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© EDUR – Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Rodovia BR 465, Km 7, Centro – CEP 23890-000 – Seropédica, RJ
Fone: (21)2682-1210 ramal 3302 – FAX: (21)2682-1201 [email protected]
www.ufrrj.br/editora.htm
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO Reitor: Prof. Ricardo Motta Miranda
Vice-reitor: Prof.ª Ana Maria Dantas Soares
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós Graduação: Prof.ª Aurea Echevarria
Pró-Reitora de Ensino e Graduação: Prof.ª Nídia Majerowicz
Publicações da Comissão Permanente de Formação de Professores Coordenação Editorial: Profa. Gabriela Rizo
COMISSÃO EDITORIAL
Prof. Francisco José Dias de Moraes (UFRRJ) Prof. Luiz Claudio Valente Walker de Medeiros (UFRRJ)
Prof.ª Valéria Marques de Oliveira (UFRRJ)
Capa: Rafael Mathias Diagramação: Rogério Ribeiro
371.33
E59
Ensino e pedagogia da imagem / Aristóteles Berino (organizador).– Seropédica, RJ: Ed. da UFRRJ, 2013.
100 p.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-8067-034-9
1. Educação visual. 2. Ensino de primeiro grau – Seropédica (RJ). 3. Educação – Métodos experimentais. 4. Inovações educacionais. I. Berino, Aristóteles. II. Título.
SUMÁRIO
INÍCIO DE CONVERSA Aristóteles Berino............................................................................................................................. 7
PARTE 1 – A IMAGEM EM MOVIMENTO A ESCOLA NA CÂMERA DOS ALUNOS, IDENTIDADES JUVENIS, PROJEÇÕES MIDIÁTICAS Aristóteles Berino.............................................................................................................................
11
HISTÓRIAS DE NÓS MESMOS: VÍDEO, PESQUISA E EXTENSÃO Conceição Soares e Aline Caetano................................................................................................... 19
CURTA VILA KENNEDY: O CINEMA QUE CONECTA A EDUCAÇÃO POPULAR Isabel Cristina Mendes Pinheiro Navega......................................................................................... 27
MÍDIAS, EDUCAÇÃO E SEXUALIDADE: DISCUTINDO IMAGENS PARA O ESPAÇO ESCOLAR Luriam Cruz da Silva........................................................................................................................ 37
CENAS DE CURRÍCULO: O CINEMA NA SALA DE AULA E AS CULTURAS JUVENIS Monique de Oliveira Silva e Talita Raquel Dantas Cardoso........................................................... 45
PARTE 2 – O MOVIMENTO DA IMAGEM
PONDERAÇÕES SOBRE A ATUALIDADE DO ENSINO DAS ARTES VISUAIS FRENTE ÀS VISUALIDADES JUVENIS Aldo Victorio Filho e Viviane Oliveira de Mello.............................................................................. 55
IMAGENS DAS CULTURAS. EDUCAÇÃO, FLUXOS ESTÉTICOS E FREQUÊNCIAS CULTURAIS Denise Espírito Santo e Kézia Jacomo Pimentel.............................................................................. 63
ARTE, GRANDES DIMENSÕES E PINTURA MURAL: CRIAÇÃO COLETIVA, APRENDIZADO INDIVIDUAL OU... UMA IMAGEM COMO O NÃO-EU MEU Gilliatt Moraes Giudice.................................................................................................................... 69
IMAGENS E NARRATIVAS NOS/DOS/COM OS MOVIMENTOS ESTUDANTIS: ENSINO, CURRÍCULOS PRATICADOS E ESPAÇOSTEMPOS DE FORMAÇÃO Rebeca Silva Brandão Rosa.............................................................................................................. 79
CIBERCULTURA: UMA CONVERSA SOBRE IMAGENS JUVENIS NO CIBERESPAÇO Thayná Marracho............................................................................................................................. 89
SOBRE OS AUTORES ............................................................................................................... 97
INÍCIO DE CONVERSA
Antes de tudo, é importante dizer que este é um trabalho do Grupo de Pesquisa
Estudos Culturais em Educação e Arte. Todos os seus artigos foram escritos por integrantes
do grupo ou autores que fazem parte das nossas redes de contato, correspondências e trocas.
Ensino e Pedagogia da Imagem é uma coletânea de artigos, resultado de diversas
pesquisas, que tem o ensino e o uso pedagógico das imagens como interesse de
problematização e investigação.
A reunião de artigos reflete uma variedade de temas conexos ao eixo proposto. Uma
proposta de publicação que se consolidou em torno de atividades acadêmicas sistemáticas,
comprometidas com a formação de professores e as práticas de ensino. São trabalhos
desenvolvidos por docentes e discentes de duas universidades (UFRRJ e UERJ) e três cursos
de licenciatura: Pedagogia/UFRRJ (Aristóteles Berino, Isabel Cristina Navega, Luriam da
Silva, Monique Silva, Talita Cardoso e Thayná Marracho), Pedagogia/UERJ (Conceição
Soares, Aline Caetano e Rebeca Brandão Rosa), Artes Visuais/UERJ (Aldo Victorio Filho,
Viviane Mello, Denise Espírito Santo e Kézia Pimentel), além do CTUR, o Colégio Técnico
da UFRRJ, com a formação de professores de Artes, no PIBID (Gilliatt Giudice).
A multiplicidade de suportes para usos de imagens, diante de novas tecnologias –
eletrônicas e digitais –, além da própria composição imagética do corpo no estágio avançado
do capitalismo, como uma característica cultural do nosso tempo, nos permite falar de uma
pedagogia da imagem. As imagens são pedagogizadas, porque são usadas para transmitir
valores, sentidos, ideologias, impressões, visões etc. As imagens são, portanto, formativas.
Apesar do alcance das imagens na contemporaneidade, determinada herança
iluminista, centrada nas “letras”, na escritura, no texto, ainda embaraça a recepção e produção
das imagens nas escolas, vistas, geralmente, como “ilustrações”. Raramente são vistas na sua
alteridade de expressão, comunicação e formação/educação. Mesmo no campo restrito das
artes, ainda há a restrição das “belas artes”, que procuram reprimir a pluralidade das imagens.
É assim que as imagens realizadas pelas classes populares ou pelas juventudes são
consideradas sem a mesma importância das produções autenticadas, outorgadas.
Os textos aqui apresentados pretendem contribuir para uma concepção contemporânea
do ensino, da formação de professores, propondo a pedagogia da imagem também como
questão para o currículo, a didática, a prática de ensino, a relação escola-comunidade, entre
outras relações pertinentes. Uma abordagem que considera ainda que as pedagogias da
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imagem são tessituras que acontecem dentro e fora das escolas, com fios que cobrem toda a
vida social, convidando a um pensamento e a uma prática educativa que não vê mais a escola
como uma entidade separada da existência no seu conjunto, nem desconsidera as capacidades
do ensino escolar como elemento importante da formação humana.
O livro foi concebido em duas partes. A primeira delas vai se dedicar à pluralidade dos
usos do audiovisual na educação e na escola, por parte dos seus sujeitos – é a “imagem em
movimento”. A segunda parte remete à presença dinâmica das imagens, presente nas práticas
culturais em diferentes suportes e espaços formativos (culturais, sociais, virtuais) diversos – é
o “movimento da imagem”.
Sobretudo, a proposta do livro é a consideração do ensino como arte e do humano
como beleza. Destacar a existência como estética e a formação, o ensino, como plástica.
Propor a discussão em torno da pedagogia da imagem é amplificar nossas referências para o
ensino e para a nossa visão do humano. O humano como personagem privilegiado da vida,
porque criador de formas, sentidos e prazeres – também através de imagens.
Aristóteles Berino
(Organizador)
A ESCOLA NA CÂMERA DOS ALUNOS, IDENTIDADES JUVENIS, PROJEÇÕES MIDIÁTICAS
Aristóteles Berino
É da natureza da ação docente e discente, a doçura e a alegria,
o puro divertimento e deleite para a alma. Comenius (2011, p. 12)
I � A escola na câmera dos alunos
Iniciei minhas pesquisas com imagens nas escolas, quando lecionava na rede
municipal do Rio de Janeiro, na Escola Municipal Uruguai. Cursava o doutorado em
educação na UFF e queria fotografar espaços do cotidiano: o prédio e os seus lugares, onde
alunos e professores compartilhavam a jornada de estudo e trabalho. Mas, sobretudo, queria
fotografar o espaço do que gosto de chamar “vida nas escolas” 1. Pretendia fazer algumas
imagens focando esses espaços, mas sem a presença das pessoas. Queria me deter nesses
lugares, mas ausente dos seus frequentadores. Achei que assim eu poderia ver alguma coisa,
que no tumulto do seu público deixa tudo sem a nitidez que eu planejava capturar
solitariamente. Mas o cotidiano mesmo não se prevê tão bem.
Quando, silenciosamente, iniciei algumas fotos dos lugares sem as pessoas, logo as
pessoas apareceram. Inicialmente meus alunos, depois os demais, todo mundo queria ser
fotografado. E logo vi que não havia propriamente, pelo menos ali, “espaço” sem pessoas. O
que queria para repousar meu olhar – e apontar a câmera – não existia senão como vida, “vida
nas escolas”. É verdade que às vezes nossos alunos passam por algum canto e ali deixam – em
traços, formas e cores – suas vidas: um rabisco na carteira, um escrito na parede, coisas assim.
Mas os lugares são sempre resignificados pelas pessoas. Então, mesmo para fotografar os
“espaços vazios”, seria necessário lidar com a figuração dos vivos.
Terminei o doutorado e mais adiante ingressei na UFRRJ, no campus recém-criado,
em Nova Iguaçu. Mudanças que não me afastaram completamente do cotidiano escolar.
Prossegui com o meu interesse de pesquisar a vida nas escolas, com registros fotográficos, no
CTUR, Colégio Técnico da UFRRJ, que fica em Seropédica, Baixada Fluminense. Período de
mudanças na minha vida pessoal, mas acompanhada de significativas transformações também
nos cotidianos das escolas, e exatamente no aspecto que aqui tenho destacado: a produção de
imagens. Não tenho mais a máquina que utilizei para fotografar, quando lecionava na
1Expressão que encontrei no título de um livro de Peter McLarem (1997)
12
educação básica. Foi substituída por outra, melhor. Mas a principal alteração foi ainda outra.
Nem a mais atual das máquinas digitais exerce o mesmo poder de atração nas mãos de um
professor. Por quê?
Simplesmente porque, agora, as máquinas digitais não estão apenas melhores, elas
custam muito menos e também os jovens estudantes fotografam – e filmam!2 Nos últimos
anos, na esfera do consumo, dos usos práticos e cotidianos dos objetos, quem antes era,
sobretudo, retratado nas imagens, passam a ser também seu produtor, realizador e
distribuidor. A popularização das máquinas digitais passou o equipamento de mãos: do
professor para o aluno. E até das mãos para o ouvido: a miniaturização levou ainda máquina
fotográfica para o celular. E filmar deixou também de ser um privilégio. A pesquisa com
imagens, no cotidiano das escolas, dá um giro. Agora a fonte destes registros não é
principalmente institucional, nem está de posse exclusiva das figuras de autoridade escolar.
Quando iniciei a minha aproximação do CTUR, para conhecer suas imagens
fotográficas, fui até o Centro de Memória da UFRRJ, para descobrir o que tinham como
registros do Colégio. O que consegui foram algumas imagens (fotografias digitalizadas) do
prédio em diferentes períodos e de momentos solenes na escola (assinaturas, personalidades)
ou de participação dos seus alunos fora do colégio (desfile cívico). Mas, depois de cinco anos,
essa aventura atrás das imagens mudou o rumo da caminhada. É possível procurar os próprios
alunos e com eles conhecer imagens do colégio – que eles fizeram. Ou mesmo, partir para o
“mundo virtual” e na web encontrar o que muitos alunos, mas também professores e até
publicações institucionais, estão “disponibilizando”.
Aqui o disponibilizando vem entre aspas, porque não se trata exatamente de
informação ou de material colocado na web para eventuais interessados. Não se trata também,
especialmente, de uma produção de fontes para conhecimento, pesquisa ou mesmo recordação
e exibição pessoal, familiar, entre amigos. O caráter da projeção fílmica aqui é outro, próprio
de um tempo, de uma época, que possui características próprias quando falamos de imagens.
A mesma roda tecnológica que faz os equipamentos passarem de mão em mão, quando antes
ficavam sob a posse de personagens mais exclusivos (o profissional, o adulto, o professor),
faz girar também as subjetividades nos usos das máquinas. Se as fotografias são documentos,
são antes de tudo, “documentos de identidade” 3.
2 Como afirma o cineasta Cacá Diegues (2012), “o mundo se alfabetiza audiovisualmente, filma-se de todas as maneiras, em todos os cantos do planeta”. 3 Aqui estou me apropriando de outro título de um livro: Documentos de identidade, de Tomaz Tadeu da Silva. (1999)
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Não é que o álbum de família ou instituições de memória não tenham significações
identitárias. Sim, claro que tinham e continuam tendo. Ou que as “fotografias antigas” não
tivessem uso midiático. Com certeza, tinham também. Mas as imagens integram hoje uma
rede mais complexa. O número de indivíduos que podem fazer imagens fotográficas ou
fílmicas se diversificou. E os suportes para a projeção das próprias imagens também são
diversos e podem manter correspondências entre si. Então, há uma intensidade na produção
de imagens e um fluxo até agora desconhecidos. São mudanças nos objetos e nos sujeitos.
Não existem transformações que não sejam íntimas entre o mundo das coisas e o mundo
humano.
II � Identidades juvenis
Depois de conhecer as imagens que o Centro de Memória possuía sobre o CTUR (isso
foi em 2007, preciso atualizar minhas informações sobre o acervo a respeito da escola),
comecei a fotografar no colégio. Não era a mesma coisa de fotografar meus alunos ou outros
estudantes da escola, tal como fiz muitas vezes na E M Uruguai. Não era da mesma forma
porque não havia a mesma familiaridade, o cotidiano de algum modo compartilhado. Foi
durante as férias escolares e resolvi começar por suas imagens, nas paredes e carteiras
escolares. Eles ainda não apareceriam nas fotografias, mas era mais aquela pretensão vaga de
fotografar os “lugares”. Queria agora fotografar suas presenças no cotidiano escolar, suas
vidas impressas nas superfícies. Extensões de suas existências, as identidades decalcadas no
corpo da escola.
Mais adiante, com bolsistas de iniciação científica participando do contato com os
alunos do colégio, tive acesso a fotografias que os jovens estudantes do colégio estavam
realizando, quando registravam vários momentos das suas presenças ali. Assim fotografias
realizadas por professores, que também registravam aspectos dos seus cotidianos no colégio.
E mais recentemente comecei a conhecer os vídeos que alunos do colégio postam no
YouTube e um deles será de particular interesse aqui neste artigo, chama-se “Pra mim o
CTUR é...” e está disponível no seguinte endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=xdv6MPH640c. Trata-se de uma produção audiovisual
feita por alunos do 2º ano do curso de Agropecuária Orgânica, a partir de uma solicitação de
professores, para uma mostra de vídeos que ocorreria na Semana Acadêmica do colégio, em
2010.
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Partindo, então, de uma proposta de realização feita por professores, “Pra mim o
CTUR é...”, com aproximadamente dez minutos, é filme de um coletivo de alunos4 para
responder a um pedido institucionalizado. Caráter que pode ser, aqui e ali, identificado na
produção. Mas nada disso importa muito para a sua apreciação. Principalmente, seu caráter
maior é a dedicação estética e celebratória da vida na escola. Esse é o ponto que gostaria de
destacar aqui, a respeito do cotidiano, que a pesquisa das suas imagens pode proporcionar:
essas imagens são fontes (manancial, nascente) para pensamentos e práticas que devem
decorrer da recorrente investigação a respeito das possibilidades da educação escolar e das,
menos procuradas, capacidades juvenis de alegria, paixão e amizade no chão da escola.
O audiovisual é uma colagem de inúmeras fotografias e alguns pequenos filmes, com
uma apresentação que é feita ao som de canções pop. Nele aparecem, sobretudo, os alunos do
colégio, mas também professores e outras pessoas que ali trabalham. O filme tem início com
um texto, sobre imagens, que diz: “CTUR/ Escola... /um espaço de DIVERSIDADE!”. A
seguir, outra mensagem, de um professor, será inserida também. Mas é o texto inicial que será
mesmo indicativo do que é pretendido realizar com o filme: dizer, com imagens, como é a
escola. A pretensão parece ter um resultado “simples”, porque não existe nada de
extraordinário nas imagens mostradas. Mas penso que não. O filme, feito de imagens
ordinárias, tem uma trama incomum, que colide com a forma recorrente de representação dos
jovens e a respeito da vida nas escolas.
O fato de ser um filme produzido para responder a uma solicitação de professores, ou
seja, do colégio, provoca uma visão, um ponto de vista, dos alunos sobre a existência deles na
instituição. Deste ângulo, trata-se de um filme de identidades juvenis. Identidades
contagiadas, como apenas poderiam ser. Fala dos alunos, fala dos professores, tudo junto e
misturado. Mas uma mistura temperada pela alteridade das imagens. Não existe confusão
quanto ao olhar peculiar dos jovens alunos do colégio na produção do filme. Na montagem,
escolha das fotografias e filmagens que tecem a narrativa do audiovisual, seus autores
desenham uma imagem de suas existências juvenis na escola, sobretudo, através de uma
realização estética que demonstra a força do comum e da coletividade nas identidades juvenis.
Um olhar vago do filme poderia enxergar apenas uma sucessão de imagens “iguais”,
afinal, há uma sequência de retratos e gravações em que aparecem somente os jovens da
escola e finalmente, outros personagens. No entanto, o olhar de quem procura saber o que
4 Tamara Salustiano, Julia Barra, Aline Andrade, Gabriela Konkel, Lucas Ferraz, Yago Cardoso e Mariana Sampaio, são os autores, com apoio da turma.
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um filme pode nos contar com suas imagens precisa explorar seus caminhos (e descaminhos),
o que conduz especularmente (� de espetacularmente), ampliando nossa compreensão daquilo
mesmo que é mostrado. Geralmente as cenas são vistas como uma “cópia” da realidade, no
caso de documentários, ou encenação de uma fabulação, no caso da ficção. Contudo, os
fotogramas têm outra “realidade”, eles não reproduzem, mas projetam. Eles se estendem para
fora da tela, porque são feitos para quem assiste sua exibição.
Assim, um filme não é transposição de imagens para uma tela, mas criação que
acontece sobre a superfície em que é visto. A elaboração maior de um filme é a que acontece
no encontro entre quem mostra e quem vê, quando a imagem, de fato, se realiza. Não há
realidade da imagem sem a sua realização nesse encontro. Então, “vejamos”: os jovens
aparecem, sempre em grupos, na sala de aula, em outros diferentes espaços da escola, em
atividades externas, com uniforme escolar, com roupas de passeio, provando a beca que vão
utilizar na formatura, participando de atividades escolares, conversando, brincando, com
professores, com educadores que atuam na direção do colégio e outros profissionais da
escola. Essas são as presenças dos jovens no CTUR, que apresentam as imagens do
audiovisual. É com elas que dizem, imageticamente, o que é o colégio.
A vida em comum na escola é o fluxo, como a corrente de um rio, que nos conduz do
início ao fim do filme. Não é que a escola “vive” assim toda hora, todo dia. É a imagem
desejante. E desejam, artisticamente, esteticamente. Não é o desejo íntimo, privado, da
recompensa escolar pelo resultado alcançado e a posterior carreira profissional de sucesso.
Nem são como as imagens de “viagem”, com o destaque de pessoas, que posam para mostrar,
fascinadas, onde estão. Tampouco imagens cintilantes de indivíduos que dão relevo aos seus
feitos, como as fotografias de triunfo narcísico. Não, aqui o filme é outro. É o filme de
existências que se intensificam com as possibilidades nascentes do instante coletivo:
ultrapassar o recanto do trabalho escolar (nota, comportamento, atenção...) em favor dos
corpos solidários e plurais.
O “Prá mim o CTUR é...”, é o colégio que seus alunos veem, o colégio que miram e
fabulam, um desenho que pode ser apresentado através de cenas recortadas e coladas, tiradas
das fotografias e filmagens feitas, montadas para o audiovisual criado. Não é uma filmagem
documental da vida nas escolas. Não deve ser assistindo assim. O que encontramos quando
assistimos o filme é uma produção da fantasia. Como tal, é resultado das vivências, mas
também das possibilidades (mas das virtuais impossibilidades também...) do amanhã. Filme
da vontade de verem acontecer o que apresentam como imagens. São imagens do que foi feito
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ou recolhido para a montagem do audiovisual, negociando o que possuem como experiência e
o que almejam como “futuridade”, aquilo que ainda esperam encontrar como cotidianidade.
III � Projeções midiáticas
Mas se o filme é montado com imagens extraídas da vida dos seus produtores (aqueles
que fizeram as fotografias e as filmagens, além das pessoas que aparecem para as câmeras),
por que o caráter “apenas” virtual das imagens? Porque o filme é “montado”. Diferente de ver
as imagens separadamente, o que nos daria o retrato de um episódio que seria visto na sua
especificidade, no vídeo “Prá mim o CTUR é...”, a especificidade da cada fotografia ou
filmagem é ressignificada diante da disposição com que são expostas. A montagem tece a
imagem de que o colégio é visto como um lugar que está além do que já foi vivenciado,
quando temos representado, através de uma narrativa que multiplica os momentos de alegria e
fortalecimento dos personagens da escola. O efeito é “simples”: as imagens de alegria
transbordam, excitando sua continuação, “fora do filme”, nas escolas.
Vamos retornar à epígrafe que abre o texto: “É da natureza da ação docente e discente,
a doçura e a alegria, o puro divertimento e deleite para a alma” afirma Comenius, um dos
criadores do pensamento pedagógico na aurora da modernidade. A correspondência entre a
sugestão pedagógica de Comenius e o filme é muito grande. “Prá mim o CTUR é...”
corresponde a um elevado pensamento educacional, embora, muito distante da prática
institucional recorrente nas escolas. É essa distância entre o “pensamento pedagógigo” do
filme, feito de imagens, e as realidades encontradas nas escolas que mobilizam o espectador
que se sentirá instigado a “rever” aquelas cenas, por exemplo, com outros alunos, em outras
escolas e ainda na universidade, em cursos de formação de professores.
Com certeza, as cenas de doçura e alegria, protagonizadas por docentes e discentes,
vistas no filme, acontecem, com intensidades variadas, em todas as escolas. Lecionei em
várias escolas públicas na cidade do Rio de Janeiro. Nelas, a alegria dos jovens nunca faltou.
Inclusive, praticamente todos gostavam de ir à escola. Muitos tentavam não assistir a aula...
Mas isso é outra história. De estar na escola, alegres, com os outros colegas, isso é fato. A
questão é a ausência da alegria como princípio educativo. A alegria é invasora nos programas
escolares. É vista com desconfiança ou desinteresse. A quietude e a atenção figuram como
imagens genuinamente pedagógicas, enquanto a alegria é, na melhor das hipóteses, uma
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imagem residual, que deve vir como recompensa. Não é admitida na sua integridade e
vitalidade.
“Prá mim o CTUR é...” exibe o que muitas vezes é recalcado: a alegria dos alunos.
Com a importante ressalva, mais uma vez: não se trata de um agenciamento fugidio, reativo
ou dispersivo. Alegria como acontecimento solidário, afirmativo de coletividades e da
existência, plural, social. Essa deveria ser a “matéria prima” de toda prática pedagógica:
interesse pela escola, interesse pela vida, indissociáveis. Imagens do cotidiano escolar, feitas
por alunos, são seguras em nos mostrar como podem ser participativos em relações propícias
à consagração de suas vidas. Jovens em crescimento, em iluminação, ávidos pelo
envolvimento social e pela partilha do existir. Na passagem final do filme, já com imagens em
movimento, há uma sequência de imagens muito significativa, clímax da criação do
audiovisual.
Cinco jovens que estavam escondidos, atrás de plantas que estão diante do prédio da
escola, levantam-se e exibem cartazes. A câmera se aproxima para lermos o que está escrito:
“Para/ Mim,/o /CTUR/é...”. Então, uma fabular montagem continua com o texto, da seguinte
forma: Outros personagens da escola recebem cartazes que são entregues. Ou seja, cartazes
são passados de mão em mão. Mas existe um engenho cinematográfico de especial efeito
imagético. Em cada quadro assistimos uma dessas pessoas recebendo o cartaz de outra. Mas
apenas o personagem principal é visto, recebendo um cartaz, que é passado para outra pessoa.
Nunca vemos as pessoas nas duas extremidades do quadro, ou seja, a pessoa que entrega e a
que recebe o cartaz. Há a sugestão (o ensaio de uma ilusão) de que trata-se de uma corrente,
com todos os personagens alinhados para receber e passar o cartaz. Mas não é o que acontece.
Com a mudança de quadro percebemos que o ambiente da imagem é outro, não há
uma sequência física. Ela é virtual. Realidade produzida imageticamente, através da
montagem do audiovisual. E mais: o cartaz recebido nunca contém as palavras-mensagens
anteriores. Então, a sequência é, ao mesmo tempo, uma continuidade da corrente de pessoas,
mas alternando os espaços da escola e o conteúdo do cartaz, produzindo um singular efeito de
passagem do texto sobre o que é o CTUR, que atravessa os lugares e produz uma escrita que
desenvolve a significação do colégio: “Para/ Mim,/o /CTUR/é... /TUDO! /Eterno/ Tudo de
Bom! /Lugar de fazer amigos verdadeiros /Família /Tudo que eu tenho devo ao CTUR/
Mato/739 /Liberdade /Dedicação e compromisso/ Oportunidade de aprender/Ousar” etc. E
aqui o jogo do poder vira também. Como?
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Se o próprio filme tem a temática oferecida institucionalmente através dos professores,
na referida montagem os alunos colocam esses mesmos professores, além da direção da
escola e outros funcionários na roda, segurando os cartazes também. Os alunos fazem os
demais integrantes do cotidiano escolar participarem de suas falas sobre o colégio. Dirigem
suas participações no filme e assim alcançam, para seus pontos de vista, um sentido de
generalidade, através do convencimento e da aceitação, que as imagens entregam. Um
sentimento de conjunto que é reforçado quando, já no fim do filme, todos os cartazes
aparecem sendo sobre a grama da escola, lado a lado, com uma câmera que percorre seus
dizeres, mas sem a “diretividade” tão comum na apresentação das mensagens escolares. A
câmera é sinuosa, exibindo os textos através de um plano irregular: de lado, de cabeça para
baixo, até repousar, no fim, em “Tudo!”
Se “Tudo!” exclama uma projeção, com volúpia e decisão, a respeito do colégio em
suas vidas, também finaliza o filme. Finaliza, em termos. Afinal, ao publicarem no YouTube,
as imagens do filme se amplificam, sugerindo novos contatos, contágios e disseminações. Um
filme, pelo menos, um bom filme, nunca termina. Ele ficará, durante muito tempo, nas nossas
fantasias, nos nossos sonhos. Neste caso, será parte do imaginário universal de uma escola
alegre, tal como, um dia, Comenius sorriu.
Referências Bibliográficas:
COMENIUS, Jan Amos. A escola da infância. São Paulo: Unesp, 2011. DIEGUES, Cacá. Arte e cultura em Cannes. Disponível em <http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/05/arte-e-cultura-em-cannes-caca-diegues.html>. Acesso em maio 2012. McLAREN, Peter. A vida as escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999
HISTÓRIAS DE NÓS MESMOS: VÍDEO, PESQUISA E EXTENSÃO
Conceição Soares e Aline Caetano
Qualquer maneira de imaginar é uma maneira de fazer política. Didi-Huberman
Vivemos em uma contemporaneidade povoada por imagens e sons tecnicamente
produzidos. Uma contemporaneidade caracterizada, principalmente, pela proliferação, pelo
barateamento, pela mobilidade, pela ubiquidade e pela facilidade operacional dos dispositivos
destinados à produção e à veiculação de imagens e de sons, o que, em certa medida, nos
impele a, todo momento, interpretá-los, produzi-los e difundi-los através de diferentes, e cada
vez mais convergentes, meios e suportes. Nessas contingências, nos deparamos a cada dia,
com a circulação de uma quantidade sempre crescente de imagens, estáticas ou em
movimento, e de sons (produzidos tecnicamente e articulados ou não entre si) criados por não
profissionais da informação, da arte e do entretenimento e distribuídos por outras vias que não
mais os já considerados tradicionais meios de comunicação de massa. Vivemos, enfim, em
uma cultura eminentemente audiovisual, cuja ambiência, como sugere Rincón (2002), faz
emergir outras formas de significação, isto é, novas maneiras de perceber, de representar, de
apresentar e de reconhecer, além de engendrar inéditas formas de experiência, pensamento e
imaginação.
Com a noção de “partilha do sensível”, Rancière (2005) destaca que a constituição
estética que dá forma à comunidade está no cerne da política. A noção busca mostrar o modo
como se determina, no sensível, a participação em um conjunto comum partilhado e, ao
mesmo tempo, a divisão em partes exclusivas. Nas palavras de Rancière: “Essa repartição
das partes e dos lugares se funda numa partilha dos espaços, tempos e tipos de atividades
que determina prioritariamente a maneira como um comum se presta à participação e como
uns e outros tomam parte nessa partilha” (2005, p.15). A política, nesse cenário, ocupa-se
do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, diz ele. Ou seja, ocupa-se de
determinar quem tem competência para ver e qualidade para contar. A transformação política
pela revolução estética se dá, então, pelo embaralhamento desses lugares, pela redistribuição e
partilha do poder ver e dizer de outros modos e de outros lugares, pondo em xeque as
competências e as autorizações conferidas pelos espaços, tempos e tipo de atividades que
20
legitimavam ou não a participação dos sujeitos nas redes de significação que organizam o
social.
De fato, as novas tecnologias, meios e suportes de conteúdos e formas
comunicacionais têm possibilitado a multiplicação de narrativas dos cotidianos, a partir das
quais os homens, as mulheres e os jovens ordinários (Certeau, 1994), ou seja, comuns, criam
suas histórias e, por meio delas, imaginam, apresentam, representam e produzem
significações sobre o seu mundo, sobre o seu grupo e sobre si mesmo, criando,
permanentemente, quando se põem a imaginar, novas possibilidades e estéticas de existência.
As narrativas audiovisuais criadas por esses sujeitos comuns circulam pelas novas e
alternativas mídias, especialmente na internet (em sites como o Facebook e o YouTube), bem
como são levadas de um lado para o outro em pen drives e DVDs. Para além dessas
produções, que ainda têm um prazo de validade mais ou menos duradouro, outros tipos de
narrativas audiovisuais do vivido são constantemente produzidas, atualizadas, recriadas e
redistribuídas por meio dos celulares, dispositivos multifuncionais que não descolam mais dos
corpos de seus usuários. A presença de câmeras por toda parte mais do que documentar ‘em
tempo real, a vida real’ possibilita àqueles que produzem e consomem imagens dramatizar a
vida cotidiana, ficcionar sobre si e sobre sua relação com o mundo, imaginando, fabulando e
experimentando performaticamente novas possibilidades de criar sua existência. E, como
aponta Didi-Huberman (2011), no nosso modo de imaginar jaz nossa forma de fazer política.
Enquanto os profissionais da indústria da comunicação e do entretenimento filmam,
registram em vídeo, apenas, ou pelo menos preferencialmente, grandes produções ficcionais
que reúnem autores e atores do ramo ou documentam eventos considerados especiais,
extraordinários, incomuns, os produtores não profissionais e anônimos de audiovisuais, por
sua vez, apontam suas câmeras para todos os lados, em todas as ocasiões e filmam as
situações do dia a dia, a dramaturgia dos cotidianos, gravam seus amigos, familiares, vizinhos
e companheiros de trabalho que se apresentam e representam em meio às suas rotinas, às suas
práticas ordinárias, aos seus pequenos prazeres, às suas insignificâncias. Essas narrativas dos
cotidianos, assim produzidas, voltam-se também para os infortúnios, os deslizes, as
banalidades, as bizarrices, o miudinho, o comezinho, o burburinho nas ruas, nos lares, nas
escolas, nas empresas. As narrativas audiovisuais do vivido reinventam os cotidianos e
configuram os contos morais de nossa época.
Entretanto, em meio à avalanche de produções, performances e fabulações
audiovisuais que habitam as complexas e paradoxais redes de significações, muitas vezes nós
21
nos perdemos, nos confundimos, nos dispersamos. Impõe-se, então, para nós, arrebatados por
turbilhões de signos, a necessidade de, minimamente, atribuir e compartilhar sentidos que nos
permitam conviver, viver com os outros, e produzir o comum na diferença, a partir da
cooperação, colaboração e comunicação, como propõem Hardt e Negri (2005). E essa nos
parece ser, nas circunstâncias da contemporaneidade, uma questão atual e central para a
educação implicada na emancipação dos sujeitos, enquanto possibilidade de interrogar seus
próprios projetos de subjetivação e de participação política.
Rincón (2002), pensando o audiovisual como uma estratégia fundamental na relação
dos sujeitos com o mundo e com a vida na sociedade contemporânea, nos indica a noção de
sensibilidade como a chave para a compreensão das formas audiovisuais e das redes de
significações culturais de nossos tempos. A sensibilidade, como via de expressão do homem
ordinário, não remete ao sujeito culto e competente conforme a racionalidade hegemônica,
mas implica outro modelo para compreender as dinâmicas da vida social. Um modelo que,
segundo ele, se interessa pelo movimento, que reivindica novos espaços e relações e que
configura um novo regime de reconhecimento e imaginação.
A sensibilidade, nessa perspectiva, é pensada a partir das formas subalternas de
inscrever a vida na contemporaneidade: gênero, raça, etnia, sexualidade, juventude, futebol,
carnaval, música, ecologia, entre outras. As sensibilidades, assim, operam como estratégias
para imaginar o diferente em meio ao fluxo caótico e barroso de imagens. A imagem funciona
como uma maneira de pensar e narrar a existência. Nesse contexto, o audiovisual se configura
como uma possibilidade de fabular o mundo através do cinema, da televisão e o vídeo.
Concordando com as considerações apresentadas pelos autores citados e a título de
exemplificação das múltiplas possibilidades que os usos dessas tecnologias abrem às práticas
educativas, discutiremos, a seguir, fragmentos do projeto de pesquisa extensão "O uso de
artefatos culturais por docentes e discentes na tessitura de conhecimentos e significações nos
cotidianos escolares” desenvolvido, em 2010, por uma equipe do Laboratório Educação e
Imagem, vinculado à Faculdade de Educação e ao Programa de Pós-Graduação em Educação
(PROPED) da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ). Esse projeto possibilitou a realização
de três vídeos, produzidos em conjunto por professores, pesquisadores e estudantes da
universidade e por professores, pesquisadores e estudantes de uma escola pública de ensino
fundamental na cidade do Rio de Janeiro. Essa experiência possibilitou a todos, estudantes e
professores em formação ou em exercício, condições para apropriação e uso das tecnologias e
linguagens das mídias audiovisuais, resultando na produção e difusão de conteúdos em novos
22
e criativos formatos. A análise do processo e dos produtos nos possibilitou, ainda, pensar os
modos singulares pelos quais alunos e professores usam as tecnologias, aprendendo uns com
os outros, para criar, mediar e comunicar conhecimentos, buscando o protagonismo e a
autoria coletiva. Essas análises nos indicam ainda com a produção audiovisual em conjunto
por alunos e professores criou condições de maior aproximação e constituiu em um espaço
para tencionar e negociar alguns termos das relações entre uns e outros, entre uns e outros e as
tecnologias e entre uns e outros e os saberes demandados pelas disciplinas curriculares.
I � A produção de vídeos na/com a escola
O projeto de pesquisa e extensão "O uso de artefatos culturais por docentes e
discentes na tessitura de conhecimentos e significações nos cotidianos escolares",
coordenado pela professora Nilda Alves, foi desenvolvido por uma equipe do Laboratório
Educação e Imagem, que além de nós duas, contava com outros pesquisadores estudantes dos
cursos de doutorado, mestrado e graduação, bolsistas atuantes no órgão. A equipe da UERJ
trabalhou em conjunto com discentes e docentes da Escola Municipal Professor Ary
Quintella, em Vila da Penha, zona norte da cidade. O trabalho conjunto possibilitou a criação
de três vídeos no período de um ano (maio de 2010/ abril de 2011), com a participação dos
envolvidos em todas as etapas necessárias à produção. O processo incluiu, ainda, a realização
do ‘making of’ (registro de todos os encontros em vídeo) que constitui parte do corpus da
pesquisa e tem possibilitado diversas análises.
Com verba do projeto, apoiado pela FAPERJ, a escola Ary Quintella recebeu os
equipamentos necessários à produção de vídeos, como uma câmera semiprofissional, um
computador Macintosh com programa de edição e um vídeo walkman. Esses equipamentos
agora integram o patrimônio da escola. Ainda visando à realização do projeto, foram
concedidas pela FAPERJ bolsas para dois professores da escola, para quatro ex-alunos, que
cursam o ensino médio, e para duas estudantes do curso de pedagogia da UERJ. A partir de
uma negociação entre o grupo, ficou decidido que cada um dos quatro ex-alunos dividiria sua
bolsa com um aluno da escola, o que elevou para oito o número de adolescentes vinculados ao
projeto. A produção contou também com a presença de profissionais que ajudaram com
questões mais específicas – como sonorização (músico profissional) e ilustrações (desenhista)
– que emergiram com os roteiros, durante as filmagens ou ainda no momento da edição.
23
A equipe produziu três vídeos, conforme o previsto. O primeiro a ser concluído,
"João: a história pode ser outra", abordou a Revolta da Chibata e a história de João Cândido,
estabelecendo conexões entre o motim dos marinheiros liderado pelo marujo que ficou
conhecido como "Almirante Negro" (Baía de Guanabara, 1910) e os problemas enfrentados
por um jovem negro e pobre em seu dia a dia. O segundo vídeo, "Ary Quintella: um complexo
de histórias", abordou a história da própria escola, contando com a participação de ex-alunos
nas décadas de 1970, 80 e 90. O terceiro vídeo, "Luz, escola, música, ação" é um musical
realizado a partir de canções criadas pelos alunos, apresentadas em festivais promovidos pela
Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, e que abordam questões da vida
cotidiana dos jovens, como a violência, o tráfico de drogas, o preconceito e a invenção de uma
vida melhor.
A Escola Municipal Professor Ary Quintella está, oficialmente, situada em Vila da
Penha, porém, para alunos e professores ela está localizada na Penha Circular. Os dois bairros
são próximos e situam-se nos arredores da Penha. A região ganhou destaque na mídia
nacional em novembro de 2010 por conta da ocupação da Vila Cruzeiro - no Complexo da
Penha - e do Complexo do Alemão (dois complexos de favelas construídos sobre a serra da
Misericórdia) por policias da Polícia Civil e do Bope, com apoio da Marinha. Naquele
período as aulas foram suspensas e as gravações adiadas. A operação policial, porém, não
abalou a vontade e a disposição dos praticantes da escola Ary Quintella em criar e narrar, por
si mesmos, suas muitas histórias não contadas pelos meios de comunicação de massa. Cem,
dos 600 alunos da escola Ary Quintella participaram, de alguma maneira, das produções.
II � Aprendizagens com o projeto de produção audiovisual na/com a escola
Entre as diversas possibilidades de análise que os processos engendrados com o
projeto possibilitam, trataremos, primeiramente, de algumas questões vivenciadas no
cotidiano escolar por ocasião da realização dos vídeos que nos possibilitaram, como
professora e estudante do curso de Pedagogia, vivenciar as redes em meio às quais foram
sendo tecidos conhecimentos e significações relacionados aos usos das tecnologias.
A ideia de redes de conhecimentos e significações em suas tessituras cotidianas
(Alves, Passos, Sgarbi, 2006) pelos praticantes das múltiplas redes educativas é fundamental
para que possamos compreender os complexos e múltiplos processos de criação de saberes
através dos/com os usos de artefatos culturais nos cotidianos escolares. Esses diversos e
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diferentes usos, tanto por alunos como por professores, bem como por uns e outros juntos,
implicam entrelaçamentos de conhecimentos criados em vários contextos da vida de cada um
(entretenimento, família, religião, consumo cultural, etc.), bem como trocas variadas e nos
dois sentidos, ou seja, alunos aprendem com professores (especialmente o que se refere aos
conteúdos a serem tratados) e professores aprendem com alunos (principalmente o que se
refere à manipulação dos equipamentos e à expressividade em linguagens audiovisuais).
Com essa compreensão, consideramos que o principal diferencial deste projeto em
relação aos outros já desenvolvidos, não só pelas equipes do Laboratório, mas também por
outros pesquisadores, está no fato da produção dos vídeos ter sido desenvolvida por alunos e
professores juntos e não apenas por alunos ou apenas por professores, como acontece na
maioria das vezes. Isso permitiu que nossas análises se voltassem para os modos pelos quais
novas relações vão se estabelecendo nas escolas com os usos dos variados artefatos culturais.
Nesse caso especificamente, podemos vivenciar a constante reelaboração das relações que,
mediadas pelos usos das tecnologias e pelas aprendizagens conjuntas que esses usos
implicam, foram, pouco a pouco, tornando-se menos hierárquicas, mais horizontais. Nesses
processos foram se formando parcerias que acabaram se estendendo, como pudemos observar,
para outros contextos cotidianos da escola. Da mesma forma, as relações entre professores e
estudantes do curso de Pedagogia participantes do projeto também se estreitaram,
configurando-se parcerias e trocas variadas nos dois sentidos.
Ainda em referência às aproximações, trocas e produção coletiva de conhecimentos,
vale ressaltar que o projeto possibilitou também uma parceria entre a universidade e a escola,
uma troca e um enredamento de saberes, fazeres, e significações. Uma possibilidade de pensar
conjuntamente às práticas educativas, de fazer emergir as tantas histórias que, de outro modo,
não são contadas sobre as escolas e sobre os processos curriculares e pedagógicos que são
criados em seus cotidianos.
Participar desse projeto e analisar os processos engendrados durante a produção dos
vídeos nos permitiu vivenciar e investigar as negociações, às vezes consensuais, às vezes
conflituosas, forjadas em diversas etapas necessárias à construção vídeografica de uma história e
que dizem respeito à construção dos personagens em conexão com os modos de representação dos
sujeitos. Como os professores apresentam/representam os alunos e como querem ser
apresentados/representados? Como os alunos apresentam/representam os professores e como
querem ser apresentados/representados?
25
Acompanhando as discussões entre docentes e discentes da escola e a equipe da
universidade que atravessaram toda a construção dos personagens e das cenas, sugerimos que
esse processo instituiu o que Bhabha (1998) chama de “entre-lugar”, um espaço limiar em que
as pessoas convivem com experiências culturais diferentes e no qual são desconstruídas as
representações estereotipadas de uns sobre outros, ou seja, os regimes de verdade cristalizados
sobre o outro, sobre o conhecimento e sua expressão e sobre o mundo, engendrando a
fabricação de outros possíveis.
Como foram sendo construídos os personagens-alunos nas histórias? E os professores-
personagens? E os embates, as lutas, os entendimentos, as negociações, as relações raciais, de
gênero, entre faixa etária, socioeconômicas, de atividade desempenhada na escola, enfim, as
relações de poder?
Acompanhando essa produção, apontamos que a criação de histórias videográficas
permite a ampliação da capacidade imaginativa, de modo que todos os envolvidos são levados
a imaginar sobre si mesmo e sobre o outro, redefinindo, como sugerem Gonçalves e Head
(2009), a própria concepção de representação. Em consequência disso, uma multiplicidade de
representações e auto-representações passam a competir e negociar entre si. O resultado disso
é que a obra produzida não pode mais ser pensada com a representação de um objeto, mas de
uma apresentação de uma relação entre sujeitos.
No que se refere ao modo pelo qual se constrói a auto-imagem, Gonçalves e Head
apontam para um processo relacional em que as representações são produzidas através de ‘um
jogo de espelhos’. As imagens de si se produzem através dos outros, nas relações com os
outros. A auto-imagem, portanto, é uma imagem em transformação, o que acentua o seu
devir-imagético (2009, p. 20). A noção de devir-imagético busca dar conta da emergência, nos
processos de auto-apresentação, de uma 'função fabuladora' que, ao deixar de lado as
verdades sobre os outros, criadas pelos discursos hegemônicos, aposta na evocação de uma
potente falsidade sobre si, em oposição às verdades constituídas (p. 21). Vale ressaltar que o
personagem criado não é real ou fictício. De acordo com Gonçalves e Head, agenciados pelos
estudos de Deleuze sobre o cinema, a auto-apresentação estaria aderida à formulação do
devir da personagem real quando ela própria se põe a ficcionar (2009, p. 21).
Começamos com Didi-Huberman e com uma questão sobre a avalanche de imagens e
sons que nos arrastam e confundem num caos semiótico. Voltamos então a eles, o autor e a
questão, apenas para acentuar o que podem insinuar esses processos e produções na nossa
sociedade. Conforme Didi-Huberman (2011) em meio às luzes fortes dos projetores da
26
sociedade do espetáculo, que a tudo buscam ofuscar, é preciso enxergar os lampejos dos vaga-
lumes. É preciso enxergar seus gestos, suas manifestações, suas imagens intermitentes, seus
intervalos de aparições, que instituem a criatividade e a criação como formas de resistência e
sentido.
Referências Bibliográficas:
ALVES, Nilda; PASSOS, Mailsa; SGARBI, Paulo (Orgs.). Muros e Redes: conversas sobre escola e cultura. Porto: Profedições, 2006.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed-UFMG, 1998.
CERTEAU, Michel. de. A invenção do cotidiano - artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2011.
GONÇALVES, Marco Antonio; HEAD, Scott (org.). Devires imagéticos: a etnografia, o outro e suas imagens. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. HARDT, Michael & NEGRI, Antonio. Multidão: guerra e democracia na era do Império. Rio de Janeiro: Record, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. 2ª ed. São Paulo: Ed. 34, 2009. RINCÓN, Omar. Televisión, video y subjetividad. Bogotá: Grupo Editorial Norma.
CURTA VILA KENNEDY: O CINEMA QUE CONECTA A EDUCAÇÃO POPULAR
Isabel Cristina Mendes Pinheiro Navega O que é a Educação Popular e onde se faz?
A experiência de partilhar da criação solidária do saber é inesgotável e sempre renovável. Criar saberes, como formas de conhecimento partilhado, cria a exigência de sua permanente e crescente criação. E o saber, em cada um dos seus momentos de existência entre os que partilham, desvenda e coloniza, na cultura de que é parte, sempre novos saberes. (Brandão, 2002, p. 364)
Entende-se por Educação Popular o conjunto de práticas e medidas socioeducativas
que visam resgatar a cidadania dos indivíduos no cenário social e político em que estão
inseridos. Essas ações estabelecem, para tanto, linhas de conexão com o universo cultural dos
sujeitos, relacionando, as suas trajetórias e aos seus conhecimentos de mundo, os fatos que
lhes são ilustrados cotidianamente em suas vidas, sendo estes, então, suscetíveis de ativas
transformações sociais.
As manifestações, que permeiam as esferas da Educação Popular, tem função
mediadora e dialogam, no processo de construção da cidadania, com diversos temas
relacionados aos direitos, deveres e obrigações do povo em geral; além de manifestar as
aspirações, os conflitos, as pretensões políticas e desejos dos sujeitos que se criam de acordo
com as preocupações existentes na sociedade, quando determinados temas estão em
discussão.
É a consciência cidadã que motiva a sociedade a mover-se, a assumir o público como seu próprio, a exigir respeito do Estado e dos partidos políticos, a fiscalizar e controlar o desempenho público e a exigir prestação de contas dos funcionários. Também se relaciona com a necessidade de realizar trocas culturais substanciais em todos os âmbitos, particularmente no político, ou seja, a necessidade de mudar valores, crenças e atitudes diante do estatal, diante do público, diante da relação Estado-sociedade civil e diante da relação Estado-partidos políticos, o que supõe a erradicação de percepções ideológicas que os identificavam, no passado autoritário, como inimigos irreconciliáveis, diante das quais não havia sequer a possibilidade de diálogo (Pontual; Ireland, 2006, p. 24).
Porém, toda essa enérgica participação dos indivíduos, em seu meio, nem sempre foi
ativa. Ela só se tornou possível por conta de toda a diversidade existente na sociedade, que
emergia na existência de fenômenos, ou problemas, que requeriam a cooperação de todos para
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solucioná-los (Pontual; Ireland, 2006, p. 21); fazendo com que as contradições que
explicavam e justificavam as lutas tradicionais dos indivíduos começassem a ser
transfiguradas, com o passar do tempo, no correr da história humana.
A partir dos anos 60, diversos campos de atuação social começaram a divergir entre si.
O resultado culminou no aparecimento de correntes lideradas por distintos integrantes da
sociedade: desde intelectuais comprometidos, ativistas, personalidades e estruturas de
mediações, como diversas organizações e igrejas, partidos políticos, movimentos populares e
o que mais tarde, em meados de 1990, passariam a se chamar de ONGs (Pontual; Ireland,
2006, p. 46).
No Brasil, as primeiras investigações a respeito do movimento de Educação Popular, e
suas ações de desenvolvimento e transformação social, emergem através dos ideários de
Paulo Freire, há aproximados quarenta anos, por intermédio de suas itinerantes análises,
propostas e enfoques expostos ao largo de suas experiências realizadas e direcionadas às
classes populares. A resistência, a perpetuação e sua militância ajudaram a repensar e a
promover questionamentos acerca das atuais democracias e realidades sociais.
Freire, um dos mais notáveis pensadores da Educação brasileira e mundial,
fundamentava que a formação do indivíduo só será definitivamente efetiva quando as práticas
educativas privilegiarem a participação espontânea dos sujeitos. Isso independente das
circunstâncias em que eles estejam localizados, já que suas visões e interpretações de mundo
estão em perpétuo, e contínuo, processo de ressignificação.
A Educação Popular, para Paulo Freire, parte do princípio de que o fator
preponderante para a obtenção dos resultados desejáveis deve-se, em qualquer conjuntura ou
hipótese, considerar o aprendizado democrático; devendo relacioná-lo às situações cotidianas
e reais, que são vivenciadas pelo educando ao redor de seu ambiente físico, histórico, social e
cultural.
Este tipo de educação, então, volta-se para a conscientização, para a mobilização e
para a libertação das classes populares. Ideologia esta que não admite a manipulação dos seres
humanos, tampouco de seus anseios, na luta e busca por uma sociedade mais justa, digna e
igualitária para todos os que, nela, estão imersos, acreditando na liberdade e não na opressão;
na criação, na criticidade, que se faz diferente de paradigmas.
Assim, o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas
com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de
relações que é (Freire, 1967, p. 39). Evidenciando que as práticas educacionais devem estar,
29
indissociavelmente, aliadas aos espaços públicos da população como um todo, e devem,
também, resgatar e valorizar o homem, e suas potencialidades reais, como indivíduo
protagonista do processo de construção e reconstrução de significado que será, a qualquer
tempo, simultâneo e dinâmico.
I - Curta Vila Kennedy: a Educação Popular vista na tela do cinema
Um poema, sabe-se que foi escrito por alguém; uma música, composta, tocada por alguém. Até em uma paisagem ou um retrato, por mais “fiel” [grifo do autor] que seja o modelo, há a mão do pintor que coloca seus gostos, sua preferência por certas cores, sua simpatia ou antipatia pela pessoa que ele pinta. Agora, o “olho mecânico”, como alguns chamaram o cinema, ele não. Ele não sofre a intervenção da mão do pintor ou da palavra do poeta. A mecânica elimina a intervenção e assegura a objetividade. Portanto, sem intervenção, sem deformações, o cinema coloca na tela pedaços de realidade, coloca na tela a própria realidade. (Bernadet, 1980, p. 24).
O Curta Vila Kennedy foi o primeiro festival de Curtas-metragens realizado na Vila
Kennedy, periferia do bairro de Bangu, no Rio de Janeiro – RJ. O projeto que contou com
apoio financeiro do Governo do Estado do Rio de Janeiro, através do edital de Microprojetos
da Secretaria Estadual de Cultura, foi idealizado por Guilherme Santos Junior, artista plástico
e morador da região, e produzido pelo Coletivo Città produções, equipe composta por
diversos profissionais ligados às áreas da educação, jornalismo e, também, por integrantes da
comunidade que auxiliaram na promoção, propagação e divulgação do evento.
Assim resume o próprio Guilherme Junior, mentor do festival:
“O festival nasceu de um experimento a partir de uma experiência que eu tive na Europa, em Portugal, porque foi lá que eu, verdadeiramente, comecei a estudar cinema. Nesse período, eu, além de estudar a história do cinema, eu tive contatos com professores que me davam dicas e me incentivavam a produzir vídeos lá e eu comecei a participar de alguns festivais e esses festivais reuniam um grupo de estudantes e curiosos, e eu comecei a me preocupar em fazer trabalhos que adicionassem no conhecimento de outras pessoas, relacionados, principalmente, a cultura brasileira [...] e eu fui alimentando a possibilidade de fazer igual quando eu voltasse ao Brasil, e existe essa possibilidade de fazer algo voltado para a área socioeducativa e cultural.”.
Sua ideologia resultou no desejo de despertar o interesse pelo cinema amador dos
jovens que povoam as esferas da Vila Kennedy, rotulada como, então, área de risco: “escrevi
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o projeto pensando nas questões que a gente estava vivendo. No convívio com a violência que
estava predominando, eu queria muito fazer algo para mostrar ao morador que a gente tem
valores e podemos mostrá-los para nós e para as outras pessoas”.
Além do supracitado, o projeto tentou também, segundo o idealizador, propiciar a
criação audiovisual dos moradores dessa localidade, por intermédio de oficinas que
viabilizassem e fomentassem essa iniciativa. Tudo isso com a intenção de se desenvolver a
cultura cinematográfica neste ambiente e integrá-la aos seus contextos e realidades,
utilizando-a como ferramenta que conectasse a Educação Popular.
Ademais, o Curta Vila Kennedy favoreceu a discussão a respeito das grandes
produções audiovisuais dirigidas e gravadas nas grandes comunidades populares do Rio de
Janeiro, suas efetivas criações, e a importância delas como cerne da cultura mundializada na
atualidade (Ramos, 2004, p. 11); já que a linguagem cinematográfica dialoga com questões
inerentes ao dia a dia dos indivíduos, e lhes confere novas possibilidades de ver, encarar e
interpretar as situações de seu cotidiano.
A projeção do festival e sua abordagem educativa foi integralmente voltada para a
população: desde a preocupação em trazer pessoas que pudessem falar das suas experiências
com cinema, auxiliar na edição dos vídeos amadores produzidos pelos moradores da Vila
Kennedy, até convidá-los para conhecerem um dos poucos espaços de educação alternativa do
bairro, que é o Teatro Mário Lago, lugar que, para muitos, foi a origem das “primeiras
experiências com o cinema”.
Para atrair o público da localidade ao espaço destinado para a exibição dos curtas, já
que este é tido como “mal localizado”, os produtores do festival estipularam, então, três
modalidades de produção que, segundo os envolvidos, poderiam ser utilizadas como forma
entretenimento: a mostra não competitiva, a mostra competitiva e a mostra intitulada como
“Eu curto a Vila Kennedy?”.
A primeira mostra consistiu-se na exibição dos filmes “produzidos por cineastas
convidados ou disponibilizados por diversas organizações que foram parceiras do projeto”; a
segunda, contou com a exibição dos filmes enviados por seus idealizadores com intuito de
participar, competitivamente, desta parte do festival que premiaria aos que produzissem curtas
amadores e de tema livre; e, a terceira, premiaria aos filmes ambientados na Vila Kennedy, no
tocante a sua história, população, geografia, a vida cotidiana dos moradores, os problemas e o
cotidiano local, etc.
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“A resposta foi positiva” em todos os aspectos, e os resultados foram imediatos. Após
o recebimento dos filmes, a exibição destes foi aclamada por todos os espectadores que
estiveram presentes, no teatro, ao largo dos três dias que compuseram o festival; isso
considerando relatos de moradores que compareceram e, principalmente, se identificaram
com as histórias narradas nas entrelinhas das produções cinematográficas que foram exibidas.
Os efeitos do evento mobilizaram não só os moradores, que valorizaram a construção
cinematográfica de seus conterrâneos, mas também permitiram resgatar a Educação Popular
como parte integrante do trabalho humano e indissociável da Educação em seu aspecto global.
Uma senhora, por exemplo, “possivelmente mãe de um dos espectadores, possivelmente um
adolescente, após o evento, entrou em contato e perguntou onde poderia ter acesso a esses
filmes, já que seu filho desejava utilizá-los como projeto da disciplina de artes na escola”.
É o cinema educando a população que dele faz uso, sendo ele considerado uma forma
legítima de agregar, aos conhecimentos que os espectadores já possuem, novas perspectivas
de se considerar os valores de sua cultura: propondo uma reflexão de ordem não somente
social, mas estética e política; já que no cinema, sendo este fantasioso ou não, a realidade
impõe-se com toda a força (Bernadet, 1980, p. 126).
O Curta Vila Kennedy serviu, então, como um laboratório para a Vila Kennedy, como
“espécie de valorização do espaço local”. Sua receptividade “foi tão boa, que pessoas de
outros lugares, de outros estados, resolveram mandar uma cópia dos seus trabalhos para
exibição no festival”. Além disso, o público reagiu tão positivamente a esta iniciativa que
muitos, no dia posterior ao evento, segundo relatos do idealizador, entraram em contato para
dizer que o festival deveria ocorrer, frequentemente, nos próximos anos.
Assim, percebe-se que o cinema, através de sua prática educativa e manifestação
artística, triunfa não só na pela reprodução da vida, mas pela possibilidade de, a partir dele,
adquirir novas formas de compreensão social, partindo do pressuposto de que este recurso
audiovisual pode chegar, democraticamente, a todas as diversas esferas da população. Com
isso, pensar o cinema isoladamente é não pensá-lo em sua totalidade, é desconsiderar que dele
se faz uso, também, o contexto e o conteúdo de seus espectadores.
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II - Histórias de Vida: o veículo audiovisual transmitindo e produzindo conhecimento na Vila Kennedy
O cinema dá a impressão de que é a própria vida que vemos na tela, brigas verdadeiras, amores verdadeiros. Mesmo quando se trate de algo que sabemos não ser verdade [...], a imagem cinematográfica permite-nos assistir a essas fantasias como se fossem verdadeiras; ela confere realidade a estas fantasias. (Bernadet, 1980, p. 127).
Dentre as oficinas, as exposições e os debates que compuseram o projeto de
intervenção cultural na Vila Kennedy, nos dias 16, 17 e 18 de março de 2012, o acesso aos
vídeos e suas exibições nas datas supracitadas foi a parte mais esperada do festival.
Principalmente porque na mostra competitiva, cujo tema era “Eu curto a Vila Kennedy”,
muitos moradores desejavam assistir às produções em que estavam envolvidos, as de seus
vizinhos e amigos; o que propiciou, evidentemente, o diálogo dos moradores com seu meio.
Esta parte do festival exibiu cinco curtas-metragens, inscritos, que relatavam inúmeras
questões existentes na Vila Kennedy. Eles foram exibidos no último dia do evento e fizeram
parte de uma seleção, uma espécie de júri técnico, que levou em consideração a ativa
participação dos moradores nas produções, assim como seus pontos de vista e opiniões sobre
o que relatavam nas imagens fílmicas.
A banca examinadora elegeu, de acordo com as premissas acima, o filme “Histórias de
Vida”. Trabalho criado pelo professor Valdemir, da Escola Municipal Ciep Vila Kennedy,
em parceria com os 39 alunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos, o PEJA. O
título da produção ajuda a imaginar, previamente, o que se deseja transmitir: relatar a
trajetória dos moradores que habitam este espaço físico e geográfico e as relações que eles
estabelecem sendo os próprios protagonistas da narrativa.
O curta-metragem suscita o desejo de se olhar esses atores sociais, que da Vila
Kennedy são integrantes, no conjunto de suas experiências, por meio de diferentes ângulos e
das leituras das suas memórias sociais: desde suas projeções, limites, angústias e aspirações.
Não importando delimitar se o que o cinema reproduz tenta ser real ou não, ser fiel, natural ou
artificial; importando, apenas, o que o filme quer dizer e o que se pode interpretar acerca de
seu conteúdo (Bernadet, 1980, p. 131).
É possível perceber, através de algumas experiências retratadas no filme, que os
protagonistas estão repaginando suas concepções sobre o papel social que exercem, hoje, na
sociedade. A subjetividade de seus relatos representa não só as diversidades postas em debate,
mas também a visão e o posicionamento deles diante de uma série de questões evidenciadas,
atualmente, em seu cotidiano. Haja vista a declaração da aluna Maria da Conceição Barbosa,
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que vê, na Educação, as possíveis formas de ascensão social e a valorização de seu papel
como cidadã atuante na luta pela manutenção e ampliação de seus direitos e deveres (Pontual;
Ireland, 2006, p. 109).
Assim, segundo Paulo Freire (1987, p. 23):
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá, dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.
Outro ponto importante que chama a atenção para o filme, e traz à tona o debate sobre
a significação da Educação Popular, provém da fala, impressionante, da aluna Ilza da
Conceição. Ela possibilita a interferência dos espectadores, principalmente dos jovens, no
modo como pensam a Educação e o processo de ensino-aprendizagem, ao dizer que “nunca é
tarde para aprender e para aprender não tem idade”.
Pela identificação, o espectador pode se deixar conduzir pelo sentido da narrativa,
enquanto atribui significados a ela (Duarte et alli 2004. p. 45). Isso é possível pela troca de
experiências entre os espectadores e moradores-atores do filme, o que possibilita a
interpretação e a contextualização do emaranhado de informações transpassadas através das
narrativas, associando-as às práticas existentes na contemporaneidade. Como, por exemplo, é
visível no relato da aluna Maria José Lopes, que na sua infância não pode ir à escola e
apanhou porque foi escondida, já que, segundo seu pai: “mulher não precisava aprender a ler.
Aprender a ler para quê, para escrever carta para namorado?”.
As experiências de cada componente do vídeo são bem tocantes e sensibilizadoras.
Elas resgatam valores, incorporam a diversidade social à Educação Popular, pois propiciam a
participação dos sujeitos na tomada de decisões, além de proporcionar ganhos sociais através
das relações que se estabelecem na interação do indivíduo com o meio, neste caso, do
espectador com os protagonistas dos filmes e seu espaço físico e geográfico.
Ainda nessa perspectiva, vê-se, com a experiência da aluna Elza Maria, um relato
capaz de mobilizar boa parte da população. Ela que, por razões diversas, não pode frequentar
o colegiado na fase regular, diz que, ainda hoje, existem pessoas que a questionam se ela, na
idade atual, ainda tem “algo a aprender”. Ciente do seu papel social, Elza contrapõe dizendo:
“eu ainda tenho muita coisa a aprender ainda”, ou seja, a Educação sendo utilizada, nesse
contexto, como elemento de superação.
34
O contato com as imagens fílmicas emociona integralmente os espectadores. Os
alunos, moradores, atores, protagonistas, repensam as questões assinaladas na narrativa, que
também se fazem presentes em diversas culturas, e as associam ao seu conhecimento de
mundo. Isso permitirá atribuir sentido à trama e, consequentemente, dar-lhe-á novas e
cabíveis vias de interpretação social; além de viabilizar recursos para a reflexão de aspectos
tidos como morais, porque permitem que os espectadores experimentem situações diversas,
ainda que não, necessariamente, tenham sido vivenciadas por eles.
Outros dois relatos do filme “Histórias de Vida” tornam-se bem marcantes no ato de
sua exibição. O primeiro é quando os alunos Carlos Davison e Mara Regina evidenciam seus
sonhos: ele diz que é o de “ajudar ao próximo”, ela revela seu desejo de “ser escritora”. São
sonhos simples, mas são suficientes para marcarem as participações desses dois personagens
na trama. Seus desejos rompem com os estereótipos de que, por viverem em uma região cuja
precariedade do básico, como sustento, é constante, não possam por fim aos paradigmas que
lhes são, constantemente, atribuídos.
O segundo relato é o do aluno Altair Matias. Esta parte do filme foi a mais impactante,
quando apresentada no festival, pois toca em um dos pontos mais questionados pelos
moradores da Vila Kennedy e de periferias que, também, se encontram às margens do que
lhes são predestinados: a possibilidade de ascensão social, a mudança de vida e de condição
financeira.
Para ele, esta alternativa, esteve relacionada a um paradoxo jogo. Isso mesmo, Altair
teve a possibilidade de melhorar sua condição financeira através da combinação dos seis
pontos agrupados da Loteria Federal, mas a desperdiçou por não pensar no que isso,
futuramente, poderia proporcionar a sua vida. Ao invés de jogar na Loteria, ele jogou
“purrinha” e gastou todo o dinheiro que seu pai lhe deu. Ele apanhou e, não satisfeito com o
ato do pai, fugiu de casa.
Todas essas histórias funcionam como ganhos sociais: pois suas relações com o
cotidiano, com o popular, com o contexto dos indivíduos, interpelam as concepções de vida
que os personagens tinham quando os fatos aconteceram e pelas novas interpretações que hoje
possuem ao relatar suas vivências passadas. Além de possibilitar que o espectador, no
exercício de sua cidadania, repense suas práticas, ações, considerando a relação ativa de
sujeitos que eles exercem nas diversas esferas da sociedade. Exatamente o que se dimensiona
no campo da Educação e seu protagonismo popular, pois não há, como menciona FREIRE
(1967, p. 35), educação fora das sociedades humanas, assim como não há homem no vazio.
35
III � Conclusão O cinema entra na sua vida como um dos elementos que compõem a sua relação com o mundo, o cinema não determina completamente essa relação. Além disso, contrariamente a muitas teses, diante do cinema, o espectador não é necessariamente passivo [...]. No ato de ver e assimilar um filme, o público transforma-o, interpreta-o, em função de suas vivências, inquietações, aspirações, etc. (Bernadet, 1980, p. 166).
O cinema, como uma das artes dominantes (Bernadet, 1980, p. 132) na sociedade e
suas diversas formas de narrativas e linguagens, possibilita produzir sentido e construir
valores na sua interação com o espectador, além de resgatar elementos e expressões culturais
interligadas às ideologias democráticas da Educação em seu campo Popular e relacionar-se,
também, aos outros campos da sociedade civil.
Como se pode perceber, a Educação Popular, como concepção educativa, está
conectada às inúmeras ações e práticas que compõem a história cultural do ser humano. Suas
medidas socioeducativas atribuem o papel de protagonista à população, no tocante à
disseminação do conhecimento e da permanência ativa de seus participantes na construção do
poder político de suas camadas.
Por isso a arte cinematográfica, e a valorização de produções autorais criadas em
espaços populares, como, por exemplo, o filme “Histórias de Vida”, estabelece uma relação
significativa, porque vincula, resgata e põe em voga os aspectos políticos e socioculturais do
local. E, à medida que o público assiste às produções cinematográficas, principalmente às que
estão diretamente relacionadas ao seu convívio, novas projeções sociais de realidade são
recriadas, porque os espectadores se reconhecem, e se redefinem mutuamente, através das
experiências alheias.
Assim, percebe-se que, projetos culturais como o 1° Festival de Curtas-metragens da
Vila Kennedy, possibilita o estreitamento entre Cinema e Educação Popular. No diálogo entre
os elementos do filme, orientações, sugestões e explicitações, a arte fílmica indica a entrada
da vida cotidiano dos personagens à, também, vida cotidiana de seus espectadores, fazendo
com que estes se reconheçam naqueles, por meio do coletivo ao qual fazem parte, e atuem
democraticamente, através das contínuas intervenções na sociedade.
36
Referências Bibliográficas: BRANDÃO, C. R. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002. BERNADET, J. C. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 1980. DUARTE, R.; LABRUNNE, M.G.; ALVES, D.; LIMA. E.; ALVES, C.; LEITE, C. Produção de Sentido e construção de valores na experiência com cinema. In: SETTON, M.G.J. (Org.). A cultura da Mídia na Escola. São Paulo: Annablume, 2004. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. ______. 1967. Educação como prática de liberdade. 14ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. PONTUAL, P.; IRELAND, T. (Org.). Educação Popular na América Latina: diálogos e perspectivas. Brasília: Ministério da Educação/ UNESCO, 2006. RAMOS, J.M.O. Cinema, televisão e publicidade: cultura popular de massa no Brasil nos anos 1970-1980. São Paulo: Annablume, 2004. SETTON, M.G.J. Cinema: instrumento reflexivo e pedagógico. In: SETTON, M.G.J. (Org.). A cultura da Mídia na Escola. São Paulo: Annablume, 2004.
MÍDIAS, EDUCAÇÃO E SEXUALIDADE:
DISCUTINDO IMAGENS PARA O ESPAÇO ESCOLAR Luriam Cruz da Silva
Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a imagem que dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os sentidos que nele se incorporam, a educação de seus gestos... Enfim, é um sem limite de possibilidades sempre reinventadas e a serem descobertas.
(Goellner, 2010, p. 29)
Em busca das falas escolares, onde os sujeitos se expressam, produzem suas ideias e
percorrem as múltiplas diversidades culturais no/do ambiente social, busco neste trabalho
refletir sobre as influências midiáticas e expressões juvenis que fulguram o espaço social, bem
como um diálogo entre as práticas educacionais desenvolvidas frente à educação sexual.
Problematizamos neste capítulo o trabalho escolar mediante a discussão das
sexualidades a partir das variadas pedagogias em circulação5 que reproduzem as múltiplas
características identitárias em produções midiáticas. Analisamos especificamente três vídeos
produzidos pela Organização Não Governamental (ONG) Pathfinder do Brasil para o
Ministério da Educação (MEC), composto por histórias que fazem parte do espaço escolar,
histórias estas que apresentam as múltiplas transformações e traz a pluralidade que, como dito
por Guacira Lopes Louro (2010: 42) “novas identidades culturais obrigam a reconhecer que a
cultura, longe de ser homogênea e monolítica, é, de fato, complexa, múltipla, desarmonizada,
descontínua.”
I � Diretrizes Curriculares: singular ou plural?
A preocupação educacional sobre a sexualidade existe desde os anos 20, porém o
discurso se intensifica a partir dos anos 70 e 80, voltada para o risco das doenças e
contaminações, bem como gravidez indesejada que começaram a acometer os jovens,
repercutindo no desenvolvimento de uma política de redução de danos, introduzindo a escola
o papel de informar e prevenir. Em sequência a estudos sobre a sexualidade, bem como sua
5 Aqui me aproprio da fala de Silvana Goellner (2010) discursando sobre a construção do corpo, como aquele que representa suas características sem normas fixadas, inconstante, que se expressa e é expresso; Características presentes em músicas, cinema, imagens, livros, etc.
38
importância frente o desenvolvimento identitário, as influências culturais e sociais que
permeiam o discurso e a construção de um conhecimento, é possível trabalhar o olhar e
perceber a complexidade que compõe os espaços sociais e pensar nas multiculturas que se
originam das múltiplas redes emergentes de reivindicações identitárias, vindas das
modificações sociais que se constroem a partir dos ideais refletidos e das relações produzidas
durante seu percurso. Semprini (1999:146) nos apresenta em seu discurso o “espaço
multicultural como espaço de sentido, onde a importância da circulação dos símbolos é maior
que a circulação de materiais e bens” (grifos do autor). “Num contexto multicultural, não
existe “um” espaço social, mas tantos espaços quantas percepções os diferentes grupos
tenham do mesmo.” (Semprini, 1999: 147).
Para dialogar com esta multiplicidade visualizamos a necessidade de compreender e
aprender com esta diversidade de expressão, pois, investigar estas variáveis, é palpar e
absorver culturas distintas. Afrânio Catani e Renato Gilioli (2008: 104) chama atenção a
juventude e suas multiplicidades, desnaturalizando a condição “natural” do ser, o
desconhecimento social das juventudes, das diversidades e das desigualdades que constroem
as culturas juvenis e a relação que a sociedade pouco conhece/reconhece.
Os desenhos didáticos6 começam a criar forma a partir da aprovação da última LDB
(Lei 9.394/96) com o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o
Ensino Fundamental e Médio, que conduz a educação ao acesso pleno em exercício da
cidadania, bem como relevante aos assuntos contemporâneos (ex: meio ambiente,
sexualidade, saúde, ética). Quando se discute a sexualidade, temos vários fatores que influem
na construção e conceitualização da identidade, e incube ao indivíduo os diferentes caminhos
precursores a mesma. Fatores sociais, culturais, religiosos, familiares também compõem um
universo amplo que promove a diversidade que habita e co-habita os espaços e as identidades
sociais. Os meios de comunicação em massa cada vez mais em ascensão promovem ao
discurso atual, inúmeras características e aspectos que apresentam um universo de novidades.
As mídias presentes no cotidiano trazem aos sujeitos, informações possíveis através da
vivência social, ou seja, do que está inserido no espaço social, do que faz parte do cotidiano e
também de características produzidas a fim de imprimir socialmente novas tendências.
Concordamos com Silvana Goellner (2010: 29) quando diz que “filmes, músicas, revistas e
livros, imagens, propagandas são também locais pedagógicos que estão o tempo todo, a dizer
6 Referente ao desenvolvimento do trabalho pedagógico no ambiente escolar a partir da inclusão dos parâmetros curriculares nacionais.
39
de nós, seja pelo que exibem ou pelo que ocultam.” O discurso proferido pelo Governo traz
aspectos importantes em questão à informação do tema, porém esta mesma informação que se
inicia em um discurso global e igualitário, não é produzida em uma mudança social sob a
reflexão ao debate contemporâneo da diversidade.
Diante da diversidade cultural que compõe o espaço contemporâneo e cerca o
cotidiano escolar, em consonância as variadas ferramentas midiáticas e tecnológicas que
participam do movimento proferido, articulamos à discussão a apresentação dos vídeos
produzidos para o Ministério da Educação (MEC), intitulados: Torpedo, Probabilidade e
Encontrando Bianca. Nestes vídeos encontramos três distintas histórias que dão subsídios para
a discussão no meio escolar sobre o tema transversal. O que será descrito, a seguir, se funda
nas características originais dos vídeos analisados, seguida por diálogos em educação sexual
nas bases educacionais brasileiras.
III � Histórias contadas em imagens retratadas7
Vídeo Probabilidade8
A família de Leonardo precisa mudar de cidade, e nesta transição de espaços,
Leonardo se sente atingido por ter que deixar para trás sua primeira namorada (Carla). Em
meio à mudança, a adaptação em uma nova escola, novos amigos e a nova cidade, Leonardo
começa uma amizade com Matheus que a princípio, por receio não lhe conta sua opção
sexual, porém mais tarde acaba sendo revelada por piadas no ambiente escolar. Leonardo fica
meio confuso em consideração a omissão do amigo sobre sua opção sexual.
Ainda meio entristecido com a mudança de vida, seu novo amigo o convida para festa
de despedida de seu primo que passa pelo mesmo problema que Leonardo passou. Com a
convivência no novo colégio, as novas amizades e as conversas Leonardo se vê confuso;
gostar de meninas ou de meninos? Mas porque tenho que escolher?
7 As imagens utilizadas neste trabalho, se caracteriza a partir da captura de imagens do vídeo disponibilizado no Youtube, através do método de Print Screen e finalização da imagem em programa editorial de imagem Photoscape, com a proposta de produzir diferentes percepções, questionamentos e reflexões sobre a discussão em educação sexual no ambiente escolar.
8 Vídeo disponível em: <HTTP://www.youtube.com/watch?v=NhlFSlRbPrM&feature=related>. Acesso em: 2 de maio de 2012
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O vídeo se encerra com a reflexão de Leonardo mediante os questionamentos de sua
sexualidade, seus sentimentos; sem limitações ao que se refere ao outro, sem barreiras as
relações produzidas em sua vida.
Encontrando Bianca9
José Ricardo narra sua história, contando os sonhos dos familiares, principalmente de
seu pai que gostaria de vê-lo jogador de futebol, mas havia problemas com piadas sobre os
erros que cometia nos jogos; relata do preconceito sofrido quando pintou as unhas de
vermelho pela primeira vez, inventando desculpas para não ir à escola. Logo em seguida, José
Ricardo não encontrava sentido em continuar vivendo com roupas e cabelo de menino,
mudando completamente e passando por fases difíceis, como o preconceito dentro e fora da
escola, e ainda dentro de casa, seus pais passaram um ano sem falar com Bianca (nome
adotado em homenagem a sua atriz favorita). Bianca relata sua experiência dentro do espaço
escolar, da falta de reconhecimento da diversidade pelos profissionais, pela violência
promulgada por outros alunos.
Apresenta a tradição social, que legitima padrões de normalidade e demoniza a
diversidade que faz parte da sociedade. Mas, traz em sua história outras relações, as quais
apoia e dá forças a lutar por um espaço “sem fronteiras”.
9 Vídeo disponível em: <HTTP://www.youtube.com/watch?v=ez4SinjlbeY>. Acesso em: 2 de maio de 2012.
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Vídeo Torpedo10
Esse vídeo traz a história de Ana e Vam; tudo acontece em uma festa onde tiram fotos
delas juntas e na semana seguinte as imagens são propagadas dentro da escola. Sem saber o
que fazer, elas conversam sobre a atitude a tomar, se continuam juntas e como agem para
enfrentar o pré-julgamento que as espera. Tomando assim a decisão de continuar seu
relacionamento e enfrentar todos os desafios sociais que surgir.
10 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2qR7yDl0W0g>. Acesso em: 2 de maio de 2012.
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IV � Educação e Sexualidade: alguns diálogos
A produção do corpo se opera, simultaneamente, no coletivo e no individual. Nem a cultura é um ente abstrato a nos governar nem somos meros receptáculos a sucumbir às diferentes ações que sobre nós se operam. Reagimos a elas, aceitamos, resistimos, negociamos, transgredimos tanto porque a cultura é um campo político como o corpo, ele próprio é uma unidade biopolítica. (Goellner, 2010: p. 39)
Pensando no campo curricular sobre a diferença e identidade, pode-se observar um
discurso singular que padroniza as ações institucionais, criando “nomenclaturas” para o certo
e o errado, definindo o “normal” e o “anormal”. Guacira Lopes Louro (2012: 51) diz que
“talvez seja mais produtivo para nós, educadoras e educadores, deixar de considerar toda essa
diversidade de sujeitos e de práticas como um “problema” e passar a pensá-la como
constituinte do nosso tempo. [...] Um tempo em que a multiplicidade de sujeitos e de práticas
sugere o abandono do discurso que posiciona, hierarquicamente, centro e margens em favor
de outro discurso que assume a dispersão e a circulação do poder”. O que contradiz
totalmente a posição social ao padronizado.
A dificuldade do discurso sobre sexualidade em âmbito escolar acontece ainda hoje
pela descontinuidade e interrupção de um processo permanente, tornando a educação sexual
somente uma atividade extra mediante busca para auxiliar em discussões necessárias que
acontecem em datas específicas. A dinâmica que compõe o multiculturalismo está inserida no
conceito construtivista, onde a troca entre todos os grupos viabiliza a interação indivíduo-
coletividade. As comunicações que originam as falas multiculturais tomam forma a partir do
que o receptor compreende do enunciado emitido, e este é um dos desafios do
multiculturalismo, que passa por questões que estabelecem uma comunicação clara e que
possibilite encontrar novos terrenos de mediação. “Nesse sentido, pode-se afirmar que,
algumas vezes, a cultura juvenil parece não ser bem-vinda à escola” (Aquino & Soares, 2010:
84).
O choque provocado pela lógica social, em relação à padronização inserida nos
espaços, perturba o campo educacional em referência ao tradicionalismo contínuo, que não
dispõe de meios para lidar com os novos movimentos que são construídos no espaço escolar.
Por outro lado, pensando na padronização do corpo, dos estereótipos produzidos socialmente,
dialogamos com o outro lado midiático que promove a sexualidade e sua discussão a nível
moral. Jimena Furlani (2010, p. 69) diz que o principal papel da educação sexual é,
primeiramente, desestabilizar as “verdades únicas”, os restritos modelos hegemônicos da
43
sexualidade normal, mostrando o jogo de poder e de interesses envolvidos na intencionalidade
de sua construção; e, depois apresentar as várias possibilidades sexuais presentes no social, na
cultura e na política da vida humana, problematizando o modo como são significadas e como
produzem seus efeitos a existência das pessoas.” Pensamos assim, na aceitação e na
aprendizagem da verdade no plural, em consonância ao discurso de Guacira (2010, p. 51) que
ressalta a necessidade de desenvolver a instabilidade e “desnaturalizar” o natural, invertendo
os lugares singulares para os plurais.
Referências Bibliográficas: BRASIL/Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - Vol. 08: Apresentação dos temas transversais e ética. Brasília: MEC/SEF, 1997a. GOELLNER. S.V. A produção cultural do corpo. In: LOURO, G. L. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 6ª ed.Rio de Janeiro: Vozes, 2010. LOURO, G. L. Currículo, gênero e sexualidade – O “normal”, o “diferente” e o “excêntrico”. In: 6ª ed. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. FURLANI. J. Educação Sexual: possibilidades didáticas. In: Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 6ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. CATANI. A. M.; GILIOLI. R. S. P. Culturas Juvenis: múltiplos olhares. São Paulo, Ed.UNESP, 2008. SILVA, R. A. & SOARES. R. Juventude, escola e mídia. In: Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 6ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
CENAS DE CURRÍCULO:
O CINEMA NA SALA DE AULA E AS CULTURAS JUVENIS
Monique de Oliveira Silva Talita Raquel Dantas Cardoso
Se quisermos recorrer a etimologia da palavra “currículo”, que vem do latim curriculum, “pista de corrida”, podemos dizer que no curso dessa “corrida”, que é o currículo acabamos por nos tornar o que somos.
Tomaz Tadeu da Silva Podemos fechar os nossos olhos e nos lembramos daqueles jovens com esperança nos corações e asas nos calcanhares.
Carruagens de Fogo O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.
Orson Welles
I � As artes visuais e o currículo
Seguindo os pressupostos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) para o ensino
da Arte, em aspectos gerais, a expressão e a comunicação são elementos básicos para a
compreensão das formas artísticas e a diversidade de concepções estéticas da cultura que se
dão nos níveis regionais, nacionais e internacionais. Assim como, a possibilidade de serem
pensadas sua produção, reprodução e contexto histórico.
É papel da escola incluir as informações sobre a arte produzida nos âmbitos regional, nacional e internacional, compreendendo criticamente também aquelas produzidas pelas mídias para democratizar o conhecimento e ampliar as possibilidades de participação social do aluno. (PCN’s, 1997:35)
As competências estéticas e artísticas se dão em modalidades diversas (Artes visuais,
Dança, Música, Teatro) cuja finalidade, é o desenvolvimento de características que permitam
que os estudantes possam produzir e apreciar, desfrutar e valorizar os bens artísticos de
diferentes culturas e povos. Aqui serão consideradas de forma preliminar as contribuições das
Artes Visuais às práticas de ensino. Um conceito ampliado de educação que desconsidere as
imagens e a leitura estética não se faz nesta época, pois as imagens são presença maciça no
mundo. Com o desenvolvimento da tecnologia e consequentemente dos meios de
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comunicação o fluxo de imagens ganhou maior velocidade, de modo que, a escola não pode
mais ser indiferente às questões relacionadas às visualidades.
As tecnologias de informação e comunicação hoje são pautas recorrentes nas
pesquisas e políticas voltadas para educação, assim como, no aparelho midiático de um modo
geral. Essas tecnologias são responsáveis pela modificação da vida em aspectos diversos,
onde a chamada sociedade da informação encontra-se atada ao sistema econômico validando
suas premissas e o conhecimento, por sua vez, convertido em bem de consumo. Deste cenário
surgem os novos meios de ação e interação sociais e a globalização econômica e cultural do
mundo pós-capitalista tem encontrado forte apoio em diferentes formas de linguagem,
sobretudo nas multimídias. Partindo destes fatos, à escola, instituição responsável pela
formação científica (assim legitimada), estaria reservado o papel de subsidiar aos estudantes
condições necessárias para a reflexão sobre a informação e sua crescente difusão nos
diferentes espaços, sendo possível, que estes a analisem crítica e autonomamente,
convertendo-a em conhecimento. O fenômeno artístico está presente em diferentes
manifestações que compõem os acervos da cultura popular, erudita, modernos meios de
comunicação e novas tecnologias. (idem: 37).
Em consonância com as características culturais da atualidade e seu crescente apelo
tecnológico onde são bastante explorados os relevos das produções audiovisuais, o cinema
fulgura dentre as modalidades das artes visuais, como uma linguagem repleta de contribuições
e significações no âmbito da prática curricular, da dimensão didática e da produção das
culturas juvenis, visto que, uma apreciação significativa das artes visuais e seu universo
permite a concepção de diferentes estéticas nas diferentes culturas. Dizem os Parâmetros
Curriculares Nacionais:
O mundo atual caracteriza-se por uma utilização da visualidade em quantidades inigualáveis na história, criando um universo de exposição múltipla para os seres humanos, o que gera a necessidade de uma educação para saber perceber e distinguir sentimentos, sensações, ideias e qualidades. Por isso o estudo das visualidades pode ser integrado nos projetos educacionais. (1997:45)
II � Uma pesquisa no Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
No período compreendido entre 2009/2010 foi realizada nas dependências do CTUR
(Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) a pesquisa O cinema na
sala de aula: a prática curricular, a didática e as culturas juvenis em trânsito.
Desdobramento da pesquisa Pedagogia da Imagem: Raça, gênero e pertencimentos vistos
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com o cinema – Uma pesquisa para os jovens/com os jovens, sua metodologia consistiu na
exibição de sessões combinadas de filmes com professores e alunos do Ensino Médio na
disciplina de arte. Os filmes (através da mídia DVD) foram previamente selecionados,
respeitando classificação etária e apresentaram questões sobre raça, gênero e pertencimentos.
Pelo motivo de estas questões ligadas a raça, gênero e pertencimentos serem infalíveis a
problematização e compreensão das identidades e culturas juvenis, devem ser abordadas no
currículo como parte de um diálogo com a contemporaneidade e a presentificação da escola;
questões que configuram práticas sociais valorativas da educação.
No Brasil, a condição da juventude envolve, em muito, questões sociais de raça e
gênero. A partir disso, torna-se viável compreender as carências, as relações com o poder e
quais os ideais de mudança da juventude frente às desigualdades presentes no seio da
sociedade. Sem esquecer, que as concepções de pertencimentos estreitam links para as
constituições identitárias, sem as quais raça e gênero não poderiam ser vistas, senão através
das relações e interações que consolidam seus significados nas sociedades pós-modernas,
cujos movimentos se dilatam e se abrem para novos ritmos acompanhando o acelerado
desenvolvimento das metrópoles. O produto final da pesquisa foi a elaboração de um projeto
didático composto de doze filmes cuja proposta é o desenvolvimento de um roteiro contendo
valores pedagógicos e didáticos que o professor possa exibir ao longo do ano letivo como
parte de seu próprio interesse curricular.
Pensar o cinema na escola como uma Pedagogia da Imagem é um convite à reflexão
da linguagem estética, no devir de uma prática curricular fortemente marcada pelo código
escrito, pois apesar de usadas com fins meramente ilustrativos, as imagens são dotadas de
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expressão, comunicação e elementos que permitem uma ampliação do conceito de educação.
Para Rossi (2009:9) “A palavra evoca algo que está ausente; a imagem é (já) presença, aqui
e agora”. Se a instituição escolar a princípio é caracterizada através do que pode oferecer
com seu currículo, faz-se necessário compreender que esse mesmo currículo pode torna-se
uma experiência mais significativa na vida das escolas, dependendo de seus atos.
Hoje o currículo não está envolvido somente com a transmissão de fatos e
conhecimentos objetivos. As teorias pós-críticas afirmam que currículos são espaços
formativos responsáveis pela produção e exposição de significados sociais sutilmente
permeados por ideologias cuja finalidade é legitimar as relações estabelecidas pelas
sociedades e perpetuar a produção das diferenças.
O currículo tem significados que vão muito além daquele aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade. (Silva, 1999:159)
O cinema nos PCN’s é exposto como uma modalidade de arte que resulta dos avanços
tecnológicos e transformações estéticas que surgem através da modernidade, assim como a
fotografia, a televisão, a computação, dentre outros. As configurações culturais existentes
atualmente fazem do cinema instrumento educativo responsável por criar novos aspectos a
fatores importantes na educação, como a expressão e a comunicação. Elementos de grande
importância nas instituições escolares que por sua vez, buscam novas possibilidades
pedagógicas existentes nas artes visuais, contemplando diferentes compreensões das
estruturas de formação discente que se encontram rodeadas por dinâmicas de infinidades de
imagens existentes na contemporaneidade. Portanto, ao utilizar os elementos da linguagem
visual como ferramenta indispensável ao aproveitamento do contato e reconhecimento das
propriedades de expressão, assim como, construção de materiais de suporte nos
procedimentos educativos, enriquecendo as fontes que contemplam a vivência do educando e
suas visualidades, o docente estará construindo uma prática participativa que o leva a tecer e
desencadear as estruturas do saber descrito nos currículos.
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As imagens possuem um caráter formativo e assim são pensadas e utilizadas, porque,
transmitem valores, perspectivas, sentidos etc. Desta forma, a Pedagogia da Imagem está
imersa numa trama que atravessa a escola quanto às questões curriculares, didáticas e
relacionadas às práticas de ensino e persiste fora dela na vida social, possibilitando que seja
pensada sua simbiose com a existência, assim como, o ensino escolar é relevante à
constituição do potencial humano. Sendo assim, a busca pela ampliação deste campo do
conhecimento está para além de mera instrumentalização, mas surge da necessidade de fazer
com que a escola entenda que precisa acompanhar o acelerado ritmo da cidade, que precisa
dar atenção às novas demandas tecnológicas, visto que metrópole, mídias e escola sustentam
os estudantes no cenário social atual. “Escola, mídia e metrópole constituem os três eixos que
suportam a constituição moderna do jovem como categoria social”, afirma Massimo
Canevacci (2005: 23).
Esta dimensão pedagógica do cinema viabiliza refletir como as imagens estão
presentes no cotidiano escolar e como elas proporcionam um aprimoramento do olhar do
aluno e do professor. Do desenvolvimento do senso crítico quanto ao consumo dos bens
culturais, além de uma visibilidade maior acerca das questões referentes ao multiculturalismo.
A ampliação do currículo e a realização dos diálogos através do cinema contribuem para uma
aproximação daqueles que promovem as práticas curriculares com o olhar da juventude sobre
a escola, quais os cenários enredados pelas tramas que buscam identificação com esta
audiência, que reconhece e vivencia narrativas análogas as apresentadas nos filmes.
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A educação anseia por métodos que promovam o interesse dos educandos, desta
forma, a escola busca configurar o fortalecimento curricular em cotidianos que por diversas
vezes são enredados por conceitos como fracasso e evasão, que acabam caracterizando a
escola como um espaço inerme para superar tais termos. Os jovens, ao dialogarem com as
tecnologias, nos apresentam formas pelas quais se veem e articulam seus pensamentos e assim
promovem formas de integração política e social através dos mais variados artefatos
tecnológicos.
III � Transversalidades: a pluralidade cultural e as identidades juvenis
O conhecimento e a valorização das características étnicas, raciais e culturais no país
sempre foram motivo de debates, pois apesar da diversidade, no Brasil ainda existe
preconceito, relações discriminação, desigualdade econômica e exclusão social, que se tornam
empecilhos à concretização de uma vida plena em direitos do povo brasileiro. A superação
desse tipo de mentalidade e atitude é crucial ao convívio harmônico dos diferentes grupos.
A pluralidade cultural enfatiza a diversidade como traço fundamental da identidade
nacional, de modo, a ampliar os horizontes de professores e estudantes, que partilham de
realidades diferentes em um mundo complexo. Sendo assim, a ética é um elemento de
extrema importância às relações sociais, pois é quem estimula a definição de valores
universais que se pretendem benéficos para toda a humanidade.
Os temas transversais são necessários à futuridade da escola como instituição
promotora de uma educação dirigida as concepções emancipatórias consonantes com as
demandas da contemporaneidade, sobretudo, se pensadas a experiência da escassez, as
fraturas sociais e o inconformismo das novas gerações frente aos dilemas do poder e seus
ditames.
O reconhecimento da complexidade que envolve a problemática social, cultural e étnica é o primeiro passo. Tal reconhecimento aponta a necessidade da escola instrumentalizar-se para fornecer informações mais precisas para questões que vêm sendo indevidamente respondidas pelo senso comum, quando não ignoradas por um silencioso de constrangimento. Esta proposta traz a necessidade imperiosa da formação de professores no tema da Pluralidade Cultural. Provocar essa demanda específica, na formação docente, é exercício de cidadania. (PCN’s , 1997:22)
É neste inconformismo que as juventudes encontram subsídios para reagir fazendo
valer a afirmação de Freire de “que somos seres condicionados, mas não determinados”
51
(1999:21). Desta atitude reacionária e criativa surgem as fugas e desvios aos mecanismos do
poder, que apesar de serem limitadoras, não finalizam a existência.
A concepção de currículo praticado explicita o quanto a prescrição que define a
programação das escolas se dá em uma instância afastada da realidade. E é justamente na
flexibilidade do cotidiano escolar que o código curricular é reinventado e dele surge uma
gama de possibilidades que traduzem a receptividade dos praticantes que sempre farão dele
algo antagônico a reprodução ideológica, não rara, atribuída a escola.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do ensino fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 1997. v.: Arte – Séries Iniciais _____. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do ensino fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 1997. v.: Pluralidade Cultural e Orientação Sexual – Séries Iniciais CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. Chariots of fire. Hugh Hudson. 20th Century Fox Home Entertainment,1981. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam: leitura da arte na escola. Porto Alegre: Mediação, 2009. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
PONDERAÇÕES SOBRE A ATUALIDADE DO ENSINO DAS ARTES VISUAIS FRENTE ÀS VISUALIDADES JUVENIS
Aldo Victorio Filho Viviane de Oliveira Mello
Ao propormos como título deste trabalho “Ponderações sobre a atualidade do ensino
das artes visuais frente às visualidades juvenis”, oferecemos um recorte de nossa investigação
por meio do qual buscamos problematizar as propostas, objetivos e realizações curriculares no
ensino das Artes Visuais na Educação Básica em face das visualidades dos jovens, tomando o
termo “visualidades” como a rede que conecta as imagens produzidas pelos jovens com seus
modos de ver o que produzem e o mundo que os cerca. Para tanto, assumimos a perspectiva
do campo teórico da “Cultura Visual” compreendendo este recurso como o mais adequado à
elucidação, ou, ao menos, à panoramização das relações entre os jovens e a imagem no que
competiria ao ensino e aprendizagem das Artes Visuais. Recorremos, também, à investigação
da atuação e da produção curricular na rede pública e à análise das propostas curriculares
oficiais para o ensino das Artes e alguns aspectos centrais de sua ancoragem teórica.
Os objetivos do ensino da Arte na Educação Básica, a princípio e em uma visada
panorâmica, podem ser reconhecidos em consonância com o projeto global nacional da
educação formal em seus postulados de base. Assim, tanto a realização quanto o
conhecimento das produções estéticas, consideradas artísticas ou não, corroborariam com a
efetivação da habilidade da leitura e representação do mundo em seus diversos sistemas
comunicacionais. Contudo, de saída convém pontuar que a ‘exploração do universo
imagético: leitura e produção’, recomendada nos PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais,
seguramente, só terá consequências significativas no percurso da educação formal se os
processos que tal realização demanda forem, adequada e efetivamente, contemplados e
mediados nas salas de aula. Para tanto, esses espaços demandariam sua reconfiguração e
sintonização com o mundo que cerca, atravessa e inunda as escolas, a despeito de seu
reconhecimento institucional. |Indiscutível entendemos ser o distanciamento das escolas de
importantes elementos e dimensões da vida dos jovens, embora saibamos que esses aspectos
também penetram, de forma produtiva, no acontecimento escolar muitas vezes graças às ações
docentes e, até, institucionais. Contudo, não é o que tem predominado nas instituições formais
de ensino. Avaliando as propostas curriculares de Artes Visuais, ainda encontramos
56
indisfarçável assimetria entre o repertório da cultura outorgada e a abertura para o que lhe é
diverso. Encontramos, em muitas propostas pedagógicas, atividades nas quais aparentemente
há abertura para saberes e experiências ‘extracurriculares’, entretanto logo se percebe que se
trata de ciladas para a apreensão da atenção dos estudantes com o intuito de criar
oportunidades para reiterar os saberes oficiais programados no currículo formal. O que
evidencia a fragilidade da percepção pedagógica dos autores e aplicadores dessas formulações
na interlocução com os jovens estudantes.
Pensamos que ler o mundo e produzi-lo, como ainda cabe à vida escolar, dependerá da
pavimentação de um percurso específico, e tão estimulante quanto desafiador, com condições
favoráveis aos aprendizes, o que implica no contínuo esforço em considerar suas tramas
culturais e os múltiplos aspectos que os diferenciam nos seus coletivos, espaços e tempos de
aprendizagem. Cada estudante guarda uma rede ímpar de referências, afetos e
atravessamentos, parte da qual se conecta com os seus microcoletivos escolares, parte se lhes
contrasta e grande parte se ressignifica na efervescência dessas esferas. Da mesma maneira, e
nunca é demais reiterar, que o coletivo de cada turma é singular e se autoforma ao sabor das
conexões da ‘autopoiesis’ de seus sujeitos, que, por sua vez, resultam de todos os fluxos
anteriormente apontados e potencializados em cada participação coletiva.
Considerada a noção, aqui fundamental, da ‘diferença’, encaminhamos a reflexão
sobre a organização curricular buscando explorar alguns aspectos que lhes são centrais.
Ainda que não vigore explicitamente nos programas e propostas curriculares a
tributação radical a valores e conhecimentos distantes dos cotidianos juvenis, no senso
comum circulante entre os profissionais da educação ainda se destaca a crença em
determinado padrão de civilidade e de validade cultural. Mesmo sem domínio aprofundado
dos conteúdos valorizados, raramente os professores deixam de advogar as suas assimilações
pelas suas turmas, raramente reconhecem potencialidades epistêmicas no que é marginal ou
oposto aos conteúdos oficiais. Portanto, observamos a competição desleal entre as atividades
escolares no campo das imagens, vocacionadamente a disciplina de Artes Visuais, e as fontes
imagéticas que assediam os mundos juvenis. A ideia de que o caminho mais correto para se
conhecer o que de melhor foi criado ao longo dos tempos em termos de imagens visuais é a
história da arte ocidental norteia a concepção pedagógica hegemônica que, não raro, se
estende às outras linguagens poéticas como a música, as artes cênicas, a dança e etc.. Com a
intenção de se mostrar politicamente correta algumas propostas curriculares concedem às
produções ditas populares algum espaço em suas atividades, contudo, na maioria das vezes o
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fazem de forma a ratificar a hierarquia entre acervos da erudição e os que lhes são periféricos.
Os resultados quase sempre são apresentações redutórias e abordagens superficiais. Meio a
essa ‘visada’ o ensino das Artes Visuais se arrisca a perder a atenção dos estudantes na
medida em que, como já afirmamos, sofre a concorrência desleal de um mundo vibrante de
visualidades e imagens que fazem qualquer obra de arte mal apresentada desbotar e
desaparecer diante da pregnância visual do mundo juvenil.
Observamos que se à educação formal compete o ‘desenvolvimento das capacidades
de atenção, memorização, gestuais e demais habilidades corporais’ (segundo os PCNs, uma
das finalidades do ensino da arte) somos convocados ao alargamento da compreensão das
capacidades listadas e a considerar que de onde supostamente não haveria a dedicação à
atenção ou a demanda de seu desenvolvimento, há, contudo, a vigência de seleção na qual
outros assuntos seriam privilegiados pelo olhar que se quer atrair, pelo olhar que escapa da
paisagem curricular oficial. Pensar no que olharia o olhar indiferente às atividades escolares é
uma indispensável chave de leitura para a decodificação do cenário escolar, muitas e
frequentes vezes, apontado pelos próprios docentes como desestimulante e problemático.
Trata-se de uma importante pergunta cujas possibilidades de respostas facilitarão a urgente
reavaliação das práticas tradicionalmente empregadas em formulações pedagógicas, por sua
vez, frequentemente distantes das produções imagéticas que configuram as culturas visuais
infanto-juvenis e em torno das quais importantes diálogos e criações de sentido desabrocham
para além da captação da escola oficial. Poderíamos arriscar que as tais capacidades a serem
desenvolvidas pelos alunos – atenção, memória, habilidades corporais – dependeriam, para
seu melhor desenvolvimento produtivo, dos professores, na medida em que defendemos que o
ensino deve ser encarado como uma rede de ações que envolvem tanto o estudante quanto o
professor, afirmação gasta na repetição e pouco aplicada na ação, e que significa, sobretudo,
que o desenvolvimento da atenção do aluno depende da reformulação da atenção da escola,
das políticas que a orientam e finalmente na efetiva inclusão do professor no processo de
ensino e aprendizagem compatível com a atualidade. Talvez aqui se trate da decantada
formação continuada, atualizada pela descontinuidade e ruptura com o que fora validado na
formação basal que contrasta, drasticamente, com a atualidade do mundo, como insinuam os
distanciamentos, abandonos e demais afastamentos dos jovens e crianças das salas de aula.
Seguindo a apreciação dos objetivos elencados nos PCNs, nos deparamos com as
‘elaborações e apresentações teatrais, musicais e danças variadas’ modos importantes de
apreensão e ressignificação do mundo. Para esta finalidade, é francamente constatável, que
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não bastaria o investimento da palavra, ou seja, a redução do que é substancialmente
experiência estética individual e coletiva ao discurso que convoca o exercício de uma
racionalidade totalizante. A segurança do sucesso do processo educacional básico, quase
sempre constituído na palavra, já não pode prescindir da dimensão sensorial cada vez mais
demandada nos fluxos diversos que alcançam a todos e interferem na criação dos imaginários
coletivos e leituras diversas. Se por um lado o material sensorial e a palavra são partes
indispensáveis à formação de conceitos (Vygotsky, 2008), por outro, o campo da Arte, e de
qualquer conhecimento que tenha a criação e a experiência estética como referências,
convoca, não raro, a quarentena da ‘palavra’ para melhor aproveitamento do gesto, da cor, do
som, etc. e, sobretudo, das poéticas contemporâneas que a aventura da dissipação da
representação almeja, em muitos casos, a cumplicidade da fruição do público.
Representar o mundo, observá-lo e experimentar suas possibilidades fruitivas,
portanto, sempre cognitivas, só alcançará êxito expressivo se esses esforços forem conduzidos
pela proporcional compreensão das diferenças nas visadas que se tem do mundo, sejamos
alunos ou professores. Tais modos de ver não são, certamente, elaborações estancadas, mas,
sempre processuais, cujo andamento não só deve ser considerado como o programado
aproveitamento dos compromissos escolares, sejam estes quais forem, mas, todas as chances
que a interação entre mestres e estudantes oferece, cotidianamente, em benefício da utopia
íntima da Educação. Então, mais uma vez, o cuidadoso ‘respeito’ às múltiplas plataformas de
lançamento dos olhares – as visualidades juvenis – e percepções dos meninos e meninas seria
decisivo para as suas afetações produtivas na integração do teatro humano, sejam em suas
performances micro ou macro sociais. Para a eficácia da Educação como formação
democrática seria decisiva à coletivização dos diferentes acervos culturais privilegiados nos
currículos oficiais em consonância com a igual oferta e valorização das produções ocultadas
pelas eleições do gosto hegemônico. Os jovens e suas belezas, suas capacidades estranhas aos
procedimentos planejados e suas poéticas comunicacionais constituiriam a matéria e
combustível para a deflagração e consecução de uma formação compatível com os tempos de
agora.
Música, dança e atividades cênicas, por sua vez, atingem eficiência na educação na
medida em que seus mediadores atuam conscientes da relatividade dos valores culturais
impregnados nas obras de arte que escolhem para serem trabalhadas e que impregnam,
também, as suas estratégias pedagógicas. Pois nesse caminho considerarão a importância da
produção prática de experiências nessas linguagens e em processos adequadamente
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conduzidos a favorecer o desenvolvimento fortalecido das potencialidades cognitivas,
corporais e simbólicas dos estudantes. O jogo, a ludicidade, o encantamento são fontes
epistêmicas cuja exploração depende do acolhimento e negociação justa, isentos de qualquer
limitação moralista e potencializados pela restauração ética do corpo coletivo.
A festa, acontecimento fundamentalmente estético e furtivo já nas arquicivilizações,
preenchia o intervalo salutar nas rotinas do trabalho. Na atualidade, seu sentido original foi
corrompido pela mercadologização radical do prazer. Entretanto, a festa, acontecimento de
prazer e conjunção coletiva, mantém a função de cimentação societal, a despeito da sua
ausência nos moldes arcaicos ser violentamente assediada por constantes tentativas de
colonização pelo mercado. Portanto, a problematização do retorno do recalcado (Maffesoli,
Durand, Simmel), ou seja, das manifestações nas quais é nítida a emergência do prazer
coletivo, em suas estéticas diversas, como indiciam várias realizações culturais em diferentes
espaços da cidade e do campo, se torna um dos desafios da educação especialmente no que
tange ao ensino das artes. Sobretudo, se considerarmos que a repressão dos atos poéticos
coletivos decorrentes da institucionalização da arte e da balconização da experiência estética
provoca incalculáveis riscos à formação das novas gerações. A força da criação e prazer
coletivos é um dos aspectos de maior relevância na reflexão sobre as relações entre os jovens
e a educação formal como também é importante em qualquer iniciativa em prol de sua
atualização.
As ‘competências e habilidades’ do Ensino das Artes definidas pelos PCNS do Ensino
Médio, consiste em desenvolver a Representação e a Comunicação; Investigação e
Compreensão e Contextualização sócio-cultural das manifestações da Arte! Como se no
âmbito da produção estética a referência fosse apenas, e fundamentalmente, as obras e
linguagens outorgadas pelo sistema das artes que importam aos acervos oficiais, quanto,
também, a produção teórica e o mercado. Por mais mecânicos ou funcionais que se insinuem
os meios pedagógicos para alcançá-las, tais competências e habilidades demandarão, da
mesma forma que qualquer outro objetivo educacional, a atenção à trama cultural do coletivo
e ao papel da fisicalidade de cada estudante nas relações espaciais que percorre e ocupa.
O corpo, mais do que nunca, e justo na era da sua virtualização e expansão cibernética,
exige o reconhecimento da sua diversidade, tanto quanto às feições culturais que o
constituem, o localizam e o movimentam. A cada dia, em compasso ritmado, a cidade se
expande em múltiplas conformações e o corpo se dispersa na exorbitância dos artefatos que a
ele se agregam. As percepções da cidade e do corpo sofrem mutações drásticas. O diálogo do
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corpo com os espaços nos quais transita e opera são fundamentais para que este corpo seja um
aspecto privilegiado na formação humana compatível com a atualidade. Só no pensamento
mais recente é o corpo compreendido indispensável nos atos de leitura e poetização da vida,
diferentemente de como o projeto educacional moderno parecia crer, quando afirmava a
separação entre o corpo e a mente. Hoje, é vital e inevitável entendê-lo, bem como valorizar a
sua participação, como amálgama insofismável do que se pensou razão e sensibilidade. Por
outro lado, ler, representar e comunicar não se reduziria apenas em decodificar ou decifrar
conjuntos de signos. Na medida em que a partir do corpo que se tem, formado e refinado
pelas experiências culturais e coletivas, é que se dá a coocriação de sentidos, portanto, a
elaboração de respostas às interrogações da vida, seja a favor ou contra as expectativas dos
programas educacionais. Convém ponderar que o ato da leitura convoca o que potencialmente
é sabido e movimentado no interior dos territórios de cada jovem e de sua fisicalidade. Corpo,
pele, olhar, e demais sentidos participam desse complexo ato. Cada autor de um ato poético
ou leitura de mundo e de coisas é, a um só tempo, sabedor e criador. Sabe e pensa por meio da
movimentação e recurso às redes que lhe são alcançáveis e, por meio destas, realiza sua
produção de (re) apropriações textuais. Palavras e imagens se entrecruzam e formulam as
bases do entendimento, sempre criativo, da vida e do mundo.
Não menos importantes são, portanto, as imagens que compõem o panorama de
interlocução com os corpos que se começa a produzir. A formação humana é, certamente, a
formação do corpo, do corpo ampliado em contraposição às ampliações, contraditoriamente
redutoras, que o mercado e a comunicação massiva impressa, televisionada ou virtual operam.
A ampliação, por sua vez, que cabe à Educação, é a dos sentidos e da valorização da
fisicalidade como referência da diferença e da singularidade modular que compõem qualquer
coletivo. É, então, necessário considerar as imagens corporais que são oferecidas e ou
impostas ao público estudantil. Se esses aspectos são considerados na reelaboração curricular,
consequentemente os outros objetivos favoráveis à formação que se precisa para enfrentar os
desafios da cidade e da vida serão atingidos com certa segurança e produção positiva em
consonância com a atualidade. Ou seja, uma formação humana, realizada como esteio à
democracia.
Realizar artísticas individuais e/ou coletivas, nas linguagens da Arte(...); analisar, refletir e compreender os diferentes processos da Artes com seus diferentes instrumentos de ordem material e ideal como manifestações sócio-culturais e históricas; Conhecer, analisar, refletir e compreender critérios culturalmente
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construídos e embasados em conhecimentos afins, de caráter filosófico, histórico, sociológico, antropológico, semiótico, científico e tecnológico; analisar, refletir, respeitar e preservar as diversas manifestações de Arte utilizadas por diferentes grupos sociais e étnicos, interagindo com o patrimônio nacional e internacional, que se deve conhecer e compreender em sua dimensão sócio-histórica (PCN, 2000)
São habilidades e competências que só poderão ser alcançadas na medida em que o
projeto pedagógico for explorado como espaço/tempo de criação e como tal uma obra em
conexão com as demandas vitais dos estudantes. É preciso que os mesmos aspectos
considerados em relação à Arte sejam considerados em relação ao auditório de cada aula. Para
que esse auditório não seja conduzido à mera imobilidade dos que apenas ouvem. Investir na
expressão, no diálogo simétrico com as imagens e com as estéticas institucionalizadas e com
as negadas impõe a experiência arriscada do transbordamento das cercanias definidoras da
Educação que atravessou as últimas décadas. Importante sempre reiterar que as condições
desfavoráveis da atualidade global têm relação tão intensa com os projetos institucionais de
cunho emancipador quanto com seus supostos opostos.
Explorar as benesses das linguagens artísticas para o favorecimento de um programa
educacional compatível com o devir global não dispensa a severa interrogação dos sentidos
dos usos das obras, instituições e sistema das artes para além da escola, assim como impõe o
enfrentamento dos problemas que se acumulam nas relações entre a Educação, em seus
sentidos contemporâneos, e um mundo no qual as condições existenciais em seu mar de
diferenças é planificado, pasteurizado, reduzido e encurralado no balcão da edição imagética.
Desafios que, a despeito de sua complexidade, precisam ser encarados em todos os momentos
do cotidiano escolar e, sobretudo, nas reflexões e escolhas curriculares alcançando inclusive
as políticas que as geram.
Por outro lado, ao se entender os processos de aprendizagem como experiências
complexas que convocam a ativação dos aparatos perceptivos e a dinamização dos acervos
informativos, se pode observar, na centralidade curricular, elementos que envolvem
diretamente a observação, a experimentação e a representação do mundo, ou seja, aspectos a
serem privilegiados na área do ensino das artes. Tal observação, ou reconhecimento, exige
destacar o pano de fundo filosófico de todas as condições que alertamos e cujo deslindamento
nos parece imprescindível à Educação contemporânea, assim como à atualização do ensino da
arte. Essas ponderações defendem que toda ação educacional, das práticas cotidianas às
elaborações e planejamentos didáticos, hoje mais do que nunca, dependem da aventura
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filosófica, entendida como exploração e criação aguda de sentidos em plena consonância com
os mundos aos quais pertencemos e, sobretudo, os mundos oferecidos pelos jovens estudantes
nem sempre evidentes, nem sempre ostensivos, mas, sempre fontes de novas epistemes e
pistas decisivas para uma produção escolar em franca sintonia com a atualidade. Sejam esses
mundos os mais virtuais os mais concretos, envolvendo sempre os campos das visualidades
aos seus análogos campos da invisibilidade.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: Mec, 2000. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acessado em 16/05/2012.
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
IMAGENS DAS CULTURAS:
EDUCAÇÃO, FLUXOS ESTÉTICOS E FREQUÊNCIAS CULTURAIS
Denise Espírito Santo
Kézia Jacomo Pimentel
Para aqueles que costumam transitar pelos espaços de cultura e arte da cidade, digo
museus, teatros, galerias, centros culturais etc., não chega a causar mais estranheza nos dias
atuais o espocar dos flashes disparados pelas câmeras digitais dos frequentadores destes
lugares, conviver “harmoniosamente” com a figura espectral de um observador atento, cujo
olhar mesmo que de sobrevoo, evoca ainda um modo todo especial de apreensão do objeto
artístico, sua fruição, mediação e juízo estético. A intensificação da presença dos dispositivos
mecânicos de captura da imagem e suas consequências para o aparecimento dos novos modos
de reprodutibilidade técnica da arte, permitiram conjecturar acerca do alcance que a arte
passaria a ter com a sua reprodução serial, algo já entrevisto por Walter Benjamim em texto
bastante conhecido11. Isto seguramente passou a definir e modelar o estatuto da arte e o perfil
dos espectadores vivendo num mundo sob o emblema da cultura da imagem. As imagens das
culturas ganham neste caso valor inédito – acionam outros modos de reconhecimento e de
pertencimento, onde muitas vezes o objeto original foi subtraído. E talvez seja por isso que a
etiqueta dos museus e espaços expositivos peça ao frequentador uma pequena sutileza – ao
disparar seus instantâneos que cuide para que os mesmos não emitam os raios luminosos que
geralmente ofuscam o olhar de quem está ao lado e são também considerados nocivos para os
aspectos de “durabilidade” da obra. Quanto às imagens propriamente ditas e aos direitos
autorais que incidem sobre as mesmas, a infinidade de produtos e de mercadorias
disponibilizados pela indústria da cultura, já reembolsou significativamente os donatários
destes museus e ao Estado, em geral reconhecido como o grande mantenedor destes espaços
culturais.
Por que trago aqui para uma breve digressão a situação dos mecanismos de apreensão
e reprodução da imagem como tema para um ensaio que se propõe tratar de arte, educação,
fluxos estéticos e frequências culturais? Talvez por identificar nessas relações de mediação
com a arte e com seus objetos exponenciais, um novo paradigma que deveria nortear não
11. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Primeira versão. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. SP: Brasiliense, 1994 (Obras escolhidas; v.
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somente a compreensão dos perfis comportamentais que a meu ver vão se tornando cada vez
mais hegemônicos em relação aos modos de pertencimento ao mundo da cultura. Numa outra
ponta interessaria também pensar como isto interfere diretamente nos sentidos de uma
educação estética e como a escola lida com o avanço das culturas visuais, seu apelo midiático,
frente aos saberes tradicionalmente instituídos, ao mesmo tempo em que não ignora certa
transformação nos padrões de atenção e na experiência propriamente dita. Se para Walter
Benjamin o valor de obra de arte única sofre abalo com o aprimoramento dos meios de
reprodução técnica da imagem, faz perder sua “auraticidade”, para o espectador comum o fato
de querer levar para casa uma imagem-lembrança que poderá ser postada em suas redes
sociais ou incorporada aos seus “dispositivos móveis sentimentais”, não implica
necessariamente numa “perda” de contato com o objeto. Talvez aí até se descortine um
movimento contrário, isto é, de intensificação com a presença do mesmo, pelas vias da
negatividade não podemos deixar de considerar, ou na transfiguração do objeto por aquilo que
o reconhece mesmo na sua ausência, isto é, sua imagem.
A esta primeira conjunção se ligariam outras mais. O fetiche da imagem cria novos
processos de subjetivação, isto me parece claro. E o resultado aparente disto é a emergência
destas subjetividades porosas que são entrevistas nos corpos das metrópoles; corpos que
surgem acoplados a terminais que inauguram extensões mecânicas e artificiais a subsidiar
novos modos de apreensão, percepção e cognição. Bastaria para isso lembrarmos como a
ciência vem manipulando com maior eficiência a fisiologia humana ao anunciar a
possibilidade de operações cerebrais complexas cada vez mais exteriores ao próprio corpo.
Estudos com células-tronco, braços e pernas mecânicos comandados por chips eletrônicos,
jogos e simuladores virtuais empregados para diferentes fins; enfim inúmeras operações que
prescindem de um corpo mais e mais integrado às tecnologias de comando à distância, algo
que nos faz pensar nos estágios avançados do humano que acabariam por engendrar uma ideia
de pós-humano nas sociedades contemporâneas.
Recapitulando: as transformações de um estado de recepção estética, que antigamente
era mais definido com o grau de atenção que “se exigia” do espectador diante de um objeto
artístico, impõem novas remodelações com os incontáveis dispositivos que passamos a contar
em nosso mundo contemporâneo; estes ressignificariam a própria pertença ao universo
comunal da arte e da cultura. Em outras palavras, como a reprodutibilidade técnica da imagem
faz surgir novos dispositivos que passam a configurar-se assim de um modo inédito ao longo
de todo o século XX?
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Para uma melhor abordagem do conceito de dispositivo, escolho para norte os sentidos
que o termo viria a conhecer no pensamento foucaultiano. Dispositivo viria ocupar, segundo a
leitura que fez de Foucault o filósofo italiano Giorgio Agamben12, o lugar daqueles Universais
que compõem a visão hegeliana, tais como o Estado, a Soberania, a Lei, o Poder. Foucault
tratará dispositivo como as tecnologias de poder com as quais cotidianamente acessamos a
vida no real, que vão ganhando novas roupagens através das normatizações societais tais
como: discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de polícia, proposições filosóficas, etc.
Assim, nas palavras de Foucault:
“Disse que o dispositivo tem natureza essencialmente estratégica, que se trata... de uma certa manipulação de relação de forças, de uma intervenção racional e combinada das relações de força, seja para orientá-las em certa direção, seja para bloqueá-las ou para fixá-las e utilizá-las... o dispositivo é: um conjunto de estratégias de relações de força que condicionam certos tipos de saber e por ele são condicionados”13
Mesmo tendo como horizonte teórico a proposição hegeliana para o conceito de
dispositivo, Foucault não deixa de localizar outras variantes para o mesmo conceito; estas
acabam sendo incorporadas ao nosso próprio léxico e se veem assim enredadas nas cadeias
produtivas do capitalismo que associa novos modos de regulação, normatização com os assim
chamados dispositivos contemporâneos. Deste modo, dispositivos encontram ainda outros
significados: a) combinação de órgãos ou de peças dispostas de forma a obter-se um
determinado resultado; b) funcionamento dos órgãos; c) conjunto dos órgãos que constitui um
Estado, uma administração, um serviço, uma sociedade; d) conjunto das estruturas; e) teoria
que reduz a vida ou a natureza a um conjunto de órgãos que funcionam como uma máquina;
f) mecanismo da linguagem: arranjo e disposição das palavras.
Com isto, ganha interesse as reformulações propostas para o termo dispositivo já que
este se configura assim de certo modo ligado às tecnologias de poder por meio do qual se
administra e governa o mundo dos seres viventes. Pois, ao buscar nomear aquilo para o qual
“se realiza uma pura atividade de governo sem nenhum fundamento no ser... os dispositivos
devem sempre implicar um processo de subjetivação, isto é, devem produzir o seu sujeito.”14
No âmbito de uma orientação em que se discute arte como aprendizado e chave para a
educação, analisar a presença dos dispositivos enredados nas tramas intersubjetivas que
12 AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? In: O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. 13 IB. p. 28 14 AGAMBEN, Giorgio. Op. Cit. p. 38
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condicionam novos modos relacionais com a arte pareceu-nos relevante, pelo valor de
positividade que estes mesmos dispositivos poderiam engendrar. Teríamos que considerar os
usos pedagógicos que fazemos do universo das culturas visuais, para que os mesmo pudessem
vir a se tornar alvo de uma apropriação crítica não meramente fetichista, de aproximação com
os temas, fundamentos, proposições e materiais que a arte apresenta e, sobretudo, se
pudessem considerar o encanto necessário à produção e fruição das imagens. Mas, cumpre
dizer também que a apropriação destes mecanismos nunca deixaria de enfatizar os conflitos aí
existentes entre seres viventes e os elementos históricos, sobre os processos de subjetivação
acoplados que disseminam outras sensibilidades. Trata-se, neste caso, ainda com Foucault, de
“investigar os modos concretos em que as positividades (ou os dispositivos) agem nas
relações, nos mecanismos e nos [jogos] de poder.”15
Sob a luz dos panoramas curriculares no campo do ensino da arte, o que consiste
exatamente o abalo da tradicional visão de um estudo da arte pautado exclusivamente pela
história oficial e por sua iconografia, ao menos daquela história chancelada pelos livros que
são adotados nas escolas e conquistam, portanto, o professor de arte? O que acontece quando
o objeto em presença, neste caso, quando nos dirigimos aos museus e operamos uma relação
direta com o espaço expositivo e com as obras de arte, torna-se uma miríade de imagens,
sempre atravessadas pelas vivências daqueles frequentadores, neste caso, crianças e jovens em
idade de escolarização, que a despeito de uma dada orientação pedagógica criam suas próprias
imagens e produzem suas próprias leituras da arte em conformidade com os desejos e
aspectos subjetivos do momento. O que tudo isto pode “enformar” sobre um novo paradigma
no campo dos estudos sobre visualidade e mais especificamente, no campo da educação e do
ensino da arte?
Ainda colada aos sentidos dados por Foucault para o termo dispositivo, diria que a
nossa estratégia em relação aos procedimentos que devemos adotar diante de um mundo
povoado por inúmeros dispositivos, tipos celulares, computadores, netbooks, Iphones,
Gadgets, Óculos 3D, enfim bugingangas de toda ordem, não poderá ser jamais simples. Ao
contrário, ela deverá se pautar firme e inviolável tal como a sentinela que se mantém diante do
seu posto. Espera-se do professor de arte que possa conduzir com seus alunos uma reflexão
bastante esclarecedora sobre estes mecanismos presentes em nosso cotidiano, que se mostram
nem tão inocentes assim, mecanismos inventados e disponibilizados numa escala global sem
parâmetros, que no fundo consolidam a aventura financista do capitalismo transnacional. Mas, 15 IB. p. 33
67
caberia neste caso nos apropriarmos destes mesmos dispositivos com o fim de, segundo
Agamben, “liberar o que foi capturado e separado por meio dos dispositivos e restituí-los a
um possível uso comum.”16
Para isso, ele se servirá também de um dispositivo, ou melhor, de um
contradispositivo, visando pensar modos de subjetivação mais resistentes ao que ele chama de
processos de dessubjetivação que atravessam sem o menor abalo os indivíduos nas sociedades
contemporâneas. A este contradispositivo ele dará o nome de profanação. A profanação aqui
entendida com os sentidos de resistência, buscando oferecer caminhos mais inteligentes para a
apropriação destes novos dispositivos que não resvalem para certo “deslumbramento” cego,
mas que ao contrário, que tratem de amalgamar nossos encantos até mesmo para com esse
mundo das tecnologias, para que os dispositivos sejam encarados mais por suas
potencialidades do que por seu poder de descompressão.
Referências Bibliográficas:
AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? In: O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Primeira versão. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Obras escolhidas; v. 1).
16. AGAMBEN, Giorgio. Op. Cit. P. 44
ARTE, GRANDES DIMENSÕES E PINTURA MURAL: CRIAÇÃO COLETIVA,
APRENDIZADO INDIVIDUAL OU... UMA IMAGEM COMO O NÃO-EU MEU17
Gilliatt Moraes Giudice
A imaginação tenta um futuro. No entanto, se hesito quanto ao método,
tenho mais confiança nos exemplos vividos pelo poeta. Gaston Bachelard
A escola também como espaços de alternâncias, como lugares dos desejos, dos
devaneios mais íntimos, com seu próprio tempo, diverso do tempo das velocidades externas,
da lógica das relações econômicas que se irradia para todos os aspectos da vida. A partir da
experiência de uma oficina extracurricular junto a alunos do ensino médio, tratamos da ideia
do viver o desenho ou a pintura como ato constitutivo de realidades, como pensamento que
começa a existir ao se fazer. Esperamos com essa vivência poder contribuir para futuros
debates onde se pretenda pensar sobre lugares de criação de outros possíveis.
Como o cotidiano da escola surge como lugar privilegiado, enquanto instituição das
mais poderosas, para a reprodução de ideias, representações e imagens? Ao mesmo tempo,
como esse cotidiano, potencialmente, surge como lugar de criação e contestação dessas
reproduções? Ainda, dentro do universo escolar, qual é a relevância daqueles espaços que
estão fora dos espaços/tempos regulares da sala de aula?
É a partir dessas indagações que surge o presente trabalho. Aqui intencionamos
aprimorar nossa percepção dos cotidianos, que contemplam, talvez com mais intensidade -
posto que estamos lidando com desejos -, aquelas vivências, trocas e experiências que vão
além dos espaços/tempos regulares das salas de aula. A necessidade de voltarmos nosso olhar
para essa dimensão do universo escolar acompanha a importância da escola se voltar com
maior atenção e dedicação para uma das dimensões privilegiadas da criação humana que é a
realização estética. E mais, atenção e dedicação ao pensar essas realizações, pensar a criação
de espaços para essas manifestações, como algo que transcenda a visão de simples atividades
lúdicas e recreativas. Essa visão poderia ser vista com mais gravidade. É no recreio, por
exemplo, que os desejos explodem. Porque não pensar o recreio como espaço dos mais
significativos para o pensamento? No recreio a escola se recolhe, assim como na hora da
17 Uma versão desse texto tem a previsão de ser apresentada no Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual a ser realizado nos dias 04, 05 e 06 de junho de 2012.
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saída, e é aí que a escola também acontece com viva intensidade. Sendo assim, propomos aqui
o pensar esses espaços também como espaços de criação de outros possíveis. Pensar outros
espaços também como espaços para manifestações artísticas, para o acontecimento de um
cineclube, uma oficina de música, de teatro ou de desenho e pintura. Foi com tais
questionamentos que decidimos aproveitar janelas e tempos ‘vagos’ como espaços para a
criação de oficinas de desenho e pintura, oferecidas para aqueles que tivessem vontade de se
envolver com a iniciativa, e que em um futuro próximo possamos estender essa iniciativa para
outras expressões e manifestações artísticas como a criação de cineclubes, grupos de teatro, de
dança, de música, de cinema ou animação por exemplo.
O ato de desenhar, de pintar, como força de organização e estruturação do mundo, se
apresenta – ou pelo menos poderia se apresentar - como perene preocupação nos processos de
aprendizagem/ensino que se ocupem desse universo. Voltamos nossas atenções para o ato do
desenho e da pintura, como potências transformadoras do ser e da realidade que o envolve,
atravessa e transcende. Essas manifestações artísticas, assim como qualquer outra
manifestação artística e qualquer outra área do conhecimento, possuem em comum a busca de
sentido, de materialização e da criação de realidades possíveis:
Degas via na pintura uma disciplina toda especial, mistérios, um esoterismo técnico, e não lhe desagradava um vocabulário – do qual a prática, suas necessidades e as reflexões que ela engendra são as únicas a oferecer a chave – que afastasse o profano e, de forma singular, o indiscreto das letras. (...) A linguagem no país das artes é turvada com toda uma metafísica que se mescla de maneira muito íntima às puras noções da prática. Enquanto estas são claras e estáveis por si mesmas, e designam propriedades e procedimentos sensíveis e comunicáveis, a parte metafísica deriva do sentimento, de diversas aproximações imemoriais, da moda e da contramoda, e gera um tipo de debate que nada pode resolver. Existem muitas palavras como que encarregadas da transmissão do vago, de época para época. (Valery, 2008, p. 167-169)
Partindo de demandas apresentadas por alguns alunos do ensino médio do Colégio
Técnico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CTUR-UFRRJ), abrimos um
espaço/tempo na grade curricular para aprofundar as experiências daqueles alunos que
estivessem interessados nesse universo (desenho e pintura). Dessa maneira, em 2010
começamos a pensar em destinar um momento na semana para que os alunos pudessem se
reunir em um espaço do colégio e se dedicar ao estudo do desenho e da pintura, uma espécie
de atelier livre onde os desejos daqueles interessados fossem atendidos. Em 2011 fomos
procurados por professores de cursos de licenciatura da UFRRJ interessados em desenvolver
projetos de iniciação à docência. Os projetos apoiados no âmbito do Programa Institucional de
71
Iniciação à Docência – Pibid, têm por objetivo estreitar a aproximação entre os futuros
professores e as salas de aula da rede pública. O Pibid visa dessa forma a articulação entre a
educação superior (por meio das licenciaturas) e a escola, o ensino básico. Um dos projetos
elaborados pela universidade era na área de Artes Visuais. Aproveitando o ensejo decidimos
utilizar os espaços extracurriculares, denominados Oficina de Desenho e Pintura, para
iniciarmos a parceria com a universidade. O contato entre alunos do ensino básico, alunos da
licenciatura e professores, as vivências, discussões e trocas partilhadas nas “aulas normais”,
nas “oficinas”, ou em qualquer outro lugar como corredores, cantina, etc., viriam a enriquecer
todos os envolvidos nesse processo.
A vivência em comum entre alunos do ensino médio e da graduação aparece como
grande motivador, sem excluir, lógico, os educadores envolvidos, para quem a possibilidade
de presenciar esse intercâmbio se configura como oportunidade de pensar criativamente essa
grande aventura que é o conhecimento. No caso específico das oficinas de desenho e pintura
do CTUR, o PIBID veio proporcionar, mais do que o desdobramento de um conteúdo
específico – o que é de extrema importância já que, junto com os incentivos aos alunos
bolsistas, funciona como catalisador do projeto -, um momento de troca entre universos tão
próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Universos diversos e ao mesmo tempo tão
semelhantes que são as realidades da educação básica e da educação superior. “Esse trabalho
(de superação das dificuldades com o desenho) foi se desenvolvendo mais nas oficinas que os
professores trouxeram junto com alguns estagiários da graduação, onde cada um contribuiu
mais na minha formação”. Esse depoimento da aluna Fernanda Soares, uma das alunas
envolvidas com as oficinas, diz muito sobre as reverberações de iniciativas como essa.
O espaço/tempo da oficina pensado como atividade extracurricular tem um elemento
fundamental que é a oportunidade para aqueles que se sentem especialmente atraídos por
determinada área do conhecimento encontrarem ali um momento de proximidade mais
aprofundada com suas próprias possibilidades, podendo vir assim a vislumbrar melhor
algumas indicações de direcionamento futuro para suas vidas. Isso tanto para os alunos do
ensino básico, quanto para os alunos da graduação. Mesmo aqueles que, por qualquer motivo,
não tenham interesse em seguir carreira afim, ou não tiveram a oportunidade de frequentar as
oficinas, a partir das realizações e reflexões ali compartilhadas, acabam experimentando
também a satisfação e as qualidades edificantes que a criação coletiva pode proporcionar.
Essas criações, no caso os painéis desenvolvidos durante as oficinas, seja na forma de
72
exposição, publicação, boca a boca ou demais formas de divulgação e comunicação, acabam
envolvendo toda a comunidade em uma experiência coletiva.
Acredito que a Oficina não proporcionou apenas o desenvolvimento cultural do colégio, mas também de cada participante envolvido. (...) E aprendi também que a vida é como um recorte: a gente cria um foco naquilo que nos chama a atenção, recorta isso para colar na nossa vida e assim, construir nós mesmos. Encontrei na oficina todo o apoio necessário para continuar esse aprendizado, e guardo com carinho as lembranças que tenho, pois quando eu me formar, serão esses momentos que eu mais me lembrarei e que irei sentir falta. Sou eternamente grata a todos os responsáveis pelo trabalho desenvolvido nas oficinas. (Fernanda Soares)
O projeto foi direcionado para a composição e confecção de painéis, pintura em
grande escala que poderiam ser destinados tanto a exposições quanto na composição de
ambientes do colégio. Pela própria natureza, a pintura em larga escala, apesar de silenciosa e
sem maiores alardes, em sua permanência e constante participação com o cotidiano do
colégio, acaba por fazer parte da paisagem externa e interna daqueles que por ela transitam
em seus afazeres diários. É o que podemos perceber com essas realizações que, mesmo sem
ter encontrado ainda um espaço para a sua exposição permanente, já consta como potência de
comunicação e expressão, visto que, para todos aqueles que entraram em contato efetivo com
as mesmas, a surpresa, a admiração e encantamento visíveis se tornam o maior resultado que
podíamos prever.
“Eu nunca pensei que pudesse pintar um quadro, e ainda ficar tão bonito. A oficina
me proporcionou essa descoberta” (Debora Moreira). Descoberta, termo muito interessante
utilizado pela aluna, curioso até, já que uma realização como essa não está tão distante dos
cotidianos das juventudes como se pode supor. Ou está?
Utilizamos os espaços destinados às oficinas de artes para darmos início às
atividades de desenho e pintura voltados para a realização dos painéis, pensados em conjunto
a partir dos conteúdos propostos no projeto do Pibid. Foram desenvolvidos no primeiro
módulo, estudos e aprofundamento feitos sobre conteúdos previstos no projeto, que se
desdobrava em torno do universo simbólico de folguedos populares e do poema Martim
Cererê, de Cassiano Ricardo e, finalmente, no segundo módulo, se realizou coletivamente os
painéis que foram expostos na tenda principal destinada às atividades culturais da Semana
Acadêmica do colégio, realizada na última semana de agosto/2011.
Durante todo o processo encontramos inúmeras dificuldades, sendo talvez a maior
delas o número reduzido de alunos participantes das oficinas. Devido a enorme carga horária
73
prevista na grade curricular dos cursos técnicos do colégio, a disponibilidade de tempo vago
se torna um artigo de luxo. A participação, assim como o êxito da proposta inicial, foi
possível principalmente graças ao enorme desejo de participação e realização por parte dos
alunos e professores envolvidos, motivação que levaria os alunos do colégio a continuarem
suas investigações em torno do universo visual a partir dos estudos do desenho e da pintura.
As dificuldades também seriam intensificadas devido à falta de expectativas dos alunos no
que tange a tais atividades, limitações impostas pela falta de oportunidades que privilegiem
investigações sobre o universo do desenho e da pintura.
***
O mundo apresentado pela indústria do entretenimento - um mundo “tal qual nos
fazem crer” para falar junto com Milton Santos -, que não podemos deixar de considerar
como avassalador, presença com grande dominância nas conformações de pensamento, segue
cada vez mais a lógica das velocidades extremas. Não só velocidades tecnológicas, onde a
obsolescência programada de bens ou produtos induz à atualização, à corrida pelo consumo
atualizado, mas também velocidades que irradiam para todos os aspectos da vida. A
velocidade pode determinar o êxito profissional, social ou afetivo. Seriam valores
indissociáveis desse tempo veloz a competitividade e a desconfiança, onde a consequente
insegurança ou baixa estima terminam por minar esforços de solidariedades horizontais -
solidariedades que surgem como esforços de sobrevivência em um mundo cada vez mais
exclusivo -, de sublimação diante daqueles mesmos valores que funcionam como
instrumentos de reprodução desse mesmo mundo.
A velocidade percebida no mundo do entretenimento, nas montagens frenéticas de
videoclipes ou grandes sucessos de bilheteria, em videogames, hiperlinks ou nas redes sociais
ocupam por demasiado o tempo necessário à decantação de determinadas ideias, práticas e
sentimentos? O vivido nessas criações em velozes alternâncias – aspecto formal mais evidente
percebido nos principais meios de comunicação e entretenimento vistos panoramicamente –
se revela como um dos aspectos do momento que estamos inseridos.
Como iniciativas como essas oficinas empreendidas, por exemplo, podem revelar a
riqueza de práticas culturais corporificadas estética e solidariamente, fundamentadas na vida
cotidiana, a partir das relações sociais tecidas no dia a dia, fruto das subjetividades articuladas
coletivamente, renovando criativamente estéticas múltiplas, objetivamente? Por outro lado,
74
como processos culturais hegemônicos operados esteticamente por meio da sedução e da
violência simbólica, verticalmente, poderiam configurar o que desconfiamos ser uma maneira
eficaz de subjugar e dominar econômica, política e culturalmente os povos nas chamadas
“nações passivas”, termo cunhado por Milton Santos. Verticalmente, devido à imposição de
uma ‘solidariedade vertical’ cujo epicentro é a empresa hegemônica localmente obediente a
interesses globais mais poderosos, indiferentes, e até mesmo desrespeitosos ao entorno
econômico, social, político, cultural, moral ou geográfico. Conhecido como ‘mercado global’,
este aparece como constituinte dos chamados espaços de fluidez, impondo por meio desses
lugares a reprodução de suas próprias bases, começando pela competitividade, destroçando as
antigas solidariedades frequentemente horizontais.
As solidariedades horizontais preexistentes refaziam-se historicamente a partir de um debate interno, levando a ajustes inspirados na vontade de reconstruir, em novos termos, a própria solidariedade horizontal. Já agora, a solidariedade vertical que se impõe exclui qualquer debate local, eficaz, já que as empresas hegemônicas têm apenas dois caminhos: permanecer para exercer plenamente seus objetivos individualistas ou retirar-se. (Santos, 2008, p.86)
***
Um dos problemas recorrentes no que se refere à construção de currículos na área de
Artes poderia se referir a alguns equívocos quanto à produção artística. Esta, enquanto
processo de apreensão do conhecimento, enquanto área do conhecimento transcende a visão
redutora de simples ‘atividades lúdicas’, ou mera reprodução mecânica de aspectos do real
concreto ou de exemplos e moldes. No caso da nossa abordagem, voltada para aspectos da
visualidade e do imaginário juvenil, consideramos que a capacidade de relacionar-se
artisticamente e criativamente com a vida não é privilégio de alguns especialistas dotados,
mas uma possibilidade de todas as pessoas normais, a “quem a natureza favoreceu com um
par de olhos”. Considerando que as “formas e cores possuem propriedades anímicas
poderosas”, destacamos a importância do fazer artístico na construção desses saberes:
Temos negligenciado o dom de compreender as coisas através dos nossos sentidos. (...) Nossos olhos foram reduzidos a instrumentos para identificar e medir; daí sofrermos uma carência de ideias exprimíveis em imagens e de uma capacidade de descobrir significado no que vemos. (...) A capacidade inata para entender através dos olhos está adormecida e deve ser despertada. E a melhor maneira é manusear lápis, pincéis, escalpelos e talvez câmeras. (Arnheim, 2000).
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Esta questão merece uma atenção especial. Acreditamos assim na ‘necessidade’ do
fazer artístico, estético, como parte integrante e inseparável dos currículos escolares. Um
indicativo que justificaria esta preocupação seria a sempre presente procura pela investigação
debruçada sobre o fazer artístico como parte indispensável ao processo de aprendizagem.
Eu mesma escrevia muito mais há um tempo atrás, naquele tempinho logo ali, no qual computador era coisa para rico e a internet era só discada, e nossa mãe reclamava que ocupava o telefone. Eu tinha prazer de, no tempo que tinha vago, pegar um lápis e um caderno e sentir o gosto da minha imaginação se transformando em palavras, em contos que eu adorava dizer que era poesia. (...). Não tinha a menor ideia do que escrever, não tinha a menor obrigação. Não dava a mínima atenção para gênero ou concordância, escrevia porque era gostoso escrever. (...) Agora passo o meu dia todo no computador, em redes sociais ou em frente à televisão vendo filmes e documentários (...) Onde está o desejo de escrever um texto por mero prazer, por simples surto de criatividade? (Mendes, Madalena Rodrigues, 2011, p. 66)
A longa citação acima foi extraída de um conto escrito por uma aluna da 2° série do
ensino médio para o livro Raízes Literárias, organizado pela equipe de Língua Portuguesa e
Literatura do Colégio Técnico da UFRRJ. Essas palavras trazem muito das inquietações
presentes na contemporaneidade. E a juventude, como estado especial, não deixaria de sentir
intensamente essas inquietações.
Pela imaginação, graças às sutilezas da função do irreal, reingressamos no mundo da confiança, no mundo do ser confiante, no próprio mundo do devaneio.(...) O conhecimento do mundo real exigiria investigações complexas. Os mundos sonhados, os mundos do devaneio diurno, em boa vigília, pertencem à uma fenomenologia elementar. (Bachelard, 2009, p. 14)
A reflexão e o devaneio necessários à saúde psíquica, sufocados pela quantidade,
velocidade e alternância de temas e interesses, se tornaram artigo de luxo para poucos que
podem privar destas potências da atividade humana? Aquelas sutilezas da “função do irreal”
de que nos fala Gaston Bachelard, que nos garantem o “ingresso no mundo da confiança” e no
mundo do “ser confiante” perdem terreno em um mundo da desconfiança e da supressão da
autoestima, fragmentado e fragmentador também pela falta de aglutinante que é a confiança
em si e no mundo, fragilizado inclusive pelo simples ato de ignorar as possibilidades e
potências próprias e do mundo. Um mundo que possui um tempo diverso daquele tempo
determinado pelas relações econômicas que regem a lógica do atual estágio do capitalismo.
O esmero em atualizar-se sobre a vida que se move velozmente através do parapeito
da janela, distraindo e perdendo de vista o que acontece dentro de si mesmo e do contexto em
76
que estamos envolvidos diretamente levaram-nos a refletir sobre a afirmação de Milton
Santos: “A nação ativa aparece como fluida, veloz, externamente articulada, internamente
desarticuladora...” (Santos, 2008, p. 156). Lima Barreto, no começo do século XX chamava
atenção para algumas características marcantes da sociedade tão bem descrita e vivenciada
por seu espírito crítico. No seu romance Os Bruzundangas de 1923, ele nos deixa uma
imagem da feição geral desta sociedade economicamente ativa, representativa, ‘oficial’ como
queria Machado de Assis, ou ‘nação ativa’, termo utilizado por Milton Santos:
Por mais que queiram, por mais que se esforcem semelhantes homens, atarefados dia e noite nos escritórios ou na indústria política, não podem ter o repouso de espírito, o ócio mental necessário à contemplação desinteressada e à meditação carinhosa das altas coisas. Limitam-se a pousar sobre elas um olhar ligeiro e apressado, e a preocupação de manter os empregos e fazer render os cartórios, tirar-lhes-á o sossego de espírito para apreciar as grandes manifestações da inteligência humana e da natureza (Barreto 1998: 71).
Um problema já colocado há algum tempo e que continua a nos chamar a atenção
ainda hoje. Guardadas as devidas proporções, as enormes transformações ocorridas desde
então, parece-nos que a imagem deixada por Lima Barreto continua atual, agora
potencializada e disseminada entre um número infinitamente superior de agentes.
Acreditamos que a imagem poética não se sente muito a vontade em participar desse
tempo externo extremamente veloz - como se nunca o pudéssemos alcançá-lo em sua
plenitude, visto a sua inconstância, sua alternância e fugacidade -, cremos que ela possui outro
tempo, o seu próprio tempo. Assim como a escola, o conhecimento. É esse tempo que nos
interessa por hora, mais especificamente em como se encontrar com ele em meio ao turbilhão
desencadeado pela temporalidade imposta verticalmente. Imersos que estamos de forma
indelével nessa lógica, a do atual estágio que o capitalismo se encontra, lógica economicista
generalizada universalmente. Outro tempo também como alternativa concreta. O tempo lento
que Milton Santos colocou como a força dos fracos. É nesse tempo que nos concentramos,
nos lugares onde ele possa se fazer presente. Naquelas atividades em que o espaço/tempo se
imponha com seus próprios anseios, suas próprias necessidades e expectativas, articulando-se
internamente, impondo-se às articulações externas como força de resistência às determinações
que não lhe digam respeito.
Aumentar a percepção criando e vivendo uma imagem, por exemplo, amando a
imagem, atividade que acreditamos potencializar a consciência do ver. Qualificação do olhar,
77
criação do espírito e potências da alma. Acompanhando o pensamento de Gaston Bachelard
em suas incursões sobre o devaneio poético, pedimos licença para utilizar esse mesmo
pensamento para nos aventurarmos no mundo do pensamento visual, daquela poesia visual
que o poeta Carlos Drummond de Andrade chama a atenção ao se referir às pinturas de
Alberto da Veiga Guignard.
Levando o ensaio para esse lado, pensamos que poderíamos trabalhar com o
devaneio do desenho como aquele que se pretende desenhar, como o sonhador que escuta os
sons das formas visuais. A consciência em expansão que tem na ponta do lápis, ou também
nas misturas entre as cores, uma extensão do próprio cérebro. O olho pensante, nos levando
até o desenho ou a pintura, vai ser um pensamento transmissível, inspirador na medida das
nossas capacidades de observadores “participantes da imaginação criante” (Bachelard, 2009).
Entremos, pois no domínio do entusiasmo desenhado e pintado, em formas e cores.
Essa moda está acabando. Mas o benefício permanece. Ainda existem almas para as quais o amor é o contato de duas poesias, a fusão de dois devaneios. (...) Os devaneios de duas almas solitárias preparam a doçura de amar. Um realista da paixão verá aí apenas fórmulas evanescentes. Mas não é menos verdade que as grandes paixões se preparam em grandes devaneios. Mutilamos a realidade do amor quando a separamos de toda a sua irrealidade. (Bachelard, 2009, p. 08)
Bachelard fala de moda, mas desconfiamos que seja algo mais. Moda nos faz pensar
em algo passageiro, o que não procede quando falamos de sonho, criação, o ato de escrever,
de desenhar. As ideias sobrevivem por conta daqueles que acreditam, colocam sua força vital
nelas, em sua permanência, desdobramento e reprodução. A ideia que tratamos em particular
neste ensaio é a ideia do desenho, não a ideia a priori, mas a ideia do viver o desenho, como
ato constitutivo, como práxis, como pensamento que começa a existir ao se fazer, sintetizando
vivências passadas em uma nova vivência, um pensamento visual criador de possíveis.
Gostaríamos de deslocar o entendimento da escrita que fazemos aqui, por exemplo, para a
escrita das imagens. Pensadas criativamente, coletivamente participadas, aproveitando os
espaços escolares, não apenas aqueles destinados ao desenvolvimento dos currículos
instituídos, mas principalmente os espaços dos desejos, das vontades, como eficazes
alternativas às reproduções das relações de produção que regem o mundo contemporâneo.
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Referências Bibliográficas:
ARNHEIM, Rudolf. Arte & Percepção Visual: Uma Psicologia da Visão Criadora. Rio de Janeiro: Pioneira, 2000. BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. Rio de Janeiro: Ática, 1998. BACHELARD, Gaston. A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2009. CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas. Rio de Janeiro: DP&A 2005. MENDES, Madalena Rodrigues. In: Ana Lúcia (et al) (Org.). Raízes Literárias. Rio de Janeiro: Talagarça, 2011. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2008. VALERY, Paul. Degas, Dança e Desenho. São Paulo: Cosacnaify, 2008.
IMAGENS E NARRATIVAS NOS/DOS/COM OS MOVIMENTOS ESTUDANTIS: ENSINO, CURRÍCULOS PRATICADOS E ESPAÇOSTEMPOS DE FORMAÇÃO18
Rebeca Silva Brandão Rosa
A posse do real é uma verdadeira impossibilidade e a consciência epistemológica desta impossibilidade é uma condição necessária para entendermos alguma coisa do que se passa no quotidiano. (Pais, 2003:28)
As imagens dos movimentos estudantis que compõem parte do acervo fotográfico
oficial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) instigaram, por algum tempo, o
grupo envolvido na pesquisa “Memórias Imagéticas da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – algumas questões curriculares sobre o acervo fotográfico da UERJ” (Alves, 2008).
Entendendo as imagens como “fontes de pesquisa” (Martins, 2008), o grupo teve como um
dos objetivos investigar os diversos espaçotempos curriculares registrados por João Vitalino,
fotógrafo oficial da UERJ entre os anos de 1973 a 2008. No entanto, o que especialmente me
chamou a atenção foi a forma como os estudantes aparecem neste acervo: em imposições de
grau e em aulas de educação física, por exemplo, principalmente as imagens em P&B,19 nas
décadas de 1970 e 1980, período relativo à ditadura civil-militar brasileira. Os estudantes
também foram frequentemente retratados em protestos na UERJ – porém, somente no período
entre 1985 a 1990, quando o processo de redemocratização começou a ocorrer no país. Ainda
assim, os protestos estudantis registrados possivelmente eram tidos como permissivos pelas
autoridades da instituição, já que os mesmos se encontravam presentes nas fotografias
mencionadas. Vejamos a seguir mais algumas observações acerca destas imagens.
I - Pensando/fazendo pesquisas com imagens
A primeira imagem que destaco é a de estudantes do sexo feminino da UERJ em
competição esportiva, na década de 1970, aproximadamente. A cena, embora “petrificada”
(Kossoy, 1999), expressa movimento, chegando a ser latente e explosiva por conter tantas
expressões de emoção e comemoração. Certamente ocorreu nas dependências de algum
18 Este texto é um trecho da monografia “Imagens e narrativas dos movimentos estudantis: espaçotempos de tessitura de currículo e formação”, da mesma autora, orientada pela Prof.ª Dr.ª Nilda Alves, com algumas modificações, e é um dos resultados da pesquisa a qual é relacionada. 19 Neste trabalho, volto-me apenas para as imagens em P&B para analisar os movimentos estudantis.
80
quartel de uma das forças armadas, pois a UERJ não havia ainda instalações próprias para
atividades esportivas.
As protagonistas saltam aos olhos, e, por isso, numa primeira análise, passa quase
despercebida a forte presença de militares na foto. Para além da plateia, a presença de
militares é marcante também no prédio, em cada sacada deste, como uma posição estratégica
de visualização de todo o campo à frente, o que facilita a observação e o controle – sensação
frequente relativa ao contexto histórico-social retratado. Tal imagem é emblemática devido a
alguns fatores considerados adiante.
A segunda imagem traz a comemoração dos estudantes nas dependências da
Universidade, em 1987, pela permissão do uso de bermudas. A terceira fotografia é a de um
protesto estudantil reivindicando papel higiênico para os banheiros da UERJ. Tais imagens,
apesar de apresentarem estudantes em momentos de protestos, os mostram ligados a
reivindicações de caráter funcional, ou seja, não politizadas. Além disso, retratam-se protestos
de caráter permissivo, já que uma mostra a comemoração por uma reivindicação já atendida e
a outra, um protesto com a participação simpática do Reitor daquele período – Charley Fayal
de Lira.
Kossoy (1999) chama de “realidade interior” o que uma fotografia traz consigo, visto
que a situação, o momento histórico, as pessoas retratadas, dentre tantos elementos, possuem
diversos contextos e aspectos que a revelação fotográfica não é capaz de explicitar; o autor
ainda afirma que
quando apreciamos determinadas fotografias nos vemos, quase sem perceber, mergulhando no seu conteúdo e imaginando a trama dos fatos e as circunstâncias que envolveram o assunto ou a própria representação (documento fotográfico) no contexto em que foi produzido: trata-se de um exercício mental de reconstituição quase que intuitivo (1999:132).
Assim, realizei uma pesquisa, acerca das fotografias sobre as quais me debrucei, com
diferentes ações metodológicas,20 mas que também contaram com a minha intuição neste
processo, tecida com minhas redes de saberes-fazeres e significações; percorri portanto um 20 Entre outras ações, destacam-se: (i) a pesquisa dos momentos históricos fotografados, (ii) a realização de entrevistas com diversos colaboradores (professores e funcionários da universidade contemporâneos à época do registro), (iii) a realização de pesquisas em acervos institucionais e públicos (Biblioteca Nacional e o núcleo de Memória Institucional e Disseminação de Informações da UERJ).
81
caminho próprio, que me levou a compreender as imagens não somente como “fontes de
pesquisa” (Martins, 2008), mas como “personagens conceituais”, como Alves (2010a),
fundamentada em Deleuze e Guattari, que as compreende em seu aporte teórico. A autora
afirma que as imagens são dados significativos, ou seja, elementos que possibilitam os
processos de pesquisa e permitem formar teorias, pois são elas que possibilitam pensar as
questões que colocamos (Deleuze; Guattari, 1992 apud Alves, 2010a:186).
Influenciada por minhas vivências no movimento estudantil de Pedagogia da UERJ,
durante minha graduação, a relação estabelecida com as imagens que trago para este texto não
poderia ser diferente. Elas me instigam tanto a pensar o contexto contemporâneo do
movimento quanto a refletir acerca desse espaçotempo e das práticas políticas através das
quais nos formamos. É possível perceber que, ao analisar o acervo como um todo e através
das conversas que tive com João Vitalino, não é por acaso que as imagens capturadas pelas
lentes do fotógrafo trazem, majoritariamente, os eventos oficiais, a presença de autoridades,
militares e pessoas de destaque tanto para a Universidade quanto para a sociedade carioca e
nacional. Notamos que esta talvez fosse uma preocupação do fotógrafo – que inclusive nas
legendas de seus álbuns destaca principalmente a autoridades, personalidades, reitores e
professores. No entanto, muitas fotografias foram feitas a pedido das próprias autoridades da
universidade – reitores, por exemplo – com a finalidade de constituir um acervo imagético da
UERJ. Assim, caracterizamos, além do acervo, o olhar do fotógrafo João Vitalino como
sendo, de fato, oficial. Inicialmente, as análises feitas das imagens foram intrigantes, porque,
aliado ao desejo inicial de encontrar imagens de protestos e de denúncias contra a ditadura
civil-militar, não compreendia ainda o contexto de produção de João Vitalino. Somente
quando o compreendi que as fotografias eram oficiais e não trariam imagens contra-
hegemônicas, concluí que tal encontro não seria possível.
Deste modo, torna-se importante outro dado apontado por Martins (2008) acerca do
uso de fotografias em pesquisa: a tensão entre revelação e ocultação, ou seja, a fotografia faz
revelar também aquilo que está ausente (Pais, 2003). Coube buscar outras estratégias
metodológicas, pois, a partir de Oliveira e Sgarbi (2008), percebi que este acervo estava
atrelado a um processo de invisibilização, ou seja, aquelas imagens de estudantes eram
configuradas a partir de um grupo que julgava aqueles que reivindicavam a democracia como
sendo menores ou inferiores. É o que Boaventura chama de sociologia das ausências. Então,
como me interessava aquilo que não estava presente nas fotografias, recorri a colaboradores
82
que, através de conversas, pudessem ajudar a pensar acerca dos movimentos estudantis
fotografados e, principalmente, os não fotografados. Neste sentido é que a pesquisa com este
acervo foi acontecendo. Dois dos professores que entrevistamos – Antonio Braga Coscareli e
José Bessa – nos alertaram: é óbvio que muitas coisas que iam de encontro ao sistema não
estão presentes nessas fotografias, por serem oficiais.
Vale também lembrar que Martins alerta que a pesquisa com fotografia é permeada
pela interação de vários fatores influenciados pelo momento de produção da fotografia, pelo
seu produtor, por quem ou pelo que foi fotografado e sua autorrepresentação, por quem a
contempla e, principalmente, pela contemporaneidade desta contemplação, pelas redes de
saberes-fazeres e pelas significações de quem as contempla, bem como pelas circunstâncias
desta (2008:11-12). O campo das narrativas, portanto, é repleto de tensões geradas por
diversos fatores. Assim, as narrativas e as conversas que tive com estes colaboradores foram
embasadas por estas preocupações, no que tange aos usos e apropriações que estes
colaboradores fizeram deste acervo.
Assim, embora o contexto vigente retratado neste acervo revele ausências (Martins,
2008) daqueles estudantes que militaram de forma contundente pela mudança do sistema de
exceção, bem como pelas reivindicações estudantis históricas, este acervo – oficial – é um
espaço-tempo estratégico, com muitos movimentos invisíveis a olho nu. Foi preciso, como
Kossoy (1999) aponta, mergulhar nos contextos fotografados para compreendê-los, seja
através de pesquisa em acervos institucionais, seja através de conversas com os praticantes
que vivenciaram este contexto.
II - Pensando a arquitetura escolar como espaço-tempo curricular
As influências do acordo MEC-USAID21 na educação brasileira são usualmente
enumeradas referindo-se a diminuição de 12 para 11 anos de estudos nos primeiro e segundo
graus, os quais, antes deste acordo, eram dividido em três etapas: o primário, o ginásio e o
científico. O ensino universitário passou a se chamar terceiro grau, que foi ainda mais
modificado, com alterações nos currículos oficiais as quais implicaram, por um lado, a
21 Fusão das siglas MEC – Ministério da Educação – e USAID – United States Agency for International Development.
83
extinção de algumas disciplinas (Latim, Filosofia, Educação Política) e, por outro, a inclusão
da disciplina Ordem Cívica e a redução de carga horária na disciplina de História.
Além disso, o incentivo dado ao esporte, influência originária de universidades
americanas, tinha como principal objetivo dispersar supostas aglomerações estudantis e
desmobilizar seus movimentos. Mais do que uma proposta curricular, a primeira imagem
narrada deste texto dialoga com uma proposta de segurança implantada pela ditadura civil-
militar nas universidades de todo país, sendo obrigatório cursar, pelo menos, dois semestres
de Educação Física – independentemente da faculdade escolhida pelo estudante.
O seguinte trecho da tese de Mancebo (1996) acerca da história da UERJ afirma a
implementação desta política na reforma universitária:
Na reunião de instalação do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária, o Reitor João Lyra Filho apresentou um documento seguido de um anteprojeto de Lei, visando colaborar com os trabalhos. A análise deste texto, reproduzido no Catálogo Geral da UEG22 de 1971, p. 219-226, mostra a influência das concepções do Reitor da UEG no documento final do grupo, cabendo destaque aos seguintes aspectos: [...] A preocupação em resolver e conter os conflitos governamentais com os estudantes, para o que propunha a reformulação do sistema de vestibular e o incentivo aos esportes (1996: 210).
Atrelada a estas questões, uma análise pertinente acerca da história da UERJ diz
respeito à estrutura arquitetônica de seu principal campus, o Maracanã. Com a construção
iniciada em 1969, auge da ditadura militar e com o AI-5 já implementado, é impossível
pensar sua estrutura isenta da influência daquele governo. Escolano e Frago (2001) – autores
que se dedicaram nesta obra a analisar arquiteturas escolares – afirmam “que o espaço jamais
é neutro: em vez disso carrega, em sua configuração como território e lugar, signos, símbolos
e vestígios da condição e das relações sociais de e entre aqueles que habitam” (2001:64).
As pistas passam por aspectos banais, mas a estrutura arquitetônica deste campus
reflete a ideologia do governo daquele período. As portas das salas de aula, por exemplo,
possuem janelas para que todas as aulas possam ser vigiadas; além disso, as vozes de todas as
salas vazam para as demais, pois todo o prédio conta com um sistema de corredores, acima
22 Segundo Mancebo (1996), a UERJ surgiu com o nome de Universidade do Distrito Federal (UDF), passa a se chamar em 1958 Universidade do Rio de Janeiro, Universidade do Estado da Guanabara (UEG) em 1961 e Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1975.
84
das salas, onde é possível caminhar para qualquer parte sem ser visto. Além disso, vale
destacar a significação das construções imponentes do período ditatorial, que representaram a
imponência do Estado, o progresso, mas, especialmente no que diz respeito à arquitetura
escolar, a simbologia de formação de mão-de-obra qualificada – tão necessária ao país.
Escolano e Frago (2001) afirmam que a posição central geograficamente e a arquitetura
escolar, e eu acrescentaria também a universitária, “projetaria seu exemplo e influência geral
sobre toda a sociedade, como um edifício estrategicamente situado e dotado de uma
inteligência invisível que informaria culturalmente o meio humano-social que o rodeia”
(2001:33). Tais autores, portanto, permitem-me inferir que as tessituras de significações
também foram articuladas com esse tipo de concretude, que é o prédio do campus Maracanã
da UERJ.
Os prédios verticais, associados à implementação do sistema de créditos para a
conclusão dos cursos universitários e da segmentação por semestres dos fluxogramas visavam
as “desaglomerações de pessoas”. Esses prédios dão ênfase ainda às salas de aulas, que não
eram entendidas não só como símbolo da formação de mão-de-obra especializada necessária e
exigida naquele período, mas também como o espaço legítimo do saber. A inexistência de
restaurante universitário na planta original do campus também é marcante, já que, apesar do
grande investimento na construção do campus, uma das preocupações era justamente que as
pessoas não pudessem se reunir, dificultando, assim, possibilidades de mobilizações
contrárias ao sistema vigente, o que fundamenta a ausência do restaurante universitário.23
Com isso, compreendo que a arquitetura escolar e universitária é uma dimensão material do
currículo (Alves, 1998a) tecido sob, sendo tecida a partir de determinadas influências
históricas, sociais e políticas, as quais, por sua vez, interferem nas tessituras curriculares.
III - Currículos praticados, o ensino e espaçostempos de formação
A revelação das ausências, embora seja sugerida por Martins (2008) no uso de
fotografias em pesquisa, também pode ser pensada em outros sentidos, ou seja, não só em
ausências imagéticas, mas nas ausências nos campos da história escrita, falada, narrada etc.,
como aponta Alves (2010b) sobre os modos hegemônicos de se ver/pensar o termo “política”:
23 O restaurante universitário que funciona atualmente na UERJ foi inaugurado em 2011, na gestão do Reitor Ricardo Vieiralves.
85
não existe, nas pesquisas com os cotidianos, [...] a compreensão de que existam “práticas e políticas”, [...], uma vez que entendemos que as políticas são práticas, ou seja, são ações de determinados grupos políticos sobre determinadas questões com a finalidade explicitada de mudar algo existente em algum campo de expressão humana. [...] Desta maneira, não vemos como “políticas” somente as ações dos grupos hegemônicos na sociedade, embora estes produzam ações que são mais visíveis. Os grupos não hegemônicos, em suas ações, produzem políticas que, muitas vezes, não são visíveis aos que analisam “as políticas” porque estes foram formados para enxergar, exclusivamente, o que é hegemônico com o que aprenderam com o modo de pensar hegemônico (Alves, 2010b).
Assim essa autora nos chama atenção para o modo de ver hegemônico, que não é
capaz de perceber aquilo que não é de sua compreensão e entendimento. E mais: sugere os
diversos espaçostempos de aprender-ensinar na formação de professores, entendendo os
movimentos sociais como um deles e sua importância enquanto “prática-política”. Desta
forma, é concebível pensar em contextos de formação de professores nos movimentos
estudantis, uma vez que, independente de currículo oficial, existe um currículo executado que
os próprios praticantes (Certeau, 1994) vão tecendo conforme sua experiência de vida, seus
saberes, sua cultura e significação.
Entendendo os movimentos estudantis também como um dos diversos movimentos
sociais é que dialogo com Gohn (2002), quando enumera alguns aspectos quanto à formação
que esses movimentos proporcionam ao indivíduo, entre os quais se destacam: (i) a
organização política, que dá aos praticantes a noção da estrutura da máquina administrativa e
da burocracia em que o Estado e a sociedade estão entrelaçados, bem como noções de
legislações, direitos e deveres; (ii) a cultura política, na qual é possível fortalecer os
movimentos sociais a partir da experiência política vivenciada pelos praticantes, das
articulações e do desenvolvimento de estratégias políticas; e (iii) o conhecimento histórico-
social dos partidos políticos, sindicatos e demais instituições representativas adquirido pelos
praticantes no cotidiano destes contextos.
Gohn (2002) também aponta a “dimensão espacial-temporal” que os movimentos
sociais também possuem, já que estabelecem um diálogo entre saberes científicos e populares.
Neste sentido, afirma que “a educação não se resume à escola, à educação formal, escolar. Há
86
aprendizagens e produção de saberes em outros espaços, aqui denominados de educação não
formal”24 (Bauer; Fernandes; Gohn, 1999:11).
No entanto, com a finalidade de superar tais dicotomias e partir do pressuposto de que
é preciso reconhecer tais saberes para a tessitura curricular, compreendo a importante
relevância em trazer tais conhecimentos, saberesfazeres e práticas-políticas (Alves, 2010b)
para o contexto escolar, dialogando com Alves (2010b, 1998b) quando afirma que existe uma
complexa articulação entre os múltiplos contextos em que a formação dos indivíduos se
realiza. É nesse sentido que a articulação dos praticantes com os diversos espaços-tempos
contribui para a formação e, portanto, para as tessituras curriculares singulares.
Complementando essa ideia, Oliveira (2004) afirma que o currículo não deve ser entendido
apenas como uma lista de conteúdos a serem ministrados a determinado grupo de sujeitos, mas como criação cotidiana daqueles que fazem as escolas e como prática que envolve todos os saberes e processos interativos do trabalho pedagógico realizados por alunos e professores (Oliveira, 2004: 9).
Assim, a autora chama de “currículos praticados” aqueles tecidos com a contribuição
de cada indivíduo (com seus saberes e culturas), contribuição individual essa que por si só
constitui os seus próprios currículos, tecendo-os nos seus cotidianos, não se limitando assim
apenas aos espaços formais de ensino. Dessa maneira, os conhecimentos são tecidos em
lugares não formais de ensino, como nas conversas de bares com amigos, em filas de banco;
são tecidos também em lugares que, mesmo ligados aos espaçotempos escolares, muitas vezes
são marginalizados, como os recreios e as conversas paralelas, contexto que se incluem os
movimentos estudantis, pois são marginalizados pelas instituições de ensino formal porque
tencionam e contestam algumas questões do sistema educacional, como o autoritarismo
existente nessas instituições e as políticas de assistência dos estudantes.
Entretanto, a formação política ocorre em múltiplos contextos, sendo o contexto
escolar mais um. E é através de nossas experiências que vamos conhecendo professoras/es e
demais praticantes envolvidos no contexto escolar e universitário, os quais apontam a
24 Essa autora auxilia a compreender o modo de aprender-ensinar nos movimentos sociais, mas expressa uma dicotomia quando usa as expressões “espaços formais” e “espaços não-formais” de ensino. Meu objetivo é justamente mostrar que os espaçotempos de aprender-ensinar são múltiplos, articulados e relacionados entre si, portanto, não é coerente separá-los, mas sim aglutiná-los.
87
importância de se trabalhar no coletivo, contribuindo assim para uma formação mais crítica,
mesmo estando em instituições autoritárias e tradicionais.
Estamos sempre em busca de uma educação como prática emancipatória, que supere
essa ideologia do individualismo disseminada na sociedade, ajudando assim a formar pessoas
críticas e participativas. Então, participar nesses movimentos contribui para a experimentação
dos sentimentos da solidariedade, da cooperação, da generosidade, da democracia e,
principalmente, para a conscientização de que é importante participar desses espaçotempos,
pois somente na coletividade é possível encontrar as saídas para as questões que enfrentamos
cotidianamente. Logo, a formação é contínua, acontecendo nos múltiplos espaços-tempos
sociais nos quais estejam inseridos os estudantes e, no caso dos movimentos sociais, espaços
de trocas e circulação de saberes e informação. Portanto, assumir os saberes tecidos
nos/dos/com os movimentos estudantis possui bastante relevância para afirmar o espaço
escolar também como um espaço legítimo de práticas-políticas não só para os estudantes, mas
para toda a comunidade envolvida.
Referências Bibliográficas:
ALVES, Nilda. Dois fotógrafos e imagens de crianças e seus professores – as possibilidades de contribuição de fotografias e narrativas na compreensão de espaçostempos de processos curriculares. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de (org). Narrativas: outros conhecimentos, outras formas de expressão. Petrópolis: DPetAlii, 2010a. ___________. Memórias Imagéticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – algumas questões curriculares sobre o acervo fotográfico da UERJ (2008-2011) – Projeto de pesquisa – financiamentos: CNPq, FAPERJ, UERJ. Rio de Janeiro: 2008. ___________. O espaço escolar e suas marcas - o espaço como dimensão material do currículo. Rio de Janeiro: DP& A, 1998a. ___________. Redes educativas ‘dentrofora’ das escolas, exemplificadas pela formação de professores. In: XV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Abr, 2010b, Belo Horizonte. ___________. Trajetórias e redes na formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 1998b. BAUER, C.; FERNANDES, M. D. E.; GOHN, M. da G.. Editorial – Educação e movimentos sociais: uma relação forjada na prática. In: E17 Eccos: revista científica. Educação e
88
Movimentos Sociais. Vol. 1, n. 1 (1. sem. 1999). São Paulo: Universidade Nove de Julho, 1999. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano - artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs. vol. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. ESCOLANO, Agustín; FRAGO, Antonio Viñao. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa – 2ª Ed.. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. São Paulo: Cortez, 2002. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. S. Paulo: Ateliê Ed, 1999. MANCEBO, Deise. Da gênese utilitária aos compromissos: uma história da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1950 - 1978). Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 1996. MARTINS, José de Souza. Sociologia da Fotografia e da Imagem. São Paulo: Contexto, 2008. OLIVEIRA, Inês Barbosa de; SGARBI, Paulo. Estudos do cotidiano & Educação.Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. PAIS, José Machado. Vida cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo: Cortez, 2003.
CIBERCULTURA: UMA CONVERSA SOBRE IMAGENS JUVENIS NO CIBERESPAÇO
Thayná Marracho
Objetivamos nesse trabalho analisar as as produções dos jovens nas redes sociais
digitais elucidando sua relevância nas suas realidades juvenis. Consideraremos
especificamente as produções de uma turma de um colégio localizado na Baixada
Fluminense, o Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CTUR), e
como suas criações constroem saberes que são entrelaçados por suas vivências,
representações e aspirações.
I � Do ciberespaço à produção de múltiplos saberes
Com o advento e popularização do acesso as tecnologias, assim como o crescente
aumento dos usos da rede mundial de computadores, as práticas comunicativas, e
consequentemente sociais, foram profundamente alteradas. Jovens, a força motora da
construção do ciberespaço, desejavam experimentar novas formas de comunicação através
desses novos aparatos tecnológicos.
Para compreendermos o ciberespaço, necessitamos entender que este é um espaço
comunicativo que emerge da conexão da rede mundial de computadores e, sobretudo, um
lugar de troca de saberes, possibilitando também infinitos modos de comunicação. Desta
forma o ciberespaço ganha uma grande importância ao alocar toda essa estrutura
comunicacional, permitindo a interação entre as pessoas conectadas. A partir dessas trocas, a
inteligência coletiva geralmente é construída, sendo esta função determinante para a produção
da cibercultura. Para Lévy (1999, p. 17) a cibercultura compreende um espaço onde técnicas,
práticas, valores, entre outros, onde a técnica - que compreende os artefatos tecnológicos -
assume um papel resultante de uma cultura ou sociedade (Lévy,1999, p. 22).
Nas redes digitais, há um infinito de informações que se encontram em algum lugar,
mas podemos acessá-las em qualquer momento. Isso compreende o mundo virtual e o seu
conjunto de códigos que, no ciberespaço assumem uma dinâmica quase que atemporal e
desterritorializada.
90
Nessa trama, são produzidos hipertextos que são textos organizados e produzidos em
rede, em uma noção não linear. Desta forma, os leitores participam ativamente na criação
desses hiperdocumentos incluindo outras informações, links, imagens, entre outros.
Sobre o crescimento do ciberespaço, Lévy (2009, p. 11)conclui que:
Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano.
Com isso, elucidamos a importância da compreensão do ciberespaço como uma nova
forma que comunicação que produzirá novas linguagens e novos signos por determinada
sociedade e cultura, a partir de uma perspectiva humanística.
II � Das juventudes
Jovem, não vai chegar tarde
A sociedade está pronta para ligar o alarme (...)
Pergunta pro espelho Afinal, quem é você?
Jovem, a grande novidade Jovem - Cazuza
Falar sobre juventudes, no plural, implica também em reconhecê-las como produtoras
de culturas tendo em vista as posições históricas e sociais peculiares. Partindo do campo dos
Estudos Culturais, com o reconhecimento das culturas além da considerada erudita, as
juventudes e suas tribos forneceram um campo fértil de pesquisas no campo das subculturas
(Cevasco, 2003, p.76). A partir do século XX, nos centros urbanos, as juventudes mostraram
sua voz e tornaram-se alvo de preocupações de segmentos sociais e do Estado. Adquirindo
corpo com o consumo da indústria cultural os jovens tornaram-se principais consumidores de
diversos mercados, dentre eles principalmente o cultural e o mercado de moda.
As juventudes constroem seus pensamentos, impressões e culturas nos seus cotidianos,
e a partir disso suas identidades são elaboradas juntamente com a circularidade e contágio
com infinitas produções culturais.
91
Nesse complexo, a Pedagogia da Imagem visa o entendimento sobre as imagens que
circulam pela sociedade, fazendo com que os jovens encontrem seus modos de representação,
expressão e identificação. Desta forma, realizam um movimento de construção das
identidades juvenis dialogando entre os fluxos de visões de mundo.
Sobre a produção de culturas juvenis, Catani e Gilioli (2008, p. 16) dizem:
Ainda é recente a percepção das diversas manifestações culturais juvenis como produtos próprios do jovem e não como meros “desvios” das normas sociais. Isso implica considerar que os jovens são capazes de produzir uma cultura autônoma, que não apenas imita o mundo adulto e as instituições tradicionais, mas articula estas últimas de acordo com parâmetros próprios, configurando novas formas de cultura.
Neste panorama, desvendar as produções juvenis implica no entendimento de como as
mídias disseminam formas atuais de visibilidades, intervindo assim nas identidades e
compreensões acerca das realidades humanas. Além de decodificar as representações e
construções que os jovens realizam, mostrando a voz dos seus pensamentos, e ilustrando suas
experiências e aspirações sobre o mundo.
III � Da Pesquisa
Como bolsista de Iniciação Científica do
CNPq desenvolvo, a partir do projeto “Juventudes:
Circulação das imagens e fruição de identidades
entreatos curriculares” sob a orientação do Professor
Aristóteles Berino, a pesquisa Redes sociais e
Pedagogia da imagem: a partilha do sensível na
cibercultura juvenil. Tal projeto segue em
desenvolvimento com os jovens estudantes do
Colégio Técnico da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, o CTUR. Localizado na Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, tal
colégio oferece o ensino médio concomitantemente com cursos técnicos, consistindo assim
em uma carga horária extensa, e consequentemente vivências diferenciadas a esses jovens.
Vídeo dos alunos do CTUR “Prá mim o CTUR é...”. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=xdv6MPH640c
92
Metodologicamente os procedimentos seguidos no projeto consistem no
acompanhamento e análise das produções dos alunos nas redes sociais digitais. Parte da
confecção da pesquisa também conta com encontros, conversas e entrevistas com os alunos e
professores objetivando conhecer as redes sociais que os mesmos usam, para quais
finalidades, principalmente levando em consideração suas produções imagéticas.
Após o período de levantamento bibliográfico, iniciamos a análise das redes sociais
digitais que os alunos do CTUR fazem uso. O principal material de analise foi o Blog e a
página no facebook25 da turma do primeiro ano de técnico em Agroecologia do Colégio
Técnico da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Realizamos também uma entrevista26
com a representante dessa turma.
Sobre o blog, visualizamos muitas postagens que contemplam o cotidiano escolar
diferenciado desses jovens e suas relações estabelecidas ao longo dos seus cotidianos.
Fotografias sobre suas atividades são postadas com frequência, junto aos relatos de
experiências, acontecimentos, futuros encontros, vídeos, letras de músicas entre outros. Não
existe uma regularidade de postagens do blog, nem tão pouco elas seguem uma pauta temática
regular.
Já a página do facebook apresenta uma interação maior, tendo em vista que todos
podem publicar na página. Fotos e vídeos também são postados. Por possuir um caráter
menos unilateral, se comparado com o blog, a grande diferença dessa página é o espaço mais
fértil para as postagens dos integrantes da turma. Na entrevista realizada com a representante,
questionei a aluna Gabriella Gomes sobre o objetivo da criação do blog, e ela informa que a
ideia surgiu em função da convivência que a turma possui, e também com o objetivo de trocar
informações e de relatar suas experiências no colégio, inclusive com outros alunos e futuros
estudantes.
Posteriormente questiono sobre uma postagem na qual a turma orienta os visitantes
para chegar ao Colégio Técnico da Rural. Mesmo sendo localizado em Seropédica, na
Baixada Fluminense, tal colégio atende a um público situado também na Zona Oeste do Rio
de Janeiro.
25 http://www.familiaagro.blogspot.com/ e http://www.facebook.com/pages/FamiliaAgro-Turma-24-CTUR/208096445932232 respectivamente. 26 A entrevista com a aluna Gabriella da Silva Gomes, estudante do primeiro ano da turma de Agroecologia foi realizada via facebook no dia 27 de novembro de 2011. Parte da entrevista foi publicada no jornal eletrônico Jovens e Juventudes: http://lab-eduimagem.pro.br/jornais/jovens/atual/encontros_pg1.html.
93
Com isso, ela informa que nessa postagem, comentaram solicitando informações
relativas à locomoção e transporte para o colégio. Ainda na entrevista, questiono se há uma
pauta a ser seguida para as postagens que são feitas no blog. Gabriella informa que isso
acontece sempre que eles possuem alguma ideia ou quando desejam informar ou comentar
sobre determinado acontecimento. Pergunto também se a turma utiliza outras redes sociais, e
Gabriella responde que sim afirmando que o uso destas são de extrema importância, e que são
através dessas redes sociais onde os demais alunos enviam listas de exercícios, por exemplo,
solicitam ajuda para determinada disciplina. Gabriella informa também que os professores
costumam enviar trabalhos para o e-mail da turma.
Quanto à nova relação dos saberes permeados pelas infinitas ferramentas do
ciberespaço, Lévy (1999, p. 181)afirma:
Aprendizagens permanentes e personalizadas através de navegação, orientação dos estudantes em um espaço do saber flutuante e destonalizado, aprendizagens cooperativas, inteligência coletiva no centro de comunidades virtuais, desregulamentação parcial dos modos de reconhecimento dos saberes, gerenciamento dinâmico das competências em tempo real... esses processos sociais atualizam a nova relação com o saber.
Visualizando o cotidiano da turma de Agroecologia do CTUR, percebemos que ao
utilizarem o blog, a página no facebook, e o e-mail, eles constroem uma nova relação com os
saberes que circulam e que produzem.
Questionada sobre o que significa ser jovem atualmente, a aluna Gabriella responde
que é ter atitude, não estar satisfeito com o que o mundo oferece mudando assim o necessário,
e por fim descobrir-se a cada dia. Acrescenta sobre a necessidade que as juventudes devem ter
com as questões sociais, que para ela, são de extrema importância.
Com isso percebemos que o ciberespaço estabelece um local importante na vivência
desses jovens tendo em vista o uso que fazem do ciberespaço e suas infinitas ferramentas
disponíveis, e também o que produzem mostrando suas vivências, anseios e aspirações. A
partir disso, para compreendermos tais produções, levando em consideração suas práticas
cotidianas que são indissociáveis de suas realizações culturais, inclusive, enquanto jovens.
94
IV � Entrelaçando os saberes Criar meu web
site Fazer minha home-page Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada Um barco que veleja
(...) Eu quero entrar na rede
Promover um debate Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut Gilberto Gil – Pela internet
A rede mundial de computadores trouxe
inúmeras facilidades, como a rápida
disseminação e compilação de informações, mas
sem dúvidas as possibilidades comunicacionais
foram a grande revolução. Observamos que as
redes sociais estão permeadas pelos jovens, e
esses as utilizam para infinitas finalidades.
Quanto as suas publicações, percebemos que
parte delas consistem em registrar os momentos
que vivem, inclusive em uma tentativa de
eternizar – mesmo na dinâmica efêmera das redes sociais – os momentos que vivenciam,
levando em consideração as possibilidades técnicas que as redes sociais apresentam.
Quanto ao uso juvenil dos instrumentos da rede mundial de computadores para
militância em movimentos que contestam práticas de consumo, culturas hegemônicas, entre
outros, FILHO (2007, p. 61) diz que os “Sites de organizações independentes, listas de
discussão e e-mails se consolidaram, ao longo dos anos 1990, como ferramentas essenciais
para o estreitamento de vínculos e aprimoramento dos métodos de ação dos militantes (...)”.
Quando a aluna Gabriella Gomes traz o episódio sobre o questionamento feito através
do blog sobre as linhas de ônibus que passam no colégio, e eles forneceram a resposta, é um
exemplo vivo da construção de inteligência coletiva e da troca e construção de saberes. Com
Vídeo dos alunos do CTUR “Pra mim o CTUR é...”. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=xdv6MPH640c
95
isso, a apropriação desses artefatos para o auxilio nas questões relacionadas aos estudos,
caracterizam a utilização dessas ferramentas como aliadas as formas escolares de
aprendizagem, porém entendendo que a capacidade das mesmas vai muito além. Lévy diz que
os três princípios eu orientaram o crescimento do ciberespaço foram a interconexão, a criação
de comunidades virtuais e a inteligência coletiva (1999, p.129).
Com isso Lévy (1999, p. 29) diz que quanto mais os processos de inteligência coletiva
são desenvolvidos:
Melhor é a apropriação, por indivíduos e por grupos, das alterações técnicas e menores são os efeitos de exclusão ou destruição humana resultantes da aceleração do movimento tecnossocial. O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se justamente como um dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva.
Desta forma, para urgência da educação,
faz-se necessária a compreensão das produções
juvenis no âmbito da internet, visando
compreender seus pertencimentos, suas questões
e suas aspirações. ROITBERG diz que cada vez
mais os jovens, utilizam as redes sociais como
ampliação dos seus pertencimentos e
subjetividades (2010, p. 10) fazendo com que a
rede de construção de saberes e fazeres sejam
ampliados. Com isso, não podemos dissociar as produções juvenis, assim como suas virtuais
existências, de seus cotidianos, de seus fazeres e de suas práticas culturais, e nem ignorar a
importância dessa prática.
Referências Bibliográficas: LÈVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo. Editora 34, 1999. CATANI, Afrânio Mendes; GILIOLI, Renato de Souza Porto. Culturas Juvenis: Múltiplos olhares. Coleção Paradidáticos. São Paulo: Ed. UNESP, 2008. FILHO, João Freire. Reinvenções da resistência juvenil – Os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
Imagem 3. Vídeo dos alunos do CTUR “Pra mim o CTUR é...”. Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=xdv6MPH640c
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ROITBERG, Julio Cesar. O que levo do Barão: A alegria do estarjunto e as juventudes multiplicando saberes tecidos da educação. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre os Estudos Culturais. São Paulo:Boitempo Editoral, 2003.
SOBRE OS AUTORES Aldo Victorio Filho Doutor em Educação (ProPed/UERJ). Vice-diretor do Instituto de Artes da UERJ. Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGARTES). Tem atuado como avaliador de Instituições de Ensino Superior do INEP/MEC. Pesquisador do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. Publicou a coletânea Cultura e Conhecimento de Professoras (editora DP&A, 2002). E-mail: [email protected] Aline Caetano Graduanda do Curso de Pedagogia na Faculdade de Educação da UERJ. Bolsista de Extensão na UERJ. Participa do Laboratório Educação & Imagem (www.lab-eduimagem.pro.br) e integra o GRPESQ Cotidiano Escolar e Currículo. E-mail: [email protected]
Aristóteles de Paula Berino Professor do Curso de Pedagogia no Campus Nova Iguaçu da UFRRJ e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ). Atualmente é o Coordenador do Programa. Pesquisador do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte, do GRPESQ Currículos, Redes Educativas e Imagens e do LEAFRO (NEABI-UFRRJ). Publicou A Economia Política da Diferença (editora Cortez, 2008) e Educação e Imagens: instituições escolares, mídias e contemporaneidade (editora DP et Alii, 2010), coletânea organizada com a Conceição Soares (UERJ). E-mail: [email protected] Conceição Soares Pós-doutoranda em Educação no ProPed/UERJ. Leciona na Faculdade de Educação da UERJ e no ProPed/UERJ. Pesquisadora do GRUPES Estudos Culturais em Educação e Arte e do GRPESQ Currículos, redes educativas e imagens. Foi diretora da Rádio Universitária da UFES, onde coordenou estágios e outros projetos de extensão universitária. Publicou A comunicação praticada com o cotidiano da escola: currículos, conhecimentos e sentidos (editora Espaço Livros, 2009) e Educação e Imagens: instituições escolares, mídias e contemporaneidade (editora DP et Alii, 2010), coletânea organizada com a Aristóteles Berino (UFRRJ). E-mail: [email protected] Denise Espírito Santo Doutora em Teoria Literária (UFRJ). Diretora do Instituto de Artes da UERJ e Professora do Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGARTES). Diretora de Teatro. Pesquisadora do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. Publicou Poemas de Qorpo-Santo (Ed. Contra Capa, 2000) e Miscelãnia Quriosa (Ed. Casa da Palavra, 2004). E-mail: [email protected] Gilliatt Moraes Giudice Professor de Artes do Colégio Técnico (CTUR) da UFRRJ. Supervisor do PIBID/Belas Artes no CTUR/UFRRJ. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ. Bacharel em Gravura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, licenciado em Educação Artística pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela
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Universidade Cândido Mendes. Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected] Isabel Cristina Navega Graduanda no curso de Pedagogia do Campus Nova Iguaçu da UFRRJ e Pós-graduanda em Educação Infantil (UFRRJ). É Licenciada em Letras (Português e Espanhol), pela Universidade Veiga de Almeida. Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected] Kézia Jacomo Pimentel Aluna da Licenciatura em Artes Visuais do Instituto de Artes da UER. Bolsista no projeto Iniciação à docência “Imagens das culturas”. Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected] Luriam Cruz da Silva Graduanda do Curso de Pedagogia do Campus Nova Iguaçu da UFRRJ. No curso é também bolsista do Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected] Monique de Oliveira Silva Graduanda do Curso de Pedagogia do Campus Nova Iguaçu da UFRRJ. Foi bolsista PIBIC em 2009/2010 e 2010/2011. Publicou capítulos de livros e trabalho em anais de eventos. Vencedora do Prêmio Paulo Freiro de Monografia, para graduandos, na UFRRJ. Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected] Rebeca Silva Brandão Rosa Formada em Pedagogia, pela Faculdade de Educação da UERJ (Bacharelado e Licenciatura). Atualmente cursa Mestrado em Educação, no ProPEd/UERJ. Bolsista CNPQ. Participa do Laboratório Educação & Imagem (www.lab-eduimagem.pro.br) e integra o GRPESQ Cotidiano Escolar e Currículo. E-mail: [email protected] Talita Raquel Dantas Cardoso Graduanda do Curso de Pedagogia do Campus Nova Iguaçu da UFRRJ. Foi bolsista estagiária da Divisão de Assuntos Pedagógicos no CTUR (Colégio Técnico da UFRRJ) em 2010. Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected] Thayná Marracho Graduanda do Curso de Pedagogia do Campus Nova Iguaçu da UFRRJ e é atualmente bolsista PIBIC (2011/2012). Publicou trabalho em anais de eventos. Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected] Viviane Oliveira de Mello Aluna da Licenciatura em Artes Visuais do Instituto de Artes da UERJ. Participa do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte. E-mail: [email protected]
Sobre a SÉRIE: LICENCIATURA EM PERSPECTIVAS
A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em consonância com a Política Pública e consciente de sua responsabilidade junto ao povo brasileiro na contribuição para a educação de qualidade de nosso país, promove diversos programas e ações, entre os quais se destaca a ampliação do número de cursos por ela oferecidos.
Nesse conjunto de ações, a docência ganha destaque, como comprovam, entre outras ações, os fatos de a UFRRJ ter encampado o Programa Institucional de Formação de Professores para a Educação Básica (PIBID) – ofertando vários cursos de licenciatura para capacitar seus discentes a compreender a escola em toda a sua complexidade– e ter ampliado sua oferta de cursos de licenciatura, a partir do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Ainda na formação de nossos licenciandos, outras iniciativas da UFRRJ, ou por ela encampadas, poderiam ser citadas: o Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI), os programas de iniciação à pesquisa (PIBIC/PROIC), os Estágios Obrigatórios, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, os programas de pós-graduação lato e stricto sensu etc.
Ademais, a estrutura da UFRRJ conta com a Comissão Permanente de Formação de Professores (CPFP), cuja responsabilidade é acompanhar, coordenar e incentivar a qualificação dos docentes do quadro da Universidade. Com isso, dois pilares fundamentais de nossa instituição – professores e alunos – têm constante acompanhamento e são alvo das mais profundas preocupações,
Em Janeiro de 2012, a CPFP, através de sua Subcomissão Editorial, lançou uma chamada para propostas de publicação de obras acadêmico-científicas na área da educação que visassem a difusão de conhecimentos relevantes à formação de professores e à educação de qualidade. Esses projetos refletem temas atuais da educação brasileira e preferencialmente se vinculam à atuação conjugada de nossos docentes com nossos discentes e com docentes e discentes de outras Instituições de Ensino Superior, nacionais e internacionais.
O produto dessa série que ora se apresenta, Licenciatura em Perspectivas, conta nessa primeira etapa com 18 títulos. Esperamos que nossos leitores se sintam motivados com os debates e proposições de excelência desenvolvidos.
Os Editores
SÉRIE LICENCIATURA EM PERSPECTIVAS
� A Formação e a Atuação dos Professores Ontem e
Hoje: uma visão histórica a partir dos projetos societários, práticas escolares e resistências políticas no campo da educação brasileira
� Ação Transformadora na Prática de Docência: a ciência e o lúdico na articulação entre o ensino, pesquisa e extensão
� Aprendendo Geografia: reflexões teóricas e experiências de ensino na UFRRJ
� Capítulos da História da Baixada Fluminense
� Cidade Fundida: tal centro - qual periferia?
� Degenerações: perspectivas de gênero e suas implicações para a formação de professores
� Ensino de Botânica: vivências e propostas
� Ensino de Sociologia: desafios teóricos e pedagógicos para as Ciências Sociais
� Ensino e Pedagogia da Imagem
� Filosofia na Escola: Desafios e Impasses
� Formação de Professores e EJA: experiências em
ação e diálogos em construção
� Formação de Professores: entre as novas tecnologias e a escola de massa
� Futuro em Letras: reflexões e estratégias de
formação de professores � Licenciatura à Distância em Turismo: novos rumos
da formação profissional � Mergulho: uma nova ferramenta educacional
� Políticas Educacionais e Formação de Professores:
pesquisas em confluência
� Psicologia e Educação: Conexões e Diálogos
� Trajetórias da Educação Ambiental Crítica: experiências de uma práxis socioambiental
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