11
3 A Arquitectura, no Mito de Prometeu (Esquilo, e Hesíodo), como Constructo Oposto à Morte, ou Aposta na Construtibilidade do Mundo e Melhoria das Condições de Vida J. M. Simões Ferreira Arquitecto Doutor em História e Teoria das Ideias, FCSH/UNL Bolseiro Pós-Doc. da FCT/MCTES, Investigador do IHA/FLUL Abstract: Investigation of the presence and signification in the Prometeos Myth of the prefigura- tions of Architectural Theorie as had formulated by Vitruvius, Alberti, and his heir’s. É pela morte, ou melhor, pela revelação daquilo com que tinha contribuído para libertar os homens da obsessão da morte (προδέρκεσθαι μόρον), que na tragédia de Esquilo (525-465/455? a.C.) 1 , Prometeu agrilhoado 2 , começa a narrativa do trágico deus dissidente, quando interrogado pelo Coriféu sobre as razões da sua expulsão do Olim- po, e do castigo penoso que lhe fora imposto pelos outros deuses. – Ora, veja-se: PROMETEU: Sim! – libertei os homens (θνητούς) da obsessão da morte. CORIFÉU: Com que remédio (φάρμακον) tal desígnio alcanças? PROMETEU: O peito lhes enchi de cegas (τυφλς) esperanças (λπίδας). 1 Sobre Esquilo, ver: Lesky, A., Die griechische Tragödie, Leipzig, 1938; id., Geschichte der Grie- chischen Literatur, München, 1957-58 (ed. portuguesa, História da Literatura Grega, trad. de M. Losa, feita da 3. ed. alemã, 1971, Lisboa, 1995); Murray, G., Aeschylus: The Creator of Tragedy, Oxford, 1940; Hommel, H., Wege zu Aischylos, Darmstadt, 1974, 2 Bde; Wartelle, A., Bibliographie historique et critique d’Eschyle et de la tragédie grecque 1518-1974, Paris, 1978; Morreau, A. M., Violence et chaos: le monde d’Eschyle à travers ses mythes et ses métaphores, Paris, 1985; Deforgue, B., Eschyle, poète cosmique, Paris, 1986; Deforgue, B., Une vie avec Eschyle. Verité des mythes, Paris, 2010. 2 Esquilo, Prometeu Agrilhoado, trad. e pref. por E. Scarlatti, Lisboa, 1942; id., «Prométhée enchainé (Προμηθεύς δεσμώτης)», in Eschyle, Tragédies, Tome I, texte établi et traduit par P. Mazon, Paris, 2e ed. 1931, 14 e tirage revu et corrigé 2002, p. 149-199. – Servimo-nos essencialmente da tradução de E. Scarlatti, confrontando-a e cotejando-a com a de P. Mazon, e a de Griffith, M., Aeschylus. Prometheus Bound, Cambridge, 1983, critical edition edited by, e ainda: Eschyle, Prométhée enchaîné, trad. par J. Grosjean, Paris, 2001, a de V. Martinho, Lisboa, 1975, e a espanhola de M. Fernandez e B. Perea, Madrid, 1987, que se referem na Bibliografia. Sobre o Mito e a Tragédia de Prometeu, ver: Duchemin, J., Prométhée: histoire du mythe, de ses origines orientales à ses incarnations modernes, Paris, 1974; idem, Medrano, G. L., Prometeo: Biografías de un mito, Madrid, 2001.

A Arquitectura, no Mito de Prometeu (Esquilo, e Hesíodo), como Constructo Oposto à Morte, ou Aposta na Construtibilidade do Mundo e Melhoria das Condições de Vida

  • Upload
    lisboa

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

3

A Arquitectura, no Mito de Prometeu (Esquilo, e Hesíodo), como

Constructo Oposto à Morte, ou Aposta na Construtibilidade do

Mundo e Melhoria das Condições de Vida

J. M. Simões Ferreira

Arquitecto

Doutor em História e Teoria das Ideias, FCSH/UNL

Bolseiro Pós-Doc. da FCT/MCTES, Investigador do IHA/FLUL

Abstract: Investigation of the presence and signification in the Prometeos Myth of the prefigura-

tions of Architectural Theorie as had formulated by Vitruvius, Alberti, and his heir’s.

É pela morte, ou melhor, pela revelação daquilo com que tinha contribuído para libertar

os homens da obsessão da morte (προδέρκεσθαι µόρον), que na tragédia de Esquilo

(525-465/455? a.C.)1, Prometeu agrilhoado2, começa a narrativa do trágico deus

dissidente, quando interrogado pelo Coriféu sobre as razões da sua expulsão do Olim-

po, e do castigo penoso que lhe fora imposto pelos outros deuses. – Ora, veja-se:

PROMETEU: Sim! – libertei os homens (θνητούς) da obsessão da morte.

CORIFÉU: Com que remédio (φάρµακον) tal desígnio alcanças?

PROMETEU: O peito lhes enchi de cegas (τυφλὰς) esperanças (ἐλπίδας). 1 Sobre Esquilo, ver: Lesky, A., Die griechische Tragödie, Leipzig, 1938; id., Geschichte der Grie-

chischen Literatur, München, 1957-58 – (ed. portuguesa, História da Literatura Grega, trad. de M. Losa,

feita da 3. ed. alemã, 1971, Lisboa, 1995); Murray, G., Aeschylus: The Creator of Tragedy, Oxford, 1940;

Hommel, H., Wege zu Aischylos, Darmstadt, 1974, 2 Bde; Wartelle, A., Bibliographie historique et

critique d’Eschyle et de la tragédie grecque 1518-1974, Paris, 1978; Morreau, A. M., Violence et

chaos: le monde d’Eschyle à travers ses mythes et ses métaphores, Paris, 1985; Deforgue, B., Eschyle,

poète cosmique, Paris, 1986; Deforgue, B., Une vie avec Eschyle. Verité des mythes, Paris, 2010. 2 Esquilo, Prometeu Agrilhoado, trad. e pref. por E. Scarlatti, Lisboa, 1942; id., «Prométhée enchainé

(Προµηθεύς δεσµώτης)», in Eschyle, Tragédies, Tome I, texte établi et traduit par P. Mazon, Paris, 2e

ed. 1931, 14e tirage revu et corrigé 2002, p. 149-199. – Servimo-nos essencialmente da tradução de E.

Scarlatti, confrontando-a e cotejando-a com a de P. Mazon, e a de Griffith, M., Aeschylus. Prometheus

Bound, Cambridge, 1983, critical edition edited by…, e ainda: Eschyle, Prométhée enchaîné, trad. par

J. Grosjean, Paris, 2001, a de V. Martinho, Lisboa, 1975, e a espanhola de M. Fernandez e B. Perea,

Madrid, 1987, que se referem na Bibliografia. – Sobre o Mito e a Tragédia de Prometeu, ver: Duchemin,

J., Prométhée: histoire du mythe, de ses origines orientales à ses incarnations modernes, Paris, 1974;

idem, Medrano, G. L., Prometeo: Biografías de un mito, Madrid, 2001.

4

CORIFÉU: Pois, aos mortais (βροτοῖς) um grande bem fizeste.

PROMETEU: E – mais – dei-lhes o Fogo (πῦρ): esse fanal celeste!

CORIFÉU: Em mãos mortais (ἐφήµεροι), o fogo aurifulgente?!

PROMETEU: Do segrêdo das artes (ἐκµαθήσονται τέχνας) – sim – lhes fiz presente3.

O segredo das artes: o fogo celeste transformador da matéria, possibilitador das con-

dições para a realização de artefactos, que autonomizaria os homens, dotando-os das

defesas que lhes faltavam, e os libertaria da sua estreita dependência da natureza, e

do capricho dos deuses, fora roubado a Zeus por Prometeu, que dele faz dádiva aos

homens, por razões e em circunstâncias narradas por Hesíodo (Séc. VIII a.C.)4, quer

na Teogonia5, quer nos Trabalhos e Dias6. Mas na tragédia de Esquilo, a narrativa

dos efeitos dessa dádiva começa pela referência à libertação da obsessão da morte,

de que os homens ficam impedidos de prever a hora certa7, originando-se assim um

3 Esquilo, ob. cit. (1942), p. 60; id., Eschyle, «ob. cit.», 248-254, in Eschyle, ob. cit. (1931), p. 170. 4 Sobre Hesíodo, ver: Burn, A. R., The World of Hesiod: A Study of the Greek Midles Ages, c. 900-

700 b.C., London, 1936; Lesky, A., Geschichte der Griechischen Literatur, München, 1957-58 – (ed.

portuguesa, História da Literatura Grega, trad. de M. Losa, Lisboa, 1995); Steiner, G., Der Sukzes-

sionsmythos in Hesiods Theogonie und ihren orientalischen Parallelen, Hamburg 1958, Dissertation;

Vernant, J.-P., Mythe et pensée chez les grecs: Études de psycologie historique, Paris, 1965; Heitsch,

E. (ed.), Hesiod (Wege der Forschung, Bd. 44), Darmstadt, 1966; Finazzo, G., La realtà di mondo nella

visione cosmogonica esiodea, Roma, 1971; Gayo, G. M., «El mito de la edad de oro en Hesíodo», in

Perficit 4, Madrid, 1973, p. 65-100; Schmit, J. U., «Die Einheit des Prometheus-Mythos in der

Theogonie des Hesiod», in Hermes 116, 1988, p. 129-156; Lamberton, R., Hesiod, New Haven, 1998. 5 Hesiodo, «Teogonía», in Obras y Fragmentos, introd., trad. y notas de A.P. Jiménez y A. M. Diez,

Madrid, 1990, p. 63-113; idem, in Hésiode, Théogonie - Les Travaux et les Jours - Le Bouclier, texte

établi et trad. par P. Mazon, Paris, 1928, 17e tirage 2002, p. 3-68. – Foram estas as edições que serviram

a este estudo, sendo comparadas e cotejadas com as inglesas de G. W. Most, da Loeb Cassical Library,

e a italiana, bilingue, de A. Colonna, Milano, 1964, identificadas e descritas na Bibliografia. 6 Hesiodo, «Trabajos y dias», in ob. cit., p. 115-67; idem, in Hésiode, ob. cit. (1928, 2002), p. 71-116. 7 De acordo com a ed. de J. Grosjean, já referida (tradução para português feita pelo autor deste estudo):

PROMETEU: Impedi os mortais de prever a sua morte.

CORIFEU: Que remédio achaste tu que os curasse?

PROMETEU: Enchi-os de cegas esperanças.

A tradução de Virgílio Martinho, editada em 1974, pela Estampa (que deve ter sido feita a partir do

francês ou do castelhano), e que se refere de memória, é similar, aplicando a palavra incerteza ou impre-

5

princípio de imprevisibilidade8, e mesmo de incerteza ou obscuridade9, que abre

lugar no peito dos homens para a esperança, pois o segredo das artes, e a cultura, de

que proporciona a criação, iriam permitir retardar a morte, já tornado imprevisível o

momento da sua ocorrência, ou mesmo, talvez, outorgando aos homens a ilusão da

imortalidade. – De resto, e regressando a Esquilo, veja-se o que possibilitou a dádiva

do fogo, no que à arte da construção e à sua teoria diz respeito:

PROMETEU: Prefiro descrever misérias dos mortais (βροτοῖς δὲ πήµατα):

como, sendo infantis (νηπίους ὄντας), seu ser tornei pensante (ἔννους ἔθηκα)…

visibilidade, que traduz mais literalmente o termo grego προδέρκεσθαι, forma do verbo προδέρκοµαι,

que significa prever (Isidro Pereira, S. J., Dicionário Grego-Português e Português-Grego, Braga, 1990,

p. 481: Προδέρκοµαι, prever). – Usou-se a versão de E. Scarlatti, por se considerar a expressão, obsessão

da morte, um verdadeiro achado, ou seja, uma interpretação criativa, e por ser concordante, nesta passa-

gem, com a versão de P. Mazon (obsession de la mort). De resto, toda a tradução de Eduardo Scarlatti

(oficial da Armada e dramaturgo), em verso, parece ser de grande qualidade, e beleza. 8 O princípio da imprevisibilidade dos fenómenos, tal como se define na Teoria do Caos, parece estar

na origem de um análogo princípio na filosofia crítica de Peter Sloterdjick, para o qual, as coisas nunca

acontecem nem se desenvolvem como era previsto, e ambos tem grande similarididade com o princípio

da indeterminação, de Werner Heisenberg (em inglês Uncertainty Principle, ou seja, Princípio da

Incerteza que pôs em causa os princípios da causalidade, da previsibilidade e da certeza, mesmo no

domínio dos fenómenos físicos e ocorrências da Natureza. – De resto, na Filosofia, David Hume, em

meados do Séc. XVIII, já tinha questionado esses princípios, por razões derivadas da pura gnoseologia,

daí o seu cepticismo. – Note-se, porém, que o termo usado por Werner Heisenberg, expressa-se, origi-

nalmente, numa palavra alemã, Unschärferelation, de difícil tradução, mas que exprime a ideia de

não-nitidez ou obscuridade; enfim, traduzível por relação de indeterminação ou de incerteza. 9 A ideia de que a Cultura Humana tenha, na sua origem, e como factor dela determinante, uma relação

de não-nitidez ou obscuridade, um princípio de incerteza ou de imprevisibilidade, parece-nos como

algo radicalmente diferente dos princípios da Cultura Moderna, instaurados por Descartes, com a sua

exigência de certeza(s), para a busca (ou criação) das quais a «dúvida metódica» mais não seria do que

um meio processual. A incerteza ou imprevisibilidade em relação à mais determinante das condições de

existência do homem, a morte, que é certa, mas cuja hora é incerta – como o diz certo porvérbio – põe

em causa a importância da certeza, mesmo para a acção ou decisão, por muito que isso desagrade

ao(s) filósofo(s) do(s) Poder(es) estabelecido(s), que tanta preocupação aparentam com as questões

relativas à certeza, e à necessidade de determinar as suas condições de possibilidade. – Mas, realmente,

o Poder precisa de ter certezas, ou da ficção que as pode criar e impor, legitimando assim as suas, por

vezes, bem dúbias, incertas e, quase sempre, obscuras acções.

6

A construção de casas em tejolo (πλινθυφεῖς δόµους), à luz do sol abertas (προσείλους),

e as obras em madeira (ξυλουργίαν), nem sequer pensavam

E, quais formigas ágeis (µύρµιχες ἄντρων), grutas encobertas (µυχοῖς ἀνηλίοις)

ao sol e sob a terra (κατώρυχες), como abrigo, usavam (ἔναιον ὤστ’ ἀήσυροι).

Indício (τέκµαρ) não guardavam da estação do frio (χείµατος),

da primavera em flor (ανθεµώδους), ou do feraz estio (καρπίµου θέρους):

tudo era sem razão (ἀλλ’ ἄτερ γνώµης); era um viver de rastros (ἔπρασσον);

até que lhes fiz ver como, no além, despontam (ἔστε δὴ σφιν ἀντολὰς),

e – o que é mais difícil (δυσκρίτους δύσεις) – adormecem astros (ἄστρων ἔδειξα).

E descobri, depois, os números (ἀριθµόν) que contam,

para lhes ensinar a mais formosa ciência (ἔξοχον σοφισµάτων);

e as letras associei (γραµµάτων τε συνθέσεις) – para encofrar memória (µνήµην),

cujo labor febril às artes (µουσοµήτορ’ ἐργάνην) dá sequência10.

O Mito de Prometeu, seguramente o mais ocidental de todos os mitos gregos, aquele em

que mais se anuncia o afã construtivista da nossa cultura11, é um mito de aposta na

possibilidade da construção do mundo, e onde a arquitectura ou arte da construção

tinha um lugar destacado. Não é por acaso que, Prometeu, quando descreve as aplica-

ções do segredo das artes (o fogo aurifulgente, de que fizera presente aos homens),

especificando-as, a primeira arte a ser mencionada é a da construção / de casas em

tejolo (πλινθυφεῖς δόµους), à luz do sol abertas (προσείλους), / e as obras em madeira

(ξυλουργίαν), que lhes tornara possível o abandono das grutas encobertas (µυχοῖς

ἀνηλίοις) / ao sol e sob a terra (κατώρυχες) [que, até aí], como abrigo, usavam. Na

sequência, é lembrada a descoberta da matemática, os números (ἀριθµόν) que con-

tam… a mais formosa ciência (ἔξοχον σοφισµάτων12), e da escrita (γραµµάτων), cujo

labor febril às artes (µουσοµήτορ᾿ ἐργάνην) dá sequência, ou seja, que as codifica e 10 Esquilo, ob. cit. (1942), p. 74; id. Eschyle, «ob. cit.», 450-461, in Eschyle, ob. cit. (1931), p. 177. 11

Wittgenstein, L., Culture and Value, transl. of German by P. Winch, ed. by G. H. von Wright in collab.

with H. Nyman, Chicago – (ed. portuguesa, Cultura e Valor, trad. de J. Mendes, revisão de A. Mourão,

Lisboa, 1996, p. 21): A nossa civilização é caracterizada pela palavra “progresso”. Fazer progressos

não é uma das suas características, o progresso é, mais propriamente, a sua forma. Ela é tipicamente

construtora. Ocupa-se em construir uma estrutura cada vez mais complicada. E até mesmo a claridade

é desejada apenas como um meio para atingir este fim, nunca como um fim em si mesma. 12 ἔξοχον σοφισµάτων, à letra, deve-se entender como excelente ciência, ou ciência superior.

7

descodifica (o quod significatur et quod significat13, como formulará depois Vitrúvio),

e assim permite a sua fundamentação e explicitação, passos prévios para a sua trans-

missão, mudança e transformação ou, se se quizer, desenvolvimento, o que é uma

maneira nítida de aludir à matemática, magister das artes, e à reflexão sobre a arte, ou

seja, a teoria da arte, uma actividade escrita, no essencial.

É de lembrar que o Mito de Prometeu, por vezes apresentado como narrativa da inven-

ção ou descoberta do fogo (Figs. 34, 35), é constantemente referido por quase todos

os tratadistas clássicos da arquitectura, que na descoberta do fogo vêem a origem da

sociedade, da linguagem e da actividade edificatória, prolongando uma tradição instau-

rada por Vitrúvio, que a ele recorre no Cap. 1, do Livro II, para explicar as origens,

senão da arquitectura, ao menos, das construções14, embora dando dele uma visão

«laica» e «pragmática», ou, se se quizer, na versão epicúrea de Lucrécio15.

É também o Mito que ressoa na utopia edificatória de Alberti16 – que chega a postular

a arquitectura, ou melhor, a res aedificatoria17, como estando na origem da sociedade 13 Vitruve, De l’architecture (De architectura), Livre I, 1, 3, texte établi e trad. par Ph. Fleury, Paris,

1990, p. 4: Cum in omnibus enim rebus tum maxime etiam in architectura haec duo insunt: quod signi-

ficatur et quod significat. Significatur proposita res de qua dicitur; hanc autem significat demonstratio

rationibus doctrinarum explicata. 14

Vitruve, De l’architecture (De architectura), Livre II, 1, 8, texte établi et trad. par L. Callebat, introd.

et commenté par P. Gros, recherches sur les manuscrits et apparat critique par C. Jacquemard, p. 9: Ce

que décrit en effet ce livre, ce ne sont pas les composantes de l’architecture, mais quels ont été à l’origine

les premiers éléments de constructions (Namque hic liber non profitur unde architectura nascatur, sed

unde origines aedificiorium sunt institutae). 15

Lucréce, De la nature (De rerum natura), Livre V, 925ss., texte établi, trad. et annoté par A. Ernout,

Paris, 1921, 2e. ed. 1964, 8e. tirage 2003, Tome II, p. 84ss.. 16 Alberti, L. B., L’archittetura (De re aedificatoria, 1485), Prologo, 2v, ed. 1966, Vol. I, p. 8-11; tam-

bém, Simões Ferreira, J. M., «A “Utopia Edificatória”, em Alberti», Lisboa, 2007. 17

Embora arquitectura seja a tradução mais usual, nas línguas modernas, do termo aedificatoria ou res

aedificatoria – o que se comprova historicamente pelas traduções, desde a de Pietro Lauro Modenese,

1546, a de Cosimo Bartoli, 1550, e 1565, a francesa de Jean Martin*, 1553, a espanhola de Francisco

Lozano, 1582, ou a inglesa, de James [Giacomo] Leoni, 1715, todas elas traduzindo aedificatoria por

l’architettura, l’architecture, Architectura, Architecture. – Contudo, aquilo a que Alberti se refere no seu

tratado parece realmente abarcar um domínio mais lauto que o da arquitectura, soi-disant, abrangendo

8

e o que mais contribuia para a manter coesa18 – e em todas as utopias de construção,

ou reconstrução19, dadas à celebração da crença na possibilidade de construir uma

sociedade perfeitamente organizada ou um povo bem ordenado20, ou seja, é um mito

utópico, na sua essência, em que os homens, incertos em relação à morte (livres dessa

obsessão, e impedidos de a prever, προδέρκεσθαι µόρον), cheios de expectativas, ou

com o peito insuflado de cegas esperanças (τυφλὰς ἐλπίδας), e libertados da asfixiante

tutela dos deuses, se dedicam à edificação de um futuro radioso. – E, nesse futuro, a

arquitectura, arte da edificação, e a sua teoria, teriam um papel decisivo.

toda a actividade edificatória do homem. Daí, as modernas traduções, com excepção da edição crítica

italiana de 1966, usarem como tradução o termo édifier, building, edificatória, ou não traduzirem

sequer, como fez Fresnillo Nuñez, na edição espanhola de 1991. – Note-se todavia que o termo aedifi-

catoria, como significando arquitectura, no sentido mais genuíno, já se apresenta, e com relevo, no tra-

tado de Vitrúvio, onde aedificatio é uma das três partes em que se divide a arquitectura: Partes ipsius

architecturae sunt tres: aedificatio, gnomonice, machinatio (De arch., I, 3, 1, ed. 1990, p. 19), e a que

mais tem a ver com o que hoje, consensualmente, se considera arquitectura, pois as outras duas partes,

a gnomonice e a machinatio foram retiradas do domínio da arquitectura.

* Jean Martin terá sido primeiro a intuír a singularidade do termo aedificatoria, e sua relação com a

actividade edificatória em geral, assim optando por uma espécie de título duplo: L’Architecture et ART

DE BIEN BASTIR, sendo esta a expressão mais saliente, graficamente. – E é claro que ao Movimento

Moderno o termo aedificatoria como não significando estritamente arquitectura, essa coisa do passado,

que havia de subordinar às necessidades produtivas modernas, dava muito jeito... 18 Alberti, ob. cit. (1485, ed. 1966), Prologo, 2v, Vol. 1, p. 8: È stato affermato da alcuni che furono

l’acqua o il fuoco le cause originarie onde gli uomini si riunirono in comunità; ma noi, considerando

quanto un tetto e delle pareti siano convenienti, anzi indispensabili, ci convinceremo che queste ultime

cause ebbero indubbiamente maggiore efficacia a riunire e mantenere insieme degli esseri umani. – É

de notar que Alberti se demarca de Vitrúvio, invertendo o nexo causal: para ele, não seria o fogo a

origem da sociedade, e a sociedade a origem da arquitectura, mas sim, a edificação, ou seja, a arquitec-

tura, é que estaria na origem da sociedade; pois seriam o tecto e as paredes que propiciavam a reunião

dos homens e os mantinham unidos, e assim, dando origem à sociedade e cimentando-a. 19 Mumford, L., The Story of Utopias, New York, 1922, new ed., New York, 1962. 20 Morus, T., Utopia, trad. de J. Marinho, notas e posf. de P. Gomes, Lisboa, 12.ª ed. 2000, p. 65: uma

sociedade perfeitamente organizada. – Id., Utopia, ed. with introd. and notes by E. Surtz, S. J., New

Haven / London, 1964, p. 55: a well-ordered people, é a expressão usada.

9

34 – A descoberta do fogo, origem da arquitectura, in Fra Giocondo, M. Vitruvius per Iocundum solito

castigatior…, Venetiis, 1511, Liv. II, I, 1, f. 13.

10

35 – Idem, in Vitruve, Architecture ou Art de bien bastir, de Marc Vitruve Pollion… mis de Latin en

François par Ian Martin, Paris, 1547, Liv. II, I, 1, f. 15.

11

BIBLIOGRAFIA

Citada ou referida no texto e notas, e por ordem alfabética de autores

ALBERTI, L. B., L’archittetura (De re aedificatoria, 1485), texto latino e traduzione a cura di G.

Orlandi, introd. e note di P. Portoghesi, Milano, 1966, Edizioni il Polifilo, 2 vols..

–––– I dieci libri de l’architettura..., nouamente da la Latina ne la Volgar Lingua con molta diligenza

tradotti... Pietro Lauro Modonese, Vinegia, 1546, acessível in http://digi.ub.uni-heidelberg.de/

diglit/Alberti/1546.

–––– L’architettura, tradotta in lingua Fiorentina da Cosimo Bartoli, Firenze, 1550, acessível in

http://www.e-rara.ch/. – Reedição de 1565, ed. facsimil, Bologna, 1985, Arnaldo Forni.

–––– L’architecture et Art de Bien Bastir du Seigneur Leon Baptiste Albert..., traduicts de Latin en

François, par deffunct Ian Martin..., Paris, 1553, acessível in http://architectura.cesr.univ-tours.fr.

–––– Los Diez Libros de Architectura..., traduzidos de Latin en Romance..., Francisco Loçano (Lozano),

Madrid, 1582, acessível in http://bibliotecadigitalhispanica.bne.es/.

–––– Ten Books on Architecture..., by James [Giacomo] Leoni, London, 1715, ed. facsimil, London,

1965, A. Tiranti; 2.ª ed. 1726, acessível in http://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/Alberti/1726.

BURN, A. R., The World of Hesiod: A Study of the Greek Midles Ages, c. 900-700 b.C., London,

1936, New York, 2d ed. 1966, Benjamin Blom.

DEFORGUE, B., Eschyle, poète cosmique, Paris, 1986, Les Belles Lettres.

–––– Une vie avec Eschyle. Verité des mythes, Paris, 2010, Les Belles Lettres.

DUCHEMIN, J., Prométhée: histoire du mythe, de ses origines orientales à ses incarnations modernes,

Paris, 1974, Les Belles Lettres.

ESCHYLE, «Prométhée enchainé (Προµηθεύς δεσµώτης)», in ESCHYLE, Tragédies, Tome I, texte

établi et traduit par P. Mazon, Paris, 2e ed. 1931, 14e tirage revu et corrigé 2002, p. 149-199.

–––– Prométhée enchaîné, trad. par J. Grosjean, Paris, 2001, Les Belles Lettres.

ESIODO, «Teogonia», in Opere, a cura di A. Colonna, Torino, 1964, ristampa di 1977, UTET.

ESQUILO, Prometeu Agrilhoado, trad. e pref. por E. Scarlatti, Lisboa, 1942, Cosmos.

–––– Prometeu agrilhoado, trad. de Vergílio Martinho, Lisboa, 1974, Editorial Estampa.

–––– «Prometeo», in Tragedias, trad. y notas por B. Perea, introd. general por M. Fernandez Galiano,

Madrid, 1987, Editorial Gredos.

FINAZZO, G., La realtà di mondo nella visione cosmogonica esiodea, Roma, 1971, Ed. Ateneo.

GAYO, G. M., «El mito de la edad de oro en Hesíodo», in Perficit 4, Madrid, 1973, p. 65-100.

GRIFFITH, M., Aeschylus. Prometheus Bound, Cambridge, 1983, critical ed. by…, Camb. Univ. Press.

HEITSCH, E. (Hrsg.), Hesiod (Wege der Forschung, Bd. 44), Darmstadt, 1966, Wissenschaftliche

Buchgesellschaft.

HESIOD, «Theogony», in Theogonie. Works and Days. Testimonia, edited and translated by G. W.

Most, Camb. / Mass.-London, 2007, Loeb Classical Livrary / Harvard University Press.

12

HÉSIODE, «Théogonie», in Théogonie - Les Travaux et les Jours - Le Bouclier, texte établi et traduit

par P. Mazon, Paris, 1928, 17e tirage 2002, p. 3-68.

HESIODO, «Teogonía», in Obras y Fragmentos, introd., trad. y notas de A.P. Jiménez y A. M. Diez,

Madrid, 1990, p. 63-113.

–––– «Trabajos y Dias», in ob. cit. (1990), p. 115-67.

HOMMEL, H., Wege zu Aischylos, Darmstadt, 1974, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2 Bde.

ISIDRO PEREIRA, S. J., Dicionário Grego-Português e Português-Grego, Porto, 1951, Braga, 7.ª ed.

1990, Livraria Apostolado da Imprensa.

LAMBERTON, R., Hesiod, New Haven, 1998, Yale University Press.

LESKY, A., Die griechische Tragödie, Leipzig, 1938, Alfred Kröner – (ed. brasileira, A Tragédia

Grega, trad. de J. Guinsburg, S. Paulo, 1971, Ed. Perspectiva).

–––– Geschichte der griechischen Literatur, München, 1957-58, K. G. Saur – (ed. portuguesa, História

da Literatura Grega, trad. de M. Losa, a partir da 3. ed. 1971, Lisboa, 1995, Fund. Gulbenkian).

LUCRÉCE, De la nature (De rerum natura), Livre V, 925ss., texte établi, trad. et annoté par A. Ernout,

Paris, 1921, 2e ed. 1964, 8e. tirage 2003, Collection des Universités de France / Les Belles Lettres.

MEDRANO, G. L., Prometeo: Biografías de un mito, Madrid, 2001, Editorial Trotta.

MORE, Th., Utopia, ed. with introd. and notes by E. Surtz, S. J., New Haven-London, 1964, Yale

University Press.

MORUS, T., Utopia, trad. de J. Marinho, notas e posf. de P. Gomes, Lisboa, 12.ª ed. 2000, Guimarães.

MORREAU, A. M., Violence et chaos: le monde d’Eschyle à travers ses mythes et ses métaphores,

Paris, 1985, Les Belles Lettres.

MUMFORD, L., The Story of Utopias, New York, 1922, Compass Books / Viking Press, reed. with a

new introd. by the autor, New York, 1962, Dover. – Há edição portuguesa recente, A História das

Utopias, trad. de I. D. Botto, revisão de C. S. Pereira, Lisboa, 2007, Antígona.

MURRAY, G., Aeschylus: The Creator of Tragedy, Oxford, 1940, Clarendon Press.

SCHMIT, J. U., «Die Einheit des Prometheus-Mythos in der Theogonie des Hesiod», in Hermes 116,

1988, p. 129-156.

SIMÕES FERREIRA, J. M., «A “Utopia Edificatória”, em Alberti», Lisboa, 2007, artigo inédito,

aprovado para publicação em versão inglesa na Albertiana.

STEINER, G., Der Sukzessionsmythos in Hesiods Theogonie und ihren orientalischen Parallelen,

Hamburg 1958, Dissertation.

VERNANT, J.-P., Mythe et pensée chez les grecs: Études de psycologie historique, Paris, 1965, François

Maspero – (ed. brasileira, Mito e Pensamento entre os Gregos: Estudos de Psicologia Histórica,

trad. de H. Sarian, Rio de Janeiro, 1973, Editora Paz e Terra).

VITRUVE, De l’architecture (De architectura), Livre I, texte établi et trad. par Ph. Fleury, Paris, 1990,

Collection des Universités de France / Les Belles Lettres.

–––– De l’architecture (De architectura), Livre II, texte établi et traduit par L. Callebat, introd. et

13

commenté par P. Gros, recherches sur les manuscrits et apparat critique par C. Jacquemard, Pa-

ris, 1999, Collection des Universités de France / Les Belles Lettres.

WARTELLE, A., Bibliographie historique et critique d’Eschyle et de la tragédie grecque 1518-1974,

Paris, 1978, Les Belles Lettres.

WITTGENSTEIN, L., Culture and Value, transl. of German by P. Winch, ed. by G. H. von Wright in

collab. with H. Nyman, Chicago – (ed. portuguesa, Cultura e Valor, trad. de J. Mendes, revisão

de A. Mourão, Lisboa, 1996, Edições 70).