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crônicas reunidas, publicadas em jornais e blog do autor
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Ao bom Deus dedico a presente,
e sempre aos meus familiares que
me acolhem de forma tão serena.
E a todos os mestres que contribuíram
de uma forma ou outra para que eu pudesse
desenvolver o que me proponho... Talvez
não a melhor obra, mas o melhor que posso,
Também, com amor e carinho a todos que dedicam um
pouco de suas vidas à leitura de meus rabiscos...
2
APRESENTAÇÃO
O presente, trata-se de uma coleção de crônicas publicadas
nos jornais Folha do Iguaçu e Jornal do Folha do Iguaçu,
além das publicações no blog Devaneios Literários do
Lima. São obras ficcionais, em que se propõe
principalmente o entretenimento. Pensar a realidade às
vezes é meio que olhar para caminhos que nem sempre
entendemos ou aceitamos, talvez a ficção nos ponha uma
pouco mais próximo da fuga da dura realidade que nos
circunda, e lá, quiçá possamos enfrentar a nossa realidade
com mais um pouco de humor, ou quem sabe, até mesmo
com mais amor.
Uma boa leitura a todos e uma boa viagem!
O Autor.
3
SumárioDIPLOMACIA NO ÔNIBUS............................................6UM PASSAGEIRO MUITO IMPORTANTE..................10HORA DO ALMOÇO......................................................16A IDADE MUITO ALÉM DA APARÊNCIA..................20O ATO DE ESCREVER...................................................24O ELOQUENTE SÁBIO.................................................27VOLTA POR CIMA.........................................................29ARMAS............................................................................341000 ACESSOS – UM ATO DE GRATIDÃO.................35PASSIONAL....................................................................38UM HOMEM CAÍDO NO CHÃO..................................39ONDE ESTÁ A MUSA QUE ENFEITA MINHAS LEMBRANÇAS? ............................................................41QUEM ALGUM DIA NÃO FEZ POESIA?....................43PALAVRAS... PALAVRAS... ..........................................45UMA DOCE TENTAÇÃO ..............................................46ACAMPAMENTO NA NOITE DE PRIMEIRO DE ABRIL - A PANELA DE DINHEIRO.............................48O CONCLAVE, TEMOS PAPA, BATEU NA TRAVE....55SURPREENDA-ME (MINICONTO) .............................59UM GRITO NA ESCURIDÃO........................................61COISAS DA POESIA .....................................................64POBRE MENINA............................................................66 A OBSCURA VIDA DE JULIÃO DOS TOMATES.......67SAUDADE DO AVÔ ......................................................68EU E EU MESMO..........................................................69O MERCADOR DA LIBERDADE.................................71POEMA SEM VOLTA.....................................................75
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DEIXE-ME CAMINHAR NA PRAIA LENTAMENTE... ..........................................................................................77HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE VINÍCIUS DE MORAES..........................................79CELEBRO A VIDA EM VERSOS..................................82UMA PEQUENA REFLEXÃO SOBRE LEITURA DE OBRAS LITERÁRIAS ...................................................84UMA TERNA HOMENAGEM AOS PAIS.....................87ONDE ESTÁ A MUSA QUE ENFEITA MINHAS LEMBRANÇAS?.............................................................89BOTECO..........................................................................91UM HOMEM CAÍDO NO CHÃO..................................94BORBOLETA..................................................................96 O BOITATÁ..................................................................100O BOLO DO DILEMA..................................................108NOITE DE NATAL........................................................111OLHOS BRANCOS ......................................................113MAIS UM BRASILEIRO..............................................114DIALÉTICA AMOROSA..............................................117O PROTESTO................................................................119O MERCADOR DA LIBERDADE...............................123
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DIPLOMACIA NO ÔNIBUS
Conversava com um ex-colega de Faculdade, o assunto:
como andava o respeito entre as pessoas. Falávamos dos
bons modos de como sempre que possível cumprimentar
as pessoas, ceder lugar àqueles que tivessem preferência
como: idosos, gestantes e demais pessoas que
necessitassem. Comentava que isso virou hábito para mim
que vez ou outra nem me dou conta vou em pé mesmo,
mesmo havendo poltronas vagas.
Ele, meu colega, me contou que algumas vezes passou por
situações estranhas que lhe aconteceram em tal
empreitada. Numa vez ele percebeu uma senhora de muita
idade entrar. Prontamente se dirigiu à mesma e lhe cedeu
sua poltrona. Quando se virou para seu antigo lugar, com o
intuito de mostrar para senhora qual era, já não estava
mais vago, uma mocinha folgada já havia sentado lá, sem
ao menos se importar com quem ou a quem se pretendia
ceder o lugar.
Diplomático, meu colega respirou fundo. Olhou para a
senhorinha. Cabelos brancos, meio arqueadinha pelos
6
anos, com os olhinhos bem apertados – quase que
fechados – talvez pelo brilho da luz e ou pelo brilho dos
anos. Indignado ficou pela covardia. Não sabia se chegava
lá e tirava a moça à força, se xingava até a mesma se tocar
ou se ia até o cobrador pedir que alguém cedesse lugar à
pobre senhora. Uma moça de azul, sem a mesma
diplomacia do meu amigo, esbravejou escandalosamente
“já tem bicho folgado neste mundo” sem ao menos
disfarçar a quem se destinava tal observação – deveras
merecida. – A invasora de poltronas alheias – mal-educada
– estava escandalosamente ornada com quase um quilo de
piercing e uma cara de quem acabara de acordar. Meu
amigo – embora não precisasse de tal ajuda – agradeceu
em pensamentos a moça de azul que fez o comentário e
ficou feliz por não precisar gastar seu latim nem de sua
diplomacia na reconquista de território.
A mocinha folgada com um sorrisinho amarelo levantou-
se e cedeu o lugar para a vovozinha. Problema resolvido.
A senhorinha seguiu lentamente até a poltrona. Não se
sentou. Segurou-se entre as poltronas e ficou guardando
seu lugar com seu corpo. Neste momento meu colega
olhava a anciã e dizia consigo mesmo “agora ela senta”. E
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nada. Passavam-se uns três pontos e a senhorinha, ainda,
em pé. Ela falou com sua estremecida vozinha: “tem que
esperar esfriar, nunca se sabe quem tá doente e tem doença
que se pega pelo calor”, soou como algo sábio, mas meu
amigo remoeu-se não pela poltrona, mas pela paciência da
dona. Pensou “temos que ter paciência com as pessoas de
mais idade”. “Acho que agora já tá bom” – falou, nossa
senhorinha, olhando para as pessoas ao seu redor -. Já
haviam se passado mais cinco pontos. Nossa pacienciosa
senhora assentou-se e sorriu. Meu amigo me confessou –
sorridentemente – que já estava de plano de requisitar de
novo sua poltrona – brincou -. Respirou fundo. Consultou
seu manual de boas maneiras. Percebeu que quase todos os
vidros do ônibus estavam fechados e resolveu – não mais
por ele que logo desembarcaria, mas sim pelos demais que
ali ficariam – abrir as janelas e de uma só vez abriu umas
cinco. “Ônibus lotado”, disse ao vácuo. “Tem doença que
se pega pelo calor” concordou a senhorinha “e outras que
se pegam pelo ar”. Com a cabeça alguns concordaram,
mas com cara feia uns nem se manifestaram. Pensou “o
povo não se importa com sua saúde, nem com a saúde dos
outros, mas… quem sou eu pra mudar isso”. Acionou a
8
campainha, e pediu licença, uns dez estavam na porta e
nem se mexeram para deixá-lo passar. Decidiu dar uma
forçadinha. Ele ouviu algumas manifestações dentre elas
“tem gente que não tem mesmo educação” pareceu vir da
moça de azul que tomou o lugar da vovozinha – mas não
se importou – precisava descer. Olhou bem para as
pessoas, pensou em revidar, engoliu diplomaticamente um
“vá à …” sorriu amarelo e desembarcou.
(Marcio de Lima)
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UM PASSAGEIRO MUITO IMPORTANTE
Estava sentado na poltrona de um ônibus, quando entrou
um franzino senhor de idade. Aquele senhor me chamou a
atenção. Não sei muito bem por quê. Ele estava vestido
com uma surrada calça social e um paletó de cor clara,
chapéu na cabeça. Tinha cabelos brancos e a pele
escurecida e marcada pelo tempo.
O tempo correu em minha mente e retornei a minha
infância. Lembrei-me dos meus parentes de mais idade,
bem como dos velhos amigos da família, de suas histórias
contadas com tremenda tenacidade e veemência, pelo
menos a meu ver. A cada história contada, viajava e
admirava respeitosamente o locutor, embora houvesse
simplicidade em suas palavras jamais perdiam a coerência,
jamais eram perdedores, sempre eles os mocinhos, mesmo
que anti-heróis.
O senhorzinho passou a roleta com um olhar triste e
cansado. As pessoas não o perceberam. Entendi, claro, que
elas não o conheciam e não sabiam de suas histórias, de
10
sua história, de sua importância. Ao contrário pessoas
jovens entravam no ônibus e eram notadas,
cumprimentadas, talvez até invejadas.
O triste senhor seguiu lentamente até se assentar.
Continuei a relembrar do passado. Senti uma vontade de
me levantar e ir até aquele senhor, abraçá-lo. Como se
fosse uma presença viva do meu passado. Neste momento
reforcei a ideia de que muito da afetividade passada aos
que amamos é transmitida pelas histórias que contamos,
pelo tempo vivido com os nossos, pela partilha em forma
de doação e interesse pelo semelhante. Os meus
antepassados tinham - e ainda têm problemas -,
frustrações, limitações. Mas isso não os abalava, e em suas
narrativas encontravam os seus refúgios, talvez para dar
força?, talvez para ensinar a olhar sempre pra frente
reescrevendo suas vivências, de forma positiva e
saudável?, talvez fosse mais do que isso, talvez nem
percebessem o quanto faziam felizes e importantes as
crianças que os escutavam.
Atualmente, lendo sobre frustrações da vida moderna e
suas consequências, percebi que isto que eles faziam
encontra um embasamento na psicologia bem grande
11
como uma das formas de manter a mente sadia, tanto para
quem conta as suas histórias como para aqueles que as
ouvem. Seus embasamentos vinham pela vivência
empírica do amor e da doação.
Aquela figura daquele senhor me fez perceber que às
vezes nos esquecemos dos mais velhos e de suas
experiências. Vaziamente trocamos suas vivências pelas
infinitas cabeçadas pela vida, que às vezes deixam-nos
marcas que poderiam ser evitadas. Tão vazios andamos.
Quando vemos pessoas de mais idade não sentimos mais
necessidade de abraçá-las, não ouvimos mais suas
preciosas histórias, e ao invés de um ato de carinho
recebemos e enviamos um frio e quase sempre desalmado
e-mail com frases feitas e repetidas como se não
houvéssemos mais capacidade de dizermos palavras
simples mas verdadeiras carregadas de emoção, e algumas
vezes sem mesmo proferirmos uma palavra executarmos
atos que falariam por si só, como um simples e singelo
olhar com respeito e admiração.
Cheguei em casa com uma porção de novidades (pelo
menos para mim era, embora soubesse-as medíocres) para
contar à minha esposa.
12
Ela na frente da televisão extasiada, sem nem piscar, sem
ao menos me perceber. Dei um beijo nela. Ela com um
olho em mim e o outro na tevê. Eu fui para mesa almoçar,
todos já haviam almoçado. Ela na sala sentadona, na boa
(como dizem os mais jovens). Da mesa perguntei se ela
havia notado alguma diferença em mim. Resolvi devolver
os motes de tantos xingões que havia tomado por não
perceber quando ela cortava uns três centímetros do
cabelo, mudava-o de castanho escuro para castanho um
pouquinho mais escuro, e outras coisas a mais que servem
de motivo para aquelas briguinhas de casal e, que
sinceramente, o homem não percebe (a ciência deve
explicar, senão o dito popular explica) mas, não é por
maldade, é porque realmente não percebemos (pelo menos
eu não percebo. Desculpo-me com aqueles que percebem
e sobre a generalização). Então, como sempre maltratado
por tal desleixo de observador, perguntei porque achei que
se elas cobram tal capricho é porque são realmente
observadoras e se ligam em tais detalhes. Acho que me
decepcionei. E, ainda para dar um gostinho a mais apelei
para o sentimentalismo barato, falei “E elas dizem que
somos nós homens os insensíveis!”.
13
Havia cortado o cabelo. Lógico, que meu cabelo só
aparece mais volume dos lados, em cima é quase que
imperceptível, é mais ou menos (digamos assim) modelo
palhaço Bozo. Mas ela deveria ter notado.
Ia contar a ela sobre minha manhã de serviço, sobre meus
problemas, do trânsito, dos buracos das ruas agilmente
desviados como se fosse motorista de rally, dos xingões
dos apressadinhos mal-educados, dos números cada vez
maior dos casos da gripe suína, dos chazinhos para
preveni-la e outras coisas importantíssimas (pelo menos
para mim como já disse).
Sentei-me à mesa sozinho. Nem meus piazinhos se
sentaram comigo ou vieram me ver, assistiam em outro
cômodo uma série daquelas de super-heróis robóticos que
deixam umas lições incríveis de como a piazada deve se
quebrar na porrada, pelo menos é o que eles fazem logo
após assistirem tal série. Deve ser o efeito catártico...
Resolvi algo meio que suicida. Disputar espaço com a
televisão. Gritei “viu algo diferente???” e ela “Onde?”
Recuei momentaneamente, como um experiente
estrategista, bradei “deixe pra lá” Pensei “daqui a pouco
termina o episódio da tevê e ela vem me dar atenção.
14
Criancice minha agir assim. Pura pirraça. Mas de vez em
quando é interessante agir dessa forma. Fiquei a imaginar:
eu um marido-tevê. Com um aparelho televisor na cabeça.
Marido ideal. Falaria sempre algo interessante, teria
sempre novidades de todos os assuntos, dinâmico, em
cores ajustáveis ao gosto dela e de seu humor e
combinações, não reclamaria, se reclamasse ela mudaria
de canal, enfim um maridaço (vê o que é a dor da carência
afetiva).
Continuei mastigando meus pensamentos. Uma colherada,
uma pensada, para não misturar porque não sei fazer mais
que uma coisa por vez.
Terminou o programa a que ela assistia. Ela vem
sorridente e me pergunta “Que você disse?” Mastigando,
mastigando, rindo com sorriso amarelo, verde, preto.
Fechei a boca. Limpei meus dentes com a língua, um gole
de suco. Respondi “Nada! Esqueça! Já começou o meu
jornal? Não perco um”. Da cozinha enquanto ela lavava a
louça, e eu assistia o jornal, ela me falou alguma coisa. Só
não me lembro exatamente o que era.
(12/08/2009).
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HORA DO ALMOÇO
Cheguei em casa com uma porção de novidades (pelo
menos para mim era, embora soubesse-as medíocres) para
contar à minha esposa.
Ela na frente da televisão extasiada, sem nem piscar, sem
ao menos me perceber. Dei um beijo nela. Ela com um
olho em mim e o outro na tevê. Eu fui para mesa almoçar,
todos já haviam almoçado. Ela na sala sentadona, na boa
(como dizem os mais jovens). Da mesa perguntei se ela
havia notado alguma diferença em mim. Resolvi devolver
os motes de tantos xingões que havia tomado por não
perceber quando ela cortava uns três centímetros do
cabelo, mudava-o de castanho escuro para castanho um
pouquinho mais escuro, e outras coisas a mais que servem
de motivo para aquelas briguinhas de casal e, que
sinceramente, o homem não percebe (a ciência deve
explicar, senão o dito popular explica) mas, não é por
maldade, é porque realmente não percebemos (pelo menos
eu não percebo. Desculpo-me com aqueles que percebem
e sobre a generalização). Então, como sempre maltratado
por tal desleixo de observador, perguntei porque achei que
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se elas cobram tal capricho é porque são realmente
observadoras e se ligam em tais detalhes. Acho que me
decepcionei. E, ainda para dar um gostinho a mais apelei
para o sentimentalismo barato, falei “E elas dizem que
somos nós homens os insensíveis!”.
Havia cortado o cabelo. Lógico, que meu cabelo só
aparece mais volume dos lados, em cima é quase que
imperceptível, é mais ou menos (digamos assim) modelo
palhaço Bozo. Mas ela deveria ter notado.
Ia contar a ela sobre minha manhã de serviço, sobre meus
problemas, do trânsito, dos buracos das ruas agilmente
desviados como se fosse motorista de rally, dos xingões
dos apressadinhos mal-educados, dos números cada vez
maior dos casos da gripe suína, dos chazinhos para
preveni-la e outras coisas importantíssimas (pelo menos
para mim como já disse).
Sentei-me à mesa sozinho. Nem meus piazinhos se
sentaram comigo ou vieram me ver, assistiam em outro
cômodo uma série daquelas de super-heróis robóticos que
deixam umas lições incríveis de como a piazada deve se
quebrar na porrada, pelo menos é o que eles fazem logo
após assistirem tal série. Deve ser o efeito catártico...
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Resolvi algo meio que suicida. Disputar espaço com a
televisão. Gritei “viu algo diferente???” e ela “Onde?”
Recuei momentaneamente, como um experiente
estrategista, bradei “deixe pra lá” Pensei “daqui a pouco
termina o episódio da tevê e ela vem me dar atenção.
Criancice minha agir assim. Pura pirraça. Mas de vez em
quando é interessante agir dessa forma. Fiquei a imaginar:
eu um marido-tevê. Com um aparelho televisor na cabeça.
Marido ideal. Falaria sempre algo interessante, teria
sempre novidades de todos os assuntos, dinâmico, em
cores ajustáveis ao gosto dela e de seu humor e
combinações, não reclamaria, se reclamasse ela mudaria
de canal, enfim um maridaço (vê o que é a dor da carência
afetiva).
Continuei mastigando meus pensamentos. Uma colherada,
uma pensada, para não misturar porque não sei fazer mais
que uma coisa por vez.
Terminou o programa a que ela assistia. Ela vem
sorridente e me pergunta “Que você disse?” Mastigando,
mastigando, rindo com sorriso amarelo, verde, preto.
Fechei a boca. Limpei meus dentes com a língua, um gole
de suco. Respondi “Nada! Esqueça! Já começou o meu
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jornal? Não perco um”. Da cozinha enquanto ela lavava a
louça, e eu assistia o jornal, ela me falou alguma coisa. Só
não me lembro exatamente o que era.
Marcio de Lima
(12/08/2009).
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A IDADE MUITO ALÉM DA APARÊNCIA
A noite de 25 de setembro de 2010 na cidade onde resido,
Guarapuava, ficará na minha memória como um dia que
alguns tabus para muitos foram quebrados, não só em
questão da idade, mas provocou também a reflexão de
como eles se formam e precisam ser superados para que a
humanidade possa se desenvolver de forma mais completa
(corpo e alma).
Indo ao fato. Aconteceu na citada noite uma festa da
melhor idade; agora mais do que nunca; sei porque melhor
idade – pois várias pessoas que já passaram dos 50 anos
festejavam a vida em uma das suas melhores
manifestações, ou melhor, como ela deveria ser celebrada
– em muitos momentos - pelas pessoas: com alegria,
respeito, arte e encanto.
A alegria era um brinde à vida que se estendeu
generosamente dando-lhes experiência, opção de escolha,
sabedoria e equilíbrio entre corpo e alma.
O respeito foi um tempero que encontrei lá e está faltando
a muito dos nossos jovens e nesta festa foi brindada, pois
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idades se fundiram – todos eram jovens todos eram idosos.
Os jovens presentes, até onde pude perceber, respeitaram
os mais idosos que receberam este afeto com
generosidade, numa simbiose para o crescimento
espiritual, pois neste campo não há idade.
A arte ficou por conta das apresentações artísticas de
pessoas que optaram pela vida, deixando para trás suas
dificuldades físicas e de uma vida inteira sem ter a chance
de praticar o que gostavam – por exemplo dança – por não
terem tempo pelos seus afazeres; não terem um grupo que
os acolhesse; por terem inerte algo que nem eles ao
menos sabiam; não encontrarem pessoas que os acolhesse
ou os motivasse. Então, superando a tudo o que citei, e o
que cada um deles guardava em suas histórias, eles se
apresentaram, dançaram como jovens (pelo menos
fisicamente falando), emocionaram, encantaram e
deixaram a plateia (a qual estava divida entre jovens e
jovens da melhor idade) uma lição: a vida vale a pena e a
arte é necessária. Além de tudo, o espetáculo foi de brilho,
de sedução e da sábia decisão: optar pelo movimento é tão
necessário ao homem a seu equilíbrio físico e mental,
ainda mais quando mais quando é feito com amor e
21
dedicação.
O que também chamou a atenção foi a principal atração da
noite, o show do quase sexagenário Sidney Magal.
Confesso, surpreendeu a todos. Quanta energia! quanta
sedução! quanta simpatia! O público feminino foi ao
delírio aos calientes passos deste que já foi um dos nossos
maiores ícones por quase duas décadas. O que
surpreendeu mesmo foi a sua energia: dançou como -
diríamos nós guarapuavanos – como um guri. Sua potente
voz incendiou a plateia deixando a todos atônitos. A arte
quem a faz com amor, paixão, consegue se eternizar:
presenciei tal assertiva. O coro “ô eu te amo meu amor”
parecia um só e todos freneticamente ajudavam o ecoar
pelo salão, eram aproximadamente nos meus cálculos três
mil vozes. O Show acabou. A plateia pediu encantada,
apelando ao carisma do astro-cigano, mais uma música, o
qual atendeu prontamente com a simpatia de sempre.
Deixou no ar a pergunta (sem mesmo fazê-la) a arte
envelhece? A resposta talvez seja essa: não, ela – quem
sabe? - ajuda nutrir a alma – pelo menos nos sentimos bem
melhor – foi assim que me senti. E,..., quem sabe
alimentados por ela em eventos assim, nós jovens
22
consigamos chegar à melhor idade com um espírito jovem
e saudável.
Enfim, este espetáculo me ensinou muito (no mínimo
renovou o que já sabia). Devemos respeitar as pessoas
independentemente de todas diferenças. Somos iguais, o
que nos diferencia é esta capa mortal a qual carregamos
por toda a vida, ela sim envelhece, o que é essência não.
Mas, este invólucro capta a energia externa, devemos
cuidar bem dele sim, pois nos foi dado pelo grande mestre
como presente de amor e sem preço. Em momentos assim,
somos levados a pensar em algumas coisas – o que é
interessante – mesmo desafiando o que nos propõe o
estressante ambiente em que vivemos – devemos almejar o
equilíbrio do que somos: corpo, alma e coração.
Marcio José de Lima
26/09/2010.
23
O ATO DE ESCREVER
Eu por muito tempo fui ligado mais na leitura de mundo
do que na leitura de livros, revistas, jornais, achava que
para mim era um exercício muito desgastante. Na
verdade, penso que era preguiça mesmo. Um dia comecei
a escrever. Era um ato egoísta. Gostava de escrever,
todavia, não tinha paciência de ouvir/ler outros. Veja só. A
prática da escrita faz nascer no indivíduo o hábito da
leitura (pelo menos foi assim para mim), assim como para
muitos o hábito da leitura faz nascer o hábito da escrita.
Aprendi isso, meio que à força. Você começa a escrever,
faltam palavras, faltam argumentos, falta conhecimento de
causa etc. Daí vêm o dicionário e a gramática, que ajuda a
conhecer novas palavras, grafias, faz-se a adequação das
palavras ouvidas no dia a dia etc. Vem o ouvido atento,
que teima em tentar ouvir as conversas alheias buscando
um mote para escrita. Vem a leitura do jornal. E dá-lhe
busca na vida alheia, nos pensamentos alheios para o
autoconhecimento, autoafirmação, criação de estilo
próprio (conheço o outro e vejo-o como o outro, esse não
sou eu, então quem sou?).
24
Parece um ato insano. Foi assim que me senti quando
comecei a perceber que escrever é um ato muito
desgastante, faz você se sentir como se fosse um ser
perdido. Pois o indivíduo pega-se falando pelos cantos,
observando a vida de outrem para atear fogo à imaginação.
Abaixa-se para ver um pouco melhor a flor encoberta de
pó que teima em habitar a beira da estrada (sua beleza está
lá, escondida, mas está). Tenta sentir a tristeza de alguém,
mesmo que não o interrogue, sabe-a, imagina-a, sente-a
como se pudesse fazer compreender o imenso vazio que
habita o seu ser. As letras, as palavras, as sentenças, os
parágrafos, enfim os textos começam a incomodar. Então,
o papel pede para ser refúgio teimando em ser abrigo de
um desabafo qualquer - quanta felicidade estou livre – e a
obra toma corpo, encarnece-se, faz-se coerente (pelo
menos pretende-se assim) busca ser bela, despertar a
beleza, encantar (às vezes quem escreve se encanta mais
com a obra do que realmente ela poderia encantar) – mas é
sua menina querida – cuida-a, venera-a, até sente saudade
dela quando fisicamente se distancia.
Enfim, para mim escrever se tornou um exercício
necessário – ajudou a me entender (mesmo sendo isso
25
deverasmente difícil) mas acho que eu me entendo um
pouco mais – gosto de escrever, e, já não sou tão egoísta
(leio outros escritores, escuto outros escritores e reparto
um pouco do que escrevo) e acho que isso está me fazendo
bem, pois tenho encontrado o prazer em viagens que antes
eu não imaginava e às vezes trago comigo amigos que
antes eu os tinha tão distantes e o exercício que era
solitário às vezes é feito à companhia de muitos – e isso
me faz feliz porque o homem nasceu para ser feliz – e é
quase impossível sê-lo sozinho – e as novas leituras de
mundo ficam mais inteligíveis porque as pessoas me
ajudam a desofuscar e dar graça àquilo que antes me
parecia tão obscuro.
(Marcio José de Lima)
26
O ELOQUENTE SÁBIO
Um Sábio homem proferia silenciosamente o seu discurso.
Nem abanos no ar. Nem entoação. Nem entonação. O
vácuo prosódico imperava.
Somente negava a tudo. Não falava. Não criticava. Não
escrevia. Não chorava. A tudo - sem nada argumentar –
dizia “não”.
Seus lábios mornos. Seu olhar cativante. Seu sorriso
aberto. Seu corpo a falar: “Não!.” Assim, a multidão o
seguia. E ele ensimesmado no silêncio a refletir.
A criança falava. A mulher falava. O homem falava. O
ancião falava. O Sábio ouvia, somente ouvia.
Sem nada dito pelo Sábio, os homens reticentes,
exclamativos, afirmativos: aprenderam.
Em um dos seus mais eloquentes discursos o Sábio
sentou-se ergueu os olhos ao céu, juntou as mãos, e,
escutou sem nada dizer – aos felizes por isso – um número
de duas mil setecentas e dezessete pessoas. Sentiu-se feliz
e em paz passando a proferir por extensos quinze
segundos um largo e imenso sorriso.
27
VOLTA POR CIMA
O lotação para mim é um lugar muito bom, pois para
quem gosta de histórias ele oferece oportunidade de ouvir
muitas. E ali, ali no lotação ouvi diversas, umas
engraçadas, outras trágicas, outras quem não muito
interessantes, mas possuíam alguma riqueza – mesmo em
um primeiro momento apresentando-se como medíocre.
A que hoje narro aconteceu em um dos dias que
antecedem o dia das mães. Estava a procurar nas falas das
pessoas um motivo para escrita – esse é um dos meus
vícios, não sei se gosto, mas até agora não consegui me
livrar dele. Talvez, agora apelando para sua paciência,
convido-o para um brinde, sim um brinde. Uma dose de
vida, manifesta em uma de suas formas mais pura: o Amor
de Mãe. Então vamos à narrativa.
Havia algo de interessante naquela conversa. Uma senhora
e uma moça a conversar. A mais velha com água no olhar
contava de seu filho.
– Encontrei-o no lixo minha filha. Recém-nascido.
Pasme e se assuste. Todo mordido por insetos,
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inchado, com frio, uma criaturinha abandonada à
míngua. Os médicos me falaram que ele não ia
sobreviver. Mas seu olhar me dizia algo, embora
tão pequeno, tão indefeso, clamava à vida. Parece
que entendia. E eu - para não sofrer mais que ele -
naqueles momentos procurei não sentir sua dor. O
que talvez foi inútil. Senti-a. Talvez como a mãe
que ele não teve.
(Pausa)
Engoliu as lágrimas e continuou a conversa.
– O bombeiro que o atendeu me falou que ele não ia
sobreviver. E era pra eu não alimentar esperanças.
E, se ele sobrevivesse teria muitas sequelas.
Nesta hora seu olhar como se ardesse. A expressão de dor,
o olhar ao longe.
– Mas... mesmo assim falei que ia adotá-lo. Sabia
que nesse negócio de viver ou... depende só de
Deus. E eu acreditava. Ele ia viver. (uma nova
pausa)
Gostaria de abrir aqui um parêntesis sobre o poder da fé e
da vida sobre o sopro gelado da não-vida. Acredito em
algo maior. E algumas vezes a pura ânsia do viver supera
30
miraculosamente todos os percalços e a estrada que
aparentemente tem fim (materialmente falando) segue
alegre como um dia de verão. O milagre então se faz e
neste caso...
A curiosa moça a interrogava.
– E daí o que aconteceu?
Já com mudança no semblante, como quem comemora
uma vitória a senhora continuou.
– Cinco dias no hospital, à base de antialérgico e
anti-inflamatório, sei lá mais o quê, à vigilância de
enfermeiras na UTI, bem como à base de círculos
de oração, novenas em intenção àquela frágil e
solitária criança. E... como num milagre...
sobreviveu o danadinho.
Após este relato... Soltou um largo sorriso.
– Hoje sou a mãe adotiva mais feliz do mundo.
Quanta alegria. Quanto orgulho. Tinha-o como modelo.
Que filho – desejo de todo pai, de toda mãe - na visão
dela, por possuir um olhar verdadeiro – assim acreditei.
Assim me emocionei. Assim partilhei tão verdadeira
manifestação.
– Olha aqui minha filha. Não é que eu não queira
31
bem meus filhos. Mas de todos, esse é o que mais
me dá orgulho. Nenhum dos que tem o meu sangue
me respeita tanto como ele. E, reconhece o meu
duro ofício de mãe. Boa pessoa, honesto, canta na
igreja, parece um anjo cantando.
A moça confessou que sabia de quem se tratava – mas não
sabia-o até aquele momento seu filho. Também afirmou
que realmente se emocionou ao cantar do jovem.
– Realmente ele canta muito bem.
O que mais me deixou emocionado – agora comovido com
a história – foi como ela falou da mãe que o abandonou.
– Veja só você. O que me deixa com pena é saber
que a mãe que o abandonou, diga-se de forma
cruel, nenhum momento de sua vida teve a alegria
que esta mãe postiça teve. Um filho sem
dissabores. Tenho pena mesmo.
A moça a sentir a emoção da mãe encheu os olhos de
lágrimas e, na minha opinião, refletiria sobre o verdadeiro
significado da palavra “Mãe”.
Com um nó na garganta, orgulhei-me desta sofredora mãe,
e, também senti pena daquela que o abandonou – quando
uma senhora de cabelos brancos - disse que no dia em que
32
emocionada ouviu aquela quase celeste voz arrancar
choros numa missa como outra qualquer em um final de
semana, como outro qualquer.
A viagem continuou. E, poucos pontos depois cheguei em
casa. Minha esposa estava a esperar. Com um nó na
garganta, abracei-a. Sem nada dizer, beijei-a. Ela sem nada
entender falou-me carinhosamente (minha esposa é
sempre carinhosa):
– Neste ano pouparei seu trabalho. Antes que você
ficasse constrangido por não ter comprado aquele
presente que você viu e quase comprou para mim,
eu tomei a iniciativa e comprei – pois afirmo –
você não tem tempo mesmo. Adorei. Foi, pela
descrição que você me fez o ano passado, aquela
blusinha que você passou bem perto de comprá-la
para mim. Ela é linda. Não é?
É! Minha esposa sempre foi uma ótima mãe – não posso
negar – também muito prestativa. (Realmente a blusinha
ficou linda). Ela conhece até meus pensamentos, até
mesmo aqueles que não tive.
33
ARMAS
Pensava nas armas que pusera em minhas mãos...
Agradeci-as. No entanto não sabia o que fazer com elas.
Mas mesmo assim me senti muito grande. Pus tudo nelas:
minha confiança, meus projetos, minha força... Esqueci de
mim, esqueci de Deus. Meus inimigos, com muito mais
preparo, muito mais perseverança – após me render e
tomá-las - fizeram de todas elas meu declínio. Hoje, não
as possuo em grande quantidade, porém as que em minhas
mãos repousam não são maiores do que a minha
confiança no Homem que detém todo honra, toda força e
todo o poder. E dessa forma, mesmo em batalhas – às
vezes tão sem sentido – a que mais uso é a que não é aço,
não é indestrutível, não tem alto poder de fogo, não tem
mira laser, conhecemo-na como a insígnia singela de FÉ.
(Marcio José de Lima)
34
1000 ACESSOS – UM ATO DE GRATIDÃO
Fiquei muito contente ao ter em meu blog os primeiros mil
acessos, e por isso escrevi uma crônica abaixo descrita,
pelo momento de culto à gratidão de pessoas que tiveram a
paciência de acessar um veículo que se pretendia meio de
comunicação de novos contos, crônicas e poesias por mim
produzidos, como segue.
Celebrar os primeiros mil acessos a um Blog é uma
vitória. Principalmente pelo fato de ter pessoas
interessadas em cultura (pelo menos, não por vaidade, mas
por intencionalidade, pretendo-o assim cultural) e pela
consideração de amigos que despendem alguns minutos de
sua vida para navegar em um mundo ficcional, seja ele da
poesia, da crônica ou do conto. Chamei-o Devaneios
literários. O dicionário on line de português define
Devaneio como sendo “Estado de espírito de quem se
deixa levar por lembranças, sonhos e imagens (…)”,
“Sonhos, quimeras, fantasias, ficções”. Essas definições se
coadunam com a essência de minhas criações e de minhas
escolhas de publicações, muitas, fruto, em sua maioria, da
35
imaginação: verdades fingidas. Não sei se essas
“verdades” agradam. Elas se pretendem artísticas, então
despertar o “Belo” - não em sentido restrito de beleza
estética: bonito, lindo, perfeito etc - seria sua simples
função – enfatizo despertar, não importa “o quê” se paz,
incômodo, reflexão, o preenchimento do ócio, e por que
não? raiva, ódio, desprezo etc, por essa contradição não
tenho certeza se agrada, mas... nem sempre agradamos,
todavia me agrada quando você leitor se manifesta
fazendo comentários, ou reproduzindo fragmentos de
pensamentos em suas anotações, seja nas rede sociais e
outras formas de citações. A Arte, doce e útil como
definiria o poeta Romano Horácio, ainda não sabendo se
posso dizer assim de meu trabalho, talvez você possa me
ajudar, se alguma vez te agradou ou te serviu para algo em
sua vida – então começa a ter cara de obra Artística, mas
só o tempo poderá dizer isso, lógico inclusive com sua
sábia contribuição. Sendo assim, espero ter sido nesses
poucos meses de criação do Blog um bom companheiro.
Agradeço pela companhia que me destes, caro leitor, nesta
viagem obstinada em entender um pouco mais esta vida –
que às vezes demonstra-se dura – mas mesmo em sua
36
dureza carrega a sutileza do ensinamento e da busca
incessante em nosso aperfeiçoamento enquanto ser
vivente, agente e reagente. Agradeço de verdade!
Marcio J. de Lima
37
PASSIONAL
Ele a olhava. Admirava sua dureza, frieza, parcialidade,
seus programas e missões religiosamente executados. Ela
não reclamava, não falava mal de seus amigos, tudo
resolvido, tudo produzido, não possuía problemas
existenciais. Havia talvez algo de passional em sua
admiração. Desejou-a. Sentou ao seu lado, a escutá-la.
Doze horas se passaram e ela com o mesmo fôlego. Vivia,
pensou. Talvez, sorriria? Quando pararia? Ela a escutá-lo.
Reclamou-se por 10 horas – ela trabalhava. Sentiu-se
pobre. Sentiu-se fraco. Chorou, dormiu. E, por ser
considerado um viciado em trabalho, foi dispensando para
o tratamento. Ela... semana que vem, logo após um
minucioso estudo de viabilidade, será substituída por uma
de última geração. Afinal, até os amores velhos um dia
precisam ser renovados.
(Marcio J. de Lima)
38
UM HOMEM CAÍDO NO CHÃO
Há um homem caído no chão. Quem se importa?
Bala ao peito. Sangue pintando a calçada. Um
sonho estendido no chão, uma esperança... Em
casa filhos riem inocentes. Um sonho desenha no
piso sua silhueta. Mas quem se importa? Todos
passam apressados, resignam-se com a lentidão do
trânsito, com a ignóbil figura, raquítica, de mãos
encouraçadas, de mochilas nas costas, com sua
térmica quebrada, marmita com um resto de comida
dando nojo nos transeuntes. Envergonha-lhes. O
ônibus vomita pessoas... Aos chutes o corpo anda.
Que culpa tinha este cristão? Todos atônitos com
seus anseios bradam “liberem a rua!” ”já é hora de
minha novela.” “Logo começa o jornal.” Todos
seguem... A chuva cai e lava o sangue... Lava a
discreta cal que ainda permeia nas mãos de nosso
pitoresco herói. O corpo está só. Jogado à rua em
frente à igreja. Ouvem-se primeiras cantigas
39
cantadas pelas beatinhas, pontualíssimas às sete
horas da noite... O sino toca... A plateia canta
animada o canto de acolhida. Uma criança
desobedece a mãe e sai correndo na chuva levando
em suas pequeninas mãos um cartãozinho com o
retrato de Nossa Senhora do Guadalupe. Ela para
tristemente em frente àquele moribundo corpo,
deposita em suas mãos a santinha. A mãe
preocupada com a filha, dissipa-lhe qualquer
vestígio de realidade, grita quase que desesperada
agarrando a mão da pequenina “venha aqui filha o
titio já sara!” A criança olhando para trás joga um
singelo beijo àquela figura. A celebração continua
calorosa.
(Marcio J. de Lima) 02/05/2011
40
ONDE ESTÁ A MUSA QUE ENFEITA MINHAS LEMBRANÇAS?
Onde está a linda Musa que enfeita minhas
lembranças? Onde estão os versos que povoam os
meus sonetos? Onde está a indignação que recheia
algumas de minhas crônicas? A que fim levaram
minhas rimas, minhas limas, meus desesperos e
desencantos; que, emprestados, colorem minhas
criações? Oh Musa que inspira os poetas! Que os
conduz ao onírico mundo de muitos poemas... Em
que ilhas fostes habitar para que eu possa te visitar?
E, oferecer-te um copo de vinho suave, e, com voz
caliente possas contar-me de seus amores, de suas
aventuras e das lembranças que vivestes... Oh
Musa, onde deixastes aprisionados meus versos?
Com que esfíngica chave trancastes meus tesouros?
Pois tão paupérrimo não consigo saldar o preço nem
ao menos de um hai kai... Quando retornarás?
Quem sabe à proa de um barco à deriva estejas tu,
oh Musa... ansiosa a esperar pelo socorro de seu
41
amado ... E quando ele vier te salvar, quiçá mais
uma história com ele possas compartilhar, e ele por
generosidade possa conosco também compartilhar.
Quem sabe em seu enredo haja uma nova Odisseia,
ou ao menos, um novo modo de amar... nem que
seja ao embalo de uma sonante voz a encantar por
no mínimo mil noites...
42
QUEM ALGUM DIA NÃO FEZ POESIA?
Quem algum dia não fez poesia? Algumas pessoas
de mais idade, ou que se achavam assim, me
falaram que elas “antigamente” faziam poesia. E,
com o passar do tempo perderam essa “mania”. Pois
bem, sinto-me então um jovenzinho escrevendo ou
brincando de escrever. Digo... realmente um poeta
tem alma de criança (é o que sinto quando leio
Helena Kolody, Cora Coralina, Vinícius Moraes e
tantos outros que em sua maturidade produziram
ricas obras) realmente é uma pena as pessoas ao
longo de sua vida perderem a inspiração e a vontade
de escrever poesia. Ela menina pura ensina-nos a
pensar. A nos reconhecer. A reconhecer o outro.
Tudo isso pela sua simplicidade-complexidade, pela
elaboração (por mais espontânea que seja), pelo
seu poder simbológico etc.
Então, quem escreve poesia, conhece um novo
mundo já existente em seu interior – mas pouco
explorado.
43
Sendo assim, não importa a idade de quem as
escreve! Todos sim – como diriam minhas amigas –
são crianças – mas saem em busca do
autoconhecimento. E, ela dura enquanto estivermos
aqui. Mas... com uma vida com um pouco mais de
sensibilidade – e diga-se de passagem – este
mundo está precisando muito para não nos
maquinizarmos ou nos coisificarmos como produto
ou subproduto do dinheiro. Sendo assim “De onde
nascem os poemas?” traz um convite para você a
voltar ser criança, começando pela leitura de
poemas... e quem sabe volte a produzi-los - ou se
ainda não escreveu e só sentiu vontade comece a
fazê-los, tudo isso para tornar seu dia um pouco
mais feliz, se não - ao menos mais criativo.
44
PALAVRAS... PALAVRAS...
Nada havia mais a ser dito... Por isso resolveu-se a
repetir tudo de novo. E a cada palavra repetida um
novo mundo se criava... As palavras eram as
mesmas o que havia mudado eram as coisas que
elas significavam.
45
UMA DOCE TENTAÇÃO
Como tudo em sua vida, esta também tinha sido
uma tumultuada decisão... comprar ou não comprar
um automóvel. Lembrou-se dos gastos diretos e
indiretos com ele: manutenção, IPVA, seguro, troca
de pneus, parcelas do financiamento, gasto com
gasolina... Pensou em seus benefícios: rapidez,
comodidade, status. Enfim era uma cadeia de
serviços necessárias à permanência daquele bem
em suas mãos nas condições necessárias ao uso
adequado e seguro... Por tudo isso, resolveu não
comprar. Agora era a dúvida, não queria deixar o
dinheiro parado, precisa capitalizá-lo. O carro na
verdade tinha como objetivo maior colocá-lo em
evidência, inflar o seu ego. O seu sucesso
profissional precisava ser visível a muitos. Então o
carro serviria a isso. Todavia, após uma longa
reunião de família, viram que o status era o que
menos interessava. As pessoas não tinham nada a
46
ver com suas vidas. Os resultados positivos
deveriam ser para o bem da família. Por isso,
Investiu-se o valor do carro na compra de um imóvel,
comprou-se um terreno. O carro que ele iria
comprar, após cinco anos passados, hoje vale um
décimo do valor do mesmo. Como substituto do
automóvel foi comprado uma bicicleta para cada
membro da família e nos dias que chove fazem uso
do transporte coletivo... Ganharam em saúde...
Ganharam financeiramente e tornaram-se muito
mais amigos da natureza - e diga-se de passagem -
como eles tem ajudado o meio ambiente! Quanto ao
carro... toda vez que passam em frente à
concessionária ele os acena como uma doce
tentação.
47
ACAMPAMENTO NA NOITE DE PRIMEIRO DE ABRIL - A PANELA DE DINHEIRO
Todos ali sobre o lúmen da fogueira regateira que
iluminava o rosto de todos. Pequenas histórias
saíam do povo que se exibia pelos sustos vividos
pelas pseudoexperiências vividas. Tio Jango o mais
eloquente dos contadores de histórias se exibia por
ter sido testemunha de muitas. A mais
surpreendente foi a que viveu em uma de suas
viagem pelo mundo. Dizia ele:
Olha amigos.
Com os olhos arregalados de quem havia se
assustado muito pelo testemunho ocular de algo
assustador.
Não quero por medo em vocês. Mas, existe muita
coisa que nós não imaginamos nesta vida... Tudo o
que narrei até aqui, foi verdade. Todavia, uma de
minhas histórias, tem o tempero do inimaginável.
Isso aconteceu em 1975, quando contava com 18
48
anos. Fiquei sabendo de uma panela de dinheiro
enterrada em um descampado perto da Serra do Rio
Jordão. Que teria sido enterrada pelos Jesuítas
aproximadamente em 1750. Ali não havia ruínas das
Missões. Sabíamos não por mapas, nem por
histórias de hipóteses do ocorrido pelo descentes da
região. E sim, pelo que muitos já haviam vivido
quando passavam por aquelas aragens,
principalmente nas noites de lua cheia do mês de
agosto. Quando uma das vítimas foi assombrada por
uma tribo fantasma que implorava que fosse
desenterrado aquilo que os prendiam ali... Uma
caçarola de barro carregada de moedas de ouro.
Este sobrevivente sóbrio, que teve a sensibilidade
de encarar aquilo como verdade, convocou-me para
aquela empreitada, pois sabia que eu era homem
que acreditava naquilo por já ter vivido muitas
histórias – que a maioria das pessoas não acredita.
E de pronto, aceitei, por também acreditar naquele
homem que merecia todo meu crédito.
Amigos... saímos com pás, picaretas, enxadas, dois
49
rosários em cada bolso e nosso santinho de
devoção. Pois, sabíamos que teríamos que rezar
muito. O que ali ganhássemos teríamos que repartir
parte com quem realmente precisava para abençoá-
lo. Esta era a regra básica para quem era caçador
experiente de panelas de dinheiro. Chegamos ao
local em uma noite muito límpida. Não estava frio,
embora a nossa região seja considerada uma das
mais frias do sul, aqueles anos o inverno era terrível,
como vocês sabem, mas apesar disso aquela noite
estava agradável. Deixamos nossos carros na
estrada, pois não dava para chegar de carro até lá.
Pulamos uma cerca de arame. E poucos metros
depois, escutamos algo estranho. Paramos. Parecia
um mugido. Mas, não enxergamos nada. Então,
seguimos nosso destino. Como saberíamos o local?
Meu amigo narrou que era próximo a um velho ipê.
Seria naquele local aproximadamente. Teríamos que
trabalhar a noite inteira até o amanhecer. Pois, pela
lenda, diz-se que tem que retirá-la até o por do sol.
Então teríamos que nos apressar. Chegamos ao
assustador ipê. Digo isso, por que naquele momento
50
o achava assim. Ele já foi fazendo um buraco sem
ao menos pensar, tive a impressão de sabia onde
era. Poucas pazadas, desistiu. Eu, confesso. Fiquei
naquele momento somente olhando e pensando.
Onde será ao certo? Não havia uma lógica para
aquilo. Mas... era jovem. Não me importaria em viver
aquela “loucura”. Comecei a cavocar usando minha
lógica. Se tiver próximo do tesouro, algo ocorrerá.
Depois de um certo tempo, de quase limpar a grama
que cercava o ipê, ocorreu algo muito estranho. O
barulho do boi voltou. Paramos... olhamos para os
lados e não havia nada. Concluímos que aí era a
pista que esperávamos. Começamos a aprofundar
nossa procura. Fizemos um buraco de dois passos
quadrados. Quando já estava pelo nosso joelho,
outros brulhos de bichos se juntaram ao mugido do
boi. Agora haviam porcos e cachorros. Além do
barulho de arbusto quebrando. Mas... não haviam
arbustos ali. Era só um descampado. O tempo
começou a fechar. E, em um repente, começou a
chover com muitos raios e trovões. Choveu com
vento. E sombras horríveis assombraram nossa
51
noite. Ouvimos o canto da tribo em uma língua que
não conhecíamos. Mas à medida que nós
afundávamos nosso buraco o canto tornou-se uma
canção religiosa – ou pelo menso parecia assim -
com sotaque parecido com o português e algo perto
do castelhano. Sentimos cheiro de erva-mate
queimada. Chegou ao auge da cantoria. E, tudo se
silenciou. Paramos um momento. Olhamos para a
paisagem agora coberta pela cerração. Tremíamos.
Nos olhamos. Nos interrogamos. Seguiríamos
aquela empreitada? Certo de que estávamos
próximos ao tesouro continuamos. Um canto
continuou. Barulho de cavalos começaram a passar
próximo a nós como um estouro. Abaixamo-nos e
aos poucos pusemos a cabeça fora do buraco para
ver o que estava ocorrendo. Nada acontecia de
diferente a não ser a cerração que aparentava mais
brilhante agora já revelando a copa de alguns
pinheiros ao longe. Cavava freneticamente enquanto
meu amigo descasava – quando bati em algo que
parecia uma caixa. Com as mãos, descobrimos, sim
era uma caixa de madeira. Muito dura não parecia
52
oca, parecia ser preenchida com concreto. Pegamos
algo que parecia uma alça de corda que amarrava a
caixa... Tiramos a terra que a cercava. Tentamos
abri-la. Tentamos movê-la. Mas... a chuva voltou.
Agora mais forte. Os bichos e as cantorias voltaram
também mais fortes. A cerração cobriu o buraco e
agora não enxergávamos mais a caixa, só a
sentíamos. O buraco começou a encher de água. E
quando não era mais possível permanecer ali –
devido a ela, nos retiramos. Com a decepção dos
grandes guerreiros, combinamos retornar pela
manhã. Voltaríamos para casa. Quando
amanhecesse voltaríamos mais equipados, com
baldes para retirada da água. Neste momento
desacreditávamos da lenda, ou coisa parecida.
Víamos somente a lógica, o real. E assim, cansados,
muito cansados nos retiramos quase não
encontrando o rumo à estrada.
A esta altura, todos prestavam muita atenção.
Aparentemente ninguém parecia duvidar. Mas... em
seus interiores. O causo assumia uma vivacidade
53
pungente, ainda mais com a eloquência do contador
que gesticulava muito e impunha a voz nos
momentos certos de tensão.
Todos atônitos e reticentes, viam o contador de
histórias olhando ao longe.... como se estivesse
desgastado somente pelo esforço de tentar lembrar
do ocorrido. E logo após uma pausa. Continuou:
Voltamos quando amanheceu o dia. Pulamos a
cerca de arame. Olhamos o provocador pé de ipê. E,
para nosso espanto, um olhar a cara do outro sem
nada dizer, e como se não fosse possível contar isso
para ninguém – com medo de se ter tido como louco
– olhamos para o chão atônitos - e toda a grama que
recobria aquele lugar estava como se nunca tivesse
sido remexida.
(Marcio J. de Lima)
54
O CONCLAVE, TEMOS PAPA, BATEU NA TRAVE
Estava tensa a votação para escolha do novo Papa.
Sobe fumaça preta saindo da Capela Sistina e nada.
A diferença estava sempre sendo de poucos votos,
não se chegando aos dois terços necessários para
escolha do novo pastor da igreja católica no mundo.
Em uma conversa informal, daquelas que não
ocorrem em todos os conclaves, bem na hora do
almoço, dois bispos resolveram trocar uma
conversinha. O mais novo com todo respeito pensou
em questionar o mais experiente, mas sem deixar
transparecer intenção de voto, pois era o almoço –
hora sagrada. “Talvez este seja minha escolha!”
pensou. “Nunca havia percebido este senhorzinho.
Muito simpático por sinal. Simpatia e carisma... Já
sei de onde ele é...” Imaginava. “Este seu sotaque
me é estranho a minha convivência... Mas, só pode
ser o candidato brasileiro...”
Para ter certeza, soltou sua primeira indagação –
55
meio que assim sem pudor – mas como era um
momento informal – poderia fugir aos protocolos,
afinal papáveis também têm suas vivências sociais...
• E daí me fale de futebol!
Olhou o bispo mais velho com o ar de doutor no
assunto, sem titubear, respondeu:
• Vai muito bem!
Reforçava ainda mais sua hipótese, “realmente é
mesmo o brasileiro, pelo orgulho em relação a sua
seleção, por isso é conhecido como o país do
futebol!”.
Ainda para dar substância às suas indagações
quanto à origem do senhorzinho, pela vergonha de
perguntar de que país ele era, e talvez demonstrar
seu desconhecimento de cultura geral – coisa
normalíssima a qualquer mortal – insistiria à
informalidade do bate-papo, pois ali estava difícil de
conversar de outra forma, sem gerar uma discussão
em torno dos seus propósitos pelos quais estavam
ali, e optou em fazer desta uma oportunidade -
formação de opinião e de se chegar a um nome que
56
conduziria toda a igreja católica apostólica romana. A
tensão era muito grande. Mas... naquele momento
era somente o intervalo para almoço, hora de deixar
de ser bispo e saciar sua fome, sendo um homem
comum.
Uma colherada e sai a pergunta naturalmente:
• Se você for o escolhido, que nome adotarás?
Lógico, que esta indagação havia de sair
naturalmente. E foi o que ocorreu, o velho bispo não
perdeu o carisma e respondeu humildemente:
• Pensei em Francisco.
“Eureca! De fato é brasileiro, ligado à cultura de seu
país, gosta de filmes e de exemplos de pais que
cuidam de seus filhos e os querem vencedores... Já
assisti este filme, gostei muito. Se eu não me
engano é “dois filhos de Francisco”. E também gosta
da natureza, amor aos animais, assim como São
Francisco... hum na Amazônia tem bastante...”
Refletia e mastigava em pensamentos.
Sem o auxílio do Google, devido à falta de
comunicação com o mundo, inclusive o virtual, não
57
teria outras alternativas. Mas não podia errar. Afinal
era sua escolha... Por isso para não restar mais
dúvidas, soltou a última pergunta, começando por
uma exclamação.
• Puxa hoje está meio abafado! De todos os
países da Europa eu gosto do frio de Londres
me sinto muito à vontade. E o Senhor, em
qual cidade de seu país se sente mais à
vontade?
• Buenos Aires.
Não se restou mais dúvidas...
E por diferença de um voto a fumaça branca
alcançou os céus sendo aclamado com muita alegria
o primeiro Papa da América Latina.
58
SURPREENDA-ME (MINICONTO)
- Surpreenda-me disse João.
- Como assim? Respondeu o amigo magricela.
- Você precisa mudar o seu jeito de ser.
- Sempre fui assim e não vou mudar.
A conversa iria longe. Amigos em discussão. O João
estava muito preocupado com a inocência do seu
amigo – em seu ver – em um mundo cheio de
armadilhas e pessoas mal intencionadas. Eram tão
íntimos, mas o magricela estava sofrendo muito
naquele momento pela falsidade de alguns que se
diziam seus amigos e as armações que estavam
tramando a fim de denegrir sua imagem.
- Sofro, João, mas aprendo com isso. Não tem como
mudar as pessoas, assim de uma hora para outra.
Alguns até mudam seu jeito de ser, mas suas
essências permanecem a mesma. Então comigo é
assim. Sofrer, aprender, mas jamais me arrepender,
pois sou autêntico. Acredito que a felicidade estaria
em correr atrás daquilo que reforçaria de forma
positiva o que pode me fazer melhor sendo eu
59
UM GRITO NA ESCURIDÃO
Um grito na escuridão acordou toda a vila. Todos já
o conheciam. João Mauro que era de fora não o
conhecia. Um frio rasgou suas entranhas e o
arrepiou por inteiro. Levantou lentamente devido à
escuridão do seu quarto. Uma espessa névoa
tomava todo o vilarejo. Sair com certeza não o faria,
mas a curiosidade era grande. Dali por diante não
dormiu mais. Várias memórias lhe vinham à cabeça.
O trabalho exaustivo e quase que escravo o fazia
trabalhar sem parar. Várias desilusões amorosas se
sucediam como uma maldição. Também uma crise
financeira mundial levara todas suas economias. A
depressão há pouco curada era seu único trunfo. E
tudo isso passava em sua frente fazendo-o esquecer
aquele assustador grito. Logo o sol nasceu. João
levanta, lava o rosto em frente a um espelho antigo.
Uma mão lhe toca às costas. Sem nada entender,
vira-se rapidamente. Uma assustadora imagem lhe
tolda os sentidos.
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Logo na noite seguinte, um novo visitante da vila é
acordado novamente por um grito mais assustador
que da anterior, em uma noite iluminada de lua
cheia. Sem nada entender mira da janela uma figura
que vaga a esmo por inóspitas ruas de
paralelepípedo. Aquela figura lhe parecia conhecida.
Podia ser seu amigo João Mauro que ficara de
esperá-lo para fecharem negócios na cidade e que
estranhamente não estava no hotel lhe aguardando.
O homem sai à rua atrás de seu provável amigo.
Devido a este andar vagarosamente ele o alcança.
Ao alcançá-lo ele põe sua mão sobre seu ombro.
Este para. Um breve segundo de silêncio se sucede.
Sem se encararem o homem que vagava a esmo
solta um horrendo grito. Envolvido pelo medo do
grito o homem retorna ao hotel em um frenesi
tremendo não conseguindo dominar seus sentidos e
movimentos.
João Mauro, ninguém mais o viu. O grito toda noite
de lua cheia se sucede, cada vez mais assustador,
porém ninguém mais sumiu daquele misterioso
vilarejo, em que as pessoas que moram ali juram
62
COISAS DA POESIA
Às vezes fico a refletir sobre a poesia, seus efeitos e
os eventos que as inspiram. Dias atrás me atrevi a
compor um poema. Depois de muito pensar saíram
os versinhos que seguem “Você, luz que rasga
minha manhã, pele de açucena, boca de maçã”. É
realmente só os mais ilustres escritores definem
adequadamente a poesia, mas quando é possível
vivê-la, talvez esteja aí a sua alma – fazer os dias
mais vivos à luz da poesia – então é poeta quem
também consegue escrever uma vida mais rica à
humanidade. Quem sabe o momento da composição
seja o mais puro e verdadeiro momento poético...
Mas aí iríamos longe nesta divagação. Penso que
muitas vezes o trabalho acaba com a
espontaneidade da obra (fazer, refazer, reescrever,
incrementar, etc)... Mas... sustentar a metáfora é
algo difícil. Principalmente se você escreve uma
declaração dessa (como a acima) antes de seu amor
acordar pela manhã e... logo após ao lado da cama
64
você a encontra. Cabelos despenteados, sem a
maquiagem do dia a dia, sem a fragrância de sua
boca, sem a poesia necessária ao momento... Mas é
o amor, quiçá dá-nos o presente de ver algo que só
o coração enxerga... Diga-se de passagem, ainda
bem que os corações são generosos (pelo menos às
vezes ele realmente é – os poetas com um certo
romantismo que o digam). Senão perderíamos o
lirismo dos momentos românticos e a sátira
inadequada poderia dar lugar a um poema de
escárnio ao invés de um de amor... Todavia... sairiam
- quem sabe - umas metaforazinhas, ao meu ver
bonitinhas... Então salve a poesia que às vezes nos
causa miopia e não nos deixa enxergar aquilo que
os olhos poderiam ver. E digo... se meu amor tem
algum defeito faz tempo que não enxergo... se não é
o efeito da poesia, então terei que trocar meus
óculos e achar um jeito de consertar os meus
sentidos!
65
POBRE MENINA
Pobre menina. Em frente à tevê não percebia sua
infância sugada. Os pais inertes à mesa. Somente
sonhavam. Nunca haviam sofrido tanto, por suas
dores e pelas de outros. Pensavam quanto dinheiro
na mão de poucos e em nossos bolsos as migalhas
deixadas pelo sufoco de um mês inteiro de
trabalhar. A barriga roncava, a menina sentia-se feliz.
Para dormir um copo de água doce e um pão
surrado deixado por seus pais. Um beijo na testa da
pobrezinha Um boa noite. Sonhe com os anjos.
Amanhã é um novo dia!
66
A OBSCURA VIDA DE JULIÃO DOS T OMATES
Sempre achei Julião dos tomates muito gente boa.
Excelente pai de família, bom pagador, comportado
cristão, fazia sempre doações assistenciais –
repartia com o próximo. Conhecidíssimo nas redes
sociais por suas boas ações e campanhas ali
lançadas a favor dos não afortunados. Eu somente
não conhecia um lado da sua vida – que creio
obscura – e até hoje me pergunto. O que fez que tal
cidadão tivesse por notícia de sua passagem (à
outra vida) – a espontânea manifestação de 832
pessoas que curtiram a sua morte?
67
SAUDADE DO AVÔ
Seguia. Não sabia bem ao certo aonde ir. Aquele dia
acordara muito cansado. Sua cabeça doía. A
lembrança de alguém que amava brotava. Era, de
certo a de seu avô. Pensou... era ele sim que fazia
falta naquele momento. Há muito partira. Mas...
algumas histórias permaneciam vivas. O vô homem
forte, de sonhos duradouros, de muitos planos. Por
que se fora? Havia muito a aprender com ele. Havia
muito a dizer a ele. Estava cansado. Seus
movimentos não estavam produzindo vida, ao
contrário a cada dia esvaziava-lhe cada vez mais. O
vô saberia como fazê-lo viver mais, aproveitar seu
tempo, ou pelo menos fazer entender o cansaço que
lhe pesava tanto e seu porquê. Pensou, sentou no
banco da praça, ficou a curtir profundamente a
saudade de quem amava tanto, ele de certa forma
estava ali - certamente - vivo nas lembranças e em
seu coração.
68
EU E EU MESMO
Uma manhã há algum tempo atrás em que o sol
iluminava as árvores, as casas, as pessoas e tudo
mais. Aconteceu-me algo inesperado e que muitos
teriam por mentira... mas às vezes até eu penso se
isso foi real ou imaginário. Mas... vamos ao
acontecido. Encontrei-me por acaso... sim era eu
mesmo... só que alguns anos mais velho. Olhei-me
para mim mesmo (se é que existe tal construção...)
de forma surpresa (aliás confesso tentei fazer
heroicamente parecer tudo normal). Nós, meros
mortais resistimos acreditar em absurdos... foi o que
ocorreu... disse para mim “não está acontecendo” e
isso me ajudou a não acreditar (pelo menos para
aliviar a tensão e me enganar que não estava
acreditando). Portanto... para mim isso não estava
existindo... então relaxei e pude me observar com
um pouco mais de idade... Eu-futuro estava bem.
Quando este fato se sucedeu, eu tinha uns 18 anos
69
e meu eu-futuro, digamos que estaria com uns 37.
Tinha a mesma fisionomia, estatura, um pouco mais
de peso, cabelos escuros... Olhamos-nos. Não nos
falamos nada. Creio que ele deve ter estranhado
como eu mesmo estranhei tal fato (mas acho que
meu eu futuro já havia ignorado o passado – tudo
bem, pensei). Todavia... agi como se tivesse
acostumado a sempre me encontrar por aí... ele
também, talvez estivesse... Para não me
constranger mais do que já estava constrangido, e
quem sabe constrangendo. Afastei- me. Olhei-me
um pouco mais... desejei-me silenciosamente boa
sorte. E me distanciei. Hoje tenho a idade
aproximada em que me vi com 18 anos. Só uma
coisa não bateu, deve ter sido algum defeitinho na
linha do tempo, hoje sou calvo. Coisas que só o
tempo mesmo explica, um dia vou entender. Quem
sabe!?
70
O MERCADOR DA LIBERDADE
Ela estava ali imóvel. Muito bem embalada, com o
preço à altura do pescoço. Um slogan bem atrativo
em sua camiseta. A embalagem valoriza o produto. A
aparência era tudo. Estava limpinha. O perfume era
bom, uma fragrância agradável que não irritaria o
cliente e quem não passaria por despercebido. O
produto bom tem que ter um cheiro agradável. Ao
seu lado estava um outro produto sendo exposto,
tão bem produzido quanto ao primeiro, com todas as
características de aparência do lote, mas diferia-se
pelo gênero.
Vários consumidores passavam pela vitrine com
olhares cobiçosos. Uma boa olhada nos produtos,
outra nos preços e com sorrisos decepcionados
seguiam, todavia permanecia em seus olhares uma
indisfarçável cobiça, e mais um sonho a ser
realizado.
Como o mercado estava aquecido não demoraria
muito a serem arrematadas, essas ricas joias. Eles
certamente seriam vendidos! Mas, diferente de tudo
71
que a loja possuía, a esses dois espécimes havia
consigo a opção – antes de estarem ali - de
aceitarem ou não serem vendidos... Estavam ali
usufruindo o resultado de uma das coisas mais
belas que lhes havia sido entregue, o livre arbítrio.
Quem desperdiçaria tal negócio? Produtos de
primeira. Por isso não duraram mais que – para eles
quase que infinitos – quinze minutos para serem
vendidos, logo após a exposição. O negócio foi bom
para o proprietário da loja. Ambos foram vendidos
pelo preço de etiqueta. Sem pechincha, sem
barganha. O comprador só não tinha visto os olhos
dos dois, pois estavam vendados.
Ao chegar em sua casa o comprador, com toda
paciência que os anos foram responsáveis de
presenteá-lo, tirou as vendas, desembalou-os e os
recepcionou com fraterno abraço. Deu-lhes
alimentos, ofereceu-lhes abrigo – caso desejassem.
Ambos estavam à sua frente atônitos, nem
imaginavam - por não terem recebido em suas vidas
- a razão de tamanho afeto. Resolveram nada
indagar. Pois no contrato de compra e venda não
72
estavam as opções de emitir juízo, nem indagar. O
comprador falou: “paguei o preço por vocês e a partir
de hoje vocês estão livres de suas amarras... vocês
não são mais produtos, poderão emitir opinião e
gozar do prazer da contradição, além disso poderão
falar, reclamar, enxergar um mundo novo, amar,
chorar e fazer tudo que desejarem... o limite será o
infinito que se aponta aos seus horizontes. Sigam
seus caminhos – se isso for de seus desígnios –
sigam seus caminhos...”.
Sem nada mais a dizer, somente segurava um
sorriso tendo sua voz presa pela emoção. Lágrimas
corriam pela sua face.
Ambos olharam fixamente o bondoso homem, sem
ainda nada entender. Saíram lentamente à rua...
Olharam para a humilde casa onde residia o
comprador, a qual se situava em uma área central e
possuía um enorme terreno. À frente da casa estava
um homem recolhendo uma placa de “vende-se”; era
o homem da imobiliária.
O casal ainda continuou a caminhar lentamente na
calçada, esboçaram um sorriso, esboçaram um
73
entristecer e entraram sem pudores em uma outra
loja. Ofereceram-se novamente à uma nova
promoção. Mas agora tudo seria diferente, pediram
para que seus olhos não fossem vendados.
74
POEMA SEM VOLTA
Quero soltar meus versos, ao centro de uma praça,
solitariamente... Correrão inaudíveis aos que ali
passarem. Soarão totalmente voluptuosos, porque
ali não é um corpo que se desveste... É uma alma
que se desvela. Cairão os pássaros ao chão,
atônitos; argumentarão talvez os sonhos que ali se
aninham nas mais altas árvores... Talvez a senhora
que ali, marafona, me dê ouvidos, e chore de
saudade do tempo que não lhe faltava pão pela
riqueza de seu agridoce ofício, em que declamava
poemas tão concretos em tantos ouvidos
desconhecidos... Relerei Baudelaire destoando seus
intentos... Sentarei a olhar o Gato Preto que
escapou de uma parede qualquer aprisionado
metaforicamente, ou talvez denotativamente, por
Edgar Poe... Muitos me olharão, mas não me
verão... pois serei só um zunido empurrado pelo
Minuano estampido do Sul de minha Nação... Serei
sol a mim mesmo, lua para moça que espera
ansiosamente que me cure de minha insanidade,
75
serei o espirro provocado, por uma alergia ao novo,
a um misantropo... Quero, quiçá, me declarar
totalmente sacrílego à última flor do Lácio, por não
pensar nas consequências de tentar materializar os
descampados de minha alma... Sendo uma peste
que soa lentamente a separar corações... pai de
filho, mãe de filho, mãe de pais e filhos... Talvez me
sentirei culpado, por isso, e cairei por terra, e
levantarei dali humilde, humos, a reiniciar cada
versinho não tentando escalar inconsequente e tão
despreparadamente o topo dessa montanha que
nasce onde o sol se põe...
(marcio j. de lima)
76
DEIXE-ME CAMINHAR NA PRAIA
LENTAMENTE...
Deixe-me ser o que quero. Errar, acertar. Acertar e
errar. Deixe-me caminhar na praia lentamente,
pensando nas areias que cintilam me sentindo ali
eterno... Deixe-me caminhar amassando as folhas
secas de um bosque qualquer. Deixe-me expressar.
Escrever meus devaneios, ler o que é científico,
artístico, religioso, o que é exato, perene, solene...
Deixe-me desacreditar nos outros, em mim mesmo...
Deixe-me desdizer o que disse antes... Deixe-me ser
tão naturalmente... contraditório. Deixe-me voar alto,
correr de pés no chão – baixo... ir, vir, ficar, viver no
mínimo – mais um dia aqui deitado em minha rede
vendo um lago calmo com meu suco de caju ao lado
– de preferência – gelado! tomado adoçado com
dignidade... Deixe-me mentir minha idade, meus
sonhos... Deixe-me fazê-los motivos para viver
enxergando o doce que habita a cada tilintar do
relógio que vive pendurado ao alto da matriz... e que
77
controla os sinos que avisam algo maior que cerca
nossos dias... quem sabe seu sentido. Deixe-me
sozinho no meio desta multidão de solitários...
Deixe-me ter medo de raios... E viver boa parte de
meus dias tentando superar tal medo... Deixe-me
mais um dia enganar – com uma rima-clichê – meu
coração... Deixe-me pensar que o amor entre
homem e mulher - seja mais que um impulso de
procriação a melhorar a espécie, assim entendido
pelos ouvidos de minha ignorância... Deixe-me saber
omitir-me na hora certa, a não desmentir a verdade
criada e necessária, para que em algumas situações
haja paz... Deixe-me buscar a Arte, fazer Arte e
descobrir a cada amanhecer o contraditório daquilo
que engana a cada Ser em sua originalidade assim
ser... Amém!
78
HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DO
NASCIMENTO DE VINÍCIUS DE
MORAES
Hoje comemora-se o centenário do nascimento de
um de nossos mais geniais intelectuais que marca
há décadas a nossa literatura, e por que não dizer,
nossa cultura, ele... Vinícius de Moraes.
Era um simples passar de uma moça. Seria para
qualquer um de muitos de nós. Porém para ele, era
o passar de uma Musa, sendo ela possuidora de um
"balançado (..) "mais que um poema" que era, com
certeza, poeticamente falando, na voz-poema de
Vinícius "a coisa mais linda que eu já vi passar".
Sendo assim, o momento que teria tudo para ser
trivial, ficou imortalizado na canção "Garota de
Ipanema", uma das músicas mais conhecidas no
Brasil e em muitos países, compostas por Vinícius.
Quando estava na faculdade, conheci um pouco
mais profundamente a poesia deste gênio. Seu
79
modo simples de escrever, porém de uma
eloquência sem igual. O fragmento de um de seus
poemas denominado "como dizia o poeta" foi um
dos que mais me marcou, como abaixo escrito,
inspirou-me em muito minhas produções.
"Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai
Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não"
Poeticamente falando, ele viveu intensamente uma
obra que uniu de forma harmônica o mais rico de
nossa cultura, de um povo miscigenado, através da
música, poesia, teatro, integração de intelectuais e
suas produções culturais. O que sempre é ratificado
pelo testemunho de muitos artistas como Martinalha,
80
Martinho da Vila, Toquinho, Edu Lobo Tom Jobin e
muito outros que fizeram parte da vida deste homem
que é um orgulho à nossa cultura.
Por tudo que o poetinha contribuiu ao nosso cultural,
e muito que ainda contribuirá, que ecoa através de
sua longa produção literária, o Blog vem
homenagear este que sempre será um de nossos
maiores poetas da Literatura Brasileira. Que por ter
vivido, apaixonadamente, com certeza "teve tudo
sim!"
Texto por Marcio J. de Lima
81
CELEBRO A VIDA EM VERSOS
Perguntou-me um dia alguém por que escrevo
versos tão doces. Meus poemas, lembro-me bem,
por que ao mundo eu os trouxe.
Foi para cantar a alegria em uma bela manhã de sol.
Foi para encantar quem já sabia – vive bem quem
não vive só.
Sou um cantante enamorado, que esparrama seus
versinhos, e por um minuto deixa de lado – a vida
dura em espinhos.
Não esqueci da dor do pobre, nem da mãe que
chora a esmo. Nem todo o sentimento nobre, nem a
história de mim mesmo.
Não sou poeta egoísta, divido com todos os meus
versos, e por isso sou altruísta. E, quem guarda só a
si, é diverso.
Não fecho os olhos ao mundo. Não vivo no mundo
da lua. Mas, busco sentimento bem fundo, na dor
que encontro na rua...
Se às vezes me corre o mel num soneto, é que
canto a vitória buscada. E, o homem em seu ímpeto;
82
busca a vida, que é celebrada.
Não escorre a lágrima ligeira, sem que seja para um
bem futuro. Mesmo que seja com nada na algibeira,
forjando com o ouro, equilíbrio ao homem maduro.
Não desfaço de quem me questiona “por que meus
versos são tão doces”. Pois sabe que me emociona
louvar à vida, presente, a quem os trouxe.
83
UMA PEQUENA REFLEXÃO SOBRE LEITURA DE OBRAS LITERÁRIAS
Precisamos muito ganhar com a leitura! Nossa vida
de leitor não se restringe somente a leitura de livros,
revistas, jornais etc, lemos diariamente, também, o
meio em que vivemos. Todavia, no que diz respeito
aos primeiros, eles levam-nos a algo mais além, a
uma reflexão mais profunda sobre esse meio (ao
menos mais elaborada).
Nosso material publicado se destina à leitura e à
produção de material, pretenso literário (contos,
crônicas e poesias). Espero que esses “Pequenos
Rabiscos Literários” contribuam à consciência de
que existe uma extensa produção literária mundial
que pode nos encantar e nos ensinar muitíssimo.
Literatura é Arte. Sendo Arte a expressão do Belo
(conceito de Belo, tomado aqui como tudo que
desperta no homem uma reflexão profunda) temos
84
em nossos materiais produzidos e analisados o
simples objetivo, tornar a vida mais bela e agradável
aos nossos dias, e também a partir da Arte (por
também possuir - quase sempre - um alto grau de
elaboração estética) nos confrontarmos com essa tal
reflexão mais aprofundada, ao lermos a realidade
que nos circunda.
Lembre-se a vida imita a arte e vice-versa.
Nas viagens (literárias) ganharemos um bom vício, a
leitura; e com isso – como um corredor que treina
quase que diariamente e mantém ou melhora seu
desempenho, por este fato - poderemos adquirir
rapidez ao acessarmos os conhecimentos que se
escondem atrás deste tipo de linguagem e que se
somará às demais, certamente.
Portanto, viaje, desprenda-se, leia mais, e lembre-
se, leitura é hábito, e você pode começar por este
delicioso - que é viajar pela leitura de obras
literárias.
85
UMA TERNA HOMENAGEM AOS PAIS
Um dia você vai chorar... Quem enxugará suas
lágrimas? Um dia você se sentirá fraco. Quem te
dará forças para caminhada? Um dia você poderá
estar doente. E quem te confortará e te aconselhará
a ter força para superar, além de te indicar os
caminhos a que não deve seguir para recuperar-te?
Um dia tuas verdades serão questionadas. Quem te
ajudará a ver que verdades são sempre
questionadas e esse é o normal da vida. Um dia
você verá que tudo é finito. Mas quem te convencerá
que vale a pena viver como se não houvesse um
amanhã... Um dia os poemas te serão duros e
impermeáveis não apresentando o mais doce de
suas metáforas. Quem te apontará as Belezas que
eles carregam? Um dia não sentirá o perfume das
flores. Quem te fará recobrar as suas fragrâncias,
atribuindo-lhes as suas verdadeiras importâncias?
Um dia, perderá em uma esquina qualquer seus
sorrisos. Quem te fará sorrir? Um dia você não terá
87
dentes... Quem te mostrará que vale a pena abrir a
boca para expressar teus sorrisos, mesmo assim?
Um dia a vida te pesará... Quem te fará ver o quanto
ela foi importante a todos que militaste? Um dia você
estará sozinho... E quem te fará companhia? Olha,
ao velho que te tornaste... Lembra da face a qual
hoje você espelha, ela te dará resposta a estas e
muitas outras perguntas...
88
ONDE ESTÁ A MUSA QUE ENFEITA MINHAS LEMBRANÇAS?
Onde está a linda Musa que enfeita minhas
lembranças? Onde estão os versos que povoam os
meus sonetos? Onde está a indignação que recheia
algumas de minhas crônicas? A que fim levaram
minhas rimas, minhas limas, meus desesperos e
desencantos; que, emprestados, colorem minhas
criações? Oh Musa que inspira os poetas! Que os
conduz ao onírico mundo de muitos poemas... Em
que ilhas fostes habitar para que eu possa te visitar?
E, oferecer-te um copo de vinho suave, e, com voz
caliente possas contar-me de seus amores, de suas
aventuras e das lembranças que vivestes... Oh
Musa, onde deixastes aprisionados meus versos?
Com que esfíngica chave trancastes meus tesouros?
Pois tão paupérrimo não consigo saldar o preço nem
ao menos de um hai kai... Quando retornarás?
Quem sabe à proa de um barco à deriva estejas tu,
oh Musa... ansiosa a esperar pelo socorro de seu
89
amado ... E quando ele vier te salvar, quiçá mais
uma história com ele possas compartilhar, e ele por
generosidade possa conosco também compartilhar.
Quem sabe em seu enredo haja uma nova Odisseia,
ou ao menos, um novo modo de amar... nem que
seja ao embalo de uma sonante voz a encantar por
no mínimo mil noites...
90
BOTECO
Ali seu mundo.
Chamam-no de João. Mas para ele tanto faz. Mal
não faria se o chamassem Raimundo, Beltrano,
Sicrano ou até mesmo José.
Pé de Boteco cravado em uma rodovia qualquer –
fachada velha, ares decadentes, risadas soltas,
conversas repetidas, lorotas cambaleantes, fígados
rotos, famílias em frangalhos – esse era o locos
amoenos de meia centena de trabalhadores a fugir
da realidade familiar, do trabalho, da crise social, da
crise da comunicação, da crise mundial; ali tudo se
podia, tudo se fazia, tudo se resolvia.
“Desce mais uma!” e a conversa corre solta.
“Ele é bom!” dizia o moreno sentado ao canto
solitário do extenso balcão – elogiando, talvez seu
distante amigo imaginário de outrora.
Os causos que a todos faziam rir esgotam-se com a
luz do vaga-lume na sombria noite de lua nova.
91
As aventuras são as mesmas desde que à primeira
vez pisou naquela tortuosa casa de álcool e smoke.
Ao esvaziar-se o último copo, João paga sua dívida
com a palavra. E o bar o cospe passando por suas
tortuosas escadas movediças e voadoras.
O pé nas nuvens, ainda a escutar seus amigos
imaginários.
Segue para sua segunda casa. Lá, mais do que
nunca: rei. Bate à mesa. Ruge. Cospe-se. Reclama-
se. O lampião já não lhe serve, pois seu líquido
queima-lhe a garganta.
Os guris? A amada? Sem brincadeiras, sem poesia,
sem o quente beijo.
“Onde aprendeu essa língua?” – reclama a esposa.
“Como é engraçado o papai, mamãe. Sempre nos
traz doces. Como ele é bom!”
E o céu acende mais uma centelha de esperança. O
dia pula cedo da cama.
Acende-se o fogão velho. O café e o pão surrado na
92
mesa. O lombo surrado de um honesto trabalhador,
na cadeira. O velho beija sua rainha. E com um olhar
arrependido clama a Deus um golpe de misericórdia
“despeja-me Senhor de minha primeira casa!”
(Marcio J. de Lima – 02/12/2010).
93
UM HOMEM CAÍDO NO CHÃO
Há um homem caído no chão. Quem se importa?
Bala ao peito. Sangue pintando a calçada. Um
sonho estendido no chão, uma esperança... Em
casa filhos riem inocentes. Um sonho desenha no
piso sua silhueta. Mas quem se importa? Todos
passam apressados, resignam-se com a lentidão do
trânsito, com a ignóbil figura, raquítica, de mãos
encouraçadas, de mochilas nas costas, com sua
térmica quebrada, marmita com um resto de comida
dando nojo nos transeuntes. Envergonha-lhes. O
ônibus vomita pessoas... Aos chutes o corpo anda.
Que culpa tinha este cristão? Todos atônitos com
seus anseios bradam “liberem a rua!” ”já é hora de
minha novela.” “Logo começa o jornal.” Todos
seguem... A chuva cai e lava o sangue... Lava a
discreta cal que ainda permeia nas mãos de nosso
pitoresco herói. O corpo está só. Jogado à rua em
frente à igreja. Ouvem-se primeiras cantigas
cantadas pelas beatinhas, pontualíssimas às sete
94
horas da noite... O sino toca... A plateia canta
animada o canto de acolhida. Uma criança
desobedece a mãe e sai correndo na chuva levando
em suas pequeninas mãos um cartãozinho com o
retrato de Nossa Senhora do Guadalupe. Ela para
tristemente em frente àquele moribundo corpo,
deposita em suas mãos a santinha. A mãe
preocupada com a filha, dissipa-lhe qualquer
vestígio de realidade, grita quase que desesperada
agarrando a mão da pequenina “venha aqui filha o
titio já sara!” A criança olhando para trás joga um
singelo beijo àquela figura. A celebração continua
calorosa.
(Marcio J. de Lima) 02/05/2011
95
BORBOLETA
Pobre moça que padece de sofrer de ingratidão.
Embora alegre, sei que segue na correria do
mundão. Não teve tempo de escrever, nem para
agradecer o milagre que agora narro, tão alegre de
prazer.
Aconteceu em uma clara tarde, os pássaros a
cantar, eis que passava bela; encantando até o mar.
Assobiava seus dourados anos, a vida a curtir; na
desfé sempre vivia, não se preocupava com o porvir.
Era estudo, casa, amigos, festas, bem próprio da
juventude, era como se eterna fosse, vivia sempre
livre pela cidade. Seus velhos esquecia, não
lembrando mais da infância. Fazia planos para o
amanhã, condizente com a ganância.
Pensou em tantos mundos, em tantas opções, tinha
tempo para tudo, mas esquecera das orações...
Retomando àquela tarde da qual eu lhes falava;
infelicidade nunca é certa; mas aconteceu onde ela
estava. Foi um carro desgarrado que a pegou por
96
um acaso – tempo depois fiquei sabendo com
detalhes todo o caso... A tristeza habitou seus dias a
partir desta tarde. Como uma chama ardeu sua
alma, com a ação de um ébrio, fraco, covarde...
Vários dias no hospital, a recuperar-se do ocorrido,
era a frieza que fazia seu vigor ser corroído, que era
dia a dia semeado da saudade de seus passos. Que
ia pouco a pouco deglutindo a alegria de seus
traços...
E o tempo foi passando, e o tempo fez-se amigo,
oportunizou ficar mais com seus e também mais
consigo...
Conhecendo muito mais, conheceu o que não
conhecia até. Olhando as crianças que brincavam
em seus risos, encontrou-se com a fé... Quis buscar
saber mais, donde vinha a esperança prometida há
tanto tempo por um Deus que se fez criança...
Os dias se passavam, em sua frente a natureza, era
rica em sua composição, diversificada em beleza.
“Se o Pai faz muitos milagres, por que em mim um
não faria?” Decidiu então pedir, ao Grande Deus,
todos os dias... Era busca incessante, oração,
97
fisioterapia. Buscou apoio também nos braços da
Virgem Maria...
Eis que chego de onde parti, da minha humilde
narração, pois ponho os meus versos a traduzir um
privilegiado coração...
Eis que à sua frente passa uma linda borboleta, bate
as asas intercalando cores preta e violeta...
Dá nela uma vontade de correr ao observar lindo
inseto, que celebra a vida em plenitude em seu viver
tão modesto...
Eis que uma perna se mexe, a outra a seguir, com
os braços se apoia, com seu corpo a erigir...
O milagre se opera, desde então começa a andar,
recupera como antes, sua beleza como o mar...
Os dias se sucedem, os amigos se reaproximam, se
afasta pouco a pouco, dos que de coração a
amam... dos quais quando está triste sempre a
reanimam.
Na correria do dia a dia, esquece-se de orar.
Agradecer é parar, e parar não quer pensar...
De braços abertos ficaram família, Deus e Maria.
98
Eles não querem o mal da moça, e cada um deles
diz “te amo, siga em frente minha filha!”.
(Marcio J. de Lima)
99
O BOITATÁ
Olá meus amigos! Eu não sou homem de contar
história à toa não. Sou trabalhador que valoriza o
tempo, e sei o quanto ele é precioso, embora saiba o
quanto somos sedentos de uma boa conversa à
moda antiga com todo respeito e bem contada...
Sendo assim, vou contar um causo para vosmecês
que não é que eu queira pôr medo em ninguém, mas
aconteceu de verdade, tá aqui cumpádi Gaudôncio
que não me deixa mentir.
Então, vamos ao que tenho que contar... Era numa
tarde de quinta-feira da semana santa, compadre
Beraldino, homem bravo domador de cavalo, não de
muita corpulência, mas de uma força sem igual, de
peleja dura, mão calejada que nem que eu, me
convidou pra ir à Chácara dele, para mor de
conhecê-la e ver o que tinha feito por lá. Em um
momento meu cumpadi ficou meio que amuado,
disfarçado, como alguém que tem uma coisa muito
importante pra contar... Eu que sou homem vivido,
100
que já vi muita coisa nessa vida, saquei em um
momento que era batata o que compadi tinha a me
assuntar.
E, pela expressão dele não era pouca coisa não.
Num repente ele me confessou que tinha
conseguido domar um Boitatá... E eu precisava
ajudá-lo com a fera... por saber de minhas
empreitadas com a besta. Mas confesso que nesses
assuntos de domar o danado eu não era muito bom.
A curiosidade acendeu...
Um silêncio caiu juntinho c'a noite. Confesso que por
já ter enfrentado o dito e não ter obtido êxito, fiquei
fã de meu cumpádi. Ele, como homem que já sofreu
muito – ao meu ver – silenciou como que já abatido
pelo ocorrido... E, eu continuei...
- Ora cumpádi, este bicho me surpreendeu quando
eu trabaiava à noite numa serraria, como vigia. Era
eu e mais outro amigo de profissão que tinha que
aluitar a noite inteira espantando a assombração
com medo que ele incendiasse toda madeirama lá
guardada. Te conto, era uma cobra de fogo que
pilampeava serpenteando uns quatrocentos metros
101
para cima e vinha mais ou menos uns sessenta
metros de onde nóis tava.
(Pausa... o locutor olhava ao longe tentando lembrar
o que ocorreu com olhar assustado meio que
ofegante, continuou)
- Cumpádi, vampiro se mata com estaca de madeira
no coração. Lobisomem com bala de prata, também
no coração... Mas Boitatá não... meu filho pesquisou,
disse que na nossa história ele foi já visto desd'o
descobrimento do Brasil pelo Padre Anchieta e vem
assombrando até hoje... sem que se descobrisse um
jeito de acabar com o dito cujo – Boitatá. Mas, creio
que pelo que venho assuntando com o povo... deve
ser com muita força e fé que se derrota esse bicho...
Mesmo que muitos digam que ele tem até serventia,
que é proteger as florestas... era o que desconfiava
quando cuidava da serraria, até achava que era
castigo... mas na verdade – não sei bem!
(Pausa)
- Mas, como tava falando – por isso que te invejo
meu cumpádi!
E a conversa rolou mais umas duas horas sobre a
102
temida assombração... O narrador, continuou...
- Numa das empreitadas, meu amigo de trabalho
tinha me contado que um amigo dele tinha
capturado um Boitatá. Amarrado ele se debateu a
noite inteira. No dia seguinte era um homem, assim
que nem que nós... de carne e osso. Muita vergonha
ele ficou, achando que era uma armação, descobriu
que se tratava de um amante de uma cumádi com o
cumpádi dela... É, dizem que tem Boitatá que nasce
daí... se não me engano... não me alembro bem...
Houve muito riso nesse momento. Quebrando-se um
pouco da tensão.
Pensei: “Se meu cumpádi me convidou para
conhecer ele, então homem que não havia de ser
aquele Boitatá...”
O sábado chegou... Convidei cumpádi Gaudôncio e
meu afilhado, já quase hominho, para ir junto à
chácara. Lógico não falei nada pra eles. Queria ver a
cara deles quando vissem o Boitatá, pois sempre
duvidaram de minhas histórias... Só não tinha bem
certeza se era da mesma forma que eles conheciam.
Uma cobra de fogo. Mas acho que de dia não ia
103
aparecer muito bem o fogo...
Chegamos lá. Compadre Beraldino estava laçando.
Víamos de longe o campo em que era praticado o
tiro de laço... Compadre Beraldino nos enxergou e
se dirigiu a cavalo nos receber na porteira, faceiro
que ficou. Comentou da laçada, perguntou se
lançávamos, e todos dissemos que não. Sem
cerimônia, nos perguntou se tínhamos vindo para
passar a noite por lá para pescaria e pra roda de
pinhão com chimarrão e uma fritada de tilápia no
disco e reforçou o convite pra gente pernoitar por
lá... Tínhamos preparado o básico para passar a
noite por lá... porque não estávamos muito convictos
que passaríamos a noite na chácara... Mas pra
pescaria estava todo material preparado... sempre
carregava minha caixa de pesca no carro...
Depois de um dia bem agitado no campo a noite
principiava... Cumpádi Beraldino se lembrou do
bicho. Como que uma certa preocupação assolou-o.
- Ah cumpádi – falou ele. Espero que vocês não
tenham medo. São homens vividos, o teu guri
cumpádi já se recolheu, restando só nós adulto por
104
aqui. Agora posso apresentar a vocês meu Boitatá.
Olhou-nos com olhar de uma certa malícia... talvez
por exibir sua vaidade...
Compadre Gaudôncio não entendeu muito o que
estava ocorrendo, pois eu não havia comentado...
Riu discretamente. Mas não falou nada, achando
que se tratava de uma brincadeira... Confesso, eu
estava um pouco ansioso e só. Não tava muito
espantado, pois conhecia a ousadia do cumpádi... e
ele chamou...
- Vem cá Tatá!
Já tinha dado até nome pro bicho que coragem
manter um certo afeto pela assombração, tinha
domado muito bem ela.
Meu coração gelou. No meio da mata escura só vi
dois olhos muito brilhantes e arregalados a se
mexerem em nossa direção. Não sabia se
aguentaria... Mas fiquei ali firme. Não olhei para os
meus compadres. Só mirava, arrepiado, a mata.
Minha história correu frente aos meus olhos. Quanta
luta travada com aquela figura lendária – para
muitos que não a conhecia como eu. E agora ela
105
estava ali na minha frente. Domada, mas não sei se
menos perigosa...
Eis que se aproxima fazendo um certo barulho na
mata. Vejo dois pares de chifres, como narrado por
alguns povos indígenas, o que o tornava mais
assustador ainda. Imaginei neste momento como o
minotauro... Como explicava esses dias na tevê –
metade homem metade touro... Era só imaginação
esta figura – lógico que não era assim... Se tratava
do Boitatá. É realmente tinha cabeça de vaca ou de
touro, sei lá, só sei que tinha uma mancha branca
muito luminosa no centro da cabeça em forma de
nuvem. Tonto, tentei falar... Mas não consegui. O
tempo não passava, parecia tudo congelado. O que
demorava quase uma eternidade ocorrer o que
ocorreu... Mas aconteceu... Saiu da mata um boi.
Sim era um boi! Corpulento, se aproxima de
compadre Beraldino, que põe sua mão sobre ele e
ele para.
Balançando a cabeça em sinal de aprovação penso:
“ realmente, dessa forma ainda eu não tinha ouvido
falar do Boitatá se manifestar quando domado –
106
aliás é a primeira vez que ouço falar nisso.”
Compadre Beraldino, um forte, fez um bom trabalho!
Podia ver no olho da fera seu fogo preso ali e esse
com certeza não mais apavoraria ninguém.
(Marcio J. de Lima)
107
O BOLO DO DILEMA
Eu e minha irmã a juntar latinhas.
Antigamente se chamava assim, (catar latinhas),
hoje a maioria das pessoas fala apanhar recicláveis,
ser operador ecológico, etc.
Não se tinha bem ao certo do valor deste
trabalho para o meio ambiente, nós juntávamos para
ajudar no orçamento da família. Nos dia atuais,
muitos pais de família tiram seus sustentos desse
ofício.
Fazia esse serviço com um carrinho feito de
madeira para ajudar no trabalho, eu mesmo o
produzi, o qual era carregado até quase não caber
mais nada.
Minha irmã ia junto comigo algumas vezes, o
que era conseguido por um insistente pedido “Mãe,
deixe eu ir junto!”. Ela punha um boné na cabeça
para esconder seus cabelos compridos para
disfarçar que era uma menina, para diminuir o risco
de alguma violência – o que hoje seria quase que
108
inconcebível. Mas enfim, naqueles tempos não se
havia falar em violência como hoje...
Certo dia, um casal de desconhecidos, em um
carro, se aproxima. E nos pergunta:
- Vocês querem este bolo?
Acenamos envergonhados com a cabeça, que “sim”
Estava feito o dilema. Minha mãe sempre
aconselhou a não pegarmos coisas oferecidas por
estranhos. Que bolo! Parecia delicioso. Hoje sei que
era um rocambole de amendoim. A minha irmã
segurava o bolo e ficava próximo ao carrinho
enquanto eu continuava a entrar no mato dos
terrenos baldios procurar recicláveis, que naquela
época em Guarapuava dos anos 90 era muito
comum serem jogados nesses, o que era favorecido
pelo serviço de limpeza pública deficitário.
A minha cabeça enquanto o tempo se seguia só
estava no bolo e no dilema, comê-lo ou não comê-lo.
Decidimos, mas com muito dó, a jogar o bolo e não
arriscarmos... Fiquei com a imagem daquele dia.
Minha irmã, anos depois me confidenciou.
109
NOITE DE NATAL
Quem à porta bate? Quem sabe Papai Noel? Quem
sabe um patrão em busca de trabalhadores para
colheita de alguma plantação? Ou será a mulher do
recadastramento para receber, de graça, o leite?
Quem sabe alguma pastoral na difícil missão de
saciar pobres famintos? Quem à porta bate? O
pessoal dos vicentinos com suas misericordiosas
cestas natalinas para alegrar o rosto de nossas
minguadas crianças? Quem sabe não seja só o
vento... Queira que não seja só tormento... Quem
sabe esperança... Ainda que tardia a nutrir nossos
rebentos a não repetir uma dura sina... Quem sabe a
verdade - cama quente – comida de gente... Que
não seja só a Clemência – mas a justa troca pelo
suado suor do serviço... Quiçá uma pueril criaturinha
que subiu a ladeira levando a seus pais a alegre
notícia – Deus Menino Nasceu e que este eco que
tilinta não seja somente de esperança, mas sim da
111
OLHOS BRANCOS
Um frio corre-lhe a espinha... Aquela ponte do Rio
Coutinho nunca fora tão extensa. Donde veio aquele
vulto? Movia-se a passos firmes e lentos... Aqueles
olhos brancos... Aquela figura toda coberta de barro,
fita à distância os olhos que estão alertas ao brilho
da luz alta dos faróis do carro que vem na outra
pista. Ele se aproxima - lentamente - em sua
direção. E o tempo paralisado parece não passar. A
luz de seu carro é baixada para não ofuscar a visão
do motorista que vem. A figura ao meio da ponte
desaparece... Sua razão não entende. Mas não ousa
perguntar neste momento. Qual seria a pergunta?
Qual seria a resposta? Fala lentamente à esposa
que lhe faz companhia “Para onde foi aquela figura?”
A mesma com voz quase sumida lhe responde “Não
sei! Você também viu?” O silêncio impera. A
resposta não vem...
113
MAIS UM BRASILEIRO
A chuva caía fria... Uma criança nos braços. Lá vai
mais um brasileiro. Chove mais ainda. O ponto de
ônibus é longe. O barro pesa-lhe o calçado. A
tristeza abala o seu coração. Seu filho nos braços.
Aquela raquítica figura, esquálida, de tez
acinzentada. Sua dor ainda mais forte com a febre
dele em alta, e o ofego se faz mais intenso.
Respirar... difícil. Durará mais algumas horas,
minutos...quem sabe?
Neste momento, não sabe se reza, ou se lamenta
por sua situação, ou se enfurece por toda dor no
mundo. Todavia, sabe que não deve desistir. O ponto
do lotação ainda está muito longe, chegar lá nunca
foi tão difícil. Ao se aproximar do ponto, lembra-se
que em seu último acesso de raiva participara da
destruição do mesmo. Na ora lhe parecera certo, era
o momento que se sentira poderoso. Todo seu
bando enfurecido mandara muitas pedradas lá –
assustou todo o bairro – era o poder – sua marca
114
registrada... Mas agora... que falta fizera o abrigo.
Como ficava numa área quase que inóspita, um
pouco distante de um lugar coberto, teria que ficar
ali... A chuva continua a judiar. A quem recorrer?
Ninguém - era sua resposta. Não tinha ninguém com
quem contar. Os amigos eram todos quebrados,
desempregados, desajustados... Talvez deveria
bater em alguma casa e clamar por ajuda. Era por
uma vida. Era justo... Mas quem abriria a porta a ele,
já que todos o temiam...
Tudo parecia ao seu redor melindrar seu coração... a
raiva o assolara. Encontraria respostas neste
momento de turbilhão de sofrimento? Lógico que
não era momento de pensar e sim, agir... Mas de
que jeito? Sabia que deveria esperar ali...
O lotação já viria... E, de fato logo após alguns
minutos um par de luzes – quase que celestes –
queimava o chão com milhares de vaga-lumes a cair
– pelo efeito da chuva... A esperança e a alegria
quiseram brotar naquele árido coração – ressecado
pela injustiça social... quando... o lotação acelera e
115
passa.
O motorista olha pelo para-brisa e tem a certeza que
desta vez não caíra em nova cilada. Afinal, com dois
assaltos na mesma semana, não contaria com
salário suficiente para cobrir o caixa, e seus filhos –
desta forma - passariam fome.
(Marcio J. de Lima)
116
DIALÉTICA AMOROSA
No princípio foi assim – um olhar perdido, um toque
casual... Um “oi” meio preso. Sentiu-se um calor,
algo tão bom...
Em meio a milhões de coincidências e tamanhas
congruências, duas algumas se convergiram – pelo
menos naquele instante – em uma só.
O tempo passa – e passa impiedoso. Vêm os
rebentos e frutificou um amor.
Pela correria do dia a dia, vêm as insanas buscas
que atordoam as enamoradas almas – e estas não
poderiam deixar de sofrer de tal mal, de se sentirem
atônitas...
Neste instante, tudo parece à deriva, e ficou assim
por um bom tempo. As histórias perderam a graça,
as amarguras vividas a dois deixaram de ensinar na
mesma intensidade que ensinavam, e perderam o
seu valor salutar ao casal – pelo menos
aparentemente...
117
Eis o momento da culpa. Quem é o culpado? Lógico
que não seria diferente – e a resposta óbvia – o
outro. Assim é mais fácil de responder – assim é
mais fácil de concluir – assim é mais fácil – é para se
proteger...
Saíram os pombinhos em uma – pretensa – busca
maior, primando à felicidade... que tinham a
impressão que não morava onde moravam.
Perdem-se os caminhos... E duas almas tão
solitárias e moribundas, reencontram-se, e, como se
tudo de ruim tivesse se exaurido, renasce um novo
amor – renasce o mesmo amor.
118
O PROTESTO
Com a onda de revolta contra tantas mazelas
sociais, o povo saindo às ruas para protestar por
tantas coisas mais que justas, minha tia motivada
por isso também resolveu protestar. Viu que só
quando há protesto é que muda alguma coisa – (in)
felizmente é esta a realidade.
Pois é... ela diz que meu tio é um tirano e que não
escuta sua voz. Embora o meu tio só tenha voz para
dizer “Sim amô!”. Dias atrás minha tia resolveu
comprar uma bolsa nova e meu tio a alertou que seu
salário não subira muito e que a inflação havia
comido parte do que ganhava e já não aguentava
fazer hora-extra em seu trabalho e almoçar pão com
mortadela – se bem do jeito que a coisa anda só vai
almoçar pão. E isso foi a gota d'água e desencadeou
uma reação muito... muito... do tipo da minha tia –
um jeito particular de sentir ódio que não sei explicar.
Então as reivindicações de minha tia eram: 1) ser
mais ouvida; 2) ganhar uma mesada mensal que
119
desse para fazer suas compras pessoais, pois não
tem salário e se dedica exclusivamente aos afazeres
domésticos; 3) ter pago seu INSS para um dia gozar
de aposentadoria; e o quarto e mais nevrálgico
ponto 4) levá-la às compras no final de semana, pois
não aguentava mais a dor nas varizes ao carregar
suas compras nos ônibus lotados, além da longa
espera no ponto de ônibus.
Meu tio pensou em criar uma comissão para ouvir
minha tia. E foi o que fez. Chamou seus cinco filhos
e nomeou o mais novo de oito anos e o mais velho
de quinze para participar da análise dos pedidos. O
mais novo pediu mais explicações para a sua irmã
do meio do que era salário, INSS e não entendia
porque seu pai não levava sua mãe de carro, pois
ele ficava na garagem a maior parte do tempo.
Depois de um longo debate depois de alguns dias
nas lan houses para pesquisarem o tema e
chegarem a algumas conclusões, continuaram os
trabalhos, pois o mais velho não queria conversar a
respeito – não tinha muita paciência com o mais
120
novo - enquanto ele não soubesse o que estava em
pauta. A comissão ficou com a análise por uns vinte
dias, o que levou minha tia a protestar novamente
deixando toda a criançada sem almoço por dois
dias. Depois da irmã do meio fazer o almoço nesses
dias - colocou mais celeridade ao processo.
Resolvido o impasse a comissão deu continuidade
aos trabalhos, com dois pedidos de queda do
representante mais novo, por desídia, o que foi
indeferido por maioria em uma plenária com a
participação de uma maioria absoluta em que até a
interessada, minha tia, votou.
A votação tinha sido tensa. Minha tia acordou muito
nervosa no dia seguinte. Criou alguns cartazes e
colou por toda a casa. A frase mais marcante foi
“Não sou escrava Zé! Tenho meus direitos!” Todos
viam a preocupação na cara de meu tio. O mais
novo até ficou com dó de meu tio por sua cara de
“gato de botas no filme do Sherek”. A minha prima
do meio era toda mãe – até a ajudou na confecção
dos cartazes. O mais novo esboçou uma
121
argumentação quase que ensaiada – ensinada às
escuras por meu tio, o que foi refutada pela brilhante
atuação de minha prima (do meio).
Chegou o grande dia. Depois de acalmado o
plenário. Deu-se início a votação. A minha tia
ganhou por maioria absoluta. Todos apoiavam a
minha tia, até meu tio, indiretamente. Todos diziam o
que não deve ocorrer nesta casa é baixaria, e todos
concordavam com isso, embora algumas vezes os
ânimos tenham se exaltado.
Dois meses se passaram... minha tia está feliz. Ela
conseguiu ser mais ouvida. Mas ainda não teve
paga nenhuma parcela do INSS, ganhou no lugar da
bolsa, uma sacola ultraecológica para as compras,
com um fundo retangular para parar em pé no
ônibus e; meu tio justificou por que o carro não saía
da garagem... estava estragado, o dinheiro do mês
ainda não foi suficiente para consertá-lo.
(MARCIO J. DE LIMA)
122
O MERCADOR DA LIBERDADE
Ela estava ali imóvel. Muito bem embalada, com o
preço à altura do pescoço. Um slogan bem atrativo
em sua camiseta. A embalagem valoriza o produto. A
aparência era tudo. Estava limpinha. O perfume era
bom, uma fragrância agradável que não irritaria o
cliente e quem não passaria despercebida. O
produto bom tem que ter um cheiro agradável. Ao
seu lado estava um outro produto sendo exposto,
tão bem produzido quanto ao primeiro, com todas as
características de aparência do lote, mas diferia-se
pelo gênero.
Vários consumidores passavam pela vitrine com
olhares cobiçosos. Uma boa olhada nos produtos,
outra nos preços e com sorrisos decepcionados
seguiam. Todavia, permanecia em seus olhares uma
indisfarçável cobiça, e mais um sonho a ser
realizado.
Como o mercado estava aquecido não demoraria
123
muito a serem arrematadas, essas ricas joias. Eles
certamente seriam vendidos! Mas, diferente de tudo
que a loja possuía, nesses dois espécimes havia
consigo a opção – antes de estarem ali - de
aceitarem ou não serem vendidos... Estavam ali
usufruindo o resultado de uma das coisas mais belas
que lhes havia sido entregue, o livre arbítrio.
Quem desperdiçaria tal negócio? Produtos de
primeira. Por isso não duraram mais que – para eles
quase que infinitos – quinze minutos para serem
vendidos, logo após a exposição. O negócio foi bom
para o proprietário da loja. Ambos foram vendidos
pelo preço de etiqueta. Sem pechincha, sem
barganha. O comprador só não tinha visto os olhos
dos dois, pois estavam vendados.
Ao chegar em sua casa o comprador, com toda
paciência que os anos foram responsáveis de
presenteá-lo, tirou as vendas, desembalou-os e os
recepcionou com fraterno abraço. Deu-lhes
alimentos, ofereceu-lhes abrigo – caso desejassem.
Ambos estavam a sua frente atônitos, nem
124
imaginavam - por não terem recebido em suas vidas
- a razão de tamanho afeto. Resolveram nada
indagar. Pois no contrato de compra e venda não
estavam as opções de emitir juízo, nem indagar. O
comprador falou: “paguei o preço por vocês e a partir
de hoje vocês estão livres de suas amarras... vocês
não são mais produtos, poderão emitir opinião e
gozar do prazer da contradição, além disso poderão
falar, reclamar, enxergar um mundo novo, amar,
chorar e fazer tudo que desejarem... o limite será o
infinito que se aponta aos seus horizontes. Sigam
seus caminhos – se isso for de seus desígnios –
sigam seus caminhos...”.
Sem nada mais a dizer, somente segurava um
sorriso tendo sua voz presa pela emoção, lágrimas
corriam pela sua face.
Ambos olharam fixamente o bondoso homem, sem
ainda nada entender. Saíram lentamente à rua...
Olharam para a humilde casa onde residia o
comprador, a qual situava-se em uma área central e
possuía um enorme terreno. À frente da casa estava
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um homem recolhendo uma placa de “vende-se”, era
o homem da imobiliária.
O casal ainda continuou a caminhar lentamente na
calçada, esboçaram um sorriso, esboçaram um
entristecer e entraram sem pudores em uma outra
loja. Ofereceram-se novamente a uma nova
promoção. Mas agora tudo seria diferente, pediram
para que seus olhos não fossem vendados.
(Marcio J. de Lima)
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