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Os Parâmetros Balizadores da Pesquisa no Brasil

Programa de PósGraduação em Educação MatemáticaDepartamento de Matemática, UNESP Rio Claro

29 de novembro de 2011

Uma reflexão geral sobre o tema visando estimular

discussão.

Ubiratan D’Ambrosioubi@usp.br

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Advertências sobre o perigo da mesmice

em pesquisa e em educação.

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“Devemos fazer um trabalho melhor em educar e comunicar ideias. A quantidade, profundidade e complexidade estrutural da matemática atual torna imperativo encontrar novos meios de comunicar descobertas matemáticas de uma especialidade para outra e drasticamente melhorar o acesso de ideias matemáticas aos não matemáticos. ... Isso requer novos currículos e um grande esforço por parte dos matemáticos para trazer técnicas matemáticas fundamentais e ideias matemáticas (principalmente as desenvolvidas nas últimas décadas) a uma audiência maior.”

Mikhael Gromov, 1998

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Citando Seymour Papert, 2001:“No meio dessa explosão de mudanças

[da sociedade moderna], a instituição escola continua do mesmo modo, em todos os países. Bilhões de dólares são desperdiçados.”

Parafraseando:“No meio dessa explosão de mudanças

[da sociedade moderna], os regulamentos balizadores da pesquisa são inibidores. Bilhões de dólares são desperdiçados.”

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Algumas citações que destacam questões que considero

críticas.

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A opinião de Évariste Galois (1811-1832)sobre exames e pesquisa (≈ aceitação deartigos):

“uma ciência nova, que vai aumentando cada dia, consiste em conhecer os desgostos e as preferências científicas, as manias e o humor dos senhores examinadores.” É. Galois, Gazette des écoles, 1831

Essa CIÊNCIA NOVA é praticada por alunos e por autores ao submeter artigos para publicação.

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A lição dada pelos ratos de laboratório.

“Tudo que vale é você fazer o que elesquerem que você faça”.

Sidney Harris e S.N.Arseculeratne, 1993

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fazer o que eles querem que você faça≈ A FORMA PREVALECE SOBRE

CONTEÚDO.

FORMA:● Preencher formulários e relatórios● Submeter o texto a padrões editoriais, muitas vezes exagerados, e a várias normas, particularmente sobre referências.

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Sobre verdade científica, pesquisa e orientação,

rigor e método .

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“O que me frustra é saber que um dia tudo isso será disprovado.”

Sidney Harris e S.N.Arseculeratne, 1993

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disprovado (não está no Houaiss) = provar ser falso ou errado

⇛ não há resultados finais, não há

conclusões definitivas.

A importância dada a conclusões podeinibir a criatividade.

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Sobre metodologia.

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Lembro as palavras de René Descartesno Discurso do Método (Primeira Parte):

“meu propósito não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo me esforcei para conduzir a minha. ... Os que se aventuram a fornecer normas devem considerar-se mais hábeis do que aqueles a quem as dão; e, se falham na menor coisa, são por isso censuráveis. ↝

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↝ Mas, não proponho este escrito senão como uma história, ou, se o preferirdes, como uma fábula, na qual, entre alguns exemplos que se podem imitar, encontrar-se-ão talvez muitos outros que se terá razão de não seguir, espero que ele será útil a alguns, sem ser danoso a ninguém, e que todos me serão gratos por minha franqueza.”

René Descartes, 1637

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“a pesquisa é uma coisa demasiado difícil para se poder tomar a liberdade de confundir a rigidez, que é o contrário da inteligência e da invenção, com o rigor, e (...) ficar privado deste ou daquele recurso, entre os vários que podem ser oferecidos pelo conjunto das tradições intelectuais da disciplina e das disciplinas vizinhas (...) livrai-vos dos cães de guarda metodológicos.”

P. Bourdieu

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Sobre as disciplinas ≈ enquadramento em áreas de

pesquisa, linhas de pesquisa.

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Depoimento de Antonio Coutinho, destacado imunologista da Fundação Gulbenkian:“Eu não poderia ter encontrado um mentor melhor do que Goran Moller. Ao iniciar a orientação, perguntei a ele "o que devo fazer" e a resposta foi "tudo o que você quer". Eu insisti e disse que precisava de um "projeto" para começar a trabalhar. Ele disse "muito bem, você vai ao redor, converse com as pessoas, leia, volte para discutir sempre que desejar, e em breve você vai encontrar o que você realmente quer fazer ". ↝

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↝ Com medo e não seguro, insisti que

eu preferiria ter um "projeto" e Goran respondeu "não estou aqui para ensinar técnicos; meu trabalho é educar cientistas". Estou certo que se Goran ouvisse a frase "o nosso laboratório está interessado em …". ele responderia "eu não quero saber no que o laboratório está interessado, mas no que você está interessado ".”

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As bases epistemológicas sobre as quais repousam as disciplinas são decisões internas à comunidade de especialistas dessa disciplina.

“Tem se tornado cada vez mais influente a ideia que para determinar a aceitação de uma teoria o que conta são as opiniões da comunidade científica (≈ peer review). Deste ponto de vista, os próprios cientistas constituem a corte suprema para dizer o que é ciência e o que conta como boa ciência”

G.E.R. Lloyd 2009.

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Sobreos mecanismos de avaliação.

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Substituição da responsabilidade dos editores de revistas e de avaliadores de projetos pelo anonimato dos peer review e pela prática do blind referee e double-blind referee.

O recurso a peer-review foi introduzido pela Philosophical Transactions of the Royal Society, da Inglaterra, que iniciou sua publicação em 1665.

⇛ mecanismo de farsa e nepotismo.

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Ainda sobre as disciplinas.

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As DISCIPLINAS,particularmente a Matemática,

tratam de conhecimento “engaiolado” na sua fundamentação, na sua

epistemologia, nos seus critérios de verdade e de rigor,

nos seus métodos específicos paralidar com questões bem definidas,

utilizando um código linguístico próprio,inacessível aos não iniciados.

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Há muito tempo tenho utilizado uma metáfora, equivalente à metáfora das

Torres de Marfim (M. Gromov 2009) ou da Casa de Salomão (Francis Bacon 1624),

para definir as disciplinas:

AS GAIOLAS EPISTEMOLÓGICAS.

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Os pássaros vivendo em uma gaiolaalimentam-se do que encontram na gaiola,

voam só no espaço da gaiola,comunicam-se numa

linguagem conhecida só por eles(código linguístico próprio),

procriam, repetem-se e só vêem e sentem o que as grades permitem.

NÃO PODEM SABER DE QUE CORA GAIOLA É PINTADA POR FORA.

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As disciplinas são matemática, biologia,religião, antropologia, música, linguística,física e muitíssimas outras.

O PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA =PROGRAMA ETNO+MATEMA+TICA

contempla todas essas disciplinas e nãoapenas a matemática.CUIDADO: Apesar de o nome sugerir, oobjeto da etnomatemática não é apenasmatemática das etnias.

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O Programa Etnomatemática, pela sua natureza dinâmica, avança sem se submeter às gaiolas epistemológicas e às metodológicas que subordinam a busca do novo.

O Programa Etnomatemática propõe uma leitura crítica e uma nova interpretação, TRANSDISCIPLINAR, TRANSCULTURAL e HOLÍSTICA das ideias basilares às várias disciplinas.

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O Programa Etnomatemática pode ser definido como o estudo das artes e técnicas que, ao longo da evolução das diversas culturas, permitem ao homem explicar, entender, lidar com, modificar o ambiente natural, social e imaginário no qual se inserem essas culturas.

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ETNOMATEMÁTICA É UMPROGRAMA DE PESQUISA EMHISTÓRIA E FILOSOFIA, E AS

IMPLICAÇÕES NA EDUCAÇÃO.

Ubiratan D’Ambrosio: Ethnomathematics: A Research Program on the History and Pedagogy of Mathematics with Pedagogical Implications, Notices of the American Mathematical Society, December 1992, vol. 39, n°10, pp.1183-1185

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ETNOMATEMÁTICA É UM “NOME CONCEITUAL”, ISTO É, UM NOME

QUE CONTÉM UMA DEFINIÇÃO.

• os modos, estilos, maneiras, artes ou técnicas ⇛ tecne = tica.

• de entender, de explicar, de aprender e ensinar, e de manejar ⇛ matema.

• o meio ambiente natural, social e político ⇛ etno.

levou-me a compor a palavraETNO + MATEMA + TICA

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A metodologia de pesquisa por excelência do Programa Etnomatemática examina a passagem

● de práticas ad-hoc para métodos,● de métodos para teorias

(➣ explicações),● de teorias para invenção

(ciência ➣ projeções).

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O Programa Etnomatemática tem por objetivo entender

● a GERAÇÃO,● a ORGANIZAÇÃO INTELECTUAL E SOCIAL,● a DIFUSÃO E TRANSMISSÃOdo conhecimento e comportamento humanos,

acumulados, em permanente evolução, como um “ciclo helicoidal”, em distintas regiões do planeta e em distintos momentos da história, resultado de permanentes encontros culturais.

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para explicar, entender, lidar com a

INDIVÍDUO povo (SOCIEDADE)

é DEVOLVIDO ao povo como conhecimento.

que gera conhecimento

que é, através de códigos, símbolos

e comunicação,

e, após mistificação e filtros, forma

sistemas e

individual e socialmente organizado

expropriado pelo PODER

e institucionalizado em setores e disciplinas

para servir

informa

REALIDADE (natural, social, mística, memorizada, imaginada)

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A GERAÇÂO DO CONHECIMENTO:O CICLO

REALIDADE ➣ INDIVÍDUO ➣ AÇÃO

AÇÃO

REALIDADE

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PREMISSA: o objetivo da geração de conhecimentos e comportamento é a satisfação dos pulsões básicos de SOBREVIVÊNCIA e TRANSCENDÊNCIA, o que depende de lidar e de explicar a natureza de tempo e de espaço.

Esse objetivo é abordado diferentemente em várias TRADIÇÕES.

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O PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA promove o encontro das disciplinas com as tradições.

Entendo por TRADIÇÕES o complexo de conhecimentos compartilhados e de comportamentos compatibilizados, que são intrínsecos a um grupo cultural.

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UMA QUESTÃO MAIOR:Ao longo da história e em lugares diferentes, há confronto ou encontro das tradições?

TRANSDISCIPLINARIDADE eTRANSCULTURALIDADE

focalizam essa questão como a

DINÂMICA DE ENCONTROS CULTURAIS.

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ANTECEDENTES:Etnografia, Etnologia

Fenomenologiaver Ubiratan D’Ambrosio: Fenomenologia e

etnomatemática: para além das grades da gaiola, IHU ON-LINE Revista do Instituto Humanitas Unisinos, nº378, ano XI, pp.39-40.

Etnometodologiaver Ubiratan D’Ambrosio: Etnometodologia,

Etnomatemática, Transdisciplinaridade: embasamento crítico-filosófico comuns e tendências atuais, Revista Pesquisa Qualitativa, ano 1, no 1, 2005, pp. 155-167.

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