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Título do artigo: A dimensão cultural da língua: um olhar sobre o ensino de francês língua estrangeira em Moçambique Autor: Feliciano José Pedro Nome da Instituição: UP- Delegação de Nampula, DCLCA Curso de Francês Resumo A língua é portadora da cultura”. Esta frase tem como implicação didáctica a passagem de uma Didáctica de Línguas Estrangeiras para uma Didactica de Lingua Cultura Estrangeira segundo defendem didactas de FLE como: Galisson, Porcher, Puren. Ensinar uma língua é também ensinar a cultura dessa língua mas a abordagem de aspectos culturais na aula de língua simultaneamente, preparação didáctico- pedagógica dos professores e principalmente a disponibilidade de material didáctico como documentos autênticos que podem servir de veículo da cultura estrangeira. Entretanto, em Moçambique faltam esses materiais didácticos, o ensino e aprendizagem de línguas estrageiras ainda é um desafio e por conseguinte o ensino e aprendizagem das línguas é feito de maneira rudimentar, com poucos ou sem materiais didácticos e onde o professor é quase a única referência da língua estrangeira. Com este artigo pretendíamos perceber como os professores de francês em Moçambique abordam aspectos culturais da língua nas suas práticas quotidianas e se chegam a desenvolver competência (Inter) Cultural nos seus alunos. O nosso estudo, em função da abordagem é qualitativo e em função dos objectivos é exploratório- descritivo. Os dados para este estudo compreenderam: análise de programas de ensino de francês, analise do manual Le Baobab 1 e análise e interpretação de 5 questões que foram colocadas aos professores de francês da província de Nampula. Em termos gerais concluímos que os programas não apresentam de maneira clara, os conteúdos culturais da língua francesa. As respostas dos professores demonstraram uma certa incoerência na medida em que não conseguiram demonstrar com actividades concretas o que fazem nas suas aulas para considerarem que abordam aspectos culturais da língua que ensinam. Palavras-chave: Didáctica de Língua-Cultura, Cultura, Interculturalidade, Competência (Inter)cultural. Abstract "The language is the carrier of culture." This phrase has as the didactics implication passage of a Foreign Languages didactics to Didactics of Culture Foreign Language as advocated by the advocators of Didactics of FLE like Galisson, Porcher, Puren. Teaching a language is also to teach the culture of that language but the approach of cultural aspects in foreign language classes needs simultaneously didactics- pedagogical preparation of teachers and especially the availability of teaching materials as authentic documents that can serve as a vehicle of foreign culture. However, in Mozambique lacks these teaching materials, the teaching and learning of foreign languages is still a challenge and therefore the teaching and learning of languages is done in a rudimentary way, with few or with no teaching materials and where the teacher is almost the only reference for Foreign Language. With this article we expect to understand how the French teachers in Mozambique address cultural aspects of the language in their daily practices and if they manage to develop competence (Inter) Cultural in their students. Our study, based on the approach is qualitative and with regards to the objectives is exploratory and descriptive. The data for this study will include: analysis of French educational programs, analyze of LeBaobab Manual 1 and analysis and

A dimensão cultural da língua um olhar sobre o ensino de francês língua estrangeira em Moçambique

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Título do artigo: A dimensão cultural da língua: um olhar sobre o ensino de francês língua

estrangeira em Moçambique

Autor: Feliciano José Pedro

Nome da Instituição: UP- Delegação de Nampula, DCLCA – Curso de Francês

Resumo

“A língua é portadora da cultura”. Esta frase tem como implicação didáctica a passagem de uma

Didáctica de Línguas Estrangeiras para uma Didactica de Lingua Cultura Estrangeira segundo defendem

didactas de FLE como: Galisson, Porcher, Puren. Ensinar uma língua é também ensinar a cultura dessa

língua mas a abordagem de aspectos culturais na aula de língua simultaneamente, preparação didáctico-

pedagógica dos professores e principalmente a disponibilidade de material didáctico como documentos

autênticos que podem servir de veículo da cultura estrangeira. Entretanto, em Moçambique faltam esses

materiais didácticos, o ensino e aprendizagem de línguas estrageiras ainda é um desafio e por conseguinte

o ensino e aprendizagem das línguas é feito de maneira rudimentar, com poucos ou sem materiais

didácticos e onde o professor é quase a única referência da língua estrangeira. Com este artigo

pretendíamos perceber como os professores de francês em Moçambique abordam aspectos culturais da

língua nas suas práticas quotidianas e se chegam a desenvolver competência (Inter) Cultural nos seus

alunos. O nosso estudo, em função da abordagem é qualitativo e em função dos objectivos é exploratório-

descritivo. Os dados para este estudo compreenderam: análise de programas de ensino de francês, analise

do manual Le Baobab 1 e análise e interpretação de 5 questões que foram colocadas aos professores de

francês da província de Nampula. Em termos gerais concluímos que os programas não apresentam de

maneira clara, os conteúdos culturais da língua francesa. As respostas dos professores demonstraram uma

certa incoerência na medida em que não conseguiram demonstrar com actividades concretas o que fazem

nas suas aulas para considerarem que abordam aspectos culturais da língua que ensinam.

Palavras-chave: Didáctica de Língua-Cultura, Cultura, Interculturalidade, Competência (Inter)cultural.

Abstract

"The language is the carrier of culture." This phrase has as the didactics implication passage of a Foreign

Languages didactics to Didactics of Culture Foreign Language as advocated by the advocators of

Didactics of FLE like Galisson, Porcher, Puren. Teaching a language is also to teach the culture of that

language but the approach of cultural aspects in foreign language classes needs simultaneously didactics-

pedagogical preparation of teachers and especially the availability of teaching materials as authentic

documents that can serve as a vehicle of foreign culture. However, in Mozambique lacks these teaching

materials, the teaching and learning of foreign languages is still a challenge and therefore the teaching and

learning of languages is done in a rudimentary way, with few or with no teaching materials and where the

teacher is almost the only reference for Foreign Language. With this article we expect to understand how

the French teachers in Mozambique address cultural aspects of the language in their daily practices and if

they manage to develop competence (Inter) Cultural in their students. Our study, based on the approach is

qualitative and with regards to the objectives is exploratory and descriptive. The data for this study will

include: analysis of French educational programs, analyze of LeBaobab Manual 1 and analysis and

interpretation of 5 questions that were addressed to French teachers of Nampula province. Generally we

concluded that the programs do not show clearly, the cultural content of the French language. Teachers'

responses showed some incoherency at extend that they failed to demonstrate with concrete activities

what they do in their classes for them to consider that they approach cultural aspects of the language they

teach.

Keywords: Didactics of Language-Culture, Culture, Intercultural, (Inter) cultural Competence.

Introdução

O financiamento e apoio de programas de ensino de francês em todo mundo pelo governo

francês, faz parte de uma política linguística que tem por objectivo de (i) expandir a língua

francesa no mundo para diminuir a hegemonia da língua inglesa e (ii) difundir a cultura francesa

no mundo. O nosso objectivo principal neste artigo é de avaliar até que ponto o ensino da língua

francesa em Moçambique e porque não no mundo contribui efectivamente para a expansão e a

descoberta da cultura francesa. Pretendemos, igualmente, avaliar o nível de conhecimento e

domínio da componente cultural da língua e o grau de implementação desta componente. E por

fim, queremos identificar as dificuldades que os professores de línguas enfrentam para ensinar a

língua e cultura estrangeiras?

No contexto exolingua como o de Moçambique a descoberta e o conhecimento da cultura

estrangeira pode ser feito por intermédio de objectos culturais tais como: gastronomia, vestuário,

modo de vida, filmes, etc. Estes objectos/conteúdos culturais poderiam ser ensinados através de

manuais e utilizando documentos autênticos. Ora, em Moçambique faltam esses materiais

didácticos, o ensino/aprendizagem da língua francesa é feito, na maior parte dos casos, sem uso

destes materiais didácticos, os professores são as únicas referências da língua e cultura francesas.

E porque faltam materiais didácticos o aluno não tem a possibilidade de verificar aquilo que o

professor disse.

O nosso pressuposto principal para este estudo assenta sobre o facto de que embora, do ponto de

vista teórico, não haja dúvidas quanto a importância da cultura no processo de

ensino/aprendizagem, infelizmente para os professores, os de Moçambique pelo menos, ainda

subsistem dificuldades na materialização desta relação. Ao afirmar que a língua é indissociável

da sua cultura não quer dizer porém que o facto de ensinar uma língua implica necessariamente

abordar aspectos culturais desta língua.

1. Língua, Cultura, Interculturalidade e Competência (Inter) Cultural

Segundo Cuq, J.P. e Grucca, I. (2005: pp 78-79) a língua didacticamente falando “é um objecto

de ensino e aprendizagem”. O segundo, que alarga consideravelmente o objecto, e para

Bakhtine, M. citado por Cuq, J. P. e Grucca, I. (idem) afirma que “não se pode separar o signo

da situação social sem que se altere a sua natureza semiótica”. Partindo desta relação de

implicação reciproca entre a cultura e a lingua, avançada por Bakhtine, Porcher conclui dizendo

que: “toda a língua transporta com ela uma cultura na qual é simultaneamente a produtora e o

produto”. E para Cuq, J. P. e Grucca, I. (op. Cit : 80) do ponto de vista didáctico “a língua pode

ser definida como um objecto de ensino e aprendizagem composto por um idioma e por uma

cultura”

Dito isto, é compreensível que actualmente, ninguém ponha em causa a relação intrínseca

existente entre a cultura e a língua, em outras palavras, ninguém duvida que ensinar uma língua

pressupõe também ensinar a cultura do povo falante dessa língua. Como corolário de todo o

discurso sobre a relação intrínseca e de interdependência entre a língua e a cultura constatamos,

há já algum tempo, a transformação da Didáctica de Línguas Estrangeiras (DLE) em Didáctica

de Língua-Cultura (DLC) como defendem Puren, C. (1997c e 1998f) e Galisson, R. (2002) e

outros.

Para Porcher, L. (1995: 55) a cultura “é um conjunto de práticas comuns, da maneira de ver, de

pensar e de fazer que contribuem para definir a pertença dos indivíduos, isto é, heranças

partilhadas das quais estes são o produto e constituem parte da sua identidade.”

Partindo dessas três definições podemos concluir que a cultura é um conjunto de valores e de

práticas que formam e constituem a identidade de um povo ou de um individuo, esses valores e

essas práticas determinam a maneira como ele representa o mundo.

Segundo Abdallah-Pretceille, M. e Porcher, L. (1986), todo o processo de ensino e aprendizagem

de uma língua estrangeira consiste em situações de comunicação. Para estes dois autores, “um

facto cultural não pode ser separado de uma prática enunciativa que torna as culturas opacas a

elas mesmas”, em outras palavras, é tirando o tecido cultural dos factos linguísticos que

chegamos a ensinar a língua como cultura.

Contudo no seio da didáctica de línguas estrangeiras a noção de cultura conheceu uma certa

evolução e até certo ponto uma adaptação às exigências da área porque segundo abdallah-

Preteceille (n/d) “ o termo Cultura não é adequado para descrever o contexto actual de encontro

e convivência de culturas”. Para esta autora, no contexto actual é mais significativo falar de

interculturalidade e não somente de Cultura, porque, segundo ela, o termo de Interculturalidade

adequa-se melhor a situação de diversidade cultural que caracteriza as sociedades actuais.

Sendo assim, “a concepção do ensino e aprendizagem da cultura deve passar de um modo de

ensino colectivo para um modo de ensino individual. O objectivo não é a aquisição de

conhecimentos objectivos de saberes, categorizados sobre a cultura de outrem, mas a descoberta

pelo aluno da sua própria subjectividade, da sua própria identidade”. Abdallah-Pretceille, M.

(1986)

Para reforçar esta ideia podemos trazer Galisson, R. (1995: 89)1 que diz:

Na abordagem comunicativa a cultura é um meio. Um meio para produzir sentido e ter acesso a

competência de comunicação. Na perspectiva intercultural, a cultura é também um meio. Não um meio

funcional mas um meio educativo. Ela serve para melhor conhecer o outro e para melhor conhecer a si

próprio, pondo em relação e comparando culturas que se esclarecem e se explicam mutuamente.

Conceito relativamente novo nas ciências humanas, a interculturalidade permite perspectivar

entre dois indivíduos socioculturalmente diferentes, a possibilidade de se abrir aos outros mas

conservando a sua identidade de origem. Integrar uma dimensão intercultural na sala de aula de

línguas constitui um desafio importante para todo o processo de ensino aprendizagem de línguas

estrangeiras.

Competência (Inter) Cultural

Segundo Porcher (1988:32) a competência cultural “é a capacidade de perceber sistemas de

classificação através dos quais funciona uma comunidade social e, por conseguinte, a

1Extraido do artigo de EISL, Margit. La perspective interculturelle en FLE : des principes didactologiques aux

activités de classe (enseignement secondaire autrichien) In : Travaux de didactique du français langue étrangère 54,

IEFE, Montpellier III.

capacidade para um estrangeiro de antecipar, numa determinada situação aquilo que vai

acontecer (isto significa também saber que comportamentos adoptar para manter uma boa

relação com os protagonistas da situação) ”.

Numa das passagens intitulada, crítica a interculturalidade, Puren (2015b) afirma que é

surpreendente que a definição da competência cultural tenha sido feita (…) sob forma de uma

oposição binaria entre competência cultural e competência intercultural.

Segundo, Puren (idem) para que exista um contacto intercultural é preciso que haja culturas

diferentes, isto é o multiculturalismo, e para que este contacto se mantenha no tempo, é

necessário que exista um interesse comum conducente forçosamente a um mínimo de valores

partilhados tais como a abertura ao outro e o enriquecimento pela descoberta do outro, isto é,

uma componente transcultural.

Mais adiante, Puren (idem) afirma que só se pode apreciar as diferenças (nos dois sentidos desse

verbo reconhece-las e valoriza-las), objectivo da interculturalidade, somente e somente se

reconhecemos no outro um ser humano como nós próprios, o que é da ordem do transcultural, e

somente se reconhecemos a este outro o direito de manter diferenças em relação a nossa própria

cultural, o que é da ordem do multicultural.

Para Puren, a competência intercultural não pode ser oposta a competência cultural mas ela deve

ser considerada como uma das componentes desta última, e ela existe em relação necessária com

outras duas componentes: a transcultural e a multicultural.

Enfim para este autor, a competência intercultural “é a capacidade de detectar incompreensões

que aparecem nos contactos iniciais e pontuais com pessoas de outras culturais em função das

representações anteriores e das interpretações ligadas ao seu próprio referencial cultural”.

2. A dimensão cultural da língua francesa no processo de ensino e aprendizagem em

Moçambique

2.1. Analise dos programas de francês e do manual “Le Baobal 1”

Depois de uma análise cuidadosa dos programas de francês do I e II ciclos, constatamos que a

componente cultural da língua é evocada de maneira superficial e não é claro de que cultura se

trata, se é da cultura do aluno ou da cultura da língua estrangeira.

Nestes programas a componente cultural aparece referenciada de maneira tímida sob forma de

visão geral e de objectivos, como ilustra o trecho abaixo:

O conhecimento de si próprio e da sua cultura, pressupõem uma troca de informação e escuta reciproca. Por

esta razão, este programa dá grande importância aos conteúdos culturais que vão permitir a aquisição do

saber fazer, indispensável à comunicação intercultural. Os aspectos culturais vão desde o domínio dos usos

e costumes, passando pela compreensão das mentalidades dos outros países, até a valorização da cultura

moçambicana. (in programa de francês 1° ciclo, pp 9 – 10).

Na citação acima, estão patentes duas noções fundamentais que defendemos neste artigo, a

importância da cultura no ensino da língua e a necessidade de desenvolver uma comunicação

intercultural que pressupõe a aquisição de uma competência intercultural.

Quem lê a citação supra, espera em seguida ver que conteúdos culturais são propostos no

programa, que sugestões metodológicas são avançadas e que materiais didácticos serão usados

em sala de aula para permitir a tal “troca de informação reciproca” e consequente “comunicação

intercultural”.

Infelizmente o programa não responde a essas espectativas, na tabela de conteúdos não existem

temas que, a primeira vista, nos façam perceber que visam a abordagem de conteúdos culturais e

nem existem sugestões metodológicas que expliquem aos professores como abordar as questões

culturais e de que materiais eles devem se socorrer.

Uma vez que no programa não existem estratégias claras sobre a abordagem de aspectos

culturais falta-nos de seguida ver os manuais usados para o ensino de francês e também saber o

que os professores fazem para ir de encontro a esse objectivo fundamental de dar importância a

conteúdos culturais.

No processo de ensino e aprendizagem do francês em Moçambique são usados dois manuais O

Nouvel espaces 1 usado para o 2° ciclo (11ª e 12ª classes) e o Le Baobab 1 usado para o 1° ciclo

(9ª e 10ª classes). O Nouvel espaces foi editado na França e foi elaborado numa perspectiva de

ser útil em múltiplos contextos enquanto Le Baobab 1 é um manual elaborado por professores de

francês moçambicanos para ser utilizado no contexto Moçambicano. Neste artigo vamos apenas

analisar o manual Le baobab 1.

Le Baobab 1 foi concebido por um grupo de professores moçambicanos supervisionados pelo

Instituto de Desenvolvimento da Educação (INDE) e pela Direcção Nacional do Ensino Geral

(DINEG) e financiado pela Organização Internacional da Francofonia. No prefácio deste manual,

os autores apresentam-no como “um método comunicativo de ensino de francês língua

estrangeira concebido a partir do contexto e da realidade sociocultural moçambicana e que

permite desenvolver competências linguísticas e comunicativas em francês”.

Em outras palavras o Baobab 1 é um método de ensino de francês baseado em aspectos culturais

moçambicanos, esse facto é mesmo notório por exemplo nos nomes de personagens dos textos

ou diálogos deste manual. Já não se trata de Jean nem de Christine mas sim de João e Cristina,

os nomes das ruas ou avenidas passaram de Arago ou Victor Hugo para Eduardo Mondlane ou

rua das acácias. Numa unidade sobre os transportes constatamos que o Metro, o TGV e o RER

não fazem parte da lista dos meios de transporte.

Ao conceber um método de francês baseando-se em factos socioculturais de Moçambique, a

língua francesa estaria mesmo a transportar consigo a cultura francesa? Enquanto os autores

preconizam partir da cultura estrangeira para de seguida redescobrir a cultura do aluno, neste

manual o caminho é inverso. Que consequências isso traz? Até que ponto os professores poderão

abordar assuntos referentes a cultura francesa?

2.2. Ponto de vista dos professores sobre a componente (Inter) Cultural na sala de aulas

Para conhecer o ponto de vista dos professores de francês sobre a relação entre a língua e a

cultura e o desenvolvimento da competência intercultural na sala de aulas, elaboramos um

questionário composto por 5 questões abertas. Optamos por questões abertas porque queríamos

que os professores descrevessem com suas próprias palavras seu entendimento e suas actividades

sobre a matéria em análise. Tínhamos previsto inquerir 15 professores mas infelizmente

recebemos de volta apenas 10 questionários. Não nos parece ser um número representativo mas é

com estes dez questionários que em seguida passamos a analisar e interpretar as respostas dos

professores.

Questão 1 - No seu entender qual é o papel da cultura no processo de ensino e

aprendizagem da língua estrangeira, francesa neste caso?

Com esta questão, pretendíamos saber de que forma os professores descrevem a relação existente

entre a língua e a cultura. Em reacção a esta pergunta todos os professores responderam sem

hesitar afirmando que a língua e a cultura tem uma relação de interdependência e disseram ainda

que o ensino e aprendizagem de uma língua é indissociável do ensino da cultura. As respostas

dos professores vão de encontro as ideias dos autores como Cuq e Grucca (2005) que definem “a

língua como um objecto de aprendizagem composto por um idioma e uma cultura”.

Questão 2 – O programa de ensino de francês em Moçambique, prevê a componente

cultural? Dê algum exemplo!

Depois de sabermos como os professores descrevem a relação entre a língua e a cultura, na

segunda questão, pretendíamos saber qual é o lugar da componente cultural nos programas de

francês.

Em resposta a esta questão sobressaíram dois grupos. Mais que a metade dos professores

afirmaram que o programa de francês prevê a componente cultural e um dos professores foi mais

adiante citando mesmo o objectivo de que fizemos menção quando analisávamos os programas

de ensino. Um outro grupo de professores afirmou que o programa não prevê aspectos culturais

mas a posição desses últimos é em certa medida contraditória porque eles justificam-se dizendo

que o programa traz apenas aspectos culturais europeus.

Para esses professores só se pode dizer que o programa prevê a componente cultural somente se

traz aspectos da cultura moçambicana. Este ponto de vista é preocupante no nosso entender

porque não condiz com aquilo que são os programas de francês. Da análise que fizemos,

descobrimos que os dois programas não fazem menção de forma explícita a aspectos da cultura

europeia, este posicionamento monstra um fraco domínio do programa de francês monstra

igualmente uma falta de clareza, nos professores, sobre que cultura é indissociável da língua, a

cultura do povo falante dessa língua ou a cultura do aluno?

Questão 3 – Na sua prática docente tem tido em conta a componente cultural da língua

francesa? O que tem feito e como ?

Em resposta a esta questão todos os professores responderam, sem hesitar, que na sua prática

quotidiana abordam questões culturais. Mas infelizmente, os professores, não foram

convincentes na descrição das actividades ou em dizer o que têm feito e como têm feito. A

palavra comparação é muito recorrente nas respostas dos professores, afirmam eles que têm feito

comparações entre aspectos culturais de Moçambique e aspectos culturais da França ou da

Europa.

Alguns professores voltaram a dizer que partem dos factos culturais da comunidade local para

em seguida falar de aspectos da cultura estrangeira. As respostas a esta pergunta mostraram-nos

que os professores têm noção da importância da cultura no processo de ensino e aprendizagem

das línguas estrangeiras mas ainda faltam-lhes ferramentas e detalhes metodológicos para que

materializem essa relação reciproca na sala de aulas.

Questão 4 – Já ouviu falar de interculturalidade (interculturel en français)? O que ela

pressupõe no seu entender?

Todos os professores inqueridos responderam que sim, um dos professores referiu ter ouvido

falar da interculturalidade em seminários de capacitação e em conferências mas ainda não

podemos perceber se tais seminários ou conferências foram realizadas em Moçambique. Quando

questionados sobre o sentido do termo interculturalidade os professores definiram-na “como uma

interacção entre culturas diferentes, afirmaram eles que numa abordagem intercultural o

professor deve despertar no aluno a existência de outras culturas e ensina-los a vê-las como

semelhantes a sua própria cultura e não como uma cultura superior”.

Alguns professores usaram o termo respeito mútuo para explicar o significado da

interculturalidade. As reacções a esta questão vão de encontro a definição de interculturalidade

proposta por Blanchet (2005) segundo a qual “a ideia fundamental da abordagem intercultural é

de analisar o que acontece na interacção entre dois interlocutores pertencentes a culturas

diferentes e com práticas culturais diferentes mesmo quando comunicam usando mesma língua”.

Embora os professores tenham definido bem o que é a interculturalidade é importante salientar

no entanto que a visão deles ainda é incompleta, porque segundo afirma Blanchet (2005) a

interculturalidade pressupõe além da simples interacção de culturas, segundo ele na

interculturalidade “Trata-se então de prevenir, de identificar, de regular os mal-entendidos, as

dificuldades de comunicação devidas à diferença de modelos de interpretação ou mesmo de

preconceitos ou estereótipos”.

Nas explicações dadas pelos professores estão totalmente ausentes os termos de prevenir,

identificar e regular mal entendidos decorrentes da diferença de culturas, da diferença de

modelos de interpretação ou de estereótipos como afirma o autor acima citado.

A semelhança da terceira questão, as respostas dos professores demonstram que eles conhecem

ou têm noção do tema em análise mas o domínio que têm é incompleto e limitado, e carece ainda

de aperfeiçoamento e aprofundamento através de seminários de capacitação, isto é , deve-se

investir na formação contínua de professores.

Questão 5 - Quais são as dificuldades que tem tido para abordar aspectos da cultura

francesa? Que propostas avança para a melhoria desta situação?

Em resposta a esta pergunta, quase todos os professores reconheceram que as dificuldades são

várias mas eles destacam mais a falta de material didáctico principalmente manuais de ensino e

quando algum manual aparece não vem acompanhado de respectivo disco para a prática da

Compreensão oral. Alguns professores apontaram o facto dos manuais que utilizam trazer apenas

aspectos da cultura francesa como uma dificuldade. Referiram também que por não terem tido

alguma experiencia na França ou em algum país francófono tem dificultado abordar aspectos

inerentes a uma cultura da qual pouco ou nada sabem.

Alguns professores apontaram a não aplicação do caracter “opcional” do francês no 1° ciclo

como um dos elementos que contribui para a existência de dificuldades visto que os alunos se

vêm obrigados a aprender uma língua sobre a qual ainda não nutrem nenhuma simpatia.

Ao analisarmos as respostas dos professores constatamos que, alguns, se contradizem porque

afirmam que o facto de os manuais apresentarem apenas cultura francesa é uma dificuldade

entretanto apontam a falta de conhecimento ou de experiencia de vida num contexto francófono

também como uma dificuldade.

Todos os professores disseram que há falta ou insuficiência de material didáctico como manuais,

discos audiovisuais e aparelhos de som que possibilitariam o desenvolvimento das quatro

habilidades: Falar, Ouvir, Ler e Escrever. Estes pronunciamentos enfatizam de certa forma o

que dissemos na introdução deste artigo quando afirmamos que o ensino e aprendizagem da

língua francesa em Moçambique era feito de maneira rudimentar, os alunos não tinham acesso as

fontes para verificarem as informações dadas pelo professor e por conseguinte o professor, que

infelizmente pouco ou nada sabe da cultura francesa, constitui a única referência da língua e

cultura francesas.

Como propostas para a melhoria desta situação os professores disseram que é indispensável a

alocação de manuais e dos seus respectivos discos e a alocação de aparelhos de som. Disseram

ser necessário criar-se uma plataforma de intercâmbio entre professores de francês para a troca

de experiencia, discussão dos problemas que lhes apoquentam e definição de estratégias

metodológicas com vista na melhorar o processo de ensino e aprendizagem da língua. Um dos

professores disse ser necessário que os professores tenham estágios linguísticos na França ou em

países francófonos para melhorar não só as suas competências linguísticas mas também o seu

conhecimento da cultura francesa e francófona.

Conclusão

Para a realização deste trabalho partimos do pressuposto segundo o qual os professores de língua

estrangeira, no caso particular os de francês língua estrangeira em Moçambique, têm consciência

da indissociabilidade entre a língua e a cultura mas eles enfrentam dificuldades de como

materializar esta relação intrínseca durante o processo de ensino e aprendizagem.

Analisando as respostas ao questionário que endereçamos aos professores chegamos a concluir

que o nosso pressuposto é valido porque os professores afirmam tomar em consideração aspectos

culturais durante as suas praticas docentes mas quando questionados sobre como e o que fazem,

as suas respostas são de certa forma contraditórias ao que afirmam. Os professores não

descreveram de forma clara as actividades que têm levado a cabo como forma de integrar nas

suas aulas a componente cultural da língua francesa.

As respostas dos professores às questões por nós colocadas demonstram que eles conhecem ou

têm noção do tema em análise mas o domínio que têm é incompleto e limitado. Para colmatar tal

situação é necessário desencadear acções de capacitação e de formação contínua dos professores.

Os programas de ensino do francês no ensino secundário não apresenta conteúdos que permitam

aos professores abordarem aspectos da cultura da língua que ensinam e muito menos apresenta

estratégias metodológicas que possam guiar os professores no seu dia-a-dia. Esta situação pode

gerar uma diferenciação nos conteúdos culturais abordados na mesma classe, na mesma escola

uma vez que cada professor usará da sua competência e da sua criatividade para trazer tais

conteúdos para a sua sala de aulas.

Defendemos uma uniformização ou uma definição clara dos conteúdos e das estratégias em

programas e manuais porque temos consciência de que nem todos os professores têm domínio ou

conhecimento de aspectos culturais da língua que ensinam, a formação inicial que tiveram nem

sempre dotou-lhes de conhecimentos suficientes sobre a matéria, os professores não têm acesso

aos mesmos materiais didácticos e na maior parte dos casos mesmo o manual de referência pelo

ministério não esta disponível nas escolas.

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