interesses difusos e coletivos. Agravo regimental a que se nega provimento” (DJe 07.11.2008).

Também em face de interesses tidos como disponíveis essa legitimação se faz presente, máxime emhipóteses de relevante interesse social, como ocorre na situação fática retratada nestes autos, emque se está a defender interesses de pessoas que firmaram contratos de financiamento imobiliário,com vistas a adquirir imóvel próprio.

Em abono aos precedentes já colacionados aos autos, transcrevo as ementas dos seguintesjulgados:

“Direitos individuais homogêneos - Segurados da previdência social - Certidão parcial de tempo deserviço - Recusa da autarquia previdenciária - Direito de petição e direito de obtenção de certidão emrepartições públicas - Prerrogativas jurídicas de índole eminentemente constitucional - Existência derelevante interesse social - Ação civil pública - Legitimação ativa do Ministério Público - A funçãoinstitucional do Ministério Público como ‘defensor do povo’ (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 129, II) - Doutrina- Precedentes - Recurso de agravo improvido. - O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, deextração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinadacoletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou

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coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. - A injusta recusa estatal em fornecercertidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará autilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própriaação civil pública. - O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos einteresses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucedecom o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina.Precedentes” (AgRg no RE 472.489/RS, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJe 29.08.2008).

“Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ação civil pública. Interesse individual homogêneo.3. Relevância social. Ministério Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência dominante. 5. Agravoregimental a que se nega provimento” (AgRg no AgIn 516.419/PR, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes,DJe 30.11.2010).

Pode-se, ainda, citar a ementa do seguinte e recente precedente, da 1.ª T. desta Suprema Corte, nomesmo sentido:

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Processual civil e constitucional. 1. Recurso especialparcialmente provido. Recurso extraordinário prejudicado. Precedentes. 2. Legitimidade ativa doMinistério Público para a defesa de direitos difusos, coletivos e homogêneos. Precedentes. Agravoregimental ao qual se nega provimento” (AgRg no RE 599.529/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe01.07.2011).

E, em arremate, a ementa do seguinte precedente específicos sobre o tema:

“1. Legitimidade para a causa. Ativa. Caracterização. Ministério Público. Ação civil pública. Demandasobre contratos de financiamento firmados no âm-bito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH.Tutela de diretos ou interesses individuais homogêneos. Matéria de alto relevo social. Pertinência aoperfil institucional do Ministério Público. Inteligência dos arts. 127 e 129, III e IX, da CF ( LGL 1988\3) . Precedentes. O Ministério público tem legitimação para ação civil pública em tutela de interessesindividuais homogêneos dotados de alto relevo social, como os de mutuários em contratos definanciamento pelo Sistema Financeiro da Habitação. 2. Recurso. Embargos de declaração. Acórdão.Correção de erro material na ementa. Revogação de condenação ao pagamento de multa porlitigância de má-fé. Embargos acolhidos, em parte, para esses fins. Embargos de declaração servempara corrigir erro material na redação da ementa do acórdão embargado, bem como para excluircondenação ao pagamento de multa, quando descaracterizada litigância de má-fé” (EDcl no AgRg noRE 470.135/MT, 2.ª T., rel. Min. Cezar Peluso, DJe 29.06.2007).

Dessa pacífica orientação não se apartou o acórdão recorrido, razão pela qual, nego provimento aorecurso’.

Sustenta a embargante, in verbis, que:

‘O recurso extraordinário interposto pela União às f. impugnou tão somente a questão dainadequação da via eleita pelo Ministério Público Federal, considerando-se a inexistência de um casoconcreto a ser discutido nos autos. Alegou-se, no apelo extremo, a intenção do Parquet de se utilizardo instrumento da ação civil pública para realizar controle de constitucionalidade em abstrato oureconhecer a não recepção da norma que regula a execução extrajudicial no âmbito do SistemaFinanceiro de Habitação, o que se admite tão somente pela via da ação direta deinconstitucionalidade.

(…)

O recurso extraordinário interposto, todavia, foi desprovido por meio da decisão de f. Tal decisãofundamentou-se exclusivamente na questão da legitimidade ativa do Ministério Público para oajuizamento de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos. A decisãomonocrática, portanto, divergiu das razões recursais apresentadas pela União para impugnar oacórdão recorrido.

Por esse motivo, a União respeitosamente requer o conhecimento e o subsequente provimento dospresentes embargos de declaração, para o fim de que seja suprida a omissão apontada’ (f.).

Decido.

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Tem razão a embargante quanto à omissão apontada. De fato, no recurso extraordinário, a Uniãosustenta violação do ‘art. 102, I, a e § 1.º, da CF ( LGL 1988\3 ) , por não ser a presente ação civilpública ajuizada via adequada para o questionamento em abstrato da constitucionalidade de norma,mesmo que seja de direito pré- -constitucional’ (f.).

Aduz que ‘a ação civil pública não se prestaria à declaração de inconstitucionalidade do instituto daexecução extrajudicial/revogação, por não versar sobre qualquer caso concreto, não se dando essaanálise incidenter tantum, na presente ação’ (f.).

Afirma, também, que ‘sob pena de se usurpar a competência constitucional do STF, de julgamentoabstrato de constitucionalidade/recepção de normas, impende que seja restaurado o venerandoacórdão proferido pelo TRF-3.ª Reg., e reformado pela 4.ª T. do STJ, sob o entendimento de ser aação civil pública via inadequada para discussão de constitucionalidade de direito pré-constitucional,quando objeto do pedido principal a não aplicação da lei, não estando sob discussão qualquer casoconcreto’ (f.).

Contudo, o certo é que, mesmo que suprida a omissão suscitada, o recurso extraordinário nãomerece prosperar.

E isso, porque no caso dos presentes autos, a ação civil pública não foi proposta pelo MinistérioPúblico com o objetivo de obter a declaração de inconstitucionalidade do Dec.-lei 70/1966, mas, sim,de que o mesmo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

Com efeito, a pretensão de que o referido decreto não foi recepcionado pela Carta Magna ( LGL1988\3 ) de 1988 configura, tão somente, a causa de pedir da ação civil ação civil pública emquestão, sem representar, todavia, o seu pedido principal.

Dessa forma, é certo que o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência destaCorte, que firmou entendimento no sentido de reconhecer o cabimento da ação civil pública comoinstrumento legítimo de fiscalização incidental de constitucionalidade.

Nesse sentido, destaco o acórdão do RE 511.961/SP, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, assimementado na parte que interessa:

‘(…)

3. Cabimento da ação civil pública. A não recepção do Dec.-lei 972/1969 pela Constituição de 1988constitui a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamentede acordo com a jurisprudência desta Corte. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenasquestão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não seu pedido único e principal.Admissibilidade da utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental deconstitucionalidade. Precedentes do STF.’

Dadas as preciosas lições que encerra para o deslinde da controvérsia instaurada nestes autos,transcrevo trecho da fundamentação do voto proferido pelo relator do referido julgado, que bemaborda a questão:

‘(…)

A ação civil pública não se confunde, pela própria forma e natureza, com processos cognominadosde “processos subjetivos”. A parte ativa, nesse processo, não atua na defesa de interesse próprio,mas procura defender interesse público devidamente caracterizado. Afigura-se difícil, se nãoimpossível, sustentar que a decisão que, eventualmente, afaste a incidência de uma lei consideradainconstitucional, em ação civil pública, tenha efeito limitado às partes processualmente legitimadas.

A ação civil pública aproxima-se muito de processo sem partes ou de processo objetivo, no qual aparte autora atua não na defesa de situações subjetivas, agindo, fundamentalmente, com o escopode garantir a tutela do interesse público. Não foi por outra razão que o legislador, ao disciplinar aeficácia da decisão proferida na ação civil, viu-se compelido a estabelecer que “a sentença civil farácoisa julgada erga omnes”. Isso significa que, se utilizada com o propósito de proceder ao controlede constitucionalidade, a decisão que, em ação civil pública, afastar a incidência de dada norma poreventual incompatibilidade com a ordem constitucional acabará por ter eficácia semelhante à das

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ações diretas de inconstitucionalidade, isto é, eficácia geral e irrestrita.

Assim, já o entendimento do STF no sentido de que essa espécie de controle genérico daconstitucionalidade das leis constituiria atividade política de determinadas Cortes realça aimpossibilidade de utilização da ação civil pública com esse objetivo. Ainda que se pudesseacrescentar algum outro desiderato adicional a uma ação civil pública destinada a afastar aincidência de dada norma infraconstitucional, é certo que o seu objetivo precípuo haveria de ser aimpugnação direta e frontal da legitimidade de ato normativo. Não se trataria de discussão sobreaplicação de lei a caso concreto, porque de caso concreto não se cuida. Pelo contrário, a própriaparte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de interesseespecífico, mas exatamente de interesse genérico amplíssimo, de interesse público. Ter-se-ia, pois,uma decisão (direta) sobre a legitimidade da norma.

É certo que, ainda que se desenvolvam esforços no sentido de formular pretensão diversa, toda vezque, na ação civil pública, ficar evidente que a medida ou providência que se pretende questionar é aprópria lei ou ato normativo, restará inequívoco que se trata mesmo é de impugnação direta de lei.Nessas condi- ções, para que não se chegue a um resultado que subverta todo o sistema de controlede constitucionalidade adotado no Brasil, tem-se de admitir a completa inidoneidade da ação civilpública como instrumento de controle de constitucionalidade, seja porque ela acabaria por instaurarum controle direto e abstrato no plano da jurisdição de 1.º grau, seja porque a decisão haveria de ter,necessariamente, eficácia transcendente das partes formais.

Nesse sentido, afigura-se digno de referência acórdão no qual o STF acolheu reclamação que lhe foisubmetida pelo Procurador-Geral da República, determinando o arquivamento de ações ajuizadasnas 2.ª e 3.ª Varas da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, por entender caracterizada ausurpação de competência da Corte, uma vez que a pretensão nelas veiculada não visava aojulgamento de uma relação jurídica concreta, mas ao da validade de lei em tese.

Essa orientação da Suprema Corte reforçava, aparentemente, a ideia desenvolvida de que eventualesforço dissimulatório por parte do requerente da ação civil pública ficaria ainda mais evidente,porquanto, diversamente da situação aludida no precedente referido, o autor requer tutela genéricado interesse público, devendo, por isso, a decisão proferida ter eficácia erga omnes. Assim, eventualpronúncia de inconstitucionalidade da lei levada a efeito pelo juízo monocrático teria força idêntica àda decisão proferida pelo STF no controle direto de inconstitucionalidade. Todavia, o STF julgouimprocedente a Rcl 602-6/SP, de que foi relator o Min. Ilmar Galvão, em data de 03.09.1997, cujoacórdão está assim ementado:

“Reclamação. Decisão que, em ação civil pública, condenou instituição bancária a complementar osrendimentos de caderneta de poupança de seus correntistas, com base em índice até então vigente,após afastar a aplicação da norma que o havia reduzido, por considerá-la incompatível com aConstituição. Alegada usurpação da competência do STF, prevista no art. 102, I, a, da CF ( LGL1988\3 ) . Improcedência da alegação, tendo em vista tratar-se de ação ajuizada, entre partescontratantes, na persecução de bem jurídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordempatrimonial, objetivo que jamais poderia ser alcançado pelo reclamado em sede de controle inabstracto de ato normativo. Quadro em que não sobra espaço para falar em invasão, pela cortereclamada, da jurisdição concentrada privativa do STF. Improcedência da reclamação”.

No mesmo dia (03.09.1997) e no mesmo sentido, o julgamento da Rcl 600-0/ SP, relatada pelo Min.Néri da Silveira. Essa orientação do STF permite, aparentemente, distinguir a ação civil pública quetenha por objeto, propriamente, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo deoutra na qual a questão constitucional configura simples prejudicial da postulação principal. É o quefoi afirmado na Rcl 2.224, da relatoria de Sepúlveda Pertence, na qual se enfatizou que “ação civilpública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta comocausa de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à açãodireta de inconstitucionalidade”. Não se pode negar que a abrangência que se empresta - e que sehá de emprestar - à decisão proferida em ação civil pública permite que, com uma simples decisãode caráter prejudicial, se retire qualquer efeito útil da lei, o que acaba por constituir, indiretamente,uma absorção de funções que a Constituição quis deferir ao STF.

Colocado novamente diante desse tema no julgamento da Rcl 2.460/RJ, o tribunal arrostou aquestão da existência, ou não, de usurpação de sua competência constitucional (CF ( LGL 1988\3 ) ,art. 102, I, a), em virtude da pendência do julgamento da ADIn 2.950/RJ e do deferimento de

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liminares em diversas ações civis públicas ajuizadas perante juízes federais e estaduais dasinstâncias ordinárias, sob o fundamento de inconstitucionalidade da mesma norma impugnada emsede direta. Entendeu-se que, ainda que se preservassem os atos acautelatórios adotados pelajustiça local, seria recomendável determinar a suspensão de todas as ações civis até a decisãodefinitiva em sede da ação direta. Ressaltou-se, no ponto, que a suspensão das ações decorria nãoda sustentada usurpação da competência, mas, sim, do objetivo de coibir eventual trânsito emjulgado nas referidas ações, com o consequente esvaziamento da decisão a ser proferida nos autosda ação direta.

Essa decisão revela a necessidade de abertura de um diálogo ou de uma interlocução entre osmodelos difuso e abstrato, especialmente nos casos em que a decisão no modelo difuso, como é ocaso da decisão de controle de constitucionalidade em ação civil pública, acaba por ser dotada deeficácia ampla ou geral. As especificidades desse modelo de controle, o seu caráter excepcional, orestrito deferimento dessa prerrogativa no que se refere à aferição de constitucionalidade de lei ouato normativo estadual ou federal em face da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) apenas aoSupremo, a legitimação restrita para provocação do Supremo - somente os órgãos e entes referidosno art. 103 da CF ( LGL 1988\3 ) estão autorizados a instaurar o processo de controle -, a dimensãopolítica inegável dessa modalidade, enfim, tudo leva a não se admitir o controle de legitimidade de leiou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição, no âmbito da ação civil pública.

No quadro normativo atual, poder-se-ia cogitar, nos casos de controle de constitucionalidade emação civil pública, de suspensão do processo e remessa da questão constitucional ao STF, viaarguição de descumprimento de preceito fundamental, mediante provocação do juiz ou tribunalcompetente para a causa. Simples alteração da Lei 9.882/1999 e da Lei 7.347/1985 poderia permitira mudança proposta, elidindo a possibilidade de decisões conflitantes, no âmbito das instânciasordinárias e do STF, com sérios prejuízos para a coerência do sistema e para a segurança jurídica.

No caso, está claro que a não recepção do Dec.-lei 972/1969 pela Constituição de 1988 constituiapenas a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamentede acordo com a jurisprudência desta Corte, já pacificada, como apresentado acima, no sentido deque é legítima a utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental deconstitucionalidade, desde que a controvérsia constitucional não seja posta como pedido único eprincipal da ação, mas, antes, constitua apenas questão prejudicial indispensável à solução do litígio(Rcl 1.733/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ 01.12.2000; Rcl 554/MG, rel. Min. Maurício Corrêa; Rcl61l/PE, rel. Min. Sydney Sanches; RE 424.993/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 19.10.2007).

Nesse mesmo sentido, anote-se:

“Constitucional. Recurso extraordinário. Ofensa à constituição. Ministério público. Ação civil pública.Legitimidade. I. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recursoextraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. - AoJudiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando- -a. Se,em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo dalegalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. III. - O Ministério Público tem legitimidade parapropor ação civil pública, fundamentada em inconstitucionalidade de lei, na qual opera-se apenas ocontrole difuso ou incidenter tantum de constitucionalidade. Precedente. IV. - Agravo não provido”(AgRg no AgIn 504.856/DF, 2.ª T., rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.10.2004).

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para, tão somente, suprir a omissão apontadasem, contudo, modificar a parte dispositivo da decisão embargada.

Publique-se”.

Aduz a agravante, in verbis, que:

“A decisão ora agravada afirmou que ‘no caso dos presentes autos, a ação civil pública não foiproposta pelo Ministério Público com o objetivo de obter a declaração de inconstitucionalidade doDec.-lei 70/1966, mas sim, de que o mesmo não fosse recepcionado pela Constituição Federal de1998‘ (f. - sem destaques no original).

Reconheceu-se, desse modo, que se trata de processo de controle concentrado deconstitucionalidade, de natureza objetiva.

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE EDECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DE LEISINCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS

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A declaração judicial de que determinada norma pré-constitucional não fora recepcionada pelaConstituição de 1988 configura, ao fim e ao cabo, objeto de Ação de descumprimento de preceitofundamental (ADPF) (…)” (f.).

É o relatório.

VOTO - O Exmo. Sr. Min. Dias Toffoli (relator): O inconformismo não merece prosperar.

Colhe-se da petição inicial da ação civil pública proposta pelo Ministério Público na origem:

“No mérito, pede o autor que V. Exa. determine aos réus:

a) o cumprimento de obrigação de não fazer, a fim de que se abstenham de executar extrajudicialmente a retomada dos imóveis com amparo nos arts. 31 e 32 do Dec.-lei 70/1966, com aalteração do art. l.º, primeira parte, da Lei 5.741/1971, e arts. 19 e 21 da Lei 8.004/1990;

b) o cumprimento de obrigação de fazer, de modo a que passem a observar o devido processo legalna eventualidade de retomada dos imóveis cujas prestações estejam atrasadas” (f.).

Desse modo, extrai-se dos autos que a pretensão ministerial não era a declaração em si da nãorecepção do Dec.-lei 70/1966 pela CF/1988 ( LGL 1988\3 ) , mas tão somente a causa de pedir daação, que foi proposta com o intuito de evitar a execução extrajudicial dos contratos do SistemaFinanceiro de Habitação celebrados sob a égide do referido diploma normativo, sendo esse,portanto, o objeto e o pedido da ação civil pública.

Correta, destarte, a decisão monocrática que, consoante a jurisprudência desta Corte, afirmou que aação civil pública é meio adequado para que se declare, na via incidental, a incompatibilidade dodireito pré-constitucional com a Constituição vigente, quando referida declaração configurar tãosomente a causa de pedir da ação, como se dá no caso dos autos.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

“Agravo regimental em recurso extraordinário. Ação civil pública. Pedido incidental deinconstitucionalidade. Possibilidade. Acórdão recorrido calçado em premissa afastada pelajurisprudência do STF. Matéria devidamente prequestionada. 1. A adoção explícita, pela instânciajudicante de origem, de tese afastada pela jurisprudência do STF evidencia o debate da matériaconstitucional deduzida no extraordinário. 2. É pacífico nesta Casa de Justiça a possibilidade dereconhecimento de inconstitucionalidade como pedido incidental em ação civil pública. Precedentes:AgRg no AgIn 557.291, da minha relatoria; e AgRg em RE 645.508, da relatoria da Min. CármenLúcia. 3. Agravo regimental desprovido” (AgRg em RE 372.571/GO, 2.ª T., rel. Min. Ayres Britto, DJe26.04.2012).

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Declaração de inconstitucionalidadeincidenter tantum na ação civil pública: possibilidade. Precedentes. Agravo regimental ao qual senega provimento” (AgRg no RE 645.508/ SP, 1.ª T., rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 13.12.2011).

“Recurso extraordinário. Ação civil pública. Controle de constitucionalidade. Ocupação delogradouros públicos no Distrito Federal. Pedido de inconstitucionalidade incidenter tantum da Lei754/1994 do Distrito Federal. Questão de ordem. Recurso do Distrito Federal desprovido. Recurso doMinistério Público do Distrito Federal prejudicado. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Públicodo Distrito Federal com pedidos múltiplos, dentre eles, o pedido de declaração deinconstitucionalidade incidenter tantum da Lei distrital 754/1994, que disciplina a ocupação delogradouros públicos no Distrito Federal. Resolvida questão de ordem suscitada pelo relator nosentido de que a declaração de inconstitucionalidade da Lei 754/1994 pelo TJDF não tornaprejudicado, por perda de objeto, o recurso extraordinário. A jurisprudência do STF tem reconhecidoque se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública,desde que incidenter tantum. Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar adeclaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes. No caso, o pedido de declaração deinconstitucionalidade da Lei 754/1994 é meramente incidental, constituindo-se verdadeira causa depedir. Negado provimento ao recurso extraordinário do Distrito Federal e julgado prejudicado orecurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público do Distrito Federal” (RE 424.993/DF, Pleno,rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 19.10.2007).

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE EDECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DE LEISINCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS

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Ressalte-se, por fim, que a ação de descumprimento de preceito fundamental é meio processualtípico do controle concentrado, apto a retirar a norma pré- -constitucional impugnada doordenamento jurídico, com eficácia erga omnes e efeito vinculante.

Nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DE ATA - 1.ª T.; AgRg nos EDcl no RE 633.195; procedência: São Paulo; relator: Min.Dias Toffoli; agravante: União - advogado: Advogado-Geral da União; agravado: Ministério PúblicoFederal - procurador: Procurador-Geral da República, Caixa Econômica Federal - advogado: AntonioJosé Camilo do Nascimento. Banco Comercial e de Investimento Sudameris S.A. - advogado: OsmarMendes Paixão Côrtes, Banco Bandeirantes S.A e outros - advogado: Eduardo Arruda Alvim e outrose Banco Antônio de Queiroz S.A - advogado: Realsi Roberto Citadella.

Decisão: “A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator. Unânime.Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os Srs. Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux.Presidência do Sr. Min. Dias Toffoli. 1.ª T., 12.06.2012”.

Presidência do Sr. Min. Dias Toffoli. Presentes à Sessão os Srs. Ministros Marco Aurélio, CármenLúcia, Luiz Fux e Rosa Weber.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Carmen Lilian Oliveira de Souza, secretária da 1.ª T.B) COMENTÁRIO

1. BREVE SÍNTESE DA DECISÃO E EXPOSIÇÃO DAS QUESTÕES JURÍDICAS A SEREMCOMENTADAS

O recurso extraordinário em que se interpôs este agravo regimental1 deu-se em face de acórdão da4.ª T. do STJ, que decidiu que o Ministério Público tem legitimidade ativa para, por meio de AçãoCivil Pública (ACP), defender em juízo direito individual homogêneo de mutuário do SistemaFinanceiro da Habitação (SFH), em razão do relevante interesse social da matéria.

Por meio do recurso extraordinário, a União, derrotada no STJ, insurgiu- -se, primeiro, contra oreconhecimento da legitimidade ativa do MP para o ajuizamento da ACP, e segundo, contra aadequação da ACP para o controle abstrato de constitucionalidade e o controle da compatibilidadedo direito pré-constitucional com a Constituição Federal de 1988, sustentando tratar- -se esta decompetência exclusiva do STF, nos termos do art. 102, I, a, da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) .

No mérito do recurso extraordinário em tela, a 1.ª T. do STF decidiu, não destoando da decisão doSTJ, que o MP detém legitimidade ativa para propor esse tipo de ação (ACPs), inclusive no tipo decontexto de relevante valor social, como no caso. Na decisão, citando também diversos precedentesdo STF nesse sentido, a 1.ª T. negou provimento ao recurso extraordinário. Essa decisãodenegatória, porém, deixou de analisar a questão da adequação da ACP como meio de controledireto e abstrato de constitucionalidade, suscitada pela União em seu recurso.

Essa omissão deu ensejo à oposição de embargos de declaração pela União, apontando essaomissão e pleiteando o provimento do recurso extraordinário com base nessa questão, que deixoude ser analisada no julgamento.

Na decisão dos embargos de declaração, entendeu-se que, de fato, o acórdão era omisso quanto aoponto. Todavia, a 1.ª T. do STF considerou que, no mérito dessa questão, não assiste razão à União,porque o problema da recepção, ou não, da norma pré-constitucional discutida no caso (o Dec.-lei70/1966) pela ordem constitucional de 1988, figura na causa de pedir da ACP, e não sendo o seupedido. Assim, a questão constitucional é questão incidental, não é a principal, daí que a ACP nãopoderia meramente equiparada à ação direta de inconstitucionalidade.

Outrossim, conforme diversos julgados colacionados, é plenamente admissível que a questãoconstitucional seja julgada em sede incidental na ACP, sem que tal controle se confunda com ocontrole direto e abstrato, consoante explanaremos ao longo do comentário. Portanto, não há ainadequação sustentada pela União, porque a ACP não visa ao controle direto, mas, sim, ao

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incidental. Os embargos de declaração, embora conhecidos, não prosperaram em favor da tese daUnião.

Inconformada, a União interpôs, finalmente, o agravo regimental em análise, sustentando que, nocaso, a ACP não foi proposta pelo MP visando obter a declaração incidental da inconstitucionalidadedo Dec.-lei 70/1966, mas objetivando, sim, a não recepção desse decreto-lei pela ConstituiçãoFederal de 1988. Com isso, alega a União, transforma-se o controle incidental, feito em ACP, emcontrole direto, de natureza objetiva, porque a declaração judicial de que determinada normapré-constitucional não foi recepcionada configura objeto da ação de descumprimento de preceitofundamental, instrumento do controle direto de constitucionalidade.

Na decisão do agravo regimental em tela, foi negado provimento, porque a declaração de nãorecepção do Dec.-lei 70/1966 não consiste no objeto principal da ACP, mas configura uma de suascausas de pedir. O objetivo do MP, por meio da ACP, não foi obter tal declaração, mas evitar aexecução extrajudicial dos contratos do Sistema Financeiro da Habitação celebrados sob a égide doDec.-lei 70/1966, fundando tal pedido na não recepção de tal decreto-lei pela Constituição Federal de1988. Esta é a causa de pedido da ACP; o pedido na ação é outro: o cumprimento da obrigação denão fazer, consistente em não executar extrajudicialmente os contratos do SFH firmados sob a égidedo Dec.-lei 70/1966. A decisão do agravo regimental, ora comentado, cita precedentes nesse sentidoe ressalta, por fim, que a ação de descumprimento de preceito fundamental é instrumento típico docontrole concentrado (rectius: controle direto), apto a retirar a norma pré-constitucional impugnada doordenamento jurídico (rectius novamente: declaração da não recepção), com eficácia erga omnes eefeito vinculante.

Nesse contexto, nosso comentário cingir-se-á à análise de dois pontos fundamentais: (a) a questãoda não recepção de leis anteriores à Constituição vs. declaração de inconstitucionalidadesuperveniente; e (b) exame da possibilidade de se realizar controle difuso e a declaração de nãorecepção de leis inconstitucionais.2. A QUESTÃO DA NÃO RECEPÇÃO DAS LEIS ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Em regra, a jurisprudência do STF considera que as leis anteriores à Constituição Federal ( LGL1988\3 ) não podem ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, porquanto, o correto seriaconsiderar essas leis não recepcionadas pelo vigente diploma constitucional.2

2.1 A questão da inconstitucionalidade superveniente

Em nossa ordem jurídica, não há a figura do controle de constitucionalidade superveniente, tal qualconsta na Constituição portuguesa na alínea 2 do art. 282.3

Nesse contexto, a doutrina constitucional portuguesa distingue a inconstitucionalidade originária dasuperveniente.

A supramencionada distinção refere-se ao momento de produção do texto constitucional. Porconsequência, caso surja lei posterior ao texto constitucional vigente, ficará configurada ainconstitucionalidade originária, vale dizer, desde seu nascedouro (origem) a lei já seriainconstitucional. Por outro lado, se é produzido um novo texto constitucional, que torna desconformea lei preexistente, caracteriza-se a inconstitucionalidade superveniente.4

Na definição de Canotilho, a inconstitucionalidade superveniente materializa-se no instante em quesurge uma nova Constituição ou uma lei de revisão constitucional que estabeleça disciplinanormativa em regras ou princípios contrários às leis anteriores.5

2.2 O fenômeno da não recepção das leis inconstitucionais

Por inexistir dispositivo constitucional autorizando controle de constitucionalidade de lei anterior àConstituição Federal ( LGL 1988\3 ) , o mecanismo a ser utilizado para revogar essas leis é adeclaração de não recepção dessas normas com a Constituição vigente por meio do controle difusoou mediante a utilização da APDF na via concentrada.

Na realidade, quando se põe a questão da revogação vs. declaração de inconstitucionalidade de leianterior à Constituição, a coerência dessa diferenciação é a de que não se pode exigir o mesmo rigor

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procedimental para se examinar a conformidade constitucional de uma lei anterior ao regimeconstitucional em relação àquela promulgada sob a égide do vigente sistema constitucional e que,em tese, teria se submetido aos procedimentos do novo processo legislativo instituído pelo textoconstitucional.

Importante salientar que o menor rigor refere-se ao aspecto procedimento e não qualitativo acerca daconstitucionalidade. Esse rigorismo diminuído diz refere-se, por exemplo, à desnecessidade de ostribunais submeterem-se à reserva de plenário (art. 97 da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) ) para declarar anão recepção de uma lei ou então, à impossibilidade de se examinar a inconstitucionalidade por víciodo processo legislativo de lei anterior à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) vigente, e.g., o CódigoTributário Nacional ( LGL 1966\26 ) .

Ou seja, não faz sentido submeter ao mesmo rigorismo procedimental a aferição daconstitucionalidade de uma lei produzida anteriormente à Constituição vigente em relação àqueleelaborada sob a égide da Constituição em vigor.

A distinção entre não recepção e declaração de inconstitucionalidade não é meramente teórica, elapossui reflexos prático-procedimentais no que diz respeito à necessidade de aplicação da reserva deplenário (art. 97 da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) ) para a desaplicação da lei inconstitucional por parte denossos tribunais. Portanto, dispensa a regra do full bench, o afastamento de lei inconstitucionalproduzida antes da Constituição vigente.6

Em verdade, apesar das diferenças procedimentais, tanto a revogação de lei anterior à Constituição,quanto a declaração de inconstitucionalidade, têm por vício a própria inconstitucionalidade.

Acerca da questão, Canotilho ensina que no fenômeno da não recepção, há uma contrariedade denível hierárquico-normativo (lei anterior contrária à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) ) e umproblema temporal de revogação (leis que se sucedem no tempo). Daí que nenhum tribunal podeaplicar lei anterior à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) que seja inconstitucional. Todavia, elasomente considera-se revogada por ser considerada contrária à Constituição.7

No mesmo sentido, Lucio Bittencourt afirma que: “uma lei incompatível com a Constituição é,sempre, na técnica jurídica pura, uma lei inconstitucional, pouco importando que tenha precedido oEstatuto Político ou lhe seja posterior. A revogação é consequência da inconstitucionalidade”.8

Ademais, justamente pelo vício ter a mesma origem, qual seja, a inconstitucionalidade, é que seadmite recurso extraordinário com fundamento no art. 102, III, b contra decisão que declarar ainconstitucionalidade de lei ou tratado, ainda que anteriores à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) .9

2.3 O controle concentrado de constitucionalidade de leis anteriores à Constituição. Autilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental

Atualmente, o art. 1.º, parágrafo único, I, da Lei 9.882/1999 estabeleceu a possibilidade de se fazer ocontrole de constitucionalidade (recepção) de leis anteriores à Constituição por meio da ação dedescumprimento de preceito fundamental.10

O fato de ser autorizada a utilização da arguição para controlar a constitucionalidade de leisanteriores ao regime constitucional vigente, não contraria necessariamente a jurisprudência do STF.Na realidade, essa previsão, para uso da ação de descumprimento de preceito fundamental, tem porescopo preservar segurança jurídica quando houver divergência acerca da recepção ou não sobredeterminadas leis.

A ação de descumprimento de preceito fundamental, não obstante possuir o mesmo procedimentoque a ADIn, a ela não se equipara porque ela possui natureza mista de processo objetivo e subjetivo,enquanto a ação direta é de natureza exclusivamente objetiva. Isso ocorre porque a ação dedescumprimento de preceito fundamental tem duas funções: a de proteger interesse geral, e a deassegurar proteção de direitos subjetivos. Disso ocorre a inconstitucionalidade do veto presidencialque impediu o cidadão de manejar a ação de descumprimento de preceito fundamental, emdesconformidade com o instituto de direito comparado que a influenciou.11-12

A proteção dos direitos subjetivos em ação de descumprimento de preceito fundamental é tãoevidente que os principais precedentes do STF versaram justamente sobre essas questões, e.g.,liberdade de expressão na ação de descumprimento de preceito fundamental da Lei de Imprensa

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE EDECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DE LEISINCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS

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(ADPF 130) e a questão da anencefalia, na ADPF 54.

Assim, a utilização da ação de descumprimento de preceito fundamental não desnatura a questão darecepção, isso porque o STF quando faz o controle de constitucionalidade de leis anteriores àConstituição, em seu dispositivo, determina a não recepção dessas normas, e não pura esimplesmente sua inconstitucionalidade, tal qual faria em sede de ação direta.13 O que de fato ocorreé que a ação de descumprimento de preceito fundamental caracteriza- -se como meio hábil a dirimircontrovérsia jurisprudencial acerca da recepção de determinadas leis em nosso ordenamento.3. A POSSIBILIDADE DE SE REALIZAR CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO EMAÇÃO COLETIVA. A INCONSTITUCIONALIDADE OU A NÃO RECEPÇÃO DA LEIINCONSTITUCIONAL COMO CAUSA DE PEDIR

Após examinarmos o vício de inconstitucionalidade, que conduz à não recepção da leiinconstitucional, passamos a deslindar a verdadeira questão jurídica posta na lide, referente àpossibilidade de se realizar o controle difuso de constitucionalidade em ações coletivas.

Referido tema já foi objeto de nossa análise,14 porque consideramos fundamental sistematizar amatéria, a fim de explicitar em que medida é possível conciliar o efeito erga omnes da ação civilpública com a possibilidade se efetuar o controle difuso de constitucionalidade no bojo do processocoletivo.

Sobre o tema, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery admitem o controle deconstitucionalidade em ação coletiva, na medida em que “o objeto da ACP é a defesa de um dosdireitos tutelados pela CF ( LGL 1988\3 ) , pelo CDC ( LGL 1990\40 ) e pela LACP. A ACP pode tercomo fundamento a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O objeto da ADIn é a declaração,em abstrato, da inconstitucionalidade da lei”.15

Nessa perspectiva, uma eventual inconstitucionalidade na exigência de um tributo, por exemplo,poderia ser discutida e reconhecida em ação civil pública, “objetivando a condenação do PoderPúblico em obrigação de não fazer (abster-se de cobrar impostos) tendo como fundamento (causade pedir) a inconstitucionalidade ou ilegalidade do imposto. Na ACP, o pedido é obrigação de nãofazer; e a causa de pedir, a inconstitucionalidade do imposto. Não se confunde com a ADIn, em quea declaração da inconstitucionalidade não é o fundamento da demanda, mas o próprio pedido”.16

3.1 A inexistência de usurpação de competência do STF pelo controle difuso deconstitucionalidade em ações coletivas

Nesse sentido, já se manifestou o STF na Rcl 600/SP, cujo relator foi o Min. Néri da Silveira.17

Entretanto, esse entendimento não é pacífico no próprio Supremo, tanto é que o Min. Gilmar FerreiraMendes, na Rcl 2.224/SP, ponderou que existem casos em que a usurpação da competência do STFocorreria, ainda que fosse como fundamento do pedido.18

O argumento principal, utilizado por Gilmar Ferreira Mendes, consiste na assertiva de aadmissibilidade do controle de constitucionalidade, em ação civil pública, outorga poderes maiores àjurisdição ordinária que ao próprio Supremo, que precisa da ratificação do Senado para proporcionarefeito erga omnes à declaração que teria eficácia inter partes nos termos do art. 52, X, da CF/1988 (LGL 1988\3 ) .19

Acontece que a eficácia erga omnes decorre da pretensão difusa tutelada na ação civil pública, eessa eficácia atinge o dispositivo da sentença, o provimento com eficácia condenatória oumandamental que atinge o sujeito passivo da ação civil pública.20

Sendo assim, “o STF, tal como a jurisdição ordinária ao julgar ação coletiva que tutela interessesdifusos, terá seu provimento acobertado pela eficácia erga omnes; ocorre que, por se tratar decontrole difuso de constitucionalidade, a eficácia erga omnes atinge a eficácia condenatória oumandamental da sentença, não atinge a fundamentação na qual foi considerada inconstitucionaldeterminada lei; assim, não estão os demais tribunais nem os particulares vinculados a,obrigatoriamente, considerar inconstitucional a referida lei, tal como demonstraremos abaixo”.21

A resolução do Senado, nos termos do art. 52, X, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) : “tem o poder deatribuir eficácia erga omnes à fundamentação da sentença do STF, ou seja, ao suspender a

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aplicação da lei, faz com que o fundamento da decisão do Supremo na qual foi afastada determinadalei em razão de sua inconstitucionalidade adquira eficácia erga omnes, vinculando os tribunais aessa decisão, na medida em que ficarão impedidos de aplicar uma lei suspensa pela resolução doSenado. Ocorre que a suspensão nos termos da CF ( LGL 1988\3 ) , art. 52, X, poderá apenasoperar com efeito ex nunc, e, também, não pode possuir nenhum efeito repristinatório presente nasdecisões de acolhimento da ADIn”.22

3.2 Da necessária análise cuidadosa do efeito erga omnes. As razões pelas quais no controledifuso de constitucionalidade em ação coletiva a lei não é retirada da ordem jurídica

O caso concreto amolda-se às premissas supracitadas, o pedido na ação civil pública era ocumprimento da obrigação de não fazer, consistente em não executar extrajudicialmente oscontratos do SFH firmados sob a égide do Dec.-lei 70/1966, sob fundamento de que referido decretoseria inconstitucional, mais precisamente, não teria sido recepcionado pela Constituição vigente.

Dessa forma, uma vez deferida a ação civil pública contida no acórdão ora comentado, a decisãoproveniente da ACP terá eficácia erga omnes, tal como dispõe o art. 103 do CDC ( LGL 1990\40 ) .Frise-se, esse efeito erga omnes não se dá porque foi proferido acórdão pelo STF, mas tal efeitodeve acompanhar a decisão desde o 1.º grau, caso julgada procedente.

Nesse contexto, deve-se observar que o efeito erga omnes, seja proveniente do processo comum oudo controle abstrato de constitucionalidade, tem a aptidão de provocar efeito vinculante em razão dointeresse difuso que tutela. No processo comum, ele vincula o réu da ação coletiva em caso decondenação; no processo abstrato, o efeito erga omnes existe porque a pretensão difusa a sertutelada diz respeito a toda a sociedade.23

Os provimentos do STF, “advindos do controle abstrato, atingem toda a coletividade, vinculando-se àAdministração Pública, cujo exercício interpretativo é limitado, além disso, permitem ao particularsuscitar esse provimento em seu processo concreto, a fim de solucionar sua lide de maneirasemelhante ao STF. Contudo, esse efeito erga omnes, se não estiver acompanhado do efeitovinculante da CF ( LGL 1988\3 ) , 102, § 2.º, não atinge o direito material e também não impede queo particular pleiteie e o juiz decida de maneira desconforme ao que foi decidido pelo Supremo”.24

Problema semelhante enfrentou o Supremo diante da Rcl 4.335-AC,25 cujo relator foi o Min. GilmarMendes. Nessa reclamação, alegou-se ofensa à decisão proferida no HC 82.959/SP, em foi quedeclarada a inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990, que vedava a progressão deregime a condenados pela prática de crimes hediondos. O Min. Gilmar Mendes, relator, julgouprocedente a reclamação, para cassar as decisões impugnadas, assentando que caberia ao juízoreclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou nãoaos requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que demodo fundamentado, a realização de exame criminológico.26

Importante destacar que, nesse caso, a decisão que julgou inconstitucional o § 1.º do art. 2.º da Lei8.072/1990 foi realizada em sede difusa, no bojo de um habeas corpus, logo, não é dotada de efeitovinculante, nos termos do art. 102, § 2.º, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) .

Não se trata de debatermos sobre a polêmica em torno do art. 52, X, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) ,que foi desconsiderado pelos votos de Gilmar Mendes e Eros Grau,27 e, sim, ressaltar que é possívela utilização da reclamação contra as decisões que não admitam a progressão de regime nos crimeshediondos; entretanto, por ser uma decisão que aplicou a interpretação conforme a Constituição, oSupremo, ao examinar essa reclamação, se entender que se trata de caso idêntico no qual deveriaincidir sua interpretação, não pode apenas cassar a decisão reclamada e obrigar o tribunal a quo aadotar sua interpretação da lei federal; afinal, esta sua decisão não possui efeito vinculante, ou seja,essa lei não foi retirada do ordenamento, não pode o STF impedir o juiz a quo de interpretá-la eaplicá-la. Pode, sim, no caso que mencionamos, o Supremo, se entender que incide a mesmaquestão de direito e decidir pela necessidade de incidir sua interpretação (a inconstitucionalidade do§ 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990), pode conceder de ofício o habeas corpus para que o juiz examineos demais requisitos para deferimento da progressão.28

Em outras palavras, enquanto o Supremo não decidir pela inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.ºda Lei 8.072/1990 em sede concentrada (abstrata), essa decisão de inconstitucionalidade não possuiefeito vinculante, mantém-se válida a disposição legal, podendo sofrer outras interpretações, bem

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como ser arguida sua inconstitucionalidade diante da particularidade de todo caso concreto.Evidentemente, não estamos afirmando que ela possa ser ignorada pelo Judiciário durante aaplicação da questão jurídica em tela, contudo, ela deve ser vista como starting point da discussão einterpretada de acordo com as especificidades de cada caso concreto.

Outrossim, como também, ainda que não possua efeito vinculante nos termos do art. 102, § 2.º, daCF/1988 ( LGL 1988\3 ) , podem as decisões que aplicarem o § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990serem objeto de reclamação para o STF, isso porque nesses casos, ainda que o STF não conheçada reclamação, poderá conceder a soltura de ofício.29 Ao avaliar essa reclamação, se entender que adecisão reclamada possui a questão idêntica de direito a ser solucionada, o STF poderá conceder deofício a soltura, mas não poderá impor sua interpretação ao tribunal a quo; sua decisão pode sersubstitutiva, mas não cassatória; uma vez que a decisão pela inconstitucionalidade do § 1.º do art.2.º da Lei 8.072/1990 não tem efeito vinculante e nem foi objeto de súmula vinculante.

Fenômeno distinto ocorreria em decisão dotada de efeito vinculante, se o STF em ADIn entendesseque a lei X é inteiramente inconstitucional e pronunciasse sua nulidade, essa decisão seria dotada deefeito vinculante, vincularia os juízes e os particulares, o juiz estaria vedado de aplicar lei retirada doordenamento jurídico e o particular não mais poderia suscitar essa lei diante de seu caso concreto,essa é a situação paradigmática para se manejar a reclamação.

Em outros termos, essa lei sofreria a nadificação e estaria expurgada de nosso sistema. Importantesalientar que na atual quadra de desenvolvimento do constitucionalismo, em termos práticos, osefeitos da decisão de inconstitucionalidade, seja no regime abstrato (e.g., Alemanha), seja no difuso(v.g., EUA), possuem eficácia muito próxima.30

Contudo, no sistema exclusivamente difuso, a declaração de inconstitucionalidade repercute emvirtude do sistema de precedentes. Contra essa decisão, não há o efeito da nadificação, ou seja, a leientra em estado de dormência e a qualquer momento pode voltar a ser aplicada se houver overrulingjurisdicional.31 Isso ocorre porque, no common law, somente uma lei pode retirar outra lei da ordemjurídica.

Nesse sentido, Paul Kauper enfatiza que: “the popular Idea that a court strikes down a statute may besymbolically accurate but is not theoretically correct. According to American theory only a legislaturewhich enacted a statute has the Power to repeal it”.32

No sistema do controle abstrato de constitucionalidade, a decisão que declara inconstitucional umtexto normativo tem o condão de vincular os particulares, uma vez que ela retira a lei da ordemjurídica. Referida decisão nadifica a lei, que não pode mais ser invocada nem pelas autoridadespúblicas e nem pelos particulares. Somente se o Legislativo promulgar nova lei com idêntico teor éque novamente poderá ser tratada a questão legislativa declarada inconstitucional.33

Com efeito, no caso comentado, o objetivo do Parquet, por meio da ACP, não foi obter taldeclaração, mas evitar a execução extrajudicial dos contratos do Sistema Financeiro da Habitaçãocelebrados sob a égide do Dec.-lei 70/1966, fundando tal pedido na não recepção de tal decreto-leipela Constituição Federal de 1988. Esta é a causa de pedir (fundamento) da ACP; o pedido na açãoé outro: o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente em não executar extrajudicialmenteos contratos do SFH firmados sob a égide do Dec.-lei 70/1966.

A sentença na ação civil pública, apesar de possuir eficácia erga omnes, nunca poderá deferir ainconstitucionalidade (somente via ADIn) ou a não recepção da lei inconstitucional (somente via açãode descumprimento de preceito fundamental) como pedido da ação coletiva, mas apenas comofundamento, o pedido principal deverá consistir na condenação à obrigação de não fazer - in casu, aproibição de executar os contratos do SFG celebrados com fulcro no Dec.-lei 70/1966.

Faz-se necessário pontuar que essa desaplicação (rectius não recepção) da lei em razão deinconstitucionalidade, no bojo da ação civil pública, não atinge o plano do direito material; a leiconsiderada inconstitucional não é destruída e retirada do ordenamento jurídico (nadificada), talcomo aconteceria em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Tanto é que a sentença proferidana ação civil pública não impede a reapreciação da mesma questão pelo STF em sede de controleabstrato por meio de ADIn ou ADC, daí não ficar caracterizada a usurpação de competência do STF,ainda que os efeitos práticos sejam muito semelhantes. No caso analisado, em razão de o Dec.-lei

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70/1966 ser anterior à Constituição vigente, o mecanismo para o STF apreciar suainconstitucionalidade em sede concentrada é por meio da arguição de descumprimento de preceitofundamental.

Esse ponto também diz respeito à extensão do efeito vinculante aos particulares - algo apenaspossível no controle abstrato de constitucionalidade. Assim, apesar de o acórdão ora comentadopossuir efeitos erga omnes, a apreciação da inconstitucionalidade/recepção do Dec.-lei 70/1966 nãoestá acobertada pela imutabilidade da coisa julgada material. Tal fenômeno somente se concretizaráse ele for objeto de ação de descumprimento de preceito fundamental.34 Em outros termos, a nãorecepção do Dec.-lei 70/1966 poderá ser suscitada e apreciada pelo Judiciário em outros processos,porque não transitada em julgado, não obstante a existência de um precedente do STF que deveráser visualizado como orientador para aplicação da questão jurídica nos próximos casos, desde quepreenchidas e atendidas às demais especificidades de cada caso concreto.4. CONSIDERAÇÃO FINAL: O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE COMODIREITO FUNDAMENTAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO COLETIVO

A partir de uma perspectiva constitucional, consideramos salutar a decisão do STF ora comentada,uma vez que ela corrobora a possibilidade de se realizar controle difuso de constitucionalidade emsede de ação coletiva.

Em outras oportunidades já reiteramos que o controle difuso de constitucionalidade deve serexaminado com o status de verdadeiro direito fundamental do cidadão.35 Isso se dá porque é ajudicial review que permite, no caso concreto, a concretização da principiologia constitucionalassegurando efetivamente o devido processo legal e o contraditório, em suma a tutela jurisdicionalefetiva e adequada.

Nesse sentido, Christopher Wolfe destaca que, por meio da judicial review, o Judiciário não anulasimplesmente o ato legislativo, pelo contrário, o Judiciário interpreta e esclarece o teor da legislação,inclusive afastando-a, a fim de não se permitir a violação a direitos fundamentais perante o casoconcreto. O controle difuso de constitucionalidade legitima-se até mesmo porque a proteção dessesdireitos é o principal escopo do Poder Público.36

Vale dizer, o controle difuso de constitucionalidade é instituto de fundamental importância paraassegurar a concretização dos direitos fundamentais. Tal relação, no Estado Constitucional é deabsoluta relevância tendo em vista que: “os direitos fundamentais são atualmente os elementosfundantes e legitimadores do Estado Democrático de Direito. O Judiciário possui papel fundamentalpara a defesa dos direitos fundamentais, isso porque, conforme ressalta Coke, é a função doJudiciário garantir a supremacia dos direitos fundamentais perante a ingerência do Poder Público(real ou parlamentar) e também averiguar e controlar a adequabilidade dos atos do Poder Público aohistoricismo. Ou seja, o Judiciário teria a função de examinar se atos do Poder Público ainda queformalmente válidos não estão em dissonância em relação aos da tradição histórica de determinadasociedade que, em sua formação, assegurou historicamente e progressivamente direitosfundamentais, cuja grande parte está, atualmente positivada no texto constitucional”.37

O caso sob exame, por exemplo, ilustra adequadamente a afirmação acima, a tutela jurisdicionaladequada somente seria possível caso fosse admitido o uso do controle de constitucionalidade emface do Dec.-lei 70/1966 como causa petendi.

Com efeito, a proteção da coletividade, mediante decisão coletiva impondo a obrigação de não fazerconsistente em não executar extrajudicialmente os contratos do SFH firmados sob a égide doDec.-lei 70/1966, somente seria viável com a admissão do manejo do controle de constitucionalidadeem ação coletiva.

O processo coletivo possui grande potencial para assegurar de forma eficiente e isonômica aproteção de direitos fundamentais de maneira coletiva bem como garantir o resguardo de proteçãode minorias e dos próprios direitos coletivos e difusos. Em função de sua importância, não haveria amenor razoabilidade em se negar a utilização do controle difuso de constitucionalidade no processocoletivo, seria uma verdadeira amputação de seu potencial impedindo, portanto, em diversashipóteses a concretização da tutela jurisdicional efetiva e adequado, em afronta ao que estabelece oart. 5.º, XXXV, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) .

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Nessa perspectiva, a decisão ora comentada prestigiou o controle difuso de constitucionalidade emação coletiva resguardando os direitos de determinada coletividade, o que por consequência,recrudesce o potencial do processo coletivo como instrumento apto a assegurar a proteção e areparação de direitos de forma difusa e coletiva.

1 STF, AgRg nos EDcl no RE 633.195/SP, 10.ª T., j. 12.06.2012, rel. Min. Dias Toffoli.

2 O acórdão paradigmático dessa questão é a seguinte:

“Constituição. Lei anterior que a contrarie. Revogação. Inconstitucionalidade superveniente.Impossibilidade. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si.A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita,dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de serapurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode serinconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringirConstituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com elaconflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitosrevogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao serpromulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antigajurisprudência do STF, mais que cinquentenária. 3. Ação direta de que se não conhece porimpossibilidade jurídica do pedido” (STF, ADIn 2, Pleno, j. 06.02.1992, m.v., rel. Min. Paulo Brossard,DJU 21.11.1997, p. 60585).

Mais recentemente:

“ Controle de constitucionalidade de atos normativos anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) . A questãoreferente ao controle de constitucionalidade de atos normativos anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) foiexaustivamente debatida por esta Corte no julgamento da ADIn 2. Naquela oportunidade, o Min.Paulo Brossard, relator, sustentou que: ‘A teoria da inconstitucionalidade supõe, sempre enecessariamente, que a legislação, sobre cuja constitucionalidade se questiona, seja posterior àConstituição. Porque tudo estará em saber se o legislador ordinário agiu dentro de sua esfera decompetência ou fora dela, se era competente ou incompetente para editar a lei que tenha editado.Quando se trata de antagonismo existente entre Constituição e lei a ela anterior, a questão é dedistinta natureza; obviamente não é de hierarquia de leis; não é, nem pode ser, exatamente porque alei maior é posterior à lei menor e, por conseguinte, não poderia limitar a competência do PoderLegislativo, que a editou. Num caso, o problema será de direito constitucional, noutro, de direitointertemporal. Se a lei anterior é contrariada pela lei posterior, tratar-se-á de revogação, poucoimportando que a lei posterior seja ordinária, complementar ou constitucional. Em síntese, a leiposterior à Constituição, se a contrariar, será inconstitucional; a lei anterior à Constituição, se acontrariar, será por ela revogada, como aconteceria com qualquer lei que a sucedesse. Como ficoudito e vale ser repetido, num caso, o problema é de direito constitucional, noutro, é de direitointertemporal’. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face daConstituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional emrelação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. AConstituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as.Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico quea lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maiorvaleria menos que a lei ordinária. Nestes termos, ficou assentado que não cabe a ação direta quandoa norma atacada for anterior à Constituição, já que, se for com ela incompatível, é tida comorevogada, e, caso contrário, como recebida. E o mesmo raciocínio há de ser aplicado em relação àsemendas constitucionais, que passam a integrar a ordem jurídica com o mesmo status dos preceitosoriginários. Vale dizer, todo ato legislativo que contenha disposição incompatível com a ordeminstaurada pela emenda à Constituição deve ser considerado revogado. Nesse sentido, aobservação do Min. Celso de Mello, ao dispor que: ‘Torna-se necessário enfatizar, no entanto, que ajurisprudência firmada pelo STF tratando-se de fiscalização abstrata de constitucionalidade apenasadmite como objeto idôneo de controle concentrado as leis e os atos normativos, que, emanados daUnião, dos Estados-membros e do Distrito Federal, tenham sido editados sob a égide de textoconstitucional ainda vigente’ (STF, Pleno, ADIn 2.971, DJU 18.05.2004). A respeito do tema, esta

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Corte tem decidido que, nos casos em que o texto da CF ( LGL 1988\3 ) foi substancialmentemodificado em decorrência de emenda superveniente, a ADIn fica prejudicada, visto que o controleconcentrado de constitucionalidade é feito com base no texto constitucional em vigor e não do quevigorava anteriormente” (STF, Pleno, ADIn 888-9/RJ, j. 06.06.2005, rel. Min. Eros Grau, DJU10.06.2005, p. 62).

Sobre o tema, ver: Elival da Silva Ramos. A inconstitucionalidade das leis: vício e san- ção, SãoPaulo, Saraiva, 1994, p. 73.

Gilmar Ferreira Mendes. Arguição de descumprimento de preceito fundamental, São Paulo, Saraiva,2007, p. 68 et seq., coment. 3, LADPF 1.º.

Luís Roberto Barroso. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 4. ed., São Paulo,Saraiva, 2009, p. 182.

Sobre modulação de efeitos de lei pré-constitucional, ver: Gilmar Ferreira Mendes. Estado de Direitoe jurisdição constitucional, São Paulo, Saraiva, 2011, p. 124 et seq., parte III, n. 5.

3 Art. 282, alínea 2, da Constituição portuguesa: “Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou deilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitosdesde a entrada em vigor desta última”.

4 Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros. Constituição portuguesa anotada, Coimbra, Coimbra Ed., 2007,t. III, coments. art. 277, p. 708; Carlos Blanco de Morais. Justiça constitucional, Coimbra, CoimbraEd., 2002, t. I, p. 180 et seq., parte II, cap. I.

5 José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 4. ed., Coimbra,Almedina, 2000, p. 984.

6 Ver: Elival da Silva Ramos, op. cit., p. 71.

“Constitucional. Tributário. Falência. Multa. Natureza administrativa. Súmula 565/ STF. Art. 9.º do DL1.893/1981. Afastamento. Reserva de Plenário. Art. 97 da Constituição. Súmula Vinculante 10.Inaplicabilidade. 1. Não se aplica a Súmula Vinculante 10 à decisão prolatada em momento anteriorao de adoção do enunciado. 2. A simples ausência de aplicação de uma dada norma jurídica ao casosob exame não caracteriza, tão somente por si, violação da orientação firmada pelo STF. Não seexige a reserva estabelecida no art. 97 da Constituição sempre que o Plenário, ou órgão equivalentedo Tribunal, já tiver decidido a questão. Também não se exige a submissão da matéria ao colegiadomaior se a questão já foi examinada pelo STF. No caso em exame, a jurisprudência da Corte é nosentido de que à multa de natureza administrativa aplica-se a Súmula 565 ( MIX 2010\2288 ) /STF,ainda que na vigência da Constituição de 1988. 3. Esta Corte estabeleceu a distinção entre o juízode recepção de norma pré-constitucional e o juízo de declaração de constitucionalidade ouinconstitucionalidade (ADIn 2, rel. Min. Paulo Brossard). A reserva de Plenário prevista no art. 97 daConstituição não se aplica ao juízo de não recepção de norma pré-constitucional. Agravo regimentalao qual se nega provimento” (STF, AgRg no RE 278.710/ RS, 2.ª T., j. 20.04.2010, rel. Min. JoaquimBarbosa, DJUE 28.05.2010).

7 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 1262.

8 Carlos Alberto Lúcio Bittencourt. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, Rio deJaneiro, Forense, 1968, n. 10, p. 132.

9 Nesse ponto, vale transcrever a lição de Gilmar Mendes:

“É fácil ver que o constituinte não concebeu a contrariedade à Constituição, em qualquer de suasformas, inclusive no que concerne à aplicação de leis pré-constitucionais, como simples questão dedireito intertemporal, pois, do contrário, despiciendo seria o recurso extraordinário. Da mesma forma,afirmar a validade de lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição não parecetraduzir juízo de mera compatibilidade entre direito ordinário e a Constituição, tendo em vista opostulado da Lex posterior.

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Essa conclusão resulta ainda mais evidente da cláusula contida no art. 102, III, b, que admite recursoextraordinário contra decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal.Significa dizer que qualquer juízo sobre a incompatibilidade entre a lei federal ou o tratadopré-constitucional e a Constituição atual levado a efeito pela instância a quo é valorado pelaConstituição como declaração de inconstitucionalidade, dando ensejo, por isso, ao recursoextraordinário.

Tais reflexões permitem afirmar que, para fins de controle de constitucionalidade incidenter tantumno âmbito do recurso extraordinário, não assume qualquer relevância o momento da edição da lei,configurando eventual contrariedade à Constituição atual questão de constitucionalidade, e não demero conflito de normas a se resolver com a aplicação do princípio da lex posterior” (Gilmar FerreiraMendes. Arguição de descumprimento… cit., p. 66, coment. 3, LADPF 1.º.

10 “A jurisprudência do STF é firme no sentido da inadmissibilidade de controle abstrato, por meio deADIn, da constitucionalidade de lei ou ato normativo editado anteriormente à CF ( LGL 1988\3 ) . Istoporque não haveria, no caso, interesse processual, porquanto referidas normas, se emdesconformidade com a nova ordem constitucional, não teriam sido recepcionadas. Daí adesnecessidade de declará-las inconstitucionais. Entretanto, muito embora nesses casos não caiba aADIn, esse controle pode ser exercido por meio da arguição de descumprimento de preceitofundamental, por expressa autorização da LADPF 1.º par. ún. I”. Nelson Nery Jr.; Rosa Maria deAndrade Nery. Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) comentada e legislação constitucional, 3. ed.,São Paulo, Ed. RT, 2012, p. 1180, coment. 16, LADPF 1.

11 Nesse sentido é o ensinamento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery:

“A despeito do veto ao inc. II, pelo princípio constitucional do direito de ação, que proíbe a lei desubtrair do controle jurisdicional ameaça ou lesão a direito, e tendo em vista a possibilidade deutilização do instituto contra descumprimento relativamente a direito subjetivo, qualquer pessoal podededuzir demanda diretamente ao STF, pleiteando a defesa de preceito fundamental descumpridopela autoridade ou órgão do Poder Público (CF ( LGL 1988\3 ) , 5.º, XXXV). O particular não podededuzir a arguição em outro juízo ou tribunal porque o STF é a Corte Constitucional federal brasileirae nenhum outro órgão do Poder Judiciário está autorizado a decidir matéria constitucional com forçade coisa julgada erga omnes. O processo, aqui, é misto de objetivo e subjetivo. Objetivo porque adecisão do STF tem caráter geral, produzindo efeitos erga omnes e vinculando os demais órgãos doPoder Público. Subjetivo porque evita ou repara a lesão a direito fundamental do autor da ação, umavez descumprido o preceito constitucional fundamental pela autoridade ou órgão do Poder Público.Ademais, da forma como se encontra regida a legitimidade para a causa, na LADPF 2.º, háinconstitucionalidade por falta de regulamentação, pois reduziu-se o instituto a uma outra forma decontrole de constitucionalidade, pelos mesmos legitimados da CF ( LGL 1988\3 ) , 103. Qualquer dopovo pode pedir ao STF, por meio da ADPF, que controle a constitucionalidade de lei ou de atonormativo (federal, estadual, distrital ou municipal), se isto o estiver ameaçando ou prejudicandodiretamente, concedendo-lhe a tutela jurisdicional, inibindo a prática de ato quando houver ameaçaou exprobando e desconstituindo o ato se o preceito constitucional fundamental já tiver sido violado.Quanto a outras ofensas constitucionais, que não sejam de preceitos fundamentais, o particular podeutilizar a via do mandado de segurança” (Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p.1184, coment. 8, LADPF 2).

12 O instituto em questão é o Verfassungsbeschwerde do direito alemão. Sobre o tema, ver: PeterHäberle, La verfassungsbeschwerde nel sistema della giustizia costituzionale tedesca, Milano,Giuffrè, 2000; Peter Häberle, El recurso de amparo en el sistema Germano-Federal, in: GarciaBelaunde; Fernandez Segado (orgs.), La jurisdiccion constitucional en Iberoamerica, Madrid,Dykinson, 1997.

Ver ainda: Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 1182, coment. 1, LADPF 2.

13 “Normas anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) . Admissibilidade. Trata-se de ADPF, com pedido demedida liminar, proposta pelo Partido Popular Socialista - PPS, objetivando que esta Corte declareque não foi recepcionado pela CF ( LGL 1988\3 ) o DL 200/67. 8. Preliminarmente, reconheço alegitimidade ativa ad causam da agremiação partidária que assina a inicial. Depois, anoto que, écabível a ADPF para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder

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Público, ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou atonormativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) . Não sendoadmitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, isto é, nãose verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de formaampla, geral e imediata, há de se entender possível a utilização da ADPF. Assim, numa primeiraanálise dos autos, reconheço que se afigura admissível a utilização da presente ADPF, sob oaspecto do princípio da subsidiariedade, vez que a norma nela impugnada veio a lume antes davigência da CF ( LGL 1988\3 ) . No que concerne ao pedido de medida liminar, todavia, verifico quenão se mostram presentes os requisitos autorizadores de sua concessão, quais sejam, o fumus boniiuris e o periculum in mora. Com efeito, observo que o dispositivo atacado estabeleceu que a tomadade contas referentes à movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadasou confidenciais será feita em caráter sigiloso. Ocorre, porém, que o princípio da publicidade naAdministração Pública não é absoluto, porquanto a própria CF ( LGL 1988\3 ) , 5.º, XXXIII, in fine,restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade edo Estado. Em outras palavras, tanto o dispositivo contestado na presente ação, quanto a CF ( LGL1988\3 ) , 5.º, XXXIII, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas àAdministração Pública. Não considero, portanto, suficientemente caracterizado o fumus boni iuris,seja porque o sigilo dos dados e informações da Administração Pública, ao menos numa primeiraanálise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna ( LGL 1988\3 ) , seja porque ele não édecretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré- -estabelecidas” (STF,ADPF(MC) 129/DF, j. 18.02.2008, rel. Min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, DJUE22.02.2008).

“Norma anterior. Lei de Imprensa. (…). 10. Não recepção em bloco da Lei 5.250 pela nova ordemconstitucional. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleiçãoestatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador de segundoescalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5.º do art.128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ousubstrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própriainterdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir.Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio textoda Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei 5.250/1967 e a Constituiçãode 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical),contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço daprestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque deexceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além deum simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a seeternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis astentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/1967 com a Constituição, seja mediante expurgopuro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica decontrole de constitucionalidade que atende pelo nome de ‘interpretação conforme a Constituição’. Atécnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parterestante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete emlegiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas eentrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou porarrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do direito qualquer possibilidade dadeclaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, maspermanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, agolpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da normainterpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, acoerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei Federal 5.250/1967) que foi ideologicamenteconcebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pró-indiviso. 11.Efeitos jurídicos da decisão. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o CódigoCivil ( LGL 2002\400 ) , o Código Penal ( LGL 1940\2 ) , o Código de Processo Civil ( LGL 1973\5 ) eo Código de Processo Penal ( LGL 1941\8 ) às causas decorrentes das relações de imprensa. Odireito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada éexercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva,conforme estampado no inc. V do art. 5.º da CF ( LGL 1988\3 ) . Norma, essa, ‘de eficácia plena e deaplicabilidade imediata’, conforme classificação de José Afonso da Silva. ‘Norma de prontaaplicação’, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.12. Procedência da ação. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não

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recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei Federal 5.250, de09.02.1967” (STF, ADIn 130, Pleno, j. 30.04.2009, m.v., rel. Min. Carlos Britto, DJUE 06.11.2009).

14 Georges Abboud, Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, São Paulo, Ed. RT, 2011, p.129 et seq., n. 2.7.1.

15 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 1013, coment. 1, LACP 1.º.

16 Idem, ibidem.

17 “Reclamação. 2. Ação civil pública contra instituição bancária, objetivando a condenação da ré aopagamento da ‘diferença entre a inflação do mês de março de 1990, apurada pelo IBGE, e o índiceaplicado para crédito nas cadernetas de poupança, com vencimento entre 14 a 30.04.1990, maisjuros de 0,5% ao mês, correção sobre o saldo, devendo o valor a ser pago a cada um fixar-se emliquidação de sentença’. 3. Ação julgada procedente em ambas as instâncias, havendo sidointerpostos recursos especial e extraordinário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão daCorte reclamada, ao manter a sentença, estabeleceu ‘uma inconstitucionalidade no plano nacional,em relação a alguns aspectos da Lei 8.024/1990, que somente ao STF caberia decretar’. 5. Não setrata de hipótese suscetível de confronto com o precedente da Corte na Reclamação n. 434-1/ SP,onde se fazia inequívoco que o objetivo da ação civil pública era declarar a inconstitucionalidade daLei 7.844/1992, do Estado de São Paulo. 6. No caso concreto, diferentemente, a ação objetivarelação jurídica decorrente de contrato expressamente identificado, a qual estaria sendo alcançadapor norma legal subsequente, cuja aplicação levaria a ferir direito subjetivo dos substituídos. 7. Naação civil pública, ora em julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei 8.024/1990, porvia difusa. Mesmo admitindo que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicávelà hipótese concreta, por ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdãorespectivo não fica imune ao controle do STF, desde logo, à vista do art. 102, III, b, da Lei Maior, eisque decisão definitiva de Corte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimirdeterminado conflito de interesses. Manifesta-se, dessa maneira, a convivência dos dois sistemas decontrole de constitucionalidade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua invalidade,quer, em abstrato, na via concentrada, originariamente, pelo STF (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 102, I, a),quer na via difusa, incidenter tantum, ao ensejo do desate de controvérsia, na defesa de direitossubjetivos de partes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento. 8.Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade da declaração deinconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia ergaomnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16 da Lei 7.347/1997, não subtrai o julgado docontrole das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôsrecurso extraordinário, relativamente ao qual, em situações graves, é viável emprestar-se, ademais,efeito suspensivo. 10. Em reclamação, onde sustentada a usurpação, pela Corte local, decompetência do STF, não cabe, em tese, discutir em torno da eficácia da sentença na ação civilpública (Lei 7.347/1985, art. 16), o que poderá, entretanto, constituir, eventualmente, tema dorecurso extraordinário. 11. Reclamação julgada improcedente, cassando-se a liminar” (STF, Rcl600/SP, Pleno, j. 03.09.1997, v.u., rel. Min. Néri da Silveira, DJU 05.12.2003, p. 19) (grifamos).

18 Cf. STF, Rcl 2.224/SP, Pleno, j. 26.10.2005, v.u., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 10.02.2006,p. 8. V. ainda Gilmar Ferreira Mendes, Ação civil pública e controle de constitucionalidade, in:Arnoldo Wald (org.), Aspectos polêmicos da ação civil pública, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 151-165.

19 Gilmar Ferreira Mendes. Ação civil pública… cit., p. 162.

20 Georges Abboud, op. cit., p. 131, n. 2.7.1.

21 Idem, ibidem.

22 Idem, ibidem.

23 Idem, p. 132.

24 Idem, ibidem.

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25 Para uma crítica à decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes, ver: Nelson Nery Jr., Prefácio, in:Georges Abboud, Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, São Paulo, Ed. RT, 2011. Verainda: Nelson Nery Jr., Anotações sobre mutação constitucional: alteração da Constituição semmodificação do texto, decisionismo e Verfassungsstaat, in: George Salomão Leite e Ingo WolfgangSarlet (orgs.), Direitos fundamentais e Estado Constitucional: estudos em homenagem a J. J. GomesCanotilho, São Paulo, Ed. RT, 2009, p. 79-109. Ver ainda: Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de AndradeNery, op. cit., p. 501-505, coments. 11/17, CF 52. Criticando as decisões da Rcl 4.335, ver: LenioStreck. Verdade e consenso. São Paulo: Saraiva, p. 51 et seq., n. 4.2. Lenio Streck; MarceloAndrade Cattoni de Oliveira; Martônio Mont’Alverne Barreto, A nova compreensão do STF sobrecontrole difuso de constitucionalidade: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdiçãoconstitucional, Revista da Faculdade Mineira de Direito 10/37-58, Belo Horizonte, PUC-Minas, 2007.

26 Cf. Informativo STF/454.

27 Para tanto ver a fundamentada crítica de Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit.,p. 501-504, coment 12/14, CF 52.

28 Nesse sentido manifestou-se Sepúlveda Pertence em seu voto na Rcl 4.335/AC, cf. InformativoSTF/454.

29 Nossa assertiva é corroborada por Lenio Luiz Streck que de forma perspicaz analisa e critica areferida decisão do STF da seguinte forma:

“Aliás, nesse sentido, vale registrar o outro lado da moeda: no final do ano de 2006, o STF declarouinconstitucional o dispositivo que proibia a progressão nos crimes hediondos (art. 2.º da Lei8.072/1990). De imediato, a decisão - mesmo sem efeito erga omnes, porque proferida em controledifuso e sem a aplicação do art. 52, X, da Constituição - passou a ser aplicada tabula rasa, isto é, osjuízes, sem o exame da situação concreta de cada apenado, passaram a conceder a progressão deregime. Para controlar essa indevida universalização, o próprio STF editou súmula, determinando oexame de cada caso concreto. A pergunta a ser feita é: a aplicação do direito não implica o examede cada caso concreto? Neste caso, o STF foi atropelado pelo imagináriojurídico-dogmático-dedutivista, para quem a decisão de inconstitucionalidade foi entendida comocategoria, uma abstração, enfim, de um conceito que não exige a coisa. Pura metafísica, quesomente pôde ser corrigida pelo próprio emissor da decisão” (Lenio Luiz Streck, op. cit., p. 371, n.11.5).

30 Sobre tema, ver: Francisco Fernández Segado, La Justicial Constitucional: una visión de derechocomparado. Los sistemas de Justicia Constitucional. Las ‘Dissenting Opinions’. El control de lasomisiones legislativas. El control de ‘comunitariedad’, Madrid, Dykinson, 2003, t. I, p. 142-158, n. II.3.

31 Sobre questão ver: Georges Abboud, Súmula vinculante versus precedentes: notas para evitaralguns enganos, RePro 165/225-226, São Paulo, Ed. RT, nov. 2008.

Ver ainda: Georges Abboud, Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante - Aineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de precedentes, in:Teresa Arruda Alvim Wambier, Direito jurisprudencial, São Paulo, Ed. RT, 2012, passim.

Georges Abboud e Lenio Streck, O que é isto - O precedente judicial e as súmulas vinculantes, PortoAlegre, Livraria do Advogado, 2012, p. 46 et seq., n. 2.5.

32 Paul G. Kauper, Judicial review of constitutional issues in the United States, in: Hermann Mosler(org.), Verfassungsgerichtsbarkeit in der Gegenwart, Berlim, Carl Heymanns Verlag, 1962, p. 611.

Ver ainda: Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 140, n. 2.7.2.1.2.2.

33 Ver: Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 121-126, n. 2.6.3.

34 Sobre essa diferença, vale transcrever a seguinte passagem:

“Mais precisamente, se uma lei X que institui um tributo municipal é considerada inconstitucional nacausa de pedir em sentença proferida em ACP, essa decisão, em que pese o efeito erga omnes,

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vincula apenas o sujeito passivo da ação coletiva, no caso o Município que fica proibido de procederà cobrança e ao lançamento do respectivo tributo. Ocorre que essa sentença proveniente da açãocoletiva ainda que tenha eficácia erga omnes, não produz efeito vinculante em relação aos demaistribunais e particulares.

Dessarte, após essa sentença coletiva, se algum particular ingressar na Justiça com o intuito deobter algum ressarcimento em razão do que despendeu com o tributo municipal, o juiz, ao apreciar opedido do particular, não está obrigado, nesse novo processo, a seguir o que foi fixado na ação civilpública; assim, ele pode indeferir o pedido do particular porque, no caso concreto, considerouconstitucional a lei complementar, algo que lhe estaria vedado se a lei tivesse sido declaradainconstitucional em sede de controle abstrato de constitucionalidade, ou se fosse suspensa peloSenado nos termos do art. 52, X, da CF ( LGL 1988\3 ) .

Outrossim, nem se poderia objetar a figura da coisa julgada; isso ocorre porque na ação civil públicaa declaração de inconstitucionalidade está na motivação, logo não é acobertada pela coisa julgada.

Também em relação aos particulares, o efeito vinculante não opera. Imaginemos que no exemploilustrado a sentença com eficácia erga omnes proferida em ação coletiva tenha consideradoconstitucional o tributo municipal; nada impediria o particular, diante de seu caso concreto, desuscitar a inconstitucionalidade do respectivo tributo municipal; afinal, o efeito vinculante não operaem relação aos particulares, salvo no controle concentrado de constitucionalidade” (GeorgesAbboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 135, n. 2.6.3).

35 Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 343 et seq., n. 5.4.3.

Georges Abboud, O mito da supremacia do interesse público sobre o privado - A dimensãoconstitucional dos direitos fundamentais e os requisitos necessários para se autorizar restrição adireitos fundamentais, RT 907/80, São Paulo, Ed. RT, maio 2011.

36 Christopher Wolfe, The rise of modern judicial review: from constitutional interpretation tojudge-made law, Boston, Littlefield Adams Quality Paperbacks, 1994, p. 79, n. 3.

37 Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 352, n. 5.4.3.3.

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