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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO GABRIELA BARROS ABURACHID A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE: NECESSIDADE DE APLICAÇÃO EM CONFORMIDADE COM A PERSPECTIVA SOLIDARISTA DA RESPONSABILIDADE CIVIL BELO HORIZONTE 2015

A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE: NECESSIDADE DE APLICAÇÃO EM CONFORMIDADE COM A PERSPECTIVA SOLIDARISTA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISFACULDADE DE DIREITO

GABRIELA BARROS ABURACHID

A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE: NECESSIDADE DE APLICAÇÃOEM CONFORMIDADE COM A PERSPECTIVA SOLIDARISTA DA

RESPONSABILIDADE CIVIL

BELO HORIZONTE2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISFACULDADE DE DIREITO

GABRIELA BARROS ABURACHID

A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE: NECESSIDADE DE APLICAÇÃOEM CONFORMIDADE COM A PERSPECTIVA SOLIDARISTA DA

RESPONSABILIDADE CIVIL

Monografia apresentada pela alunaGabriela Barros Aburachid ao colegiadode graduação da Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Minas Geraiscomo requisito parcial para obtenção dodiploma de Bacharel em Direito.Orientador: Prof. César Augusto de CastroFiúza.

BELO HORIZONTE2015

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Sumário

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................32 DA TEORIA CLÁSSICA DA RESPONSABILIDADE CIVILEXTRACONTRATUAL........................................................................................52.1 CONCEITO E FUNDAMENTOS ...................................................................52.2 DOS ELEMENTOS........................................................................................73 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE: dano autônomo ou causalidadeparcial?.............................................................................................................113.1 ALGUNS REUISITOS PARA APLICAÇÃO DA TEORIA............................153.2 NATUREZA DA PERDA DE UMA CHANCE: dano patrimonial,extrapatrimonial ou uma nova espécie?.......................................................164 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.185 CONCLUSÃO.................................................................................................31REFERÊNCIAS.................................................................................................35

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1. INTRODUÇÃONo Brasil, o instituto da responsabilidade civil teve suas principais basesdesenvolvidas ao longo dos séculos XIX e XX, com o intuito de proporcionar areparação dos prejuízos sofridos por alguém em razão da conduta alheia,buscando-se o retorno à situação de equilíbrio anterior, com o restabelecimentodo status quo ante. Em sua origem, era visível também o caráter punitivo daresponsabilidade civil, que deveria desestimular condutas potencialmentedanosas para a sociedade como um todo. Desta forma, entre suas funções,que eram diversas, estava a punição do agente culpado, a indenizaçãoconferida à vítima, a reorganização da ordem social e até mesmo apossibilidade de “vingança” do lesado.É fácil visualizar, neste contexto, as inúmeras situações concretas capazes deensejar a aplicação deste instituto, que deve acompanhar as demandas sociaise se aprimorar de forma a oferecer a solução adequada a cada caso concreto.Trata-se, em última análise, da tutela da própria dignidade humana. Naspalavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2011, p.201):“Com isso, percebe-se que através da responsabilidade civil (reparação civil dedanos) materializa-se, também, o objetivo precípuo do Direito Civil, que é aproteção avançada da pessoa humana e a afirmação de sua dignidade.”Destarte, o modelo tradicional desenvolvido no século XIX enfrentou desafiospara sua efetiva aplicação nas novas situações fáticas que foram surgindo aolongo do século XX, passando por transformações simultaneamente àquelasocorridas em uma sociedade dinâmica e plural. Nesse sentido, observa-se aevolução do tema: o Código Civil de 1916 abrangia a teoria subjetiva, comalgumas raras exceções em que se admitia a culpa presumida (GONÇALVES,2013). Com o advento da industrialização brasileira e de suas consequênciasno sentido da multiplicação dos danos sofridos pelos trabalhadores em geral,expandiu-se a teoria do risco1, permitindo a responsabilização objetiva no

1 O trabalhador deve ser indenizado, independente de culpa do empregador, já que este detém o domínio dosbens de produção responsáveis pela ocorrência do dano. Desta forma, aquele que exerce uma atividade cujaessência apresenta alta potencialidade lesiva, assume o risco de arcar com a reparação dos danos que aatividade causar a terceiros. Atualmente, a teoria vem positivada no art. 927, §único do CC.

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âmbito trabalhista. No atual sistema regido pelo Código Civil de 2002, a regracontinua sendo a responsabilidade subjetiva, contudo existem diversassituações que autorizam a responsabilização independente de culpa, como nocaso da responsabilidade de terceiros (art. 932, I, II e III do CC). Existe ainda,desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (1990), aresponsabilidade objetiva pelo fato do produto (art.12 do CDC).Na esteira destas alterações, ocorreram mudanças também quanto aos finsalmejados pelo instituto da responsabilidade.“Em primeiro lugar, como resultado das pesquisas desenvolvidas no campo dacriminologia, a partir dos positivistas do século XIX, desapareceram osfundamentos de três dessas funções tradicionais da responsabilidade: apunição, a vingança e o restabelecimento da ordem social” (PÜSCHEL,2005,p.92).Neste contexto, verifica-se a preocupação crescente em promover a integralreparação do dano, reduzindo as hipóteses em que não será viável aresponsabilização do agente. A reparação conferida à vítima se torna aprincipal finalidade da responsabilidade civil. Desta forma, o viés individualistae focado na punição do agente cede espaço para a perspectiva solidarista, como intuito principal de garantir a tutela de direitos constitucionais.

“Neste sentido, o art. 3º, inciso I, da Constituição vigente, apresenta osolidarismo como um dos pilares da República Federativa do Brasil,enquanto que no art. 1º, os incisos III e IV afirmam a dignidade dapessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativacomo fundamentos do Estado Democrático de Direito, respaldando anova concepção do instituto da responsabilidade civil, que não maisse coaduna com o individualismo típico do Estado Liberal, mas, comobem asseverou Aguiar Dias, com um sistema solidarista da reparaçãode danos.” (SILVA, 2007, p.5)

Sob a perspectiva do sistema solidarista e diante das alterações surgidas naconcepção clássica da responsabilidade civil, verifica-se a existência desituações em que os conceitos de dano e do nexo causal precisam ser revistos,de modo a permitir a reparação dos prejuízos sofridos pela vítima. Trata-se doscasos em que alguém é impedido de auferir uma vantagem futura ou de evitarum prejuízo, em razão da conduta de outrem, desafiando assim a aplicação dateoria da perda de uma chance.

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Analisando-se o posicionamento da jurisprudência brasileira, observa-se oreconhecimento da teoria da perda de uma chance. A maioria dos tribunais dopaís vem aplicando este instituto, como o pioneiro Tribunal de Justiça do RioGrande do Sul, que vem aprimorando seus julgados, bem como o Tribunal deJustiça do Rio de Janeiro, entre outros (SILVA, 2007). Até mesmo o SuperiorTribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema, sendo o caso paradigmáticoo julgamento do REsp 788459 / BA, em 08/11/2005, relatado pelo MinistroFernando Gonçalves (BRASIL, 2006). Na mencionada lide, foi reconhecidaindenização pela perda de uma chance à autora, que participou do programatelevisivo “Show do Milhão”, em razão da pergunta final não apresentarviabilidade lógica, frustrando as possibilidades da participante obter o prêmiofinal de 1 milhão de reais.Contudo, os Tribunais ainda não possuem um posicionamento firmado,aplicando a teoria em alguns casos, mas deixando de considerá-la em outros.Ademais, não há consenso em relação à natureza jurídica do instituto, o queacaba por ocasionar equívocos na solução dos conflitos levados à análise doJudiciário brasileiro.

2. DA TEORIA CLÁSSICA DA RESPONSABILIDADE CIVILEXTRACONTRATUAL

2.1. CONCEITO E FUNDAMENTOSA responsabilidade civil é instituto de grande relevância para o Direito e para aprópria ordem social, uma vez que traz em seu bojo a ideia de restituição daspartes ao status quo ante, por meio do ressarcimento do dano sofrido pelavítima. É uma garantia assegurada às pessoas, que ao conviver em sociedade,estão expostas a diversos tipos de situações suscetíveis de causar prejuízos;ao mesmo tempo é fator desestimulador da prática de condutas potencialmentedanosas, já que, caso estejam presentes os demais requisitos, é certo o deverde reparação. Desta forma, a noção de responsabilidade esta atrelada à ideiade reequilíbrio, à medida em que se relaciona com a consequência imposta ao

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infrator da ordem jurídica, que deve responder pelos efeitos danosos quecausar.Fica evidente a relação deste instituto com o Direito das Obrigações, já que,praticado um ato ilícito, decorre da própria Lei uma obrigação de reparar osdanos causados. É sabido que a principal característica da obrigação é odireito do credor de exigir o cumprimento da prestação por parte do devedor(no caso da responsabilidade civil, a vítima é a credora da obrigação cujoobjeto é a reparação do dano). Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

“As fontes das obrigações previstas no Código Civil são: a vontadehumana (os contratos, as declarações unilaterais da vontade e osatos ilícitos) e a vontade do Estado (a lei). As obrigações derivadasdos “atos ilícitos” são as que se constituem por meio de ações ouomissões culposas ou dolosas do agente, praticadas com infração aum dever de conduta e das quais resulta dano para outrem. Aobrigação que, em consequência, surge é a de indenizar ou ressarciro prejuízo causado.”(GONÇALVES, 2013, p.22)

Os fundamentos da responsabilidade sofreram alterações ao longo do tempo.Partindo-se de uma perspectiva individualista típica do final do século XIX einício do século XX para um viés solidarista, o foco da responsabilização semodifica, uma vez que a punição do agente deixa de ser o ponto principal e asatenções se direcionam para a reparação da vítima.Neste sentido, superou-se a ideia de que somente haveria responsabilidade seo agente atuasse com a vontade de agir, com a intenção de cometer um atoantijurídico, ou seja, se agisse com culpa. As novas situações exigiram umaresposta mais efetiva, já que a vítima encontrava-se desamparada em diversoscasos. Assim, a responsabilidade objetiva surge como um dos grandesavanços, representando maiores possibilidades de reparação integral do danosofrido. Carlos Roberto Gonçalves dispõe:

Tal posicionamento mostra uma mudança de ótica: da preocupaçãoem julgar a conduta do agente passou-se à preocupação em julgar odano em si mesmo, em sua ilicitude ou injustiça. A propósito, sintetizaJorge Mosset Iturraspe:a) O fundamento se encontra no dano, porém mais no injustamentesofrido do que no causado com ilicitude;

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b) Há uma razão de justiça na solução indenizatória, uma pretensãode devolver ao lesado a plenitude ou integralidade da qual gozavaantes;c) A culpa foi, durante mais de dois séculos, o tema obsessivo, orequisito básico, a razão ou fundamento da responsabilidade;d) O direito moderno, sem negar o pressuposto de imputaçãoculposa, avançou no sentido de multiplicar hipóteses deresponsabilidade ‘sem culpa’, objetivas, na qual o fator de atribuição éobjetivo: risco, segurança ou garantia;e) A última década do século XX nos mostra, juntamente com oavanço dos critérios objetivos, o desenvolvimento de fórmulasmodernas de cobertura do risco, através da garantia coletiva doseguro obrigatório, com ou sem limites máximos de indenização;f) O século XXI, por seu turno, haverá de pôr em prática um sistemaverdadeiramente novo de ‘responsabilidade’, que já se manifesta emalguns países, como Nova Zelândia; um sistema de cobertura socialde todos os danos, com base em fundos públicos e sem prejuízo dasações de regresso, em sua modalidade mais enérgica (GONÇALVES,2013, p.31)

2.2 DOS ELEMENTOSO modelo da responsabilidade civil visa à reparação do dano sofrido, desdeque comprovados os requisitos legais clássicos: conduta do agente, dano enexo causal (acrescenta-se o dolo ou a culpa, no caso de responsabilidadesubjetiva). Estes requisitos são extraídos do artigo 186 do Código Civil, queconsagra cláusula geral da responsabilidade civil: “Aquele que, por ação ouomissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano aoutrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Como primeiro elemento, destaca-se a conduta do agente, que viola a ordemjurídica, podendo ser traduzida em uma ação ou omissão. A esta condutapraticada em desconformidade com o sistema jurídico é atribuída a ideia de“ato ilícito”, que pode decorrer tanto de uma violação a um dever específicoprevisto expressa ou implicitamente no ordenamento quanto ao princípio geralde que é vedado lesar o patrimônio material ou imaterial de outrem. Trata-se dodever genérico de não lesar a esfera pessoal e patrimonial de terceiros,traduzida na expressão “neminem laedere”. Quanto ao ato ilícito omissivo, ele se configura quando existe um dever jurídicode agir, como ocorre no caso do dever de prestar socorro às vítimas de

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acidentes de veículos (art. 176, I, do Código de Trânsito Brasileiro). Ademais,deve existir uma possibilidade razoável de que a ação que deveria ter sidopraticada seria capaz de impedir a consumação do dano. Trata-se da análiseda eficiência, que significa que ainda que o agente tivesse o dever de agir, elenão deve ser responsabilizado se a sua atuação fosse completamenteinsuficiente para evitar o dano. Como exemplo, cita-se o caso de um professorde natação, que deixa um aluno se afogar, respondendo, portanto, por omissãoculposa. Porém, se o aluno se afogou por ter sofrido um ataque cardíaco, oprofessor não pode ser resposabilizado, já que sua conduta seria insuficientepara salvar a vida da vítima (COELHO, 2010).O dispositivo legal sob análise demonstra ainda a necessidade da presença davoluntariedade, que significa que deve estar presente a vontade de agir, quepode ser consciente ou inconsciente. Destaca-se que isto não significa aintenção de provocar o dano, mas tão somente o adequando entendimento desua conduta. Importante distinção é feita por Fábio Ulhoa Coelho:

“Note-se que vontade e consciência não são conceitos coincidentes,nem para o direito e nem para a psciologia. A vontade é característicado ato passível de ser controlado racionalmente com vistas a realizarcerto objetivo, selecionando entre duas ou mais alternativas. Hávontade sempre que há possibilidade de decisão. A consciência é oefetivo controle do ato. Os atos sob controle das áreas de consciênciado cérebro são sempre voluntários, mas o inverso não é verdadeiro.Há vontades inconscientes, como a que se expressa pelaimprudência na condução do veículo. Os atos automáticos de direçãopodem ser controlados, e isto indica que são voluntários. Se serão ounão postos sobre o controle das áreas de consciência do cérebro doser que age é questão diversa.” (2010, p.320)

O segundo elemento para a configuração da responsabilidade civilextracontratual é o dano. Ainda que praticadas diversas condutas ilícitas, sedelas não resultar qualquer prejuízo, não há que se falar em reparação. Váriossão os tipo de dano indenizáveis no direito brasileiro: dano material, moral eestético.O dano material corresponde à redução do patrimônio da vítima e abarca duassubespécies, conforme disposto no art. 402 do Código Civil: o dano emergentee o lucro cessante. O dano emergente é caracterizado pelo valor que a vítimaefetivamente perdeu, ou seja, pela atual e efetiva diminuição de seu patrimônio,por isso é chamado de dano positivo. Lado outro, o lucro cessante pode ser

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entendido como aquilo que “razoavelmente deixou de lucrar”, portanto é tidocomo um dano negativo. A produção probatória, no caso do dano emergente, éde maior facilidade, sendo possível demonstrar o desfalque patrimonial semque seja necessário avaliar a razoabilidade da ocorrência de ganhos queocorreriam caso não tivesse ocorrido o dano, o que se verifica nos lucroscessantes:

“Os lucros cessantes traduzem aqueles ganhos que, seguindo aordem natural das coisas, provavelmente afluiriam ao patrimônio davítima se não tivesse havido dano. Aferi-los é algo bem maiscomplexo do que o cálculo dos danos emergentes, pois a suacontabilidade demandará um juízo de razoabilidade no tocante àprobabilidade- e não a mera possibilidade-de que o proveitoeconômico ocorreria se o dano injusto não eclodisse. Isto significaque esta modalidade de danos tangencia o campo do nexo causal, namedida em que a estima dos lucros cessantes é basicamente umexame de um processo causal hipotético, com base naquilo queordinariamente aconteceria se suprimíssimos o evento lesivo.”(FARIAS, et. al, 2014, p.289)

O dano moral, amplamente reconhecido a partir da Constituição Federal de1988, decorre da violação de um dos direitos da personalidade, comodignidade, honra ou imagem, atingindo o patrimônio imaterial da vítima2. Acompensação pelo dano moral não repara o dano sofrido, eis que este não épassível de ser auferido pecuniariamente. Trata-se apenas de uma respostaque visa a compensar a dor, mas de forma alguma pode-se falar emressarcimento.Por fim, o dano estético, que ocorre quando são causadas interferênciasindesejadas no aspecto físico da vítima. Ressalta-se que o Superior Tribunal deJustiça reconhece a possibilidade de cumulação do dano moral e estético, nostermos da Súmula 387 da mencionada Corte.3 Apesar deste entendimento,pode-se considerar ainda que o dano estético é a fusão entre o dano físico emoral, de forma que surge quando, a partir de interferências visíveis no corpohumano, ocorre repercussão na esfera moral. Além do ato ilícito e do dano, é preciso estar caracterizado o nexo causal entreestes elementos, que deve ser entendido como a relação de causa e efeito2 Artigo 5º, X, CF: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação3 “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”

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entre o comportamento do agente e o dano. Neste sentido, a conduta deve sera causa necessária e adequada. Entre as diversas teorias sobre o nexo causal,nosso Código Civil adotou, em seu art. 403, a teoria do dano direto e imediato:“Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos sóincluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto eimediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”Desta forma, só haverá responsabilidade se a conduta perpetrada for a causadireta do dano, e não os efeitos que somente de forma remota decorreram doato. Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves:

Assim, no clássico exemplo mencionado por WILSON MELO DASILVA, do acidentado que, ao ser conduzido em uma ambulânciapara o hospital, vem a falecer em virtude de tremenda colisão daambulância com outro veículo, responderia o autor do dano primeiroda vítima, o responsável pelo seu ferimento, apenas pelos prejuízosde tais ferimentos oriundos. Pelos danos da morte dessa mesmavítima em decorrência do abalroamento da ambulância, na qual eratransportada ao hospital, com o outro veículo, responderia o motoristada ambulância ou o do carro abalroador, ou ambos. Mas o agente doprimeiro evento não responderia por todos os danos, isto é, pelosferimentos e pela morte.(2013, p.358)

O último elemento da responsabilidade civil é a culpa, que pode ser entendidacomo a reprobabilidade da conduta, ou seja, o fato de aquele ato sermerecedor de censura por parte do Direito, na medida em que o agentepoderia e deveria ter agido de outra maneira. A culpa lato sensu abrange odolo, que ocorre quando o agente deliberadamente decide agir de formacontrária ao ordenamento jurídico, com consciência e vontade de causar odano. Por outro lado, a culpa também engloba a atuação de forma negligente,imprudente ou imperita, que compõe a chamada culpa stricto sensu. Quanto adistinção entre dolo e culpa:

Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só queno primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade sedirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange aconduta e o efeito lesivo dele resultante –, enquanto no segundo aconduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desviados padrões socialmente adequados. O juízo de desvalor no doloincide sobre a conduta, ilícita desde a sua origem; na culpa, incideapenas sobre o resultado. Em suma, no dolo o agente quer a ação eo resultado, ao passo que na culpa ele só quer a ação, vindo a atingiro resultado por desvio acidental de conduta decorrente da falta decuidado.(GONÇALVES, 2013, p.322)

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A culpa stricto sensu decorre da violação ao dever geral de cuidado, é aconduta praticada sem a devida cautela. A negligência ocorre quando o agentedeixa de tomar o cuidado devido, deixando de se acautelar, sendo, portanto,forma omissiva. Por outro lado, a imprudência se verifica, quando o agenteassume um risco desnecessário. A distinção entre estas duas formas de seconfigurar a culpa não tem, na prática, grande relevância, já que asconsequências são as mesmas:

“ A exata classificação de determinado ato culposo como negligênciaou imprudência, porém, não é relevante. Em primeiro lugar, porque asconsequências são iguais para qualquer uma dessas hipóteses. Alémdisso, os atos correspondentes a fazer ou não fazer podem serdescritos de forma inversa sem maiores dificuldades. A omissão deacionar o pisca-pisca ao convergir pode ser descrita também como aação de convergir sem acionamento do pisca-pisca, e o que era nãofazer o que deveria passa a ser fazer o que não deveria.” (COELHO,2010, p.323)

Por fim, a imperícia decorre de uma omissão na atuação profissional ou de umofício. Pressupõe a inobservância de uma norma técnica por quem deveriaconhecê-la, como ocorre nos casos de erros médicos. No mesmo sentido dodisposto anteriormente, esta distinção não tem maiores decorrências práticas,sendo que a atuação negligente, imprudente ou imperita resulta nas mesmasconsequências: responsabilidade civil culposa.Para a aferição da culpa, deve-se analisar o padrão do homem médio, deforma que não se exige um cuidado extremo, além daquele normalmenteesperado do homem comum. Além disso, é evidente que só há que falar emdever de cuidado nos limites da previsibilidade, ou seja, deve ser possívelprever a ocorrência do dano. Caso ocorra um fato imprevisível, não se cogitada responsabilidade culposa, e sim do caso fortuito ou força maior.

3. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE: dano autônomo ou causalidadeparcial?A teoria da perda de uma chance foi inicialmente desenvolvida na França,sendo o precedente mais antigo do Direito francês, apreciado pela Corte deCassação em 17 de julho de 1889. No caso, foi reconhecida indenização parauma pessoa em razão da conduta negligente de um oficial ministerial, que

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prejudicou o desenvolvimento do procedimento e gerou a impossibilidade deganhar o processo. (SILVA, 2007)No Brasil, é certo que autores tradicionais, como José de Aguiar Dias (2006) eAgostinho Alvim (1965) já dispunham sobre o assunto, ainda que de formatímida. Na doutrina mais recente, a teoria da perda de uma chance é abordadapor diversos autores, que fornecem definições do instituto ao tratarem daresponsabilidade civil. Para Sergio Cavalieri Filho, a perda da chance:

“caracteriza-se (…) quando, em virtude da conduta de outrem,desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria umbenefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística oumilitar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de umasentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante.Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter umlucro ou de se evitar uma perda” (2012, p.81).

Entretanto, o estudo aprofundado do tema ainda é pouco realizado no âmbitodoutrinário brasileiro. Somente alguns autores se dedicaram ao assunto deforma específica, tal como feito por Rafael Peteffi da Silva. Nas palavras domencionado autor:

“Primeiramente, acredita-se que a leitura integral do trabalho respaldaa assertiva formulada na introdução, quando, comungando com PaulSpeaker, se afirmou que a teoria da perda de uma chance constitui ocampo de observação mais fértil e sofisticado para uma renovadaanálise de alguns requisitos da responsabilidade civil. Com efeito,uma profunda análise do nexo de causalidade e do dano se faznecessária para a correta verificação da natureza jurídica daschances perdidas. Nesse sentido, vale lembrar que a referida análisenão restou circunscrita ao academicismo estéril, impondo importantesconsequências à jurisprudência de algumas nações estrangeiras”(2007, p. 229).

Outra obra importante para o Direito brasileiro foi escrita por Sérgio Savi,intitulada “Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance”. O autoresclarece que:

Não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada emconsideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização.Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria ereal, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidadede no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultadoesperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar emreparação da perda da chance como dano material emergente (2009,p. 65).

A teoria clássica da perda de uma chance se baseia na noção de um danoautônomo, representado pela interrupção do processo aleatório que poderia

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resultar em uma vantagem para a vítima. Não se trata de indenizar o dano final,qual seja, a vantagem esperada, já que não é possível afirmar se esta viria aocorrer. Conforme já demonstrado, a teoria do nexo causal adotada em nossosistema não permite que se indenize um dano que somente indireta emediatamente decorreu da conduta ilícita de outrem.Considerada como dano autônomo, a chance perdida é dotada de valorpecuniário, sendo passível de ser indenizada. No Direito norte-americano, oprincipal defensor da teoria da perda de uma chance enquanto uma espécie dedano é Joseph King Jr.,cujo trabalho também foi dos mais importantes para odesenvolvimento da teoria no ordenamento norte americano (SILVA, 2007).Para que se reconheça a autonomia do dano, é necessário que a conduta doagente retire todas as chances que a vítima possuía, interrompendo o processoaleatório. Esta chance que a vítima perdeu pode ser visualizada de duasformas distintas: em alguns casos, ocorre a perda de uma chance de obtençãode uma vantagem futura, enquanto em outras a perda é da oportunidade deevitar um dano que acabou por ocorrer.Para além da teoria clássica, a teoria da perda de uma chance pode serentendida como aplicação de um conceito mais amplo do nexo de causalidade.Principalmente em casos da seara médica, a teoria é melhor explicada por esteoutro ponto de vista. Isto porque, no caso de morte ou debilidade sofrida pelopaciente em razão de falha médica, já se sabe que ocorreu o dano final, deforma que não se trata da interrupção de um processo aleatório em que não sepode afirmar se o dano final irá ocorrer.O conceito de causalidade parcial, então, é utilizado para identificar a“proporção da causalidade”, já que a dúvida neste caso é a relação entre o atoilícito e o prejuízo: não se pode afirmar com certeza que a atuação do médicotenha sido responsável pelo dano ao paciente, já que outros fatores, como aevolução natural da doença, podem ter sido a verdadeira causa damorte/debilidade.Nos casos clássicos da teoria, o nexo de causalidade entre o ato ilícito e aconsequência é certo, já que o dano é autônomo e se consubstancia na própria

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interrupção do processo aleatório que poderia resultar em uma vantagem paraa vítima. O que se indeniza é a chance perdida, independentemente de o danofinal vir ou não a ocorrer, o que nunca se saberá, já que o processo foiinterrompido. Por outro lado, no caso de perda da chance de cura ou desobreviver, já se sabe o resultado final, uma vez que o paciente acabou porfalecer. A dúvida recai sobre o nexo de causalidade, já que não se podeprecisar exatamente qual foi a causa do prejuízo.Neste sentido, a divergência doutrinária quanto à natureza jurídica da perda deuma chance é notória. Alguns autores, como Jacques Bore e John Makdisifundamentam toda e qualquer aplicação da teoria na ideia de causalidadeparcial, enquanto Joseph King Jr. e Georges Durry consideravam umalargamento do conceito de dano. (SILVA, 2007)Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Nettoabordam as duas hipóteses, demonstrando que não é necessário se ater aapenas um destes modelos:

“Quando do exame do nexo causal, teremos oportunidade de apreciara perda de uma chance por outro ângulo. Veremos que esseinteressante modelo jurídico não apenas se prende a uma inusitadaqualificação de um dano, mas também a uma elastização dos limitesde aplicação de teorias da causalidade, sugerindo que a reparaçãopela chance perdida não representará propriamente uma novaespécie de dano, porém uma presunção de causalidade, na qual seimputará a alguém uma obrigação de indenizar, sem quenecessariamente o comportamento tenha sido a causa dodano.”(2014, p. 293)

Rafael Peteffi da Silva também demonstra que a teoria da perda de umachance pode ser aplicada sob as duas óticas, sendo este o melhorentendimento (2007, p.103). Não há como se afirmar que em todos os casosda área médica deve-se utilizar a noção de causalidade parcial, enquanto nasoutras hipóteses a ideia de dano autônomo. É preciso analisar, em cada caso,se o processo aleatório chegou ou não a seu final, de forma a se indenizar aprópria perda da oportunidade de obtenção de benefício futuro (danoautônomo) ou a porcentagem de causalidade que a conduta do réu influenciouno dano final, que já se sabe ter ocorrido.

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3.1 Alguns requisitos para aplicação da teoriaPara que seja possível o reconhecimento da teoria da perda de uma chance,alguns critérios específicos devem ser observados. O primeiro deles é achance ser séria e real, de forma que o benefício futuro que deixou de serobtido deveria contar com alta probabilidade de acontecer, não merecendo serindenizada a mera esperança de um ganho: “Por isto, nem todas as hipótesesde perda de chances são indenizáveis, pois esperanças aleatórias sãoinsuscetíveis de indenização, porquanto o dano potencial ou incerto, noespectro da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável.” (FARIAS, et.al, 2014, p. 295)Como forma de aferir este requisito, pode-se entender que, para a chance serconsiderada séria e real, deve haver comprovação de que existia aprobabilidade de no mínimo 50% de que o resultado esperado ocorreria (SAVI,2009). Nestes casos, a chance perdida, por si só, já configura um dano, já quea vítima possuía a legitima expectativa de obtenção de um benefício futuro.Além disso, quanto à quantificação das chances perdidas, deve-se observarque a reparação pela perda da chance deve ser sempre inferior ao valor que sereceberia pelo dano final. Isto porque a vantagem esperada e perdida pelavítima tem valor superior ao dano consistente na interrupção do processo,mesmo nas espécies de dano moral. Esta regra é amplamente aplicada najurisprudência francesa e também norte-americana, além de já ter sidoreconhecida no Superior Tribunal de Justiça4. Ressalta-se que este requisitosomente se verifica para aqueles casos em que se considera a perda de umachance enquanto espécie autônoma de dano. Além disso, não há que se falarem violação ao princípio da reparação integral:

“isso não quer dizer que o dano pela perda de uma chance não estejasujeito aos princípios da reparação integral; pelo contrário, aindenização concedida sempre repara de forma integral as chancesperdidas, pois a perda de uma chance é um dano específico eindependente em relação ao dano final, que era a vantagem esperadaque foi definitivamente perdida.” (SILVA, 2007, p.138)

4 Informativo nº0513 Período: 6 de março de 2013. Terceira Turma. REsp 1.254.141-PR, Rel.Min Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012.

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Ressalta-se que esta afirmação somente se verifica dependendo da naturezajurídica que se atribui à perda da chance, de forma que aqueles queconsideram como utilização da causalidade parcial podem discordar desteentendimento. Ainda quanto à quantificação do dano, o juiz deve fazer oarbitramento, observando o princípio da razoabilidade, reduzindo o valor dodano final de forma mais ou menos intensa, de acordo com a menor ou maiorprobabilidade de que o benefício futuro viesse a ocorrer. Sérgio Savi propõe:

“Conforme fixado pela jurisprudência italiana, para a quantificação daindenização do dano decorrente da perda da chance o juiz deverápartir do valor do resultado útil esperado e sobre este fazer incidir opercentual de probabilidades da vítima obter aquele resultado, nãofosse o ato do ofensor.”(SAVI, 2009, p.69)

É evidente que o arbitramento do dano pela perda de uma chance é tarefadifícil e nem sempre é possível utilizar-se do critério da estatística, já que emalguns casos não será possível determinar qual a probabilidade de ocorrênciado benefício futuro. Porém, esta dificuldade não pode ser utilizada como fatorimpeditivo do reconhecimento da indenização à vítima, o que se traduziria emverdadeira afronta ao sistema da responsabilidade civil e ao princípio dareparação integral dos danos.

3.2. Natureza da perda de uma chance: dano patrimonial, extrapatrimonial ouuma nova espécie?Quando demonstrado que a vítima foi privada de uma chance séria e efetiva,verifica-se que o dano se configura pela lesão à legítima expectativa, que podeser indenizada. Quanto à natureza do dano pela perda de uma chance, adoutrina não é unânime.Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves de Farias e Felipe Peixoto Braga Nettoenquadram a perda de uma chance como uma nova espécie de danopatrimonial. Lecionam ser um terceiro tipo de “lesão a um interesse econômicoconcretamente merecedor de tutela”, ao lado do dano emergente e do lucrocessante.(FARIAS, et. al, 2014, p.286)Contudo, deve-se entender que uma mesma situação genérica da perda deuma chance pode ser apta a ensejar danos patrimoniais e extrapatrimonias.

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Como exemplo, citam-se duas hipóteses distintas decorrentes da perda de umachance no caso de interposição intempestiva do recurso de apelação peloadvogado. Deve-se analisar neste caso qual a natureza do bem que se desejacom o provimento da tutela jurisdicional: assim, se a finalidade do recurso é aobtenção de alguma vantagem patrimonial, a perda de uma chance de obtereste bem também é um dano patrimonial. Por outro lado, a frustração de nãoter seu recurso analisado pode configurar também um dano moral, conformedemonstra Rafael Peteffi da Silva:

“Bom exemplo poderia ser encontrado em uma demanda judicial emque a pretensão do autor fosse pela recuperação da guarda de umdos filhos, na qual a decisão prolatada em primeiro grau, desfavorávelao autor, possuísse boa chance de ser revertida em instânciasuperior. Nessas hipóteses, caso o advogado perdesse o prazo parainterpor recurso de apelação, a chance perdida pelo autor terianatureza de dano moral, já que o bem pretendido pelo autor dademanda não possui valor patrimonial.” (2007, p.201)

Sérgio Savi (2009) também defende a possibilidade de que a perda da chancese configure como dano moral ou material. Contudo, no último caso, entendeque sempre ocorrerá o dano emergente, e não o lucro cessante.

Em conclusão, haverá casos em que a perda da chance, além decausar um dano material poderá, também, ser considerada um"agregador" do dano moral. Por outro lado, haverá casos em queapesar de não ser possível indenizar o dano material, decorrente daperda da chance, em razão da falta dos requisitos necessários, serápossível conceder uma indenização por danos morais em razão dafrustrada expectativa. Frise-se mais uma vez: o que não se podeadmitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um danoexclusivamente moral, já que, presentes os requisitos descritos nestelivro, a perda de uma chance pode dar origem a um dano material,nesta hipótese como dano emergente. (p.76)

Isto porque mencionado autor analisa a perda de uma chance sob aperspectiva clássica, ou seja, enquanto um dano autônomo. Indeniza-se,portanto, a própria frustração da expectativa, que já integrava o patrimônio davítima enquanto um bem jurídico. Assim, esta lesão acaba por configurar umdano emergente, já que corresponde ao que a vítima efetivamente perdeunaquele momento, e não o que deixou de auferir futuramente. Caso aindenização fosse referente ao que deixou de auferir, não estaríamosindenizando a chance enquanto bem autônomo, mas sim o valor do dano final,o que não é permitido em sede da perda de uma chance.

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4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAA teoria da perda de uma chance é reconhecida pelos Tribunais, e vem sendoaplicada em diversos casos, ainda que com algumas divergências quanto anatureza e hipóteses de incidência. Neste tópico, será feita uma breve análisedo tema em alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça. O caso paradigmático é o julgamento do REsp 788459 / BA, em 08/11/2005,relatado pelo Ministro Fernando Gonçalves, cuja ementa assim dispõe:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DEPERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO.PERDA DA OPORTUNIDADE.1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pelatelevisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federalnão indica percentual relativo às terras reservadas aos índios,acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidadeda prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir oparticipante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pelaperda da oportunidade.2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (REsp 788.459/BA, Rel.Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em08/11/2005, DJ 13/03/2006, p. 334)

Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos ajuizou ação de indenização por danosmorais e materiais em face da empresa Bf Utilidades domésticas LTDA,perante a 1ª vara especializada de defesa do consumidor de Salvador/Bahia,em razão de incidente ocorrido quando de sua participação no programatelevisivo “Show do Milhão”, que consiste em um concurso de perguntas erespostas, com prêmio máximo no valor de R$1.000.000,00(um milhão dereais).A autora participou do evento no dia 15 de junho de 2000, tendo respondidocorretamente a todas as perguntas, até o momento da última indagação, noqual fez a opção por não responder, por preferir salvaguardar o valor deR$500.000,00 (quinhentos mil reais) já acumulado, uma vez que, caso nãoacertasse a pergunta, perderia este valor e ganharia apenas R$300,00(trezentos reais). No entanto, alegou que a empresa ré, integrante do grupoeconômico Sílvio Santos, procedeu de má fé, já que a pergunta final foielaborada sem uma resposta correta. Pleiteou, por esta razão, o pagamento do

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valor total do prêmio a título de danos materiais, bem como quantia a serarbitrada a título de danos morais.Em primeira instância, o pedido foi acolhido, tendo entendido o juiz da 1ª varaespecializada de defesa do consumidor de Salvador/Bahia que a perguntaelaborada não tinha resposta, sendo a empresa condenada ao pagamento deR$500.000,00 (quinhentos mil reais). Em grau de apelação interposto pela ré, aPrimeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia manteve asentença recorrida, em razão da impropriedade da pergunta e com fulcro noart. 1.059 do Código Civil de 1916, que dispunha que as perdas e danosabrangem, além do que a vítima efetivamente perdeu, o que razoavelmente eledeixou de lucrar. Há também referência à perda de uma chance, tendo oTribunal a quo concluído que os lucros cessantes devidos à autora consistemno benefício cuja chance perdeu de obter, mas que seria possível de conseguirsegundo um critério de probabilidade. Assim, caso a resposta da perguntaformulada estivesse na Constituição Federal, a participante teria a chance deresponder corretamente e chegar ao prêmio máximo de R$1.000.000,00(ummilhão de reais).A empresa interpôs Recurso Especial, apontando violação do art. 1.059 doCódigo Civil de 1916, além do dissídio jurisprudencial. Argumentou que foi aautora que optou por não responder a pergunta final, sendo descabida acondenação ao pagamento de lucros cessantes e que o pedido autoral deveriaser julgado improcedente ou, alternativamente, o valor da indenização deveriaser reduzido para R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), já que mesmose a pergunta apresentasse uma resposta, existiria apenas uma probabilidadede acerto.A pergunta que originou todo o litígio foi a seguinte: “A Constituição reconhecedireitos aos índios de quanto do território brasileiro”? As alternativas eram:22%, 02%, 04% ou 10%, sendo esta última considerada como resposta correta.Ocorre que na Constituição Federal não há qualquer referência à percentual deterras reconhecido como direito dos índios, sendo a pergunta totalmente malformulada.

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O Recurso Especial 788459 / BA, foi julgado pela quarta turma do SuperiorTribunal de Justiça. Ao analisar o caso, o Ministro Fernando Gonçalvesmenciona o posicionamento de Sílvio de Salvo Venosa sobre a teoria da perdade uma chance, segundo o qual a perda da chance é uma terceira modalidade,entre o dano emergente e o lucro cessante. Mencionado autor ressalta que énecessário que o dano seja certo, atual e real, não sendo possível aindenização de um dano potencial. Trata-se, portanto, da análise dapotencialidade de uma perda. Conclui o ministro relator que, em conformidadecom o que foi decidido nas instâncias ordinárias, a autora foi impossibilitada deresponder a indagação em razão da conduta da ré, que formulou pergunta"irrespondível", devendo ser ressarcida do valor que razoavelmente deixou delucrar.Entretanto, menciona ser impossível afirmar que a autora iria respondercorretamente a pergunta final, ainda que esta fosse formulada regularmente, jáque as indagações do programa apresentam dificuldade progressiva e existemfatores emocionais envolvidos. Desta forma, não se deve condenar a ré aopagamento do valor total que ganharia a autora caso acertasse a últimapergunta, já que não existe certeza ou probabilidade real de que ocorreria oacréscimo patrimonial no valor de R$1.000.000,00, requisito indispensável àconfiguração do lucro cessante.Neste sentido, o dano sofrido pela autora é a própria perda da oportunidade dese sagrar milionária. O ministro relator entendeu que a quantia deR$125.000,00(cento e vinte e cinco mil reais) sugerida pela recorrente reflete areal probabilidade de acerto da pergunta final, já que são quatro alternativas deresposta para a indagação, de forma que a chance matemática de acerto é deum quarto. Portanto, sendo de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) o prêmiomáximo que seria adquirido pela autora caso acertasse a pergunta final, eladeve receber R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) por lhe ter sidoretirada a chance (séria, real e atual) de ganhar o valor máximo do programa.O ministro Barros Monteiro votou de acordo com o relator, ressaltando que aindenização não pode ser fixada no valor total de R$1.000.000,00 (um milhão

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de reais), já que os lucros cessantes abrangem o que a vítima razoavelmentedeixou de lucrar, sendo que a solução dada pelo relator é a mais adequada. Analisando-se referido julgado, observa-se que a teoria da perda de umachance foi utilizada como fundamentação. Andou bem o Superior Tribunal deJustiça, ao reduzir o valor da condenação, de R$500.000,00 (quinhentos milreais) para R$125.000.00 (cento e vinte e cinco mil reais), já que, conforme seafirmou, o valor da perda da chance será sempre inferior ao valor total do danofinal. A condenação no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) só seriadevida se fosse possível afirmar que, caso a pergunta final estivessecorretamente formulada, a participante acertaria o questionamento. Nestahipótese, a indenização seria a título de lucros cessantes, e não da perda deuma chance, já que, existindo certeza de que a vítima deixou de lucrar, oordenamento reconhece a indenização total por lucros cessantes, conforme art.402 do Código Civil.Contudo, a teoria não foi bem desenvolvida no julgamento, tendo sido apenascolacionado o entendimento de alguns autores sobre o tema. Diante daincerteza de que a autora acertaria a resposta da pergunta, ainda que fossebem formulada, foi reconhecida a impossibilidade de condenação no valor doprêmio máximo do programa, sendo arbitrada a indenização no valor dachance de acerto, que equivale a um quarto do total. O ministro relator parececoncordar com a tese de Sílvio de Salvo Venosa, segundo a qual a chanceperdida equivale a uma terceira espécie de dano, ao lado do lucro cessante edo dano emergente. Trata-se de entendimento de parte da doutrina,compartilhando desta tese também Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves deFarias e Felipe Peixoto Braga Netto (2014, passim).Por fim, este julgado demonstra também que o Superior Tribunal de Justiça nãoaplica o entendimento de que a perda de uma chance somente deva serindenizada nas hipóteses em que a probabilidade de obtenção da vantagemfinal fosse superior a 50%. No caso em análise, a probabilidade de acerto daindagação final, ainda que a pergunta fosse corretamente formulada, seria de25%.

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Há quem entenda, como o Superior Tribunal de Justiça, que adecisão amolda-se perfeitamente à forma de indenização baseadaem probabilidades, onde o valor devido será sempre aqueleresultante da probabilidade multiplicada pelo valor que obteria emcaso de concretização da chance, mesmo naqueles casos em que aprobabilidade é inferior a 50% (cinquenta por cento). (SAVI, p.80)

O Recurso Especial de número 1.291.247 - RJ, julgado em 19/08/2014 erelatado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, indica uma posição maisconsolidada e coerente a respeito do tema, já que a teoria da perda de umachance é melhor analisada. Foi ajuizada demanda indenizatória por um casalem face de uma empresa especializada em coleta e armazenagem de célulastronco embrionárias (Cryopraxis Criobiologia Ltda), em razão da falha naprestação de serviços caracterizada pela ausência de prepostos no momentodo parto. O autor firmou contrato de prestação de serviços com a empresa ré,mas na ocasião do parto, ocorrido em 06 de janeiro de 2009, a empresa nãocompareceu para a coleta do material. Em primeiro grau, a magistrada julgouprocedentes os pedidos, arbitrando o valor de R$15.000,00 a título deindenização pelos danos morais sofridos pelos pais, contudo, julgouimprocedente o pedido de indenização realizado pela criança, ao argumento deque o dano é apenas hipotético, já que não se sabe se o menor irá precisar ounão de utilizar as células tronco embrionárias que deveriam ter sido colhidas.O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu parcial provimento ao recurso dosautores e majorou o valor arbitrado, fixando a quantia de R$15.000,00 paracada um deles. Entretanto, manteve a improcedência do pedido em favor dacriança, ao fundamento de que o menor não tem a consciência necessária paraque pudesse sofrer o dano moral. Afastou ainda a teoria da perda de umachance por não ser possível afirmar que a criança irá necessitar do materialgenético.Os autores então interpuseram Recurso Especial, alegando violação aos arts.2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 15 e 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente, além do art.14 do Código de Defesa do Consumidor, alegando também o dissídiojurisprudencial. Sustentaram tratar-se de hipótese de aplicação da teoria daperda de uma chance, requerendo a fixação de indenização por danoextrapatrimonial em favor do menor. O Ministro relator Paulo de Tarso

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Sanseverino deu provimento ao recurso, fundamentando sua decisão na teoriada perda de uma chance, trabalhando bastante o tema. Ressalta ser impossível falar em responsabilidade civil sem a certeza,imediatidade e injustiça do dano, de forma que a perda de uma chance não éum prejuízo hipotético, mas sim a certeza da probabilidade. Desta forma, achance é a possibilidade de um benefício provável, e a frustração destaprobabilidade é o próprio dano. Portanto, há sim um prejuízo certo, que é aperda da probabilidade de obtenção de um benefício futuro. Repara-se achance perdida, e desta forma não se trata de indenizar um dano hipotético.Neste sentido, demonstra que o argumento da sentença recorrida de que odano seria hipotético, pois somente seria concretizado se a criança viesse a ternecessidade de usar seu material genético não colhido não deve prosperar, jáque é justamente este o caso de aplicação da teoria da perda de uma chance.Não está sendo reconhecido o dano decorrente da necessidade de uso domaterial e impossibilidade de fazê-lo, mas sim a chance perdida, que é umdano certo, qual seja, a certeza da probabilidade. Conforme destaca Paulo deTarso Sanseverino, é possível que o dano final não venha a ocorrer, caso acriança seja plenamente saudável durante sua vida. Porém, é incontestávelque a vítima perdeu a chance de se prevenir quanto ao aparecimento depatologias e de ter melhor tratamento das mesmas, e este é o dano que estásendo indenizado.O ministro relator ressalta a ampla aceitação da teoria no Superior Tribunal deJustiça, citando vários precedentes, entre eles o caso paradigmático doprograma televisivo “Show do Milhão”. Após demonstrar a aplicação da teoria,passa ao arbitramento do valor da indenização em favor do menor, que fixa emR$60.000,00.A ministra Nancy Andrighi também desenvolve de forma satisfatória osfundamentos da teoria da perda de uma chance, apesar de divergir do ministrorelator quanto ao mérito do julgamento. Explica que a teoria representa umnovo olhar sobre a responsabilidade civil, demonstrando também que se tratade um dano autônomo, independente do resultado final. No mesmo sentido doexposto por Paulo de Tarso Sanseverino, ressalta que existe a certeza da

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probabilidade, ou seja, é certo que ocorreu um fato antijurídico que interrompeuo curso de um processo, que poderia resultar em um benefício à vítima. Aprobabilidade deste benefício futuro deve ser séria e real, apesar de impossívelafirmar se a situação favorável teria se concretizado sem a interferência docausador do dano. Contudo, ao analisar a hipótese dos autos, a ministra entendeu que não estápresente a certeza da probabilidade necessária à configuração do dano moral;tendo ocorrido apenas a perda da possibilidade de um tratamento, caso omenor venha a apresentar um problema de saúde e caso este problema sejapassível de ser resolvido por tratamento com uso de células-tronco. Afirma quea situação mais favorável, desejada pelos recorrentes e frustrada pela condutada empresa é incerta, já que, sendo a criança saudável, não se pode pensarem uma vantagem que não foi obtida por ela. Ressalta que somente existiria acerteza da probabilidade caso a criança fosse diagnosticada com uma doençacujo tratamento envolvesse o uso das células tronco embrionárias, razão pelaqual negou provimento ao recurso.O ministro Sidnei Beneti também divergiu do relator e acompanhou a ministraNancy Andrighi. Os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e JoãoOtávio de Noronha votaram de acordo com o relator Paulo de TarsoSanseverino, tendo o recurso sido provido por maioria.A ementa do acórdão foi assim elaborada:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DEUMA CHANCE.DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉMNASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL.LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANOEXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO.1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada emcoleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face dafalha na prestação de serviço caracterizada pela ausência deprepostos no momento do parto.2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da maistenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos dapersonalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidademental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de suaviolação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRATURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010).

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3. A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o eventodanoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter umproveito determinado ou de evitar uma perda.4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastandoprova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto dereparação.5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que temfrustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas earmazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamentode saúde.6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofridopela criança prejudicada.7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.(REsp 1291247/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSOSANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe01/10/2014)

Em que pese a divergência, verifica-se pela análise deste julgamento que asbases da teoria estão melhores desenvolvidas, acordando os ministros quantoaos seus elementos caracterizadores, ainda que exista a dificuldade deaplicação ao caso concreto.

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Outro interessante julgamento ocorreu no REsp 1335622 / DF5, julgado pelaterceira turma do Superior Tribunal de Justiça em 18/12/2012. No casoconcreto, Alberdan Nascimento de Araújo e Cícera de Oliveira Silva ajuizaramuma ação contra um hospital particular, pleiteando indenização pelos danosmorais e materiais sofridos em razão do falecimento de sua filha menor.Narram que, em julho de 2007, a criança foi transferida de um hospital públicopara o hospital particular, em razão do agravamento de sua doença, já que arede pública não possuía a estrutura adequada para o tratamento. A vaga nohospital particular foi obtida por meio de decisão liminar, mas o hospital serecusou a aceitar a paciente, ao argumento de que a decisão havia sidoimpressa da internet, e portanto não tinha valor legal. A criança, então, foimantida no hospital público, respirando por meio de um equipamentoultrapassado, e faleceu no dia seguinte à concessão da liminar.Em primeira instância, os pedidos foram julgados improcedentes, e a decisãofoi confirmada pelo tribunal do Distrito Federal, ao argumento de que o hospitalnão tinha o dever de aceitar a paciente mediante apresentação de decisão nãooficial, bem como de que não havia provas do nexo de causalidade entre aconduta da ré e a morte da vítima. Os autores interpuseram Recurso Especial,5 RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.INEXISTÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. HOSPITAL PARTICULAR. RECUSADE ATENDIMENTO. OMISSÃO. PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS. CABIMENTO.1. Não viola o artigo 535 do Código de Processo Civil, nem importa negativa de prestaçãojurisdicional, o acórdão que adotou, para a resolução da causa, fundamentação suficiente,porém diversa da pretendida pelo recorrente, para decidir de modo integral a controvérsiaposta. 2. Não há falar, na espécie, no óbice contido na Súmula nº 7/STJ, porquanto para aresolução da questão, basta a valoração das consequências jurídicas dos fatos incontroversospara a correta interpretação do direito. Precedentes. 3. A dignidade da pessoa humana, alçadaa princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico, é vetor para a consecução material dosdireitos fundamentais e somente estará assegurada quando for possível ao homem umaexistência compatível com uma vida digna, na qual estão presentes, no mínimo, saúde,educação e segurança. 4. Restando evidenciado que nossas leis estão refletindo erepresentando quais as prerrogativas que devem ser prioritariamente observadas, a recusa deatendimento médico, que privilegiou trâmites burocráticos em detrimento da saúde da menor,não tem respaldo legal ou moral.5. A omissão adquire relevância jurídica e torna o omitente responsável quando este tem odever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, como na hipótese, criando,assim, sua omissão, risco da ocorrência do resultado. 6. A simples chance (de cura ousobrevivência) passa a ser considerada como bem juridicamente protegido, pelo que suaprivação indevida vem a ser considerada como passível de ser reparada. 7. Na linha dosprecedentes deste Superior Tribunal de Justiça, restando evidentes os requisitos ensejadoresao ressarcimento por ilícito civil, a indenização por danos morais é medida que se impõe. 8.Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1335622/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLASBÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 27/02/2013)

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alegando violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, além dos arts. 186,187, 927 e 951 do Código Civil e arts. 1º, 6º, 7º, 9º, 29, 47 e 58 do Código deÉtica Médica.O ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva, após destacar o acesso à saúde,o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como oEstatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que o hospital privado tinha odever de receber a criança, prestando atendimento emergencial, já que prestarsocorro é um dever de qualquer cidadão. Em relação ao nexo causal,menciona os princípios da causalidade adequada e do dano direto e imediato,mas expõe a necessidade de relativização no caso concreto, demonstrandoque a omissão do hospital reduziu a possibilidade de sobrevivência da menor.Argumenta que, ainda que o hospital não tenha causado diretamente o dano,se omitiu em sua obrigação e não impediu o resultado, retirando do paciente achance de receber um tratamento e a possibilidade de sobrevida. Reconhece,portanto, a perda de uma chance de cura ou sobrevivência, demonstrando acausalidade entre a conduta e a interrupção do tratamento.O relator explicita ainda a diferenciação entre os casos clássicos da teoria daperda de uma chance, em que se considera o dano autônomo e independente,das hipóteses da seara médica. Menciona um precedente da Corte Francesa6 ea doutrina de Rafael Peteffi da Siva, Caio Mário da Silva Pereira, SérgioCavalieri e Miguel Kfouri Neto. Conclui o voto dispondo que a omissão poderiagerar tanto danos morais quanto materiais, portanto em consonância com atese de que a perda de uma chance é apta a se caracterizar como ambos,devendo-se analisar o caso concreto.

6 O caso narrou a acusação e a posterior condenação de um médico ao pagamento de umapensão devido à verificação de falta grave contra as técnicas da medicina, sendo que foiconsiderado esnecessário o procedimento adotado pelo médico, consistente em amputar osbraços de uma criança para facilitar o parto. A Corte francesa considerou haver um erro dediagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se, logo em sede de 1 ªinstância, que entre a conduta médica e a invalidez do menor, não se podia estabelecer demodo preciso um nexo de causalidade. Contudo, a Corte de Cassação assentou que aspresunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir àresponsabilidade. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação do fato de o médico haverperdido uma chance de agir de modo diverso, condenando-o a uma indenização de 65.000francos.

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Na hipótese, entende estar configurado o dano moral aos pais, e não os danosmateriais, por ser impossível verificar o nexo entre a conduta da ré e a mortedo paciente, mas apenas entre a conduta e a perda da chance de tratamento.Fixa a indenização por danos morais em R$50.000,00 para cada um dosautores. A ministra Nancy Andrighi também elabora relevante argumentação sobre ateoria da perda de uma chance. Discorda do ministro relator, que entende pelaaplicação da causalidade parcial no caso concreto, em se tratando de hipóteseda seara médica, e afirma que até mesmo no campo médico a teoria deve seranalisada enquanto um dano autônomo. Vale transcrever parte de seu voto:

“O valor dessa doutrina, em que pesem todas as críticas a que foisubmetida, está em que, a partir da percepção de que a chance,como bem jurídico autônomo, é que foi subtraída da vítima, o nexocausal entre a perda desse bem e a conduta do agente torna-sedireto. Não há necessidade de se apurar se o bem final (a vida, nahipótese deste processo) foi tolhido da vítima. O fato é que a chancede viver lhe foi subtraída, e isso basta. O desafio, portanto, torna-seapenas quantificar esse dano, ou seja, apurar qual o valor econômicoda chance perdida.(...) Vê-se, portanto, que, nesta como em tantasoutras questões mais sensíveis do direito, sempre haverá muitodebate. Contudo, sopesados os argumentos de defesa de cada umadas posições em conflito, a que apresenta melhores soluções é aconsideração da perda da chance como bem jurídico autônomo,mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil médica. Todas asperplexidades que a aplicação dessa teoria possa suscitar resolvem-se, assim, no âmbito da quantificação do dano.” (2012)

A ministra afirma também que o relator se equivocou ao rejeitar a indenizaçãopor danos materiais por se tratar de prejuízo hipotético, mas acolher aindenização por danos morais pela perda da chance de sobrevivência.Segundo Nancy Andrighi, para a análise do dano material foi utilizado o nexocausal entre a conduta do hospital e a morte do paciente; enquanto para odano moral procurou-se o nexo entre a conduta e a perda da chance desobrevivência, e em razão deste engano o relator Ricardo Villas Bôas Cuevareconheceu o dano moral, mas afastou o dano material. Por fim, concluiu quenão há nos autos a prova técnica apta a especificar se a internação no hospitalparticular seria capaz de conferir à vítima chances sérias e reais de sobrevida.Somente mediante esta certeza seria possível reconhecer a indenização pelaperda de uma chance, e por este motivo determina a baixa dos autos para que

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se realize a perícia técnica que aponte em que medida a omissão do hospitalreduziu a chance de sobreviver da criança.O ministro Sidnei Beneti vota de acordo com o relator, contudo faz a ressalvaque não aplica a teoria da perda de uma chance, em virtude da mesma não tersido invocada na petição inicial, nem mesmo analisada na sentença ou noacórdão recorrido. Assim, em razão dos princípios da adstrição e docontraditório, acompanha a conclusão do relator Ricardo Villas Bôas, porémsob o fundamento de que o nexo de causalidade restou demonstrado, semadotar, portanto, a teoria da perda da chance. Ao final, o ministro Paulo deTarso Sanseverino acompanhou o voto do relator.Destaca-se, por fim, alguns entendimentos exarados pelo Superior Tribunal deJustiça em informativos de jurisprudência. No julgamento do AgRg no REsp1.220.911-RS, relatado pelo ministro Castro Meira e julgado em 17/3/2011, nãofoi reconhecida indenização fundada na teoria da perda de uma chance a umcandidato a concurso público que foi reprovado na primeira etapa do certame,já que a aprovação não era altamente provável.7

No julgamento do EDcl no AgRg no Ag 1.196.957-DF, foi reconhecidaindenização por danos materiais pela perda de uma chance à consumidora,que participou de uma promoção de um supermercado, cuja propaganda dizia“Você concorre a 900 vales-compra de R$ 100,00 e a 30 casas". A autora foisorteada e ao comparecer para buscar o prêmio, recebeu um vale-compra e foiinformada que as casas seriam sorteadas entre aqueles premiados com osvale-compras. Contudo, este segundo sorteio já tinha ocorrido, sem a sua

7 Informativo 0466 STJ: TEORIA. PERDA. CHANCE. CONCURSO. EXCLUSÃO. ATurma decidiu não ser aplicável a teoria da perda de uma chance ao candidato quepleiteia indenização por ter sido excluído do concurso público após reprovação noexame psicotécnico. De acordo com o Min. Relator, tal teoria exige que o ato ilícitoimplique perda da oportunidade de o lesado obter situação futura melhor, desdeque a chance seja real, séria e lhe proporcione efetiva condição pessoal deconcorrer a essa situação. No entanto, salientou que, in casu, o candidatorecorrente foi aprovado apenas na primeira fase da primeira etapa do certame, nãosendo possível estimar sua probabilidade em ser, além de aprovado ao final doprocesso, também classificado dentro da quantidade de vagas estabelecidas noedital. AgRg no REsp 1.220.911-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 17/3/2011.

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participação, razão pela qual ela foi indenizada pela perda da chance dereceber a casa.8

Pela análise dos julgados, algumas conclusões podem ser elaboradas emrelação à teoria da perda de uma chance na jurisprudência atual do SuperiorTribunal de Justiça. Inicialmente, percebe-se que a aplicação é amplamentereconhecida, e as controvérsias cingem-se à natureza jurídica da perda de umachance. Observa-se a tendência entre os ministros em considerar a chancecomo espécie de dano autônomo, em que pese na área médica existir aaplicação da causalidade parcial.Falta ainda uma melhor distinção entre as hipóteses em que a perda da chancese enquadre na categoria de danos patrimoniais e daquelas em que o danoseja essencialmente desprovido de valor de mercado, integrando a noção dedano moral. Na maioria dos casos, optam por enquadrar na categoria do danomoral. Isto ocorre porque o arbitramento do dano moral segue padrões menosrígidos, sendo normalmente fixado de acordo com o entendimento de cadamagistrado, enquanto quantificar o dano da perda de uma chance como danopatrimonial apresenta maiores dificuldades.

8 Informativo Nº: 0495 do STJ: DANOS MATERIAIS. PROMOÇÃO PUBLICITÁRIA DESUPERMERCADO. SORTEIO DE CASA. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. A Turma, aoacolher os embargos de declaração com efeitos modificativos, deu provimento ao agravo e, delogo, julgou parcialmente provido o recurso especial para condenar o recorrido (supermercado)ao pagamento de danos materiais à recorrente (consumidora), em razão da perda de umachance, uma vez que não lhe foi oportunizada a participação em um segundo sorteio de umapromoção publicitária veiculada pelo estabelecimento comercial no qual concorreria aorecebimento de uma casa. Na espécie, a promoção publicitária do supermercado oferecia aosconcorrentes novecentos vales-compras de R$ 100,00 e trinta casas. A recorrente foi sorteadae, ao buscar seu prêmio o vale-compra , teve conhecimento de que, segundo o regulamento,as casas seriam sorteadas àqueles que tivessem sido premiados com os novecentos vales-compras. Ocorre que o segundo sorteio já tinha sido realizado sem a sua participação, tendosido as trinta casas sorteadas entre os demais participantes. De início, afastou a Min. Relatoraa reparação por dano moral sob o entendimento de que não houve publicidade enganosa.Segundo afirmou, estava claro no bilhete do sorteio que seriam sorteados 930 ganhadores novecentos receberiam vales-compra no valor de R$ 100,00 e outros trinta, casas naimportância de R$ 40.000,00, a ser depositado em caderneta de poupança. Por sua vez,reputou devido o ressarcimento pelo dano material, caracterizado pela perda da chance darecorrente de concorrer entre os novecentos participantes a uma das trinta casas em disputa. Oacórdão reconheceu o fato incontroverso de que a recorrente não foi comunicada pelospromotores do evento e sequer recebeu o bilhete para participar do segundo sorteio, portantoficou impedida de concorrer, efetivamente, a uma das trinta casas. Conclui-se, assim, que areparação deste dano material deve corresponder ao pagamento do valor de 1/30 do prêmio,ou seja, 1/30 de R$ 40.000,00, corrigidos à época do segundo sorteio. EDcl no AgRg no Ag1.196.957-DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 10/4/2012.

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Em relação à análise das chances perdidas, observa-se que a jurisprudênciapátria vem realizando um bom trabalho, deixando na maioria das vezes, deconferir indenização nos casos em que a chances são hipotéticas. Assim, demodo geral, são bem analisados os requisitos da seriedade, atualidade eefetividade da chance indenizável, conforme se verifica pela não concessão deindenização no caso do julgamento do AgRg no REsp 1.220.911-RS, em que ocandidato ao concurso público foi eliminado na primeira fase do processoseletivo, não se podendo considerar como chance séria e real a nomeação aocargo.

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5. ConclusãoA responsabilidade civil é tema amplamente discutido pela doutrina pátria, alémde representar grande número dos casos que são submetidos diariamente àanálise no âmbito do judiciário. Este instituto precisa acompanhar odesenvolvimento da sociedade, apresentando soluções para as novasdemandas surgidas a cada dia. José Jairo Gomes bem descreveu adinamicidade inerente ao tema:

“O instituto da responsabilidade é substancialmente dinâmico,sofrendo acentuada influência social e humana. Pode ser comparadoa um porto, no qual diversos segmentos do Direito se ancoram, daíresultando variegados tipos de responsabilidade, a exemplo da civil,penal, comercial, trabalhista, tributária, política e eleitoral. Dada essamultifária atuação, tal instituto tem evoluído e se transformado aolongo da história para se adaptar aos novos modelos sociais e àsnovas necessidades impostas pela cambiante realidade cultural”(GOMES.P.220).

Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves de Farias e Felipe Peixoto Braga Nettobem sintetizam a necessidade de adequação da teoria da responsabilidade civilàs mudanças sociais:

“Por conseguinte, o desafio para a teoria jurídica consiste em elaboraruma teoria da responsabilidade de que adeque às novas exigênciaseconômicas e sociais. Definitivamente o direito civil clássico-tributo aocódigo napoleônico-, não pode servir de modelo para aquilo que sepretenda da responsabilidade civil nos próximos tempos. Em umasociedade plural e democrática, premida por questionamentos éticosque vão da biotecnologia à natureza, culminando na própriapreservação da espécie humana, seria risível recorrer ao óraculo dolegislador e ao direito privado dos contratos interindividuais e depropriedade privada, alicerçado no conceito de sujeito de direito comopessoa capaz de assumir direitos e obrigações, tal e qual ainda se lêartigo 1º do Código Civil de 2002” (2014, p.40)

Entretanto, a teoria da perda de uma chance não foi plenamente desenvolvidano Brasil, de forma que, no que tange a este tópico, a responsabilidade civilainda precisa evoluir. Deve-se realizar um estudo sistemático e aprofundadosobre o tema, delimitando sua natureza jurídica e hipóteses de aplicação.Conforme se demonstrou, o modelo da responsabilidade civil visa à reparaçãodo dano sofrido, uma vez comprovados os requisitos legais clássicos: condutado agente, dano e nexo causal, bem como a culpa, no caso deresponsabilidade subjetiva. Contudo, sob o enfoque da perspectiva solidaristaatual, a teoria clássica da responsabilidade civil vem sendo repensada, com o

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intuito de garantir efetivamente a reparação dos danos na maior quantidade desituações possíveis.A aplicação da teoria é perfeitamente compatível como o modelo daresponsabilidade civil adotado pelo direito pátrio. Assim como ocorre na Françae na Itália, países em que a teoria é amplamente debatida e aplicada, o CódigoCivil Brasileiro adotou uma cláusula geral de responsabilidade, prevista no art.186 (SAVI, 2009). Percebe-se que o conceito de dano não é delimitado, sendorazoável entender que também deve englobar a perda de uma chance.Neste sentido, a teoria da perda de uma chance contribui para a evolução eaperfeiçoamento do sistema da responsabilidade civil, devendo ser mais bemanalisada pelo Direito pátrio. A teoria se coaduna com a base de nosso sistemajurídico, garantindo a reparação das vítimas em casos em que o modeloclássico não é capaz de fazê-lo.Desta forma, conforme se demonstrou, as hipóteses de responsabilidade civilpela perda de uma chance podem ser entendidas com base em duaspossibilidades. A primeira engloba as situações em que o processo aleatórioem curso é totalmente interrompido, de forma que a conduta do agente retiroucompletamente todas as chances de que o processo chegasse ao final edeixando a vítima de auferir possível vantagem que se verificaria nestemomento. Nestes casos, as chances são caracterizadas como um danoautônomo. A segunda análise que pode ser feita surge nas hipóteses em que o processoaleatório foi até o final, e a dúvida paira sobre a medida em que a conduta doréu interferiu na consumação do dano final. Nestes casos, as chances perdidassão causas parciais para a perda da vantagem esperada.Em relação à espécie de dano autônomo, observa-se que não há qualqueróbice ao seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-seapenas de interpretar de forma mais ampla o conceito de dano, entendendocomo passível de indenização as chances perdidas, que possuem valorpecuniário. Em uma perspectiva solidarista, deve-se oferecer proteção integralà vítima, não sendo possível permitir que suporte sozinha seu prejuízo. A

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responsabilidade civil deve acompanhar a evolução social, de forma que seusconceitos e requisitos devem ser constantemente analisados, sob pena de“engessamento” do sistema. Ademais, não há que se falar em indenização de dano incerto ou hipotético, jáque o dano indenizado é a própria perda da chance. Portanto, a possibilidadeperdida é certa, ainda que o benefício futuro dependesse de um processoaleatório.Quanto à noção de causalidade parcial, entende-se que ela também deve seraplicada, porém de forma subsidiária, devendo incidir somente nos casos emque a utilização ortodoxa do nexo causal seja insuficiente. Desta forma,existem casos em que, ao se utilizar a teoria tradicional do nexo decausalidade, não seria possível a reparação do dano final, pois não se podeafirmar com a necessária certeza que a conduta do agente foi condiçãonecessária e suficiente para a produção do dano. Nessas hipóteses, deve-seutilizar a ideia de causalidade parcial para que seja possível a reparação,indenizando um prejuízo parcial, consubstanciado na perda da chance. Trata-se de aplicação em consonância com o princípio da reparação integral, eaté mesmo com princípios constitucionais como a dignidade da pessoahumana (art. 1º,III, CF\88). Nas palavras de Sérgio Savi:

Se a Constituição Federal estabelece que a reparação deve ser justa,eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade deindenização dos casos em que alguém perde uma chance ouoportunidade em razão de ato de outrem. Negar a indenização nestescasos equivalería à infringência dos postulados do póspositivismo,como a hermenêutica principiológica, a força normativa daConstituição Federal e a necessidade de releitura dos institutostradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional.(2009, p.99)

A revisão dos elementos clássicos da responsabilidade civil à luz da óticasolidarista e cooperativista é medida que se impõe. No que tange ao nexo decausalidade, ensinam Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves de Farias e FelipePeixoto Braga Netto:

“A solidariedade determinará ainda a edificação de um conceito decausalidade normativo, no qual, independente da capacidade doofendido de provar o liame natural entre o fato do agente e a lesão, aresponsabilidade surgirá pelo apelo à necessidade de se concederuma reparação.” (2014, p.58)

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Portanto, a perda de uma chance consiste em uma lesão a um bem jurídico,ainda que intangível, que é a legítima expectativa, devendo, por conseguinte,ser reconhecida a indenização. Conforme se demonstrou, a perda da chancepode dar origem tanto a danos patrimoniais quanto extrapatrimoniais,dependendo de cada caso concreto. Assim, verifica-se ser necessário um melhor desenvolvimento e a aplicaçãomais criteriosa da teoria da perda de uma chance na doutrina e najurisprudência. Trata-se de adequar a teoria às situações práticas que vêmsendo submetidas ao crivo do poder judiciário. Sua aplicação se coaduna comos pilares constitucionais do Estado Democrático de Direito e com aperspectiva solidarista do modelo de responsabilidade civil atual.

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