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INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DA AMAZÔNIAFACULDADE MARTHA FALCÃO
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
NATHANE CHRYSTINE DOVALE CUNHA
A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA IMPRENSA: DA COMUNICAÇÃO EM MASSA ÀCOBERTURA COLABORATIVA
MANAUS – 2013NATHANE CHRYSTINE DOVALE CUNHA
A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA IMPRENSA: DA COMUNICAÇÃO EM MASSA ÀCOBERTURA COLABORATIVA
Trabalho de Conclusão de Cursoapresentado ao Curso de ComunicaçãoSocial da Faculdade Martha Falcão,como requisito parcial à obtenção dograu de Bacharel em Jornalismo.
Orientador: Prof. MsC. Jimi Aislan Estrázulas
MANAUS – 2013NATHANE CHRYSTINE DOVALE CUNHA
A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA IMPRENSA: DA COMUNICAÇÃO EM MASSA À
COBERTURA COLABORATIVA
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo no Curso
de Comunicação Social, da Faculdade Martha Falcão.
Manaus, _____/_____/_____
Banca Examinadora:
______________________________________
Prof. Msc. Jimi Aislan Estrázulas
(Orientador) – Faculdade Martha Falcão
______________________________________
Prof. Msc. Grace Soares
Faculdade Martha Falcão
______________________________________
Prof. Msc. João Bosco Ferreira
Universidade Federal do Amazonas
AGRADECIMENTOS
Não há dúvidas que sem o carinho, a dedicação e apoio da
minha mãe, Joana Dovale, eu nem estaria escrevendo esses
agradecimentos. Portanto,é a ela a quem em primeiro lugar
agradeço, principalmente pela paciência de ter aguentado meu mau
humor nesse período.
Agradeço a minha avó, Terezinha Dovale, por ter nervos de
aço e com tanta força vencer cada dia mais. Ela, diante de tantas
histórias de superação, é minha maior fonte de inspiração para
continuar lutando pelas coisas que eu sonho e quero.
Ao meu orientador, Jimi Aislan Estrázulas, pela coragem de
ter aceitado meu projeto, após algumas rejeições, pela paciência
demonstrada,por não ter dado confiança aos meus desesperos, pelo
incentivo e pela amizade.
Ao meu grande amigo-irmão, Adonis Perfeito, por diversas
vezes ter me amparado, aturado minhas ansiedades, nas noites não
dormidas e principalmente por saber sorrir comigo.
Agradeço bastante ao Kleiton Renzo, que me abriu os olhos
para coisas que eu não conseguia ver no meu trabalho, por ter
sido tão parceiro e tão fofo.
Agradeço aos colaboradores e parceiros do Coletivo Difusão,
que durante oficinas de cobertura colaborativa contribuíram na
germinação das ideias deste trabalho, em especial Allan Gomes,
pelas conversas, debates e ajuda nas traduções, e ao Thiago
Hermido, grande parceiro de conversas e amadurecimentos.
Agradeço a Andrea Oliveira, minha irmã e melhor amiga, ao
Eddy Fernandes por todo apoio e carinho necessário que me deu, a
Susy Freitas e Aline Fidelix, pelos materiais que ofereceram e
que ajudaram bastante.
Ao Cláudio Pinheiro, Juliana Sá, Rafael Valentim, Lívia
Anselmo e Thalita Beatriz pelas conversas fortificantes.
Aos meus professores, em especial a Lourdes Moraes, que são
colaboradores disso tudo.
A turma talentosa da UEA, que diversas vezes me
amparou:Janaína, Ítalo, Karol, Gleidistone, Eduardo e Jhonatas.
Aos que trabalham no Portal D24AM, principalmente ao meu
editor Dante Graça e Manuella Barros, pela compreensão quando
precisei me ausentar para realizar este trabalho.
Só existe imprensa livre quando o povo é livre; imprensa
independente em nação independente - e não há nação
verdadeiramente independente em que o seu povo não seja livre.
Nelson Werneck Sodré
CUNHA, Nathane Chrystine Dovale. A Participação Pública na
Imprensa: Da Comunicação em Massa à Cobertura Colaborativa. 2013.
76 fls. Trabalho de Conclusão de Curso. (Curso de Graduação em
Comunicação Social: habilitação em Jornalismo). Instituto de
Ensino Superior da Amazônia – Faculdade Martha Falcão, Manaus.
2013.
RESUMO
Este trabalho é uma análise histórico-comunicacional da
participação social na produção de notícias e tomada das mídias
como uso pessoal. Através de pesquisa bibliográfica, este
trabalho se propôs a explorar um tema que inicia um processo de
discussão pública, qual seja, a participação social na produção
de conteúdos. Essa participação tem relação direta não só com o
domínio tecnológico dos aparelhos, como a tomada para si do
processo democrático do espaço público. A retomada histórica traz
a noção de que o processo de participação e emancipação social
não é resultado da dominação midiática, sobretudo com os
dispositivos móveis, mas de um amadurecimento político-
democrático caro ao processo de constituição da pós-modernidade,
cujo início data dos anos 1970, mas que continua hoje em franca
metamorfose.
PALAVRAS–CHAVE: Jornalismo colaborativo, Jornalismo comunitário,
Cobertura colaborativa, Jornalismo, Mídias Sociais.
CUNHA, Nathane Chrystine Dovale. The Public Participation in the
Media: From Mass Communication to Cover Collaborative. 2013. 76
fls. Completion Of Course Work. (Social Communication Graduation
Course: Journalism degree). Community College Amazonian - Martha
Falcão College, Manaus. 2013.
ABSTRACT
This work is a communicational historical analysis of social
participation in the production of news and the media outlet as
personal use. Through literature, the study proposes to explore a
theme that begins the process of public discussion that is social
participation in content production. This participation is
directly related not only to the field of technological devices,
like taking for themselves the democratic process of public
space. The historical resume brings the notion that the process
of participation and social emancipation is not the result of
media domination, especially with mobile devices, but a political
and democratic maturity from postmodernity. Process beginning in
the 70s, but which continues today in frank metamorphosis.
KEYWORDS: Collaborative Journalism, Community Journalism,
Collaborative Coverage, Journalism, Social Media.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA
1
Página de notícias do
Portal JusBrasil
5
2
FIGURA
2
Página de notícias do
Portal Estadão
5
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................1
1 SOCIEDADE OBSERVA A MÍDIA.....................................3
1.1 Surgimento da Imprensa......................................3
1.2 Espaço Público............................................ 8
1.3 Fortalecimento das mídias................................. 12
1.4 O quarto poder............................................ 19
1.5 Agenda-setting e gatekeeper................................................................................. 22
2 SOCIEDADE COMEÇA A PARTICIPAR DA PRODUÇÃO DA MÍDIA...........26
2.1 Pós-Modernidade e os Novos Movimentos Sociais..............26
2.2 Ciência Pós-Moderna........................................30
2.3 Escolas de Estudo em Comunicação...........................32
2.4 Jornalismo Comunitário.....................................33
2.5 Comunicação Popular Participativa..........................37
3 SOCIEDADE PARTICIPA ATIVAMENTE...............................40
3.1 Digitalização dos Medias...................................41
3.1.1 A Mobilidade das Mídias..................................48
3.2 Usuário como gerador de conteúdo e as Mídias Sociais.......49
3.3 Jornalismo Participativo...................................53
3.4 Cobertura Colaborativa.....................................55
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................59
REFERÊNCIAS....................................................62
INTRODUÇÃO
Este projeto pretende traçar, em ordem cronológica, como se
desenvolveu a participação do público na imprensa. Para que se
entenda de que forma ocorreu essa emancipação da sociedade frente
aos primeiros moldes das mídias, foi realizado um estudo
bibliográfico da história da imprensa, desde seu surgimento até
os dias atuais. Através desta modalidade de pesquisa,
estabeleceram-se dois momentos que marcam a participação popular
na imprensa: o jornalismo comunitário e a cobertura colaborativa.
O jornalismo comunitário, que foi impulsionado pelos estudos
da Escola Latino-Americana, permite que a comunidade participe
das pautas e apurações de notícias, além de incentivar um debate
acerca do que está sendo noticiado. Neste caso, o jornalismo
comunitário permite que a comunidade seja um agente importante.
Já a cobertura colaborativa valoriza a diversidade de
olhares acerca dos eventos produzidos, a utilização da internet
para difundir produtos comunicacionais e o livre arbítrio na
produção da matéria (que pode ser feita coletiva ou
individualmente).
Assim, como objetivos específicos relacionados ao
planejamento, esta pesquisa buscou: a) observar como a sociedade
percebe a mídia desde o início da imprensa; b) analisar o momento
a partir do qual se pode perceber intervenções de público no
cotidiano de produção de notícias dos jornais; e c) esclarecer
1
de que maneira a sociedade observa a mídia como plataforma
participativa.
Para que sejam sustentadas as discussões do tema e nas
vivências empíricas passadas dentro das redações e em oficinas de
cobertura colaborativa este trabalho apresenta ampla variedade de
referenciais teóricos. Dessa forma, as constatações deste projeto
são de caráter teórico relevante, pois a partir da história da
comunicação, delimitado no surgimento da escrita, até a forma que
atualmente se trabalha a produção de notícia, será traçada uma
ordem cronológica de participação do público na imprensa.
A motivação na escolha deste tema partiu de duas ideias
macro. A primeira surgiu de situações vivenciadas em empresas
jornalísticas aliadas a estudos teóricos sobre jornalismo
comunitário; já a segunda se deu a partir do contato que
estabeleci com a cobertura colaborativa do Festival de Artes
Integradas Até o Tucupi nos anos de 2011 e 2012, na cidade de
Manaus.
A responsabilidade do jornalismo em ser honesto (quanto às
notícias que são veiculadas, e não apenas reproduzir declarações
não apuradas de fontes, diga-se) , dá ao espectador um estado de
confiança nos meios de comunicação. Contudo, por motivos
empresariais, como patrocínios e publicidade, o serviço de
interesse público acaba por ser esquecido.
Através dos avanços tecnológicos e pelo fato de a rede
online agregar cada vez mais público, percebemos que os segmentos
2
sociais demonstram grande interesse em atuar diretamente nas
notícias que são veiculadas.
No primeiro capítulo desta pesquisa, é esmiuçado o
surgimento da imprensa desde o aparecimento da escrita. Nele,
busca-se relatar de que forma a mídia surgiu, bem como as
dificuldades enfrentadas pelos interesses predominantes. Assim,
relacionam-se então estas características à participação do
público, ainda tímida.
O segundo capítulo analisa como a pós-modernidade
influenciou nas ideologias da sociedade a ponto de questioná-las
sobre tudo que antes era apenas obedecido. Expondo os novos
movimentos sociais e o impacto que estes causaram tanto em
comportamentos, quanto nos estudos acerca da comunicação, este
capítulo demonstra o que de fato estimulou o público a olhar a
mídia com outros olhos.
No terceiro capítulo, finalmente, é exposta a maneira pela
qual as novas tecnologias influenciaram a dinâmica dos meios de
comunicação a fim de que estes tornassem o público mais
participativo. A partir daí, fala-se sobre o jornalismo
participativo como forma de familiarizar a sociedade com a
imprensa e sobre a cobertura colaborativa dos festivais de música
e sua influência na participação pública nas mídias.
Ao final desta pesquisa são feitas considerações sobre quais
formas diretas e indiretas contribuíram para uma imprensa local
mais participativa, mesmo que toda essa mudança ainda não seja
tão clara ao público.
3
1 SOCIEDADE OBSERVA A MÍDIA
1.1 Surgimento da Imprensa
Datada em aproximadamente cinco mil anos antes de Cristo, a
escrita é atribuída ao povo de Uruk, ao sul da Mesopotâmia (atual
região ocupada pelo Estado do Iraque). A despeito disso, foi em
idioma sumério que se encontrou monumentos escritos em
pictogramas e ideogramas1, visto que na época não existia o
alfabeto tal como o concebemos atualmente, pois o abecedário
atual só foi sistematizado três mil anos depois pelos fenícios.
A invenção da escrita pelos sumérios partiu de necessidades
de administração diretamente ligadas ao comércio como, por
exemplo, cobrança de impostos, registro de cabeças de gado, etc.
Buggy (2013) declara que primeiro surgiram os pictogramas e
somente quatro mil anos depois estes foram transformados em
ideogramas. Fica claro, portanto, que os eventos anteriores a
esta transformação eram somente registrados pela tradição oral e
esta evolução, por sua vez, permitiu que o homem literalmente
escrevesse a sua história.
Desse modo, percebe-se que a evolução dos símbolos
representantes de objetos para símbolos representantes de ideias
se deu por uma necessidade dos sumérios de cada vez mais
legitimar seus pensamentos e expressões através da escrita.
1 A escrita cuneiforme inventada pelos Sumérios consistia em dois tiposdiferentes de sinais. O de pictogramas era um símbolo que representava umobjeto, como o desenho da palma da mão significava “palma”. Já o ideograma eraum sinal que representava uma ideia, no qual se utilizavam o método de deduçãoe de associação de ideias para formá-los.
4
Provando que a necessidade de expressão através da escrita
não era exclusiva do povo sumério, logo houve a transição do
ideograma para o hieróglifo2, sistema no qual se permitia a
palavras novas ou desconhecidas a possibilidade de serem
pronunciadas conforme seus sons, utilizando sinais gráficos
familiares. Nesta nova fase da história da escrita se admite
outra evolução gradual silábica na qual palavras desconhecidas
poderiam ser escritas, conforme declara Buggy (2013).
Todos os povos que tiveram sua importância na origem da
escrita estavam ligados ao comércio e mantinham negócios com a
China através de intermediários. Deste modo, avalia-se a
possibilidade dos povos Uruk, fenícios e sumérios – que tiveram
grandes influências neste processo- sido a grande inspiração dos
chineses, afinal a técnica de imprimir com caracteres tem origem
asiática no século XI, através de ensaios de impressão por meio
de caracteres móveis, só que de terracota, que tornava o sistema
mais caro.
A grande revolução na difusão da escrita é marcada pela
invenção da imprensa. Na China, a impressão praticada desde o
século VIII (talvez até antes desse período) tinha geralmente
como método utilizado a chamada impressão em blocos, no qual se
usava um bloco de madeira entalhada para imprimir uma única
página de um texto específico.
2 O sistema hieróglifo surgiu por volta de 2.800 a.C. no Egito e consistiaoriginalmente em representar as palavras por meio de figuras que poderiamter dois ou mais significados, como por exemplo as palavras ”laranja”,“manga”, etc.
5
O procedimento era apropriado para culturas queempregavam milhares de ideogramas, e não um alfabetode 20 ou 30 letras. Provavelmente por essa razão tevepoucas consequências à invenção de tipos móveis noséculo XI na China. No entanto, no início do séculoXV, os coreanos criaram uma fôrma de tipos móveis.(BRIGGS; BURKE, 2006, p. 24).
A invenção ocidental – como ficou conhecida a prensa gráfica
criada pelo alemão Johannes Gutenberg (c.1400-68) no século XV–
que imprimiu em papel a Bíblia pode ter sido estimulada pelas
notícias do que acontecia no Oriente.
O mérito da invenção da imprensa fora atribuído a Gutenberg,
por conta da ideia dos tipos móveis – a tipografia – e pelo
aperfeiçoamento da prensa, “que já era conhecida e utilizada para
cunhar moedas, espremer uvas, fazer impressões em tecido e
acetinar papel”, conforme afirma Gaspar (2004, p. 1). O
aprimoramento da prensa teria acontecido em uma casa de moeda, na
cidade alemã de Mogúncia, onde o pai e o tio de Gutenberg eram
funcionários e ali ensinaram a ele a arte da precisão em
trabalhos de metal.
Partindo para Estrasburgo, Gutenberg desenvolveu, no ano
provável de 1442, um pedaço de papel com onze linhas, neste que
seria o primeiro exemplar de sua prensa original. Vinte anos
depois, ele regressou à Mogúncia, fazendo ali empréstimo de 800
ducados com Johann Fust e, em seguida, fundando a Fábrica de
Livros (Das Werk der Buchei). (GASPAR, 2004, p. 2).
Somente no início de 1450, Gutenberg teria iniciado a
impressão da Bíblia em módulo de quarenta e duas linhas, em duas
6
colunas, publicada em 1455. Porém, para Defleur e Ball-Rokeach
(1993), Gutenberg não tinha ideia de que sua invenção (que
precisou de mais de vinte anos de aperfeiçoamento) seria bem-
sucedida.
Segundo Briggs;Burke (2006), Gutenberg teria escolhido a
impressão da bíblia como primeiro trabalho a ser comercializado
para os ricos, pois para ele, o grande público encararia suas
impressões como imitação ordinária e os amantes dos livros iriam
preferir uma cópia à mão.
Defleur e Ball-Rokeach (1993) declaram que Gutenberg não
chegou a desfrutar os resultados da invenção, pois precisou de
pesados empréstimos para aperfeiçoar o sistema. Após terminar a
impressão da bíblia, o advogado que concedeu empréstimos a
Gutenberg o processou , conseguindo, assim, despojá-lo de sua
oficina, de sua invenção por inteiro, dos exemplares da Bíblia e
de tudo que ele tinha. Ao fim desse processo, cerca de dez anos
depois, Gutenberg morreu pobre.
Para Tosseri (2010), porém, Gutenberg não inventou a
imprensa no século XV, mas a reinventou, pois, a invenção do
papel pelos chineses nos anos 105 da era cristã abriu caminho
para uma produção, ainda artesanal, de um maior número de livros.
Além do mais, já existiam a gravura em pedra e a impressão em
blocos, criada pelos chineses.
[...] O alemão Gutenberg, dito inventor da imprensa,mas na verdade foi um homem que aperfeiçoou de maneiradecisiva a arte asiática. Ele desenvolveu os
7
caracteres móveis de chumbo, que podiam ser utilizadosindefinidamente, além de uma nova tinta de impressão ea prensa de imprimir. Com isso, mudou definitivamenteo mundo, em todas as suas dimensões: política,econômica, social e religiosa. (TOSSERI, 2010, s/p)
Com a diáspora dos impressores germânicos, era produzida uma
média de 500 cópias por edição, equivalendo a 13 milhões de
livros circulando naquela data em uma Europa de cem milhões de
habitantes. Contudo, a revolução da impressão gráfica não foi tão
facilmente aceita em outros lugares.
Na Rússia e no mundo cristão ortodoxo, onde a educação
formal era confinada ao clero, a imprensa gráfica teve
dificuldades para se habitar. Conforme Briggs e Burke (2006), a
revolução da impressão gráfica não era um fator independente de
acontecer e não se ligava somente à tecnologia, pois era preciso
haver condições sociais e culturais favoráveis para se
disseminar.
A impressão gráfica na Rússia só teve seu lugar quando, no
século XVIII, o czar Pedro, o Grande, foi aos poucos fundando
gráficas, com o interesse na educação, para tornar os russos
próximos da ciência e tecnologia modernas, em especial a militar.
A questão religiosa como detentora da educação e opositora à
revolução da imprensa foi bastante forte no mundo muçulmano. A
oposição à gráfica era justificada pelo medo de cometer heresia e
em função de produzir aprendizado sobre o Ocidente. Chegaram-se,
inclusive, a serem criados decretos punindo com morte quem
praticasse a impressão. 8
Este reflexo da revolução da imprensa na sociedade da época
traz consigo a difusão da alfabetização e a forma que ela
reverberou na formação de opiniões. A impressão gráfica foi
dificilmente aceita, não apenas pela novidade, mas pelo medo dos
poderes predominantes de perderem sua autonomia diante do povo,
visto que através destes novos públicos passariam a ter mais
acesso aos livros e, consequentemente, à informação. Havia o uso
desta restrição por parte do clero e do governo, visto que estes
usufruíam do controle absoluto dos canais de informações e
através dele desenvolviam uma modalidade de oratória estratégica
a ponto de manipular o que deveria ser pensado e obedecido.
Oldenburg, o primeiro secretário da Sociedade Real de
Londres, relacionou a ausência da impressão gráfica com o
despotismo. Em uma carta, em 1659, ele observou que:
O Grande Turco é um inimigo da aprendizagem para seussúditos, porque ele acha vantajoso conservar aspessoas na ignorância para poder impor-se. Por issonão tolerará qualquer impresso, sendo da opinião deque a impressão gráfica e o aprendizado, especialmenteaquele encontrado nas universidades, são o combustívelprincipal da divisão entre cristãos (OLDENBURG, 1659,apud BRIGGS; BURKE, 2006, p.25).
O clero considerava a impressão gráfica um problema, pois
esta permitia aos cristãos de baixa posição na hierarquia social
e cultural da época estudar os textos religiosos de maneira
autônoma ao controle da Igreja e, desta forma, tornavam-se
9
independentes quanto às as autoridades que representavam fontes
de in(formação). (BRIGGS; BURKE, 2006).
A impressão gráfica contribuiu sobremaneira para a difusão
da alfabetização. Ainda com todas suas restrições, no início do
século XVI, vários livros estavam sendo produzidos e seus
exemplares impressos em papel. Uma vez publicados em todas as
línguas europeias e acessíveis a qualquer pessoa alfabetizada em
seu idioma, a ampla disponibilidade dos livros despertou
interesse na aprendizagem da leitura.
Condorcet (apud SANTOS, 2009, p. 15) considerou o surgimento
da imprensa, junto com a escrita, um dos marcos do que classifica
como ”progresso da mente humana”, pois, para ele, a imprensa foi
crucial para a divulgação mais corrente do conhecimento, na
medida que destitui grupos poderosos de um controle eficaz sobre
a informação.
Pela primeira vez, as Escrituras estavam acessíveis emoutra língua que não o latim. Não mais podia a IgrejaRomana guardar cautelosamente as escrituras sagradasgraças ao emprego de uma língua antiga. Aacessibilidade das Escrituras pelas pessoas comuns, emsuas próprias línguas, acabou levando a desafios àsautoridades e às interpretações de Roma. Um novoveículo de comunicação, pois, abriu caminho paraprotestos contra a estrutura religiosa e socialexistente (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993, p. 39).
Com a impressão e a ideia de se noticiar acontecimentos
através da escrita, os noticiosos surgiram bastante cedo no
continente europeu. Segundo Rudin e Ibbotston (2008), o primeiro
10
período no qual se teve evidências de que uma população de massa
teve acesso a relatos de acontecimentos impressos foi em meados
do século XVII, durante a Guerra Civil Inglesa3. Porém, não se
sabe ao certo quando surgiu a primeira publicação do que poderia
ser chamado de jornal. Alguns historiadores defendem a ideia de
que esta modalidade de informação surgiu por volta de 1620 na
Itália e na Alemanha.
As restrições a publicar qualquer acontecimento se impuseram
como condição para a circulação dos jornais. Na Inglaterra, por
exemplo, até 1694, qualquer pessoa que quisesse publicar algo
deveria solicitar licença do Estado previamente. Outro ponto
destacado pelos autores é quanto às críticas às autoridades.
Ainda que fossem embasadas e justificadas, quem as fizesse
estaria sujeito à prisão. (RUDIN; IBBOTSTON, 2008)
A liberdade de imprensa foi sendo aos poucos conquistada no
século XVII. Um exemplo disso foi a abolição da Star Chamber, na
Inglaterra, em 1641, evento no qual o Rei se via impossibilitado
de censurar ou barrar questões contenciosas, permitindo, assim,
certa liberdade de imprensa.
Porém, a tal liberdade de imprensa conquistada não durou por
muito tempo. Com a vitória dos Parlamentares na Guerra Civil
Inglesa, fato que gerou a necessidade de propagação de
informações e propaganda, Oliver Cromwell instaurou um rigoroso3 A Guerra Civil Inglesa (1642-1649), também chamada de Revolução Inglesa, foium conflito entre os partidários do rei Carlos I da Grã-Bretanha e osparlamentaristas. Por querer unificar religiosamente o país sob a IgrejaAnglicana, Carlos I enfrentou a Escócia, que era quase totalmentepresbiteriana. Carlos I foi derrotado por Oliver Cromwell, que dominava oparlamento, declarado culpado de traição e em seguida foi executado.
11
sistema de autorização para jornais e severos controles de
impressão: “O London Gazette, fundado em fevereiro de 1666,
sobreviveu ao tempo e hoje é o periódico mais antigo do mundo. O
primeiro jornal diário da Inglaterra foi o Daily Courant, que começou
a ser publicado em 1702.” (RUDIN; IBBOTSON, 2008, p. 18).
Para evitar críticas indesejadas nos noticiosos, as
autoridades criavam dificuldades para que estes jornais não
saíssem, como por exemplo, a cobrança abusiva de impostos sobre
o preço dos impressos e na veiculação de propagandas. Conforme
Rudin e Ibbotson (2008), desta forma o Estado acreditava que os
jornais não seriam disponibilizados para a maioria da população e
assim não haveria perigo de as massas serem convencidas por
ideias e informações que as deixassem insatisfeitas e até
revoltosas.
Foi em Nova York, em 1830, que surgiram alternativas para
que as informações circulassem mais através do pennypress, o
“jornal de tostão”. Segundo Defleur e Ball-Rokeach (1993), o
primeiro veículo de massa de fato surgiu depois de se ter
encontrado uma forma de financiamento de um jornal barato para
ampla distribuição, sendo criadas assim técnicas para rápida
impressão e difusão.
Briggs e Burke (2006) observam a impressão gráfica como um
catalisador de mudança, e não como uma revolução. Para eles, dar
ênfase à revolução da impressão é colocá-la como agente de
mudança e exaltá-la ao meio de comunicação em detrimento de
escritores, impressores e leitores que usaram a tecnologia, cada
12
qual segundo seus próprios e diferentes objetivos. Segundo os
autores, é mais realista ver a nova técnica como incentivo que
mais ajudou as mudanças sociais do que as originou.
Já Pena (2005) considera a impressão como a verdadeira
revolução da história do jornalismo. Entretanto, o autor destaca
que não basta que a imprensa não seja constituída pelo calor
industrial dos tipos móveis; é preciso saber que espaço ela vai
ocupar. Afinal, “[...] esse espaço é o público, que também vai
passar por uma série de transformações.” (PENA, 2005, p. 28).
1.2 Espaço Público
Genericamente, os jornais foram um dos meios que
contribuíram na difusão da opinião pública (BRIGGS E BURKE,
2006). Isto foi possível após a publicação do livro de Jürgen
Habermas (nascido em 1929), no qual se permitiu o surgimento do
conceito de “esfera pública”.
Este espaço público, teorizado por Habermas (2003), se trata
de um local onde se formam opiniões e decisões políticas, se dá
legitimidade ao exercício do poder e no qual pessoas privadas
discutem assuntos públicos. Inicialmente estes debates aconteciam
em cafés, clubes e salões inspirados pelo espírito iluminista4 da
época.
4 O Iluminismo foi um movimento filosófico e político que surgiu no final doséculo XVI. Marcado pelo surgimento da filosofia moderna e da ciência, oiluminismo é um conjunto de ideias burguesas contrárias ao absolutismo, aomercantilismo e ao poder do clero.
13
Com o Renascimento, no Ocidente, por exemplo, perdeu-se a
visão teocêntrica para dar lugar a homocêntrica, na qual o homem
era o centro do mundo. Desta maneira, os dogmas e formas
religiosas de conhecimento começaram a ser rejeitadas e,
consequentemente, as pessoas começaram a questionar todos os
pensamentos que a igreja os coagiam a ter.
Segundo Sousa (2006), o espírito renascentista5 do final do
século XIV e meados do século XVI alteraram o clima político e
religioso tanto na Europa quanto na China, contrário à circulação
de informação e à alfabetização de cidadãos. Assim deu-se
andamento às estratégias de dominação sócio-política e religiosa.
Os descobrimentos agudizaram a urgência em conhecer.[...] Pode, assim, dizer-se que o espíritorenascentista, a fome de conhecimento originada pelosdescobrimentos e a tipografia gutenberguiana detonarama explosão da comunicação. (SOUSA, 2006, p.137).
A separação entre Estado e povo se deu a partir da Idade
Moderna. Anterior a isso, na Idade Média, não se considerava os
conceitos de esfera pública e nem privada, visto que uma não era
diferente da outra e não havia a discussão pública. Desta
maneira, ao longo de toda a Idade Média as categorias de público
e privado obedeceram a definições do Direito Romano, tal como, a
esfera pública como res pública. Esta esfera só passa a ter novamente
5 Movimento que sinaliza o final da Idade Média e início da Idade Moderna. ORenascimento foi um movimento artístico e cultural que trazia como proposta aressurreição consciente do passado. Desta forma o que era valorizado agora erao homem (Humanismo) e a natureza, em oposição ao divino e sobrenatural -conceitos que haviam impregnado na cultura da Idade Média.
14
uma aplicação processual jurídica, como era na Grécia e em Roma,
com o surgimento do Estado moderno e com a esfera da sociedade
civil separada dele. Assim sendo, “servem para a evidência
política, bem como para a institucionalização jurídica, em
sentido específico, de uma esfera pública burguesa” (HABERMAS,
2003, p. 16).
Isso não significa que a separação entre as categorias de
público e privado não era visada em período anterior à Idade
Moderna. Habermas (2003) declara que as definições de público e
privado são de origem grega, porém nos foram transmitidas em sua
versão romana, por exemplo: na cidade-estado grega desenvolvida,
a esfera da pólis comum ao cidadão livre (koiné) é rigorosamente
separada da esfera particular a cada indivíduo.
Entre as características da esfera privada grega, Habermas
(2003) destaca a ordenação política baseada na economia
escravagista em forma patrimonial e os cidadãos dispensados
efetivamente do trabalho produtivo. A participação desses
cidadãos na vida pública, entretanto, depende da autonomia
privada deles como senhores de casa; e a não posse de escravos
como empecilho no sentido de poder participar na pólis.
Já a esfera pública grega significava na conversação dos
cidadãos entre si é que as coisas se verbalizam e se configuram.
“Só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer,
tudo se torna visível a todos” (HABERMAS, 2003, p. 16). Se na
Grécia o que era público era tratado por pessoas públicas, e o
que era privado, por sua vez, era tratado por pessoas privadas,
15
para Habermas (2003, apud GUEDES, 2010, p. 2), o conceito de
representatividade pública vinculada à autoridade estava
relacionado ao cargo, aos atributos da soberania, à
hereditariedade, ao status da pessoa e não a um setor social.
Desta forma arrisca-se dizer que o Renascimento influenciou
as definições de Habermas (2003) sobre o espaço público, visto
que o movimento tinha como uma de suas características reviver a
antiga cultura greco-romana. O autor se apropria primeiramente
das definições de público e privado que surgiram na Grécia e
foram transmitidas em versão romana para, a partir disso,
defender seu conceito de espaço público.
Apesar do modelo de esfera pública helênica, Sousa (2006)
afirma que Habermas (2003) só considera o nascimento do espaço
público moderno (ou esfera pública) e o surgimento dos conceitos
de público (no sentido do que deve ser publicitado, tornado
público) e privado no século XVIII.
Segundo Habermas (2003), o conceito político de esfera
pública surgiu inicialmente na Inglaterra. Desta maneira, forças
que queriam exercer influências nas decisões do poder do Estado
recorreram ao público pensante “a fim de legitimar reivindicações
ante esse novo fórum”.
No contexto dessa práxis, a assembleia dos estados seconstitui num moderno parlamento, processo que seestende ao longo de todo o século. Ainda está para seresclarecido por que, tão mais cedo na Inglaterra doque noutros países, manifestam-se certos conflitos quecontam com a participação do público (HABERMAS, 2003,p.75).
16
Foi em cafés, salões, clubes, etc. que a classe burguesa
emergente deu prova do seu requinte e das suas ambições
intelectuais, em confronto com a velha aristocracia
nobiliárquica. Nos séculos XVIII e XIX, estes locais abrigavam
fregueses que faziam circular notícias, debates políticos e
crítica literária produzidas pelos próprios fregueses que se
apropriavam destes espaços para externar sua opinião pública
(ESTEVES apud SENA, 2007, p. 277).
Para Habermas (apud GUEDES, 2010, p.2), a esfera pública
burguesa podia ser compreendida inicialmente como a esfera das
pessoas privadas reunidas em um espaço público. Desta forma, elas
reivindicavam esta esfera pública regulamentada pela autoridade,
mas diretamente contra a própria autoridade. O objetivo era
discutir com esta autoridade as leis gerais da troca na esfera
fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis de
mercadoria e do trabalho social.
Guedes (2010) considera o conceito de esfera pública de
Habermas como excludente, pois, na concepção deste, tratava-se de
um espaço, dito público, mas voltado para os interesses e valores
de uma classe emergente na sociedade.
Com a emergência da imprensa os debates travados foram
transferidos de cafés e salões para jornais e revistas. Com isto,
a imprensa foi a primeira “grande instância mediadora na
configuração do espaço público moderno” (SOUSA, 2006, p. 140).
17
No século XIX a imprensa impulsionava debates, formações de
opiniões e polêmicas foi dando lugar a imprensa comercial com
interesse mercadológico. Conforme demonstra Habermas (2003, apud
GUEDES, 2010, p. 4), “à medida que o setor público se imbricava
com o privado, a esfera pública burguesa deixava de existir”.
Desta maneira, Habermas (2003) acusa a imprensa de prejudicar a
coerência do discurso político, visto que ela permitiu a
integração dos cidadãos menos cultos em espaços públicos, logo,
em discussões políticas.
Os jornais passaram de meras instituições publicadorasde notícias para, além disso, serem porta-vozes econdutores da opinião pública, meios de luta dapolítica partidária. Isso teve, para a organizaçãointerna da empresa jornalística, a consequência deque, entre a coleta de informações e a publicação denotícias, se inseriu um novo membro: a redação. Mas,para o editor de jornal, teve o significado de que elepassou de vendedor de novas notícias a comerciante comopinião pública. (BUCHER apud HABERMAS, 2003, p. 214).
Outra questão problematizada por Habermas (2003) é a
mercantilização da imprensa, a qual interferia diretamente no
nível e na racionalidade do debate tornando os estados
crescentemente intervencionistas, com o objetivo de atenuar ou
eliminar os problemas econômicos, políticos e sociais que
enfrentavam.
Assim sendo, organizações interessadas em se tornar
parceiras dos Estados e também com interesses de seguir com seus
18
objetivos, transformaram a comunicação pública racional dos
tempos iniciais do espaço público em relações públicas,
publicidade e entretenimento, conforme declara Santos (1998).
Estes fatores não apenas atenuaram os limites entre o público e o
privado, como também permitiram a desagregação, desintegração e
feudalização do espaço público (SANTOS, 1998, apud SOUSA, 2006,
p. 141).
Um dos pilares de sustentação da democracia, a capacidade
escrutinadora e crítica do público não esteve mais vivamente
atuante, causando, desta forma, prejuízo ao próprio sistema
democrático. Acresce-se a isso o fato de que com o espaço
público moderno se estabelece, em grande parte, na esfera
mediática, aqueles que são excluídos pelos media massificados,
consequentemente, não participam no espaço público, conforme
declara Sousa (2006).
A concorrência dos interesses privados organizadospenetra na esfera pública. Se, outrora, neutralizados,à base do denominador-comum do interesse de classes,pretendiam possibilitar uma certa racionalidade porqueeram interesses privados isolados, permitindo tambémuma efetiva discussão pública, hoje, no lugar disso,já apareceu a manifestação de interesses concorrentes.(HABERMAS, 2003, p. 211).
1.3 Fortalecimento das mídias
No século XIX, segundo Sousa (2006), o espaço público foi
ganhando outros lugares no campo dos media com o aparecimento de
19
novos meios de comunicação que se juntaram aos anteriores e assim
multiplicaram as formas de interação em sociedade. O resultado
disso foi o impacto tecnológico experimentado pelo jornalismo no
século XIX:
A fotografia nasceu na década de vinte do século XIX,com os inventos de Niépce, embora seja a Daguérre, oinventor do daguerreotipo, que foi dada a honra deprogenitor do médium, devido à sua consagração pelaAssembleia Nacional da França, em 1839. Aeletricidade, descoberta, em 1853, pelo italianoAlessandro Volta (inventor da pilha, justamentechamada pilha de Volta), provoca uma revolução. Otelefone nasce em 1876 (Alexander Graham Bell). Otelégrafo aparece em 1878 (Baudot), no mesmo ano emque surge o fonógrafo de Edison, o inventor da lâmpadaelétrica (igualmente patenteada em 1878). Em 1896,Gublielmo Marconi faz a primeira transmissão rádio. Em1895, os irmãos Lumière inventam o cinema, queadquiriu som e cor já no século XX e que veio aconstituir o primeiro grande responsável pelainternacionalização da cultura de massas. (SOUSA,2006, p. 142).
Este período tecnológico permitiu a difusão mais rápida de
notícias por conta de outras invenções que foram surgindo.
Afinal, embora o jornal de massa chegasse à década de 1830,
segundo declara Defleur e Ball-Rokeach (1993), ele ainda era
limitado em termos de coleta de notícias, tecnologia de
impressão e distribuição. Com as inovações científicas, mecânicas
e técnicas surgidas no século XX, várias possibilidades de
crescimento do jornal de massa foram surgindo.
20
As ferrovias, meio de transporte considerado por Briggs e
Burke (2006) o primeiro dispositivo de comunicação que prepara o
caminho até o transistor, alcançaram distâncias cada vez maiores
no período em questão e permitiu cada vez mais a criação de guias
de viagens e romances sobre países estrangeiros mais visitados –
como na Europa, onde se desenvolveu a literatura ferroviária.
Com o desenvolvimento cada vez maior das ferrovias, o novo
meio de transporte alavancou a demanda de carvão e ferro, baixou
os custos dos negócios, desenvolveu mercados, estimulou o emprego
em várias indústrias e criou outras novas comunidades. Por conta
desta forte industrialização, tornou-se notável as visões
superior e inferior de poder. De um lado, a classe menos
favorecida financeiramente, que agora podia sair de seu local
natal, para outra cidade através das ferrovias. De outro, a
fortuna que os senhores de ferrovia acumulavam. Assim, a mudança
de hábito foi causada na sociedade em geral e refletida na
imprensa da época.
Neste período, todas as novidades que surgiam com as
ferrovias eram noticiadas, inclusive os acidentes ferroviários
que serviam de matéria-prima para revistas e jornais. Segundo
Defleur e Ball-Rokeach (1993), cada vez mais os jornais buscavam
coletar/ produzir notícias exigindo, desta forma, um trabalho
mais complexo e especializado do repórter.
Embora boa parte dessas notícias ainda surgisse como forma
de divulgar as novas descobertas e inovações, os jornais
começavam a adquirir popularidade. Segundo Defleur e Ball-Rokeach
21
(1993), nesta época, com frequência os jornais buscavam produzir
notícias e, deste modo, o papel do repórter tornou-se mais
complexo e especializado, por conta dos jornalistas
correspondentes estrangeiros e colhedores de notícias
especializados em diversas áreas.
Além dos jornais, cooperativas de coleta de notícias eram
formadas, enviando assim informações de diversas partes do país
com os quais se tinham contratos de prestação de serviço. Quanto
à qualidade de impressão, cada vez mais, a tecnologia avançava,
permitindo, assim, uma difusão e automação maior dos jornais.
As agências enviavam estórias para jornais em muitaspartes do país. [...] Graças a estes acordos, a equipede um jornal próxima do acontecimento podia cobrir aestória para muitos jornais de outras partes, assimreduzindo grandemente o custo. Tais progressos levaramo jornal a cidades e vilas menores e até às recém-instaladas cidades do Oeste. A tecnologia de impressãodava grandes passadas, avançando para uma automaçãocada vez maior. Impressoras rotativas, com clichêsfundidos em um estereótipo metálico, tornaram-secapazes de imprimir 10.000 e até 20.000 folhas porhora. (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993, p. 70).
Com característica publicitária, as notícias veiculadas
comunicavam a sociedade sobre as inovações. Um exemplo disso está
na a cobertura feita sobre o ocorrido com navio Great Eastern: em
1865, ele ganhou a maior “publicidade que a imprensa já havia
feito” (BRIGGS; BURKE, 2006, p. 132) por ter atravessado o
Oceano Atlântico carregando o primeiro cabo transatlântico já
transportado.
22
Os jornais continuaram a ter popularidade e o ritmo de
crescimento da circulação acelerava constantemente, mas não
espetacularmente, até a década de 1880. Nas décadas seguintes, de
1890 a -1910 mais especificamente, a circulação de jornal por
família cresceu significamente e assim prosseguiu até por volta
do início da Primeira Guerra Mundial6, onde se nivelou durante a
década de 1920 (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993).
Outra novidade na revolução da mídia foi o telégrafo – na
época, o meio mais útil para transmissão rápida de notícias dos
locais de acontecimentos importantes para a redação dos jornais.
Briggs e Burke (2006) associam o desenvolvimento do telégrafo ao
das ferrovias, visto que métodos instantâneos de sinalização eram
necessários, por motivo de segurança, em linhas simples, embora
existissem fios telegráficos que seguiam os trilhos, não das
ferrovias, mas dos canais.
O telégrafo permitiu ligações de mercados nacionais e
internacionais, incluindo bolsa de valores e de mercadorias. Além
de ter aumentado a velocidade de transmissão de informação,
pública e privada, local e regional, nacional e imperial. Com
isso, em longo prazo, o telégrafo foi tendo seu efeito mais
6 A Primeira Guerra Mundial iniciou em julho de 1914 e durou até 1918. Oconflito envolveu potências de todo mundo, que se organizaram em duas aliançasopostas: os Aliados (Reino Unido, França e Império Russo) e os ImpériosCentrais (Império Alemão, Áustria-Hungria e Itália); porém como a Áustria-Hungria tinha tomado a ofensiva contra o acordo, a Itália não entrou emguerra. Estas alianças reorganizaram-se e expandiram-se em mais nações queentraram na guerra. Entre os motivos que causaram a guerra, incluem-se aspolíticas imperialistas estrangeiras das grandes potências da Europa, como oImpério Alemão, Império Austro-Húngaro, Império Otomano, Império Russo,Império Britânico, Terceira República Francesa e a Itália.
23
significativo do que apenas transmitir mensagens de um ponto para
outro.
A ascensão do telégrafo se deu no momento em que a mensagem
conseguiu chegar primeiro que o mensageiro. Para McLuhan (1995),
os meios elétricos, como o telégrafo, iniciaram o processo de
abolição da dimensão espacial. “Graças à eletricidade, em toda a
parte retomamos os contatos pessoa a pessoa como se atuássemos na
escala da menor das aldeias (1995, p. 287)”.
Mesmo que se fale aqui de meios de transporte e de
comunicação, todos estão intrinsicamente ligados ao
fortalecimento da mídia na época. São a partir dessas primeiras
invenções, naturalmente ou não, que se começa a restringir a
participação popular na imprensa. Embora essa participação tenham
promovido notáveis mudanças a toda a sociedade, tendo ela o poder
ou não, foi a partir dessas invenções que as prioridades de ter
um poder comunicando e outro apenas absorvendo foram mantidas por
muito tempo.
Em 1876, o norte-americano Alexander Graham Bell (1847-1922)
inventou o telefone. Graham Bell trabalhava anteriormente
ensinando falas aos surdos, e a partir disso que pensou na ideia
de transmitir sons orais por ondas elétricas, depois, em 1874,
idealizou o aparelho conforme a estrutura do ouvido humano.
Para Rodrigues (2006), foi através de invenções como o
telégrafo e o telefone que o rádio busca a origem de sua
estrutura tecnológica e assim se beneficia para expandir.
Destacando a evolução natural dos seres humanos, que desde as
24
pinturas rupestres nos tempos pré-históricos buscam se comunicar,
uma invenção tecnológica foi desencadeando novas formas de se
comunicar.
Ferraretto (2001) afirma que um dos marcos na história da
comunicação humana é dado pela invenção da radiodifusão. Se o
telefone funcionava a partir de uma comunicação bidirecional e
privada entre duas pessoas, o rádio usou um fluxo unidirecional e
público, no qual se envia a mesma mensagem para várias pessoas.
[...] Pode-se afirmar que a radiodifusão sonoraconstitui-se no resultado do trabalho de váriospesquisadores em diversos países ao longo do tempo,representando o esforço do ser humano para atender auma necessidade histórica: a transmissão de mensagensà distância sem o contato pessoal entre o emissor e oreceptor, origem dos serviços de correio e dosprimitivos sistemas de comunicação por sinais (tochasluminosas, bandeiras, fumaças, tambores...),(FERRARETTO, 2001, p. 80).
Com o tempo o aperfeiçoamento do rádio aumentou e assim a
voz humana passou a ser transmitida em todo mundo. Até sua
estrutura – antes grande e pesada, motivo pelo qual apenas os
navios conseguiam transportá-lo com facilidade – foi sendo
progressivamente reduzida, tornando-o mais leve e portátil.
Defleur e Ball-Rokeach (1993) consideram espantosas as
condições sociais que rodearam o desenvolvimento inicial do
rádio, sendo estas de propriedade privada e a motivação do lucro.
Embora tais condições tivessem facilitado, e até retardado, a
evolução do veículo de comunicação, era quase impossível
25
aperfeiçoar os componentes e comercializar equipamentos melhores
sem envolver tensas disputas judiciais por conta das patentes.
Todos os principais pioneiros do rádio, a partir deMarconi, frequentemente se viram batalhando em juízouns com os outros. Lee De Forest, um dos principaisinventores dos mais importantes componentes do rádio,foi deveras preso e acusado de fraude. O problema,claro, é que havia fortunas a serem conseguidas nosem-fio, e a concorrência para vincular-se aimportantes invenções, a fim de explorá-las, foiintensa (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993, p. 113).
Os sistemas de rádio puderam ser aperfeiçoados por conta da
Primeira Guerra Mundial, que impôs demandas militares de
comunicação. Em seus primeiros anos de uso, o rádio era apenas um
sistema de telecomunicações que servia para envio de telegramas,
comunicações militares, comunicações com navios em alto mar,
entre outros (SOUSA apud RODRIGUES, 2006, p. 572). O uso do rádio
para comunicação com o público heterogêneo só surgiu em 1912,
proposto pelo francês Raymond Braillard.
Naquele mesmo ano, o jovem engenheiro de rádio, David
Sarnoff, que trabalhava na Companhia Marconi Americana,
conquistou grande atenção pública durante o naufrágio do navio
transatlântico Titanic7. Sarnoff ficou em seu manipulador
telegráfico, em uma estação de rádio da cidade de Nova York,
7 O navio Titanic, durante sua viagem inaugural entre Southampton, naInglaterra, e Nova York, nos Estados Unidos, chocou-se com um iceberg noOceano Atlântico e afundou duas horas e quarenta minutos depois. Com 2.240pessoas a bordo, o naufrágio resultou na morte de 1.517 pessoas, considerada amaior catástrofe marítima de todos os tempos.
26
decifrando mensagens recebidas do local do desastre e repassando
ao público os detalhes do acontecimento referente ao acidente
(cf. DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993). Logo após o fato, Sarnoff foi
promovido para posições mais importantes na companhia e expediu
um memorando a seus superiores mostrando como o rádio podia ser
usado de uma forma economicamente lucrativa para veicular
informação de massa às famílias comuns.
Tenho em mente um plano de desenvolvimento que fariado rádio um ‘utensílio doméstico’, no mesmo sentidoque o piano ou o fonógrafo. A ideia é levar música àscasas através do fio. [...] O receptor pode ser naforma de uma simples “Caixinha de Música de Rádio” epreparada para diferentes comprimentos de onda. [...]A “Caixinha de Música de Rádio” pode ser acrescida deválvulas amplificadoras e um alto-falante, tudopodendo ser montado elegantemente em uma caixa. Estapode ser instalada em cima duma mesa na sala devisitas ou na sala de estar [...]. O mesmo princípiopode ser ampliado para numerosos outros campos como,por exemplo, ouvir palestras em casa [...]; tambémacontecimentos de importância nacional podem sersimultaneamente anunciados e recebidos. Resultados departidas de beisebol podem ser transmitidos no argraças à utilização de um aparelho instalado noestádio. [...] Esta sugestão seria especialmenteinteressante para fazendeiros e outros moradores delocais afastados das cidades (DEFLEUR; BALL-ROKEACH,apud Sarnoff, 1993, p. 114).
Depois de dez anos, o rádio foi convertido em veículo para
uso doméstico, praticamente com o mesmo esboço proposto por
Sarnoff. Seguido do rádio, outro meio de comunicação que
fortaleceu as mídias foi a televisão. O aparelho surgiu devido ao
27
empenho de pesquisadores e inventores que buscavam construir um
sistema que transmitisse imagem em movimento, com som à
distância. As primeiras emissões públicas regulares iniciaram no
ano de 1929 em Londres (cf. SOUSA, 2006).
Em 1842, Alexander Bain conseguiu transmitir uma imagem
impressa através do telégrafo. Porém, o precursor da invenção
foi o cientista sueco Jakob Berzellus, que em 1817 observou a
foto sensibilidade do selênio ao ser exposto à luz.
Depois de 56 anos, através dos estudos do inglês Willoughby
Smith, a possibilidade de transformar energia luminosa em energia
elétrica, serviu para transmissão de imagens. Assim, após a
descoberta de Berzellus e Alexander Bain, deu-se início assim a
vários estudos e aperfeiçoamento para que a TV chegasse aonde
chegou.
Sousa (2006) declara que em 1929 nos Estados Unidos a
televisão se desenvolveu por conta de investimentos de empresas
comerciais. Já na Europa, foi lançada e controlada pelo Estado.
Defleur e Ball-Rokeach, por sua vez, explicam que desde o
princípio a base financeira da televisão foi clara: “o público
estava completamente acostumado a ‘comerciais’, e a televisão
prometia ser até mais eficaz como veículo para promoção de
vendas.” (1993, p. 127).
Esse contexto provocou que a televisão se tornasse símbolo
de status socioeconômico, chegando até a causar irritação de
pessoas ao ser constatado que algumas eram ajudadas
28
financeiramente pelo governo ou, mediante outras formas de ajuda,
possuíam receptores (DEFLEUR; BALL-ROKEACH, 1993, p. 128).
Defleur e Ball-Rokeach (1993) destacam que a televisão até
poderia ter sido um veículo doméstico desde seu início, porém
dois grandes fatores retardaram isso: a guerra e o congelamento
dos preços imposto pelo governo. Só em 1941, às vésperas da
guerra, a Federal Communication Commission (FCC) dos Estados
Unidos, aprovou a televisão doméstica, permitindo que a indústria
de comunicação iniciasse um plano para a implantação. Além do
mais, já havia cerca de cinco mil televisores em mãos de
particulares, e diversas estações transmitiam programações com
tempo de duração de duas a três horas diárias.
Após 1929, vários países aderiram à TV e grandes
investimentos foram sendo feitos para melhorar as condições de
recepção televisiva. A BBC, por exemplo, emitiu, em 1930, imagem
e som simultaneamente. Mais adiante, em 1936, os Jogos de Berlim
foram transmitidos pela televisão alemã para mais de 150 pessoas.
No ano seguinte, 1937, foi iniciada a transmissão regular na
França (SOUSA, 2006).
O telejornalismo só surgiu no final do século XX nos Estados
Unidos. Até então, as redes de televisão só transmitiam
programas de entretenimento, propagandas e exibições para uso
político. No início, as emissoras encontravam dificuldades na
captação audiovisual e os primeiros telejornais transmitiam
documentários sobre atualidades. Apenas no final dos anos 1960 o
vídeo revolucionou as informações da TV, pois trouxe “mobilidade,
29
atualidade e rapidez ao telejornalismo” (SOUSA, 2006, p. 170-
171).
Com a chegada de cada novo veículo de comunicação, estes
precisavam encontrar seus nichos entre os demais. Defleur e
Ball-Rokeach (1993) indicam que alguns fatores como guerra,
depressão, opulência, imigração, urbanização, a difusão da
educação e a presença de determinados elementos tecnológicos na
cultura da sociedade da informação, podem ter produzido tensões
que facilitaram, inibiram ou de outra forma afetaram o
desenvolvimento e a adoção de cada veículo de massa.
Mostrando a mídia como parte do amplo processoevolutivo de industrialização e urbanização relaciona-os com as duas tendências maiores da sociedademoderna. A ideia mais antiga de serem os veículosforças formando e plasmando a sociedade conformedesejam é simplista e ultrapassada. A mídia formadapelos acontecimentos da sociedade como um todo, e éprofundamente influenciada pelo processo dialético deconflitos entre forças, ideias e acontecimentosopostos no âmbito do sistema da mídia, e entre osveículos e outras instituições da sociedade. Poroutras palavras, há numerosas maneiras difusas pelasquais uma sociedade exerce profunda influência sobreseus veículos de comunicação (DEFLEUR E BALL-ROKEACH,1993, p. 139).
1.4 O quarto poder
Apesar de a sociedade exercer influência sobre seus veículos
de comunicação desde o surgimento da impressão, com o
30
fortalecimento das mídias pode-se notar que o objetivo dos que
controlavam a imprensa e produziam notícias era apenas de
informar o público conforme seus interesses e sem a participação
popular em geral. Portanto, nesta primeira fase o que surgiu foi
uma sociedade que observa o que a mídia produz.
Um dos fatores que possibilitou esta apatia do público
diante da produção de notícias e da construção do discurso
jornalístico pode ser justificado com a própria evolução da
imprensa. Afinal, a história da imprensa é a própria história do
desenvolvimento da sociedade capitalista, como destacou Sodré
(1999).
O desenvolvimento da imprensa, como reflexo do
desenvolvimento capitalista na qual ela está incorporada,
ocasionou em controle dos meios de difusão de ideias e de
informações. Na luta contra esse controle, aparecem pessoas das
mais diversas situações sociais, culturais e políticas,
defendendo e destacando as diferenças de interesses e aspirações
de cada uma delas (SODRÉ, 1999). O segredo da difusão da
imprensa, de acordo com Sodré (1999), consistia na forma como o
capitalismo avançava, na rapidez que chegava aos leitores e na
possibilidade de conta-los aos milhões.
Em nenhuma fase dos primeiros passos da difusão do
jornalismo, o capitalismo se mostrou interessado em tornar a
sociedade como agente da imprensa. Afinal, como as trocas eram de
interesse a elementos de classes e camadas numericamente
reduzidas, “com o desenvolvimento da imprensa sendo mais lento,
31
ela ficou facilmente controlada pela autoridade governamental”
(SODRÉ, 1999, p. 2).
Atualmente, nota-se que a atuação da imprensa tem em termos
democráticos é muito maior do que no seu início, tornando assim
as teorias de imprensa como um “quarto Poder” (ALBUQUERQUE,
2001).
No início do século XIX, o gênero dominante era o da
imprensa opinativa ou ideológica. Apenas por volta dos anos 20 e
30 do século XX que começaram a surgir nos Estados Unidos jornais
com gêneros mais factuais e noticiosos. Por ser um país de
imigrantes, a linguagem desses jornais se adequava a um público
mais amplo e pouco conhecedor da língua (SOUSA, 2006).
Considerados jornais independentes, estes eram vistos como
uma saída para escapar da tirania da época, permitindo assim aos
cidadãos engajarem-se num debate público racional, como um
recurso fundamental, observando a imprensa a partir daí como uma
proteção contra os abusos do Estado (ALBUQUERQUE, 2001).
Designado por Álvarez (apud SOUSA, 1992, p. 150) como
Primeira Geração da Imprensa Popular, alguns dos principais
motivos para o uso mais comum de um gênero factual e noticioso
foram: o aparecimento de empresas jornalísticas devotadas ao
lucro; o aumento do poder de compra; e a concentração de pessoas
em cidades, urbanização e urbanidade.
A Segunda Geração da Imprensa Popular surgiu no final do
século XIX tornando o jornal cada vez mais acessível
economicamente para toda a população americana. Embora os
32
assuntos fossem cada vez mais direcionados ao público, e não
apenas para a elite, o interesse imediato dos donos dos jornais
era obter lucro, fosse com vendas, ou com a publicidade neles
veiculada (SOUSA, 2006, p. 153).
As mudanças nas narrativas jornalísticas possibilitaram a
renovação da área, recebendo o nome de Novo Jornalismo, através
da seleção e síntese da informação e linguagem factual, que,
posteriormente, “foram transmitidas de geração de jornalistas em
geração de jornalistas, configurando-se como traços da cultura
profissional, particularmente, visíveis nas agências noticiosas”
(SOUSA apud SOUSA, 1997, p. 154).
As características apresentadas com estas mudanças
incentivaram e permitiram aos jornais se definirem como
politicamente independentes e interessados na defesa do interesse
público e no comprometimento com os fatos (ALBUQUERQUE, 2001).
A expansão da imprensa, com as suas acrescidasresponsabilidades, surge acompanhada do conceito de“Quarto Poder”, em que a defesa e vigilância da novaforça chamada “opinião pública” é invocada como devere atua como legitimadora da nova força social que é aimprensa. (TRAQUINA apud SOUSA, 2006, p. 154).
Conforme explica Albuquerque (2001), o exercício do chamado
“Quarto Poder” não acontece no âmbito do Estado e muito menos se
confunde com as prerrogativas dos três poderes constitucionais,
quais sejam: judiciário, executivo e legislativo. Antes, ele
acontece no compromisso que a imprensa precisa ter com a
objetividade no tratamento das notícias, com a representação do
33
cidadão comum frente ao Estado e com o funcionamento eficiente do
sistema de divisão de poderes (ALBURQUERQUE, 2001).
Quanto à opinião pública como ingrediente para legitimar a
imprensa, Lippmann (2008) declara que esta se trata de imagens
criadas por grupos de pessoas, ou por indivíduos agindo em nome
dos grupos.
Os jornais são considerados pelos democratas umapanaceia para seus próprios defeitos, enquanto aanálise da natureza das notícias e da base econômicado jornalismo parece mostrar que os jornais necessáriae inevitavelmente refletem, e, portanto, em grande oumenor medida, intensificam a defeituosa organização daopinião pública (LIPPMANN, 2008, p. 42).
A opinião pública não surge naturalmente das pessoas, pois
este é um processo de animação social com interessados no
controle social se envolvendo. Portanto, sugere-se que os donos
de jornais formem equipes multidisciplinares formadas por
cientistas sociais para passar informações relevantes aos
jornalistas (WAINBERG apud LIPPMAN, 2008, p. 15).
Nota-se que à medida que a imprensa ganhava mais autonomia,
o aprimoramento da construção do seu discurso jornalístico se
fazia necessário. Através da criação da agenda-setting e do
gatekeeper se iniciaram mudanças, “não apenas em relação à
linguagem e à sua necessidade de autonomia, mas em relação ao
poder do jornalismo de seleção e produção dos acontecimentos e à
sua repercussão sobre a ordem social.” (MAROCCO, 1997, p. 4-5).
34
Desta maneira, existem dois enunciados, considerados o
espaço privilegiado e o veículo de duas singularidades do poder
do jornalismo e de um efeito de poder do mesmo, “ora situadas na
esfera da produção jornalística, ora deslocadas à esfera da
recepção e da sociedade.” (TRAQUINA apud MAROCCO, 2005, p. 7).
Por efeito de poder vem sendo mencionada, com maior oumenor certeza por diferentes pensadores, apossibilidade de o jornalismo ser um instrumento decontrole social, direta ou indiretamente (two step flow),ou a possibilidade de gerar impacto no cotidiano daspessoas expostas às notícias. (MAROCCO, 2005, p. 8).
Estas se configuram no que é e o que não é notícia e em uma
ordem jornalística da realidade.
1.5 Agenda-setting e gatekeeper
A partir dai, surgem duas definições que mudarão a forma de
se definir o que é notícia e de a imprensa exercer um poder sobre
a sociedade: a Agenda-Setting e o Gatekeeper.
Criada a partir de uma campanha eleitoral, para a
Presidência dos Estados Unidos em 1968 e apresentada por McCombs
e Shaw, a definição de Agenda-Setting considera os meios de
comunicação como definidores dos assuntos discutidos pelas
pessoas. A teoria nada mais é que um grupo definido de temas que
serão debatidos em lugares e tempos particulares. Sendo assim, o
modelo da Agenda-Setting prevê que os temas pautados pelas mídias
serão discutidos pelas pessoas (MARTINO apud OLIVEIRA, 2010).35
Entretanto, a teoria do Agenda-Setting considera que este
agendamento não acontece de forma intencional e nem exclusiva.
Antes da teoria, prevalecia nos Estados Unidos a ideia de que a
comunicação social não atuava diretamente sobre a sociedade e as
pessoas, pois a influência pessoal relativizaria, limitaria e
mediatizaria os efeitos. (SOUSA, 2006).
Após a publicação de The People’s choice: How the Voters Makes His Mind
in a Presidential Campaign, em 1944, por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet –
obra resultada de um estudo científico destinado a pesquisar a
influência da rádio e da imprensa sobre a decisão de votos de uma
pequena cidade americana –, concluiu-se que os meios de
comunicação estavam longe de terem um poder quase ilimitado
sobre as pessoas. Considerou-se assim, a existência de um patamar
mediador entre o público em geral e os meios de comunicação
social (two-step).
Após vários outros estudos, Lazarsfeld reconheceu, que , ao
contrário do que argumentava em seu livro, os líderes de opinião
nem sempre se encontram no topo da pirâmide social. Assim sendo,
nasceu um novo modelo, o do “fluxo de comunicação em múltiplas
etapas” (multi-step), que precisamente pretendia relevar a complexa
teia de relações sociais que medeia o efeito dos meios de
comunicação social.
Sousa (2006) destaca alguns fatores que podem contribuir no
sucesso do agendamento, tal como a acumulação, processo no qual
um tema abordado pela mídia tem mais chance de passar para a
agenda pública à medida que o público é exposto mais vezes e
36
sucessivamente às mesmas mensagens. Outro fator é a consonância
em que o tema passará mais facilmente pelo público se as
mensagens transmitidas por diferentes media forem semelhantes.
Um dos pontos mais interessantes da agenda-setting é quepesquisas realizadas no seu âmbito vieram colocar emquestão um dos seus pilares: os media pode influenciaras pessoas não só sobre o que pensar, mas também comose pensar (SOUSA, 2006, p. 505).
Por sua vez, o gatekeeper8 trabalha a seleção das notícias. O
termo foi metaforizado em 1950 por David Manning White em um
artigo. Manning White pretendia escolher apenas os assuntos que
seriam noticiáveis tendo em vista a triagem pela qual as matérias
passariam em vista de serem aceitas ou reprovadas para
publicação. Na metáfora, a decisão seria justamente os portões e
o jornalista seria o porteiro. Na teoria de White, as escolhas
que passariam pelo gatekeeper, seriam subjetivas e condicionadas
por fatores como os deadlines9.
Após a definição da teoria, vários estudos acerca do
gatekeeper foram avançando e colocando em discussão o termo. Como a
subjetividade do jornalista relegada a segundo plano, por conta
das empresas; o gatekeeping usado essencialmente para organização;
o gatekeeping como redutor de notícias e conteúdos; entre outros.
Com a teoria, vários critérios de noticiabilidade ou de
valor de notícia, propostos por Galtung e Ruge (apud Sousa,8 Empréstimo terminológico da língua inglesa que significa “do porteiro” ou“guardião dos portões”. 9 Empréstimo terminológico que significa ”hhorário limite para se fechar umamatéria ou página”.
37
2006), foram sendo discutidos. Entre tantos, os autores destacam:
(1) Momento e frequência do acontecimento: cada vez mais que o
acontecimento for recente e se a cobertura se adequar ao ritmo de
trabalho das empresas jornalísticas, mais ele precisa ser
notícia; (2) Intensidade ou magnitude de um acontecimento: quanto mais
intenso ou crescente for um assunto , ou ainda, quanto mais
pessoas estiverem envolvidas nele, maior é o potencial de
noticiabilidade dele ; (3) Proeminência social de pessoas e nações
envolvidas: quanto maior for a proeminência social das pessoas
envolvidas ou das nações, maior a probabilidade de elas se
tornarem notícia; (4) Desenvolvimento de assuntos anteriores: assuntos já
noticiados, porém com desdobramentos novos capazes de despertar
assuntos antigos, têm maior probabilidade de serem noticiados;
(5) Negatividade: As “más notícias” são “boas notícias”, isto é,
possuem potencial maior de circulação enquanto notícia; (6)
Inesperado: catástrofes naturais têm grande chance de se tornarem
notícias.
Outros autores ampliaram os estudos de critérios de
noticiabilidade. Traquinas (apud SOUSA, 2006) explicitou, por
exemplo, valores-notícias de seleção, como morte, notoriedade,
proximidade, entre outros; valores-notícias de seleção
contextual, como disponibilidade, equilíbrio de noticiário; e
valores-notícias de construção, no qual se mostra de que forma o
acontecimento é/ se torna importante.
Todos esses critérios foram definidos de acordo com as
organizações empresariais a fim de atrair mais leitores. Sousa
38
(2006, p. 262) considera as razões financeiras como um
constrangimento organizacional, por conta das decisões editoriais
que afetam o meio jornalístico. O autor exemplifica citando a
dinâmica corporativa existente entre editor – o qual pode criar
novas delegações no jornal a fim de ampliar a cobertura em uma
comunidade ou país inserida –, e a administração do jornal,
capaz de barrar a veiculação de uma notícia por questões
financeiras.
Para Lippmann (2008), o editor de jornal assume uma posição
estranha nas redações, por depender do arrecadamento de seus
anunciantes por seus leitores.
O Tribunal da Opinião Pública, aberto dia e noite,deve baixar uma lei para tudo o tempo todo. Isso não érealizável. E quando você considera a natureza dasnotícias, isso não é nem pensável. Pois a notícia,como vimos, é precisa na proporção à exatidão com queo evento é registrado. [...] Portanto, ao todo, aqualidade das notícias sobre a sociedade moderna é umindex de sua organização social. Quanto melhor forem asinstituições, quanto mais todos os interessesenvolvidos forem formalmente representados, mais asquestões estão desembaraçadas, mais critériosobjetivos são introduzidos, mais perfeitamente umassunto pode ser apresentado como notícia. E no melhordos casos a imprensa é serva e guardiã dasinstituições. (LIPPMANN, 2008, p. 308).
Desta forma, cada pessoa tende a julgar um jornal pelo
tratamento que ele dá às notícias que as pessoas se sentem
envolvidas. Assim como ele trata com uma multiplicidade de
eventos que estão além das experiências vividas pelos seus39
leitores, há também um tratamento específico mediado para as
experiências vividas por eles. Portanto, Lippmann critica a
maioria dos leitores por entender que estes “demandam do jornal
maior rigor, não como leitores comuns, mas de litigantes em
questões de sua própria existência.” (LIPPMANN, 2008, p. 281-
282).
40
2. SOCIEDADE COMEÇA A PARTICIPAR DA PRODUÇÃO DA MÍDIA
2.1 Pós-Modernidade e os Novos Movimentos Sociais
Prevalecendo sobre os conceitos dominantes à era moderna, a
Pós-modernidade é uma condição sócio cultural e estética que deu
início a um novo tempo, após a consequente desvalorização das
concepções ideológicas predominantes.
A era tem início na década de 50 do século XX, impulsionada
pela crise do capitalismo e socialismo, e com o surgimento de
novas tecnologias e mudanças políticas, sociais e econômicas. Um
grande evento marcado nesta época foi a crise das ideologias que
dominaram o século XX, como a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Se anteriormente o indivíduo era visto como sujeito
unificado, através das antigas identidades que estabilizaram o
mundo por tanto tempo, a partir de meados do século XX esse
quadro começou a declinar dando lugar a novas configurações,
permitindo assim uma fragmentação do homem moderno. Esta
desagregação implica em paisagens culturais de classe, gênero,
etnia, sexualidade, raça e nacionalidade, que antes solidificavam
o homem como indivíduo social. Para o teórico da cultura Stuart
Hall,
A sociedade não é como os sociólogos pensaram muitasvezes, um todo unificado e bem delimitado, umatotalidade, produzindo-se através de mudançasrevolucionárias a partir de si mesma, como odesenvolvimento de uma flor a partir do seu bulbo. Ela
41
está constantemente sendo descentrada ou deslocada porforças fora de si mesma. (HALL, 2006, p. 4)
Com esta fragmentação, novos movimentos sociais foram sendo
criados. Se até o início do século XX, segundo Gohn (1997), este
conceito de movimentos sociais era válido apenas para
organizações e ações dos trabalhadores em sindicatos, na pós-
modernidade o conceito de movimento social se amplia abarcando
interesses difusos.
Em termos de efeitos destrutivos do capitalismo e do
industrialismo sobre os modos tradicionais de vida, estes novos
movimentos sociais se alinhavam com os movimentos dos operários.
A este respeito, Giddens declara que
A separação atual entre os dois reflete o aumento daconsciência dos riscos de alta-consequência que odesenvolvimento industrial, organizado ou não sob osauspícios do capitalismo, traz em sua esteira.(GIDDENS, 1991, p. 142)
Estes novos movimentos que marcaram a pós-modernidade iam
contra tanto à política liberal capitalista do Ocidente quanto à
política estalinista do Oriente. Além do mais, estes afirmavam as
dimensões subjetiva e objetiva da política. Traziam como
características em comum, a suspeita de todas as formas
burocrática de organização; favoreciam a espontaneidade;
refletiam o fim da classe política e das organizações políticas
de massa, dentre outras (HALL, 2006). Entre mudanças sociais
42
desta era, destacam-se os movimentos de contracultura, do
feminismo, a revolução sexual e as lutas negras.
O movimento de contracultura usava os meios de comunicação
em massa para se mobilizar e contestar socialmente sobre seus
desassossegos. Ele começa a dar seus passos na década de 1950,
por conta do surgimento da geração Beat, o qual gerou grande
influência em outras manifestações ao longo dos anos 60, 70 e 80.
A geração beat (Beat Generation) foi um movimento literário
norte-americano formado por um grupo de jovens escritores que se
mostravam incomodados com os modelos de conduta e comportamento
estabelecidos nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. O
objetivo da Beat Generation era de se expressar livremente sobre sua
visão do mundo, na maioria das vezes em conjunto compondo e
viajando.
O movimento beat tinha como características: intensidade no
estilo narrativo, nos temas e personagens; escrita compulsiva;
fluxo de pensamento desordenado; linguagem informal; valorização
da transmissão oral; e apoio à igualdade étnica, à miscigenação e
às trocas culturais entre raças. Entre os principais escritores,
destacam Jack Kerouac, Allen Gisberg, William Burroughs, Lawrence
Ferlinghetti e Gregory Corso.
A contracultura se mostrou como uma revolta juvenil por
conta das transformações socioeconômicas provenientes da criação
do Estado do Bem Estar Social10, que indagava a juventude a
10 O Estado de Bem Estar Social é um tipo de organização política econômica queclassifica o Estado como agente da promoção (protetor e defensor) social eorganizador da economia.
43
procurar medidas criativas de não se enquadrar em um sistema
técnico. Daí, a necessidade de se criar uma cultura própria.
Acima de tudo, este movimento tinha como base a própria
juventude unida em protesto. O movimento revolucionário colocava
em questão o respeito às minorias raciais, inclusive foi iniciada
por jovens brancos que se aliaram a negros já descontentes com o
sistema racista norte-americano. Ainda que tomasse como base
ideais de revolta, o movimento de contracultura pregava a paz e
novas visões libertárias para o casamento, famílias e o sexo.
Concretamente, entretanto, as revoltas contraculturais não
alcançaram os objetivos das bandeiras levantadas. A despeito
disso ele se caracterizou como um movimento que transformou
mentalidades.
Outro novo movimento que se potencializou na pós-modernidade
foi o feminista, que surgiu quando as mulheres tiveram a
percepção de que eram oprimidas e buscaram a igualdade na
sociedade. A luta feminina existia desde a antiguidade, porém
somente nos dois últimos séculos ela se fortaleceu.
No século XIX e início do século XX, no Reino Unido e
Estados Unidos, as mulheres foram às ruas exigir o direito de
voto. A conquista foi alcançada e em 1919, com a 19ª. Emenda à
Constituição dos Estados Unidos a qual concedia em todos os
estados o direito à mulher de votar. Porém, diante de uma
sociedade patriarcal, esta foi apenas uma das conquistas. Com
discussões que envolviam casamentos, abortos e métodos
44
contraceptivos, as mulheres foram aos poucos conquistando seus
espaços.
Em 1966, nos Estados Unidos, o termo Women’s Liberation
(Liberação das Mulheres) deu nome ao movimento feminista, que
liderou à época uma série de protestos – dentre eles, o
conhecido como Bra-Burning, o termo popularizado pela mídia como
“Queima dos Sutiãs”. O motivo da revolta era a exploração
comercial dos concursos de beleza.
No dia 7 de setembro de 1968, durante a realização do
concurso de Miss América, em Atlantic City, nos Estados Unidos,
cerca de 400 ativistas deste movimento jogaram sutiãs,
espartilhos, sapatos de salto alto, maquiagens, entre outros, no
espaço do concurso, que era visto como opressivo em relação às
mulheres.
Hall (2006) destaca como grandes características do
movimento feminista: (1) a contestação política: a família, a
sexualidade, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as
crianças, entre outros; (2) a subjetividade, a identidade e o
processo de identificação (como homens/mulheres, mães/pais,
filhos/filhas); como uma questão política e social (3) O que
começou como um movimento dirigido à contestação da posição
social das mulheres se expandiu para incluir a formação das
identidades sexuais e de gênero.
O feminismo desencadeou o movimento de liberação sexual,
marcado na década de 1960 pela criação da pílula
anticoncepcional. Uma das lutas do movimento feminista, o método
45
contraceptivo – muito usada para justificar a repressão sexual
feminina, a gravidez indesejada – começava a sair de moda. O
movimento defendia que a mulher pudesse exercer mais liberdade
de escolha de seus parceiros afetivos e o sexo deixasse de ter
apenas o objetivo da reprodução. O prazer, portanto, passa a ser
importante.
No movimento pela luta contra o racismo e pelo direito dos
negros, na década de 1960, nos Estados Unidos, foi criado o grupo
revolucionário “Os Panteras Negras”. Em sua criação, o grupo
visava patrulhar os bairros para proteger os moradores contra a
resistência policial. Eram fornecidas armas a todos do movimento,
e alguns militantes pediam a liberação de todos os negros das
penitenciárias americanas e o pagamento de indenizações às
famílias negras pelo período da escravidão.
Chegando a dois mil membros e com representações nas
principais cidades do país, os Panteras Negras tiveram seu
movimento enfraquecido. Isso se deu em função da resistência
armada que resultou em longos conflitos urbanos entre policiais e
panteras. O grupo chegou a renunciar às ações violentas e apenas
prestar serviços de assistência social em comunidades negras
pobres, mas logo se dissolveu.
Outro movimento pela luta racial de grande destaque foi
pelos direitos civis, liderado pelo pastor Martin Luther King Jr.
Sua corrente pacífica defendia a obtenção da igualdade racial e a
extensão do direito ao voto a todos os negros. Embora Luther King
46
tenha sido assassinado, a Lei dos Direitos Civis foi aprovada,
garantindo alguns direitos básicos para minorias raciais.
Para Giddens (1991), os movimentos sociais proporcionam
conjecturas de futuros factíveis e são em parte veículos para sua
realização. Entretanto, é preciso reconhecer, da perspectiva do
realismo utópico, que elas são as únicas bases de mudança que
podem conduzir a um mundo mais seguro e mais humano.
Junto a essas conjecturas são necessárias influências da
opinião pública, de políticas das corporações de negócios, dos
governos nacionais e de atividades de organizações
internacionais, para que se obtenham reformas básicas. Linhas de
pensamento que confluem para a humanização e subjetividade
social, como fala Duriguetto:
Assim, trabalha-se agora com a perspectiva de umapluralidade de ‘sujeitos sociais’ importantes, queindependente da classe social a que pertencem podemagora desenvolver mudanças viáveis, ainda que nolimite da sociedade capitalista. Em decorrência, tem-se a substituição dos conceitos de revolução e deemancipação pela ‘micropolítica’, ou seja, pelaspequenas lutas, sem centro e sem coordenação(DURIGUETTO, 2009, p. 7).
Após as ações históricas dos movimentos sociais, e inclusive
da Guerra do Vietnã, aos poucos a sociedade pós-moderna é vista
como se estivesse perdendo o sentimento de pertencimento e se
fragmentando, o que é percebido como consequência do modernismo.
(BAUMGARTEN, 2005).
47
2.2 Ciência Pós-Moderna
Por conta das mudanças nas formas de produção e acumulação
capitalista, o conhecimento se tornou uma mercadoria de
informação indispensável ao predomínio produtivo, em que este
“cada vez mais significava uma competição pelo poder”. (LYOTARD,
2009, p. 5)
A condição pós-moderna é a forma própria de conhecer uma
sociedade pós-industrial. Portanto, as teorias totais, conhecidas
como metarrelatos, não dão mais conta de uma sociedade que tem
uma rede de jogos de linguagem: econômica, política, cultural,
estética. Sendo assim, a ciência perde na pós-modernidade o
caráter de sistema absoluto e total de explicações da realidade e
os pensadores pós-modernos começam a ver a História como uma
troca constante de metanarrativas (sobre isso, ver LYOTARD, 2009;
NOVAES, 2006).
Se na era medieval o conceito de Providência fundamentava
que Deus determinava o destino e a compreensão da realidade, na
modernidade esta Providência era substituída pelo Progresso, por
conta dos sentidos terem superado a crença na divindade. Novaes
entretanto, destaca que “as contradições e decepções da
modernidade fazem com que o divino retorne ao centro das
atenções, fazendo com que o conceito medieval da Providência
volte à tona.” (2006, p.15),.
Conforme Dorneles (apud NOVAES, 2006), foi repassada à
geração pós-moderna um pessimismo e decepção com a ciência. Esta
decepção ocorreu por conta da tentativa de aniquilar o sagrado da48
sociedade moderna, trazendo assim alguns efeitos negativos do
progresso científico-tecnológico, tais como uma urbanização
desumana, desigualdade social, indústria de morte de armas e da
droga, entre outros.
Desta forma, as promessas da era da razão e da ciência
ficaram desiludidas pela sociedade. Foi nesta desilusão deixada
pela pretensão científica que ressurgiu todo o tipo de crença e a
recorrente busca pela sobrenatural da pós-modernidade. Assim
Na pós-modernidade, a inimizade de séculos e séculosentre ciência e religião abre espaço para umacooperação, na qual ambas procuram um diálogo muitomais amistoso e solidário entre as partes. No entanto,o retorno do sobrenatural na pós-modernidade não trataapenas de corrigir o enfoque antimetafísico ou anti-sobrenatural da ciência, mas também renovar suaepistemologia – dar-lhe um novo conceito, uma novaroupagem (NOVAES, 2006, p. 16).
Agora havia um desejo do sistema em investir na promoção
profissional, visto que a difusão dos novos saberes tinha um
interesse da própria nação em conquistar sua liberdade. Cada vez
mais investigações e pesquisas no campo da linguagem foram sendo
feitas, com o objetivo de conhecer a mecânica da produção e assim
se estabelecer compatibilidades entre as linguagens e a máquina
informática. (LYOTARD, 2009).
As pesquisas das universidades cada vez mais foram sendo
financiadas pelo Estado como uma instituição importante no
49
cálculo estratégico-político destes, visto que na condição pós-
moderna mostrou-se que sem o saber científico e técnico não se
tem riqueza (BARBOSA, apud LYOTARD, 2009).
Com investimentos no saber científico, despertado na era
pós-moderna, descobriu-se que a ciência era um modo de organizar,
guardar e depois distribuir certas informações. A ciência então é
vista como um conjunto de mensagens possíveis de serem traduzidas
em quantidade de informação. Para Lyotard,
Esta relação entre fornecedores e usuários doconhecimento e o próprio conhecimento tende e tenderáa assumir a forma que os produtores e os consumidoresde mercadorias têm com estas últimas, ou seja, a formavalor. O saber é e será produzido para ser vendido, eele é e será consumido para ser valorizado numa novaprodução: nos dois casos, para ser trocado. Ele deixade ser para si mesmo seu próprio fim; perde o seuvalor de uso. (LYOTARD, 2009, p. 4-5)
Na pós-modernidade cada vez mais as funções de poder são
retiradas do domínio de administradores e confiadas a autômatos.
Isto se deu por conta da mudança econômica no capitalismo,
auxiliado pela mudança das técnicas e das tecnologias seguindo em
paralelo, com a mutação de função dos Estados. Desta maneira,
forma-se uma imagem da sociedade que obriga a revisar com
seriedade o que estava sendo colocado anteriormente como
alternativa. Na visão de Lyotard, “a grande questão vem a ser e
será a de dispor das informações que estes deverão ter na memória
a fim de que boas decisões sejam tomadas.” (2009, p. 27).
50
A pós-modernidade está a par do binômio sujeito/instituição,
realizando assim relações como comunicações. Assim se desenvolve
a percepção de uma sociedade baseada em múltiplas relações,
percebendo-se dessa forma novas características e tendências em
maneiras de se socializar, permitindo assim aos indivíduos e
grupos se expressarem e se constituírem. (ALMEIDA, 2010, p. 5).
Este período vem positivamente envolvendo as pessoas no que
está sendo produzido na imprensa. Esse avanço ainda é tímido, mas
após a era moderna, no qual conceitos ideais e ditatoriais eram
plantados na cabeça da sociedade, aos poucos o público começa a
ter consciência que pode, de alguma forma, contribuir com ações
na sociedade. O povo sai da apatia e total poder do Estado e
começa a caminhar pelos próprios meios.
Constituída como uma sociedade da comunicação globalizada, a
sociedade dos mass media é caracterizada, conforme Vattimo (apud
ALMEIDA, 2010), pela importância capital dos meios de
comunicação. Com estes meios, em vez de desenharem uma sociedade
mais ilustrada e consciente de si, a desenham como uma sociedade
mais complexa e até caótica. Neste relativo caos, existe uma
esperança de emancipação.
A pós-modernidade foi essencial para que a sociedade desse
um primeiro passo na construção de uma imprensa mais
participativa. Este poder que o povo começava a ter nas mãos foi
despertado pelo conceito ideológico da pós-modernidade, pelas
características que o conceito traz, visto que o jornalismo se
tratava de uma profissão social. Como ressalta Amaral (2001), os
51
veículos de comunicação são instituições sociais, segundo as
quais sua destinação é a sociedade – embora os interesses nem
sempre coincidam com esta.
2.3 Escolas de Estudo em Comunicação
Os estudos nos aspectos econômicos e tecnológicos destes
meios de comunicação começaram através da Escola de Chicago, nos
Estados Unidos no final do ano de 1920 e início de 1930, também
conhecida como Escola Funcionalista. Nos estudos pesquisavam-se
os efeitos que os meios de comunicação causavam na sociedade.
Iniciada pelos sociólogos Lazarfeld, Lasswell e Merton, a
Escola de Chicago abordava que a comunicação tem como papel
principal a organização social. Dentre outras funções, estariam a
vigilância, a integração, a educação, o entretenimento e a
normalização.
De acordo com o funcionalismo, a sociedade deve serconsiderada como um organismo, um sistema articulado einterrelacionado, formado por partes, sendo que cadauma delas desempenha função de integração e manutençãodo próprio sistema. Afirma que os meios decomunicação, compreendidos como emissores deinformação, têm sempre a intenção de persuadir aosreceptores. (ALMEIDA, 2010, p. 2)
Se para os funcionalistas esse organismo social se
influencia mutuamente, ainda que o grau de influencia varie o
sociólogo funcionalista Charles Cooley destacou que todas as
partes ajudam a dar sentido a este organismo e a constituí-lo. Um52
exemplo disso é a opinião pública, no qual o indivíduo não existe
isolado do contexto social nem a sociedade é alheia a estes e
suas particularidades (SOUSA, 2006).
Outros estudos no campo da comunicação foram avançando pelo
mundo após a Escola de Chicago iniciar suas pesquisas. Na América
Latina, estes estudos deram seus primeiros passos, em 1959, após
o Centro Internacional de Estudios Superiores de Periodismo para
a América Latina (Ciespal), fundado em Quito, pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco),
Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo Governo do
Equador trazerem para o Brasil os estudos comunicacionais que
estava sendo desenvolvidos nos continentes Americanos e Europeus.
Mais do que inquietações científicas, foram demandas
políticas e sociais que impulsionaram a Escola Latino-Americana.
Afinal, este continente era marcado por dependência estrutural,
relembrando uma cultura do silêncio e da submissão, assim,
impulsionou a busca para compreender o que, nas palavras de
Berguer (2201, p. 241), “acontecia com a comunicação e demarca as
fronteiras do emergente campo de estudo”.
Inicialmente, as pesquisas Latino-Americanas, por conta da
influência das pesquisas desenvolvidas na Europa, traziam
características pessimistas, sombrias e conspiratórias, de forma
que quase todos seus produtos culturais eram a serviço da
dominação e hegemonia dos Estados Unidos. Em resposta a isso, a
partir da década de 1970 os pesquisadores latino-americanos
começaram a estudar políticas públicas de comunicação,
53
considerando a comunicação popular e o media alternativos (SOUSA,
2006).
2.4 Jornalismo Comunitário
Com as pesquisas em comunicação na América-Latina voltada
para as comunidades – por conta da realidade sócio-política,
econômica e cultural na região, onde havia uma carência de defesa
dos direitos dos cidadãos – foi desenvolvido o estudo da
comunicação popular, também chamado de jornalismo comunitário.
Segundo Pena (2005, p. 187), o objetivo do jornalismo
comunitário é atender às demandas da cidadania, de forma que
sirva como ferramenta de mobilização social. Além do mais, é
preciso que o jornalista que exerce a função comunitária,
enxergue esta comunidade como se fizesse parte dela, para que
haja uma “real apropriação dos processos de mediação pelo grupo”.
A importância de se aprofundar as investigações do meio
comunicativo em si mesmo e do jornalismo comunitário se dá em
função dos significados que este tem que dar à população.
Portanto, esta nova forma estabelecida de jornalismo nasceu como
um protesto expandido em pequenos jornais, rádio, vídeos, teatro,
entre outros.
Numa conjuntura em que vinha à tona a insatisfaçãodecorrente das precárias condições de existência deuma grande maioria e das restrições à liberdade deexpressão pelos meios massivos, criaram-seinstrumentos ‘alternativos’ dos setores populares, nãosujeitos ao controle governamental ou empresarialdireto. Era uma comunicação vinculada à prática de
54
movimentos coletivos, retratando momentos de umprocesso democrático inerente aos tipos, às formas eaos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles daestrutura então dominante da chamada ”grandeimprensa”. (PERUZZO, 1998, p. 114-115).
Visando substituir a fragmentação noticiosa, o jornalismo
comunitário propõe um envolvimento com a comunidade que ofereça
atenção a cada tema. Para isso, no contexto deste fazer
jornalístico é preciso haver sondagem direcionada ao povo a fim
de reconhecer suas prioridades e necessidades (SOUSA, 2006).
Assim, é proposto um confronto com políticos, jornalistas e
representantes da comunidade para que existam resultados
palpáveis.
Peruzzo (1998) utiliza a expressão “comunicação popular”
como sinônimo de “jornalismo comunitário”. Embora haja diferença
nos termos11, a autora explica que quando se fala de uma
comunicação popular se trata de uma comunicação do povo. Ainda
que outros significados sejam dados, é consensual apenas o que
tem a ver com povo12. Portanto, é a partir da definição do que é
”povo” que se define o que é comunicação ”popular” – “embora essa
categoria encerre a mesma problemática, podendo ser compreendida
de várias maneiras.” (PERUZZO, 1998, p. 116).
11 Conforme o dicionário Aurélio, popular significa: do, ou próprio do povo, oufeito por ele; simpático ao povo; vulgar, trivial. Já comunitário, significa:relativo à comunidade, sendo Comunidade a qualidade de comum; corpo social;grupo de pessoas submetidas a uma mesma regra religiosa.12 Povo, segundo definições do dicionário Aurélio, é um conjunto de indivíduosque falam a mesma língua, têm os mesmos costumes e hábitos idênticos, umahistória e tradições comuns.
55
Por ser a comunicação popular resultado de um processo no
qual grupos de camponeses ou trabalhadores discutiam entre si ou
com grupos similares, esta tinha características essenciais de
questão participativa voltada para a mudança social (PERUZZO,
1998). Percebe-se, assim, que os movimentos sociais tomam a
frente destas discussões mais participativas da sociedade,
inclusive trazendo-as para o jornalismo. Verificar que a apatia
popular estava sendo deixada de lado e a própria voz do povo
começava a incomodar, é arriscar dizer que o jornalismo, de fato,
começava a ter a autonomia e praticar sua grande função social
que é atender às necessidades da sociedade.
Conforme Sequeira e Bicudo (2006), o local é quem dá as
pautas ao jornalismo comunitário, assumindo e dando conta de uma
área restrita e, que comparada com a grande mídia, não se importa
em ser pequeno, em conversar com grupos limitados, em termos
quantitativos.
O fato de aproximar-se de seu público permite quedialogue com ele mais com profundidade e intensidade.Essa relação de proximidade, embora se manifesteessencialmente no plano geográfico - assuntos queestão mais perto da região onde vive a comunidadetendem a ter prioridade no noticiário -,pode também serevelar por meio daquilo que chamamos de ‘proximidadepor demandas ou expectativas’. Exemplificando:projetos culturais e sociais desenvolvidos nacomunidade terão destaque nos veículos por elaproduzidos; o mesmo raciocínio vale para cenários deviolência e exclusão, para problemas como o desempregoe a falta de escolas ou de postos de saúde. (SEQUEIRA;BICUDO, 2006, s/p.).
56
O jornalismo comunitário traz cinco características que
garantem personalidade, autenticidade e registros muito nítidos
de uma carga genética exclusiva, segundo Sequeira e Bicudo
(2006):
1. Valorização da realidade local;
2. Participação da comunidade durante todo o processo de
produção;
3. Consagração das ideias da mobilização e da transformação;
4. Resgate de um viés pedagógico e educativo;
5. Articulação com a produção independente e de resistência.
A participação do público na apuração dos problemas, para
possíveis exigências de soluções, foram essenciais no
fortalecimento da comunicação popular. Conforme Peruzzo (1998),
na comunicação popular os protagonistas são compostos por
representantes do povo ou as organizações a eles ligada
organicamente, quebrando assim a lógica da dominação,
compartilhando dentro do possível seus próprios códigos.
Neste caso, o jornalismo passa a ser visto como um
patrimônio da comunidade, pois a participação de pessoas comuns
está garantida. Conforme Sequeira e Bicudo (2006), esta prática
não é uma maneira sectária e seduzida por palanques e holofotes,
mas uma forma de se despertar a reflexão crítica de diversos
assuntos, através dos discursos e narrativas produzidas dentro
desta comunidade.
57
O jornalismo comunitário é acima de tudo um exercício de
democracia, pois permite aos comunitários a participação em
assuntos que não são mais ditados pela grande mídia, mas
construídos após debates e diálogos, inclusive tornando estes
conscientes de seus direitos e participantes da construção destas
notícias.
Para Peruzzo (2002), as pessoas que participam dos processos
comunicacionais firmados nas comunidades, tendem a mudar a
maneira de observar o mundo e se relacionar com ele, agregando
assim novos elementos à sua cultura. Isto acontece, porque a
participação neste processo é uma forma facilitadora de se
ampliar a cidadania, afinal, possibilita-se a transformação em
seres de atividades nas ações comunitárias e nos meios de
comunicação inventado, resultando em um processo educativo.
Apesar de toda militância, o jornalismo comunitário não
chega a se colocar como força superadora dos meios de comunicação
de massa, pois os dois são complementares e não excludentes. A
grande mídia não consegue suprir necessidades em nível de
comunidade e movimentos sociais organizados, mas se faz
necessária e importante quando o assunto é entretenimento e
informação (PERUZZO, 1998).
Uma das hipóteses para a grande imprensa não conseguir
alcançar as necessidades das comunidades, além da óbvia máquina
capitalista que impera por trás dela, pode ser visualizado em
Bauman (2001).
58
O autor fala que, quanto mais a comunidade precisa ser
defendida e apelar para seus próprios membros para que suas
escolhas individuais sejam protegidas, elas são demandadas de
outras questões. Seriam essas questões mais projetos que
realidades, ou algo que vem depois e não antes da escolha
individual.
Esse é o paradoxo interno do comunitarismo. Dizer “ébom ser parte de uma comunidade” é um testemunhooblíquo de não fazer parte por muito tempo, a menosque os músculos e mentes dos indivíduos sejamexercitados e expandidos. Para realizar o projetocomunitário, é preciso apelar às mesmíssimas (edesimpedidas) escolhas individuais cuja possibilidadehavia sido negada. Não se pode ser um comunitário bonafide sem acender uma vela para o diabo: sem admitir numaocasião a liberdade da escolha individual que se negaem outra (BAUMAN, 2001, p. 195).
Por isso é necessário cautela na edificação da identidade do
veículo comunitário, para que o cidadão se sinta como parte desta
construção. Pois grande parte dos meios de comunicação
comunitários têm o potencial de organização popular e trazer
conteúdos informacionais e culturais, e também podem possibilitar
a prática da participação direta neste processo. (PERUZZO, 2002).
Para Sequeira e Bicudo (2006), o jornalismo comunitário é
uma prática alternativa que trata de assuntos não tratados de
forma costumeira pela grande imprensa, a qual possui outra agenda
pública de discussões. Isso significa que, ainda que os assuntos
sejam abordados na grande mídia, certamente receberão dos
59
veículos comunitários, outros enfoques e tratamentos, voltados
para as demandas e realidades das populações menos favorecidas.
A importância desta forma de se fazer jornalismo é de fato
dar a função de agente social ao jornalista, e principalmente ao
povo, de forma que se provoque a participação deste.
2.5 Comunicação Popular Participativa
O conceito de comunicação participativa começou a ser
desenvolvido a partir de um paradigma que contém princípios do
marxismo com o do cristianismo, através da Igreja Católica, e
cuja metodologia de trabalho é inspirada em Paulo Freire13. A
comunicação participativa inclui: noções de luta de classes; a
existência da relação dominante/dominado na sociedade; a crença
na necessidade de transformação radical para construção de uma
sociedade igualitária. (TAUK SANTOS, 2002).
O diálogo, como forma de interação, na comunicação
participativa é visto como fator capaz de desenvolver a
consciência crítica das classes mais baixas através da
valorização do saber dessas na transformação da realidade.
No caso, a diferenciação da comunicação participativa para a
comunicação se dá em observar na informação um processo
unidirecional, cujo objetivo é a transmissão verbal e
13 Paulo Freire foi um educador e filósofo que defendia a PedagogiaLibertadora, relacionada à visão marxista do Terceiro Mundo e das consideradasclasses oprimidas, com a tentativa de esclarecê-las e conscientizá-laspoliticamente. As suas maiores contribuições foram no campo da educaçãopopular para a alfabetização e conscientização política de jovens e adultosoperários.
60
conhecimento. Portanto, “o diálogo passa a ser considerado a
comunicação soberana por excelência. [...] Só no autêntico
diálogo se dão as condições de uma verdadeira democracia.”
(PASQUALI apud TAUK SANTOS, 2002, p. 258).
Peruzzo levanta a questão dos meios populares serem ocupados
por poucos e estes fazerem interpretações das necessidades de
informações e de outras mensagens dos receptores. “Por isso,
convém não esquecer, como já dissemos, que tanto ‘participativo’
como ‘popular’ não qualificam necessária e automaticamente o
substantivo democracia.” (1998, p. 141).
Esse período caracterizado como participativo vivido a
partir da pós-modernidade operou levantamentos de quais tipos de
cidadãos ativos estavam sendo formados. Assim, em uma perspectiva
mais ampla de ação coletiva, Peruzzo (1998) destaca três
modalidades de participação popular:
1. Participação Passiva: Ainda que não se envolva em processos
decisórios – seja por censura ou por não acatar o que é
defendido e aceitar o que foi decidido – a pessoa desenvolve
um tipo de participação. “Ela consente, se objetiva, se
submete e simplesmente delega o poder da outra.” (PERUZZO,
1998, p. 78);
2. Participação Controlada: Esta pode ser manipulada, pois
inicia em uma pressão da própria base. “Assim, conquista-se
ou se ganha a possibilidade de fazer um ‘planejamento
61
participativo’ ou de ter parte nos lucros da empresa.”
(PERUZZO, 1998, p. 78-79);
3. Participação-Poder: Apesar de ser limitada, por nem sempre
se conseguir alcançar todas as decisões e atingir todas as
instâncias da estrutura política, a Participação-Poder tem
processos que favorecem a participação democrática, ativa e
autônoma.
Assim sendo, a comunicação participativa se torna
importante, porque ajudou a elevar o conceito de mudança social
ao patamar de transformação social, conforme ia se constituindo
em instrumento para viabilização de um conceito de
desenvolvimento criado, como processo de transformação estrutural
com grande participação popular (TAUK SANTOS, 2002).
Essa participação popular não se limitava à criação de
consciência política e social da situação, mas envolvimento em
produção, planejamento e na gestão da comunicação comunitária.
Nas mensagens enviadas à população – em forma de
entrevistas, depoimentos, denúncias e outros – a participação era
mais simples e pura. Porém, diversas vezes essa população
comunitária participava da produção destes produtos, mediante a
aplicação de conhecimentos aprendidos e qualificações técnicas.
A participação no planejamento dos meios era mais usual,
afinal estes viviam de fato os acontecimentos da comunidade, logo
havia comunicação nas reuniões de política editorial, objetivo,
formatação de programas, entre outros. Na gestão desses veículos,
62
por se tratar de um exercício de poder, há critérios de
representatividade e corresponsabilidade, pois se trata de uma
democracia. A esse respeito, Peruzzo declara que
Em todos esses níveis, a participação popular requer aexistência de canais de participação abertos edesobstruídos. Porém, não lhe basta isso. Há que seincentivá-la e facilitá-la mediante uma metodologiaque a privilegie enquanto processo que vai crescendoem qualidade. (PERUZZO, 1998, p. 145).
Esta bandeira levantada pela comunicação participativa não visa destruir outras formas de comunicação, mas democratizar o acesso a ela.
63
3 SOCIEDADE PARTICIPA ATIVAMENTE
As mudanças na era pós-moderna se estendiam também aos modos
comunicacionais, que iam da apuração de notícias até a forma de
distribuição destas. A sociedade como participante ativa da
comunicação foi influenciada por características da
globalização14.
De acordo com Thompson (2008), este modo de se comunicar
passa a acontecer em uma escala cada vez mais global, de forma
que informações são acessadas e mensagens são recebidas de fontes
distantes. Isso se dá por conta da separação entre o espaço e o
tempo, cisão operada pelos meios eletrônicos, tornando assim o
acesso às mensagens mais instantâneo ou virtualmente instantâneo.
Sobre isso, Thompson declara que:
Distâncias foram eclipsadas pela proliferação de redesde comunicação eletrônica. Indivíduos podem interagiruns com os outros, ou podem agir dentro de estruturasde quase-interação mediada, mesmo que estejamsituados, em termos de contextos práticos da vidacotidiana, em diferentes partes do mundo. (THOMPSON,2008, p. 135)
Processos simbólicos vão sendo alterados e novos modos de
relação vão surgindo por conta da revolução tecnológica. São
essas as formas de produzir notícias, alterando o modo de
14 Termo que se refere à crescente interconexão entre as partes do mundo,originando várias formas de interação e interdependência.
64
comunicar - e a transformando do conhecimento em uma força
produtiva direta (MOZZINI, 2010).
O avanço da globalização na comunicação foi impulsionado
pelo desenvolvimento de tecnologias capazes de transmitir
mensagens por ondas eletromagnéticas, criando assim uma
emergência das organizações nacionais e internacionais de
administrar este espaço. Estas mensagens eram cada vez mais
acessíveis, ainda que de forma heterogênea, a qualquer um que
estivesse ao alcance de sinal e com equipamentos para interceptá-
lo (THOMPSON, 2010).
Porém, este avanço só foi possível por conta de três
desenvolvimentos intrinsicamente interligados no século XX.
Primeiro, o uso mais frequente e melhor aplicado do sistema de
cabos que fornecia uma capacidade maior de transmissão de
informações eletronicamente codificadas. Segundo, o constante uso
de satélites para a comunicação a longa distância. Terceiro, o
crescente uso de métodos digitais para o processamento,
armazenamento e recuperação da informação.
De acordo com Thompson,
A digitalização da informação, combinada com odesenvolvimento de tecnologias eletrônicasrelacionadas (microprocessadores, etc.), aumentougrandemente a capacidade de armazenar e transmitirinformações e criou a base para a convergência dastecnologias de informação e comunicação, permitindoque a informação seja convertida facilmente paradiferentes meios de comunicação. (THOMPSON, 2010, p.145).
65
Compreende-se, então, que a técnica e a tecnologia se
apresentam como um espinho para o relacionamento entre o sujeito
e o meio. Afinal, conforme surge necessidade de produção de
conhecimento, para assim se desenvolver objetos técnicos e
artificiais, existe a necessidade de objetos e processos que
permitam mediações da relação de produção de conhecimento.
(XAVIER; SILVA, 2005).
3.1 Digitalização dos Medias
A mediação da produção de conhecimento começa a tomar forma
quando surge o computador e em seguida a internet15. Em 1946, nos
Estados Unidos, em plena Guerra Fria, surgiu o primeiro
computador chamado de Eniac (sigla de “Integrador e Computador
Numérico Eletrônico”). Como havia interesses bélicos, buscou-se a
partir daí criar a rede mundial de computadores. A internet foi
criada com o objetivo de se estabelecer comunicação caso houvesse
ataques inimigos e destruição dos meios convencionais de
telecomunicação.
Logo após a invenção, a empresa americana Bell Company cria o
Dataphone, que permitia que dois computadores se comunicassem
usando linhas telefônicas tradicionais. A partir daí, várias
atualizações foram feitas permitindo facilidade nesta comunicação
digital e ampliando as vendas desses computadores. Entre tais
atualizações estão: a invenção do microcomputador; a transmissão
15 Uma rede de computadores conectados que trocam informações.
66
de sinais de telecomunicação entre Estados Unidos e Europa;
surgimento do vídeo-disco; a operação do Ministério da Defesa dos
EUA criando a primeira rede da internet e, então, o surgimento do
microprocessador.
Por meio dos computadores foi possível desenvolver a
convergência midiática, inclusive esta foi iniciada em um projeto
militar norte-americano com a intenção de simular ambientes e
distribuir pessoal no espaço. Esta transferência à realidade,
permitiu, com a computação gráfica, a multimídia possível ao meio
digital.
Na história da mídia, o computador é o grande ponto chave da
evolução tecnológica, pois ele deixa de ser usado apenas como
máquina de calcular e como objeto de escritório, para executar
vários serviços no campo da comunicação (e também em outros
campos). Os novos serviços foram sendo convergidos e, para que
eles fossem melhor difundidos, foi necessário baratear o preço de
forma que estes tivessem mais fácil acesso.
Apesar das vendas dos computadores terem aumentado, o acesso
à internet só foi facilitado em 1989, quando as empresas Time
Inc. e Warner Bros se juntaram e criaram a teia global World Wide
Web16. Conforme nos explica Estrázulas, “no princípio, as ligações
da rede utilizavam o sistema da telefonia fixa com fios de cobre.
Depois surgiram os cabos de fibra óptica que melhoraram a
qualidade e a largura de banda de transmissão.” (2010, p. 56).
16 Um modo de acesso à informação através da internet usando o hypertexttranfer protocol (http) e os navegadores da web.
67
Castells (2003) afirma que o uso da Internet como sistema de
comunicação e forma de organização foi tão grande no segundo
milênio que, em 1995, primeiro ano de uso da World Wide Web, o
número de acessos chegava à aproximadamente 16 milhões de
usuários por computador no mundo. Este defende que
A influência das redes baseada na Internet vai além donúmero de seus usuários: diz respeito também àqualidade do uso. Atividades econômicas, sociais,políticas, e culturais essenciais por todo o planetaestão sendo estruturadas pela Internet e em tornodela, como por outras redes de computadores. De fato,ser excluído dessas redes é sofrer uma das formas maisdanosas de exclusão em nossa economia e em nossacultura. (CASTELLS, 2003, p. 8)
Desta forma, a internet permitiu uma nova maneira de
interação social. Trata-se de uma apropriação de invenções pelo
próprio tempo no qual estas surgem. Se com o surgimento da
imprensa de Gutenberg, alternativas para a expansão da
comunicação – como a tradução de conhecimento do espaço privado
para o espaço público – foram criadas, o meio digital foi sendo
apropriado e modificado para que esta comunicação se propagasse
também. Neste meio digital, um novo valor foi dado às
informações. Embora se tratasse de tecnologias, valores foram
dados aos princípios físicos destes – este foi o caso do
princípio físico do meio digital: o bit.
Conforme Negroponte (1995), esse bit sofreu uma
ressignificação socioeconômica-cultural possibilitada pelo meio
68
digital de forma que o bit não tem cor, tamanho ou peso e ainda
tem a capacidade de viajar à velocidade da luz.
A partir daí, o bit começa a armazenar informações que têm
valores muitas vezes imensuráveis dependendo de quem as
pertencem. Levy defende que quando a subjetividade, a pertinência
e a significação entram no jogo “não se pode mais considerar uma
única extensão ou uma cronologia uniforme, mas uma quantidade de
tipos de espacialidades e de duração.” (1996, p. 22).
O cenário criado com a digitalização dos medias se
potencializou por conta da circulação de informações das
estruturas labirínticas de redes, bem como a multiplicação de
mídias fundamentada em uma única plataforma de linguagem, a
digital. Entretanto, mais do que dilatar as possibilidades de
emissão e recepção de informações, através da plataforma digital
se iniciou uma conversa global que influenciou as relações
sociais e as áreas do conhecimento. (CARNIELLO e ZULIETTI, 2007).
No princípio, a multimídia era usada para migrar músicas ao
sistema binário. Nesse período se criou o CD-ROM (Compact Disc - Road
Only Memory). Esta criação foi vista como um ótimo potencial para
se alavancar as indústrias capitalistas, que passaram a explorar
o mercado consumidor e a investir em tecnologia digital.
Esse investimento teve grande importância para que outros
meios aderissem ao campo da digitalização. Em 1978, o Laboratório
de Media do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
desenvolveu um projeto que convertia as gravações analógicas das
69
ruas da cidade de Aspen em vetores digitais, permitindo assim
interação dos usuários com o sistema.
O projeto permitiu que os meios de comunicação e a indústria
de cultura notassem o rumo digital que o novo mundo tomava. Essa
convergência digital dava mais qualidade aos meios, tanto no
sentido técnico quanto nas formas de atrair consumidores para
estes. Segundo Briggs e Burke (2006), as novas tecnologias
permitiriam opções mais ricas no que se refere a ver e ouvir e de
quando ver e ouvir, tornando, mais do que nunca, os espectadores
e ouvintes em “clientes”.
Mesmo que as tecnologias dessem passos colossais na produção
da notícia, naquele contexto o trabalho do jornalista ainda era
segmentado. Ainda existiam funções específicas, pois havia um
profissional para cada trabalho exercido. Por exemplo, no
jornalismo televisivo, cinegrafista e fotógrafo para captura de
imagens, produtor para auxiliar o repórter na elaboração de
matérias e repórter para única e exclusivamente realizar a
matéria.
Quanto ao papel do público, ele passava a receber uma
qualidade melhor nas imagens e sons de suas televisões e rádios,
mas ainda era constituído de meros espectadores. Mais à frente,
com a popularização de meios de produção de notícias, estes o
público passará passarão a utilizar estes meios digitalizados
como forma de contribuir na produção da mídia.
No final da década de 1980, surgiram os primeiros
equipamentos transformadores de dados magnéticos de imagem e
70
áudio em digital, conhecidos como placas de captura. Em paralelo
a essas placas, foram desenvolvidos softwares de edição digital
usados para imagem e áudio. Nesta edição, as imagens não eram
rodadas em modo cronológico, sendo o processo então classificado
de de edição não linear. Após essas atualizações digitais foram
inventados aparelhos que dispensassem o uso da placa de captura e
fossem autossuficientes em sua existência de forma digital. Assim
foram criados os gravadores de voz, câmeras fotográficas e
câmeras de vídeos.
Com a digitalização destes processos as novidades pareciam
sempre mais atraentes para o público, então se exigiu uma
reinvenção do que já tinha sido descoberto. Quanto a isso,
Estrázulas (2010) declara que
O jornal se reinventou com o aparecimento do rádio. Jánão bastava dar a notícia, porque isso o rádio faziainstantaneamente. Era necessário o aprofundamento, umaanálise, a adição de mais imagens e outras conexões.Com o surgimento da televisão, o rádio se reinventa ebusca na qualidade das FM o meio ideal para transmitirentretenimento musical; e no alcance das AM atransmissão de informações às populações maisdistantes. (ESTRÁZULAS, 2010, p. 59)
A evolução das tecnologias e a digitalização dos processos
influenciam diretamente no jornalismo e nos seus profissionais.
Com a popularização da internet essas mudanças foram mais
significativas. Assim, o repórter que antes saia para as pautas
com um fotógrafo, um produtor e um cinegrafista nos tempos
71
atuais, na maioria das vezes, sai apenas com outro profissional
apenas e seu celular a tiracolo.
Um exemplo são os portais de notícias online que exploram
bastante essas multitarefas do repórter. Se antes cinco
profissionais de jornalismo eram necessários em uma pauta,
atualmente, na maioria das vezes, apenas o repórter dá conta de
apurar os fatos, registrar o áudio e as imagens e ainda enviar
para o editor na redação, através do celular.
É o que acontece, por exemplo, no Portal D24AM17 onde o
repórter, na maioria das vezes, inicia sua apuração entrevistando
ou registrando através de imagem e áudio o fato, passando, em
seguida, o material para o editor através de mensagem de celular
e, na redação, o editor trabalha a matéria e a publica.
Mas essa característica não é exclusiva dos portais de
notícias online. Com a digitalização dos aparelhos, é possível
que essa urgência também aconteça no jornalismo televisivo. Isso
acontece, por exemplo, na emissora Record News18, na qual o
repórter, junto do seu cinegrafista, apura e registra a notícia
e, em seguida, envia um motoboy da empresa até o local da
apuração em busca do microchip da câmera, levando-o até a ilha de
edição do jornal, para que a notícia entre a tempo no ar.
Ainda há casos nos quais as funções são mais reduzidas, como
os portais G119 e UOL20, veículos nos quais os próprios repórteres
17 Portal de notícias de Manaus: www.d24am.com 18 Empresa jornalística televisiva. 19 Portal de notícias nacional: www.g1.com 20 Portal de notícias nacional: www.uol.com.br
72
são responsáveis pela redação e edição do texto, a fim de
agilizar o processo e não “levar furo” dos concorrentes.
Esse acúmulo de funções de repórter, editor e revisor,
fotógrafo e videorrepórter se caracteriza como uma urgência das
empresas pela notícia, e claro, o mais importante, a diminuição
dos custos para estas. Mas não são apenas essas mudanças
estruturais que o jornalismo vem sofrendo por conta da urgência e
pelo consumo de notícias, característica de uma sociedade pós-
moderna.
Bauman declara que
O consumismo de hoje [...] não diz mais respeito àsatisfação das necessidades – nem mesmo as maissublimes, distantes (alguns diriam, não muitocorretamente, ‘artificiais’, ‘inventadas’,‘derivativas’) necessidades de identificação ou aauto-segurança quanto à ‘adequação’. Já foi dito que ospiritus movens da atividade consumista não é mais oconjunto mensurável de necessidades articuladas, mas odesejo - entidade muito mais volátil e efêmera, evasivae caprichosa, e essencialmente não-referencial que as‘necessidades’, um motivo autogerado e autopropelidoque não precisa de outra justificação ou ‘causa’(BAUMAN, 2010, p. 88).
Nesta fase de digitalização dos meios de produção da
notícia, o público começa a participar mais ativamente através
dos feedbacks que dão às emissoras pelo telefone ou e-mail da
redação, que passam a ser divulgados nos programas ou páginas.
Com a integração dessas diferentes ferramentas de interatividade,
o público ganha um espaço para dar palpites e sugestões.
73
Esta participação do público no jornalismo ocorreu
justamente por conta das transformações no uso da internet. Aos
poucos o público vai se percebendo como parte da construção
dessas notícias, principalmente pelo interesse desses meios em se
tornar interativo. Neste momento, a sociedade tem a possibilidade
de se informar, tecer comentários sobre o que assistiu e ainda
interagir com a produção das empresas de comunicação através da
internet e/ou do telefone sugerindo pautas ou direcionamentos
para as matérias.
Como ressalta Guzzi (2006), por conta da emergência da
Internet e da Web em 1994, elementos totalmente inéditos foram
introduzidos na sociedade, promovendo assim uma revolução do
espaço público caracterizada pela possibilidade da interconexão
geral, a desintermediação e a comunicação de todos com todos.
Com a chegada da Internet, e a conseqüentedisponibilização de informações online, pode-se dizerque uma experiência em democracia mais abrangente,globalizada, vai sendo compreendida. Com isso,estudiosos no mundo todo discutem o aperfeiçoamentodos mecanismos democráticos. Cada vez mais aparticipação pública em tomadas de decisão no âmbitogovernamental é considerada parte de uma definição quevem sendo necessariamente vinculada à democracia.Sendo assim, é possível que a própria democraciaesteja se aperfeiçoando, como tantos pesquisadoresafirmam, na medida em que novas tecnologias deinformação e comunicação vão sendo criadas (GUZZI,2006, p. 31).
Vacas (2010) encara esta evolução digital como um incentivo
a mais para o público que sente a necessidade de transmitir,
74
compartilhar com alguém e até debater com os outros variados
assuntos divulgados na mídia, assumindo assim a axioma de que é
impossível não se comunicar. O autor observa ainda que não foi só
a potencialidade tecnológica do novo tempo que atraiu o público,
mas o custo menor se comparado a ferramentas tecnológicas
anteriores.
Com todas essas mudanças, a digitalização dos espaços também
foi alcançada promovendo que meios clássicos convergissem para a
internet. Os jornais impressos mudaram sua diagramação para algo
que imitasse a navegação na web, inclusive com mosaicos e
gráficos; os rádios alcançam seu formato digital, no qual o
ouvinte, além de ouvir a música, pode acompanhar a letra, caso
tenha um aparelho decodificador; e com as televisões novos
padrões de transmissão foram criados para suportar a TV digital,
melhor em imagem, som e interação.
Sobre isso, Estrázulas ressalta que:
O meio digital se apropriou das formas perceptivas ese transformou num meio sinestésico, mas que a desejodo consumidor pode alcançar profundidade em qualquernível de informação. Tudo isso graças ao emaranhado deuma rede que liga interlocutores digitais. Há, em todoesse universo digital, um representante perfeito dessaconvergência. (ESTRÁZULAS, 2010, p. 61).
As novas funções das mídias digitais (internet e suas
diversas ferramentas como blogs, podcasts, wikis e telefones
celulares com múltiplas funções) são chamadas por Lemos (2007) de
pós-massivas. Estas funcionam a partir de redes telemáticas em
75
que qualquer pessoa pode produzir informação independente de
manter relações diretas com empresas ou conglomerados econômicos.
As redes massivas tem um fluxo centralizado de informação pelas
empresas que competem entre si e são dirigidas às pessoas que não
se conhecem e possuem limitada possibilidade de interação.
Lemos (2007) destaca as funções massivas e pós-massivas que
existem tanto na mídia analógica quanto na digital. De acordo com
o autor, não existe uma dualidade simples, mas uma reconfiguração
do sistema. Isto se dá em virtude de existir na internet funções
massivas – como a TV pela Web, os grandes portais ou máquinas de
busca – e pós-massiva, com os blogs e podcasts. Lemos (2007)
destaca em seu artigo as mudanças socioculturais alcançadas na
cultura pós-massiva das tecnologias digitais. Segundo o autor,
tais mudanças provocaram uma:
Estrutura midiática ímpar (com funções massivas e pós-massivas) na história da humanidade onde, pelaprimeira vez qualquer indivíduo pode produzir epublicar informação em tempo real, sob diversosformatos e modulações. (LEMOS, 2007, p. 126)
Isso tudo além de poder construir pontes em rede com outros
conectados.
Hoje percebemos que vários portais de notícias mesclam suas
funções massivas com as pós-massivas. A maioria deles, além das
notícias publicadas, realizam chat’s com convidados especiais com
os quais o público pode interagir, disponibilizam blogs com
76
assuntos variados bem como divulgam podcasts com entrevistas,
entre outras formas de interação.
Desta forma, são criadas nas cidades contemporâneas “zonas
de controle de emissão e recepção de informação digital do
indivíduo, em mobilidade e no espaço público, potencializando
novas práticas sociais” (LEMOS, 2007, p. 128). A rotina do
jornalista, neste novo processo, é de conectar-se a seus chefes e
fontes por intermédio de smartphones, além da mudança em seus
múltiplos horários de carga de trabalho. Dessa forma, a linguagem
digital concentrada em uma plataforma única permitiu que as
mídias se complementassem por parte dos comunicadores e
contribuíssem cada vez mais para a construção de locais
comunicacionais mais democráticos.
3.1.1 A Mobilidade das Mídias
Um dos ingredientes fundamentais para o desenvolvimento das
redes digitais foi a telefonia móvel, que teve suas conexões
intensificadas. Em destaque as conexões de tecnologias sem fio
foram responsáveis por esse avanço, pois permitiram uma interação
maior do público com os processos de comunicação.
Os celulares com tecnologia avançada obtiveram novas
funções além de ligação, mensagem de texto e mensagem de voz. A
distância entre as pessoas foi se tornando cada vez mais
reduzida, pois as novas tecnologias permitiam captura de fotos e
vídeos e através do acesso à internet o compartilhamento de
músicas e documentos, console de jogos e acesso ao correio
77
eletrônico. Dessa forma, essas mudanças se mostravam como
extensões de funções que apenas os computadores desempenhavam.
Ao final as imagens, antes espaçadas na tela datelevisão, juntam-se e tomam a forma do aparelho. Soba inscrição: Seu mundo num único lugar. Mais do queexplicar os motivos que a convergência apresenta paraeleger o telefone móvel como signo dessa revolução, apropaganda elenca dezenas de atividades que podem serrealizadas com um único aparelho tecnológico. [...]Quando a indústria telefônica condensa todas essaspossibilidades ao aparelho móvel, torna-seirresistível ao multiconsumo não se digitalizar também.(ESTRÁZULAS, 2010, p. 61)
Esta crescente digitalização dos meios, principalmente da
telefonia móvel, permitiu um barateamento dos aparelhos digitais,
de forma que eles se tornaram mais acessíveis, crescendo, assim,
o número de usuários. Um exemplo disso no Brasil é que até o mês
de outubro de 2013, conforme dados da Agência Nacional de
Telecomunicações21, havia 269,9 milhões de celulares. Sendo assim,
fica claro que o país tem mais celulares do que habitantes,
conforme registrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em agosto de 2013, com um pouco mais do que
201 milhões de pessoas.
3.2 Usuário como gerador de conteúdo e as Mídias Sociais
21 Dados retirados do site Teleco. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/ncel.asp>. Acesso em: 12 out. 2013.
78
Com todas as tecnologias voltadas para os dispositivos, o
que se tem atualmente é um usuário gerador de conteúdo (UCG22).
Ser gerador de conteúdo, conforme Vacas (2010), consiste em
pensar teoricamente que todos os bits são tratados sem
privilégios. Assim sendo, os conteúdos passam a ser produzidos
por usuários, porém não são classificados conforme os critérios
da mídia tradicional (séries, filmes, notícias, jornais, livros,
etc), os diferenciando então da produção mainstream.
Conforme Vacas (2010), apesar de todos poderem criar
conteúdos o que define como UCG é a vontade de seu criador em
publicar, de fato, sua publicação, tornando possível o acesso
público. Outra definição dada pelo autor é a diferenciação dos
conteúdos. Por exemplo: uma mesma notícia dada por vários canais,
produzidas, na maioria das vezes, segundo interesses da empresa
impõem cerceamento nas informações, impedindo que estas sejam
publicadas. O mesmo fato, com acréscimo desta informação cerceada
por algum usuário na rede, agrega um novo valor à informação,
criando-se um novo produto.
A terceira característica do UGC, defendido por Vacas
(2010), diz respeito à existência de um trabalho criativo e com
nenhuma fonte de circuito profissional. Assim sendo, tanto os
profissionais de comunicação podem ser considerados UGC quanto
usuários esporádicos com poucos conhecimentos práticos que usam a
internet para publicar material não comercial.
O UGC encontra em blogs e redes sociais, tais como Facebook,
Twitter e YouTube, uma forma de publicar seu material. Segundo22 Contenidos Generados por Usuário (UGC).
79
Carvalho in Brambilla (2011), as possibilidades da era digital
tornaram o público fonte de informação, permitindo, inclusive,
que em algumas vezes seja noticiado o ocorrido antes dos veículos
de referência.
Outra mudança é destacada por Ricordi (2012), que atribui
significação na convergência dos veículos e dos meios para as
reportagens multimídias, surgidas com o avanço da tecnologia na
informática e no uso da rede mundial de computadores. Por conta
disso, o público começa a ser tratado como colaborador.
Um exemplo são as sessões oferecidas nos portais de
notícias, como na ‘Vc no G1’do G123. Ao explicar como participar,
o portal coloca como condições e dicas:
1. O envio de um vídeo e até seis fotos por vez, porém o
usuário pode participar quantas vezes quiser;
2. Estado, cidade e data de quando o vídeo foi gravado ou a
foto tirada;
3. O conteúdo pode ser usado na Globo e na Internet. Na web, o
vídeo ficará publicado durante seis meses; suas fotos e
texto podem ficar disponíveis por tempo indeterminado;
4. Fornecimento de detalhes, para que se entenda melhor o
conteúdo colaborativo;
5. O que você está falando, o assunto que está abordando, onde
isso está ocorrendo, o porquê e como (o famoso lead);
23 Site de notícias do Grupo de Comunicações Globo. Disponível em:<http://g1.globo.com/>. Acesso em: 22 nov. 2013.
80
6. Descrição no texto das cenas que aparecem nas imagens, caso
elas também sejam enviadas;
7. Ser direto e simples ao contar a história. Realizar um
roteiro antes da gravação de um vídeo pode ajudar;
8. Verificar a nitidez do áudio e imagem do seu vídeo. Uma boa
iluminação é importante para a qualidade da imagem.
Percebe-se que as condições e orientações da participação do
usuário no portal é uma aula sucinta de técnicas do texto
jornalístico. Conforme Carvalho (in BRAMBILLA 2011), a adoção na
produção dos conteúdos e de inclusão do público em coberturas de
notícias foi um dos métodos encontrados pelas empresas
jornalísticas. Sobre essa questão, Vacas defende que
Os UGC se movimentam consideravelmente melhor que osconteúdos majoritários no novo mercado hipersegmentadosurgido da digitalização das antigas redes dedistribuição, já que sua essência é o nicho. Oparadoxo atual é que, embora esta premissa sejaverdadeira, também ocorre que só têm inserçõessignificativas os produtos mais reconhecidos pelosusuários, ou seja, aqueles provenientes dos antigosmeios. A atuação situação descreve perfeitamente umponto sem retorno já que é difícil imaginar uma redesem UGC, ainda que às vezes pareça improvável quedesapareçam os conteúdos clássicos. É por isso que osgrandes editores de conteúdo na Internet oferecem umamescla rentável entre uns e outros com maiorporcentagem de conteúdos produzidos por usuários jáque estes são gratuitos. (VACAS, 2010, p. 51-52,tradução nossa).
81
Se antes a participação do público se limitava a sessões dos
vários meios de comunicação, com as mídias sociais foram
potencializados a produção, distribuição e compartilhamento
dessas mídias. Assim, as redes sociais conseguiram atingir mais
pessoas de forma mais rápida, pois criaram redes que estão
permanentemente conectadas e por onde circulam informações de
forma síncrona (como nas conversações, por exemplo) e assíncrona
(como no envio de mensagens). (RECUERO in BRAMBRILLA, 2011)
Com as redes sociais e o advento das tecnologias houve uma
revolução na forma de circulação da informação, pois antes ela
era filtrada e repassada. A que era repassada, era conectada à
conversação, no qual era debatida, discutida e, assim, gerava a
possibilidade de novas formas de organização social baseadas em
interesses coletivos. (RECUERO in BRAMBRILLA, 2011)
Essa revolução permitiu avanços nas discussões de assuntos
públicos. Se o conceito de espaço público elitista, conforme
Habermas (2003), considerava apenas para cafés e bares a
importância de se discutir assuntos que também tinham a ver com a
sociedade em geral, o espaço público na era digital ainda era
elitista, afinal o acesso, apesar de ter agora grandes
proporções, de longe chegava às minorias.
Mas de fato, se tratava de um novo comportamento antes
cerceado pelos próprios meios de comunicação e pelo Estado. Um
exemplo desse comportamento foi observado no ano de 2009, na
cidade de Manaus, período no qual grupos formados no microblog
Twitter se mobilizaram para discutir leis que eram aprovadas na
82
Câmara Municipal e manifestaram péssimas impressões ao prefeito
da época, Amazonino Mendes, e aos vereadores que teriam aprovado
a lei da Taxa do Lixo.
No caso ilustrado, o usuário participa de parte da produção
destas notícias, não somente por pautar notícias através das
redes sociais, mas também por registrá-las até antes da
imprensa. Sem contar que o comportamento dos usuários na rede
começou a servir de tema para pesquisas de pautas, no qual se
filtrava o assunto mais comentado. Um exemplo é o microblog
Twitter, no qual muitas vezes o Trending Topics (assuntos mais
comentados do dia) é transformado em pauta (a respeito disso,
confira Figura 1 e Figura 2).
Figura 1 - Página de notícias do portal JusBrasil.
83
Fonte: Disponível em:<http://mpf.jusbrasil.com.br/noticias/100563230/mobilizacao-no-twitter-contra-pec-37-esteve-entre-os-trending-topics-nesta-terca-feira >.Acesso em:
Figura 2 - Página de notícias do portal Estadão
Fonte: Disponível em:<http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,ministro-celso-de-mello-vira-trending-topic-no-twitter,1074067,0.htm >. Acesso em: 13 deset. 2013
O que se percebe com as novas mídias é que muitas vezes,
dependendo do assunto que é pautado no Trending Topics, as pautas
diárias são elaboradas por usuários e não pela imprensa. Isso não
significa apenas um lado otimista de toda essa revolução digital.
Ferramentas, como o YouTube24, segundo Burgess e Green (2009),
possuem fraquezas em seus modelos, pois as pessoas não aprendem
24 Rede social que permite que usuários carreguem e compartilhem vídeos.
84
necessariamente o que precisam para expressar o que querem. Mas
isso requereria estudos, discussões e ações para o futuro, pois o
momento agora é perceber e avaliar de que forma a revolução
digital contribuiu para a participação pública na imprensa.
3.3 Jornalismo Participativo
Cada vez mais que as redes se tornavam interativas e
incentivavam o público a fazer parte delas, surgia uma mídia mais
participativa. Conforme Savi (2007), esta mídia bidirecional
permitiu a abertura de um espaço para o público participar
ativamente de processos de produção e disseminação de informações
e notícias, criando-se assim termos como jornalismo open source,
jornalismo cidadão e jornalismo participativo.
O termo jornalismo open source foi empregado, em uma de suas
primeiras vezes, no site Slashdot525, uma comunidade online com
interessados em informática que discutiam, em forma de fóruns e
websites, as notícias e acontecimentos sobre tecnologias da
informação. Esse modelo de jornalismo foi classificado como open
source por conta de agrupar amantes da informática, sendo então
comparado com o processo open source de desenvolvimento de
software, nos quais programas de computadores eram
disponibilizados com o código-fonte aberto, para possibilitar que
comunidades de usuários avançados analisassem as linhas do
programa, corrigissem falhas e implementassem melhorias (SAVI,
2007).
25 Disponível em: <http://www.slashdot.org >. Acesso em: 19 nov. 2013.
85
Só depois o termo jornalismo open source foi usado como
descrição de novas formas de publicação online, que surgiam e
garantiam formas mais acessíveis ao público em geral. Os blogs e
wikis26, sendo usados por pessoas que não tinham conhecimentos
específicos de informática ou programação, permitiam que mesmo
assim elas pudessem publicar informações na internet. “O termo
open source não estava se referindo ao ‘código fonte’ de uma
matéria ou notícia, mas ao livre acesso às ferramentas de
publicação.” (SAVI, 2007, p. 29).
O termo jornalismo open source era bastante relacionado à
informática. Por isso, vários autores preferem usar jornalismo
cidadão (citizen journalism) ou jornalismo participativo (participatory
journalism) quando o assunto se refere à publicação de notícias,
conteúdos e informações realizada por pessoas que não eram
jornalistas profissionais.
Por um lado o termo jornalismo open source parece tersido adotado primeiro, contando com a ajuda tanto dosite Slashdot quanto dos entusiastas por tecnologia esoftware de código aberto. Por outro lado os termosjornalismo participativo e jornalismo cidadão acabaramtendo maior disseminação e hoje são mais adotados,talvez porque, diferentemente da palavra open source,originária de um campo bastante especializado como odesenvolvimento de software, sejam conceitos decompreensão mais fácil e intuitiva para a maioria daspessoas. (SAVI, 2007, p. 30).
26 Vocábulo de origem havaiana traduzido como comunidade, social, utilizadodentro das mídias sócias para construção coletiva.
86
O termo jornalismo cidadão foi validado por players – dentro
da mídia de massa – após a criação do jornal sul-coreano
OhmyNews. Em várias partes do mundo o público era visto também
como um repórter, de forma a despertar assim um olhar seletivo
diante da realidade. Posteriormente, a consciência dos cidadãos
de usarem seus celulares para registrar os fatos e depois passá-
los aos canais com sessões colaborativas de sites jornalísticos,
foi amadurecida com a popularização das iniciativas dos veículos
em tornarem-se abertos às contribuições do público. (BRAMBRILLA,
2011).
Entre os anos de 2006 e 2008, a sessão disponível para
participação do público deixou de ser um diferencial e passou à
obviedade. Por isso que as redes sociais nesta época passaram a
ser muito mais utilizadas, acessadas e focadas para produção de
conteúdo. Por exemplo, os conteúdos produzidos no YouTube,
Twitter, Flirck e Picasa iam além dos sites de relacionamento
Orkut e Facebook, fazendo com que os usuários agreguem valor ao
conteúdo, que estes estão disponibilizando, e circulando na rede
na forma de capital social. (BRAMBRILLA, 2011).
Percebe-se na forma que o público se comporta nas redes
sociais quando agrega valor às suas publicações tipo de
comportamento estimulado pelas próprias redes de comunicação.
Sobre isto Brambrilla (2011) diz que
Se até então o usuário batia na porta de um veículooferecendo o seu conteúdo para publicação, agora é oveículo que deve correr atrás do usuário em busca deum conteúdo diferenciado e com alto teor de
87
noticiabilidade. [...] Além da busca de pautas epersonagens, o jornalismo nas mídias sociais aproximaainda mais o jornalista do seu público, tornando ocontato humano tão possível quanto necessário.(BRAMBRILLA, 2011, p. 99)
Além de ser impulsionado pela curiosidade, tragédias e
grandes acontecimentos, o público também se sente motivado a
participar da produção da mídia quando insatisfeitos com os
conteúdos publicados na mídia tradicional, queixando-se de falta
de aprofundamento, imprecisão e/ou erros nas matérias (PRIMO e
TRÄSEL, 2006).
Embora o público tente preencher a mídia tradicional com
questões que muitas vezes não são pautadas, e quando são os
interesses empresariais prevalecem, para Brambrilla (apud MÉDOLA
e GRZESIUK, 2010) é necessário que se tenha um profissional
mediador e uma autoridade para dar credibilidade aos assuntos
debatidos pelo público. É necessária cuidar da edição do
conteúdo gerado pelo público, de forma que se valide a
intervenção do público e ainda se garanta a credibilidade das
notícias, observando-se a veracidade dos fatos passados pelo
público.
Isso tudo se faz necessário por conta da forma que o público
foi sendo tratado desde o surgimento da imprensa. Afinal, o
Estado usava esta como forma de cercear algumas informações e até
manipulando-as a seu favor. Ignorando que a participação pública
na divulgação de notícias, informações, de forma que contribuísse
88
com a imprensa, teria que desde o seu início existir como um
exercício de cidadania.
3.4 Cobertura Colaborativa
Com a característica do jornalismo participativo, no qual o
cidadão contribui com a produção de notícias, a cobertura
colaborativa, além da cooperação entre profissionais e amadores
apresenta, conforme Quadros (2010), as seguintes
particularidades:
1. Utilizando a internet para divulgar as informações, é
realizada através do coletivo, dando valor aos diversos
olhares acerca de um único evento;
2. Os participantes de uma cobertura colaborativa têm liberdade
para produção de materiais conforme seu domínio e utilizando
as ferramentas de sua preferência. Porém, é necessário que
haja possibilidades de trabalho em grupo, experimentando e
aprendendo novas formas. “O conhecimento individual quando
somado aos demais conhecimentos permite que, em uma
cobertura colaborativa, as informações sejam divulgadas de
maneira variada”. (QUADROS, 2010, p. 23);
3. Por serem os conteúdos reflexo de carga de experiências e
criatividade de quem os produz, a autoria das produções são
preservadas. A ideia é de que o cidadão deva desenvolver o
trabalho participativo, de forma que possa utilizá-lo em seu
89
aprendizado ou como forma de divulgação na internet de suas
produções, como em portfólios;
4. Os formatos de mídias são variados (texto, fotografia, vídeo
e áudio) para transmitir as informações. Todas estas podem
ser desenvolvidas isoladamente (utilização apenas de vídeos
para cobrir um show, por exemplo) ou em convergência, por
muitos suportes midiáticos;
A definição de cobertura começa a ser bastante usada após
ser firmada a Associação Brasileira de Festivais Independentes
(ABRAFIN)27. Isso porque foi considerada uma estratégia para
ganhar espaço na internet. Para isso contou com o início da
estruturação de uma rede de festivais independentes no Brasil,
após em 2005, no Festival Abril pro Rock na cidade de Fortaleza,
Ceará, e com a própria sistematização da ABRAFIN.
Com o crescimento dos blogs e microblogs, as coberturas
colaborativas ganharam uma nova ferramenta para suprir o problema
da falta de divulgação ou melhorá-las. Conforme Ricordi (2012, p.
9), “tais festivais agora contam com coberturas colaborativas em
que voluntários pré-cadastrados e/ou público, escrevem e
registram os eventos dos festivais em blogs por meio de
coberturas estruturadas”.
Os voluntários de uma cobertura colaborativa são orientados
e muitas vezes têm seu material editado por equipes de
comunicação. O trabalho dos colaboradores é somar com suas visões
27 Instituição sem fim lucrativo para auxiliar e orientar os produtores defestivais independentes de música.
90
e sensibilidades, de forma que possam influenciar nas fotos, no
texto, no vídeo, passando, assim, de um jornalismo mainstream para
uma difusão em rede.
Para que esta divulgação chegue até o público, Quadros
(2010) diz que é necessário criar estratégias de divulgação que
despertem o interesse das pessoas em acompanhar a cobertura e
também atuar como colaboradores. Assim sendo, as redes sociais de
relacionamento, Facebook, Twitter e Google+, são usadas
juntamente com as versões Beta desenvolvidas com softwares
livres.
Segundo Ricordi (2012), esta variedade de plataformas
disponível para a cobertura dos festivais desperta a vontade de
pesquisar, observar e analisar a estruturação e o cruzamento de
mídias no conteúdo dos blogs de cobertura. Um exemplo disso foi a
organização de mídia do Festival de Artes Integradas “Até o
Tucupi”, ocorrido em Manaus, nos anos de 2011 e 2012, no qual se
desenvolveram novos métodos comunicacionais na distribuição e
veiculação de conteúdos, mas também na forma de captação e
construção social dessas notícias relacionadas ao festival.
Geralmente, um mês antes do festival, a organização do
festival Até o Tucupi abre seleção para interessados em
participar da cobertura colaborativa do evento. As exigências são
mínimas, sendo o principal critério a vontade de contribuir com a
divulgação do evento de maneiras criativas.
Quadros (2010) atenta que é necessário divulgar produções
quase em tempo real e se possível, fazer transmissões ao vivo,
91
para que se consiga prender constantemente a atenção do público
sobre o que se quer mostrar. Assim, muitas vezes a divulgação
ocorre antes do evento e durantes os dias de realização dele,
monitorando em tempo real o ritmo das atividades. Este conteúdo
produzido possibilitou o encontro de vários pontos de vistas
diferentes, de forma que contribui para uma visão própria e
entendimento de um determinado assunto.
Conforme Quadros (2010), com o usuário gerando conteúdo se
verifica uma maneira de organização na rede na qual vários
conhecimentos vão sendo desenvolvidos tanto para quem participa
de geração de conteúdo, quanto para quem tem acesso às produções.
As distinções de status entre produtores,consumidores, críticos, editores e gestores damidiateca se apagam em proveito de uma série continuade intervenções onde cada um pode desempenhar o papelque desejar. [...] Na era da computação social, osconteúdos são criados e organizados pelos própriosorganizadores (LEMOS; LEVY, apud QUADROS, 2010, p.14).
É importante destacar que a cobertura colaborativa não tem o
interesse de competir com o jornalismo, pois ambos podem conviver
de maneira paralela, afinal, se propõem a diferentes formas de
transmissão de informações. Na cobertura colaborativa, a linha
editorial se mostra bastante flexível, mudando de acordo com o
evento e de acordo com os interesses de quem dela participa.
Nesse contexto, são os participantes que contribuem para formar a
maneira de transmitir informações e decidir sobre quais mídias
serão usadas na cobertura do evento (QUADROS, 2010).92
Apesar de ser uma forma de cobertura ainda pouco usada e
estudada, a cobertura colaborativa se mostra com grande potencial
de garantir o exercício da democracia aos cidadãos em termos
comunicacionais. Isso se dá em virtude de esta funcionar, assim
como o jornalismo comunitário, incentivando seus colaboradores a
produzirem notícias, informações e conhecimento pelas próprias
mãos dos cidadãos.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do volume de informações reunidas neste trabalho,
consideramos que esta pesquisa se trata de uma obra aberta, pois
a cada dia novas tecnologias vão modificando as formas de
comunicação e principalmente de participação pública nos veículos
de comunicação em massa.
Cada vez mais se nota um cenário das projeções sociais no
qual o cidadão é democraticamente participante dos meios de
comunicação. Embora a concentração democrática ainda seja
heterogênea e excludente, principalmente no Brasil por conta do
acesso à internet ainda ser desigual, o que se conclui é que os
primeiros passos de uma democracia digital foram dados.
Dessa forma, é cediço que as intervenções, lutas e bandeiras
levantadas de um público que deseja participar de fato da
construção de uma sociedade não são ainda prioritárias em grandes
empresas de comunicação. Porém, é importante que se atente a
outros tipos de manifestações para que de fato esse público seja
ouvido e os direitos que se relacionam à comunicação sejam
ampliados.
É possível exemplificar com casos internacionais, nacionais
e locais que frequentemente se sucedem, a exemplo dos casos nos
quais minorias pautam a imprensa através de revoltas populares.
Na cidade de Manaus, podemos ilustrar com o caso de moradores do
bairro Cidade de Deus, localizado na zona Leste de Manaus, que em
outubro de 2013 protestaram contra a suspensão do serviço de
94
energia elétrica, bloqueando as vias da Avenida Camapuã. Por ser
esta uma ocorrência comum naquele bairro, na maioria das vezes as
notícias dadas são mais informativas do que de fato
questionadoras e investigativas sobre as concessionárias de
fornecimento. Mas, após os moradores armarem fogueiras,
bloquearem o trânsito de carros e ônibus, e percebendo a imprensa
nesse episódio que, de fato, o caso ali era de revolta popular,
as notícias no outros dias deixaram de ser apenas informativas
para serem investigativas. Alguns veículos de imprensa
questionaram os motivos das frequentes interrupções de energia
enfrentadas pelos moradores daquele bairro. Não que seja
responsabilidade da imprensa resolver problemas como este, mas
esta é uma função social muitas vezes negligenciada.
Através deste episódio relatado, concluímos que quando o
povo observa que, de fato, as grandes empresas só falam do que as
interessa, ele passa a usar as plataformas das redes sociais,
seja de uma lan house ou do trabalho, ao menos para desabafar
sobre ocorridos diários que ameaçam o exercício pleno da
cidadania. O tipo de manifestação popular relatado começa a se
expandir, porém o que se questiona é sobre as mudanças reais que
estas promovem, pois, embora atualmente existam muitas
informações disponíveis, cada vez mais poucos grupos econômicos e
políticos a controlam.
Ações do jornalismo comunitário são contribuições que podem
estimular a todos, e não apenas às minorias, a
repensarem mudanças que precisam ser promovidas na sociedade,
95
pois mobiliza setores que podem ajudar – o presidente do bairro,
o vereador, o deputado, um cientista social, um psicólogo – para
debater e desenvolver/ aguçar o senso crítico de todos.
A participação pública na imprensa não é a única responsável
pela construção de uma sociedade mais justa e democrática, mas
sem dúvida, pelos seus grandes poderes de alcance, são
fundamentais, sendo comparáveis a megafones gigantes que podem
atrair atores sociais para mudanças.
O intuito de ter exposto neste trabalho a cobertura
colaborativa, embora esta seja usada em sua maioria para
festivais de artes, é entender que tanto o seu funcionamento
quanto suas ferramentas podem contribuir para a democrática
comunicação. Afinal, imaginar amadores trabalhando com
jornalistas interessados em debater, em instigar e estimular
pensamentos, de forma que se ensine ou aprimore formas natas de
produção de notícias, em uma nação que de fato precisa de um
trabalho coletivo para se regenerar é somar esforços e ideais
para um mundo mais justo.
Claro, que essa utopia toda não exime alguns monstros que
foram criados com essa participação pública, como mais uma
plataforma para os "grandes poderes" manipularem a minoria. Por
isso, faz-se necessário o estimulo ao debate, à educação e cada
vez mais um senso crítico do que é apresentado, pois o momento em
que vivemos mostra que ao tempo em que alguns direitos civis são
ampliados, outros são cerceados.
96
Coloca-se em evidência cada vez mais o aperfeiçoamento dos
mecanismos democráticos de participação nos meios de comunicação,
de forma que haja mudanças não apenas na imprensa, mas na
educação pública.
O que mais instiga um olhar especial para essa
democratização é perceber que embora exista demanda de cultura de
massa, essa não é mais o único mercado. E, diante de tantas
manifestações organizadas pela rede, arrisca-se o prognóstico de
que, no futuro, a participação pública se ampliará nas mídias.
Cabe ressaltar, entretanto, que para que de fato ocorram mudanças
positivas, ainda é necessário estudos e conscientização de todas
as partes de que este caminhar precisa ser construído
coletivamente, somando o que cabe a cada um contribuir para
assim se planejar e se ampliar debates construtores da
comunicação. Para isso é necessário um longo caminho de mudanças,
afinal embora atualmente mais pessoas tenham condições de serem
ouvidas, nem todos os direitos estão sendo ampliados.
97
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